Braga 2012 | Revista 'Fugas' [jornal Público]

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ADRIANO MIRANDA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8006 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Toronto Adega Victor Horta Chiado 16 Camélias Peugeot RXH

Aos 2000 anos, Braga olha o futuro com olhos de juventude

Pedro Tamen, o poeta das amendoeiras e a sua Arrábida

Legado, um vinho estratosférico para o adeus simbólico de Fernando Guedes FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012

Tiago Freitas


Capa Braga

Na Capital Europeia da Juventude o futuro faz-se à sombra de Deus Tem dois mil anos e este ano abre os braços aos jovens. Tirámos o pulso a Braga e a cidade tem mesmo um novo frémito: sacode o peso dos séculos, areja ideias feitas e olha para a frente sem esquecer o passado. Será para durar? Andreia Marques Pereira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)

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ão planeámos abordar o centro histórico de Braga pelo Arco da Porta Nova, mas o certo é que acabamos por fazê-lo e é difícil não ver aí um certo simbolismo — sentimo-nos como se só então chegássemos verdadeiramente à cidade. E é inesperado sermos saudados no coração da cidade, as “arcadas”, por música de José Afonso, mas é ela que atravessa o ar, cortesia da CGTP e do carro ali estacionado contra o aumento do horário de trabalho. Em poucos minutos passamos da memória histórica ao presente pragmático, uma dualidade com que Braga convive tão naturalmente que, apesar de ter mais de dois mil anos de idade, é Capital Europeia da Juventude (CEJ). Braga acompanhou a evolução dos tempos. A cidade que foi capital da Galécia romana, capital dos suevos e sede de bispado que chegou a rivalizar com Santiago de Compostela chegou, quase sem se

dar por ela, a terceira cidade portuguesa. Pelo meio, viajou pela história ao sabor dos caprichos dos seus bispos, verdadeiros senhores da cidade: cresceu medieval dentro de muralhas, quis ser um epígono de Roma já no Renascimento e aos 17 séculos de idade fez uma operação plástica barroca. À sombra de Deus, portanto, não por acaso o nome da colectânea que nos anos 1980 revelou Braga como um caso de estudo no panorama musical português. “Temos uma herança muito ligada à religião, associada à ideia de um certo conservadorismo”, nota Francisco Quinta, 23 anos, “mas há coisas diferentes, pessoas empreendedoras”. “E as coisas começam a surgir em equilíbrio, harmonia”. Não é difícil perceber que Braga tem um novo frémito: de sacudir o peso da idade, arejar ideias feitas e conquistar o futuro. Um futuro que vai recordar 2012 como o ano em que Braga — população: 180 mil

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Capa Braga Braga tem 180 mil habitantes, dos quais 85 mil são jovens — 17 mil alunos da Universidade do Minho

O Bom Jesus é mais do que um santuário — o complexo e as suas escadarias não deixam os visitantes indiferentes

habitantes; jovens: 85 mil, incluindo os 17 mil alunos da Universidade do Minho — foi Capital Europeia da Juventude. Não é um evento consensual, contudo (quase) ninguém lhe passa ao lado. Mesmo apontando-lhe falhas. Uma coisa parece certa: sendo um dos motes desta CEJ a formação, o empreendedorismo e a inovação dos jovens, estes parecem já fervilhar em Braga. À margem de quaisquer efemérides. E sentem-se na rua.

É difícil ser desalinhado Percebe-se que há algo de diferente na cidade enquanto se caminha naquela que é uma das maiores áreas pedonais do país (e sempre a aumentar), que envolve parte do núcleo histórico — a zona a que a Associação Comercial de Braga chama de “o maior centro comercial ao ar livre do país”. Há lojas, bares, restaurantes — alguns embrionários, outros instalados, outros a mudar. E nos neófitos e nos convertidos há traços comuns que saltam à vista: cuidado extremo no design e proximidade para com os clientes. É assim o Caffé Noir, um clube de jazz e de chá, cheio de mobiliário antigo e objectos mais ou menos vintage. Aqui, o grande orgulho são os scones, receita da avó, mas custaram a entrar nos hábitos da cidade onde “o bolo de arroz é o habitual”, ironiza Eduardo Gonçalves, 32 anos, o proprietário. “É complicado ser desalinhado em Braga, é difícil inovar”, avalia, não sem alguma amargura — e ele até inovou: os seus menus em braille foram os primeiros em

Portugal, segundo a ACAPO — mas também com determinação: nado e criado aqui, sentiu que “precisava de fazer algo pela cidade”. Há sete anos a viver em Braga, Helena Gomes, 32 anos, também decidiu inovar: há oito meses abriu o primeiro hostel de Braga, o Pop, com o namorado. A ideia começou a germinar com as suas andanças pelo couchsurfing, desenvolveu-se com a sua insatisfação profissional (é veterinária) e ganhou impulso com a CEJ. “Íamos abrir de qualquer forma, a capital apenas alterou os timings.” Não existia nada do género, Braga é uma cidade jovem e com potencial turístico. “Em tempos de crise pensamos: o que vou fazer para sair dela?”. “Vou criar negócio.” Se Braga está a mudar, está a fazêlo, desta vez, sem interferências de poderes organizados. “É a iniciativa privada”, dizem todos, que está a mexer com o status quo. Ainda que a centenária Brasileira continue a ser um dos pontos favoritos de encontro —e porque não? É central e foi renovada. O mesmo se espera que aconteça com o centro histórico. A renovação já começou, a todos os níveis, mas os seus protagonistas e observadores esperam mais. “É porque gostamos de Braga que somos tão críticos”, afirma Alexandre Fernandes, 36 anos, designer de comunicação. Viveu durante um ano no centro histórico de Braga e nota o movimento, ainda que tépido, de regeneração, uma das bandeiras da CEJ, que aposta em atrair jovens para o habitar. Há edifícios em recuperação, uma nova zona de bares…

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E também o lado da moeda que só os habitantes entendem: as rendas são altas, o barulho pode ser demasiado, não há estacionamento. É difícil agradar a todos e nesse aspecto também Braga não é uma cidade pacífica. Helena Gomes já percebeu a dinâmica. “As pessoas daqui são altamente críticas”, considera, “os hóspedes vêem uma Braga diferente. Gostam da cidade, do seu valor patrimonial e histórico, e da vida que sentem.” Alexandre concordaria: “Braga é uma boa cidade para visitar, para viver não é para todos.” O turismo agradece as contradições: elas fazem o charme da cidade. Por todos os que enchem devotamente as ruas durante a Semana Santa, há aqueles que, por exemplo, torcem o nariz a uma visita ao Bom Jesus, porque o reduzem ao turismo religioso, e depois se lhe rendem.

A Sé de Braga e a movida Quem chega por poucos dias dificilmente não se encanta com a mistura constante entre antigo e moderno, profano e sagrado, enquanto caminha pelo centro que se dá a conhecer a pé ou de bicicleta (ainda são poucas, mas vimos várias para alugar). Passamos por lojas locais e por franchises, encontramos Prada e Miu Miu na montra da Janes e, mesmo em frente, a barbearia tradicional Fernando Matos. As paramentarias abundam (afinal, aqui nunca estamos muito distantes da próxima igreja — e até há a nova capela Árvore da Vida, no Seminário Conciliar de Braga, na mira de prémios de arquitectura) e o Café Lusitana vestiu-se de novo. A famosa pastelaria Frigideiras do Cantinho tem agora a companhia da sensação bracarense, a Spirito Cupcakes & Coffee, com o seu lounge na praceta, quase ombro a ombro com a Igreja dos Coimbras. A Casa dos Coimbras, monumento nacional com janelas manuelinas, é agora um dos bares de fim-de-semana mais procurados, e a Casão Rolão, imóvel de interesse público, acolhe a livraria Centésima Página, referência da cidade. A Sé, essa, tornou-se centro de uma nova movida, que se estende pelas ruas circundantes. O restaurante japonês Hocho já é uma referência, mas nas imediações encontra-se cozinha regional,


A zona em torno da Sé de Braga tornou-se agora um dos centros da vida nocturna mais jovem da cidade minhota

SAIR À NOITE Minimercado Mavy Rua do Alcaide, 35 A www.minimercadomavy. blogspot.com Horário: De segunda a sábado, a partir das 22h. Estúdio 22 Rua Dom Paio Mendes, n.º 22 Tel.: 253053751 E-mail: info@estudio22.com.pt www.estudio22bar.blogspot.com Horário: De segunda a domingo, das 8h à 01h. Barcode Rua do Anjo, 90A E-mail: barcode90@gmail.com Horário: De 2ª a 5ª das 21h às 2h; 6ª e sábado das 21h30 às 2h30.

DE PASSEIO Casa Grande Chocolatier (chocolates artesanais, cafetaria) Rua Dom Gonçalo Pereira, n.º29 Tel.: 915122059 E-mail: braga@casagrande.pt www.casagrande.pt Horário: Sempre das 9h às 19h30. Spirito Cupcakes & Coffee (cupcakes, bolos, gelados, bebidas de café, cocktails) Largo S. João do Souto, 19 Tel.: 253268374 E-mail: mail@spiritocupcakes. com www.spiritocupcakes.com Horário: 2ª das 14h às 19h; de 3ª a 5ª das 10h às 19h; 6ª das 10h às 19h, das 21h às 24h; sábado das 14h às 19h, das 21h às 24h. O Mercado da Saudade (produtos portugueses: mercearia, papelaria, artesanato…) Rua D. Paio Mendes, 59 Tel.: 253 051 965 www.facebook.com/ mercadodasaudade Horário: De 2ª a sábado das 10h às 19h.

Pedro Remy (cabeleireiro/bar/jazz) Rua Gualdim Pais, 40ª Tel.: 253 610 300 E-mail: geral@pedroremy.com www.pedroremy.com Horário: De 2ª a 6ª das 10h às 13h e das 15h às 20h; sábados das 9h às 13h e das 15h às 19h. Centésima Página (livraria) Avenida Central, 118-120 Tel.: 253267647 www.centesima.com Horário: 2ª a sábado das 9h às 19h30.

Projéctil (bar, exposições, cinema, música, workshops) Travessa da Rua dos Caires, 39 Maximinos, Braga E-mail: resinto.projectil@gmail. com www.projectil.info Aenima (bar, plataforma de intervenção social e cultural) Rua do Alcaide, n.º 41 Cividade, Braga

Caxuxa (vestuário, acessórios, lifestyle) Rua do Farto, n.º7 Tel.: 253 260 581/ 968 674 797 E-mail: geral@caxuxa.pt www.caxuxa.com Horário: De 2ª a 6ª das 10h às 20h; sábado das 10h às 13h e das 15h às 20h. CUSP – Centro Utopias Sonhos Projectos (livros, discos, CD, galeria) Rua Nova Santa Cruz, 236 Tel.: 253251554/ 932804423 E-mail: aaclasen@gmail.com Boémio (tapas) Largo do Paço, 18-21 Tel.: 253615509 De domingo a 5ª das 15h à 1h; sexta e sábado das 15h às 2h.

ESPAÇOS CULTURAIS

ONDE DORMIR Hotel Bracara Augusta Av. Central, 134 Tel.: 253 206 260 Fax: 253 206 269 E-mail: geral@bracaraaugusta. com www.bracaraaugusta.com Preços: Desde 59€ (quarto duplo com pequeno-almoço). Braga Pop Hostel Rua do Carmo, 61, 3.º Tel.: 253 058 806/ 963 453 175 E-mail: bragapophostel@gmail. com http://bragapophostel.blogspot. com Preços: Desde 17€ (época baixa); 18€ (época alta) em camarata.

Caffé Noir (jazz e tea club) Rua D. Afonso Henriques n.º33 FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 7


Capa Braga “Ser uma cidade jovem não é nada. É a que produz mais coisas? Não.”, pergunta e responde Luís Tarroso de autor e vegetariana, há vários wine bars e bares de tapas, a Casa Grande Chocolatier é um oásis retro, Pedro Remy corta cabelos ao som de jazz. Mesmo no Rossio, é o profano que domina, entre têxteis, artesanato, recuerdos, restaurante, loja gourmet, cafetaria, Steve Jobs a espreitar de um “authorized reseller Apple”. Foi aqui que Rafael Oliveira, 33 anos, abriu com a mulher em Outubro passado o Mercado da Saudade — à porta, um mupi de “azulejos” dá o tom da loja de “produtos portugueses de qualidade e estética cuidada”. Mais tarde, estudantes polacos em visita de intercâmbio têm os azulejos na memória e os do Convento do Pópulo são imperdíveis. Entre pasta dentífrica Couto e compotas biológicas, Rafael mostra-nos o Rossio da Sé, o jornal mensal que criou para divulgar não só o espaço mas toda a zona “abandonada durante muito tempo”. De há ano e meio para cá, diz, há uma “nova pujança”. Instalou-se em Braga há 10 anos e de então para cá viu muito mudar. Três anos antes chegou Rui Ferreira, 40 anos, agora seu vizinho da frente, no Estúdio 22. Radiologista, decidiu abrir um café-bar-galeria faz um ano em Abril e não se arrependeu. “Foi um risco calculado, sabia que a zona estava a crescer.” Entre os ocasionais turistas, tem um público fiel que já não se surpreende com a lista de 12 gins que apresenta — juntamente com a agenda ecléctica de concertos (de bandas locais, nacionais e internacionais) e exposições.

A Brasileira (em baixo) continua a ser um dos pontos de encontro preferidos da cidade que é das mais jovens de Portugal

A inspiração Mão Morta Antes do Estúdio 22 e da sua programação mais ou menos transversal, houve a Velha-a-Branca — e se ela foi umas semanas ao Brasil para o Carnaval, como se lê na porta, vai voltar de cara lavada. Abriu em 2004 pelas mãos de um punhado de gente jovem com grande vontade de mexer o marasmo cultural da cidade. “Havia muito pouca coisa”, recorda Luís Tarroso, um dos responsáveis, “o Theatro Circo já estava fechado há cinco anos, ainda não havia a nova biblioteca…”. A “Velha”, como é conhecida, tornou-se um pólo aglutinador de várias actividades, como exposições, lançamentos de livros, conversas, workshops, música, cinema e um bar como ponto de en8 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012

contro. Uma espécie de centro cultural informal instalado numa casa do século XVIII que chegou a uma encruzilhada. “Muita gente passou a fazer o que nós fazíamos, o que é óptimo, mas agora queremos fazer outras coisas.” Programação nova e maior abertura a outras instituições da cidade, que Luís vê jovem mas inconsequente nessa juventude. “Ser uma cidade jovem não é nada”, afirma. “É a que produz mais coisas? Não. Os jovens já estão cá, por um conjunto de circunstâncias que os políticos não dominam.” Não dominam, mas dedicam-lhes alguma atenção: um dos projectos mais perenes da CEJ promete ser o GeNeRation, o pólo de criação artística que vai transformar o antigo quartel da GNR num centro de indústrias criativas (a abertura está prevista para meados do ano). O resultado vai demorar algum tempo a aferir e por enquanto a cultura bracarense vai sendo dinamizada pelo voluntarismo de uns poucos. Aque-

les que à segunda-feira têm Cinema de Almofada (na Videoteca Municipal, porém de iniciativa privada), que se revêem em associações como a Aenima ou Projéctil, frequentam a Galeria Mário Sequeira, em Parada de Tibães, e não desdenham dos Encontros da Imagem ou do Theatro Circo, que é a grande sala de espectáculos da cidade. Mas este Theatro Circo tem um problema, assinala Luís Fernandes, músico dos peixe:avião — é um espaço formal para bandas mais pequenas. Bandas como as que, afinal, compõem o circuito normal português. E não há muitos espaços alternativos, continua Luís, para Braga ter uma agenda contínua de concertos de pequena e média dimensão (o Braga Viva, no antigo Cinema Avenida, parece ser santo-e-senha na boca de todos os que estão ligados à música). Apesar de por estes dias estar a viver um boom musical como não se via desde os anos 1980 que deram ao mundo os Mão Morta,

ainda hoje referência incontornável na música portuguesa e figuras tutelares das bandas de garagem que abundam — e que se “encontram” nas salas de ensaio que a câmara municipal montou no Estádio 1.º de Maio. Enquanto não abrem mais espaços para concertos, as bandas bracarenses dão-se a conhecer na quarta edição da colectânea À Sombra de Deus. E os festivais continuam a nascer (e a morrer) em Braga — por exemplo, o Semibreve, dedicado à electrónica experimental, de que Luís Fernandes é um dos organizadores, vai regressar inserido na programação da CEJ; o FMI (Festival de Música Independente) está num impasse, confessa Francisco Quintas, que depois de ter sido programador é agora o “responsável pela pasta”. E as editoras/agências/promotoras de eventos vão aparecendo: Francisco fundou a Popanolica no final do ano passado; Luís Fernandes — aka Astroboy — juntou-se aos colegas


As várias caras de Braga, Augusta ou Barroca de banda e formaram a PAD, uma editora que é como um colectivo de artistas unidos sob o mesmo tecto.

Cidade dividida A tarde nas “arcadas” é sobressaltada pela invasão de jovens de macacão azul, com logótipo da CEJ, e caixotes na mão. É uma pré-iniciativa, contam-nos, do [Em] Caixote, programa da CEJ que pretende dinamizar o centro histórico. Hoje temos animação de rua (haverá música, dança…) para atrair mais jovens ao centro. Sim, esta é, apesar das estatísticas, uma cidade fracturada. Buscam-se os universitários, que vivem numa espécie de Braga 2. O divórcio entre a cidade e a universidade começou no início dos anos 1990, recorda Camilo Silva, animador cultural. E acentuou-se no final dos anos 1990, quando a barreira física da Avenida Padre Júlio Fragata se tornou uma corrida de obstáculos para peões, e a zona de Gualtar, onde fica a universidade, se tornou praticamente autónoma, com lojas, restaurantes de “comida rápida”. Do lado de lá dessa barreira ficaram também os cinemas e a Fnac, por exemplo — e os estudantes passaram a ir ao centro de forma esporádica. Durante a tarde, as imediações da universidade transbordam de estudantes nas esplanadas; à noite são os bares e discotecas que se animam. O fim-de-semana é a altura em que mais jovens desaguam no centro. À noite, pode ser difícil estacionar nas imediações, dizem-nos; e o domingo à tarde é uma enchente de casais com carros de bebés, conta Rafael Oliveira. Ironicamente, o comércio está fechado, nota Luís Tarroso. Mas todos parecem concordar que Braga mudou muito nos últimos anos (e não só porque as vitórias do S. C. Braga tiraram o “braguismo” do armário) e todos esperam que esta “nova vaga” de dinamismo tenha continuidade. Helena Gomes é optimista: “Consigo ver jovens aqui, não é campanha da CEJ. Braga está a descobrir que tem potencial de existir além de dormitório.” “Tem bons preços, boas acessibilidades, bons espaços verdes”, enumera Rafael Oliveira, que, quando veio, há dez anos, apanhou o slogan “É bom viver em Braga”. Na altura duvidou, agora nem por isso.

Bracara Augusta Sempre que se escava um buraco, encontram-se ruínas. Romanas, em grande parte, mas não só: durante a construção da nova estação ferroviária foi descoberto um balneário pré-romano, agora está aberto ao público. Há anos que se vai às Frigideiras do Cantinho não só pelas iguarias, mas também pelas ruínas de uma villa romana visíveis pelo chão transparente. Não muito longe, a Junta de Freguesia da Sé esconde mais ruínas, recentemente musealizadas, que podem também ser vistas do restaurante Brac, o “Domus da Escola Velha da Sé”. A Fonte do Ídolo, na Rua do Raio, do início do século I, e as termas do Alto da Cividade, do século II, são os dois locais de Bracara Augusta mais conhecidos.

incontornável na cidade — e no barroco europeu — é o Santuário do Bom Jesus. O conjunto monumental começa na escadaria emblemática, com a sua via-sacra, e é coroado com a igreja concluída no início do século XIX.

Na rua Caminhar pelo centro histórico de Braga é percorrer séculos de História sem nos darmos conta. As “arcadas”, como é popularmente conhecido o edifício da Arcada, que engloba a Igreja da Lapa, podem ser um bom ponto de partida. Por trás, ergue-se a torre de menagem, único sobrevivente do castelo da cidade, demolido no início do

século XX — a muralha que um dia envolveu Braga também é uma memória com vestígios, três torres e a emblemática Porta Nova, fisionomia a revelar a transição do gótico para o neo-clássico. Um pouco mais acima, um desvio até ao Jardim de Santa Bárbara, para descansar em tapeçaria florida emoldurada por arcos ogivais, e a quinhentista Casa dos Crivos, conhecida pelas suas gelosias.

Nos museus Muito do património bracarense encontra-se em museus — na cidade e em todo o país. O Museu do Tesouro da Sé é um dos mais significativos, ocupa um espaço recuperado contíguo à

catedral e apresenta património acumulado ao longo de 15 séculos pela diocese; o Museu D. Diogo de Sousa é um dos mais reconhecidos pelos bracarenses, não só pelo espólio arqueológico mas pelas iniciativas de abertura à cidade. Original é o Museu dos Biscainhos, instalado num palácio originalmente do XVI mas transformado em paradigma do Barroco — nas suas salas cristalizou-se o modo de vida da aristocracia setecentista. Mais recente é o Museu da Imagem, edifício estreito de cor forte que dialoga com a torre medieval aí existente, e acolhe um acervo importante de fotografia do século XX e recebe exposições temporárias. PUBLICIDADE

Cidade dos arcebispos A história de Braga está indelevelmente ligada ao poder religioso e foi este que deu rosto à cidade. O maior símbolo é a sé, a mais antiga catedral portuguesa — “mais velho do que a Sé de Braga” – para uma diocese ainda mais antiga: a consagração foi no século XI, a diocese vem do século V. Nasceu românica para aglutinar todos os estilos arquitectónicos desde então e alberga tesouros, como os túmulos do conde D. Henrique e de D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques. Testemunho da glória e riqueza dos arcebispos é o Paço Arquiepiscopal, que também é um repositório de vários movimentos arquitectónicos.

Capital do Barroco O estilo Barroco deixou abundantes marcas na cidade, sobretudo pela mão de dois arquitectos, André Soares e Carlos Amarante, principais obreiros da Braga barroca — o Palácio do Raio, fachada de azulejos azuis e brancos e cantaria exuberante, ou, mais discreto, o edifício da Câmara Municipal são da sua lavra. Na arquitectura religiosa, o barroco descobriu grandiosidade: vejam-se as igrejas de São Marcos ou dos Congregados. Referência FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 9


Capa Braga

Mesa posta para os novos hábitos e tendências

D

e entre as cidades portuguesas, Braga será talvez aquela que mais ligada está às nossas raízes como nação. A sua importância e centralidade são muito anteriores à fundação da nacionalidade, tendo sido a capital da Galécia romana, em cujo seio haveria de nascer o Condado Portucalense. E sendo Portugal um dos países mais antigos e com as fronteiras há mais tempo consolidadas é, mesmo assim, preciso recuar vários séculos para encontrar as origens da capital minhota como urbe coesa e organizada, de que são testemunho muitos dos edifícios e espaços que ainda encontramos no núcleo histórico. É nestas áreas que a cidade hoje fervilha com o espírito moderno e cosmopolita que lhe é impregnado por uma população jovem e empreendedora. Uma vivência cosmopolita que se mistura com o passado secular e lhe confere uma atmosfera muito peculiar, e que, como em outras áreas, é também evidente nos espaços de gastronomia e restauração. Não será sequer preciso citar o mítico abade de Priscos para ter presente o peso da boa cozinha tradicional, que, com garbo e pujança, se pratica em muitos dos restaurantes da cidade. Casas como o Arcoense, D. Júlia ou a fileira Cruz Sobral, Bem-me-quer e Alexandre, todos no Campo das Hortas, são alguns dos bons exemplos, mas que propositadamente deixaremos agora de fora. Olhemos, então, para novos conceitos que reflectem esse espírito jovem e cosmopolita e onde a boa comida se alia à convivialidade e espírito de partilha. Espaços que em muitos casos só abrem ao final do dia e onde a refeição pode ser antecedida por um copo de fim de tarde ou se prolonga noite dentro em ambiente de bar. Há-os um pouco por toda a cidade, mas vamos concentrar-nos na área da zona histórica, que é onde a coisa está mesmo a mexer. Reina o espírito de partilha e convívio e o carro é mesmo um acessório supérfluo. José Augusto Moreira

SILVAS — TODOS EM VOLTA DO BALCÃO Aqui a cozinha é mesmo uma coisa séria. Basta passar a porta, absorver os aromas e olhar o ambiente para logo se perceber que não há outra hipótese que não seja sermos muito bem tratados. Mesmo podendo à primeira vista deixar a impressão de um daqueles impessoais snacks urbanos, rapidamente se constata que é tudo o seu contrário. Há apenas um balcão, é verdade, mas que funciona antes como uma espécie de mesa comum de família alargada onde reina o ambiente de partilha. Além do aspecto cuidado e elegante, há também a dinâmica dos irmãos Silva, que nos impelem a tudo saborear. Além dos tentadores assados, refogados, arrozes e bacalhaus, há sempre uma série de petiscos que nos são dados a saborear. E o difícil é mesmo resistir. Além da boa comida, há também ajustadas propostas de garrafeira, com oferta a copo sempre adequada à petisqueira diária. Os preços são sensatos e, em sendo tempo, este Silvas tem também uma acolhedora esplanada. Fica mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada, um espaço agarrado à muralha medieval e à sombra a torre de menagem. Restaurante Silvas Largo do Terreiro do Castelo Tel.: 253 272 801 / 939 600 175 www.silvasrestaurante.com Almoços e jantares Fecha ao domingo

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TABERNA DO FÉLIX — AS RECEITAS LÁ DE CASA Foi um dos primeiros a afirmar-se na nova onda e a ganhar popularidade entre grupos que se juntam ao jantar para a animação nocturna. Começou apenas como bar onde o casal anfitrião servia uns saborosos petiscos, mas rapidamente evoluiu para restaurante face à demanda culinária. São as receitas lá de casa, explica a proprietária, que começou por uns cozinhados para grupos de amigos. Pataniscas com arroz de feijão, arroz de pato, sardinhas espalmadas, bacalhau à moda da casa ou bifinhos com feijão preto e farofa estão entre os pratos mais comuns, com preços que variam entre os oito e dez euros.

Sem ser abundante, a oferta de vinhos é ajustada. Serviço simpático a compor o ambiente acolhedor e discreta elegância. Funciona apenas para o jantar, das 20h às 2h. Fica na Praça Velha, logo à entrada do Arco da Porta Nova, numa praceta onde tem como vizinhos os congéneres Copo 1/2, Colher de Pau e o vegetariano Anjo Verde, todos igualmente muito frequentados e a proporcionar uma boa dinâmica, sobretudo nas noites de fim-desemana. Restaurante Taberna do Félix Largo da Praça Velha, 17 Tel.: 253 617 701 Horário: das 20h às 2h Fecha aos domingos e feriados

No Hocho, come-se sushi e sashimi sob a égide do músico Adolfo Luxúria Canibal, um dos proprietários, bem perto da Sé


O Silvas fica mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada

BRAC — ELEGÂNCIA E MODERNIDADE

CALDO ENTORNADO — A VIDA NUM SÓ SÍTIO É um dos mais recentes espaços da zona histórica e será talvez, aquele que melhor sintetiza a actual tendência na animação da cidade. Daí o seu rápido sucesso. Além da boa comida, há um bar de vinhos, uma acolhedora esplanada interior e um espaço de entrada/átrio/esplanada aberto à rua (sem trânsito) e animado por DJ nos fins de tarde e após o jantar. A vida num só sítio, como está bom de ver. Para além de uma oferta gastronómica ajustada (e bem apresentada), outra das justificações para a popularidade do lugar será a familiaridade com que o cliente é tratado. É sobretudo um amigo que se junta num ambiente de partilha e que

se sente ao primeiro impacto. Além dos pratos diários e peixes frescos, a lista propõe especialidades como caril de gambas, risotto de míscaros, bacalhau inglês (em várias confecções) ou joelho de porco. A lista de vinhos mostra também as tendências mais actuais, com ampla oferta a copo. Por vezes há também música ao vivo. Caldo Entornado – Restaurante e Wine Bar Rua de São João, 8 Tel.: 253 065 578 / 910 949 496 / 912 209 513 www.caldoentornado.com Fecha ao domingo e segunda à noite

É um espaço claramente distinto e que se destaca também pelo design e cuidado arquitectónico. Ambiente contemporâneo mas ao mesmo tempo informal e descontraído, onde se pode jantar ou cear, ou simplesmente petiscar e beber um copo a partir do meio da tarde. A par da decoração e mobiliário, também a cozinha reflecte as tendências mais modernas, tanto na apresentação como no cuidado e na qualidade da confecção. Há uma aliciante lista de petiscos/pequenas doses a convidar para um copo de fim de tarde, a par da lista para o jantar ou ceia. Consoante os usos, também o espaço se divide em três áreas distintas, com a esplanada exterior (numa espécie de palco aberto à sossegada praça), a zona de bar e a sala de refeições. À oferta gastronómica junta-se uma criteriosa carta de vinhos cobrindo as regiões do país e com alargada oferta de serviço a copo. Muito bem mesmo. A oferta estende-se também a uma variedade de cocktails, cervejas, rum e vinhos generosos a sublinhar a alargada vocação deste espaço. Restaurante Brac Campo das Carvalheiras Tel.: 253 610 225 / 929 145 272 www.brac.com.pt Horário: das 17h30 à 1h Fecha ao domingo

ESTAROLAS — A TASCA QUE VIROU MODA

HOCHO — UM JAPONÊS JUNTO À SÉ

Este é dos lugares onde se vai apenas pela comida. Ambiente de tasca de outros tempos, onde se servem assados, rojões, bacalhaus, arroz de pato e pataniscas, tudo com o sabor dos cozinhados da avó. Fica fora do núcleo histórico, mas no seu prolongamento, logo após o Estaleiro Cultural Velha-a-Branca, um dos espaços responsáveis pela renovada animação cultural. Antiga tasca, que abriu portas em meados do século passado e se tornou famosa pelos petiscos ali servidos, foi recentemente remodelada e recuperada para serviço exclusivo como restaurante. Apesar da acomodação moderna, com toalhas e guardanapos de algodão e copos a condizer, resistem ainda o ambiente de velha tasca e respectivos adereços. Boa comida, bons preços e ambiente juvenil. Casa Estarolas Rua de São Victor, 93 Tel.: 253 263 078 / 965 239 320 Fecha ao domingo

Por simplificação, é normalmente apontado como restaurante japonês, mas trata-se na realidade de um sushi bar essencialmente focado nas especialidades de sushi e sashimi. Além da diferença face à oferta gastronómica envolvente, é também referenciado por estar associado a Adolfo Luxúria Canibal, o conhecido músico dos Mão Morta, ele próprio também muito ligado às mudanças nos usos da zona histórica. É um dos sócios do negócio e é muito provável que o encontre na caixa registadora nas noites de maior movimento. Cuidadosamente mobilado e decorado, em estilo a condizer com a vocação nipónica da cozinha, o espaço exibe também quadros da artista plástica Isabel Lhano e do escritor Valter Hugo Mãe, igualmente inspirados na vivência e cultura japonesas. Fica junto ao topo norte do Rossio da Sé. Hocho Rua do Forno, 17 Tel.: 253 040 346 / 916 077 151 Fecha à segunda-feira Horário: das 19h30 às 22h30, de terça a sexta; das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 00h, ao sábado e domingo.

FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 11


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