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ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA EM NEGÓCIOS DE VESTUÁRIO NO BRASIL (BR

LOS, Vivian Andreatta GRETTER, Gabrielly Eduarda PIONTKIEWICZ, Gabriela Mueller Alegre UBINSKI, Samira Gabrielly

Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo identificar evidências de escravidão contemporânea na indústria de confecção. Os procedimentos metodológicos envolveram uma revisão bibliográfica e consultas ao aplicativo Moda Livre® para verificação de empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os resultados confirmam a existência de escravidão contemporânea no Brasil (BR). Palavras-chave: Escravidão contemporânea; Indústria de Confecção; Terceirização.

INTRODUÇÃO

Zara (Inditex), Clemens & August (C&A), Hennes & Mauritz (H&M) e Riachuelo representam modelos de varejo multinacionais que evoluíram a partir das estratégias do prêt-à-porter (pronto para vestir, em livre tradução) de difusão surgido por volta de 1964 (AVELAR, 2009). Este termo revela um tipo de prêt-à-porter que envolve a produção em massa de peças de roupas e laçamentos constantes, a preços baixos. Desde então, novos negócios se desenvolveram baseados na precipitação da apresentação de coleções de vestuário em curtos espaços de tempo. Popularmente, esse modelo pode ser denominado como fast fashion (moda rápida, em livre tradução) (AVELAR, 2009; REFOSCO et al., 2011).

Sobre os negócios de fast fashion, Fletcher e Grose (2011, p. 126) afirmam que: “[...] fazer depressa significa que podemos fazer mais, e também gera mais impacto”. Isto implica dizer que a confecção rápida pode ter efeitos nocivos ao meio ambiente e à sociedade. Salcedo (2014) corrobora com o observado, ao afirmar que o mau uso da força de trabalho desse modelo de negócios tornou-se regular nas indústrias de confecção do fast fashion. Ainda, conforme Salcedo (2014, p. 29), em Bangladesh (BAN), em 2013, “[...] mais de 1.100 trabalhadores da indústria têxtil morreram devido às más condições de trabalho”. Quanto ao exposto, Müller e Mesquita (2018), e também, Cançado e Leal (2020) apontam que o excesso de trabalho, comum na indústria de confecção, gera prejuízos físicos, mentais e emocionais para a mão de obra empregada. Para Berlim (2012), isto impacta em disfunções organizacionais no âmbito do capital humano nas empresas do setor de vestuário, e lembra formas de trabalho análogas à escravidão.

Com base nas constatações de Fletcher e Grose (2011), Salcedo (2014), Müller e Mesquita (2018), e Cançado e Leal (2020) a presente pesquisa objetiva identificar evidências de escravidão contemporânea na indústria de confecção. Para tanto, encontra-se sustentação em uma revisão bibliográfica e em consultas ao aplicativo Moda Livre®. Metodologicamente, este artigo enquadra-se como pesquisa básica, qualitativa, descritiva e bibliográfica, conforme preconiza a classificação proposta por Gil (2008).

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NA INDÚSTRIA DE CONFECÇÃO

A exploração de mão de obra surgiu no período de colonização do Brasil (BR) na dimensão da escravidão dos índios nativos. Em busca de lucros, frente à exploração de matérias primas e à extração de riquezas locais, os colonizadores europeus empregavam a força indígena nos trabalhos manuais pesados em troca de alimento e moradia precária (DORNELLES, 2018). Estima-se que o trabalho análogo à escravidão pode ser observado na perspectiva da indústria de confecção desde o surgimento do fast fashion, visto que Mesquita e Müller (2018), apontam para os impactos da venda em números exorbitantes do setor do vestuário. Conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e do Vestuário (ABIT, 2021), o setor emprega 8 milhões de trabalhadores, sendo 75% composto por mulheres. Desse montante, 1,6 milhões de brasileiros possuem empregos formais, sendo 75% ligados ao segmento de confecção e o restante dos trabalhadores encontra-se em subempregos e em situações irregulares ou informais. A ABIT (2021), preconiza que esses cidadãos desamparados pela legalidade e pelo Estado podem acabar como vítimas de empresas que exploram pessoas em condições de miséria. Essa realidade condiz com países subdesenvolvidos nos quais há baixa fiscalização. Ao abordar a condição, Berlim (2012) explica que, de modo geral, as vítimas tratam-se de pessoas com baixa escolaridade, com pouca instrução profissional e que se encontram sujeitas a trabalhos repetitivos. Segundo a autora, esses trabalhadores são submetidos a uma carga horária que extrapola o máximo permitido por lei. Para denunciar o trabalho escravo no âmbito da indústria de confecção nacional, a Organização Não Governamental (ONG) Repórter Brasil criou o aplicativo Moda Livre® no ano de 2013. O aplicativo apresenta uma lista atualizada de empresas flagradas em autuações policiais e trabalhistas, a exemplo da marca Zara, que, ao terceirizar parte de seu processo produtivo, foi ligada a fabricantes que submetiam seus trabalhadores a jornadas de trabalho de 12 até 16 horas por dia, sem o pagamento de horas extras, em troca de comida e moradia (PYL; HASHIZUME, 2011).

Chae e Hinestroza (2020) reforçam que a escravidão contemporânea pode enfrentar resistências se a indústria de confecção mundial padronizar o uso de estratégias de transparência e de rastreabilidade quanto aos seus fabricantes e fornecedores. Para Lee (2009), essas estratégias podem ser compreendidas como fair trade (comércio justo, em livre tradução). Segundo ela, a WFTO (Organização Mundial do Comércio Justo) organiza as estratégias de fair trade que envolvem: (I) rastreabilidade e transparência comercial na cadeia produtiva; (II) formação de vínculos de longo prazo com foco em capacitar fornecedores; (III) pagamento justo pelo trabalho exercido e possibilidade de financiamento ou antecipação de proventos, quando necessário; (IV) organização de cooperativas e associações de trabalhadores; (V) adequação às normas legislativas e trabalhistas nacionais e internacionais; (VI) segurança no ambiente de trabalho; e (VII) respeito ao meio ambiente. Segundo Schuller (2019, p. 2) na verdade, atualmente a maioria dos negócios de vestuário estão trabalhando com mão de obra “quadritirizada”, ou seja, são tantas as empresas subcontratadas que torna-se difícil o controle da presença do trabalho escravo.

Na perspectiva do aplicativo Moda Livre®, percebe-se o uso dos princípios supramencionados na apresentação de dados sobre imigrantes escravizados relacionados. Suzuki (2019) destaca que entre 1995 e 2018, 561 trabalhadores foram resgatados dessa situação e que, entre os libertos, predominavam vítimas vindas da Bolívia (BO), do Paraguai (PY) e do Peru (PE). No aplicativo, o período corresponde a cerca de 400 casos. Importa destacar que, no decorrer desses 23 anos vislumbrados por Suzuki (2019), foi criada a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae.

Em 2008, a Conatrae aprovou o II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (II PNETE). Trata-se de um compromisso público que apresenta 66 propostas de ações para eliminar o trabalho escravo contemporâneo no Brasil (BR) (MONITORA 8.7, 2018). Para a ABIT (2021, p. 1), 68,4% dessas ações já foram atingidas, total ou parcialmente, sendo que “[…] 17 dos 33 indicadores (51,5%) foram parcialmente cumpridos, 9 (27,3%) foram cumpridos integralmente e 7 (21,2%) não foram cumpridos.” Ou seja, apesar dos avanços, 21,2% das ações para o combate ao trabalho escravo não puderam ser alcançadas e 31,6% ainda não foram implementadas.

Por fim, dados de 2021 do aplicativo Moda Livre® mostram que dos 132 negócios de vestuário investigados, 40% possuem autuações por flagrante de presença de escravidão, conforme autuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Isto significa dizer que a escravidão contemporânea continua a existir, apesar dos esforços do Estado e do terceiro setor. A indústria de confecção permanece como lócus da exploração da força de trabalho sob condições ilegais. Conforme Schulte (2019)

afirma que o Brasil, por meio de associações, busca conscientizar os fabricantes quanto ao assunto, premiando por meio de Certificação de Responsabilidade Social e monitoramento da cadeia produtiva têxtil. Apresentada a fundamentação teórica e discutido o tema, procede-se para as considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa obteve êxito no cumprimento do objetivo ao evidenciar que a escravidão contemporânea ainda assombra o Brasil (BR). Com base em consultas ao aplicativo Moda Livre®, observou-se que 45 casos de flagrantes por trabalho escravo já foram realizados desde o ano de 2010. Historicamente, trata-se de casos de emprego de imigrantes em estado análogo à escravidão que foram traficados de outros países latino-americanos para serem utilizados como mão de obra em empresas que abastecem os negócios do modelo fast fashion. Distantes das estratégias de fair trade, essas empresas exploram a miserabilidade humana em troca do aumento na margem de lucro dos serviços prestados a varejistas do setor de vestuário. Majoritariamente composta por mulheres com baixa escolaridade e pouca instrução profissional, que vê-se impossibilitada de buscar seu sustento de outra forma, haja vista que sua condição está atrelada ao pagamento de dívidas em troca de comida e moradia.

Estima-se que a presente pesquisa possa contribuir com a comunidade acadêmica na formação de futuros profissionais capazes de flagrar e denunciar situações de trabalho escravo, bem como, possa denotar aos negócios do modelo fast fashion que há consumidores vigilantes que zelam pela preservação da ética do ambiente de trabalho nestas indústrias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABIT - Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção - Abit apoia combate ao trabalho escravo. - ABIT, 2021.Disponível em: https://bit.ly/3AwKMc7 Acesso em 28 de maio de 2021.

AVELAR, Suzana. Moda: globalização e novas tecnologias. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.

BERLIM, Lilyan. Moda e sustentabilidade: Uma reflexão necessária. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2012.

CANÇADO; Fernanda Brandão, LEAL, Carla Reita Faria. A adoção de selos sociais como mecanismo de combate ao trabalho escravo contemporâneo na cadeia Têxtil e de Confecção do Vestuário. Fórum Fashion Revolution, 2020. Disponível em: Fórum Fashion Revolution Brasil E-book 2020 by Fashion Revolution - issuu Acesso 10 junho de 2021.

CHAE, Youngjin; HINESTROZA, Juan. Building Circular Economy for Smart Textiles, Smart Clothing,and Future Wearables. Materials Circular Economy - SUÍÇA, 2: 2, 1-4, abril 2020. Disponível https://bit.ly/2SMqSZK Acesso em 15 maio de 2021.

DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Departamento de História. São Luís, MA, Brasil. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3ypExoW Acesso em 12 de maio de 2021.

FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda e sustentabilidade: design para mudança. 1. Ed. São Paulo: Senac, 2011, 192 p.,V. 1.

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MONITORA 8.7 - II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Ciclo 2018 . Ações e Metas, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3qOHLQj Acesso em: 01 de julho de 2021.

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PYL; Bianca; HASHIZUME, Maurício. Zara não comparece à Assembleia Legislativa; CPI é defendida. ONG Repórter Brasil. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3dIkdY0 Acesso em: 11 de junho de 2021.

REFOSCO, Ereany; OENNING, Josiany; NEVES, Manuela. Da Alta Costura ao Prêt-à-porter, da Fast Fashion a Slow Fashion: um grande desafio para a Moda. Moda Palavra - UDESC. 2011. Disponível em: https://www.periodicos.udesc.br/index.php/modapalavra/article/ view/7808/5376 Acesso em: 18 de fevereiro de 2021. SALCEDO; Elena. Moda Ética Para Um Futuro Sustentável. 1ª ed. São Paulo: Editora GG Brasil 2014.

SCHULTE, Kele Cristina. Compliance para moda sustentável. 2019. São Paulo, Fórum Fashion Revolution, 2019. Disponível em: FR_forum2019-issn-1-1.pdf (fashionrevolution.org) Acesso em 01 julho de 2021.

SUZUKI, Natália. O caderno: Escravo, nem pensar! no município de São Paulo.2018/2019. São Paulo : ONG Repórter Brasil, 2020.Disponível em: https://escravonempensar.org.br/wp-content/uploads/2020/06/enp_sp_2018-2019.pdf

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