Resenha de o capital no século xxi de thomas piketty

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RESENHA DE O CAPITAL NO SÉCULO XXI, DE THOMAS PIKETTY REVIEW OF CAPITAL IN THE TWENTY-FIRST CENTURY, BY THOMAS PIKETTY

Liziane Angelotti Meira Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Doutora e Mestre em Direito Tributário (PUC/SP). Mestre em Direito com concentração em Direito do Comércio Internacional e Especialista em Direito Tributário Internacional (Universidade de Harvard). Professora e Coordenadora do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília. Professora e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário e Finanças Públicas do Instituto Brasiliense de Direito Público. Professora da Escola de Administração Fazendária. Professora Conferencista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Paula Gonçalves Ferreira Santos Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Mestranda do Curso de Direito Tributário na Universidade Católica de Brasília.

Benjamim Miranda Tabak* Consultor Legislativo do Senado na área de Política Econômica e Sistema Financeiro. Doutor em Economia (UNB). Mestre em Economia (UFF). Professor da Universidade Católica de Brasília. Editor Associado do Journal of Banking and Finance, Revista Brasileira de Finanças, Quantitative Finance Letters.

RESUMO: A proposta deste trabalho é compor uma resenha de O capital no século XXI, de Thomas Piketty. O livro apresenta uma disquisição histórica sobre a concentração de renda em diversos países. As ilações são no sentido de que a concentração tem aumentado e que uma forma eficaz para reverter esse processo poderia ser a criação de um imposto global sobre a riqueza. A parte IV do livro, atinente à proposição do imposto, é o escopo principal desta resenha. Palavras-chave: concentração de renda. Thomas Piketty. Imposto. riqueza. ABSTRACT: The purpose of this paper is to review the book "Capital in the twenty-first century" by Thomas Piketty. The book presents a historical disquisition on the income inequality over many countries. The study concludes that inequality has increased in the world and an effective way to reverse this process would be the creation of a global tax on wealth. The Part IV of the book, concerning this global tax, is the main scope of this review. Keywords: income inequality. Thomas Piketty. Tax. wealth.

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Benjamin M. Tabak agradece o suporte financeiro do CNPq.

Revista de Estudos Tributários e Aduaneiros, Brasília-DF, ano I, n.01, p. 431-441, ago./dez. 2014. 431


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1. INTRODUÇÃO O Capital no século XXI, livro do economista Thomas Piketty, publicado originalmente em francês, em 2013, e traduzido para o inglês em abril de 2014, foi recentemente lançado no Brasil. A obra, que discorre sobre o aumento mundial da desigualdade, virou best seller no mundo inteiro. O porquê do interesse na obra parece decorrer em grande medida do tempo em que vivemos, uma época de contradições, na qual há intenso questionamento das opções, inclusive as econômicas. Nos últimos anos, houve mobilizações na Turquia, no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em tantos outros países. Tais manifestações aconteceram sem um consenso a respeito do seu objetivo. A indignação vem, as pessoas param, mas não se sabe definir, na maioria das vezes, o porquê, o que realmente incomoda. Pode ser uma percepção de insatisfação geral ou até mesmo um pouco de inocência. Talvez a resposta esteja com Piketty. Talvez o que se queira no mundo de hoje seja simplesmente mais igualdade. O ponto nodal do livro é que o Capitalismo tem uma natural tendência para a desigualdade, tendo em vista que ativos como imóveis e ações, que são, como regra, de propriedade dos mais ricos, crescem desproporcionalmente mais rápido do que a economia em geral. Essa tendência foi temporariamente revertida durante as duas grandes guerras mundiais na Europa e a Grande Depressão nos Estados Unidos, no entanto, atualmente a desigualdade está retornando aos níveis pré-guerras. Tal processo, segundo o autor, deve ser contido por meio de medidas políticas radicais, como o imposto global sobre o capital. No Brasil, as ideias de Piketty também geraram celeuma, inclusive porque, segundo o economista, o Brasil não foi incluído na pesquisa porque a Secretaria da Receita Federal do Brasil ainda não havia fornecido os dados necessários para a análise. Essa questão foi um dos fundamentos de um Projeto de Lei, do Deputado Cláudio Puty, que, se aprovado, determinará que sejam divulgados anualmente relatórios com fulcro nas informações da declaração de renda (PL no 7.698/2014). De acordo com Piketty, o Fisco de um país é a fonte mais confiável para obtenção de dados sobre a renda. Somente com esses dados em mão, afirma o autor, ter-se-ia o instrumento necessário para se verificar a concentração de renda de um país. Para o estudo de uma tendência histórica dessa concentração, exige-se ainda mais: é imprescindível que os dados sejam recolhidos durante um longo período.


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No sítio da internet em que a equipe do economista Piketty publica sua pesquisa 1, o estudo sobre o grau de concentração de renda no Brasil está em processo de desenvolvimento. É possível que, em breve, haja alguma anotação indicando se o país tem seguido a tendência mundial de concentrar sua renda entre os mais ricos da população. O livro está estruturado em introdução e quatro partes. Da parte I, consta a primeira lei do capitalismo: α = r x β, onde α é a participação da renda do capital na renda nacional, r é a taxa de retorno do capital e β é a relação estoque de capital/renda. De acordo com esta regra, tem-se a parcela da renda nacional que advém do capital. Na parte II, apresenta-se a dinâmica da relação estoque de capital/renda e a segunda lei fundamental do capitalismo, dada pela equação: β = s/g, onde a razão estoque de capital/renda (β) é uma relação entre taxa de poupança (s) e taxa de crescimento (g). Essa lei é válida para o longo prazo. Na parte III, discute-se o crescimento da desigualdade em mais detalhes. Em particular, mostra-se que se a taxa de retorno do capital for maior que a taxa de crescimento (r>g) então o risco de divergência em termos distributivos é elevado. Esse fenômeno levaria à concentração de renda. Na Parte IV, trata-se da regulação do capital no século XXI e das formas de superação da tendência à concentração de renda. Esta parte final é o foco do presente trabalho. 2. O LIVRO E A CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO Em seu livro, Piketty explica que o estudo da concentração de renda foi sempre elaborado sem a utilização de dados concretos, mesmo porque esses dados não estavam disponíveis. No entanto, questões relativas à concentração de renda já surgiam entre os pensadores do século XVIII e início do século XIX. Muitos pensadores clássicos entendiam de modo apocalíptico a evolução da distribuição de renda e da estrutura de classes da sociedade. Para eles, um pequeno grupo social, inevitavelmente, aumentaria sua parcela sobre o produto e a renda. Já os pensadores do século XX, embalados com o período pós Guerras Mundiais, acreditavam que o capitalismo estabilizaria a concentração de renda em níveis aceitáveis, igualitários. Os estudiosos do século XX passaram a contar com séries históricas de dados, necessárias para se avaliar a distribuição de renda dos países. Isso porque, conforme 1

Disponível em: < http://topincomes.g-mond.parisschoolofeconomics.eu/>


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anunciado, a desigualdade de um país ou sua evolução no tempo exige informações mais completas sobre a renda obtida no seu território. Somente com a criação do Imposto sobre a Renda, na maior parte dos países no início do século XX, esses dados passaram a ser coletados de modo confiável. Assim, a tributação não é somente uma forma de exigir dos cidadãos que contribuam para o financiamento do gasto público e de distribuir o fardo tributário de modo mais justo, como também serve para classificar a renda, promovendo conhecimento e transparência democrática. De acordo com Piketty, duas fontes possibilitaram o estudo da dinâmica histórica da distribuição de riqueza: fontes que trabalham com a desigualdade e com a distribuição de renda e fontes que trabalham com a distribuição de riqueza e a relação de riqueza e receita. Esse estudo da dinâmica levou às duas conclusões primordiais do livro. A primeira conclusão é que a história da distribuição de riqueza sempre foi profundamente política e não pode ser reduzida em termos puramente econômicos. A desigualdade, no decorrer da história, é moldada por atores econômicos, sociais e políticos e suas percepções do que é justo ou não. O poder relativo desses atores é que dá o viés para as escolhas coletivas. A segunda importante conclusão do livro é que a dinâmica da distribuição de riqueza revela um mecanismo poderoso, empurrando alternadamente para convergência e divergência. Em alguns momentos da história, há forças maiores de convergência, que reduzem a desigualdade, ou de divergência, que a aumentam. Contudo, não existe uma força natural, um processo espontâneo, para prevenir a desestabilização, que possa obstar a desigualdade. Os mecanismos que empurram para a convergência, redução e compressão de desigualdades são principalmente a difusão de conhecimento e o investimento em treinamento e em habilidades. O livro do economista descreve duas forças divergentes: a primeira, que atua em sentido contrário à equalização de riquezas, é a possibilidade dos que concentram a renda se separarem do resto da população e, com isso, conseguirem perpetuar, e até acentuar, a concentração de riquezas em suas mãos; a segunda força divergente, uma ainda mais forte, ocorre quando o retorno do capital excede o crescimento da economia e, assim, a riqueza herdada cresce mais rapidamente que a renda e o produto do país (como ocorreu na maior parte da história até o século XIX e volta a se repetir no século XXI).


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3. A ANÁLISE DOS DADOS HISTÓRICOS O estudo abrange a dinâmica da distribuição de riqueza entre países ao redor do mundo, desde o século XVIII. Baseia-se principalmente na experiência histórica dos principais países desenvolvidos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Grã Bretanha, apesar de tentar trazer também dados de países em desenvolvimento e pobres. Algumas definições são muito importantes para o entendimento do raciocínio desenvolvido por Piketty. Por exemplo, em seu livro, considera-se renda nacional a soma de toda a renda disponível aos residentes de um determinado país em um determinado ano, independentemente da classificação legal da renda. O produto doméstico líquido é o produto bruto de um país subtraído da depreciação de seus bens de capital, o que normalmente equivale a dez por cento do produto bruto. Nesse sentido, a renda nacional é a soma deste produto doméstico líquido com a renda líquida recebida do estrangeiro (ou, em alguns casos, subtraída da renda enviada ao estrangeiro). Interessante notar que, em um país com alto produto doméstico líquido e uma baixa renda nacional, trabalha-se para outros países. Por outro lado, em um país que possui um baixo produto doméstico líquido e uma alta renda nacional, vive-se do trabalho dos outros. Esse tipo de desigualdade internacional pode levar a tensões políticas. No entanto, nos dias de hoje, de acordo com Piketty, pode-se dizer que a maior parte dos países usufrui de uma situação de equilíbrio entre sua renda e seu produto. A realidade, segundo o autor, é que a desigualdade em relação ao capital é muito mais um problema doméstico que uma questão internacional. A renda global necessariamente é igual ao produto global, pois não há como, em um universo fechado, gerar-se menos renda do que produto, tendo em vista que a renda advém do produto. Apesar de existir um equilíbrio na equação relativa entre a renda e o produto de cada país, persistem grandes diferenças entre as rendas dos países. A desigualdade global vai de regiões com a renda per capta na ordem de 150-250 euros por mês (África subsaariana, Índia) para regiões onde a renda per capta alcança 2500-3000 euros por mês (Europa Ocidental, América do Norte, Japão). Ou seja, de 10 a 20 vezes maior. A média global, que está quase ao alcance da média da China, é por volta de 600-800 euros por mês. O autor ressalva que é provável que exista uma grande margem de erros nesses números e assevera que é muito mais fácil medir a desigualdade em um país que em países diferentes.


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Em termos gerais, a distribuição de renda é mais iníqua do que a distribuição de produto. Isso porque os países com maior produto per capita são, normalmente, os donos de parcela do capital de outros países e, dessarte, recebem receita dos países com baixo nível de produto per capta. Conforme se observou, a renda líquida do exterior é somente um pouco positiva e não altera radicalmente o padrão de vida dos países.

4. A PARTE IV DO LIVRO – IMPOSTO SOBRE O CAPITAL O economista Piketty não se limitou à interpretação dos dados coletados e intentou apontar soluções para a desigualdade crescente. Para a tarefa, reservou grande parte de seu livro, com o intuito de explicar as razões que levam à desigualdade e os mecanismos que podem ser utilizados em seu enfrentamento (parte IV). A experiência histórica, de acordo com o autor, sugere que o principal mecanismo de convergência, tanto no nível internacional como no nível doméstico, é a difusão de conhecimento. Em outras palavras, o pobre consegue alcançar o rico no ponto em que atinge o mesmo nível de know-how tecnológico, de habilidades e de educação. Por outro lado, a difusão de conhecimento é normalmente acelerada pela abertura e pelo comércio; o isolamento, conforme o autor, não encoraja a transferência de tecnologia. A necessidade de se acumular conhecimento é clara quando se revela que uma sociedade que cresce a 1% ao ano, como a maior parte dos países desenvolvidos crescem desde a virada do século XIX, é uma sociedade que está sempre em profunda e permanente mudança. Em 30 anos ela cresce cerca de 35%, passando a prover entre um terço e um quarto de empregos que não existiam antes. Crescimento pode gerar novas formas de desigualdade; por exemplo, fortunas podem ser acumuladas de forma rápida em novos setores. No entanto, crescimento faz com que desigualdades de riqueza herdadas do passado sejam menos decisivas. Permite que pessoas obtenham, por esforço próprio, as novas vagas de emprego. Não existe força natural que inevitavelmente reduza, no curso da história, a importância do capital ou da renda que provém do capital. O crescimento moderno, que é baseado no crescimento da produtividade e na difusão de conhecimento, possibilitou, até um determinado nível, o equilíbrio do processo de acumulação de capital. Todavia, não alterou o fundamento do capital – ou reduziu a importância macroeconômica do capital em face do fator trabalho.


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Não existindo força natural que refreie a desigualdade, a concentração de riqueza vai continuar aumentando no século XXI. A alta desconcentração de renda sentida entre 1920 e 1950 deve-se às duas grandes guerras e à elevação substancial do imposto sobre a renda. Qualquer que seja a taxa de retorno do capital, esta é, de modo significante e durável, maior que a taxa de crescimento da economia. Dessa forma, o capital se acumula nas mãos das famílias que já o detém e, conseqüentemente, é inevitável que a herança (fortunas acumuladas no passado) predomine sobre a poupança (riqueza acumulada no presente). De modo estritamente lógico, poderia ser de outra forma, observou o autor, mas as forças que empurram nessa direção são extremamente fortes. Para o autor, a política ideal, voltada a evitar uma espiral infinita de desigualdades e a ganhar novamente o controle sobre a dinâmica da acumulação de capital, seria um tributo progressivo sobre o capital. A solução mediante a criação de um tributo global é tida utópica em si mesma, mas a ideia poderia ser aplicada em um contexto regional ou até mesmo continental. Um tributo progressivo sobre o capital, dessarte, é um instrumento mais adequado para responder aos desafios do século XXI do que um tributo progressivo sobre a renda, que foi desenhado para o século XX, não obstante, segundo o autor, seja possível utilizar as duas ferramentas de modo complementar no futuro. Todos os países ricos, sem exceção, saíram no século XX de um equilíbrio em que menos de um décimo da renda nacional era consumida por tributos para um novo equilíbrio em que a renda consumida por tributos passou a ser entre um terço e a metade. Esse processo se deu principalmente em face do aumento da intervenção do estado na economia. A moderna redistribuição de riqueza não consiste em transferir renda do rico para o pobre, ao menos não de modo explícito. Consiste sim em financiar serviços públicos e substituir receitas que são mais ou menos iguais para todos, especialmente em áreas como saúde, educação e aposentadoria. Por outro lado, não existe, segundo o autor, fundamento significante para continuar a expansão do estado social, tal qual ocorreu entre 1930-1980 – o que significaria elevar o percentual da receita destinada aos tributos para 70-80 por centro, entre 2050-2060. Em teoria, seria possível que um país decidisse devotar dois terços ou três quartos da sua renda nacional para tributos, assumindo que são arrecadados de maneira transparente e eficiente e, ainda, usados em propósitos considerados de alta prioridade, como educação, saúde, cultura,


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energia limpa e desenvolvimento sustentável. A tributação não é boa ou má em si mesma, mas depende da maneira como são arrecadados os tributos e do destino da receita arrecadada. A maior inovação, em termos de tributação, foi a criação e o desenvolvimento de um tributo progressivo sobre a renda. Tal instituição, que teve um papel substancial na redução da iniquidade no último século, está seriamente ameaçada pela concorrência tributária internacional e por conta de suas fundações, que, segundo o autor, nunca foram claramente pensadas e discutidas. Observa o autor que esse tributo foi estabelecido em um momento de emergência, com pouco tempo para reflexões. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à tributação progressiva do patrimônio herdado. Piketti assevera que tributar não é uma questão técnica. É predominantemente uma questão política e filosófica. Sem tributos, a sociedade não tem um destino comum, e ações coletivas são impossíveis. Isso tem sido sempre uma verdade. No coração de toda ruptura política emerge uma insatisfação fiscal. Um imposto progressivo é componente crucial de um estado social: tem um papel central no seu desenvolvimento e na transformação de uma estrutura de iniquidade vigente. Ademais, assegura a viabilidade de um estado social no futuro. Contudo, conforme observou o autor, a tributação progressiva está hoje seriamente ameaçada, tanto intelectualmente – porque suas várias funções nunca foram totalmente debatidas – como politicamente – porque a competição tributária tem permitido categorias inteiras de renda a ganhar isenção das regras comum a todos. Método relativamente liberal de reduzir iniquidades, o tributo progressivo viabiliza a livre competição com respeito à propriedade privada. Os incentivos privados são modificados de forma potencialmente radical, mas de acordo com regras saídas do debate democrático. O autor descobriu fortes evidências de que o aumento exorbitante nos pagamentos feitos aos executivos das grandes empresas se deve ao modelo de barganha – baixas taxas marginais de tributos encorajam os executivos a pleitear altos salários – e não tem muito que ver com um hipotético aumento na produtividade gerencial. As implicações do achado são importantes para o grau desejado de progressividade fiscal. Os estudos indicam que cobrar taxas confiscatórias nas rendas mais altas não somente é possível, mas a única forma de combater efetivamente o aumento desmedido nos altos salários dos executivos das grandes empresas. De acordo com as estimativas, uma alíquota ótima para as rendas mais altas em países


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desenvolvidos é acima de 80 por cento; essa alíquota deve ser aplicada nos 1% a 0,5% mais bem posicionados na hierarquia dos recebedores de renda. Para que a democracia reganhe o controle sobre o globalizado capitalismo financeiro desse século, novas ferramentas terão de ser criadas, adaptadas aos desafios de hoje, observou o autor. A ferramenta ideal seria um imposto global sobre o capital, juntamente com um alto nível de transparência financeira internacional. Tal imposto seria a solução para se terminar com a infinita espiral da iniquidade e controlar a preocupação da dinâmica global de concentração de capital. Um imposto global sobre o capital, como já observado, é uma ideia utópica, a princípio; muito difícil imaginar as nações concordando com algo parecido nos próximos anos. Para alcançar esse escopo, os países teriam que estabelecer alíquotas do imposto aplicáveis a toda a riqueza do mundo e decidir como distribuir a receita arrecadada. No entanto, apesar de utópica, a proposta não deixa de ser útil, por várias razões. Primeiro, mesmo se nada parecido for posto em prática em um futuro próximo, serve como ponto de referência, um standard contra o qual propostas alternativas podem ser avaliadas. Notadamente, o imposto global sobre o capital requereria um muito alto e indubitavelmente irreal nível de cooperação internacional. Contudo, países desejando se mover nessa direção poderiam muito bem fazê-lo de modo incremental, começando em um nível regional, como na Europa, por exemplo. Hoje, a alternativa à integração não pode ser vista de modo tão otimista, pois tudo indica que uma reação defensiva, pautada no nacionalismo, poderia ocorrer. Por exemplo, o retorno sob as mais variadas formas de protecionismo combinadas com o controle de capital. Porque tais políticas são pouco efetivas, elas iriam acarretar frustração e aumento das tensões internacionais. Protecionismo e controle de capital são substitutos insatisfatórios de uma forma ideal de regulação, o imposto global sobre o capital – uma solução que tem o mérito de preservar a economia aberta enquanto efetivamente regula a economia global, distribuindo os benefícios entre as nações.

5. CONCLUSÃO A proposta de tributação do economista deve ser vista como de um imposto progressivo anual sobre a riqueza global. As maiores fortunas seriam tributadas de modo mais pesado e todos os tipos de ativos seriam incluídos: imobiliário, ativos financeiros, e ativos de negócios


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– sem exceção. Essa é uma clara diferença entre a sua proposta de imposto sobre o capital e os tributos sobre o capital que existem atualmente em um país ou outro. Por outro lado, o imposto sugerido não teria o intuito de substituir todos os tributos existentes. Nunca seria mais que um suplemento para outras formas de receitas, das quais o moderno estado social depende, uns poucos pontos da renda nacional (três ou quatro no máximo – ainda que nada desprezível). O ensejo primordial do tributo sobre o capital não é financiar o estado social, mas regular o capitalismo. O objetivo é, primeiro, parar o infinito aumento da iniquidade sobre a riqueza e, segundo, impor uma efetiva regulação sobre os sistemas bancário e financeiro de modo a prevenir crises. Mesmo existindo um imposto progressivo sobre a renda na maior parte dos países, além de um imposto progressivo sobre a propriedade, o imposto progressivo sobre o capital se revela, segundo o autor, necessário. Existem duas justificativas distintas para o imposto sobre o capital: uma de natureza contributiva e outra relacionada ao incentivo. A lógica contributiva é bem simples: renda não é um conceito frequentemente bem definido para indivíduos de grande riqueza, e somente um tributo direto sobre o capital pode avaliar corretamente a capacidade contributiva da riqueza. Pessoas que têm quantidade exacerbada de capital, mais que um bilhão de dólares, por exemplo, não têm por que consumir uma renda de 5% do seu capital (renda presumida anual). Essas pessoas mantêm a renda do seu capital investida no próprio capital, o que dificulta a definição do que é rendimento e do que já era riqueza antes. Segundo a lógica do incentivo, o imposto sobre o capital seria um estímulo para a procura do melhor retorno possível no estoque de capital. Esse argumento não pode ser sobrevalorizado, pois, apesar do imposto realmente servir como incentivo, tem-se que um imposto sobre o capital pode se tornar injusto quando uma empresa se encontra em condições financeiras deficitárias, de prejuízo. Para Piketti, o sistema tributário ideal é um compromisso entre a lógica do incentivo (o que favorece o imposto sobre o estoque de capital) e a lógica da segurança (o que favorece o imposto sobre a receita advinda do capital). Faz-se necessária continuada reflexão no sentido de possibilitar a implementação de um imposto sobre o capital. Caso um pequeno grupo de países implemente a medida, o capital pode migrar para países que não o fizerem. Fenômeno já observado nos países desenvolvidos devido à alta tributação. Dessarte, para que a medida seja mais eficaz, um alto grau de coordenação é fundamental.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PIKETTY, Thomas. Capital in the twenty-first century. Londres: The Belknap Press of Harvard University Press, 2014.


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