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A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA DA MODA: UMA PERSPECTIVA DO SUL GLOBAL
Maria GlóriaLeal S. de Oliveira; Universidade Estadual da Paraíba; mglorialeal.s@gmail.com
Resumo: O objetivo do presente ensaio é analisar sob uma ótica crítica o caráter violentador dos direitos humanos na indústriada moda, com enfoque no sul global e no ciclo exploratório entre suas populações e conglomerados fashion internacionais. Utiliza - se como base a pesquisa referencial da visão de diversos autores sobre o tema, via consulta e coleta de informações em artigos científicos e obras acadêmicas.
Palavras-chave: indústria da moda; direitos humanos ; exploração; sul global; relações internacionais
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A indústria da moda se caracteriza, na contemporaneidade, como um sistema que usa de ações exploratórias e sistemáticas para se perpetuar como uma das maiores atividades econômicas do mundo (ABIT, 2015), e o objetivo do presente ensaio é analisar sob uma ótica crítica esse caráter violentador dos direitos humanos com enfoque no sul global. Seguindo essa ótica, podemos começar a analisar comoos estudos sobre globalização e o Sul Global tendem a tratar essa região como um agente passivo, quando na verdade os países latino americanos estão cada vez mais buscando protagonismo internacional por meio da abertura de mercado e do liberalismo (ALDEN, MORPHET & VIEIRA, 2010, p. 18). Dessa forma, países do norte e historicamente colonizadores tem a oportunidade de perpetuar uma relação colonialista com o Sul Global, de maneira que empresas multinacionais da indústria têxtil buscam países periféricos, os quais almejam mais espaço no mercado capitalista global e acabam flexibilizando suas fiscalizações trabalhistas, permitindo um ciclo exploratório entre suas populações e grandes conglomerados fashion internacionais. Assim, os civis acabam por sofrer com violações de seus direitos humanos (as quais serão aprofundadasmaisafrente), pois possibilidade de a dentrar nessas cadeias produtivas e fazer parte do comércio internacional com a promessa de crescimento econômico não veio acompanhada de possíveis benefícios sociais para a população subalterna. (ZORATTO, 2020, p. 4).
Portanto, pode - se observar que as relações escravista na região da América Latina e países periféricos persiste nos dias atuais, sendo a indústria da moda uma das principais responsáveis pela perpetuação dessa violência sistemática em países historicamente em um lugar de subalternidade. Ainda, diante do breve contexto apresentado, é válido ressaltar que o Brasil utiliza predominantemente a mãodeobra imigrante oriunda de países vizinhos da América Latina, como a Bolívia e o Peru para trabalhar nas empresas multinacionais fast fashion; conjuntura essa oriunda da dimensão da globalização a qual busca ampliação domercado consumidor e produção maior e mais acelerada, visando, assim, atender as demandas mercadológicas em relação à crescimento e internacionalização mais intensa do comércio. Por fim, no intuito de alcançar a análise do tema proposto apartir de uma visão crítica de Direitos Humanos, as temáticas abordadas anteriormente serão mais discutidas ao longo do ensaio, que utiliza como base a pesquisa referencial da visão de diversos autores sobre o tema, via consulta e coleta de informações em artigos científicos e obras acadêmicas.
DIREITOS HUMANOS
A priori, é imprescindível questionar a noção de direitos humanos da atualidade, visto que muitas vezes segue-se um padrão europeu, o qual define a partir da sua visão etnocêntrica o que é exploratório e o que é violentador. Contudo, como é possível só um povo, com uma única visão, definir o que é dignidade humana para todo o globo? É nesse contexto que Barreto (2014, p. 166) critica os conceitos de direitos humanos fundado, primeiramente, sob os ideais da Revolução Francesa, e em seguida, fundado pela comunidade internacional a partir da vontade de impedir um novo Holocausto. Assim, segundo o autor, é preciso analisar o contexto político de várias vivências, principalmente as violências e explorações vividas pelo Sul Global, para determinar um conceito de direitos humanos que abarque a maioria das populações globais.
Corroborando com essa tese, Grovogui (2006, p. 1) cita como uma das fontes dessa ideia exclusivista dos direitos humanos a rejeição histórica e filosófica de novas concepções que desafiem a inerente universalidade atribuída a formação do conceito ocidental de direitos humanos. Desse modo, o apagamento histórico dessas violências e a negação a novas concepções, se relaciona diretamente com a invisibilidade que os trabalhadores latinoamericanos da indústria da moda sofrem diariamente. Isso ocorre de forma que as condições insalubres no ofício, a baixa remuneração e as exaustivas horas de trabalho são problemáticas não reconhecidas como violação dos direitos humanos, pois segundo o conceito eurocêntrico defendido por Grovogui, apenas com a violação do seu povo e da forma como aconteceu em sua Histórica há o devido reconhecimento. Por conseguinte, condições vexatórias como essas não são averiguadas e solucionadas, pois são vistas como intrínsecas às demandas da cadeia produtiva de grandes multinacionais e empresas do setor da moda, sendo um modelo de trabalho normalizado na sociedade.
CADEIAS PRODUTIVAS DA MODA
Dessa maneira, é necessário compreender a complexidade desse sistema a fim de desenvolver criticidade sobre o tema. De certo, a indústria do vestuário é uma das que mais cedeu ao novo paradigma trazido ao século XXI pela globalização, de que é preciso peças novas rapidamente, pois logo se tornam obsoletas e descartadas, além da necessidade de produção em larga escala e de baixo custo (MATOS & MATIAS, 2018, p. 9); isso ocorre devido a internacionalização em massa de grandes multinacionais do mercado – que atualmente, em sua maioria, adotam esse modelo produtivo fast fashion – como as mais populares no Brasil: C&A, Renner, Zara, entre outras. Nesse viés, destaca-se o objetivo dessas multinacionais: atrair os clientes com preços acessíveis e em um ritmo acelerado, aumentando assim a frequência da compra, que por consequência trazem para a classe média brasileira uma democratização da moda com tendências das cidades referências na moda mundial:
Paris, Milão e Nova Iorque. Em contrapartida, há o lado dessa cadeia produtiva que não é nada cativante, tendo em vista que é necessário uma produção de baixo custo e de alta demanda, logo, busca-se uma mão de obra barata. Essa conjuntura leva milhares de pessoas – principalmente de países do Sul Global, como da Bolívia e Peru, além de outros países periféricos como de Bangladesh, Etiópia e Vietnã – a serem exploradas em condições degradantes, como citado anteriormente. Contudo,todas as multinacionais supracitadas já sofreram processos, mas como de costume, conseguiram não ser punidas gravemente, ao utilizarem o argumento de que não possuem responsabilidade pelos atos de empresas terceirizadas.
Relacionando a esse contexto, é importante a visão de Grovogui (2006, p. 23) sobre a escravidão moderna, que segundo o autor, foi fundada na racionalização política dos processos de trabalho, uma instrumentalização da vida humana nunca vista antes das colônias. Ou seja, essa desumanização dos trabalhadores oriunda do neocolonialismo e toda a conjuntura sistemática de precarização das condições de trabalho nas cadeias produtivas da moda apresentada neste ensaio favorece a perpetuação do trabalho análogo a escravidão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, é perceptível como a indústria da moda causa diariamente a exploração de milhares de trabalhadores de países periféricos, os colocando em situações vulneráveis, vexatórias e degradantes que ferem os seus direitos humanos. Dessa forma, é possível concluir que o modelo capitalista de poder eurocêntrico e global está diretamente ligado às disputas históricas pelo controle do trabalho e da autoridade coletiva, e são, portanto, elementos e processos que constituem o padrão de poder (HOLLANDA, 2020, p. 64).
Por fim, compreende - se a sistemática dessa indústria sob a percepção crítica dos direitos humanos ditados pelo eurocentrismo, portanto, evidencia-se a necessidade de emancipação do atual conceito para uma perspectiva mais inclusiva e que busque a ascensão de outras nações, como as do Sul Global. Assim, mesmo diante da falta de averiguação e responsabilização tradicional, é possível almejar processos e ações empresariais mais éticos dentro da Moda e suas cadeias produtivas, por meio de muita reivindicação dos movimentos sociais, que visem a desconstrução desse sistema exploratório, não deixando de lado o incentivo ao protagonismo dos agentes locais nessa luta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALDEN, Chris; MORPHET, Sally; VIEIRA, Marco Antonio. The South in World Politics. Palgrave Macmillan, 2010.
BARRETO, José-Manuel. A Universal History of Infamy – Human Rights, Eurocentrism, and Modernity as Crisis. In: Singh & Mayer. Critical International Law – Postrealism, Postcolonialism and Transnationalism. Oxford University Press, 2014. GROVOGUI, Siba N. Elements of a Postcolonial Human Rights Discourse. In: JONES, Gruffynd. Decolonizing International Relations. Editora Branwyn. 2006. LUGONES, María. Colonialidade e gênero. Em: HOLLANDA, Heloisa Buarque (2020). Pensamento Feminista Hoje – Perspectivas Decoloniais. Bazar do Tempo, 2020.
MATOS, Laura Germano; MATIAS, João Luis Nogueira. Multinacionais fast fashion e direitos humanos: em busca de novos padrões de responsabilização. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 2, 2018, p. 254-268 ZORATTO, M. C. de A. Trabalho feminino na indústria da moda e a luta contínua por direitos humanos. Homa Publica - Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas, Juiz de Fora, Brasil, v. 4, n. 1, p. e:061, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/ HOMA/article/view/31090. Acesso em: 4 oct. 2021.