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UPCYCLING COMO OTIMIZAÇÃO DE PROCESSOS NO SISTEMA FASHION

Josué Kuhn Völz; UFRGS; josuekvolz@gmail.com Karoline Kuhn Crizel; Studio Kuhn; karolkuhncrizel@gmail.com

Resumo: Através de uma análise sistêmica, aborda-se a conformação das cadeias de produção e uso da moda. São apontados gargalos nos processos, bem como interferências críticas a outros sistemas. Segue-se a proposta de uma Economia Circular, que combine diferentes técnicas, complementares em suas potencialidades e limitações, havendo aprofundamento descritivo do Upcycling.

Palavras-chave: Sistema Fashion; Análise sistêmica; Upcycling; Cadeia produtiva; Economia Circular.

INTRODUÇÃO

Na interpelação às cadeias produtivas, tende-se a uma visão compartimentada, em que a produção é um processo linear, com início e fim. Essa percepção faz parte do logos contemporâneo, e por muitas vezes é impeditivo no vislumbre da raiz de problemas. É o caso da baixa visibilidade aos processos desencadeados pela cadeia produtiva da moda. Responsável por 8% do total de gases de efeito estufa emitidos (QUANTIS, 2018), ela colabora decisivamente para a aceleração das mudanças climáticas. A desigualdade de renda também é alarmante, ao ponto de 20 marcas deterem 95% dos lucros do mercado da indústria fashion (HANDBURY, 2018). De forma ampla, sua dinâmica põe em risco a manutenção de serviços ecossistêmicos e a biodiversidade, sem falar na ameaça à reprodução social de populações marginalizadas - e, no limite, à espécie humana.

Para tratar da complexidade de tais questões, neste artigo, recorre-se ao System Approach (Abordagem Sistêmica). Assim, são vislumbrados os processos e elementos que engendram a moda, em sua cadeia produtiva, industrial, comercial e consumidora – mas também a jusante e montante, na extração e no descarte, e até no fornecimento de energia. Quanto aos métodos utilizados, recorreu-se à metodologia da análise sistêmica, aliada a uma revisão bibliográfica sobre o tema, fonte de dados secundários.

O SISTEMA FASHION

Segundo Churchman (1968), ao estudar sistemas, cinco pontos devem ser considerados: os objetivos totais, o ambiente, os recursos, os subsistemas (componentes) e a administração do sistema. A partir desses aspectos, pretende-se fazer uma breve análise do sistema fashion. Antes de mais nada, os subsistemas compõem um sistema através de suas ligações, mas possuem suas próprias atividades, finalidades e medidas de rendimento (Ibidem). Levando em conta a cadeia produtiva da moda, a primeira captação de recursos se dá pelas Unidades de Produção Agrícola, no caso de tecidos naturais ou artificiais, e pelas empresas de extração de matéria prima, para os sintéticos. Tais empreendimentos são subsistemas ao sistema fashion, mas também possuem seus próprios subsistemas e podem ser analisados como sistemas por si sós – apontamento que tende a se estender sobre as demais etapas produtivas.1

Convencionalmente, o processo produtivo segue nas indústrias manufatureiras. Que por sua vez, utilizam de diversos recursos, tal qual o capital investido, aplicado de formas que visam maximizar seu rendimento. As redes de comércio são outro componente que pode estar mais ou menos integrado aos demais elos, e tendem a reproduzir dinâmica semelhante. Ao falar das companhias em geral, Churchman (1968), aponta que estoques e até mesmo a “boa vontade” do pessoal empregado são recursos a se manusear adequadamente. Ainda podem ser citados outros subsistemas, como o de transporte, responsável por alocar seus recursos (automóveis, trabalhadores, combustíveis, etc) para executar seu serviço – seja de entrega do produto final ou insumos para um dos elos. E a sua interferência em outros sistemas, através de escolhas sobre a distância percorrida, o uso de tecnologia, o tratamento do pessoal empregado, entre outros, são fatores tratados ao considerar o sistema fashion como um todo. Ademais, quando contabilizado o próprio uso do produto final, o vestuário, as escolhas disponíveis e executadas pelo consumidor geram constrangimentos, notoriamente ao ecossistema.

Outro ponto a se pensar é o ambiente do sistema. Ou seja, coisas que interferem no funcionamento do sistema mas que o mesmo tem pouco poder sobre suas características e comportamentos. Do seu ponto de vista, são elementos fixos, estão dados e exercem certa coação (Ibidem). No ambiente do sistema fashion, em suas inúmeras etapas, mas principalmente no início da cadeia produtiva, pode ser apontada a disponibilidade de matéria-prima e as condições climáticas. Em seu quesito mão-de-obra, a quantidade e qualidade são fatores que por vezes não há

1 Por exemplo, uma Unidade de Produção Agrícola de algodão utiliza mão-de-obra, ferramentas e tempo disponíveis para manipular o solo e os insumos produtivos. A utilização de tais recursos depende dos objetivos do seu administrador e de como ele mede o sucesso em alcançá-los. Por sua vez, há a interferência de outros sistemas e todo um ambiente que o constrange. Essa combinação de fatores é essencial na execução de determinado sistema de cultivo o que, por sua vez, age distintamente sobre outros sistemas, como o ambiental e o social.

como serem influenciados pelos atores que compõem o sistema. O maquinário é condicionado a questões financeiras e/ou tecnológicas do momento. A captação de investimentos limitada. Também vale a infraestrutura que a cadeia utiliza - vias de transporte, por exemplo. Outro ponto é o ambiente institucional, em suas leis, redes de comércio, etc. De forma ampla, tendências e comportamentos da sociedade, em sua relação com a demanda do mercado. Até mesmo no momento de descarte, há certos elementos, como as condições dos aterros sanitários, o acesso a córregos, que não são passíveis de interferência e podem prejudicar a eficiência do sistema, no curto e no longo prazo.

Ainda, o autor indica que, a depender do contexto e do comportamento do próprio sistema, sua possibilidade de ação pode se transformar (Ibidem). Ou seja, existem elementos passíveis de interferência quando o sistema direciona recursos nesse sentido. Como por exemplo, quando empresas do ramo atuam em lobbies para impactar políticas públicas ou alterar leis ambientais. Também quando são pesquisadas e desenvolvidas inovações tecnológicas, ao capacitar melhor o pessoal envolvido, na influência da demanda pela utilização de recursos do marketing etc. Cabendo chegar à pŕoxima instância de análise: os recursos, meios utilizados pelo sistema para desempenhar suas tarefas. Aquilo que o sistema pode decidir sobre sua alocação, a maneira e o momento de se utilizar. Os recursos são um reservatório geral, recorrido na execução de ações específicas. Os atores já identificados atuam, gerenciando seu tempo, mão-de-obra, estoque e demais recursos no intuito de atingir os objetivos totais.

E quanto ao sistema fashion? Qual seu objetivo total? Em um primeiro momento, pode-se apontar que o objetivo da moda é vestir pessoas. No entanto, ao averiguar a realidade, recorda-se do desperdício de tecidos e o descarte de roupas em boas condições, (MENEGUCCI et al. 2015), a curta duração dos produtos, a desigualdade no acesso às vestimentas, e o consumo exacerbado (SILVA, 2016). O que leva à consideração de que, ou tal sistema falha ao atingir seu principal objetivo, ou estamos nos deixando levar pelo que Churchman (1968) chama de “objetivo declarado” - um enunciado que não condiz com a realidade. Para encontrar o objetivo efetivo, devemos ater-nos à sua medida de rendimento, um indicativo que mede o funcionamento efetivo do sistema. Aqui, recorda-se a importância das análises econômicas na aferição da saúde da cadeia da moda. Poderia-se também trazer um trecho do livro referenciado, mesmo que originalmente aplicado a outro sistema. Aventando o objetivo real do sistema fashion, de “[...] manter o nível de rendimento de grupos de alto rendimento tão elevado quanto possível.” (CHURCHMAN, 1986. p. 50). Ainda que seja preciso pontuar que o mesmo não possui uma instância decisória central, de forma que a administração do sistema está difundida na ação de seus subsistemas e outros sistemas paralelos, como o econômico e político.

UPCYCLING NO SISTEMA FASHION

Em vias de otimizar o Sistema Fashion, busca-se referência na ideia de Economia Circular, que tem por objetivo gerar o menor dano ambiental em todo o ciclo de vida de um produto. O que começa pela utilização de recursos com baixo impacto negativo, e continua, ao buscar a manutenção do valor de uso dos produtos. Por fim, evitam-se descartes, procurando reinserir continuamente os recursos no processo produtivo (LEE; MENDES, 2021). Nesse sentido, há um arcabouço de iniciativas que podem ser entendidas como estratégias de gestão que se complementam, compondo o esforço de criar um sistema produtivo de dinâmica circular. Mas a título de compreensão, o artigo buscará se aprofundar na técnica do Upcycling, em seu potencial de otimização de parte do sistema fashion. Segundo Gwilt (2014), Upcycling consiste no aprimoramento de algo que seria jogado fora: “A técnica pode ser aplicada no design e confecção de uma nova peça de roupa ou ser usada para reformar ou remanufaturar uma roupa já existente” (GWILT, 2014, p. 146). Ou seja, tem como origem algo novo, sem a necessidade de força química ou motora sobre a matéria-prima, sendo mantidos, e até aumentados o valor e a qualidade do produto. Além disso, devido a particularidade de cada peça reutilizada ou resíduo têxtil, e de sua pequena escala de produção, geralmente artesanal, os resultados se tornam exclusivos. “A reutilização de peças antigas trouxe consigo uma carga forte de conceitos simbólicos como memória e nostalgia, convertendo vestimentas descartadas em peças novamente cativantes e úteis.” (RODRIGUES; GOLDCHMIT; 2016, p. 2). Há, portanto, capacidade de prolongar o ciclo de uso dos recursos, evitando a extração e o processamento de nova matéria-prima. O que se vê a seguir, é uma esquematização dessa iniciativa.

No entanto, há de se reconhecer certos entraves para a expansão da técnica, como limitações no redesign do tecido fornecido, custos do recondicionamento do material, e a aplicação de uma logística reversa. Ainda, deve ser levada em consideração a aceitação por parte do público consumidor.

REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA FASHION

Transformar o Sistema Fashion é necessário, não só para otimizá-lo em sua totalidade, mas também limitar a interferência danosa em demais sistemas – vitais à manutenção da qualidade de vida dos humanos e demais seres. Todavia, devido à integração deste à outras estruturas, como o sistema cultural, político e financeiro, é necessário repensar amplamente a sociedade. A busca por um mundo que atenda aos interesses das populações em sua diversidade passa pela participação de atores até então excluídos. De forma que os impactos de inovações técnicas e de mudanças no consumo são limitados, se não forem acompanhados de verdadeiras revoluções nos sistemas sociais e de valores vigentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHURCHMAN, Charles West. Introdução à Teoria dos Sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães. 2ª Ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2015.

GWILT, Alison. Moda sustentável: um guia prático. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2014.

HANDBURY – Mary – 20 companies dominate the world’s fashion industry. Here’s who makes the list – 2018 - Disponível em: https://www.businessinsider.com/nike-zara-tj-ma xx-top-list-global-fashion-brands-2018-12?op=1 – Acesso em: 20 de Junho de 2021. LEE – Kyung Ha; MENDES – Francisca. Novos modelos de negócios da moda: uma análise com base nos arquétipos de negócios sustentáveis. ModaPalavra, Florianópolis, V. 14, N. 32, p. 150–178, abr./jun. 2021. MENEGUCCI – Franciele; MARTELI – Leticia; CAMARGO – Maristela; VITO – Meriele. Resíduos têxteis: Análise sobre descarte e reaproveitamento nas indústrias de confecção. XI Congresso Nacional de Excelência em Gestão. Rio de Janeiro: FIRJAN-RJ. 2015. QUANTIS. Measuring Fashion: Environmental Impact of the Global Apparel and Footwear Industries Study. Boston, US, May 4, 2018. RODRIGUES – Carolina Hernandes; GOLDCHMIT – Sara Miriam. Two point zero: Criação de Peças de Vestuário a partir de Material de Descarte Pós-uso. IARA – Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo. Vol. 9 no 2. p. 68– 87 Dez. 2016. SILVA, Manuela Belo da. Fast Fashion: uma relação dos jovens com o consumo de moda. Trabalho de Conclusão de Curso - Administração (CAA). Universidade Federal de Pernambuco, 2016.

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