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RACISMO AMBIENTAL: AS CONSEQUÊNCIAS INVISÍVEIS DA INDÚSTRIA DA MODA
Resumo: O trabalho proposto apresenta como finalidade a elucidação das possíveis relações entre a Indústria da Moda e o racismo ambiental. Dessa maneira, será explorado os impactos ambientais de tal Indústria, sobretudo, exteriorizado na forma de injustiças socioambientais. Por fim, buscar-se-á traçar possíveis soluções e perspectivas acerca da problemática.
Palavras-chave: Indústria da moda; impactos ambientais; racismo ambiental.
INTRODUÇÃO
A exploração de recursos naturais é inerente ao desenvolvimento da sociedade. Desde os primórdios da humanidade, o homem extrai o seu sustento da natureza, fazendo com que a geração de impactos ambientais seja consequência direta da existência humana. Embora tais impactos sejam intrínsecos ao estilo de vida adotado pela sociedade, verifica-se que os movimentos sociais de urbanização, modernização e industrialização tendem a potencializá-los. Diante disso, a coletividade se convenceu de que as externalidades ambientais negativas provenientes do desenvolvimento econômico decorrem de uma necessidade social.
Neste cenário de banalização de riscos ambientais, torna-se importante observar a forma desigual pela qual os impactos e os danos ao meio ambiente recaem sobre diferentes grupos. Isso porque, numa sociedade desigual, as situações de injustiça ambiental afetam de maneira mais incisiva os grupos em condição de vulnerabilidade social.
A partir deste raciocínio, o presente trabalho se propõe a analisar, especificamente, os impactos ambientais oriundos da indústria da moda, que apresenta intensa produtividade e consequente poluição, averiguando, também, como e porque determinados grupos estão mais expostos à riscos e consequências ambientais que outros. Diante disso, surge a seguinte pergunta-problema: há uma relação de causalidade entre a intensidade da indústria da moda e o racismo ambiental? Para tanto, emprega-se nesta pesquisa, com base no seu objetivo geral, a metodologia exploratória e, no que tange ao método, utiliza-se o hipotético-dedutivo, por meio da técnica de análise bibliográfica.
INDÚSTRIA DA MODA, IMPACTOS AMBIENTAIS E O HIPERCONSUMO
De maneira inicial, é possível inserir a sociedade atual em um contexto de (hiper) consumismo. Dessa forma, o ciclo consumista iniciado com as Revoluções Industriais nos séculos XVIII, XIX e XX assume proporções nunca imaginadas. Tal situação exteriorizada na modernidade, como defende Lipovetsky (1989), afeta diversas áreas da sociedade, sobretudo, a Indústria da Moda, o que além de impactar a coletividade, com a imposição de padrões de consumo e de segregação, impacta o meio ambiente.
O fenômeno atual do hiperconsumo é explicado pelo autor:
Nos nossos dias, o entusiasmo pelas marcas alimenta-se do desejo narcisista de gozar o sentimento íntimo de ser uma ‘pessoa de qualidade’, de nos compararmos aos outros achando-nos em vantagem, de sermos melhores que as massas, sem nos importarmos com a aprovação dos outros ou com o desejo de lhes provocar inveja. O culto contemporâneo das marcas traduz uma nova relação com o luxo e a qualidade de vida. (LIPOVETSKY, 2007; p. 41)
Assim, consequência lógica da falsa percepção da necessidade de consumo pautada em vontades individualistas impostas sobre os consumidores resulta na negligência de questões ambientais e sociais. À exemplo, tem-se a chamada fast fashion, que evidencia a problemática e a atual mercantilização do meio ambiente em detrimento de uma produção harmônica e sustentável.
Diante disso, torna-se importante a reflexão acerca dos impactos ambientais decorrentes da indústria da moda, dentre os quais destaca-se o descarte insustentável e o acúmulo de lixo, com baixíssimos índices de peças recicladas (CARAMÉS, 2021). Do mesmo modo, pontua-se a contaminação do solo e da atmosfera, decorrentes da utilização de fertilizantes, insumos e emissão de gases poluentes no processo produtivo têxtil (GFA, 2019). Pesquisas realizadas pela Global Fashion Agenda (GFA) estimam que a Indústria da Moda seja a segunda Indústria que mais consome água no mundo: 1,5 trilhão de litros/ano (BBC, 2017). Somado a isso, estudos da Harvard Business School (2017) explicitam os riscos da fast fashion: uma peça de roupa usada menos de 5 vezes e descartada em 1 mês produz 400% mais de emissão de carbono quando comparada que uma peça usada 50 vezes por 1 ano.
Dessa forma, não restam dúvidas acerca dos impactos ambientais provenientes da Indústria da Moda. Sendo assim, torna-se importante ressaltar que a sociedade e o meio ambiente são esferas intrinsecamente conectadas, logo, a proliferação de externalidades ambientais negativas acarreta consequências na esfera social.
RACISMO AMBIENTAL: A INTERSEÇÃO ENTRE IMPACTOS AMBIENTAIS E SOCIAIS
Partindo das considerações realizadas alhures, suscita-se a reflexão de que impactos ambientais se comunicam diretamente com situações de injustiça ambiental. Isso porque, embora o senso comum propague uma percepção diversa, nem mesmo a poluição é democrática: não afeta a coletividade de maneira uniforme e, do mesmo modo, não sujeita todos os grupos sociais aos mesmos riscos (RBJA, 2014). Em países capitalistas, marcados por um histórico de estratificação social e racial, como o Brasil, é comum que os riscos, as desvantagens e os danos sociais sejam distribuídos de maneira desigual (DA COSTA, 2011). Todavia, as exclusões sociais adquirem novos contornos quando a questão ambiental é colocada em voga.
Nessa perspectiva, surge o conceito de racismo ambiental, caracterizado pela acentuada exposição de minorias étnicas às cargas ambientais negativas (RJAC, 2013), ou seja, partindo do pressuposto de que o crescimento econômico e industrial reduz a qualidade ambiental e o equilíbrio ecológico, faz-se necessário reconhecer que os grupos de maior vulnerabilidade social estão mais propensos a conviver com os custos ambientais desse desenvolvimento.
Nesse sentido, Henri Acselrad constata que o racismo ambiental decorre do diferencial de mobilidade entre grupos sociais, tendo em vista que os mais avantajados conseguem escapar dos riscos, enquanto os mais desafortunados circulam no interior de um “circuito de riscos” (ACSELRAD, 2010).
Conforme pontuado anteriormente, o descarte inadequado de resíduos sólidos, a contaminação do solo e da água, bem como a emissão de gases poluentes na atmosfera podem ser consideradas as principais externalidades ambientais negativas provenientes da indústria da moda. Tendo em vista a produção em massa e o descarte precoce de tecidos, verifica-se a contribuição da indústria da moda para o acúmulo inapropriado de resíduos sólidos, muitas vezes materializado na forma de lixões. A população lindeira, por sua vez, é diretamente impactada, uma vez que a falta de infraestrutura acarreta em maior exposição à doenças, perda de bens materiais e dificuldades de ascensão social (GONÇALVES, 2012).
No que tange à contaminação da água, importa salientar que, de acordo com dados do publicados na 14ª edição do Ranking do Saneamento, quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada (BRASIL, 2022). Tal parcela da população encontra-se em situação de maior vulnerabilidade quanto à poluição de recursos hídricos no processo produtivo têxtil. Em relação ao uso de agrotóxicos, pesquisas explicitam que o Brasil é um dos países que mais importam agrotóxicos, utilizados, preponderantemente, para a produção
de algodão (BBC, 2020). Destarte, é possível, então, visualizar que tais produtos funcionam como instrumentos de racismo ambiental, na medida em que as populações mais pobres são privadas de um meio ambiente ecologicamente equilibrado pelo fato dessas substâncias contaminarem os locais em que essas comunidades residem (ROSÁRIO, 2022). Afirma-se que o mesmo raciocínio vale para a emissão de gases tóxicos, pois servem para segregar essa população da coletividade.
CONCLUSÃO
Dado o exposto no trabalho, pode-se concluir preliminarmente que a intensidade da exploração pela Indústria da Moda, além de intensificar os impactos ambientais, torna evidente injustiças socioambientais. Assim, a necessária conexão entre sociedade e meio ambiente resta afetada, na medida em que os impactos ambientais são sofridos de maneira desproporcional e iníqua pela coletividade.
Se a indústria da moda gera um grande número de resíduos sólidos, são, geralmente, as populações que vivem ao redor dos lixões as mais impactadas. Se a indústria da moda gera poluição hídrica e do solo, as populações ribeirinhas e aquelas sem acesso ao saneamento básico estarão mais expostas à possíveis doenças decorrentes do consumo de água contaminada e serão segregadas de seu local de residência. Se a indústria da moda gera significativa emissão de gases na atmosfera, também serão aquelas populações mais vulneráveis as mais afetadas.
Por todo o exposto, nota-se que o problema do racismo ambiental e dos impactos ambientais provocados pela Indústria da Moda restam-se comprovados e necessitam de ser enfrentados, seja por meio de leis, decretos, resoluções, acordos e, inclusive políticas públicas e parcerias público-privadas. As reflexões realizadas acerca da necessária relação da coletividade e do meio ambiente, de modo a potencializar a harmonia entre todos os agentes atuantes na vida ambiental, são as bases pelas quais deve-se guiar para atenuar a problemática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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