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Nós Deversos (Poezine #01)
© Coletivo Nós Deversos 1º Edição - 2017 Produção: Gudu/L@Poema Projeto gráfico, design, fotografias e arte final: Fê Costa Revisão: https://www.facebook.com/coletivonosdeversos
Você pode compartilhar este zine ou parte dele (copiar e redistribuir em qualquer suporte ou formato), assim como adaptá-lo (remixar, transformar e criar a partir do original), desde que sejam dados os devidos créditos de autoria e desde que para fins não comerciais. Conforme licença Creative Commons Atribuição - NãoComercial 4.0 (CC BY-NC-SA 4.0). Link para a licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0
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Indice: Apresentação: 06 Prefácio: 07 C. Dió: 09 Carlos Greg: 13 Fêu Diramos: 17 Felipe SÓ: 21 Fê Costa: 25 Gudu: 29 Jaque Gonçalves: 33 Luciana Campos: 37 Maíra Calabria: 41
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Apresentação: Somos um Coletivo Multidisciplinar, itinerante e cosmopolita, unid@s por uma coisa só, a poesia: escrita, publicada, cantada, falada, perfor-apresentada, vídeo instalada, ou seja lá de que forma for! Formado em 17 de março de 2017, após a participação na oficina “Torpedos” Literatura na ponta dos dedos, que aconteceu no Sesc Palladium, conduzida por Wagner Merije, o elo se formou, como um nó, promovendo a amarração, o encontro de pessoas diversas que amam a escrita criativa, poética, (poesia, contos, crônicas) com o intuito de reunir outros amantes. Potencializando um ao outro, uma a outra, poetizando o cotidiano, poearmando a vida. (Enfatizando a importância de valorizar a arte e a cultura em momentos de crise...atiçando a criatividade e estimulando ações instigantes, ações poéticas libertárias.)
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Prefรกcio: (Texto Wagner)
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C. Dió Pouco interessa fazer-me sempre plenamente inteligível. Abdico a expectativa de ser pássaro que só regurgita facilidades já digeridas em toda goela alheia. Menos despretensiosos - acreditem! - São meus rasantes. Oras... Nessas horas de pássaro e gasta comparação, desejo aspenas voos livres. Bem como atenção, sem dúvidas! E-mail: literatura.c.dio@gmail.com 09
Qual Ovo? Quem procura pelo em ovo Por certo, pelo em ovo tem. Pelo ao menos é vestígio da crença! Mas crença na mente de quem a pensa, Faz da pessoa propensa, refém. Pessoal, talvez seja a verdade... E quando se tocam da verdade de si, Em si e a si, às vezes chocam. Mas se pelo em ovo e em tudo veem, É porque em ovo provavelmente se colocam.
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Destinatário: Aquele que lê verso em carta de baralho Há quem anseie o difícil: tropeçar no extraordinário. Naquele algo extra, o além-coisa, a situação supra E quando nada mais surpreende, a vida retruca: - Tenho uma carta na manga! Quando o inesperado não comparece, joga com as pessoas. Em tempos de internet, envia envelope vazio Só para quem o sabe ler. No verso - canto superior direito – há o conselho, mensagem, ordem ou previsão subtendida. Com meio de comunicação passado, Arrisca a cartada decisiva! No futuro do presente do indicativo Comprovando que foi pago o envio, diz: Sê-lo-ás.
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Sussurros adeus dará Ao deus dará caminharia e adeus a alguém devia. Há alguém? Havia. Devia? Que via? Por Via Expressa ou oculta? O alguém o via ouvia na via? E por que foi-se pela via? Que foice? A da morte, alguém Diria... E alguém me disse Que é porque ninguém O via e ouvia. Se via, não ouvia. Se Ouvia, não via. Servia? Na via, onde? Não na via. Navio? Não, na vida.
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Carlos, Greg... como queiram nasceu em Urucânia-MG nos idos de 1961. Analista de sistemas, amante de uma boa música, um belo poema, uma bela história, uma boa prosa. Destas surpresas que a vida nos reserva, não sei bem como, nem me perguntem porquê, vem parar em uma oficina de literatura, onde encontra um grupo maravilhoso de pessoas sensíveis e dotadas de uma capacidade enorme de criação. Até aí, ia tudo muito bem, até ser “intimado” a criar um poema. ... deu no que deu! Email: carlosrobertogregorio@gmail.com 13
Adeus … e lá estava ela: Inerte, imóvel já não sorria, como sorria outrora. No leito, a morfina controla a dor, que apavora. De semblante sereno aguarda somente, o melhor, do pior momento. E eu, cúmplice que era assistia resignado, aquilo que seria… O último suspiro. imaginando poder ela, ainda ouvir eu, balbuciava, lenta e angustiadamente o que ela mais gostava ouvir de mim: “Eu quero uma mulher que seja diferente de todas que eu já tive todas tão iguais…” Mas... tinhosa que era me negou o que eu mais temia e, numa distraída ausência… A...Deus!!!
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Amor Nosso amor não tem mais Encontros furtivos, Beijos lascivos. Nosso amor não tem mais poesia, Nem prosa, nem verso, Nosso amor não tem rima. Nosso amor Já não tem... AMOR
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Namoro arrumado Confesso que não sei, ao certo, De onde ela veio. Não sei porque veio, Nem ao menos, como veio A única certeza que tenho ... É que ela veio! Chegou assim, meio de repente Meio apressada, espavorida, Meio sem jeito, desastrada, atrevida Meio ofegante, bem atraente. Ah... mas aí deve ter o dedo de alguém Quem sabe uma prima, uma tia Alguém que espreita, observa, vigia Alguém que te quer bem. Pois é, foi assim, deste jeito: Convite inesperado, padrinho, par perfeito A madrinha, mulher bonita, afeita, cheirosa O primeiro encontro, primeiro olhar, enamorado A conversa, a princípio tímida, eu, acanhado O frio intenso, uma dança, corpos afastados (Não que fosse de minha vontade, Mulher de família, primeiro encontro, né) A desculpa perfeita, a escapulida, o beijo furtivo Constato: Deus, ainda vivo! Não teve jeito não, amigo, meu caro Mesmo se eu quisesse, não poderia, não resistiria Pois ela, ela é tão linda!!! E eu… Bem... Eu sou “tão completamente” Apaixonado por ela!!! 16
Fêu Diramos é natural de Belo Horizonte, Minas Gerais. Possui formação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015). Concluiu o Curso de Cinema pela Escola Livre de Cinema (2013). Finalizou o Curso Profissionalizante de Teatro pela PUC-MG (2011). Atualmente exerce a função de professor e também atua como Bolsista do Projeto de Extensão CONCOL (ContinuAÇÃO Colaborativa), que integra o Programa Interfaces, da Faculdade de Letras da UFMG. Email: lipediogenesbh@gmail.com 17
Quando Barco Embarca em Quase Água de Marmelo Não achamento que vinga Como uso do vinagre ou qualquer coisa azeda ácida, Passa passando da conta Mora na quase pergunta, Em descrição desmedida. Diz logo que se trata do barquinho. Assim, logo introduzido, logo multiplicado. É daqueles tipo que tipo infindo azul quase composto azulado. Nada a ver com azulão. Claro azul, escuro azul, depois rosa-marelado.
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Imersão Nada Profunda em Água de Marmelo Que triste pulo do ninininho na curva curvada do rio. Vivera num desses, mas vivia sem saber saber. Com as duas bocas nas mãos, ali se perdia em desenho caricato do tipo desenhus caricactus de barcus furadus. Barco embarcado em barquinho Não vela grandeza de velho Nem pequeninezinha do ninino. Em folha de banana quase seca Água marelada nasce De corpo infrequente À frente óculos, telas Não se vê achamento Nem bambeio de bambuzal Água de marmelo Deve mesmo ser Quase um toque Toque de berimbal.
Avós No princípio avós Depois só café Efervescente marmelo dançava-me Doce-aluviadas vozeavam-me Vóvinha de manhã café ver-te Vóvinha de tarde café vermelha Avó às vezes principiava-me vozes Peregrino principiado, danço, variadas vozes Nininin principiante Bulindos cheiros granulavam-me Jamais abolir bules verdes de lírios Bolindas ver delícias Arlindas cafeinescas No princípio verde-vermelhadas borravam-me doce cálido
Fotografia: Fêu Diramos
Felipe SÓ é formado em Produção Multimídia e atualmente cursa Letras, atuando na área de educação. Em 2016 foi contemplado no Prêmio Malê de Literatura para Jovens Escritor@s Negr@s e teve seu conto “Avião” selecionado para fazer parte da coletânea Letra e Tinta, publicado pela editora carioca. Email: felipe.souza.oliveira@gmail.com 21
Esse poema não tem título Porque nós também não temos Esse poema não tem plateia Porque nós também não temos Esse poema não tem aceitação Porque nós também não temos Esse poema não tem pudor Porque nós também não temos Esse poema não tem barreiras Porque nós também não temos Esse poema parece não ter fim Porque nós também não temos
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ADEUS De quem foi este último adeus Será que foi nosso Mais seu Ou mais meu? De tanto abre porta, fecha porta Tranca a porta, destranca a porta Nos acostumamos a ficar imóveis Fingindo que ninguém se importa Mas não importa o lado da porta em que fico Se estou dentro ou fora O sentimento de agora É o mesmo de outrora Ora, eu já devia ser mais ligeiro Mas o último adeus Dói tanto quanto o primeiro
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quando nĂŁo consigo dormir deitado no seco do quarto do chĂŁo nĂŁo passo antecipo os dias seguintes e de longe pressinto o fracasso sou teimoso em segredo e nunca revelo mas limpo o nariz na blusa para sentir melhor o seu cheiro pois em minha companhia o quero
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Fê Costa nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, aos 29 do mês de abril do ano de 1969. Taurino, Artista plural, multivisual. Traz consigo, apenas o conceito “Do it yourself”. Como autodidata desenvolve suas ideias ignorando regras e rótulos que envelheceram para formatos que não funcionam mais. Aqui se apresenta apenas como um não poeta, questionador das relações interpessoais, dos conflitos da pós modernidade e do aprisionamento social, propondo em uma linguagem transmidiatica que além de reflexões, ainda é possível ser um artista em nosso pais. Email: contato@fernandocosta.com / www.projetoxnats.46graus.com 25
Pela estrada levando consigo a poeira fina. Imagem sem preço dos calos de sangue mercados da vida. Muros imaginários lugar de fronteira na palavra calada resistência. Outro barco outro corpo paredes cinzas uma casa vazia. Fonemas que confundem o nome das coisas jogo e contrastes. No percurso solitário feito para caminhar vetores adornam diálogos fotografias retratam cartazes colados no chão. 26
.Na calada da noite um encontro marcado “Puxar angustia”, um brinde a solidão. Perecer aos pés da Serra do Curral sem abrigo.
Em desatino o reflexo das luzes na calçada molhada fugindo da chuva, embriagado e sem porque. 27
Seria muito mais se nĂŁo fosse ser em demasia, viver necessariamente seria bastante e eficaz por algumas horas por algumas trocas de volĂşveis prazeres. Jogo por jogar ser se nĂŁo fosse seria muito mais que um simples adeus. (...) (Apenas prazer.)
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Gudu é da safra de 1981, nasceu em Belo Horizonte/MG. É Museólogo, Agitador Cultural e Poeta de Combate (Contra tudo que oprime). Vive a Movimentação Anarco-Punk, iniciada em 1994, dentro da filosofia Do It Yourself (D.I.Y). Produz eventos através da Victha Acthiva Produções e Representações S/A (2002). Editou os zines S.U.Z – Sub Underground Zine (1996), Sentimentos & Insubmissão (2002), Insólito (2006) e Koyaanisqatsi (2006). Organiza o Varal Ex-poético desde 2011 em eventos libertários. Participou da antologia poética Assim é que dizemos (2014). Articulou editando e publicando na revista Guaicurus nº 2 / nº 3 do CCULT-UFMG (2013-2014). Já teve poemas musicados, é co-fundador da L@ Poem@: Livre associação de Poetas e Poetisas Marginais (1996) e integrante do Coletivo Nós DeVersos (2017). Email: agudulterado@gmail.com 29
“The Last Night” Teve sarau cerveja cigarro queijo pitaya e cachaça um autêntico vislumbre lúdico pela diferença vozes dos debaixo negros e negras em sua resistência mulheres em seu empoderamento fantasias nas cabeças de todos/todas presentes e bem na ponta da mesa acontece o sexo na mão gentil que toca o corpo, braços e pernas sem penetração mas o tesão é latente o bom entendedor fareja os sinais o corpo não mente o corpo não mente ao público 30
distribui-se uma atenção “obrigatória” para cumprir tabela e aumentar os likes na virtualidade aglutinando variedades, com perversidades (in box) a artista volúvel pediu licença num tom de voz que dizia adeus... Deixando no vácuo um compartilhamento de fidelidades e códigos internos no espaço de tempo de 20 minutos antes do fim da noite... Os corpos não mentem os corpos não mentem e demonstram o quanto rasa as pessoas se tornaram a artista volúvel, também é rasa foi embora sem nem olhar pra trás agarrada aos braços de seu novo “passatempo” rapaz. (19/03/2017) pós 03:30hs 31
Criar, criar, criar, criar, criar, criar, criar, criar, criar, Criar, criar, criar, criar, criar, criar, criar, Criar, criar, criar, criar, criar, Criar, criar, criar, Criar, criar, criar, Criar, criar, criar, Criar, Criar, Criar, Criar, Criar, Criar, Criar,
Criar sem deixar a indignação afunilar!
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Jaque Gonçalves Sou das Letras com plena vida, do teatro por pleno sentir e do caminhar por plena forma de viver. Vivi em 3 países durante quase 13 anos o que me atravessou o sentido de ser Outro. Zelo e cuidado pelo Humano é meu trato de vida. Email: Infoblcenter@gmail.com 33
Nòs em Versos “Foila Poética a vagalumear nossas vísceras adormecidas de crianças cheinhas de vontade de brincar”. “Deu adeus a semana cheia deu adeus a semana cheia com direito ao Luto e Melancolia de Freud, o drama Negro, de Mano Brown na voz do Seu Jorge e, primeira participação em uma defesa de dissertação de literatura Afro-brasileira A Deus, satisfação do tempo alargado. Muita sede depois de uma semana com o Kefir presenteado, em casa. Adeus promessas pela metade. A Deus pôr do sol em Belo Horizonte neste março mês. Céu esplendoroso dos cinzas escuros ao azuis tons maduros mesclados aos feixes dourados , rosa alaranjados.” “Quero te dizer bem poucos adeuses muito mais encontros trocas de impressões e alimento pra peleja da vida. A Deus, nosso re em conto” Março de 2017
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Eu, lua J Você, Sol W Nenhuma explicação nos deram Restaram 12 horas de relógio a nos separarem. Tempo desencontrado, geografias desiludidas. Tempo adverso, espaço sem Versos. Sumimos dos nossos olhos . Vivemos, porém. Na caixa dourada de chás, vazia. Na bela caixinha de borboletas, machucadas. Até hoje, 23 de Maio, escrevi com a caneta amarela do nosso último encontro daquele 29 de dezembro. Duas luas só nossas. Juntados. Ao seu peito chorei em promessas e, um vazio abismal amar-gura no meu peito.
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Luciana Campos nasceu em 1982, em São José do Rio Preto, noroeste paulista. Formada em Letras. Transitou pelas Ciências Sociais Aplicadas e atualmente está estudando Ciências do Estado em Belo Horizonte, onde está preparando seu primeiro livro de poesias. Email: lucianacristina.campos@gmail.com 37
O nascimento Um rio flui sob meus pés e estou suspensa em meio a árvores meus dedos tocam as raízes e meu corpo repousa inerte por entre as folhas. Um pássaro gentilmente faz morada em meu peito. Seu grito se parece com o meu: oco, seco, quente. Faz força para voar. Ensaia os primeiros passos – ou asas? Batidas sem fim no limiar do tempo de mim, luz opaca. Dele, ímpeto de ser. Nasço e vôo e, de repente, transbordo.
A canção A voz que ecoa ao longe traz desespero e conforto. O som produzido pela boca ecoa nas paredes e lentamente se junta a meu corpo. O ruído sorrateiramente impregna meus tímpanos. (contínua frequência) É uma sinfonia. A melodia outrora entoada por todos aqueles que já se foram. Há lamento no ar. E o silêncio já não existe. Tudo é som. E dor.
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Contemplação Caminhar lentamente para uma sala úmida e vazia. Repleta de memórias, entretanto. Sentar-se no chão arenoso e esperar a bondade de mãos já desgastadas pelo tempo. Formas, linhas, cores, cheiros e sons: impossível distingui-los. As paisagens que se formam em minha retina mostram a memória dos objetos. Testemunhas. O descompasso do tempo – a vida que se forma e se esvai em minúsculos e imperceptíveis detalhes. É preciso ater-se às palavras não-ditas e ao som indecifrável que me rodeia. A vida sorrateiramente escondida, revelada em ângulos obtusos. Deslocamentos. Adentrar à essa forma me aproximaria da existência.
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Maíra Calabria é mineira e desde 1984 enxerga o mundo através das palavras, encontrando aqui sua primeira pública-ação. Escritora que usa o lápis como agulha, costurando dor em coisa bonita. Tradutora e amante das cartas e cartões postais, experimenta o papel como ferramenta, tela e espaço. Email: mairacalabria@gmail.com 41
Até, Enfim A volta daquela viagem causou em mim uma tormenta de outros mares. Mistura de sal e azul na lágrima servida. Um filme mudo no abraço que diz: até, foi bom até aqui. Do outro lado do mundo o outono é o mesmo, mas tem sua mão na minha lombar, ela fala, e atravessamos a rua enquanto o apito do semáforo nos aconselha sobre o agora. Ninguém pode compreender o quanto nossa afinidade foi estranha, no segundo dia quando descobri que sua cara séria era timidez e que você entendia meu humor quando ria de qualquer frase que eu dizia sem revelar a graça. Era tão bonito e ensurdecedor nossas pernas encostadas em silêncio na van, e atravessamos um país. Como você me repreendia quando tirava fotos de João dormindo e agitava todos porque aqueles dias eram únicos e o frio não ia nos abandonar, mas ria e se entregava às idiotices da juventude que insiste em achar que já acabou. Sua gentileza geme coisas que nunca entenderei pois nosso enredo está apenas em mim. Ainda assim é mais bonito que a maioria dos outonos pois nesse, lá, eu vivi os dias como despedida, como as últimas gotas daquela cerveja que bebemos no bar que imitava um hospício, no fim do beco escuro que nada tinha de perigo e sim possíveis caminhos. Quando sentamos lado a lado naquele vôo longo e todos dormiam, você largou seu livro e conversamos como numa confissão, de histórias e nós mesmos e tudo que fomos, somos e seremos em nossas vidas opostas. Faria casa naquele avião apertado. Me confortei na amiga que, sabida, disse que esse amor de fuso, de lonjura e da convivência com seu perfume forte logo passaria, mas há dor e há glória em nosso reino e a nossa delicadeza é soberana. Quando sem querer fizemos aquele passeio no fim de semana sozinhos porque João sentia muita falta de seu amor para ver o sol, deixei gritos mudos pelo caminho longo e nas paisagens do ônibus eu ia guardando meu sentimento. 42
O sol morno e o nosso silêncio e aquela foto que tirei de você pois ela diz que você nunca tira fotos suas, e por dentro pensava na injustiça de tudo aquilo. As fotos que tirou onde eu rio desamparada e dá pra ver tudo dentro de mim, porque não sei o que pensava enquanto olhava pela lente. Não importa se aquele dia foi o destino gritando na minha orelha que aquilo era um sonho enquanto voltávamos a pé, perdidos em meio às casas vitorianas, os dois cansados e arrependidos de não termos pegado o ônibus, pois o caminho era longo demais e o pôr-do-sol era bonito demais pra ser compartilhado com alguém que não se podia abraçar nem beijar os lábios. No último dia naquela cidade fantasma quando eu voltava resignada após o jantar e você me pediu pra ficar, numa euforia embriagada que fiz esforço pra não demonstrar o quanto achei adorável. Você dançou enquanto a bêbada te encurralava e você dizia para nós: me salvem. Rimos de tudo aquilo e fomos embora em tempo de eu ver que você ligava pra ela pois ela é a coisa mais importante da sua vida e é assim que tem que ser. Nunca larguei daquele abraço apressado do aeroporto quando todo mundo se espalhou pela América Latina e eu chorei porque aqueles foram os melhores dias da minha vida. Nosso romance difuso nunca foi escrito e talvez nunca fosse, me apego no sentimento de quase, tão puro que nada pode quebrar sua inocência. Você é pai agora e eu me encho de alegria com a foto que me mandou porque sei o quanto você é feliz, mesmo não tendo tempo de ler como antes. Nas páginas daquele livro eu prolongo a nossa resenha, sem nunca me despedir. Alegria é ser algo parecido com livre e poder recomeçar a cada vento novo que sopra. Deixo ventar e guardo essa carta como a nossa amizade, pois ela é pra vida. É a vida e todos os mesmo sóis que veremos juntos, de longe. 43
Cavaleiro indignado, segue. Punho e teclado: segue. No punk que canta, na dona de borda, no tesão da construção da obra. Literatura Torpedo transborda... O livreiro adiciona lugar onde não há, pois Literatura é coragem: ela segue, rotineira. O poeta indignado elabora e ora no alvo de quem se comporta humanamente, e segue. Num enlace coletivo, escreve o que cabe no poste, na boca, na tela, nos meios. Presta atenção. Começou na ponta dos dedos.
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Literatura Torpedo transborda... Envelope vazio oco, seco, quente não tem pudor quase pergunta lúdico pela diferença mercados da vida geografias desiludidas Último suspiro
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