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CRÍTICA AO DESENVOLVIMENTO – MODA COMO UMA DAS INDÚSTRIAS MAIS POLUENTES DO MUNDO
Jezebel Gabriele dos Santos Lopes; Universidade Federal do Pará; jezebel.gabriele@gmail.com
Resumo: O presente trabalho tem o intuito de identificar os impactos causados pela indústria da moda no mundo e seus efeitos, dando ênfase nos impactos ambientais, sociais e culturais. E em seguida traz perspectivas do Oriente em relação ao Ocidente na questão do descarte de peças de roupas, buscando alternativas para prolongar o ciclo de vida das peças, propiciando uma discussão acerca do que é desenvolvimento.
Palavras-chave: moda consciente, impactos ambientais, desenvolvimento, brechós, ustentabilidade.
INTRODUÇÃO
Desenvolvimento e progresso são termos que trazem consigo catástrofes sociais, ambientais e culturais, existentes por conta das relações socioeconômicas dominantes, essas no que lhe concerne oculta o processo de produção de produtos que consumimos. Por esse motivo, é de fundamental seriedade sabermos quem faz o que compramos e quais causas estamos sustentando.
Pois, hoje somos vistos e nos comportamos como consumidores, deixamos a nossa cidadania de lado. Voltamos as nossas ações para o consumo que acompanha as produções desenfreadas. Logo, o que nos resta mudar são os nossos hábitos, enquanto não conseguimos mudar o sistema vigente.
Dessa maneira, como proposta para driblar esse modo de consumo/produção acelerada se mostra necessário consumirmos de forma mais equilibrada. Melhor ainda se for mais acessível para todos, de modo mais democrático e sustentável.
Portanto, mostra-se imperativo adotarmos práticas de bem viver – a nosso modo, isto é, de forma adaptável para cada sociedade – com a finalidade de prosseguirmos de forma mais justa e com equidade.
DESENVOLVIMENTO
Ao falar de moda, não devemos pensar somente no glamour e na compra de peças que se renovam nas prateleiras e araras das lojas a cada estação (ultimamente em
até menos tempo). Desde a produção até o consumidor final na maioria das vezes não temos ideia dos eventos que são gerados ao produzir uma peça que vai parar em nosso guarda roupa.
O trabalho de Berlim (2011) evidencia que a moda tem como marca registrada o momentâneo, caracterizado por períodos contínuos, que perpassa por outros ciclos de sua produção. Logo, quando há obsolescência programada (produção de algo que em breve se tornará inutilizado) dos produtos leva a refletir se o termo “ciclo” realmente está relacionado a essa lógica. E se, a indústria têxtil de fato tem compromisso com uma das mais simbólicas características da moda, que é expressar um tempo. Ao mesmo tempo, o motivo pela existência do capital é o seu próprio crescimento, e este por sua vez se manifesta de algumas formas de ampliação, sendo uma delas a criação de novas necessidades de consumo (CODO, 1987). Imediatamente, lançando um produtivismo no capitalismo. É o que destaca Camargo (2021):
O mundo consumista em que vivemos hoje nos cegou. Aquilo que não vemos ou não sabemos, não sentimos. Não queremos saber de onde veio ou como foi feito, queremos apenas saber qual é o preço. Todo processo produtivo consome recursos naturais e humanos de maneira extraordinária. (Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/colunas/fernanda-camargo/impacto-ambiental-industria-moda>)
As fast fashion (moda rápida), são responsáveis pela produção de roupas todos os anos e em larga escala e com “preço baixo” e com um curto ciclo de vida, no entanto, com um alto custo em impactos ambientais e sociais, muitos até irrevogáveis. A internet, por exemplo, tornou-se uma grande contribuinte para o lançamento de tendências. Demonstrando eficácia, quando através dela, o mercado da moda se refaz diariamente.
IMPACTOS
Os impactos dessa cadeia de produção levam ao surgimento de conflitos ambientais como a emissão de gases poluentes na atmosfera, poluição do solo, entre outros fatores prejudiciais ao meio ambiente e à nossa própria existência. A indústria da moda que é responsável pela emissão de 8% de carbono na atmosfera terrestre, ficando atrás apenas do setor petrolífero, o poliéster por sua vez, é uma das fibras mais utilizadas no mercado da moda, sendo responsável de 32 das 57milhões de toneladas em todo o mundo (CAMARGO, 2021).
Ademais, o mercado da moda segue sendo o segundo setor que mais consome água e responsável por produzir 20% das águas residuais, além de liberar 500 mil toneladas anualmente de microfibras sintéticas nos oceanos (TROIANI; SEHNEM E CARVALHO, 2022).
E essa reação da natureza é fruto da atuação do sistema capitalista que gira em torno de um crescimento constante (capitaloceno) essas são as bases que mantêm a rentabilidade de marcas milionárias, em contraponto, a pauperização de povos marginalizados (GARCIA; MIRANDA e COSTA, 2022).
Nós sabemos, por exemplo, que o curtimento do couro é um dos processos mais poluentes criados pela humanidade, que o algodão é sedento, consome muita água, terra para plantio além de pesticidas, inseticidas e herbicidas. Nós também sabemos que a viscose é altamente poluente e prejudicial, assim como o poliéster, que a criação de ovelhas para produção de lã representa igualmente devastação ambiental e crueldade animal, que o descarte têxtil é um problema real. Além disso, numa cadeia de suprimentos global, nós também sabemos que as matérias-primas, aviamentos, tecidos e peças são enviados de um lado para o outro muitas vezes via avião causando grande impacto ambiental, e assim por diante. (COLERATO, 2017. Disponível em: <https://www.modefica.com.br/moda-segunda-industria-poluente-sustentabilidade/#.YV2vDdLMLIU>).
Dessa maneira, o desenvolvimento é responsável pela criação da categoria de subdesenvolvimento, que produz enfermidades sociais, como: bolsões de pobreza, altos índices de violência e exclusão social. Portanto, o desenvolvimento não acaba com a fome e com a miséria, pelo contrário, ele é um mecanismo que provoca a pobreza absoluta (ESTEVA, 2000). Quando falo em pobreza:
É relevante destacar, entretanto, que o conceito de pobreza não pode ser reduzido à noção de precariedade de renda; mas deve ser entendido de forma mais complexa e abrangente, assim como sugerido nos trabalhos de Amartya Sen (2001). Estamos falando, portanto, da pobreza como privação de capacidades básicas que conduz à vulnerabilidade, exclusão, carência de poder, de participação e voz, exposição ao medo e à violência – enfim, à exclusão de direitos básicos e de bem estar. (SCALON, 2011, pág.53). Mesmo se tomássemos a iniciativa de escolher tecidos mais sustentáveis e roupas que durassem mais, ainda assim não asseguraria o impedimento dos impactos am-
bientais, pois infelizmente, a maioria da população do mundo não possui autonomia para escolher o que vestir, e por assim dizer, compra o que é mais acessível e o que chega até eles (TEMPERO DRAG, 2019).
Como é o exemplo atual de marcas internacionais, que por terem praticidade e preços atrativos tornam-se fenomenais mesmo tendo a durabilidade e logística questionáveis. Além de que o “ecofashion” não está disponível para todas as pessoas, tanto no tamanho quanto no quesito de acessibilidade, embora o preço seja justo (em relação à produção) precisamos focar em viabilizar esse processo (COSENTINE, 2022).
Esse é o exemplo levantado pelo documentário Unravel (Desvendar) que propõem uma análise crítica em relação ao consumo e o descarte de vestes por parte do ocidente, onde as protagonistas são indianas que trabalham com reciclagem de roupas.
O documentário que tem mais ou menos 13 minutos é dirigido por Meghna Gupta, em parceria com a antropóloga Lucy Norris, em várias cenas é visível o cenário com enormes montanhas de roupas que são descartadas. Relatando o ponto de vista das trabalhadoras indianas ao se depararem com a cultura do desperdício e da rejeição das roupas de forma acelerada, destaco alguns relatos das trabalhadoras:
“Quem sabe, talvez eles simplesmente não gostem de lavar roupas?! Eu realmente não sei qual é o problema” (Cortadora da Indústria). “A água custa tanto quanto as roupas para estas pessoas. É por isso que elas usam suas roupas duas ou três vezes e depois jogam fora” (Cortadora da Indústria). “[...] parece que (as roupas) são praticamente novas” (Cortadora da Indústria) E como alternativa, se mostra eficaz darmos notoriedade para os brechós e bazares de instituições de caridade/igrejas que fortuitamente além de ser um sistema de renda que gera empregos e sustento para muitas pessoas, também se manifesta como moda sustentável, quando busca renovar o ciclo de vida de roupas que provavelmente acabariam em lixões, desertos e como no caso já evidenciado, ir parar no outro lado do mundo.
A economia circular se mostra eficaz, ao aperfeiçoar a produtividade de recursos reduzir riscos sistemáticos ao conduzir estoques finitos e caminhos renováveis, desse jeito, através da reciclagem e/ou reutilização, os resíduos tornam-se recursos recuperados e revalorizados (TROIANI; SEHNEM E CARVALHO, 2022). Diante disso, evitando o consumo de água, matéria-prima e energia ao produzir uma nova peça.
Além do mais, mesmo que consumíssemos somente desses meios, muitas pessoas não são contempladas ou encontram muitas dificuldades em encontrar roupas para o seu tamanho. Por isso que por vezes recorrem para lojas fast fashion que atendem às suas necessidades. Dessa forma, em decorrência a esses acontecimentos devemos incentivar a produção do slow fashion (moda feita de forma mais lenta), mas que aceite às pendências desses grupos que ficam à margem da produção. Dessa maneira, ao agirmos e pensarmos como cidadãos, somos capazes de alterar o sistema de produção e transformar esse padrão de consumo insustentável (TESE ONZE, 2018). O comportamento alternativo dos designers, do produtor assim como do consumidor, influenciam o organismo de toda a indústria. Sabemos que é praticamente impossível haver um consumo consciente, mas é viável existir uma moda consciente, isto posto, evidencia que a roupa mais sustentável do mundo é aquela que já existe, podendo ser reaproveitada para uso ou transformação. É o que destaca Marchi (2009) enfatizando a Suécia com a utilização de técnicas como o Upcycling (reaproveitamento criativo) e Downcycling (reciclagem de resíduos).
CONCLUSÕES FINAIS
Devemos ser críticos quanto à ideia implantada de humanidade homogênea, pois se torna justificativa para o gasto, tendo em vista que deixamos de ser cidadãos e passamos a ser consumidores. E este consumo desenfreado está nos tornando alienados em relação as cosmovisões presentes em nosso planeta (KRENAK, 2019). No qual a ideia de (des) envolvimento existente nos separa da natureza, deixando ela a parte como se nós também não fizéssemos parte dela. Sendo assim, precisamos praticar um desenvolvimento como envolvimento e movimento político de um povo para alcançar os seus objetivos. Na busca de benefícios para a população de modo geral, não só para uma parcela da sociedade. Para que consigamos reduzir os impactos ambientais, além das desigualdades sociais, tendo em vista que fazemos parte da natureza como um todo.
REFERÊNCIAS
BERLIM, Lilyan. Moda & Sustentabilidade, Design Para Mudança. São Paulo: Editora Senac, 2011. 7.
CAMARGO, Fernanda. O custo por trás da indústria da moda é maior do que você pensa. Estadão, 2021. Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/colunas/fernanda-camargo/impacto-ambiental-industria-moda>. Acesso em: 06 de out. de 2021.
CODO, W. O que é Alienação. 2ª ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985. 7 p. COSENTINE, Victória. 2 dias de Upcycling, Moda e Sustentabilidade. 2022. São Paulo. Escola Britânica de Artes e Tecnologia. 2022.
COLERATO, Marina. A Moda NÃO É a Segunda Indústria Que Mais Polui o Meio Ambiente. Modefica, 2017. Disponível em: https://www.modefica.com.br/moda-segunda-industria-poluente-sustentabilidade/#.YV4rrNLMLIW. Acesso em: 06 de out. de 2021. ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfang (editor). Dicionário do Desenvolvimento. Petrópolis/RJ, Vozes, 2000. GARCIA, Leandro Alves, MIRANDA, Atena Pontes de e COSTA, Robson Xavier da. SUSTENTABILIDADE E MODA NO ENSINO DAS ARTES VISUAIS. Cadernos CEDES [online]. 2022, v. 42, n. 116 [Acessado 2 Julho 2022] , pp. 28-40. Disponível em: <https:// doi.org/10.1590/CC251924>. Epub 11 Abr 2022. ISSN 1678-7110. https://doi.org/10.1590/ CC251924.
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