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SLOW FASHION: UMA ANÁLISE DE CONSUMO PARA O PRESENTE
Emily Oliveira Müller*; FEBASP*; emily.o.muller@gmail.com*
Resumo: Esta pesquisa tem como propósito encontrar soluções para o slow fashion através de uma análise das relações sociais de consumo de moda. Para isso, buscou-se apresentar os conceitos de consumo e consumidor; apresentar o marketing digital e o marketing de moda; conceituar fast fashion e slow fashion; e apresentar soluções para a execução de uma moda mais ética. Palavras-chave: moda, consumo, slow fashion
INTRODUÇÃO
Em uma sociedade onde o consumo é cultural e traduz a nossa realidade, se torna essencial entender esse fenômeno. Assim como compreender os sentimentos que movem os consumidores e analisar as mudanças sociais que tomam conta das nossas decisões. Nesse cenário, perdas e ganhos se revelam, aproximando a cultura do fast fashion e disseminando a necessidade do slow fashion. Por isso, contamos com autores como Lindstrom (2016), Posner (2015), Berlim (2012), Cietta (2017) e Fletcher e Grose (2011) para nos ajudar a entender o consumo de moda atual e a encontrar maneiras de construir um presente mais consciente e cuidadoso com o futuro.
DESENVOLVIMENTO
O consumo de massa, a alta taxa de descarte e o sentimento permanente de insaciabilidade definem a sociedade de consumo da atualidade, segundo Barbosa (2010), e ainda colocam o consumidor como um dos seus principais personagens. O conceito também é associado à cultura do consumo que, de acordo com a autora, fala sobre a sociedade pós-moderna que tende a relacionar consumo com estilo de vida, reproduções sociais, estetização e comoditização da realidade. Baudrillard (1995, p.207) complementa, afirmando que “se a sociedade do consumo já não produz mitos é porque ela constitui o seu próprio mito”. Ou seja, o consumo é a forma como o povo fala sobre si e para si mesmo.
Com isso, debruçamos o olhar sobre o consumidor que tem um processo de decisão movido por desejos ou necessidades de efetuar uma compra baseada em sua identidade social, segundo Giglio (2010). E até mesmo para efeito de diferenciação social, onde ter ou não determinado objeto fala muito sobre sua classe, de acordo
com Ferreira (2016). Na sequência, está compra poderá ser usada e descartada, de acordo com Solomon (2016) e identificará padrões culturais de comportamento. Para Lindstrom (2016), 90% do comportamento do consumidor se dá de forma inconsciente, conforme o neuromarketing. Ele afirma que o cérebro possui uma programação que dá às marcas um significado praticamente religioso e, com isso, as pessoas desenvolvem uma lealdade permanente. Assim, os sentimentos e sensações fazem parte da construção de relação entre produto e consumidor, atribuindo valor ao que se considera especial, mesmo que de forma irracional.
Sob o ponto de vista do marketing 4.0, sugerido por Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017, p.XVI), o consumidor tem papel de agente das marcas dentro e fora da internet. Assim, eles se tornam centro das estratégias e têm voz sobre elas. Para Bauman (1999), esta é uma forma do mercado condicionar as pessoas, dando a elas a ilusão do poder de escolha. Assim, o marketing induz os consumidores a sempre terem novas ambições, suprindo as necessidades do mercado e contribuindo com a lógica do descartável. Na perspectiva da moda, Posner (2015, p. 14) diz que “um número cada vez maior de empresas de moda vem implantando estratégias de expansão de seus negócios ou marcas na tentativa de atingir um número maior de consumidores”. Em um sistema que intercala o efeito gotejamento, onde as ideias dos estilistas de alta-costura servem de inspiração para as criações do varejo; e o efeito borbulha, onde a alta-costura é inspirada pelos subgrupos, percebemos um grande movimento de influência se formando e concebendo o que conhecemos como fast fashion. Para Berlim (2012), esta posição de consumo de roupa em ritmos extremamente acelerados, não só torna as peças obsoletas rapidamente como também favorece relações superficiais com a moda. De acordo com Lipovetsky (2007 apud TEIXEIRA, 2019), o movimento é uma realidade desde o final da década de 1970, onde passamos a conhecer a sociedade do hiperconsumo. E entre as consequências desta dinâmica, segundo Berlim (2012), estão a exploração tanto da mão de obra quanto dos recursos naturais em grande escala e um descarte rápido das roupas.
Neste cenário, entendemos o que Berlim (2012) quer dizer ao afirmar que ao unir os termos moda e sustentabilidade, eles soam contraditórios. Afinal, o ritmo intenso é alvo de críticas éticas, ambientais e estéticas. Assim, na contramão de suprir as necessidades de produtos baratos e rápidos, surge o slow fashion. Berlim (2012) explica que o termo se relaciona com o slow food, criado por CARLOS PETRINI em 1986, que valoriza o prazer do consumo em si. Já o termo slow fashion, vem do design que busca “incorporar ética à estética nos atos de produzir, comercializar e consumir roupas”. Assim, o slow fashion não necessariamente se opõe ao fast fashion, mas apresenta um novo ponto de vista à indústria da moda ao questionar a lógica hegemônica capitalista. (BERLIM, 2021, p.6)
Rompendo com os valores econômicos da indústria têxtil, Pookulangara (2013) acredita que o slow fashion é sobre resgatar o valor da moda, tirando dela a noção do descartável. Ou seja, na contramão das tendências semanais do fast fashion, estimula-se a atribuição de significado às peças, fazendo-as durarem extensas temporadas.
Para Mori (2016), o movimento se traduz em uma nova forma de consumir moda, valorizando os processos éticos que preservam o meio ambiente, a cultura e a produção artesanal. Fletcher e Grose (2011) reforçam a importância de preservar o ciclo de vida dos produtos, sendo o slow fashion uma alternativa para um consumo mais consciente.
Por outro lado, Teixeira (2019) acredita que o discurso do consumo consciente dá ao consumidor o papel de transformador do mundo através de suas escolhas de compra e facilita a criação de uma armadilha de culpa que impõe a ele o título de vilão dos problemas gerados pela indústria da moda. Berlim (2012, p.88) corrobora, ao apontar que “[...] nada pode ser 100% sustentável”, mas que:
[...] a moda pode, sim, adotar práticas de sustentabilidade, criando produtos que demonstrem sua consciência diante das questões sociais e ambientais que se apresentam hoje em nosso planeta, e pode, ao mesmo tempo, expressar as ansiedades e desejos de quem consome. Afinal, a moda não apenas nos espelha - ela nos expressa. (BERLIM, 2012, p.13)
Cietta (2017) nos provoca a refletir também a respeito dos valores materiais e imateriais da moda e que ficam aquém das propostas do slow fashion. Isto é, o autor defende que as criações de produtos dificilmente são de cunho exclusivamente criativos (imateriais) ou produtivos (materiais). Para ele, o significado cultural do produto não será compatível com a lentidão na produção enquanto a redução da velocidade for o objetivo e não a consequência do movimento.
Fletcher (2018), relembra que o termo ˜slow˜ deixou de fazer sentido ao se estabelecer um dualismo entre rápido e lento enquanto deveria focar nos diferentes processos produtivos da indústria. Cietta (2017) corrobora ao defender que mudanças na moda devem ser intrínseca ao valor imaterial do setor. Ou seja, indústria deve tornar a responsabilidade socioambiental essencial em todas as suas produções.
A partir disso, consideramos as possíveis soluções para a execução de uma moda sócio e ambientalmente responsável. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) criados pela Organização das Nações Unidas (2020) contam com 17 objeti-
vos globais que visam o fim da pobreza, da proteção ao meio ambiente e ao clima, e da garantia de que as pessoas possam ser prósperas e viver em paz em todos os lugares. Com meta de execução até 2030 no Brasil, é essencial conectar os tópicos com os interesses públicos do país. Isto é, encontrar na lei formas de executar e colaborar com o desenvolvimento sustentável. O incentivo à agricultura familiar e orgânica, que valoriza os pequenos e médios produtores de algodão, são um exemplo. Construir uma visão ampla de todo o ciclo de produção e consumo de moda na indústria, melhorando todas as partes do processo, são caminhos propostos por Fletcher e Grose (2011). A transparência da produção, como a busca por materiais de fontes renováveis; a redução do nível de insumos no processo de produção; a garantia de condições de trabalho adequadas aos agricultores e produtores das fibras têxteis; e a preferência por fibras biodegradáveis e recicláveis para reduzir desperdícios, são algumas das apostas das autoras para impulsionar o movimento industrial.
Aos designers e engenheiros têxteis, recai a responsabilidade de conhecer e diferenciar as técnicas de processamento das fibras, a fim de fazer escolhas mais responsáveis. Além de rever e reduzir a emissão de carbono no processo de distribuição. E uma vez que o produto chega aos consumidores, Fletcher e Grose (2011) atentam à necessidade de instruir o público a respeito da conservação e descarte das peças, incentivando a reutilização e reciclagem das peças para aumentar sua vida útil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma sociedade onde o ser e o ter se relacionam intimamente, o consumo faz parte da construção de nossas identidades e acontece de forma inconsciente em sua quase totalidade. E nesse cenário, onde sentimentos e sensações conectam produtos e consumidores, o universo da internet se destaca. Ela que chegou para revolucionar, tornou o que antes era uma simples estratégia de marketing, um movimento cada vez mais íntimo e delicado. O consumidor se tornou mais exigente, buscando nas marcas valores alinhados aos seus. Enquanto as marcas aprofundaram seus conhecimentos sobre seu público, crescendo de maneira exponencial. Não à toa, em um tempo em que são necessários milésimos de segundos para conquistar a atenção do público, o consumo de roupas e tendências também alcançou a marca do ultra-fast. E as consequências são descartes acelerados e desnecessários, pessoas em situação de vulnerabilidade social e recursos sociais sendo explorados de maneira a colocar a continuidade de nossa espécie em risco.
Contudo, a internet também pode ser um de nossos grandes aliados. Os recursos digitais oferecem possibilidades que beneficiam o slow fashion, que surgere um futuro em que a moda e o meio ambiente possam coexister em harmonia. Será que não podemos contar com as difusões rápidas oferecidas pela internet e o sentido religioso atribuído às marcas como uma forma de evocar o slow fashion como um novo modus operandi? Afinal, já sabemos que existir não é 100% sustentável, mas também entendemos que reduzir os danos causados pelo capitalismo através de produções e consumos mais éticos e limpos podem ser uma alternativa.
Que cada vez mais pessoas possam compreender que consumir slow ou fast é estar em um ciclo onde a responsabilidade não é individual, mas do todo. Assim, entendemos que a responsabilidade é sim do consumidor, mas é principalmente da indústria, das marcas e das políticas que precisam ser revisitadas e melhoradas em nosso país. Tudo isso para que o conhecimento dê luz à consciência e que, então, nossa relação com o que temos e somos signifique também preservar onde e com quem vivemos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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