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O PERSONAL STYLIST COMO MEDIADOR DO CONSUMO DE VESTUÁRIO

Marina M. De Santa Helena; EACH/USP; Santahelena@gmail.com

Resumo: Este trabalho discute temas como moda e consumo, a partir da análise do trabalho desenvolvido pelo consultor de estilo ou personal stylist. Qual é a relação prática entre as orientações prestadas por esse profissional e os hábitos de consumo de seus clientes? Partindo de reflexões e questionamentos como esses, apresenta-se aqui a hipótese de que quanto mais informação de moda uma pessoa recebe mais perspicazes e objetivas se tornam suas escolhas relacionadas ao consumo de itens de vestuário.

Palavras-chave: moda, consumo, estilo pessoal, sustentabilidade

O ESTILO PESSOAL NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Para além das propriedades materiais, atualmente o campo da moda se move cada vez mais em torno das propriedades simbólicas do vestir (MESQUITA, 2018). Observa-se na sociedade contemporânea que como se vestir é muito mais importante do que o que vestir, o que leva a preocupações recorrentes com um atributo chamado estilo pessoal.

O que se denomina estilo não é algo baseado em tendências de moda, tempo ou quantidade, mas em sua qualidade subjetiva. O estudo de Watson e Yan (2013), aponta que orientações de estilo distintas entre consumidores de moda podem levar a diferentes comportamentos de consumo. Um exemplo oferecido pelos autores é o de uma consumidora que, com base em seu gosto pessoal, escolhe usar vestidos em tom pastel. A cor pode estar relacionada a como ela se vê (gentil, sensível e atenciosa) e o vestido pode combinar bem com seu tipo de corpo, mas o fato é que essa pessoa tem menos probabilidade de comprar um vestido da última moda, pois não ressoa seu estilo, embora possa estar vendendo muito bem na temporada atual (WATSON E YAN apud GUPTA et al, 2019).

Por mais que muitos não se deem conta e acabem se vestindo de um jeito irrefletido, sem considerar muito as alternativas de estilo e suas consequências, a forma como uma pessoa escolhe se apresentar no dia-a-dia e as percepções de seus interlocutores com relação a essa forma de apresentação têm efeitos significativos em sua vida. O antropólogo Ted Polhemus considera que longe de ser frívolo e ab-

surdo, o estilo é funcional no verdadeiro sentido da palavra e que nossas escolhas relacionadas ao vestuário e à aparência podem ser úteis para a apresentação do eu (presentation self) na coletividade.

A construção do estilo pessoal, diferente do estilo de uma peça de roupa pura e simples ou de uma tendência genérica de moda designada por flutuações do mercado, está intimamente relacionada à individualidade, à personalidade e ao estilo de vida de quem o adota. No entanto, seria ingênuo acreditar que essa noção, assim como a moda, é governada apenas por elementos e considerações completamente racionais, pois se trata de uma questão de aspirações em constante mudança (SVENDSEN, 2004).

A forma como uma pessoa se veste pode sofrer inúmeras mudanças ao longo do tempo e seus desdobramentos comportamentais são frutos de uma construção coletiva, que, no entanto, visa expor o “capital” íntimo como trunfo social. Por mais que a história da moda se confunda com a própria história do vestuário, foram os valores e as significações culturais da individualidade humana que tornaram possíveis seu nascimento e estabelecimento como agente da espiral egocêntrica das sociedades modernas de consumo (LIPOVETSKY, 2007). As mesmas sociedades que, a partir da proliferação de objetos - seja de vestuário, de mobiliário ou de outras funções - que antecipam sua permanente obsolescência, produzem oportunidades cada vez maiores de desperdício e de consumo por impulso (BAUDRILLARD, 2017).

Diversos estudos apontam que a cultura de consumo se tornou um dos principais norteadores do comportamento individual na sociedade moderna. Para Lipovestky (2007, p.20) “nada, por ora, está em condições de deter, nem mesmo frear, o avanço da mercantilização da experiência e dos modos de vida”. Assim, na sociedade pós- moderna, a indústria da moda oferece cada vez mais opções de estilos, a preços cada vez mais baixos, em períodos cada vez mais curtos, em um modelo de negócios voltado ao mercado de massa e que se baseia principalmente na rapidez (FLETCHER; GROSE, 2011).

Bauman (2008) aponta que nesse contexto de “mercantilização da existência”, o uso da moda e do estilo pessoal como mecanismos de promoção social são encorajados. A lógica do marketing em que se vive nas sociedades modernas faz com que muitos remodelem a si mesmos para atrair melhores oportunidades de empregos, de relacionamentos, ou seja, de recompensas sociais relacionadas à felicidade e à prosperidade. Para alcançar essas recompensas, muitas pessoas acabam reproduzindo estratégias de empresas em suas vidas privadas com o intuito de se sobressair. Nesse contexto, a padronização da aparência trabalha como uma vantagem competitiva no meio corporativo (DIOS, 2007).

Esse modus operandi indica que a imagem projetada pelas pessoas a partir do estilo que adotam em suas roupas, acessórios e outros ornamentos, tem forte impacto na forma como elas são percebidas por seus interlocutores na sociedade, além de consequências diretas no seu “posicionamento de marca” e consequentemente em suas perspectivas de sucesso pessoal e profissional. A partir dessa lógica e da proliferação das ofertas de consumo de produtos e serviços, consultorias pessoais com o objetivo de arquitetar representações individuais como mais valia vêm se tornando cada vez mais comuns.

O PERSONAL STYLIST

Até pouco tempo atrás, serviços de consultorias eram oferecidos com mais frequência na área de gestão de negócios1, principalmente para grandes empresas. Atualmente, as consultorias pessoais ou os chamados “personal” atendem as mais diversas áreas da vida cotidiana como moda (personal stylists), saúde (personal trainer) e até amizades (personal friend) (DIOS, 2017). Um consultor, de modo geral, é aquele que melhora as condições de vida dos clientes – sejam empresas ou pessoas – instruindo-lhes a partir de seus conhecimentos, competências e habilidades por um período determinado (WEISS, 2017).

No âmbito da moda, “consultor de estilo” e “personal stylist”, de forma genérica, designam a mesma profissão e se referem ao profissional cujo foco é orientar o cliente sobre escolhas especificamente relacionadas ao vestir e, consequentemente de se consumir vestuário. No entanto, diante das mudanças de comportamento de consumo de moda ocorridas nas últimas décadas, apresenta-se aqui a hipótese de que o papel do personal stylist se amplia para além de orientações sobre o vestir, para também ser um profissional que auxilia pessoas dispostas a transformar seus hábitos de consumo, tornando-as mais informadas sobre os impactos gerados por suas escolhas de compra, a partir do conhecimento que vai adquirindo a respeito da complexidade da cadeia produtiva. Para se verificar a aplicação prática desta hipótese, ao longo do ano de 2021 foram conduzidas entrevistas com consultoras de estilo e pessoas que já passaram pela experiência de consultoria. Elas foram questionadas com relação à suas motivações para realização do serviço e também a respeito dos impactos práticos deste em seus hábitos de consumo de vestuário. Nas respostas foi possível perceber uma inclinação em busca de um tipo de consumo tido como mais responsável. Todas as personal stylists entrevistadas relataram não ter a sustentabilidade ou a temática do “consumo consciente” como objetivo principal no processo de consultoria de estilo, mas mesmo assim observaram mu-

danças nos hábitos de consumo de suas clientes a partir da orientação oferecida na consultoria. As clientes corroboraram com essa afirmação, assegurando que ficaram mais criteriosas em relação a compras de peças de vestuário após conclusão do serviço. Estas últimas também afirmaram obter ganhos em informação de moda, apresentando uma melhora na capacidade de escolher peças de roupa mais duráveis e versáteis, com mais qualidade e maior durabilidade. Portanto, pessoas que passaram por uma de consultoria de estilo se tornaram consumidores que possuem e continuam buscando mais informação de moda e, a partir daí, fazem escolhas de consumo mais assertivas.

Com essas respostas, é possível observar que, apesar de não ser este o objetivo inicial da imensa maioria dos clientes e personal stylists, ao final da consultoria de estilo ocorreram mudanças em direção a um consumo mais sustentável. Com o conhecimento adquirido, o ato de compra de produtos de vestuário se torna mais planejado e não acontece mais por impulso. A experiência da consultoria de estilo parece retirar as pessoas do “modo consumista” automático e fazer com que elas encontrem certo equilíbrio entra infindável busca por identidade por meio do consumo, em um tempo em que se vive, de fato, sob o signo dessa identidade.

Esses resultados se demonstram promissores, apesar de ainda serem incipientes se colocados em um panorama geral de consumo, principalmente em um contexto que ainda é muito marcado pelo paradoxo entre a busca por individualidade na sociedade de consumo e ideais de alinhados com a ideia de sustentabilidade. Por mais que haja uma procura por escolhas de consumo mais éticas por uma pequena parcela da sociedade, fatores individuais como gosto, renda e estilo de vida representam pesos na decisão de compra final. Considerando que “identidades são formadas dentro das formações políticas contemporâneas em relação a certos requisitos do Estado liberal” (BUTLER apud HAIDER, 2018, p.31), a busca por esse atributo, mesmo a considerada mais trivial - como a procura por uma imagem de estilo que represente a personalidade de um indivíduo - está muito ligada à própria forma como a sociedade contemporânea está estruturada e nos constitui como sujeitos políticos.

É importante ressaltar que essa procura é mediada pela própria sociedade de consumo, sendo primordial para a manutenção da dinâmica de expansão da produção, o que leva ao aumento dos níveis de consumo e, por consequência, a impactos ambientais e sociais. Portanto, sobre o comportamento focado na valorização do papel do consumidor individual, atuam outras forças de ordem global como as grandes corporações, o seu controle sobre o mercado e a dinâmica capitalista, que fazem com que a estratégia do “consumo consciente” por si só seja ineficaz como caminho para a sustentabilidade.

Mesmo contando com a visão de teóricos que buscam mudar esse paradigma, a noção de desenvolvimento ainda está muito conectada à percepção capitalista de acumulação e de riqueza econômica, tanto no universo da moda quanto em qualquer outro setor corporativo. Nesse sentido, uma transformação profunda nas bases a sociedade é fator primordial para haver uma construção ativa e ampla da sustentabilidade. Até que ela esteja completa, é impossível se falar pura e simplesmente em um “consumo consciente” ou até mesmo em um “consumo responsável” como práticas decisivas na estabilização de posturas éticas nos quesitos social, ambiental e econômico.

Para que isso ocorra, para além dos consultores de estilo e seus clientes, grupos mais amplos, além de mediadores como grandes empresários, terceiro setor e governos são imprescindíveis. Uma vez que são eles possuem a capacidade de descolar as manifestações sociais de sua esfera particular e as articular a uma totalidade que as transcende, permitindo com que a sustentabilidade se dê de forma prática e efetiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2017.

BAUMAN, Zygmut. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução: Carlos A. Medeiros. 1ªed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. ESCALONA DE DIOS, Maria Luisa C. Com que roupa eu vou? Estudo etnográfico do processo de consultoria de estilo. 179 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda & sustentabilidade: design para mudança. Tradução: Janaína Marcoantonio. São Paulo: Senac São Paulo, 2011.

GUPTA, Shipra; GWOZDZ, Wencke; GENTRY, James. The Role of Style Versus Fashion Orientation on Sustainable Apparel Consumption. Journal of Macromarketing. Vol 39, n° 2. pp, 188-207, 2019. DOI:10.1177/0276146719835283 HAIDER, Asad. Armadilha de Identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução de Leo Vinícius Liberato. – São Paulo: Veneta, 2019. Coleção Baderna.

LIPOVETSKY, Gilles A felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hipercon-

sumo.

Tradução: Maria L. Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SVENDSEN, Lars. Moda, uma filosofia. Tradução: Maria. L. X. de A. Borges. Edição do Kindle. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

WEISS, Alan. A Bíblia da Consultoria: métodos e técnicas para montar e expandir um negócio de consultoria. Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra. 1ª ed. São Paulo: Autêntica Business, 2017.

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