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REFLETINDO SOBRE A SUSTENTABILIDADE DAS MARCAS DE MODA ÉTICA PORTUGUESAS

Ana Daniela da Silva Guerreiro, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa - dguerreiro.ethicalfashionpt@gmail.com

Resumo: Este ensaio baseia-se na análise de conteúdo que realizei às páginas oficiais (site e Instagram) de sete marcas de moda ética portuguesas. Procura-se argumentar que apesar de entenderem a sustentabilidade de igual forma, isto não as leva a ter o mesmo tipo de preocupações nem as conduz a adotar as mesmas práticas, pois como se apreendeu o que é sustentável para umas não o é para outras.

Palavras-chave: Moda ética; Produção ética; Sustentabilidade

INTRODUÇÃO

Apesar da moda e da sustentabilidade serem considerados conceitos de coexistência impossível (Woodward, 2015), após o colapso do Rana Plaza no Bangladesh (Horton, 2018) começaram a surgir marcas de moda que se identificam como “moda ética” (Fletcher, 2008). Nas suas páginas alegam ser sustentáveis já que todo o seu processo de produção é pensado para ter o menor impacto possível no ambiente. Contudo, têm sido criticadas pela utilização do termo sustentabilidade. Na perspetiva de Ehrenfeld (2015) estas marcas não sabem o verdadeiro significado deste termo, uma vez que não estão a incentivar os consumidores a cuidarem da roupa que já possuem. Em vez disso estão a incentivá-los a adquirir novas roupas, que embora sejam éticas acabam por levá-los a ficarem presos num ciclo vicioso de consumo. Assim, Ehrenfeld (2015) considera que estas marcas não estão a ser sustentáveis, estão apenas a reduzir a insustentabilidade.

Este ensaio baseia-se na análise de conteúdo (Bardin, 1977) que realizei às páginas oficiais de sete marcas de moda ética portuguesas, cuja identidade será anonimizada, bem como às publicações que realizaram no Instagram entre os anos 2018 e 2020. Procura argumentar que apesar de todas entenderem que uma produção sustentável é aquela que respeita a natureza e os seus ritmos, que procura minimizar os impactos que o ciclo de vida das roupas tem no ambiente, e que celebra a vida daqueles que confecionaram cada peça, todas as marcas acabam por fazer escolhas e adotar práticas que contrariam fortemente os valores que reivindicam.

DIFERENTES PERCEÇÕES NOS TRILHOS DA SUSTENTABILIDADE

Começando com as fibras. Todas as fibras sejam naturais, sintéticas, orgânicas ou recicladas têm impacto no ambiente (Fletcher, 2008; Fletcher e Grose, 2011). Por isso, na hora de escolherem as matérias-primas com as quais irão trabalhar estas marcas afirmam pesquisar bastante pela opção que será mais sustentável, tendo em conta a quantidade de terreno, energia e água que as fibras necessitam para o seu cultivo, se no cultivo das mesmas foram utilizados pesticidas e fertilizantes químicos, que além de poluírem a água tornam os solos inférteis e trazem problemas de saúde aos agricultores que delas cuidam. E, principalmente têm em conta se estas fibras são duráveis, pois como alegam a opção por materiais mais resistentes e por técnicas de produção de alta qualidade permitem que as roupas durem mais tempo, evitando-se assim a exploração de recursos virgens. Assim, ao passo que nas suas páginas as marcas Atlantis, Lirius, Mint, Reconnected, Triku e Valerious consideram que a opção por fibras recicladas, como o algodão reciclado, lã reciclada e poliéster reciclado é uma opção sustentável, na medida em que ao optarem pelos recursos já existentes, ao darem-lhes uma nova vida conseguem reduzir o impacto que a sua produção causa no ambiente, não só porque evitam que estes sejam incinerados ou acabem em aterros, como também porque assim não terão que explorar novos recursos. Para a marca Triscle estas fibras não são a melhor opção, pois como nos explica através do seu site por muito que o processo de reciclagem se esteja a desenvolver para se produzir algodão reciclado, necessita-se de uma fibra de suporte, já que a fibra do algodão reciclado é muito pequena, o que a torna impossível de fiar, sendo que muitas vezes a fibra de suporte a que se recorre é uma fibra sintética. Das marcas que analisei, e que utilizam algodão reciclado, a fibra de suporte a que recorrem é uma fibra 100% reciclada, o poliéster de garrafas de plástico que vão buscar ao centro de reciclagem. Como a marca Mint declara no site “(...) as garrafas são cortadas aos bocados, lavadas e derretidas, produzindo-se assim o fio de poliéster, é ótimo darmos um novo uso às coisas”. Sem embargo, é precisamente por ser utilizada uma fibra que embora seja reciclada é feita de poliéster, uma fibra sintética, que a marca Triscle prefere não utilizar fibras recicladas na confeção das suas roupas, argumentando no seu site que as roupas que têm fibras sintéticas ao serem lavadas irão libertar microplásticos que acabarão por entrar na água, contaminando-a a ela e aos animais que a ingerem e às espécies que os ingerem, incluindo a espécie humana.

Assim a marca Triscle defende que a opção mais sustentável é utilizar fibras naturais, particularmente a lã e a seda, pois como são fibras biodegradáveis além de

possibilitarem que a natureza regenere todo o desperdício que é gerado durante a fase de uso, e posteriormente na de descarte acabam também por não perturbar a relação interéspecies.

Esta sua preocupação em não perturbar as relações interéspecies, pode sugerir que diferentemente das restantes marcas em análise, que não apresentam tal preocupação, a marca Triscle encontra-se preocupada em ir ao encontro daquilo a que Tsing (2019) refere como o verdadeiro significado da sustentabilidade, a ideia de que humanos e não humanos estão envolvidos em redes de negociação das quais todos dependem para sobreviver.

O que marca Triscle tenta transmitir é a ideia de que apesar de saberem que a sua produção irá perturbar as relações interéspecies, esta é sempre pensada, de modo a que a sua intensidade não impeça, como refere Tsing (2019), a renovação das ecológicas habitáveis e consequentemente a habitabilidade do nosso planeta. Outro ponto em que estas marcas também divergem nas suas escolhas é no lugar de origem das fibras que compõem o seu vestuário. Enquanto que as marcas Atlantis, Lirius, Mint, Valerious, Triku, Triscle referem optar por adquirir a maioria das suas fibras em países como: Alemanhã, Austrália, Aústria, Filipinas, Itália e Turquia alegando que apesar de estarem preocupadas em reduzir a sua pegada ecológica, o facto de Portugal não ser um país produtor de fibras, a não ser de recicladas (linho e canhâmo), não lhes deixa outra opção sem ser esta. A marca Reconnected, opta por adquirir todas as suas fibras à exceção do algodão orgânico que é produzido na Turquia, em Portugal, principalmente no norte do país.

No seu site justifica como tal escolha é benefica não só a nível ambiental, uma vez que como as fibras são produzidas em fábricas nortenhas e depois são encaminhadas para outras fábricas igualmente localizadas no norte do país, o impacto que o transporte destas, de uma fábrica para outra, apresenta no ambiente é muito menor do que o das marcas que compram as fibras num país e produzem o vestuário noutro. Como também traz benefícios para a manutenção das tradições nacionais, pois um dos seus parceiros continua a recriar o burel1 e os seus padrões do século XIX, e também para a economia nacional e local, visto que como os seus parceiros de confeção se localizam em vilas e aldeias muito pequenas, esta parceria permite-lhes continuar a subsistir.

Também na escolha das distribuidoras, e apesar do transporte destes produtos para os consumidores corresponder a 23% do impacto que a indústria da moda tem no ambiente (Carlile, 2019), pude concluir que estas marcas apresentam diferentes preocupações.

Enquanto as marcas Reconnected, Triku e Triscle optam por distribuidoras como a Ups, DHL e CTT (Correios de Portugal), que disponibilizam opções de envio de compensação carbónica2. As marcas Atlantis, Lirius, Mint e Valerious como compreendi tanto através das páginas das duas primeiras como através dos emails que troquei com as duas últimas, optam pelos CTT mas pela opção do correio normal. Esta opção é justificada pelas marcas Atlantis, Lirius e Mint tanto pelo facto de estes serem mais rápidos a fazerem as entregas aos consumidores, como também por os planos de compensação carbónica acarretarem mais um custo económico, o qual de momento não podem suportar. A marca Valerious referiu, ainda, que não está nos seus planos, pelo menos por agora, ter este tipo de preocupações.

REFLEXÕES

Apesar destes dados poderem sugerir que dentro das marcas analisadas existem umas mais sustentáveis ou comprometidas com a sustentabilidade do que outras, este não é o objetivo deste ensaio. Para realizar tal afirmação era necessário efetuar pesquisas mais aprofundadas junto das marcas, nomeadamente nos locais onde são produzidas as fibras e o vestuário. Assim, a partir destas reflexões concluí-se que o conceito de sustentabilidade é utilizado de forma contraditória pelas marcas, pois apesar de todas afirmarem que a sustentabilidade é pensar em reduzir o impacto que a sua produção tem no ambiente, nem todas se esforçam por escolher fibras que não aumentem a sua pegada ecológica, se empenham em fazer parcerias com distribuidoras que tenham planos de compensação carbónica, entre tantas outras escolhas que não são passíveis de reflexão dada à curta dimensão do presente ensaio. É ainda possível concluir que estas marcas estão no caminho da sustentabilidade e esse caminho tem avanços e recuos, já que não há escolhas nem materiais 100% sustentáveis. Em suma, desde que as marcas sejam capazes de assumir a sua sustentabilidade imperfeita a veracidade dos seus discursos e das suas práticas não poderão ser colocados em causa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, Laurence. Análise de Contéudo. São Paulo: Edições 70, 1977.

CARLILE – Clare – The Carbon Cost of Clothing – 2019 – Disponível em: https://www.ethicalconsumer.org/fashion-clothing/carbon-cost-clothing - Acesso em: 10 de Maio de 2021.

EHRENFELD, John. The real challenge of sustainability. In Fletcher, Kate e Tham, Mathilda (Eds), Routledge Handbook of Sustainability and Fashion. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2015, pp. 57-63. FLETCHER, Kate. Sustainable fashion and textiles: design journeys. London: Routledge, 2008. FLETCHER, Kate e Grose, Lynda. Fashion & sustainability: Design for change. United Kingdom: Laurence King Publishing, 2011.

HORTON – Kathleen. Just Use What You Have: Ethical Fashion Discourse and The Feminisation of Responsibility. Australian Feminist Studies, Volume 33, Fascículo 98, pp.515-529, 2018. TSING, Anna. Uma ameaça para a ressurgência holocénica é uma ameaça à habitabilidade. In Tsing, Anna (Eds), Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil folhas, 2019, pp.225-239.

WOODWARD, Sophie. Accidentally Sustainable? Ethnographic approaches to clothing practices. In Fletcher, Kate e Tham, Mathilda (Eds), Routledge Handbook of Sustainability and Fashion. London e New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2015, pp.131- 138.

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