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Bibliófalo: Vira-lata de raça
from Falo Magazine #8
Antes de falar do livro em si, entenda: Ney Matogrosso (1941-) é um ícone da cultura brasileira. Esse artista (“não escrevo ‘cantor’, pois não quero me limitar”) deveria ser uma referência para todos aqueles que hoje exploram seus corpos publicamente, com ou sem nudez. Apesar de não gostar do termo “empoderamento”, a coragem de Ney em enfrentar de peito nu – literalmente – um dos períodos mais sombrios da história brasileira é engrandecedor. Aliás, Ney deveria ser um exemplo para todos nós na forma como lida com a vida, com o tempo, com as adversidades. Não estou sacralizando a figura de Ney, mas, após a leitura de sua biografia (escrita com a organização e a pesquisa do poeta Ramon Nunes Mello), tenho certeza que o sagrado e o profano fazem parte dele e o ajudam em sua constante reinvenção.
Neste livro, o cantor Ney Matogrosso lembra de momentos marcantes de sua trajetória pessoal e profissional, de sua infância no Mato Grosso – principalmente a relação conturbada com a autoridade do seu pai –, passando pelos anos 1970, quando despontou no cenário nacional em meio à ditadura, até os dias de hoje. Mesmo falando abertamente, consegue preservar sua intimidade, ressaltando sua formação familiar, os lugares onde viveu pelo país, sua conexão espiritual com a natureza, as experiências com drogas e a liberdade para lidar com sua sexualidade e seus amores, o combate à censura e a transgressão estética.
Ao criar seu personagem com maquiagens, figurinos e adereços andróginos para o Secos & Molhados, Ney sabia que precisava liberar seu corpo para se expressar artisticamente independente de qualquer vergonha que tivesse, fosse das mãos, dos pés ou de tirar a camisa na frente dos outros.
Para Ney, rótulos são formas fáceis e práticas de manipulação (“O que esquecem é que uma pessoa é muito mais do que um rótulo”). Encontrou, então, a melhor forma de contestar um pensamento hegemônico e um padrão de masculinidade da época ditatorial, que não permitia ao homem exercer sua sensualidade (“um homem nu, de voz aguda, requebrando no palco”):
Ao rever essas lutas, quando chegou a ter militares no palco vigiando suas apresentações (“hoje em dia o nu está banalizado, quando eu ficava nu era proibido”), Ney acredita que vivemos um período pior, onde, talvez, o Secos & Molhados jamais fizesse sucesso. Porém, crê na arte como sua salvação e, portanto, a possibilidade de sermos melhores:
Amén! 8=D