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A ECOLOGIA PROFUNDA COMO A CHAVE PARA FUTUROS MAIS REGENERATIVOS E SIMBIÓTICOS NA INDÚSTRIA TÊXTIL
Eduarda Kayser de Azevedo Bastian, SENAI/SC, eduardabastian@gmail.com
Resumo: Muitas vezes o que é apresentado como solução ecológica se refere apenas a maneiras que buscam viabilizar a hiper produção da moda com impactos “menos piores” no meio ambiente. Esse texto busca estudar a indústria através das lentes de filosofias como a ecologia profunda e a ecologia superficial, com o objetivo de ressaltar a importância de tais pensamentos para o futuro da indústria. Palavras-chave: Biomimética. Ecologia. Regeneração.
Na incansável busca por sistemas mais sustentáveis e ecológicos aptos a serem funcionalmente aplicados dentro da indústria têxtil, metodologias alternativas e novas estratégias de design vêm sendo exploradas em toda a cadeia de produção. Termos como “biomimética” surgem com cada vez mais frequência, às vezes relacionados apenas a conceitos estéticos superficiais. Ademais, o frenesi que rodeia o cultivo, a extração e a utilização de matérias-primas vegetais para a criação de materiais têxteis, se relaciona erroneamente, com o conceito de biomimética e com a aspiração de uma indústria em verdadeira simbiose com a Natureza. Benyus (1997) define a biomimética como “uma teoria ambiental relativamente nova e uma abordagem de design que estuda a Natureza; seus modelos, sistemas, processos e elementos e, em seguida, imita ou inspira-se criativamente para resolver problemas de forma sustentável”. Segundo Matthews (2011), tendo em vista que o etos da biomimética afirma que, nós, como seres humanos devemos agir de dentro da Natureza, um estudo mais aprofundado filosoficamente sobre o assunto se torna necessário. Isso porque, ainda segundo a autora, as interpretações atuais da biomimética, olham apenas para a Natureza como um depósito de designs disponíveis para serem aplicados aos nossos propósitos de consumo. Para que seja possível trazer a humanidade para dentro do círculo da Natureza de forma genuína, diferentes filósofos acreditam que seja necessário despir o ser humano do que ele acredita que seja sua essência ecológica, minimizando o impulso para os artifícios que nos tornam distintamente humanos, como seres separados do resto da Natureza.
Esta concepção holística das relações homem-ambiente, que enfatiza o valor intrínseco de todos os membros da comunidade biótica, é reconhecida como a filosofia de ecologia profunda (AKAMANI, 2019). Termo popularizado pelo filósofo no-
rueguês Arne Naess nos anos 70 – mas, filosofia praticada desde sempre por povos originários, guardiões da floresta - a ecologia profunda é considerada por muitos uma visão promissora que tem o potencial de impulsionar os esforços relacionados à sustentabilidade em diversos níveis (AKAMANI, 2019). A ecologia profunda descasca as camadas culturais e armadilhas do artifício com o objetivo de revelar a condição subjacente do ser humano como animal, como organismo, enfatizando que os seres humanos não estão separados ou acima da Natureza, mas fazem parte de uma complexa teia de relacionamentos em constante estado de fluxo (MATTHEWS, 2011). Tal conceito vai em oposto a ecologia superficial, que se relaciona aos costumes antropocêntricos da sociedade moderna. A ecologia superficial vê os seres humanos como separados de seu ambiente, como seres superiores a todos os outros organismos vivos. Ademais, a ecologia superficial é caracterizada pela busca de princípios ecológicos apenas para o benefício próprio do ser humano (JACOB, 1994). A agenda do desenvolvimento sustentável tem sido criticada por diversos filósofos, ambientalistas e ecologistas por adotar uma perspectiva antropocêntrica e ecologicamente superficial, que prioriza as necessidades humanas sobre o valor de outras formas de vida.
Na indústria têxtil, as diferenças entre a ecologia profunda e a ecologia superficial, podem ser observadas na confusão existente entre os termos “biomimética” e “bio-utilização”. A autora responsável por popularizar a ciência da biomimética (Janine Benyus) ressalta que a biomimética se diferencia da bio-utilização por apresentar uma prática baseada não no que podemos extrair dos organismos e seus ecossistemas, mas sim, no que podemos aprender com eles (MONTANA-HOYOS e FIORENTINO, 2016). Por outro lado, a bio-utilização se refere ao ato de extrair um material de um organismo natural, como por exemplo, fibras vegetais, para diferentes aplicações. Apesar de o uso de matérias-primas vegetais ter seus pontos positivos, como por exemplo a biodegradabilidade e o fato de virem de fontes renováveis, em muitos círculos ambientalistas a bio-utilização é comparada com sistemas de exploração de recursos naturais: “(...) parece que, em uma economia de consumo excessivo, se o uso de recursos naturais finitos não for suficiente, então é necessária uma maior exploração de organismos vivos” (MONTANA-HOYOS e FIORENTINO, 2016). Além disso, não basta que os próprios produtos sejam projetados a partir da Natureza - a infraestrutura e os processos pelos quais os produtos são produzidos também precisam seguir os mesmos princípios (MATTHEWS, 2011). O uso de fibras vegetais está frequentemente relacionado com sustentabilidade. No entanto, tendo em vista o volume exagerado de produção de tais fibras (que se torna inevitável se continuarmos seguindo o modelo de produção atual), o que pode acarretar consequências graves como o desmatamento, o esgotamento do solo e o uso de produtos químicos nocivos, fica claro o caráter antropocêntrico presente na indústria, que busca soluções “menos piores” para a produção de recursos benéficos somente para os seres humanos, e acaba relacionando isso de maneira equivocada a conceitos que almejam futuros genuinamente integrados com a Natureza.
Segundo a fundação Ellen MacArthur, para que seja possível aplicar práticas que visam regenerar a Natureza, não é mais suficiente focar apenas em causar “menos danos” ao meio ambiente, mas sim, buscar soluções que possam de fato beneficiá-lo ativamente. É necessário um questionamento mais profundo para entender se, ao criar materiais “inovadores” prometendo a salvação da indústria da moda, estamos de fato agindo de uma perspectiva de ecologia profunda - onde buscamos melhorias para a sobrevivência e benefício do todo - ou superficial, onde são providenciadas “soluções” para maior ganho dos seres humanos com impactos menores no meio ambiente. Se torna também relevante na indústria da moda um entendimento mais profundo filosoficamente sobre a prática de biomimética, para evitar a disseminação de um modelo superficial, focado somente na bio-utilização ou no bio-morfismo (utilizar os formatos estéticos encontrados na Natureza para a criação de vestuário). “Se tudo faz parte do eu, e se estamos buscando a autorrealização (o que os ecologistas profundos argumentam ser o caso), então a conclusão clara a ser tirada é que a realização de todos os organismos (vivos) é necessária para a própria autorrealização plena” (AKAMANI, 2019).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AKAMANI, Kofi. Integrating Deep Ecology and Adaptive Governance for Sustainable Development: Implications for Protected Areas Management. Sustainability, EUA, 12, 14, artigo nº 5757, Julho 2020. BENYUS, Janine. Biomimicry: Innovation Inspired by Nature. Nova Iorque: Morrow, 1997.
JACOB – Merle. Sustainable Development and Deep Ecology: An Analysis of Competing Traditions. Environmental Management, EUA, 18, 4, pp. 477-488, Julho 1994. MATTHEWS – Freya. Towards a Deeper Philosophy of Biomimicry. Organization & Environment, EUA, 24, 4, Novembro 2011.
MONTANA-HOYOS – Carlos; FIORENTINO – Carlos. Bio-Utilization, Bio-Inspiration, and Bio-Affiliation in Design for Sustainability: Biotechnology, Biomimicry, and Biophilic Design. The International Journal of Designed Objects, EUA, 10, 3, pp. 1-18, Maio 2016.