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Falo de História: Gustav Vigeland

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André Moreira

André Moreira

por Filipe Chagas

Oescultor noruguês Gustav Vigeland (1869-1943) nasceu Adolf Gustav Thorsen, o segundo de quatro irmãos, em uma família religiosa de artesãos, nos arredores de Mandal, ao sul da Noruega. Explorou seu talento criativo desde cedo na oficina de carpintaria de seu pai. A certa altura, seu pai investiu quase toda a fortuna da família em navegação, porém, acabou perdendo tudo. Decidiu, então, abrir um pub no térreo de sua casa de três andares. Com o passar dos anos, o alcoolismo fez sua esposa abandoná-lo, levando os filhos com ela para a fazenda de seus pais em Vigeland*.

* A oeste de Mandal, Vigeland derivaria da palavra nórdica para “terra viking”.
Retrato do escultor em seu ateliê.

Fascinado pela relação entre matéria e espírito, o jovem Gustav foi enviado aos 15 anos para uma escola em Oslo, onde trabalhou como aprendiz do entalhador Torsten K. Fladmoe (1831-1866). No entanto, a morte repentina de seu pai por tuberculose o obrigou a voltar para Mandal para ajudar sua família 18 meses depois.

Determinado a se tornar um escultor profissional, passou a estudar incansavelmente catálogos ilustrados e livros de anatomia. Voltou para Oslo em 1888 para perseguir seu sonho e acabou chamando a atenção do escultor Brynjulf Bergslien (1830-1890), que levou os esboços do rapaz a Lorentz Dietrichson, professor de História da Arte na Universidade de Oslo, que ficou igualmente impressionado. Os dois contataram amigos e conhecidos para fornecer apoio financeiro a Gustav. Isso lhe deu alívio financeiro por um tempo, mas fazia o rapaz se sentir dependente de seus benfeitores. Sendo o único escultor de sua classe na Royal School of Drawing, Vingeland acabou sendo protegido pelo professor e escultor Mathias Skeibrok (1851-1896) que, ao assumir cargos em comitês que forneciam fundos a artistas emergentes, beneficiou o jovem escultor.

Depois de nove meses recebendo treinamento prático no estúdio de Bergslien, Gustav assumiu o sobrenome “Vigeland” e estreou no outono de 1889 com o grupo de esculturas Hagar e Ismael (imagem ao lado) no Salão Anual de Outono em Oslo.

Em janeiro de 1891, fez sua primeira viagem de estudos com uma bolsa estatal. Em Copenhagen, trabalhou no estúdio do escultor Vilhelm Bissen (1836-1913) – onde criou seu primeiro grupo escultórico em tamanho real, Amaldiçoado (imagem abaixo) – e ficou conhecendo a obra do grande escultor dinamarquês Bertel Thorvaldsen. Mas foi na capital francesa, no primeiro semestre de 1893, que encontrou sua maior referência ao visitar a oficina de Auguste Rodin. Impactado com as Portas do Inferno do escultor francês, voltou à Noruega para produzir Inferno, relevo escultórico carregado de expressividade e combinado com uma forma dissolvida, quase esboçada.

Vigeland abriu sua primeira exposição individual em outubro de 1894 e Jean Thiis, historiador de arte norueguês, restaurador e um destacado diretor de museu, decretou:

Ele é jovem. Prestemos atenção a ele e não tornemos injusto o seu talento. Ele se aventurou mais do que qualquer um antes dele.

Sua segunda viagem de estudos o levou a Florença e Berlim. Na Itália teve acesso a obras de arte antigas e renascentistas e desenvolveu um maior apreço pelo naturalismo anatômico, sem abandonar a carga emocional. Na capital alemã, se aproximou do grande nome da pintura norueguesa naquele momento, Edvard Munch, chegando a dividir quarto e estúdio*. Uma das pessoas mais proeminentes em Berlim na época era o intelectual polonês Stanislaw Przybiszewski, que foi o primeiro a publicar um artigo sobre a obra de Vigeland em uma revista europeia, aumentando a visibilidade do artista entre os jovens escultores na virada do século.

* Rumores dizem que, durante uma discussão, Vigeland jogou o busto que fazia de Munch no pintor e isso estremeceu a relação entre eles.

Ainda na desesperada falta de renda, Vigeland aceitou sua primeira encomenda para a decoração escultórica da Catedral de Nidaros em Trondheim. Ao todo, ele modelou 44 esculturas para a Catedral no período de 1898 a 1902.

Em 1899, organizou sua segunda (e última!) exposição individual em Oslo, que recebeu críticas elogiosas e destacou sua posição como um dos principais escultores da Noruega. No mesmo ano, nasceu sua filha Else, fruto de seu relacionamento com Laura Mathilde Andersen, uma das modelos para sua obra Inferno. Em 1901, nasceu Gustav, porém, Vigeland conheceu Inga Syvertsen, de 16 anos, que se tornaria sua namorada e assistente por 20 anos.

Após um tempo estudando arquitetura gótica na França e na Inglaterra, Vigeland foi convidado pelo Comitê Norueguês do Nobel para participar de uma competição fechada pela medalha do Prêmio Nobel da Paz. Inspirado pelas Três Sombras de Rodin, o escultor venceu a competição* e ainda foi premiado com a Ordem Real Norueguesa de St. Olav, Cavaleiro de Primeira Classe.

* A medalha de ouro 18 quilates ficou pronta para a cerimônia do Prêmio Nobel da Paz em dezembro de 1902 e continua com o mesmo design. Vigeland também fez um busto monumental de Alfred Nobel, encomendado pelo mesmo Comitê em 1903.
Acredito ter dado à medalha uma expressão mais solta e livre.

Por volta de 1902, retornou a Oslo e obteve da cidade um estúdio abandonado para trabalhar. Seu período mais produtivo como retratista foi em 1903, quando modelou 10 bustos. Nos anos seguintes, participou da Nordic Art Exhibition no Keizer Wilhelm Museum na Alemanha e da exposição Entwicklung des Impressionismus em Malerei u. Plastik, em Viena, como o único artista da Noruega, mostrando sua relevância no cenário cultural.

Trabalhador
gesso (1900).

Com a independência da Noruega em 1905, Vigeland recebeu inúmeras encomendas de estátuas e bustos públicos para celebrar seus compatriotas. Em 1906, propôs uma fonte monumental para a praça Eidsvolls em frente ao Parlamento, que acabou não sendo realizada. O Monumento Abel – considerado o marco definitivo de seu renome internacional – foi inaugurado no Palace Park em 1908, em Oslo. No ano seguinte, foi apresentado no Salão de Outono de Copenhague ao lado de Munch como “os dois grandes artistas contemporâneos”. Após expor na Exposição Universal de Bruxelas em 1910 e na National Gallery em Londres, Vigeland parou por conta da Primeira Guerra.

O Monumento Abel, homenagem ao matemático norueguês Niels Henrik Abel.

Após a Primeira Guerra, suas esculturas se tornam mais simplificadas, com menos detalhes e maiores superfícies e volumes. Essa mudança coincidiu tanto com a alteração de matéria-prima (do mármore para o granito) quanto com as transformações artísticas de vanguarda, já que ele havia manifestado interesse pelas formas de Matisse e Picasso.

"Os mendigos" foram exibidos na Exposição Universal de Bruxelas e receberam bastante atenção.

Em 1921, a cidade de Oslo decidiu demolir a casa onde Vigeland morava para construir uma biblioteca. Após uma longa negociação, Vigeland conseguiu um enorme estúdio, onde poderia trabalhar e morar com a sua família* em troca de doar à cidade TODAS as suas obras, incluindo esculturas, desenhos, gravuras e maquetes. O acordo também não pagava honorários ou salário, mas autorizava a participação em competições ou assumir encomendas privadas.

* Nesse ano, Vigeland rompe com Inga e, no ano seguinte, se casa com Ingrid Vilberg.

O novo estúdio estava localizado nas proximidades do Frogner Park, que ele havia escolhido como local definitivo para sua fonte monumental. Nos vinte anos seguintes, Vigeland se dedicou ao projeto de uma exposição aberta de suas esculturas, que veio a se tornar o Vigeland Sculpture Arrangement (Vigelandsanlegget): 340 acres de parque com 212 esculturas de bronze e granito. Pensar no parque também contribuiu para mudanças formais, uma vez que esculturas ao ar livre exigem uma linguagem formal mais monumental**. A figura individual desaparece em favor dos grupos escultóricos: são as típicas relações humanas gerais que são retratadas.

** Alguns críticos de arte consideraram as esculturas de Vigeland expressões da estética nazi-fascista, sendo até comparado a Arno Breker. No entanto, Vigeland manteve uma estética puramente expressionista sem qualquer intenção política ou nacionalista.
A fonte monumental em bronze possui um grupo central com seis gigantes que sustentam a grande bacia e dela uma cortina de água se derrama ao redor. Os gigantes, representando homens em diferentes idades, podem ser interpretados como o fardo da vida. A fonte é cercada por 20 grupos de árvores numa expressão romântica da relação do homem com a natureza. São formados individualmente e contam a história da humanidade desde o berço até o túmulo, começando com uma árvore envolvendo bebês recém-nascidos e terminando em uma figura esquelética quase irreconhecível da árvore.
Livshjulet, a Roda da Vida, apresenta pessoas entrelaçadas em um ciclo vicioso com 3 metros de diâmetro.
A ponte do parque possui 58 esculturas em bronze entre homens, mulheres e crianças, todos nus, em diversas poses. Os temas compartilhados são diversão, luxúria, energia e vitalismo.
Monolitten (Monolito) é a grande obra de Vigeland, uma coluna de 17 metros de altura, construída em um único bloco de granito maciço, com 121 figuras humanas (26 homens, 31 mulheres, 32 meninas e 32 meninos) que parecem escalar umas sobre as outras em direção ao céu, como uma metáfora para o desejo das pessoas pelo divino e pelo espiritual. Além de ter feito um modelo de argila em tamanho real (1924-1925), Vigeland precisou da ajuda de três escultores trabalhando diariamente entre 1929 e 1942 para concluir o monumento. Em torno do Monolito, estão 36 grupos escultóricos em granito.
A coluna é a minha religião.

Viveu e trabalhou em seu estúdio até sua morte em 1943 de uma infecção cardíaca. Suas cinzas ainda estão preservadas no campanário do prédio. O edifício inteiro tornou-se o Museu Vigeland (Vigelandsmuseet) em 1947 e seu apartamento no terceiro andar foi preservado com obras, modelos de gesso, peças de design, mais de 12 mil desenhos, 400 xilogravuras e padrões para toalhas de mesa, travesseiros e tapetes.

Vigeland era uma pessoa complexa, retraída e tímida em muitos aspectos, mas também muito estratégica. Abordou pessoas importantes para retratá-las e, ao fazê-lo, tomava a liberdade de pedir conselhos e assistência, como o compositor Edvard Grieg, o autor Knut Hamsun e o escritor Henrik Ibsen. O artista raramente dava títulos às suas esculturas para não direcionar as expectativas dos espectadores.

A escultura mais amada do parque é Sinnataggen (ou “Garotinho esquentado”), que mostra um garotinho batendo o pé no chão com raiva. É também chamado de “Mona Lisa de Vigeland”. Suas mãos e pés brilham porque todos querem tocá-lo.

Iniciado academicamente no naturalismo norueguês, Vigeland em seus primeiros trabalhos lutou para obter proporções realistas: o desejo de análise anatômica e representação natural nunca foi um objetivo em si. Ele buscava a experiência interior que o pendia à estética francesa de um Neo-Romantismo, um Simbolismo e, até mesmo, um Realismo com as representações do ciclo da vida e das lutas internas do indivíduo comum. 8=D

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