Livro: No Tempo do Trem

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ALVORECER INDUSTRIAL: 1894 – 1906 | TEMPO DE MULTIDÕES



NO TEMPO DO TREM



Miguel Sanches Neto

NO TEMPO DO TREM

1ª Edição Curitiba 2019


EXPEDIENTE SISTEMA FECOMÉRCIO SESC SENAC PR Presidente: Darci Piana SESC PR Diretor Regional: Emerson Sextos Diretora de Educação, Cultura e Ação Social: Maristela Massaro Carrara Bruneri Assessora de Comunicação e Marketing do Sesc PR: Rosane Guarise SENAC PR Diretor Regional: Vitor Monastier COMISSÃO ESPECIAL DE OBRAS XXIV – ESTAÇÃO SAUDADE Presidente: Paulo Cesar Nauiack Membros: Zildo Costa, José Marioli Simão e Sigismundo Mazurek NÚCLEO DE COMUNIC AÇÃO E MARKETING Coordenador Geral: Cesar Luiz Gonçalves Coordenador de Jornalismo: Ernani Buchmann Revisão: Silvia Bocchese de Lima DRT-PR 6157, Renato Bittencourt Gomes e Sônia Amaral Projeto gráfico, capa e diagramação: Vera Andrion DRT-PR 10260 Pesquisa fotográfica: Silvia Bocchese de Lima DRT-PR 6157 Acervo fotográfico: Casa da Memória de Ponta Grossa, Museu Campos Gerais/ UEPG,

D.A Press e Carlos Mendes Fontes Neto Impressão: Papel Ouro Gráfica e Editora Eireli Tiragem: 1.000 exemplares


ÍNDICE Palavra do Presidente............................................... 11

Paço Popular......................................... 113

RESTAURAR PARA RENOVAR

O Trem Incendiário................................ 117

Palavra do diretor regional....................................... 13

A Volta do Herói.................................... 121

A CONSTRUÇÃO DO SEU TEMPO

Cidade Fortaleza.................................... 127

Ponta Grossa, Capital do Brasil............. 131

ALVORECER INDUSTRIAL: 1894 – 1906

Carvão Versus Petróleo............................ 141

Cidade-Convergência........................................ 25

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957

A Primeira Gare............................................... 29

Fim da Linha......................................... 147

A Estação Completa.......................................... 31

Ponta Grossa Internacional.................... 151

Viagem Inaugural............................................. 37

Uma Vila sobre os Trilhos...................... 155

Tempo de Multidões........................................... 45

A Lentidão Política................................ 159

A Dança dos Nomes......................................... 49

Tempos Velozes................................................. 17

O Projeto da Linha-Tronco............................... 21

TEMPOS DE CONFLITOS: 1907 – 1940

VELHA SENHORA: 1957 – 1990

Devagar, quase Parada.......................... 167

O Sindicato Farquhar...................................... 59

O Último Trem Para na Estação............ 171

O Trem Pagador.............................................. 65

Sediar Outros Tempos............................ 179

A Face Feia...................................................... 71

Arquitetura Industrial....................................... 75

Entroncamento como Força Simbólica................ 83

Posfácio............................................................. 181

Nasce o Operário.............................................. 89

UM NOVO COMEÇO

Estação: Lazer e Perigo...................................... 95

Equipe de Jornalismo do Núcleo de Comunicação e Marketing do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

A Estação na Guerra do Contestado................... 99

Quando Aviões Andavam de Trem................... 107

Fontes de Consulta............................................. 191

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PALAVRA DO PRESIDENTE

Restaurar para renovar

A partir de meados da década passada, o Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná assumiu seu papel como indutor de processos de preservação de construções de alto valor histórico para o Paraná. Já em 2006 assinamos convênio com a Prefeitura de Curitiba para restauração do antigo Paço Municipal, prédio que sediou a Prefeitura de Curitiba durante cerca de 50 anos. Reinaugurado em 2009 como unidade cultural do Sesc, e rebatizado como Paço da Liberdade, ele é hoje uma referência cultural e turística da capital, recebendo milhares de visitantes todos os meses. Fizemos ainda mais. Em parceria com a própria Prefeitura Municipal, Sebrae/PR e Banco do Brasil, os comerciantes da região no entorno do Paço foram beneficiados com descontos no IPTU, receberam cursos de gestão, linhas de crédito atraentes para renovar as lojas e, por meio do Senac, os seus funcionários ganharam cursos de qualificação profissional. Os resultados foram sentidos por todos, com o retorno dos consumidores às lojas, valorização dos imóveis e a chegada dos turistas vindos de todas as partes do país e do exterior. Assim fizemos igualmente em Londrina, com a transformação do antigo Cadeião em unidade cultural, também do Sesc, abrangendo ainda a renovação do comércio da Rua Sergipe. Ambas as unidades contam com Café-escola do Senac, sempre um atrativo a mais para os visitantes. Agora chegou a vez de devolvermos a Estação Saudade para a população de Ponta Grossa. Esse fantástico patrimônio da cidade torna-se a nova unidade cultural do Sesc, trazendo algumas novidades em relação às demais unidades culturais da instituição.

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Além do Café-escola, na Estação Saudade irá funcionar uma Escola de Gastronomia do Senac, preparando profissionais para a crescente demanda turística dos Campos Gerais, que abrangem ainda Vila Velha, a Lagoa Dourada, o Buraco do Padre, a Cachoeira da Mariquinha, as vilas coloniais de Carambeí, Castrolanda e Witmarsum, o Cânion do Guartelá e a Rota dos Tropeiros. Visitantes precisam se alimentar e a região estará preparada com profissionais de alta qualificação. Teremos ainda o Museu do Trem, sala de exposições e todas as atividades próprias de uma unidade voltada à cultura – e o conceito de cultura envolve História, Artes Visuais, Teatro e tudo o que representa o rico acervo de conhecimento dos habitantes do Segundo Planalto. Também o quadrilátero no entorno da Estação Saudade vem sendo revitalizado, graças à participação da Prefeitura e do Sebrae/PR, e ao entusiasmo dos empresários da região. Faço questão de registrar o empenho do prefeito Marcelo Rangel e da vice-prefeita, professora Elizabeth Schmidt, a dedicação do presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ponta Grossa, José Carlos Loureiro Neto, atual secretário de Indústria, Comércio e Qualificação Profissional de Ponta Grossa. Este livro é um documento que conta a história da época dos trens e sua importância para o desenvolvimento de Ponta Grossa e dos Campos Gerais. É o registro necessário para que as novas gerações conheçam seu passado e possam entender a importância de se restaurar, preservar e renovar. Como sabemos, não há futuro sem passado.

Darci Piana Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná

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PALAVRA DO DIRETOR REGIONAL

A construção do seu tempo O Sesc PR reconhece a importância do conhecimento histórico para o constante desenvolvimento da humanidade, por entender que é por intermédio da História que a sociedade reflete sobre suas ações e omissões, ressignifica suas questões e delibera sobre a construção do seu tempo. É por esse motivo que o Sesc PR priorizou o Restauro da Estação Saudade, em Ponta Grossa, dentre suas ações de infraestrutura no estado e planejou a inauguração de uma unidade cultural que possibilitará aos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo e toda a sociedade local o acesso efetivo a bens socioculturais tão caros em nosso país. O Sesc PR orgulha-se de poder restaurar a famosa Estação de Trem – que possui valor inestimável para todos os paranaenses –, e compromete-se a honrar a história desse patrimônio cultural com projetos de memórias, como o é este livro enriquecedor e, ao mesmo tempo, com projetos culturais inovadores e vanguardistas. Desejo-lhes uma excelente leitura sobre a história da Estação Saudade e convido a todos a construirmos juntos um futuro ainda mais próspero para o local, agora com a Unidade Cultural Sesc Estação Saudade.

Emerson Sextos Diretor Regional do Sesc PR

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ALVORECER INDUSTRIAL:

1894 – 1906

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TEMPOS VELOZES

E

m sua famosa visita à província do Paraná, em 1880, o imperador D. Pedro II se internou pelo estado, saindo da capital a caminho de Castro, então o grande município do interior. O itinerário, feito em carruagens e a cavalo, passava

por Campo Largo, Palmeira e Ponta Grossa para alcançar o fim da linha. Da capital a Ponta Grossa, gastaram-se três dias em deslocamentos de em torno de 15 léguas entre uma localidade e outra. É verdade que o imperador aproveitava para fazer visitas, mas o tempo de viagem se media naquele então em dias, dias muito cansativos. E em cavalos mortos durante o difícil trajeto. No caminho a Ponta Grossa, a carruagem tombou, duas alimárias imperiais morreram e todos, animais e homens, acabaram estropiados. Menos de duas décadas depois, já sob a égide progressista da República, o trajeto de

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Curitiba a Ponta Grossa podia ser feito confortavelmente em pouco mais de meio dia. O trem da Estrada de Ferro Paraná vencia os quase 200 quilômetros em uma velocidade espantosa para a época – 35 quilômetros por hora. Embora parasse rapidamente em todas as estações, não havia maiores atrasos, a não ser quando de um descarrilamento. Uma composição que saía às 5h50 de Curitiba chegava à recém-inaugurada Estação Paraná às 13h35. Com isso, houve uma diminuição da distância entre a capital e o interior, permitindo que as viagens fossem mais tranquilas, conquanto ainda cansativas. E o estado como um todo começou a sofrer a grande modificação de seu perfil social, econômico e cultural.

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A partir da inauguração desta via, Ponta Grossa assume uma nova importância no mapa do Brasil, confundindo-se com a própria ideia de modernização do interior, acelerando o projeto de urbanização e industrialização. Ela deixa de ser a localidade a que D. Pedro II não deu muito valor quando de sua visita para se fazer eixo da ligação com o Sul do Brasil ao se concluir a grande artéria da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande – E.F.S.P.R.G. Uma outra cidade nasce às margens destes dois caminhos que se encontravam aqui, num extenso pátio que integrava as duas ferrovias.

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Antiga estação de cargas, na Rua Benjamin Constant. Registro de F. Lange, na última década do século XIX (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Plataforma de embarque da Estação Paraná (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Estação Paraná inaugurada em 1894 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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O PROJETO DA LINHA-TRONCO

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grande ferrovia colonizadora, que iria abrir os sertões do Sul, criando cidades, e dando uma importância antes inimaginável para Ponta Grossa, nasce de uma iniciativa política e empresarial do engenheiro mineiro João

Teixeira Soares, no apagar da monarquia brasileira, embora esta linha vá ficar identificada à república. Apesar de alterado no novo governo, o decreto nº 10.432, de 9 de novembro de 1889, assinado pelo imperador a poucos dias da Proclamação da República, é um dos documentos mais importantes do Sul do Brasil, tanto para o bem (o desenvolvimento das regiões sertanejas ou simplesmente selváticas) quanto para o mal (destruição industrial de florestas e os conflitos populares em torno da posse da terra). O Sul moderno começa com esta concessão de crédito e terras devolutas:

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“Atendendo o que Me requereu o engenheiro João Teixeira Soares, Hei por bem conceder à companhia que o mesmo organizar privilégios para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que, partindo das margens do Itararé, na Província de S. Paulo, vá terminar na Província do Rio Grande do Sul, com dois ramais (...). Hei por bem, outrossim, não só conceder à referida companhia a garantia de juros de seis por cento (6%) durante trinta (30) anos para o capital que for necessário à construção da linha principal, até ao máximo de trinta e sete mil contos, mas também fazer-lhe cessão gratuita das terras devolutas em uma zona máxima de trinta quilômetros para cada lado do eixo de linhas de que se trata. Para se tornarem efetivos os mencionados favores, ficam, porém, dependentes da aprovação do Poder Legislativo, na parte que se refere à quantia de juros e cessão de terras devolutas, bem como em tudo subordinados

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à observância das cláusulas que com este Decreto baixam, assinadas por Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que assim o tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1889, 68º ano da Independência e do Império”. Esta concessão vai sofrer ajustes com a nova ordem política, como a redução da área cedida ao redor da linha-tronco, de 30 para 15 quilômetros, mas mesmo assim fundamenta as ações empresariais, o levantamento de fundos e a ação desbravadora do empreendimento, nascido, do ponto de vista do governo, para incentivar a colonização de nossos sertões, principalmente com o elemento estrangeiro, de origem europeia, embora em um primeiro momento a fixação do colono não será a prioridade, e sim a exploração das riquezas, tanto as naturais quanto as industriais. A partir deste privilégio régio, renovado pela República, Teixeira Soares traçou uma

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linha entre os dois pontos – a Vila de São Pedro de Itararé, em São Paulo, na divisa com o Paraná, e a Vila de Santa Maria da Boca do Monte, na região da hoje cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No Paraná, destacavam-se como polos os municípios de Castro e Ponta Grossa e a Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, no Rio Iguaçu. Para o projeto da ferrovia, ele fez o levantamento topográfico se valendo da orientação de fazendeiros, agricultores e tropeiros que conheciam a região, já cortada pelo caminho de muares. Como a ferrovia será incentivada por quilômetro construído, não houve uma preocupação em buscar um trajeto mais curto. O que levará Teixeira Soares, em um momento de sinceridade, dizer que “aquilo é estrada de guarda-livros e não de engenheiros”. Depois da transferência da concessão, picotando os trajetos, e com dinheiro europeu para o empreendimento, a estrada de ferro começou a ser feita, ao mesmo tempo

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em que reinventava as regiões por onde passava, alterando as relações econômicas, políticas e sociais. A futura Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande nos colocou no mapa, tornando a cidade um destino habitual, ponto de passagem e de estabelecimento de grandes figuras da economia, da arte e da ciência, sem deixar também de atrair os aventureiros.

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A construção da estrada de ferro foi responsável por reinventar as regiões por onde passava e por tornar Ponta Grossa um destino habitual de viajantes (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Instalação dos trilhos no pátio de manobras da Estação Paraná, em Ponta Grossa (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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CIDADE-CONVERGÊNCIA

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grande mudança que o estado sofreria, e com ele Ponta Grossa, ocorre principalmente pelas iniciativas daquele que talvez tenha sido o inventor do Paraná moderno.

Quatro vezes governador (1892-1893; 1894-1896; 1900-1904; 1908-1912), senador por seis legislaturas, Francisco Xavier da Silva (Castro, 1838 – Rio, 1922) fez importantes inovações administrativas, o que permitiu a mudança completa de uma região que D. Pedro II achou pouco desenvolvida. Entre suas ações de planejamento, o Presidente da Província (assim se nomeava o dirigente-mor), em seu primeiro mandato, criou, em 27 de abril de 1892, através da Lei nº 1, a Secretaria de Estado de Obras Públicas e Colonização, em consonância com a

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política de estradas colonizadoras. A particularidade deste novo órgão era pensar o investimento do governo em infraestrutura com um objetivo muito específico: o apoio para a vinda de colonos, preferencialmente estrangeiros. Esta nossa vocação de solo e de clima para receber os colonos justificaria o investimento da Província nas estradas de ferro. Em seu relatório de 4 de outubro de 1892, ele defende o investimento em estradas para atrair o imigrante que quer se estabelecer em áreas novas, que proporcionem meios de escoamento da produção. Se não fossem criadas estas condições, o povoamento produtivo do estado estaria condenado ao insucesso. Lembra o gestor que “o serviço de imigração liga-se intimamente ao de viação pública”. E defende as melhorias das vias

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já existentes e a integração delas aos ramais da linha férrea de Sorocaba, que ainda não havia alcançado o Paraná (quando isso ocorresse, nossos produtos iriam diretamente para São Paulo) e à malha paranaense que fazia a ligação entre Curitiba e Paranaguá. Acreditava que o gasto público com estradas teria retorno em termos de prosperidade para todo o Paraná, cuja riqueza estava na grande quantidade de terras devolutas, que poderiam ser usadas para a colonização desde que houvesse uma regulamentação. No relatório de 20 de outubro de 1894, já na sua segunda administração, o Dr. Xavier da Silva volta ao mesmo tema: “Uma das necessidades é cortar de estradas o vasto e riquíssimo território do Estado, e melhorar as existentes”, comunicando as nossas principais regiões entre si e com a capital. A primeira grande ação neste sentido foi a ampliação dos caminhos de ferro até Ponta Grossa. Começada em 1891, ela chega à cidade em 1894. “A estrada de ferro Paranaguá a Curitiba, ora prolongada até a cidade de Ponta Grossa,

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e brevemente o será até a Vila do Rio Negro, é a grande artéria para a qual devem convergir, e efetivamente convergem, as principais estradas do estado”. Está se consolidando como projeto político um fortalecimento da vocação integradora de Ponta Grossa, uma compreensão vinda do tempo dos tropeiros. O castrense Francisco Xavier da Silva resume o seu plano geral de viação pública do Paraná, com uma frase que nos situa na modernidade: “Melhorar essas estradas, [...] convergindo todas para a cidade de Ponta Grossa”. Ponta Grossa ressurge como um polo de confluência maior enquanto o Paraná continuaria sua reivindicação de melhores estradas para chegar aos pontos mais remotos que precisavam ser povoados. A história do Paraná se confunde com a história da abertura de suas estradas.

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Vista lateral da Estação Paraná, na Rua Benjamin Constant, em frente à Hervateria Pontagrossense (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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A PRIMEIRA GARE1

A

maquinização da viagem transfere a velocidade aos núcleos urbanos a que chega. Há várias maneiras de se observar isso. Uma delas é pelo surgimento de novos prédios, que precisam ser construídos em ritmo de

urgência. Enquanto se fazia a ligação dos trilhos entre a capital e os Campos Gerais, era erguida a estação, em dois pisos, com feições coloniais, lembrando os casarões da região. Um pé no passado e outro no futuro. As frentes de trabalho nesta linha eram concomitantes com a edificação da primeira gare, para que tudo fosse concluído ao mesmo tempo. Um trabalho de fragmentação e multiplicidade das ações, sinal dos tempos que se iniciavam. Assim surge a Estação Paraná, inaugurada no dia 2 de março de 1894. O prédio aten-

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dia ao fluxo de passageiros e cargas de e para Curitiba e Paranaguá. Tinha as dimensões adequadas para a realidade daquele momento, e significou um avanço na arte de viajar. Tomava-se o trem na plataforma e só se descia no final do trajeto, enquanto se assistia ao passar rápido da paisagem pela janela. Como em uma exibição cinematográfica, um lazer novo que se popularizava.

A palavra gare é de origem francesa, tendo surgido no século 17 para designar o abrigo, à margem dos rios, para as embarcações. Com o surgimento dos trens, o nome foi estendido aos lugares de embarque e desembarque nas ferrovias. É bom lembrar que havia uma presença francesa em nosso idioma, o que fez com que durante muito tempo se usasse o vocábulo importado, que trazia a ideia de uma modernidade que enfim nos alcançava. Os puristas, no entanto, consideraram este uso um galicismo e impuseram o termo mais corrente estação.

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Ponta Grossa tinha então a sua gare e começava a fazer mais deslocamentos, a receber visitantes, encorpando o seu comércio. O edifício poderia ser considerado como definitivo se não estivesse em curso outra obra de grande vulto. A cidade se adaptava a experiências recentes com a velocidade. A Estação Paraná2 já surgia fadada a se tornar insuficiente. Dominará o transporte na cidade por breves seis anos, pois o vetor capital–interior era apenas parte do projeto de cortar o estado com ferrovias. Alastrava-se em nossa direção a linha que uniria São Paulo ao Rio Grande. Um traçado que não tinha as dimensões estaduais, com o objetivo de acoplar os três estados sulinos ao eixo do desenvolvimento econômico e da força política do Brasil: São Paulo–Rio de Janeiro. Enquanto aprendíamos a viajar de trem cotidianamente, o traçado da linha férrea interestadual, que depois seria internacional, buscava a cidade. E como uma anfitriã que vai receber visita importante, ela precisava preparar-se.

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O nome Estação Paraná (referência à Estrada de Ferro do Paraná) se torna também simbólico. Era o fim de um ramal que tinha como objetivo fazer a ligação paranaense com a Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande. Algumas interpretações podem ser feitas. Para se conectar por terra ao resto do Brasil, Curitiba deveria passar por aqui. Isso dava uma centralidade inusitada a Ponta Grossa, que se tornava, metonimicamente, o próprio estado – algo visível na designação Estação Paraná. Os viajantes que começariam a chegar pela ferrovia tinham, para alcançar a capital, que desembarcar aqui.

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A ESTAÇÃO COMPLETA

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inauguração da Estação de Ponta Grossa aconteceu com uma viagem em meados de dezembro de 1899. Período significativo. Nos últimos dias de um século, o que recobria as atividades da linha de um simbolismo pro-

gressista. O século XX irrompia com promessas de desenvolvimento para a cidade e para o estado. A abertura do tráfego estava prevista para julho de 1899, mas as chuvas que caíram insistentemente ao longo do ano atrasaram as obras de construção das estradas. Assim, o prédio da estação foi concluído com antecedência, ficando pronto antes dos trilhos. O que resultou em uma bela metáfora. Como se a majestosa estação esperasse, sonhadoramente, toda pintada de branco, pela chegada dos caminhos vindos das duas direções no primeiro trecho então posto em uso: Piraí do Sul–Rebouças.

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Diferentemente da Estação Paraná, cuja principal marca era a solidez, esta nascia carregada de preocupações artísticas, o que lhe dava leveza de linhas. Com um projeto eclético, arquitetura neoclássica e art nouveau, precisava causar impressão nos futuros viajantes de outros estados e de outros países. Tal investimento artístico comunicava a importância da própria cidade neste novo momento. Atenderia aos requisitos de uma estação de primeira classe, com confortos, serviços e materiais que são ícones do Paraná. Vitrine da região, ela demonstraria o progresso do lugar e o que ele podia oferecer. Um detalhe importante é que ganha duas fachadas, uma para a cidade, para a rua de

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acesso a ela, e outra para a via férrea, dando vista ao pátio de manobras, ao armazém de cargas, à Estação Paraná e aos campos. A dupla fachada atendia a um desejo de criar admiração nas pessoas da cidade e em quem passava por ela. Vejamos a descrição do prédio feita pelo jornalista carioca Ernesto Senna, em seu livro

O Paraná em estrada de ferro (1900): “O comprimento do edifício, formado por três corpos, é de 25 metros e a largura de 13 metros. Tem dois pavimentos. No pavimento térreo, cujas entradas principais das duas fachadas estão no corpo central, acham-se instaladas a agência, o telégrafo, a bilheteria, o armazém de bagagens e o depósito. Um vasto salão cujas divisões de belíssima guarnição de madeira de pinho e imbuia, estilo manuelino, vão até meia altura do pavimento, liga aquelas entradas principais, ocupando toda a largura do edifício. Nos flancos desse salão estão colocadas as salas de espera para os passageiros de primeira e terceira classes”. Note-se que os materiais usados para as divisões se repetirão nas escadas, logo des-

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critas: “Por uma larga, suave e bem lançada escada, construída dos mais resistentes e belos espécimes de madeira do Paraná, tem-se acesso ao pavimento superior do edifício”. Além da escada, os móveis das salas do pavimento superior são funcionais e elegantes, feitos também de pinho do Paraná e de imbuia. A estação, agradando esteticamente os viajantes, principalmente os de fora, ainda divulgaria nossas madeiras, uma das riquezas do estado, visto na época como uma terra rival de Riga, cidade de entroncamento ferroviário, na Letônia, Leste Europeu, e que ficou famosa internacionalmente pelo pinho de alta qualidade. Neste sentido, podemos dizer que a nova estação cumpriria uma função publicitária, apresentando Ponta Grossa e o Paraná às pessoas que passassem por ela.

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A outra propaganda se fazia pela organização de todo o complexo sistema férreo, em que tudo funcionava com o máximo de modernidade. Era o Paraná assumindo o seu desejo de ser uma terra de futuro: “Tem esta estação central ao seu serviço um posto telegráfico completo, sistema Morse, balanças, girador para locomotivas e vagões, depósito de combustível, caixa d’água, desvios completos etc., e está em completa comunicação férrea com a Estação de Ferro do Paraná, podendo pois o tráfego mútuo entre estas duas estradas ser facilmente estabelecido”. Os elementos estéticos se somam aos elementos de identidade (a madeira) e à tecnologia, criando esta sensação de uma nova era que se inicia, tendo como portal de entrada a cidade, que passa a se ver com um destino desenvolvimentista. Estas mensagens, transmitidas sensorialmente aos visitantes, dotavam a estação de um valor civilizatório.

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1 e 2: A construção é classificada como eclética, formada por uma junção de estilos, com detalhes art nouveau (Crédito imagens: Ivo Lima e Bruno Tadashi)

3: A bilheteria, contruída em madeira de pinho e de imbuia, demonstram riquezas da terra (Crédito imagem: Bruno Tadashi)

4: Detalhes da marcenaria, em estilo manuelino (Crédito imagem: Bruno Tadashi)

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Plataforma de embarque da Estação Ponta Grossa (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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VIAGEM INAUGURAL

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viagem das autoridades federais para a inauguração do novo trecho de 229 quilômetros começou no Rio de Janeiro, e foi feita por mar até Paranaguá, uma vez que a integração por terra ainda não havia acontecido. Uma

comitiva de figuras ilustres toma o paquete Santos, da Companhia Loyd Brasileiro, em estado de euforia cívica – o Brasil começava a rasgar os sertões do Sul. O presidente da Estrada de Ferro, Dr. Antônio Augusto Fernandes Pinheiro, é a figura principal, o grande anfitrião. Há muitos engenheiros, representando a empresa ou entidades de classe. E jornalistas dos principais órgãos da imprensa, para registrar a conclusão da primeira etapa da obra maior da engenharia da época. Para dar a dimensão simbólica desta viagem, que os jornalistas chamavam de excursão, os convidados seriam alimentados pela famosa confeitaria Colombo, a mais imponente do Rio, e para tanto seguiam juntos o seu proprietário e 19 empregados, contratados para preparar as

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refeições em todos os trajetos, tanto nos marítimos como nos terrestres. Esta trupe é aumentada pelas lideranças e pelos jornalistas locais quando da chegada à capital do Paraná, depois de subirem a Serra do Mar deslumbrados com os feitos da engenharia moderna. Entre os novos excursionistas estava o secretário de Viação do Paraná, Cândido de Abreu, representando o governo. Saem em comitiva da estação de Curitiba às 23 horas do dia 15 de dezembro, viajando a noite toda no trem especial da Estrada de Ferro do Paraná, fazendo uma parada rápida na Serrinha, para café e doces. Chovia, mas isso não atrapalhou em nada a viagem aos Campos Gerais, o trem levando o tempo normal de 7 horas para vencer os 199 quilômetros de trilhos. Eram 6 da manhã quando pararam na Estação Ponta Grossa, em pleno alvorecer, o que

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reforça a significação do novo. A comitiva foi recebida em grande estilo. Não eram as pessoas apenas que estavam sendo esperadas, mas também o trem da Estrada de Ferro do Paraná, que fazia a primeira conexão com o novo prédio e a nova linha, extremamente moderna, tornando o outro sistema subitamente superado. “A estação estava ornamentada com folhagens, bandeiras e galhardetes. A bandeira portuguesa estava ao lado da brasileira [...]. Muita gente na estação e uma banda de música. O povo aclamou os visitantes dando entusiásticos vivas”, diz a matéria (“E. de F. São Paulo–Rio Grande”) do jornal curitibano Diário da Tarde em 20 de dezembro de 1899. Foi neste clima matrimonial que a estação passou a operar. Chama a atenção neste depoimento a presença da bandeira de Portugal, sugerindo a força dos lusitanos na vida social e econômica daquele Paraná ainda no século XIX. Haverá também bandeiras de diversas nações que estavam mudando o nosso perfil étnico. De Paranaguá a Ponta Grossa, a viagem vinha em um clima de crença na beleza técnica.

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Ernesto de Senna, o representante do Jornal do Comércio, seguindo a convenção da época, descreve as obras de engenharia, principalmente as pontes sobre precipícios, como obras de arte – estes termos serão recorrentes em muitos documentos. O prazer estético não estava na natureza nem nos museus. O conceito de belo passa a funcionar ligado a produtos mecânicos. Lembremos que, iniciada em 1887, a Torre Eiffel foi concluída em 1889, criando outro padrão de êxtase contemplativo. Era por este parâmetro industrial que se guiava o jornalista em um período positivista de crença na ciência e no progresso. Quando ele vê a estação, define-a como “magnífico edifício”, e faz a descrição minuciosa de suas dimensões e equipamentos. Já o jornalista do Diário da Tarde, menos induzido pelos festejos da viagem, ousa um reparo ao edifício, achando-o bonito mas pequeno, no que ele tinha razão, pois logo em seguida, em 1908, serão necessários acréscimos laterais ao prédio inicial: “A

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estação não é espaçosa mas foi construída com arte; no interior notam-se colunas de suporte”. Em linguagem telegráfica, ele avalia o corpo inicial do prédio, insuficiente para o fluxo que se esperava. A inauguração, no entanto, não aconteceu na plataforma nem no interior – apertado – da estação. E começou com uma atitude diplomática do presidente da Câmara de Ponta Grossa (cargo equivalente ao de prefeito), Ernesto Vilela, que conduz os convidados para um arco levantado na artéria urbana criada para dar acesso à estação. O arco foi construído com pequenos arbustos e coberto de folhas e flores. Na mesma via, instalou-se o coreto diante do novo edifício. “Distante 150 metros da estação notava-se uma arcada de altura e dimensões fora do comum: chamou-nos desde logo a atenção. Era daí que se devia assistir à inauguração”. A grandiosidade do momento foi traduzida neste portal comemorativo. Havia ali uma surpresa para o dirigente maior da empresa de engenharia. A via que colocaria a estrada de ferro e a cidade em contato ganhou o seu nome – Avenida

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Fernandes Pinheiro. Era um agradecimento ao homem que ajudou a reinventar Ponta Grossa a partir do traçado ferroviário. Homenagem justa, com novos desdobramentos ainda nesta ocasião. A solenidade aconteceu ao som triunfal da banda Aurora Ponta-grossense, sob a direção de Manoel Cirilo Ferreira, que anunciava aos visitantes os talentos da terra3. Depois do discurso de Ernesto Vilela e de o vigário (João Baptista de Oliveira) benzer a estação, às 8h30, todos tomaram o trem e foram conhecer as “máquinas locomóveis” nas oficinas, na Colônia do Pelado, área que depois seria conhecida como Bairro de Oficinas. A descrição feita pelo jornalista de Curitiba revela a valorização de alguns itens. A rapidez e a beleza (é também uma obra de arte da indústria): as máquinas “se as-

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sentam em 6 rodas, são bonitas e vencem 35 quilômetros por hora”. Segurança, uma vez que toda tecnologia no início assusta: “Os carros de passageiros assentam sobre material rodante de primeira ordem. O sistema das molas e o modo porque estas assentam sobre os eixos tornarão os descarrilamentos muito difíceis: pode-se viajar sem medo”. O conforto: “Os carros são espaçosos, bem iluminados; assentos de estofo cobertos de palhinha. Cada carro tem um lavatório com pedra de mármore e espelho de cristal”. Será nesses vagões que os passageiros começarão a fazer as viagens na nova estrada, usufruindo de tais modernidades. A descrição que Ernesto Senna faz da oficina é mais minuciosa, e merece ser lida: “... vasto e arejado prédio de 38,5 metros de comprimento por 31,5 de largura, ocupando uma área de 1.800 metros quadrados. É construída sobre colunas de ferro e paredes de tijolo, travejamento de pinho do Paraná, coberta de folhas de zinco”. O edifício “forma cinco naves apenas separadas pelas colunas que sustentam a sua cobertura; é perfeitamente arejado e recebe luz em abundância, e todo o seu recinto é

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fechado tendo a ele ligado em uma das faces outro edifício destinado aos escritórios da Locomoção. Um desvio da linha atravessa o edifício de lado a lado” (p. 97-98). As

A história das bandas de Ponta Grossa guarda uma rivalidade bem conhecida. A agremiação que deu origem a esta tradição musical era a Banda do Seu Camargo (Joaquim José de Camargo), fundada em meados de 1800, e que teve um papel muito importante na cultura da cidade. Com a morte de seu fundador, em 1878, há uma dispersão dos músicos, até que eles se reorganizam em dois grupos. De um lado a Banda do Neco (Manoel Cirilo), a Aurora Ponta-grossense, que tinha um lugar de apresentação oficial, o Teatro Sant’Anna –; do outro lado, a Lyra dos Campos, organizada em torno do russoalemão Jacob Holzmann e que não encontrava lugares públicos de apresentação. A rivalidade entre eles não era só artística, mas também política, pois a Aurora estava vinculada à maçonaria liberal, no poder por conta da República, enquanto a Lyra dos Campos atuava ao lado dos conservadores. Assim, era natural que o momento maior daquele início de uma era ocorresse ao som da Aurora, até porque Manoel Cirilo era irmão do delegado José Colares, e representava a elite portuguesa, enquanto Jacob Holzmann trazia a força dos imigrantes recentes.

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NO TEMPO DO TREM


descrições minuciosas dos equipamentos dão continuidade ao relato. Falar de técnicas de construção, de máquinas e de engenharia era a forma de afirmar um ingresso no consumo dos objetos modernos importados, metonímias da civilização industrial. E o jornalista vai listando as máquinas das fábricas inglesas, os aparelhos de telégrafo de origem francesa e as locomotivas e vagões (que eles nomeavam como material rodante) norte-americanos. Estas qualidades de origem exibiam aqui a modernidade, dando à estrada de ferro um valor contemporâneo. Um dado interessante. Como as fábricas previam o uso de carvão mineral para as locomotivas, artigo caro e ainda raro naquele Brasil, elas tiveram que sofrer adaptações nas fornalhas, que foram ampliadas, para o uso da lenha, abundante na região, como combustível. Depois de o vigário benzer as oficinas, onde pendiam os grandes nomes de personalidades da ciência, todos entraram nos vagões puxados pela máquina Itararé, enfeitada com ramos, flores e bandeiras, e fizeram a viagem inaugural do trecho Ponta Grossa–Piraí

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do Sul. A banda tocou no trajeto, enquanto a comitiva, engordada pelas autoridades locais, contemplava os campos à margem. Às 12h30, chegavam à estação de Castro, onde 108 pessoas almoçaram nos armazéns adjacentes, em um banquete preparado pelos profissionais da Confeitaria Colombo. Um pedaço do Rio de Janeiro aristocrático nos era apresentado como deferência, em uma relação que não podia ser ignorada – a estrada começa a nos colocar em contato com o maior centro urbano do Brasil. Às 15h30, estacionavam em Piraí do Sul para novos festejos, mais discursos e mais um banquete, até chegar a noite e começar o retorno, em clima de euforia ainda, pois era noite de eclipse lunar. A dimensão acanhada daquela Ponta Grossa se faz então evidente. Não havia quarto

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de hotel para todas as pessoas da comitiva. Alguns conseguiram lugar para dormir em casas particulares e muitos passaram a noite nos confortáveis carros de passageiros da empresa. O que facilitou a vida destes, pois, às 6h30, o trem partia para Rebouças no mesmo ritmo triunfal, com a Banda Aurora Ponta-grossense a bordo, para ir inaugurando as estações do caminho, com paradas para saudações, discursos e vivas. Entre as gares, estava a de Fernandes Pinheiro, mais uma homenagem ao presidente da Companhia que, como diz Senna, com mão de ferro, diminuiu o percurso original da linha, economizando o dinheiro dos acionistas, enfrentou chuvas e outros percalços, para que o tráfego nestes dois trechos fosse possível. Voltam a Ponta Grossa no começo da noite e tomam os trens mais rústicos da Estrada de Ferro do Paraná. Ernesto Senna reclama que foi impossível dormir no retorno, porque não havia conforto naqueles carros que, postos a funcionar pouco mais de uma década antes, já eram coisa do passado.

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Se não esteve presente nas festas, o governador recepcionará os convidados em Curitiba. Nomeado interinamente em 10 de maio de 1899, Santos Andrade concluiria a sua breve permanência à frente do estado dois meses depois, em 25 de fevereiro de 1900. O próximo mandatário iria ser eleito em comícios populares, valendo-se das estradas de ferro para chegar ao povo. As distâncias começavam, de fato, a ser vencidas.

NO TEMPO DO TREM


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Um dos primeiros registros fotográficos da Estação Ponta Grossa, no início da década de 1900, captados em duas imagens, em negativo de vidro, apresentado neste livro como uma foto única – Registro de F. Lange (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Registro fotográfico da Estação Ponta Grossa, no início da década de 1900 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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TEMPO DE MULTIDÕES

T

erminada a eleição de 1900, o Diário da Tarde de 20 de fevereiro noticia uma viagem especial do governador vitorioso. Ele vai de trem até a sua cidade natal, e será conduzido triunfalmente de volta a partir de Ponta Grossa.

Maior defensor e grande responsável pela interiorização paranaense das linhas férreas, administrador com visão de futuro, o Dr. Xavier da Silva reconquistava o poder com grande aprovação popular. E teatralizava um trajeto-espetáculo saindo de Castro até Curitiba como uma forma de valorizar a sua região. Há toda uma mensagem nesta viagem. Ele deixa a capital no dia 21 de fevereiro de 1900 para ser recepcionado em Ponta Grossa e Castro, voltando a Curitiba no dia 22. O novo governador quis criar um vetor político que representasse a nova realidade, do interior para a capital, reproduzindo o movimento de sua própria biografia.

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Isso exigiu deslocamentos de autoridades. O jornal revela que o ajudante de ordem do general foi enviado à Estação Central de Ponta Grossa, para recepcionar o ilustre viajante, quando ele chegasse de sua cidade, antecipando os cumprimentos de toda a oficialidade, que o esperaria em Curitiba. A Estrada de Ferro do Paraná e a Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande ofertaram trens especiais para esta viagem solene. O novo líder era um dos pais das ferrovias paranaenses e se locomovia em trens pelo interior do estado. Voltando às origens depois da campanha, seria recebido em festa na capital. Mas as festas aconteceriam em todas as estações, tanto na ida, que era uma viagem à terra primeira, quanto na volta, a marcha mecânica para o cargo conquistado em comícios populares.

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Quando soou a hora da partida de Curitiba, todos os correligionários que acompanhavam o político se sentiram alegres, como se o seu governo, oficialmente a partir do dia 26 de fevereiro, na verdade começasse com aqueles primeiros giros das rodas do trem. Saíram às 5h50, sob forte neblina, que aos poucos ia deixando surgir uma paisagem que se descortinava pelas janelas. A neblina também ajudou cenograficamente a dar esta ideia de um alvorecer do Estado. Lancharam na Serrinha às 8h45 e, de estação em estação, sob um sol (neblina que baixa, sol que racha – diz o provérbio) que dava um brilho especial à paisagem, seguiram, passando por Palmeira, para a Estação Paraná, aonde chegaram às 13h35. Havia banda nesta primeira recepção, e muita gente aglomerada na plataforma para saudar o governador que logo tomaria posse. Este, com seus amigos mais próximos, tomou o trem da São Paulo–Rio Grande para Castro às 4h50, vencendo os 57 quilômetros em pouco mais de duas horas.

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Pessoas também o aguardavam naquela estação e novos vivas emanaram do povo. Em seguida, foi recebido na casa do chefe político local, o republicano Olegário de Macedo, que ofereceu a trinta convidados uma mesa de vinho e doces. Depois de alguma timidez inicial, e já sob o efeito do vinho, a “válvula dos brindes” foi aberta. Ao todo, foram 43 saudações ao filho dileto da cidade. Passando a noite em sua casa, o Dr. Xavier da Silva acordou cedo para tomar o trem de volta a Ponta Grossa às 4h30. Na frente de sua residência, inúmeros conterrâneos o aguardavam para novas saudações. E mais gente ainda ele encontraria na estação, na hora da partida, no trem especial, puxado pela máquina nº 5, a mesma Itararé do dia da inauguração. Passando pela Estação do Tronco, foi recebido com grande foguetório, em uma manifestação deste novo elemento da política estadual, o povo.

NO TEMPO DO TREM


Às 7 horas, todos apearam na plataforma de Ponta Grossa para o início propriamente dito da viagem governamental rumo a Curitiba, com a escolta de honra das autoridades locais e das que vieram da capital para conduzir o homem que agora já se revestia do novo cargo. A viagem funciona como a posse popular do governador. Foi pensada como uma solenidade pública e itinerante de transmissão de poder. A partir de Ponta Grossa, Francisco Xavier da Silva começava o caminho rumo ao cargo que ocuparia pela terceira vez, mas agora sob os aplausos populares. Autoridades, bandas de música, discursos, gente, muita gente aglomerada na estação para impulsionar com vivas o político, que depois do almoço na casa do coronel Vicente Bittencourt foi escoltado pela banda de música até a estação. E assim continuaram as festas. Em Palmeira, o vagão especial foi invadido por confetes. Na capital, é recebido por perto de 3 mil pessoas, uma multidão que o ovacionou e o acompanhou até o hotel. O cronista do Diário da Tarde, assim como o jornal totalmente pró-governador, lembra “que nunca assistiu em Curitiba uma manifestação popular mais brilhante”. Exagero ou não, o fato é que Xavier da Silva inaugurou um tempo em que a

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política se faria com multidões, em uma proximidade com o poder até então impensável. A estrada de ferro era uma das responsáveis por isso. Os governadores viajavam e as estações, pequenas e grandes, serviam para este contato. No interior, o poder deixa de ser uma instituição abstrata. Na parada de volta na Serrinha, para uma cerveja, Xavier da Silva e seus acompanhantes foram fotografados pelo alemão Max Kopf (18751956), que fazia imagens das ferrovias paranaenses. Depois, ele fotografou o trem em que a comitiva viajava. O trem se torna um componente importante da história política do Paraná.

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Estação Roxo de Rodrigues vista a partir da Rua Fernandes Pinheiro (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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A DANÇA DOS NOMES

B

atizada como Estação Ponta Grossa no dia 16 de dezembro de 1899, o prédio teria esta designação por pouco tempo. Em 30 do mesmo mês, toda a diretoria da E.F.S.P.R.G. pede demissão, por não ter mais o apoio dos

acionistas, que, segundo Senna, queriam receber como lucro o montante economizado com o encurtamento dos trilhos. O clima de adversidade depois dos festejos tão recentes revela que tudo era uma despedida. Um novo presidente é escolhido pelos acionistas majoritários, o Dr. Antonio Roxo de Rodrigues (também conhecido como Roxo Roiz). A homenagem que a cidade fez, alguns dias antes, para o presidente agora em ostracismo é um embaraço. Não se podia mudar o nome da Avenida Fernandes Pinheiro – personalidade de memória incômoda que ainda tinha, na linha sul, uma estação.

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A solução encontrada foi batizar a estação em consonância com o atual presidente, e assim ela ganha o seu segundo nome, tornando-se Estação Roxo de Rodrigues, deferência a quem muito poderia fazer para a cidade. As ampliações do trecho continuaram, a cidade absorveu muito da demanda de serviço e de produto para a empresa, cresceram os estabelecimentos de indústria e comércio. Surgiram novos hotéis. E o tempo de progresso fez o que ele sempre faz, mudou hábitos e ritmos de vida. Em 1906, com a venda das ações da empresa para a Brazil Railway, do Sindicato Farquhar, o nome Estação Roxo de Rodrigues também passou a soar desatualizado.

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O homenageado não era mais o presidente da empresa. Havia, portanto, um conflito simbólico. A estação, já a principal do Paraná, tinha que sofrer novo batismo. O que fazer, entretanto, com o nome do ex-dirigente da companhia? Não podia ser completamente anulada a homenagem, o que demonstraria falta de respeito ao seu papel na ampliação da ferrovia. A saída encontrada foi transferir a homenagem a uma estação secundária logo depois da cidade, que passou a usar o outro nome do capitalista. É assim que surge, na cartografia ferroviária, a estação de Roxo Roiz, representando o apequenamento de uma figura principal, relegada a uma estatura menor. Ainda hoje, nomeia a localidade. As mudanças de denominações eram uma prática muito comum no Brasil daquela época em regiões ávidas por benesses. Este é tema de uma coluna do Diário da Tarde de 2 de outubro de 1909, na seção “Atualidades”. Tratava de um ato do então minis-

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tro de Viação, o engenheiro Francisco de Sá, que proibira dar às estações ferroviárias, colônias etc. o nome de pessoas vivas, priorizando os acidentes locais. O jornalista lembra que “as homenagens que se pretende prestar às pessoas cujos nomes vão enfeitar as localidades raramente obedecem a um intuito de caráter nobre”. Atenderiam a interesses do momento, fazendo parte da arte da lisonja com o intuito de obter favores. O jornalista cita o caso de Ponta Grossa, cuja estação fora renomeada afoitamente. Escolhia-se o nome de uma pessoa com poder para batizar as localidades, não se buscando reconhecer os grandes servidores da pátria e da humanidade. A Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande seria notória nestas mudanças, pecando por lesa-geografia, pois estava sempre tornando inatual a corografia paranaense. “O sr. Roxo de Rodrigues pode ser um grande homem para a referida empresa, mas

NO TEMPO DO TREM


não passa de um homem de negócios, a quem a empresa faz, ou pelo menos fazia, o máximo de empenho em render homenagens de todo o gênero. No entanto, chega-se ao cúmulo de tirar à estação de Ponta Grossa a sua legítima e única denominação possível para dar-lhe a de Roxo de Rodrigues”. O artigo segue citando casos parecidos para terminar com uma recomendação do 1º Congresso Brasileiro de Geografia, que estava acontecendo no Rio de Janeiro, e que votou uma moção com o seguinte teor: “O 1º Congresso de Geografia reprova e condena o costume que se está estabelecendo entre nós de mudar e alterar antigas denominações de origem histórica ou tradicional, ou resultantes das feições dos mesmos acidentes geográficos – denominações já consagradas pelo longo uso e pela literatura geográfica –, por nomes novos, geralmente inspirados em preocupações pessoais de momento, que estão ameaçando transformar a nossa nomenclatura geográfica em uma carta de nomes próprios sem relação com os acidentes ou localidades a que são aplicados”.

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É neste contexto, após 1906, que a Estação Ponta Grossa estabiliza seu nome.

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Estação Ponta Grossa, em 20 de maio de 1907. Registro de F. Lange (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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O segundo nome da estação, outrora chamada Ponta Grossa, passou a ser Roxo de Rodrigues, em referência ao presidente da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande do Sul (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Vista lateral da estação e da Rua Fernandes Pinheiro, em 1910 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Plataforma de embarque da Estação Roxo de Rodrigues (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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NO TEMPO DO TREM


TEMPOS DE CONFLITOS:

1907 – 1940

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O SINDICATO FARQUHAR

A

s estradas de ferro da região Sudeste criavam conexões com a região Sul. Mas empresas diferentes (com projetos diferentes e outra temporalidade administrativa) dominavam estes amplos territórios. Se este modelo multi-

focal gerava problemas com a bitola dos trilhos ou com descompasso da qualidade dos maquinários, a diversidade garantia frentes paralelas de construção de linhas e independências regionais para os projetos. A E.F.S.P.R.G. é um exemplo deste trabalho em trechos que partiam de vários pontos dentro do traçado original. Atendendo a esta lógica, Ponta Grossa servia de sede da empresa, o que deu uma grande importância à cidade, fazendo-a um polo operário, comercial e industrial. A

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divisão do trajeto e os futuros ramais produziam uma maior abrangência do impacto desenvolvimentista. O modelo, portanto, tinha função descentralizadora, que podia ser observada nesta independência que Ponta Grossa viveu em relação à capital do estado nos anos iniciais da ferrovia. A primeira década foi a fase mais heroica, de um empreendedorismo que poderíamos chamar de romântico, comedido em seus planos de exploração de uma região cobiçada por suas riquezas. Acabou sendo breve este estágio, com pequenos trechos abertos com atraso, inaugurações em clima de festa e uma crença de que o progresso só trazia coisas boas. Poderíamos dizer que este período entusiástico, em que a estrada de ferro figurou como promessa de uma Ponta Grossa mais justa, vai de 1894 a 1906. Nesta quadra, tudo era novo, alvissareiro e agradável. A cidade se engajava

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como um todo nesta crença de um futuro mais democrático, com empregados com alguma chance de independência pelo trabalho, com pequenos empresários encontrando novas formas de produção e com grandes fortunas diversificando as suas atuações. Há um pacto social implícito, em que todos estão unidos pela Ponta Grossa industrial e moderna, coração pulsante da grande ferrovia que criaria um vínculo direto com São Paulo. A partir da entrada do empresário estadunidense Percival Farquhar (1864-1956), o maior investidor privado do Brasil entre 1905 e 1918, tudo se modifica e começa uma negativação da ferrovia, em paralelo com a crença no seu poder civilizador. Ele vinha da construção da primeira ferrovia transcontinental das Américas – a Canadian Pacific Railway – e era alimentado por uma avidez nunca vivida no país. Os resquícios de um romantismo desenvolvimentista que marcavam a implantação do sistema ferroviário do Paraná desaparecem completamente, como veremos. Entrávamos no campo das grandes corporações que buscavam o lucro a todo custo e o mais rápido possível.

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Farquhar chega ao Brasil em 1904, com a criação da Ligth and Power of Rio de Janeiro, com o privilégio de distribuir energia elétrica na capital federal. Logo cria The São Paulo Railway Light and Power, para atuar com fornecimento de eletricidade e transporte urbano. O truste de Farquhar cresce quase como que magicamente. No ano seguinte, funda a Porto of Pará e a Brazil Railway Company, tendo como projeto megalomaníaco a integração da América do Sul pela ferrovia. A metáfora que se usa para definir este grande conglomerado é a de um polvo, cujos tentáculos se estendem por todos os lados. Entre 1907 e 1912, construiu a Ferrovia Madeira–Mamoré e fundou a Companhia de Navegação do Amazonas, a Amazon Development Company e a Amazon Land & Colonization Company. Com estes planos visionários, não podia deixar de se interessar pelo complexo de estradas de ferro que estava sendo estabelecido no Brasil meridional. E usou os mé-

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todos mais ferozes do mundo dos negócios. Dominou primeiro a Estrada de Ferro Sorocabana, arrendada sem concorrência. Obteve também o comando da Estrada de Ferro Mogiana e da Estrada de Ferro Paulista, conquistadas pelo controle acionário. Depois se assenhorou da Companhia Docas de Santos, tornando-se o dono do transporte nesta região do Brasil. Com isso, foi sufocando as demais empresas, não permitindo que chegassem a elas, a preços compensadores, os produtos ou insumos necessários para a conclusão das obras e a circulação de passageiros e mercadorias. Com esta estratégia de guerra – cercar os adversários –, acabou submetendo ao seu comando a Companhia Auxiliare (que controlava a Viação Férrea do Rio Grande do Sul), todas as ferrovias do Paraná e a Estrada de Ferro Tereza Cristina, no Sul de Santa Catarina. A E.F.S.P.R.G. entrou neste pacote, passando a pertencer ao Sindicato Farquhar, que se comprometeu a agilizar a construção dos trechos faltantes, para explorar quanto antes a linha tronco e seus ramais.

61 Como podemos ver, velocidade era algo que o grupo dominava. Entre 1904 e 1906, já tinha praticamente o controle das empresas férreas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. E continuaria ampliando este domínio em outras regiões do país. É assim que a Brazil Railway se instala em Ponta Grossa para concluir a qualquer preço e o mais rapidamente possível a grande artéria, sem se preocupar com traçados mais curtos – não só por receber por quilômetro construído mas também pelo direito a explorar as terras devolutas às margens da linha, alterando os modos de vida locais. Começam com Farquhar os conflitos entre a população e a Estrada de Ferro, que se torna um poder paralelo, maior do que as instituições.

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Viajantes em frente à estação, em 24 de julho de 1918 (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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Cartão postal da Estação Ponta Grossa (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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Em 4 de abril de 1909, poucos meses antes de seu falecimento, o presidente da República Afonso Pena desembarcou na estação de trem, em Ponta Grossa (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

NO TEMPO DO TREM


O TREM PAGADOR

E

m 1908, a Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande era trafegada pelo território paranaense em uma extensão de 570 quilômetros, indo de Itararé a São João. A parte pronta era dividida em três trechos: Itararé a Ponta Grossa:

250Km; Ponta Grossa a União da Vitória: 266Km; União da Vitória a São João: 52Km. Havia a urgência de se concluir quanto antes a ligação, e para tanto estava em prática um novo procedimento gerencial. Depois que a Brazil Railway assume a empresa, o sistema de trabalho passa a ser pela terceirização de pequenas extensões a empreiteiros locais, criando múltiplos canteiros de obra, dominados por mão de ferro pelo engenheiro Achilles Stenghel. Para estes novos trabalhos, foram instalados 18 grandes armazéns, onde ficavam os materiais necessários e escritórios. Para a linha, afluíram legiões de trabalhadores locais e de outros estados – chegando o empreendimento a contar com 8.000 homens. A região, tida como uma área de sombra, abrigava trabalhadores braçais, posseiros, foras da lei, comunidades esquecidas pelo governo e que viviam dentro de uma lógica da justiça com as próprias mãos. A ferrovia entrava em áreas até então isoladas, criando conflitos, despertando cobiças, modificando as formas tradicionais de existência. As tensões entre os trabalhadores de fora e os moradores da região eram frequentes. Os peões contratados para abrir as estradas também se insubordinavam por conta de um regime quase de escravidão imposto pela empresa. Tal sistema exigiu que o engenheiro criasse um

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Corpo de Segurança próprio, para impor as vontades da Brazil Railway, acirrando ainda mais os ânimos: “O Corpo de Segurança, de aproximadamente 80 homens, montados, fortemente armados, garantia a ordem mesmo à força. A companhia não efetuava os pagamentos em dia, e as condições de trabalho eram mínimas. As manifestações de protestos dos operários eram reprimidas severamente pelos homens da segurança, que empregavam a violência com tranquilidade”, diz Nilson Thomé em Trem de ferro (p. 95). Neste contexto, em 1909, acontece um episódio que é um misto de bandidagem e vingança. Um desses empreiteiros contratados era o comerciante José Antônio de Oliveira, conhecido como Zeca Vacariano, fixado em Pinheiro Preto, então distrito de Videira (SC). A ele coube a construção de dois trechos de dois quilômetros da nova linha. Como tinha contratado um grande número de pessoas e como o pagamento por

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metro construído era baixo, Vacariano não conseguiu honrar os compromissos com os operários, que o pressionam. Era uma ocorrência comum neste modelo o descumprimento das obrigações por parte dos contratados. A empresa geralmente entrava em ação para obrigar o acerto. Assim, havia também a pressão da Brazil Railway sobre Vacariano. Imaginemos o que era dever dinheiro a homens rudes, afeitos a aventuras e violências, em uma região ainda regida pela palavra de honra, e a uma empresa insensível, que mantinha uma polícia própria. O comerciante seria provavelmente morto se não quitasse as dívidas. Neste clima, ele arquiteta um plano que ficará para a história da ferrovia do Brasil. O dinheiro dos pagamentos para os milhares de trabalhadores viajava em trens. E

NO TEMPO DO TREM


eram somas muito altas. Por acompanhar por dentro todo o mecanismo, Vacariano conhecia o caminho das remessas, e as fragilidades a que o transporte estava exposto. Reúne assim um grupo de jagunços, tarefa fácil em uma área em que eles eram abundantes, e prepara uma tocaia. O trem pagador deixara em Ponta Grossa, então sede da Brazil Railway, trezentos e setenta e cinco contos e trezentos réis, uma verdadeira fortuna. Os malotes são guardados nos escritórios da companhia para seguir viagem até os pontos onde estavam os empreiteiros. Não poderiam ir pela via férrea, obviamente, porque esta ainda se encontrava em construção. A única forma de alcançar estes lugares então remotos era por meio de montarias. Dessa forma, tal como na época dos tropeiros, os cofres foram levados em lombo de mulas por uma equipe liderada pelo pagador oficial da empresa, Henrique Jorge Baroni, e pelo engenheiro Ernesto Kayser, que se fizeram escoltar por três seguranças. Na altura do hoje km 208 da linha União da Vitória–Rio Uruguai, no dia 24 de outubro

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de 1909, acabaram emboscados pelo bando de Zeca Vacariano, em superioridade de homens (mais de duas dezenas), que disparam contra a pequena e imprevidente comitiva. Tudo é meio suspeito. Kayser e Baroni viajavam longe do cargueiro com o cofre, por isso são presos em um rancho, sem sofrer maiores perigos. Os seguranças acabaram mortos e o dinheiro passou para a mão dos revoltados. O episódio no mínimo mal contado movimenta o jornalismo local. Achilles acusa um dos fazendeiros da região (coronel Manoel Fabrício Vieira) de ser conivente com os assaltantes. A troca de ofensas cria uma peça de acusação pública que mostra o clima de terror utilizado pelo engenheiro para concluir a linha. No dia 13 de novembro de 1909, o coronel Vieira escreve uma carta ao jornal O Progresso (que depois viraria

Diário dos Campos) para denunciar os desmandos do engenheiro, definido como o

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Robespierre da Brazil Railway. Ele o descreve como um homem feroz e extremamente impiedoso, que submetia seus desafetos a castigos corporais, controlando os trabalhadores pelo terror e pelo sangue. O jornalismo paranaense, que só tinha elogios para as ferrovias, começa a se posicionar criticamente neste momento de hegemonia total do Sindicato Farquhar. A postura independente do jornal leva à sua proibição na Estação Calmon, sede do domínio de Achilles. Enquanto prevalece esta imparcialidade, e logo a veremos em outro episódio, a empresa tenta controlar a circulação da folha. A manifestação mais contundente de Manoel Fabrício Vieira foi publicada em O Pro-

gresso do dia 13 de novembro de 1909, na seção “Tribuna Livre”, com o título “Eu e Achilles Stenghel”, e desnuda não apenas o personagem em questão mas também os métodos da empresa. “É sabido que Achilles Stenghel, no exercício de seu cargo, plantou o regime de terror entre os trabalhadores e empreiteiros; é sabido que Achilles Stenghel é caprichoso,

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violento e irascível; é sabido que ele, antipatizando com um trabalhador ou teifeiro, cerca-o de todas as dificuldades, persegue-o, manda espancá-lo, se tem pagamentos, enfim, coloca o pobre homem na dura emergência de abandonar a estrada sem recursos e na miséria”. A repetição da expressão “é sabido” situa bem a fama do engenheiro em toda a região, dando ao texto um caráter de confirmação de seu histórico. O coronel devolve a acusação, dizendo que na verdade Achilles Stenghel sente raiva de Vacariano por não ter sido ele, o engenheiro, a executar o plano do assalto. E deixa subentendido que a Brazil Railway tirava dos trabalhadores o fruto de seu ganho, e que o roubo guardava um caráter justiceiro. Vacariano teria apenas sido “obrigado a ir roubar o que era seu”. O fato é que nunca foi preso o grupo de assaltantes, e nada provado contra o

NO TEMPO DO TREM


coronel Vieira. Como a região era de matas, pouco habitada, e como os jagunços sabiam se mover nela, permaneceram impunes apesar das perseguições e buscas feitas pelas forças federais e estaduais. A intimidade total com o meio será marcante na história desta região quando a população reagir à invasão de seu território. Este assalto já apresentava em semente os conflitos que desencadeariam a Guerra do Contestado (1912-1916), com gente do povo se rebelando contra o estrangeiro que explorava suas riquezas e sua força de trabalho. A figura de destemidos que enfrentam os poderosos acabou dando uma aura vingativa aos assaltantes, uma revolta contra o sistema de escravidão da empresa. O fato é que este figura como o primeiro assalto ao trem pagador do Brasil, uma modalidade criminosa nova, própria dos tempos da ferrovia, e que se notabilizará no futuro, tornando-se um tema cinematográfico, uma vez que a circulação de grandes quantias de dinheiro criava oportunidades aos bandidos.

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Entrávamos definitivamente no século XX. A companhia teve que terminar o trecho abandonado por Zeca Vacariano, o que gerou um atraso de dois meses na obra. Mas, em 12 de julho de 1910, a linha chegava às barrancas do Rio Uruguai e, em abril de 1911, dava-se a integração total entre São Paulo e Porto Alegre (2.152 quilômetros), tanto pelos trilhos quanto pelos postes para os telégrafos. A viagem toda levava setenta horas com locomotivas que, neste período, já trafegavam a 50 quilômetros por hora.

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Jornal O Progresso, de 26 de outubro de 1909, traz a matéria “Assalto e mortes”, fazendo relato do assalto ao trem pagador da Brasil Railway Comp. (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


A FACE FEIA

P

assado o período publicitário, e estando a estrada em funcionamento, aflora a face realista do empreendimento, que deixou de ser promessa de futuro esplendoroso para se apresentar tal como era, com os problemas

nascidos da avidez pelo lucro de quem a construía. O jornalismo se faz agora de combate, em atrito com os interesses da E.F.S.P.R.G., que deixa de figurar apenas como a heroína do desbravamento do sertão, ocupando o papel paralelo de vilã. O primeiro registro de uma campanha contra a empresa é de 1909, e aparece sob um título que se repetirá em várias edições – “Os mundéus da São Paulo–Rio Grande”. Mun-

déus seriam os trechos da estrada prestes a desmoronar, levando ao acidente. Longe da

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promessa da viagem segura que se esperava dos trens, esta estrada, nos trechos finalizados pela Brazil Railway, parca em obras de engenharia, cheia de curvas, com pontes precárias, constituía-se, nas palavras do jornalista, em “oficinas de desastres” (6 de julho de 1909). A lista de descarrilamentos será grande, com mortes, geralmente do maquinista ou do foguista, com prejuízos materiais e com os consequentes atrasos. Outro problema apontado pela redação é que os trens de passageiro da Sorocabana transitavam nos trilhos da E.F.S.P.R.G., que não eram apropriados para esse tipo de material rodante. Além disso, havia muitas subidas e descidas, uma vez que se economizou na abertura de túneis e na construção de pontes. O trecho mais criticado é a recente ligação entre Jaguariaíva e Itararé, apelidada pelo

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jornal de “linha-monstrengo”. Teria sido mal projetada, pondo os viajantes e os funcionários em risco. No dia 1º de julho de 1909, o jornal transcreve a opinião de Paulo de Frontin, engenheiro do governo, que definiu o traçado da linha norte como mais “uma estrada condenada”. Sob a administração de Percival Farquhar, finda a tradição das obras de arte da engenharia que tanto orgulhavam os políticos. As distâncias cresceram, as intervenções técnicas diminuíram e os trilhos se fizeram perigosos. Outro problema decorrente em parte desta precariedade e em parte da falta de uma efetiva integração entre a Sorocabana e a São Paulo–Rio Grande era que na divisa dos estados as mercadorias tinham que pagar novos fretes, o que encarecia os produtos vindos de São Paulo e desvalorizava aqueles que o Paraná mandava para lá. Como havia a necessidade de mudar de via férrea, os produtos eram obrigados a pagar o armazenamento na divisa. Mas não era apenas este o problema dos fretes. Com o domínio total das ferrovias de

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toda a região, o grupo estrangeiro tabelava os transportes da forma que queria, o que encarecia as atividades comerciais que dependiam da rede ferroviária para exportar seus produtos. No dia 21 de setembro de 1909, O Progresso aponta este empecilho para a remessa a Paranaguá da produção local de erva-mate. “A Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande mais que outra estrada onera extraordinariamente as mercadorias”. Volta ao tema no dia 4 de dezembro, lembrando que, apesar do funcionamento das ferrovias, o transporte dos produtos é feito preponderantemente por carroças e bois. No dia 11 de dezembro, o inacreditável se manifesta: o sistema ferroviário é declarado como um obstáculo econômico – “O grande empecilho ao progresso do Paraná tem sido as suas estradas de ferro”. Além de cobrar muito caro pelos fretes, a empresa não se responsabiliza por danos ocorridos nos produtos, como contaminação e umidade, além de sempre haver roubo de parte da carga. Os casos de omissão da empresa serão comentados ao longo dos anos.

NO TEMPO DO TREM


Estes problemas vão se agravar quando a Brazil Railway começar a exploração da madeira por meio de outro braço empresarial, a Lumber. Aumentando o preço do transporte deste produto, ela elimina a concorrência das madeireiras menores, que foram construídas ao longo da linha. Em 11 de julho de 1912, o jornal anuncia que o equivalente a 2.000 vagões de madeira estavam parados ao longo dos trilhos, por conta do preço baixo do produto, que não permitia pagar o transporte. O que era promessa de prosperidade para todos se faz uma forma de dominar completamente as atividades mercantis da região. A questão ganha tal vulto que, em 1909, a Associação Comercial do Paraná imprimiu um memorial do Congresso de Vias de Transporte, em que analisava os preços dos fretes, mostrando como eles impactavam negativamente nas atividades produtivas do estado. O documento é eloquente. Diz que as estradas de ferro “que muito têm contribuído para a prosperidade do Paraná absorvem uma grande parte do trabalho particular sem que correspondam em utilidade às reais necessidades de transporte”. Lembra

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que estas empresas não vêm cumprindo as três funções que justificam a sua existência: a rapidez no transporte, a barateza dos fretes e as facilidades de comunicação. E conclui sobre a S. Paulo–Rio Grande: “Esta estrada que veio desenvolver a atividade comercial e industrial em uma vasta e rica zona do estado pelas suas tarifas e outras irregularidades não vai concorrendo como era de esperar para animar a vida econômica da região que corta” (p. 18). Se indústrias mais lucrativas ainda podem suportar o valor dos fretes, ao pequeno produtor, base da economia paranaense, é proibitivo o acesso a este serviço. Tal quadro leva a um retrocesso: o uso dos carroções, mais eficientes, rápidos e baratos do que o meio de transporte moderno por excelência. A ferrovia, neste momento, é ultrapassada por um sistema rudimentar, ligado a tempos vencidos.

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Vista parcial da Estação Ferroviária repleta de carroções dos alemães do Volga, troles, automóveis e ferroviários uniformizados. Ao fundo, vista da cidade de Ponta Grossa, em 1920 (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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ARQUITETURA INDUSTRIAL

A

pesar das críticas que podem ser feitas à maneira da construção e administração das ferrovias, uma das verdades históricas mais evidentes é que elas fizeram o Paraná se voltar para si mesmo. Na sua avaliação em

1900, Ernesto Senna colocava o estado como um equivalente daqueles que não estavam em zona litorânea: “Se não fora a pequena faixa em contato com o oceano, dever-se-ia considerar o Paraná como um dos estados interiores”. Neste ano, as duas maiores cidades eram Paranaguá (por causa do acesso marítimo) e Curitiba – ambas com aproximadamente 30 mil habitantes. Antonina, também portuária, tinha uns 10 mil. Ponta Grossa, que já havia crescido depois da chegada da ligação férrea com Curitiba, contava com quase 8 mil habitantes. O desenvolvimento passava pelo interior. E a cidade se preparava, tornando-se um

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centro comercial e industrial, “por ser o ponto terminal da Estrada de Ferro do Paraná e o ponto inicial da Estrada de Ferro S. Paulo–Rio Grande”, nas palavras de Senna. Ele encontra a urbe iluminada a querosene, mas destaca que ela apresenta uma estrutura de residências, lojas e indústrias em crescimento: “possui excelentes prédios particulares, três hotéis [já insuficientes, ele logo comprovará], três fábricas de cerveja, uma confeitaria, asseados açougues, quatro curtumes, uma fábrica de cola, uma de conservas e banha, um bom mercado, uma fábrica de cal virgem, quatro de vinho nacional, uma de sabão e velas, uma de cera, dois restaurantes e muitas outras casas de comércio a retalho” (p. 42–43). O pequeno jornal que circulava em 1900 resumia o clima da cidade – chamava-se

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Futuro do Paraná. Ao lado da estação, erguia-se uma fábrica a vapor de erva-mate, dos irmãos A. E. Leão Júnior & C., para beneficiar e preparar o produto para a exportação via porto de Paranaguá. Esta indústria ervateira exibia os mais modernos e aperfeiçoados maquinismos em seus amplos armazéns. Era uma outra cidade que surgia sobre a base colonial. Não apenas edificações residenciais e comerciais brotavam dos terrenos sem asfalto. Uma delas traduz em um plano, digamos, místico, este crescimento. A catedral nova estava em fase de construção (havia sido começada em 20 de abril de 1897, sendo posterior à linha férrea Curitiba–Ponta Grossa), nas dimensões que a cidade começava a sonhar ter. A vastidão dos armazéns encontra assim uma equivalência na igreja, que encantava não só pela beleza como também por suas medidas, minuciosamente descritas por Senna: “Tem ela 50 metros de comprimento, 20 de largura, medindo ao todo 1.000 de su-

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perfície, ficando com uma nave de 700 metros. A arquitetura é composta de gótica e coríntia, tendo na frente quatro grandes colunas isoladas, formando o tímpano sobre a porta maior. A torre, que é no centro, mede 41 metros de altura incluindo a grande pirâmide, que é de 12 metros também de altura, tendo em volta mais oito pequenas pirâmides de cinco metros de altura cada uma. O zimbório tem 31 metros de altura, ficando 25 metros na parte interna à vista, com oito janelas, estando colocado sobre três grandes arcos, três partes dele e a outra sobre a parede que divide a sacristia, sendo seu todo de 38 metros de circunferência. Tem uma boa capela para o sacramento, coro em toda a largura da igreja que é de 18 metros. A altura das paredes no interior, do assoalho ao estuque, é de 14,5 metros do corpo da igreja. O estuque contém 9 metros sobre 23, direto; ao lado 4,5 metros caindo em abóbadas sobre o corpo da igreja, formando cinco velas de cada lado, tornando-se toda em estilo gótico. A altura das paredes exteriores compreendendo as cornijas e platibandas

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mede 17 metros, tendo 25 pirâmides ao redor, de cinco metros de altura cada uma, colocadas sobre as platibandas” (p. 44). Toda uma preocupação do jornalista com as dimensões, com a engenharia do edifício religioso, mostra que ela faz parte deste projeto de dotar a cidade de uma arquitetura grandiosa, que corresponde ao seu sonho de desenvolvimento e de importância política. Fábricas, oficinas, estação, palacetes, catedral. Tal como a estação, a catedral nascia no estilo eclético, ou poliestilo, em uma irmandade de conceito que se deve destacar. Pertencem ao mesmo desejo de fazer uma antologia das modalidades arquitetônicas disponíveis. Poderíamos dizer que começa com a catedral o projeto de verticalização da cidade, que vai tomando corpo nos anos seguintes. Ter edifícios à altura dos novos tempos. Em “O Paraná por dentro: notas de um caixeiro-viajante no Segundo Planalto (in O

Paraná, 30 de novembro de 1911), Muniz de Almeida já encontra o espaço urbano modificado pela paisagem industrial. Ele chega de trem e descreve a visão do

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povoamento da colina central, a maneira como as habitações coloniais vão dando lugar à urbanização que se quer moderna. “As casinholas de madeira que a princípio guardam certa distância umas das outras vão se apertando entre si na medida em que trepam nas fraldas da colina onde se vê, iluminado por um sol magnífico, cuja luz eu desejaria menos brilhante, porém um pouquinho mais quente, as casas da cidade, amontoadas como se dos telhados, quase todos novos, de uma partissem os alicerces das outras” (p. 4). Esta descrição é primorosa. O desenvolvimento da urbe retratado pelo adensamento predial, criando a imagem de uma ocupação acelerada, que não deixava espaços vazios. Reforça a ideia de uma cidade recém-nascida o fato de os telhados serem no-

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vos. Tudo, portanto, construção recente. Trepada na colina, Ponta Grossa se anunciava a quem vinha no trem como terra nova, moderna, estruturada. O mesmo cronista vai também se encantar com as indústrias em pleno funcionamento, criando uma continuidade entre a cidade que se renova, os estabelecimentos industriais e a estrada de ferro. “E por toda a parte as chaminés fumegantes das fábricas de erva-mate, de tecidos, de cerveja, de sabão, de velas, das oficinas da estrada de ferro, e não sei de que mais a fornecem, a quem visita, mesmo de passagem como a mim acontecia, elemento seguro para ajuizar da importância industrial da ‘Estrela dos Campos’ [sic ], cujo estado progressivo se afere num rápido golpe de vista”. Não era apenas a cidade que se beneficiava com este impulso desenvolvimentista. À margem dos trilhos de toda a linha surgiam serrarias e oficinas para a fabricação de cai-

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xas (embalagens muito usadas), mobiliários e utensílios de madeira. Estas fábricas acabavam usando Ponta Grossa como ponto comercial, e a cidade passava a constituir uma conexão com a indústria e o comércio de São Paulo, sem precisar da mediação da capital do estado. Em 1910, havia sido criado o Centro de Indústria e Comércio Paranaense, para incentivar estas novas atividades, sediadas aqui. Uma matéria em O

Progresso, de setembro deste ano, explica a razão desta entidade: “Fator de uma confluência de interesse de todo o estado cuja convergência se faz em Ponta Grossa – centro manufatureiro e importador – propulsor da unificação dos interesses isolados que ora se enfeixam no esforço comum quanto à sua influência interna”. E é em ritmo veloz que estas atividades se expandem, fortalecendo a imagem industrial da cidade que se sente irmã de São Paulo, com a qual tem uma relação direta, poderosa, e cujo modelo mimetiza. Em artigo no mesmo jornal, de 24 de fevereiro de

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1912, “O Segundo Planalto”, Sebastião Paraná reconhece esta potência fabril que fazia a cidade se confundir com toda uma região (o Segundo Planalto): “Além de comercial, Ponta Grossa já está também se tornando um esperançoso centro industrial. Aqui funcionam diversas fábricas, tais como: uma de tecidos de algodão, já muito bem aceitos em todo o estado; uma de tecidos de malhas; uma de pregos; uma de palhões; diversas de cerveja, de águas gasosas, de presuntos, de massas alimentícias, de caramelos, de sabão e velas, torrefação de café, grandes fábricas de banha, mercearias, serrarias etc., quase todas movidas a energia elétrica”. Eis a novidade. A indústria cria uma demanda para fornecimento de energia elétrica, para que haja o desenvolvimento das novas empresas. Em 1904, a cidade ganha usina elétrica e em 1911 é criada a Usina de Pitangui, sob o comando do engenheiro Álvaro Martins, superintendente da E.F.S.P.R.G., com muito mais potência, uma vez que as fábricas estavam trocando os motores a vapor pela nova tecnologia. Um dos orgulhos da cidade era a quantidade de motores elétricos que propulsionavam o complexo fabril. Raul Gomes escreve, em O Progresso, em 22 de agosto deste ano, que “ultima-

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mente têm sido montadas muitas fábricas, inúmeras delas surgiram após a inauguração dos serviços da empresa de eletricidade”. E lista os motores já instalados. E outros que serão em breve. Acelera nestes anos o desprendimento de Ponta Grossa em relação a Curitiba. Os empresários locais estão sempre na capital paulista. Os filhos vão estudar para lá, uma vez que a ferrovia cria uma contiguidade entre as duas cidades. Quem relata isso é o escritor paulista Amadeu Amaral, em 27 de dezembro de 1913, no mesmo jornal: “Em Ponta Grossa, mais do que em qualquer outro ponto do estado, as relações com São Paulo são múltiplas e constantes”. A cidade está completamente afinada com a intensidade e a energia paulista.

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Em 20 de fevereiro de 1915, o jornal anuncia que a empresa do conde Matarazzo, sinônimo da industrial paulista, vai se instalar na cidade com uma fábrica de banha. O próprio conde nos visita, fortalecendo os vínculos. E neste mesmo ano, uma loja emblemática se instala na cidade, as Casas Pernambucanas. As principais ruas estão abertas para a instalação de água e esgoto, deu-se início ao calçamento das vias centrais e o povo reclama do lamaçal na frente da estação, exigindo providências da empresa. Há uma cidadania ativa em vários níveis, reflexo de uma democratização de voz, pequena ainda, mas completamente nova na cidade. Neste ritmo, já na próxima década, Ponta Grossa conquistará um nível de urbanismo excelente para uma cidade interiorana, impulsionada por uma nova economia nascida da integração ferroviária do Sul. Como diz o professor Leonel Monarstirski: “Na década de 1920, o sonho de progresso estava se realizando. Ponta Grossa já era a mais ‘próspera’ cidade do interior do estado, pois contava com equipamentos incomuns para

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a época: calçamento, telefone, água encanada, rede de esgoto, hospital e possuía uma vida cultural intensa” (“A mitificação da ferrovia em Ponta Grossa”). E contava com inúmeros estabelecimentos bancários, o que mostrava a força do comércio e da exportação: Banco do Brasil, Francês e Italiano, Nacional do Comércio e Pelotense; além das casas correspondentes do London Bank, River Plate Bank, Alemão Transatlântico, Di Napoli, Hamburgo e Caixa Geral da Família. Completava-se assim o que poderíamos chamar de consolidação da cidade moderna.

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Mapa das ruas de Ponta Grossa, em 1920 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Estação Ponta Grossa, em 1920 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


ENTRONCAMENTO COMO FORÇA SIMBÓLICA

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erdando a tradição dos indígenas e das tropas, Ponta Grossa foi vista como um encontro de caminhos. Com a nova tecnologia, ela será o mais importante entroncamento ferroviário do Paraná, o que lhe deu uma força

política que deslocava áreas do poder da capital para cá. Esta relevância está diretamente relacionada à E.F.S.P.R.S., sendo a Estação Ponta Grossa o paço deste poder; as oficinas, a fonte propulsora; e os escritórios da empresa o centro financeiro. Desde o início, houve uma compreensão de que a estrada de ferro era o trunfo da cidade, o seu diferencial no projeto de desenvolvimento do estado e do Sul do país. Esta situação não foi apenas uma herança geográfica (a localização do município) ou histórica (a tradição indígena e tropeira), como muitas vezes se insinua. Não foi algo dado graciosamente à cidade e sim uma construção política, uma conquista da co-

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munidade que soube ler em um momento de mudança de padrão de investimento a oportunidade de fazer de Ponta Grossa o eixo de um projeto expansionista, afirmando-a como a capital dos Campos Gerais, dentro da política de regionalização da época, “celeiro de capitais, centro de importação e exportação”. Ao longo da consolidação do sistema ferroviário, houve momentos de riscos, alguns superados e outros em que os interesses locais foram vencidos. Um exemplo do primeiro caso foi o do Ramal de Guarapuava, previsto, em 1911, para começar no quilômetro 178 e não em Ponta Grossa. Com este traçado, haveria uma redução do fluxo de passageiros e cargas, perdendo a cidade uma importante área comercial. O Progresso, por meio de seu redator Hugo Reis, fez uma campanha de

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defesa de um traçado que partisse daqui, que não alongaria o trajeto mais do que 4 quilômetros, com a vantagem de usar toda a estrutura urbana já conquistada pela cidade. Como a estrada de ferro não era apenas uma iniciativa privada, mas uma ação subsidiada pelo governo, houve uma movimentação social muito grande, com defesa do projeto com ponto de partida local, surgiram argumentos técnicos e muita movimentação, levando o Ministério de Viação ser obrigado, em 12 de setembro, a aprovar a solicitação. O fato foi recebido como uma vitória cívica. Houve uma passeata, com discursos, saindo da praça Floriano Peixoto e passando pelas casas das pessoas que se engajaram nesta causa em um verdadeiro festejo. A população não abria mão da liderança do sistema de viação. Assim, a condição de entroncamento ferroviário tem que ser entendida como uma vocação política da cidade, como uma construção histórica das entidades e como

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um desejo popular. Como dirá Raul Gomes em texto de 13 de agosto de 1912, no mesmo jornal, a cidade se achava “em um círculo de fogo”, posta entre São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, o que faz com que as suas disputas sejam sempre acirradas, com uma tendência para a liderança. Mas havia uma pressão muito grande para centralizar os investimentos em Curitiba depois que o Sindicato Farquhar toma conta de todos os caminhos de ferro do Sul. A E.F.S.P.R.S. era apenas mais uma empresa, e Curitiba, sede da Estrada de Ferro do Paraná, faz-se politicamente mais estratégica. O primeiro golpe que a cidade sofre é com a mudança, como represália aos artigos negativos de João Dutra e Hugo Reis, dos escritórios da Brazil Railway para a capital em 24 de julho de 1910, o que representou

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de imediato a transferência de 80 famílias. Mas não foi só isso. Muitas compras da companhia antes feitas aqui começaram a ocorrer na praça curitibana, com perda de receita para Ponta Grossa. Esta migração foi fundamental para que a população ficasse mais atenta a decisões que a afetassem. A partir de então, os projetos de novos ramais começam a ser debatidos e se reivindica uma centralidade local, tal como no caso do Ramal de Guarapuava. Um fato que dá nova configuração à identidade local é o perigo do conflito com a Argentina por conta da região contestada, que também envolvia os estados do Paraná e Santa Catarina. Com um sistema ferroviário com múltiplas ramificações, Ponta Grossa se vê como uma fronteira internacional, estratégica para a política do Brasil no cone Sul. Isso desencadeia um discurso de maiores investimentos na região, principalmente no campo militar, em uma defesa da fixação das forças armadas aqui. Em 1º de janeiro de 1909, o 5º Regimento de Infantaria foi transferido para Ponta Grossa. Nos jornais, passava a haver uma coluna sobre a rotina do quartel, que marcará muito o perfil da nossa sociedade,

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criando uma apologia aos militares, forte ainda hoje. Em 1914, este regimento seguiu para o Contestado, onde permaneceu até 1916, quando retornou, ficando entre nós até novembro de 1917. Embora área de passagem de outros regimentos, só em 21 de junho de 1923, pelo Decreto presidencial nº 10.070, foi criado o 13º Regimento de Infantaria (13º RI), dotando a cidade de uma estrutura militar permanente. O momento mais acalorado da defesa da vocação ferroviária da cidade, no entanto, deu-se em 1914, quando surgem boatos de que as oficinas da São Paulo–Rio Grande iam ser transferidas para a capital. O Diário dos Campos lembra a condição da cidade moderna que estava em pleno desenvolvimento: “Ponta Grossa é filha da estrada de ferro” (8 de junho de 1914). E começa uma campanha para não permitir que toda a parte industrial da ferrovia seja transferida. Como algumas máquinas estavam sendo

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desmontadas, a população se revoltou com a iminência do fim de algo que havia impulsionado o desenvolvimento da urbe. Há visitas a responsáveis, conversas com políticos, manifestações. O clima da guerra do Contestado está impregnado nos moradores, tanto que eles formam uma legião em defesa do direito de ter na cidade os funcionários e os investimentos da E.F.S.P.R.S., que entre outras coisas tinha legado para os cidadãos um time de futebol que era motivo de orgulho – o Operário. O jornal define este movimento como “A revolução em Ponta Grossa”, em matéria do dia 13 de junho de 1914. Populares sob o comando de políticos, intelectuais e empresários fizeram uma grande manifestação, percorrendo o centro da cidade em protesto, prontos para tudo. Eles têm um destino. Depois de mostrarem o poder de massa e serem aplaudidos pelas ruas, tomam a

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Estação Ponta Grossa. Não há nenhum trem chegando, a multidão apenas se aglomera ali para enviar uma mensagem telegráfica à sede, exigindo, em nome da população presente, a permanência das oficinas. E a vontade popular será respeitada pelos dirigentes da Brazil Railway. A empresa vai até melhorar os serviços de nossas oficinas, já enraizadas no cotidiano da urbe, que continuará montando as locomotivas e construindo os vagões com madeiras tiradas da região, sentindo-se assim protagonista da maquinização dos transportes.

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Ponta Grossa concentra um dos mais importantes entroncamentos ferroviários da região Sul do Brasil (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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NASCE O OPERÁRIO

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este grande eixo que cortava o Brasil, para onde afluíam trabalhadores com formação técnica, manifestam-se também agremiações de vária ordem. As novas tecnologias implantadas pela estrutura complexa da

estrada de ferro, que ia desde o domínio de máquinas (como locomotivas, telégrafos etc.) até conceitos de engenharia para a construção de estradas, pontes, operação de pátio de manobras e controle do tráfego dos trens, mudam o perfil da classe trabalhadora, que deixa de ser somente agrária, em relação de dependência com os grandes proprietários, para dar espaço a um funcionário que se vê com autonomia, como a força viva do desenvolvimento. A criação de fábricas na cidade de Ponta Grossa fortalece este espírito de classe, levando a uma busca de novas relações sociais. Podemos dizer que foi a ferrovia que modificou a natureza do emprego na cidade, e consequentemente o seu perfil cultural.

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E há um ato que demarca este novo estágio: a criação do Foot-ball Club Operário Ponta-grossense no dia 1º de maio de 1912. Atenção: a data em que se comemora o dia dos trabalhadores ainda não havia sido instituída no Brasil, o que ocorrerá apenas em 26 de setembro de 1924, por meio do decreto nº 4.859 do então presidente Arthur da Silva Bernardes. Por que então os ferroviários da cidade a escolheram? É bom lembrar que a primeira diretoria só seria composta em 7 de abril de 1913, um ano depois. Surgiram antes a ideia e a intenção de gerar um fato político para só

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depois se viabilizar a estrutura mínima do clube que funcionará ao lado das oficinas da ferrovia? É que os ferroviários estavam atentos a acontecimentos mundiais que começavam a transformar as representações do trabalho. Já contavam com agremiações (o Clube Operário Beneficente e a Sociedade Protetora dos Operários), que deixam claro no nome a sua politização, criadas como contraponto dos clubes das etnias europeias e os da elite local. A data de nascimento do time de futebol não foi nada inocente. No ano de 1886, na cidade de Chicago (nos Estados Unidos), uma área de alta industrialização, houve uma manifestação que criaria novas expectativas para a classe obreira. No dia 1º de maio daquele ano, uma multidão de operários daquela cidade saiu às ruas pedindo um tratamento mais humano, exigindo, por exemplo, a redução da jornada de trabalho (que era escravizante) de treze para oito horas. Neste mesmo clima, em todo o país, ocorreu uma greve geral, que avançou por mais alguns dias,

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com conflitos que acabaram na morte de sete policiais e doze manifestantes, deixando ainda muitos feridos. O momento se fez histórico pela nova postura e trágico pelas perdas humanas. Em 20 de junho de 1889, a data se universaliza na Segunda Internacional Socialista, em Paris, que a elege o Dia Internacional dos Trabalhadores. Assim, ao fundar o clube em 1º de maio de 1912, o grupo demonstrava uma avançada consciência de classe, em sintonia com os grandes centros industrializados. O clube não era apenas um grupo que queria praticar um esporte que foi introduzido na cidade pelo engenheiro Charles Weight e demais funcionários ingleses dos escritórios da Brazil Railway. Ele nasce para conquistar espaços de lazer e de organização de classe. Mais do que um time, fundava-se naquela data uma representação social, cultural e política. Tanto é que, em 8 de abril de 1915, já como Operário Foot-ball Clube, consagrado como um time de qualidade, sai um comentário sobre o time “composto

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de rapaziada valente que não poupa esforços para o seu desenvolvimento social”. Tal opinião demonstra esta força do time, com representantes da gente trabalhadora que em 15 de junho do ano anterior havia pedido a redução de tempo de trabalho diário para 8 horas. As próprias cores do uniforme eram uma divisa política, homenagem às raças brancas e negras – brancos imigrantes, diga-se de passagem. Ângelo Defino analisa o sentido político da camisa alvinegra em seu livro Imortal: Operário Ferroviário: “Esta atitude [...] causou imediata simpatia pelo novo clube, lembrando que, em 1912, apenas 24 anos após a promulgação da Lei Áurea, pouquíssimos times no país aceitavam jogadores negros em suas formações” (p. 29). É o operariado ocupando espaço no esporte como forma de buscar uma presença social mais ativa. Com o Operário, os trabalhadores da ferrovia tinham seu time, um lugar para a diversão popular, de encontro com amigos e de discussões sobre os assuntos que os afetavam, passando a ganhar visibilidade como coletivo, como uma força simbólica que em breve se estenderá a outras áreas. Vendo a lista dos fundadores, nota-se que eles eram majoritariamente descendentes de imigrantes, o que sugere que a bandeira por-

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tuguesa (símbolo da elite local, que, reativamente, fundará em 1914 o Guarani Sport Club) começa a ceder espaço a outras bandeiras, de gente oriunda do povo, que passa a ter protagonismo.

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Operรกrio Foot-ball Club, segundo time em atividade, formado por operรกrios da ferrovia (Acervo Casa da Memรณria de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


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Com o placar de 2x1, o Operário Foot-ball Club vence o Guarani, em 11 de setembro de 1916 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Time do Operรกrio Ferroviรกrio Esporte Clube Ponta Grossa, em 12 de setembro de 1937, apรณs vencer pelo placar de 5x0 o time Caramuru (Acervo Casa da Memรณria de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


ESTAÇÃO: LAZER E PERIGO

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m 1912, Raul Gomes visita Ponta Grossa e a descreve como um centro agitado, apesar de seu tamanho ainda acanhado. Ela tem 74 ruas, 3.800 casas e 15.200 pessoas, segundo o cronista. Mas “o movimento urbano ultrapassa

o tamanho da cidade”, demonstrando dessa forma o impacto do comércio e da indústria, aquecidos pela ferrovia. Quando desce na plataforma, encontra uma balbúrdia própria de metrópole, encantando-se com este pandemônio urbano que se concentra na estação, vista como a “via” de maior concentração humana – ela é mais importante do que as 74 ruas citadinas, modelo reduzido da cidade futurosa, da pequena São Paulo que aumenta a cada trem que para ali. Relata o cronista:

95 “A gare, espaçosa, estava cheia. Havia movimento, a agitação, o barulho que se notam nas estações das grandes cidades. – Hotel Palermo! Hotel Palermo! – bradava um senhor, alto e simpático, com uma voz abaritonada. Do outro lado, pregões diversos se faziam ouvir: Hotel Estrela! Hotel Biela! Hotel Guzzoni” (11 de julho de 1912). Os pregões se sobrepondo criam a sonoridade da urbe grande, em que o viajante pode escolher entre diversos hotéis, vivendo uma experiência de contemporaneidade no interior até havia pouco tempo isolado. Este contraste entre o ontem colonial e o hoje industrial se revela em um acaso. Raul

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Gomes toma um carro antigo, puxado a cavalo, para ir ao hotel e o velho condutor narra que aquele veículo servira outrora para conduzir o Imperador D. Pedro II, quando de sua visita aos Campos Gerais, em 1880. Os dois veículos – o trem moderno e a carruagem ultrapassada – convivem nesta cidade dupla, em que o presente não apagava totalmente os remanescentes de outra era. Mas os automóveis e motocicletas já rodavam perigosamente pela cidade, tanto que se faz, em 1913, uma campanha para que os motoristas acionem as buzinas nas esquinas, para alertar os pedestres. Uma matéria de 1º de outubro de 1913 traz o título onomatopaico de “Fon-Fon”, nome de famosa revista fundada no Rio em 1907, ícone da modernização do país. Na estação, havia sempre muita gente na chegada e partida dos trens. Não propriamente viajantes nem vendedores, pessoas que iam ali assistir à passagem da máquina, que despejava e engolia pessoas. Como muitos sentiam desejo de experimentar a viagem,

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inacessível por diversas razões, pegavam carona no trem que ia da Estação Ponta Grossa para a Estação Paraná, nas mudanças de ramais, tal como O Progresso relata em 25 de setembro de 1909. Era uma pequena diversão este deslocamento curtíssimo, que colocava a população em contato com a ferrovia. Tal prática só aumentava o tumulto moderno nas estações, inflando a densidade demográfica da cidade. Em brincadeiras desta natureza, houve quedas, ferimentos, empurrões, pequenos transtornos que levaram a uma defesa de cobrar passagem para esta viagem mínima, como se fosse o ingresso para um brinquedo. Ingressos havia para dois acontecimentos que contavam com transporte férreo urbano. A população ia de trem ao Prado, para ver festejos e as corridas de cavalo, servindo o tíquete da ferrovia como ingresso. E também para ver as partidas de futebol

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do Operário, nas imediações das oficinas E.F.S.P.R.S. Uma parada na linha Norte e a outra na linha Sul. Por meio destas festas e brincadeiras, a estação e o trem se faziam espaços de lazer. Os moradores podiam acompanhar gratuitamente a chegada das máquinas, pegar uma carona entre uma estação ou outra, ou ir ao Prado e ao campo do Operário pela estrada de ferro. A estação se tornou um lugar perigoso não só por causa de possíveis acidentes com as máquinas. Surge um elemento criminoso até então desconhecido na rotina policial da cidade, os ladrões, que se misturam às pessoas na plataforma: “com a facilidade de trânsito entre esta cidade e os centros populosos apareceu mais um mal – os batedores de carteira” (6 de novembro de 1913). Como os negócios eram feitos em dinheiro e como muitos negociantes passavam por Ponta Grossa a caminho de outras localidades, para comprar produtos ou fazer negócios, traziam grandes somas de dinheiro em espécie, o que os tornava alvos fáceis para este novo elemento urbano. Muitos viajantes acabavam sem nada, tendo que voltar ao seu destino. Há vários relatos destes roubos, o que leva a redação a alertar: “Nossa estação é um sorvedouro de

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dinheiro” (12 de novembro de 1913). A mesma matéria informa ainda que a cidade tem apenas 14 policiais e que, devido à imensa aglomeração de curiosos, viajantes e vendedores na estação, os marginais ficam protegidos. Eles se valem do tumulto na plataforma para praticar o seu crime. São os males da cidade grande que chegam até nós. Junto ao valor civilizador das estradas de ferro, que iam forçando o surgimento de estruturas urbanas, de novas instituições, de oportunidades de trabalho e de estudo, aparecem os bandoleiros, os que aportam aqui para tentar algum golpe, criando uma desconfiança geral entre os moradores com relação a todo adventício – uma das marcas da identidade local.

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Para tentar diminuir os riscos de roubos e para dar mais comodidade às famílias, a estação sofre um novo aumento em 1916, noticiado no dia 28 de março. As plataformas, já apertadas, contarão com um acréscimo de 75 metros de cada lado, o que desfará as aglomerações que facilitam o crime. E haverá uma área reservada: “uma sala de espera vasta e bem montada, capaz de comportar as numerosas famílias que, até agora, não obstante as contínuas reclamações, não tinham o menor cômodo, ficando no saguão, misturadas com toda sorte de gente, numa promiscuidade repugnante”. E assim a estação tem completada a sua configuração.

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A ESTAÇÃO NA GUERRA DO CONTESTADO

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uando Percival Farquhar assume a Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande, esta ainda não havia feito valer o seu direito de explorar comercialmente os 15 quilômetros de terras devolutas ao lado da linha-tronco. No novo

espírito empresarial, não se podia desperdiçar esta oportunidade de negócios, principalmente depois que o tráfego estivesse pronto. Novas negociações com o governo federal ocorreram no sentido de redefinir os termos da colonização destas áreas, tal como prescrevia o decreto original. Os agrimensores da E.F.S.P.R.S., em 1908, fizeram o reconhecimento das faixas disponíveis, percebendo que muitos proprietários tinham títulos legais de posse, alguns da época do Império e outros recebidos do governo da província de Santa Catarina ainda no século XIX, protegendo os moradores dos interesses estrangeiros.

99 Surge um impasse. A empresa quer empreender a colonização e os proprietários contavam com a garantia de uma documentação válida. Para complicar este cenário político, Paraná e Santa Catarina se digladiavam pela definição de seus limites. E muitas dessas terras devolutas ficavam justamente na área reivindicada pelos dois estados. O Paraná não reconhecia os títulos catarinenses, principalmente em um momento em que a ferrovia traria progresso e geraria riquezas, cobiçadas por nosso estado. Assim, o Paraná garantia à estrada de ferro o direito de exploração das áreas em litígio. Neste quadro, podemos ver que os moradores do Contestado viam a ferrovia como uma inimiga, que desapropriaria famílias. O progresso – a máquina – estava relacionado aos novos tempos, à república que privilegiava o Paraná, reforçando uma visão saudosista da monarquia, em plena sintonia com o messianismo que dominava a região.

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No momento de construir os trechos nesta área, a Brazil Railway acirrou a disputa entre os dois estados. E foi avançando sua linha à medida que implantava o seu processo de colonização, por meio de um braço criado especialmente para este fim em 1909, a Southern Brazil Lumber Colonization. O processo para a exploração das terras correu lento no Rio de Janeiro, com um parecer em 1911 que permitia a criação dos núcleos coloniais à margem da ferrovia, depois que fosse extraída a madeira (pinho, imbuia e cedro). E a Lumber foi ocupando tais terras, respeitando as que tinham títulos, mas exigindo demarcações em outros pontos, mais distantes, para compensar o que perdia, e comprando áreas estratégicas, que facilitassem a exportação da madeira. É assim que ela instala a maior serraria da América do Sul em Três Barras, entre União da Vitória e o Rio do Peixe, em uma área considerada do Paraná, estado que protegia a empresa, mas que acabará ficando para Santa Catarina no acordo que põe fim às disputas. Deste ponto, havia como mandar a madeira para os portos tanto de São Francisco quanto de Paranaguá. As rixas judiciais entre os dois estados, que não chegavam a acordo sobre onde co-

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meçava um e acabava o outro, a ocupação violenta de uma região até então à margem de tudo, a presença de milhares de trabalhadores contratados fora para construir a ferrovia, as manifestações do messianismo sertanejo, e os métodos do Sindicato Farquhar, que empregava a violência tanto contra empregados e moradores (recebendo idêntico tratamento reativo) quanto contra a natureza, devastando imensas áreas, tudo isso junto desencadeia a Guerra do Contestado, tal como resume Nilson Thomé: “Foram várias as causas do conflito que chegou a abalar as estruturas republicanas, pois na mesma época e no mesmo lugar o território contestado foi envolvido por um movimento messiânico de grandes proporções, por uma violenta disputa pela propriedade das terras, por uma questão de limites interestaduais, por uma luta pelos direitos humanos, por uma acirrada competição pela exploração das riquezas naturais, e por uma aterrorizante fase de banditismo” (p. 153). O resultado foi a morte e o sofrimento de milhares de pessoas.

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Interessa-nos aqui o papel da Estação Ponta Grossa, e da cidade, nesta guerra. O

Diário dos Campos fez, logicamente, uma campanha a favor do Paraná, o que favorecia indiretamente a Brazil Railway, que tinha no governo estadual referendados os seus interesses mesmo em áreas reivindicadas por Santa Catarina. Com a crescente necessidade de deslocamento das forças armadas, para que chegassem às latitudes rebeladas, as estações e os trens se tornaram estratégicos. Assim, Ponta Grossa terá um papel importantíssimo no Contestado, que ultrapassa a questão da disputa do território. Era o polo civilizado mais facilmente acessado pelos envolvidos. O primeiro reflexo da guerra sobre a cidade foi a presença militar, como já vimos, no início de forma preventiva. O trem foi visto, em 1910, com uma dupla função. Era destinado à condução de pessoas e mercadorias no tempo de paz e de tropas nos tempos de guerra. Na Revolução Federalista, a falta dos trilhos constituiu um fator de risco para o poder central. Estava ali como um possível aliado do governo, como algo com o qual se podia contar em caso de rebeliões, já pressentidas.

101 Em 18 de junho de 1911, o jornal lembra quais são os principais problemas do Paraná: a questão dos limites, a viação, a indústria extrativista e a indústria agrícola, pastoril e florestal. Em todos eles, a estrada de ferro estava envolvida, o que revela a sua presença totalizante na vida local. Aqui, diante da criação da Lumber, uma consciência dos perigos da devastação das florestas surge como ponto crítico. E o jornal não deixa de alertar que a industrialização se fazia com o sacrifício do patrimônio natural do estado, entregue aos estrangeiros. Com a guerra deflagrada, há uma alteração visível da cidade e da ferrovia. Em 1912, a E.F.S.P.R.S. transforma os carros de carga em vagões de passageiros, para poder transportar os muitos soldados. Os regimentos passam pela cidade, a caminho do Contestado, despertando a curiosidade, principalmente por esta inadequação da fi-

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nalidade dos vagões. A primeira fase das lutas, representada pela tomada do reduto do Irani, não altera significativamente a rotina da cidade e da linha, que continua com suas atividades corriqueiras. É a partir de 1914, quando a guerra santa dos fanáticos se torna próxima do banditismo, que as coisas se complicam. Intensifica-se o trânsito dos regimentos com a intervenção federal, mas agora também no torna-viagem. Em 21 de maio de 1914, chega à estação um trem conduzindo precariamente os feridos. A primeira constatação é a de que o sistema ferroviário, preparado para as funções de transporte na paz, não tem uma efetividade na guerra. Os feridos virão em redes, amarradas nas laterais dos vagões, em meio aos bancos. No segundo semestre deste ano, a cidade é incluída na área de conflito. Denúncias de que os fanáticos invadirão Ponta Grossa colocam a população em polvorosa. Havia razões para este temor. Os revoltosos assaltavam as turmas das E.F.S.P.R.S., levando suas armas, aterrorizavam a vida dos residentes nas colônias próximas das estações e queimavam serrarias da Lumber.

102 Como um dos centros da Brasil Railway, Ponta Grossa se torna um possível alvo. Isso deflagra a criação de uma guarda noturna para fazer a ronda de proteção nas ruas. A escala dos responsáveis é publicada no Diário dos Campos, mostrando o envolvimento de pessoas importantes do meio comercial. Mesmo distante do epicentro, o perigo se fazia psicologicamente presente na cidade, onde sempre surgiam alarmes sobre jagunços. Mas Ponta Grossa é também o lugar para onde acorrem os feridos e a população que deixava, apavorada, as colônias e as fazendas. No começo de setembro, depois da emboscada que mata o capitão Matos Costa, em São João, os trens da São Paulo–Rio Grande começaram a despejar na estação toda a população de União da Vitória, que

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foi acolhida em hotéis (os que tinham meios) e nas casas particulares (aqueles que eram pobres). Com o agravamento da luta, por conta da derrota do capitão Matos e seus 140 praças, há um recrudescimento da intervenção. A estrada de ferro é obrigada a ceder todo o seu material rodante – 1.041 vagões (83 de passageiros e 957 de carga e 41 locomotivas – para a locomoção do exército, que podia alcançar os redutos via São Paulo ou via Paranaguá e São Francisco. As atividades da Brazil Railway acabam interrompidas, o comércio paralisado, em uma crise que leva à demissão de operários da ferrovia em novembro, agravando ainda mais o quadro social já debilitado. O ano de 1915 começa com algumas vitórias do exército, que dá início à destruição de vários redutos. Com isso, os fanáticos que se entregavam, moradores destas áreas, famílias com mulheres e crianças, eram enviados a Ponta Grossa. A estação recebe 400 fanáticos, acomodados provisoriamente na Hospedaria dos Imigrantes, dirigida por Amantino Veiga, até seguirem para núcleos federais.

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Um primeiro fim da guerra é anunciado em 19 de abril de 1915, quando o capitão Tertuliano Albuquerque Potyguara, que havia vencido os rebelados (que o discurso oficial chamava de facínoras), é recebido com direito a apresentações da Banda Lyra dos Campos. Muita gente vai à estação para se despedir deste herói que teria livrado definitivamente, assim se achava, o Contestado da jagunçagem. Mas a festa propriamente dita se dá pela chegada do general Setembrino de Carvalho, no dia 8 de maio, quando 500 pessoas o recepcionaram na estação. O clima era de euforia. Mulheres com sombrinhas, crianças, políticos e comerciantes se aglomeraram na avenida Fernandes Pinheiro. Do alto da janela da estação, Jerônimo Cabral Pereira discursou, saudando o general, que pernoitaria na cidade para partir na manhã do dia seguinte, não sem receber novas manifestações de apoio.

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Com este episódio, a guerra chega à terceira fase, mas já não tem tanto impacto sobre a cidade. A estação funcionou neste período como porta de entrada para os sertões ditos profundos. A partir daqui, na linha sul, havia o inimigo perigoso. O discurso oficial sobre o conflito era pró-exército, pró-Paraná, privilegiando a Brazil Railway, que mesmo assim sofre uma crise muito grande, tanto pelos problemas locais quanto pela Grande Guerra em curso na Europa. Em 1915, seus dirigentes vão a Londres tentar levantar 6 milhões de dólares para cobrir os prejuízos, mas a empresa já estava sob suspeita por suas práticas bastante heterodoxas. Seus empreendimentos nunca mais serão os mesmos e, em julho de 1917, ela e suas subsidiárias entram em concordata, dando início ao fim de um projeto que revelou a face perversa da modernização.

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Cabia ao trem uma dupla função: a de conduzir pessoas e mercadorias em tempos de paz e de tropas nos tempos de guerra (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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QUANDO AVIÕES ANDAVAM DE TREM

U

m tanto tardiamente, as ferrovias trouxeram para o interior do Paraná a cultura do motor, com implicações em todos os campos. O processo de maquinização se faz crescente no cotidiano das pessoas, que se encan-

tam com as novidades. Aumenta o número de carros, de motocicletas e de motores elétricos. Mas a grande novidade é o avião, que leva uma multidão ao Prado, quando da chegada, em Ponta Grossa, em abril de 1914, do aviador Cícero Marques, ex-instrutor e um dos pioneiros da Escola de Aviação da Força Pública do Estado de São Paulo, fundada em 17 de dezembro de 1913. Ele fez voos de demonstração. Depois de ter uma foto publicada no dia 18 de abril, convidando para o evento, Cícero Marques ganhou destaque no Diário dos Campos do dia 20, quando se descreveu a multidão de 3.000 pessoas que assistia à subida do avião a uma altura de 250 metros. A comoção foi grande porque as pessoas só conheciam este fenômeno pelo cinema.

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É o primeiro voo oficial na cidade. O aparelho viera de trem, e fora montado por um mecânico momentos antes do show. O monoplano, que pesava 400 quilos, com um motor de 25 cavalos, fabricado em Paris, foi a grande atração, principalmente na hora em que pousou, dando a façanha como cumprida com sucesso. A multidão carregou nos ombros o piloto, levando-o para o bar do Prado, para uns chopes. Um dos desbravadores da aviação brasileira, Cícero Marques tirou brevê de piloto na França e realizou diversos voos em Curitiba, vindo depois para Ponta Grossa. Sua presença aqui não pode ser considerada inocente. Ele tinha interesse em introduzir a aviação nas ações militares do Contestado. O que parecia apenas uma demonstração da arte da pilotagem tinha também um papel propagandístico da nova força da máquina em uma área nevrálgica do conflito. Ele se ofereceu ao ministro da Guerra, gene-

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ral Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva, para atuar voluntariamente junto ao Exército no Contestado, solicitando somente uma nova aeronave da Escola Brasileira de Aviação, pois a potência do motor de seu avião era imprópria para missões militares. A oferta, no entanto, não foi aceita. Quando o general Setembrino assumiu o comando, imediatamente, em 16 de setembro de 1914, solicitou ao general Vespasiano o tenente Ricardo Kirk e Ernesto Darioli (respectivamente, diretor técnico e instrutor de voo do Aeroclube do Brasil), que saíram do Rio de Janeiro, de trem, com cinco aviões encaixotados (quatro aeroplanos Morane-Saulnier e um Blériot SIT). Já no município de Barra Mansa, por conta das fagulhas da locomotiva, um Morane e o Blériot pegaram fogo. Os aviões que sobraram passaram por Ponta Grossa, a caminho de União da Vitória, onde os dois pilotos construíram hangares e montaram os aparelhos.

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“No dia 19 de janeiro de 1915, a 2.200 metros de altura, dois aviões fizeram o primeiro voo de reconhecimento sobre os vales do Iguaçu e do Timbó” (Thomé, p. 169). Devido à precariedade das estruturas, o desconhecimento do uso militar dos aviões, a densidade da mata, a aviação não teve sucesso no Contestado. No dia 1º de março, quando se faria o primeiro bombardeio aéreo na América do Sul, com granadas lançadas dos aviões, pois não havia bombas específicas para eles, um dos aparelhos (o do instrutor Darioli) sofreu uma pane e teve que voltar ao solo. O do tenente Kirk, bem no começo da missão, sofreu um acidente e caiu próximo à estrada de União da Vitória–Palmas, matando o piloto. Assim, o saldo da aviação no Contestado é negativo. Os aviões destinados a voos civis não tiveram peso nas ações do Exército, embora tenham chamado a atenção para a necessidade de se desenvolver uma aviação de guerra.

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Um ano depois destes episódios, ocorre a visita inesperada de Santos Dumont. O pai da aviação estava concluindo uma viagem pela América do Sul. O inventor brasileiro deixou o Chile, alcançando por terra Buenos Aires e Montevidéu, para subir de navio até Foz do Iguaçu, onde conheceu as Cataratas, que pertenciam a um particular, o uruguaio Jesús Val. Inconformado com isso, passou a defender que ela fosse de todos, quanto a isso, interessando o governador do Paraná da época, Affonso Camargo, embora só Getúlio Vargas, em 1939, efetivará a proposta do aviador, criando um parque nacional. Da presença do inventor em Curitiba surge ainda a ideia de levantar fundos para comprar o primeiro avião da cidade. Homem de ciência, Santos Dumont era um defensor da natureza e estava interessado nas paisagens humanas e naturais que visitava. Saiu de Foz em lombo de burro até chegar a Guarapuava. Nas duas cidades, foi recebido com festas pelos prefeitos (respectivamente, Jorge Schmelpfeng e Luís Miguel Schleder). Este último informou o prefeito de Ponta Grossa, pelo telégrafo, da visita do gênio da aviação. Mas o burgomestre não se encontrava na cidade e sim em sua fazenda, o que não impediu que

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houvesse uma grande recepção ainda no caminho. Schleder havia arranjado um Ford para transportar o aviador a Ponta Grossa. Foram 13 horas para vencer os 154 quilômetros até Uvaia, contando as paradas feitas em Prudentópolis e Imbituva. Em Uvaia, uma multidão esperava Santo Dummont. Jornalistas, representantes do governo, vindos de Curitiba, a mocidade universitária da capital, empresários de Ponta Grossa. Em automóveis e motocicletas, eles escoltaram o aviador, em uma grande procissão. Na altura de Periquitos, a multidão aumentou. Eram pessoas em carroças e bicicletas que se uniam aos carros. Um desfile maravilhoso, com quase todos os meios de transporte representados, revelando as várias camadas sociais unidas em torno do aviador, que para fazer o seu grande tour usara todas as formas de transporte, das primitivas às modernas.

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Na noite de 4 de maio, esta multidão leva o visitante ao Hotel Palermo, onde é saudado pelo desportista Manoel Alvarenga, do Operário. Embora sem a presença de autoridades, a festa resumia o entusiasmo local por um homem que representava a modernidade. Santos Dummont passou o dia seguinte na cidade, fez visitas à Fazenda Modelo e ao quartel de Uvaranas, indo conhecer a rua que o homenageava, e que havia sofrido mudança de nome, dando lugar ao do senador Pinheiro Machado, naquilo que Epaminondas Holzmann define como “a maior gafe da história de Ponta Grossa” (Cinco

Histórias Convergentes, p. 317), para seguir de trem a Curitiba, completando assim a visita ao Paraná. Como Curitiba não estava ligada diretamente a São Paulo pela linha férrea, o inventor passou de volta pela cidade no dia 10 de maio, sendo enfim recebido oficialmente na estação, pelo prefeito, pelo estado-maior do 5º regimento, por populares e jor-

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nalistas. Agora, sim a Banda Lyra dos Campos tocou para o ilustre brasileiro, e todos almoçaram juntos. O fato é que foi a Estação, como já se fazia uma tradição, o espaço público de recepção das grandes figuras que nos visitavam neste período, uma espécie de paço municipal aberto. E foi por meio do trem, de suas janelas, que Santos Dumont assistiu à paisagem dos Campos Gerais. Pena que ninguém tenha tido a ideia de levá-lo aos pontos de beleza natural, pois teríamos encontrado um divulgador de nossa terra e talvez tivéssemos hoje uma maior vocação para o turismo ecológico.

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O jornal Diário dos Campos, de 5 de maio de 1916, traz com destaque a visita do aeronauta e inventor brasileiro, Santos Dumont a Ponta Grossa. No dia 9 do mesmo mês, ele retorna à cidade para dirigir-se, de trem, a São Paulo (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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PAÇO POPULAR

O

clima bélico do Contestado cria uma tradição local de reivindicação de direitos. Se a sociedade reprovava os caboclos pelas desordens ocasionadas pela rebelião popular, reconhecia ali um instrumento social potente.

O operariado de Ponta Grossa crescia, organizava-se e se fazia uma energia nova a forçar a pirâmide social a partir de sua base. Definindo-se como um jornal voltado para as causas dos trabalhadores, o Diário dos Campos, liderado pelo jornalista Hugo Reis, fazia-se um ponto de contato entre os patrões e/ou grandes políticos e os funcionários. Noticia em 1917, quando ainda se leem matérias sobre a guerra dos fanáticos, a oferta de estudos para os operários, que poderiam frequentar a Escola Noturna. É o começo da democratização do ensino, que chega a quem gasta o dia com obrigações profissionais e que não pode estudar. É bom lembrar que muitos destes funcionários são menores de idade e mulheres, e que a jornada de trabalho era de 10 horas.

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Se o jornal publica as ações políticas em prol do ensino noturno, divulgando os seus benfeitores, ele também cria uma consciência popular, estendendo as expectativas de cidadania a classes em condições subalternas. Embora crítico em relação aos anarquistas (tomados no sentido de baderneiros ou de vândalos), defendendo a propriedade e a família tradicional, contra os entusiasmos mais radicais, a redação cumpre um papel importante ao apoiar, fomentar e liderar o primeiro movimento grevista da cidade, no histórico 1917. E tudo começou nas oficinas da estrada de ferro, em uma consagração do papel modificador do perfil social dos funcionários da ferrovia. A greve já estava acontecendo em outros centros industriais. O jornal noticiava os movimentos em São Paulo. E

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publicou uma carta dos grevistas de Curitiba, pedindo para que os operários de Ponta Grossa também aderissem. A falta de uma legislação trabalhista, a crise econômica desse período, o desmando dos patrões, ou seja, fatores nacionais e locais encorpam a insatisfação, que congrega em torno de uma causa comum mil operários, transcendendo o universo inicial da empresa de Farquhar. Às 10 horas da manhã, no dia 20 de julho, nas oficinas de construção da E.F.S.P.R.S., 148 funcionários aproveitaram o horário de almoço para uma assembleia informal. Começou com uma queixa contra o chefe, Ewaldo Krüger, que não cumpriu os reiterados compromissos de aumentar os salários. Decidem ali pela greve, mas não se restringem à paralisação das suas atividades. Deixam as oficinas a caminho do Centro, conclamando todos os trabalhadores, nas fábricas adjacentes, a se unirem a eles. Quando chegam à Estação Ponta Grossa, já são 500 homens, oriundos dos mais variados empreendimentos industriais. Eles têm um objetivo:

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impedir a partida do trem de São Paulo para Curitiba, que passa na estação às 13h45. Interromper o trem é criar uma barreira entre dois pontos importantes, tornando a estrada sem função. O redator do jornal, presente nas manifestações, busca uma solução mais moderada. Convencer os grevistas – esta palavra nova, encarnada em moradores da cidade pela primeira vez – a deixar o trem partir em respeito aos viajantes, e fazer um movimento para que a estrada não funcione pela adesão de maquinistas e foguistas. As discussões crescem neste palco em que a cidade se comunica com as metrópoles. Até a chegada das autoridades – o prefeito (Abraham Glasser), o prefeito substituto (Brasílio Ribas) e o comandante da força do exército. O prefeito convence os trabalhadores a deixarem o trem partir, comprometendo-se com a causa. No meio da tarde, toda a cidade fabril está parada. Havia uma continuidade política reivindicatória entre Ponta Grossa e São Paulo.

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Os encontros dos grevistas se faziam na Sociedade Operária Beneficente, que organizou as reivindicações e as enviou, do telégrafo da estação, para o prefeito, o governador e o presidente da República. Destaquemos as principais lutas: 1) pelas oito horas de trabalho diário; 2) por leis que proibissem o trabalho de menores de idade e de mulheres com menos de 21 anos; 3) pela regulamentação previdenciária, com contribuição de trabalhadores, patrões e governo; 4) por leis que contemplassem seguro contra acidentes no trabalho; 5) pelo ensino noturno gratuito para os trabalhadores e jardim de infância para os seus filhos; 6) pela regulamentação da prostituição. É uma pauta moderna, universal e ousada. Mesmo que tenha sido escrita por intelectuais, é já um grande avanço unir os trabalhadores em torno delas. Havia certo ranço moralista, como a campanha contra o álcool, conclamando os trabalhadores a usarem o dinheiro da bebida para comprar livros, embora seja no geral progressista. Entre as categorias que tiveram destaque estava a dos carroceiros, que se valeram da greve para regulamentar o seu trabalho e pedir a diminuição dos impostos, que oneravam

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a sua atividade. A irmandade operária criada pelo movimento buscou uma reorganização das forças de trabalho, em demonstração de sua essencialidade para a vida social. Sim, a cidade parou durante a greve de 1917, período em que houve uma tomada de consciência que ultrapassava os problemas dos patrões locais, dos empresários estrangeiros atuando no Brasil, atingindo a própria compreensão do processo de fundação da República, segundo a palavras de Hugo Reis, marcada sempre “por um governo de patrões”. Exigia-se um governo de trabalhadores também. É um termômetro para a política populista que Getúlio Vargas implantará pouco mais de uma década depois. O operariado fez da estação, até então lugar de trabalho, uma praça de poder.

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O TREM INCENDIÁRIO

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a Guerra do Contestado, a chegada do trem de ferro pôs fogo nos conflitos. Sem a entrada da Brazil Railway, as coisas talvez tivessem sido mais brandas. Uma coisa é dois estados que se desentendem quanto a

fronteiras. Outra bem diferente é a ação de uma empresa estrangeira que quer derrubar rapidamente as matas, vender a madeira, controlando a concorrência, e instalar imigrantes em áreas já ocupadas. O modelo do Sindicato Farquhar se fez subitamente antiquado. A exploração desenfreada dos recursos naturais também podia ser vista no próprio trem, movido a lenha. Estávamos derrubando, serrando e exportando nossas madeiras, e ainda jogávamos as lenhas de nossas árvores na fornalha das locomotivas.

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Esta leitura negativa da estrada de ferro, que não investiu na extração de carvão mineral, a outra alternativa de combustível, vai aparecer de maneira trágica em episódios de 1917. A estrada de ferro não era mais vanguarda, representando perigo, destruição, sofrimento. A primeira locomotiva da E.F.S.P.R.S. tinha o apelido de Tatu, talvez por seu aspecto primitivo, e se encontrava sucateada, com quase duas décadas de trabalho, como muitas outras. O sucateamento foi agravado pela Grande Guerra, que não permitia a renovação do material rodante, dadas a escassez de ferro e a ocupação das indústrias europeias com as demandas bélicas.

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Em uma viagem do dia 12 de agosto, chegava à estação a locomotiva desregulada, expelindo por sua chaminé fagulhas que atingiam as construções à margem da ferrovia. No caminho, pelo campo, era comum as locomotivas causarem incêndios em matas, pastagens e plantações. As fagulhas, avivadas pelo vento, ainda mais em uma paisagem ressecada pelo inverno, seguiam incinerando os campos. Na entrada da cidade, que descansava naquele domingo de manhã, as brasas vivas escolheram o alvo mais fácil: as construções de madeira, que recebiam o projétil incandescente. O primeiro foco atingiu a cerca da casa de uma parteira na Rua Ermelino de Leão, o princípio de fogo tendo sido controlado a tempo pelos vizinhos. O segundo foco, também vencido logo no início, alcançou a Serraria Olinda, dos Klüpel. Eram 11h20 quando começa a gritaria de “Fogo! Fogo!”, colocando em pânico a população em atividades domingueiras. Uma fagulha atingiu o Centro Espírita Francisco de

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Assis e logo as labaredas se alastraram. Os membros desta agremiação correram para lá, tentando salvar móveis e arquivos, enquanto jogavam baldes de água no prédio. Para não deixar o foco se multiplicar, um perigo iminente por conta dos ventos comuns na cidade e pelo material empregado nas edificações, os homens que lutavam contra o incêndio derrubaram as cercas de madeira do Centro e um pinheiro, este a machadadas, pois, se ardesse, suas grimpas se fariam brasas ainda mais perigosas. A locomotiva também cuspiu fogo na casa de um morador chamando Paulo Canto e no Engenho de Mate, causando mais prejuízos e espalhando mais terror. Este episódio não era algo pontual, mas escancarava, por ter atingido um centro urbano consolidado, um dos impactos das marias-fumaça, tidas como tecnologia retró-

NO TEMPO DO TREM


grada e nociva. A ferrovia não era mais símbolo de modernidade, mas de destruição, de devastação, tal como diz o repórter do Diário dos Campos em 13 de agosto: “Patente a culpabilidade da Estrada, devem os prejudicados acionar a Estrada que, impunemente até hoje, queimando léguas e léguas de campos e florestas, casas e casas, como em Fernandes Pinheiro, armazéns e indústrias, sem parar as fagulhas nas chaminés de suas locomotivas que devoram, como combustível, outras tantas florestas reduzidas a lenha”. Nos jornais dos dias sequentes, sempre aparecerá notícia de novos incêndios. No dia 30 de agosto, um trem de carga, vindo da linha sul, parou na estação com o tender em chamas. Teve que ser socorrido de maneira precária. No dia 10 de setembro, o relato de que mais um incêndio nos vagões de um trem que parava na plataforma, produzindo uma chuva de fagulhas com um efeito pirotécnico assustador. Estes episódios são tão recorrentes que desencadeiam uma campanha para a constituição de um corpo de bombeiros em Ponta Grossa, mais uma conquista da organiza-

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ção dos cidadãos, que assinam listas de apoio à ideia, para proteger a cidade, agora contra um inimigo trazido pela Estrada de Ferro. Este é um período em que a população se rebela, pacífica e ordeiramente, contra o descaso dos trustes. Os incêndios continuarão a ser noticiados, e o redator vai concluir desta forma uma das matérias: “Assim ainda em pleno fogo o diabo da [São Paulo] – Rio Grande” (24 de agosto de 1917). A demonização da companhia se completa pela metáfora do fogo infernal. Outras reclamações da época tratam da precariedade do material rodante, que era insuficiente e estava em crescente estado de deterioração. Em 14 de setembro de 1917, em plena Grande Guerra, publica-se a avaliação jornalística de que faltariam 3.500 vagões para a E.F.S.P.R.G. Com isso, as cargas de mate e madeira estavam apodrecendo ao longo da linha, e era difícil conseguir transporte. Fala-se até no risco de

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uma intervenção popular para transformar os vagões de passageiros em carros de cargas, tamanha a necessidade de escoamento dos produtos. Por outro lado, o jornal denuncia que a correspondência chega molhada, estragada, porque o vagão de correios está em péssimo estado ou os malotes viajam no meio de mercadorias comuns, que assim se sujam e se contaminam. A pressão sobre a ferrovia aumenta, e sua desumanidade surge patente quando transporta o esquife de um morto querido, Benedito de Oliveira, em um carro de carga, sem as solenidades que a morte exigia. Há uma campanha para que a estrada coloque carros fúnebres na linha e trate com mais respeito ao menos os mortos. Os anos seguintes continuaram sendo de embate para a Brazil Railway, que assumiu uma imagem negativa para a população.

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NO TEMPO DO TREM


A VOLTA DO HERÓI

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em só de passagens de grandes nomes e de partidas para outros locais, seja de pessoas ou mercadorias, era a rotina da nossa gare, também local em que se efetivava o retorno à terra amada, porta de uma região

que as pessoas sentiam como delas. Voltar ao seu lugar de residência, à cidade natal, é um movimento revestido de grandes emoções. A volta, sendo uma confirmação dos laços, nasce de uma energia que nos prende a paisagens e pessoas. E a estação servia para figurar como este momento em que o viajante colocava novamente os pés em seu solo. E se encontrava com os seus. E onde os parentes e amigos ficavam a aguardar o trem que traria em seu interior, como um oculto presente, quem havia se ausentado.

121 Quando este viajante é uma pessoa que adotou definitivamente a cidade, tendo nascido em paragens longínquas, quando é um renomado cirurgião, que faz com que pacientes de outros estados o procurem aqui; quando este homem traz uma cidadania italiana e deixou todos os seus afazeres para participar da Grande Guerra, como médico, defendendo os compatriotas italianos, o retorno vem carregado de sentimentos cívicos. Volta para casa o herói. O médico Francisco Búrzio (Poerino, 1878 – São Paulo, 1961) chegou a Ponta Grossa em 1907, vindo de Laguna, Santa Catarina. Aqui não apenas forçou a melhoria das condições clínicas, trazendo inovações, como ajudou a fundar hospitais e atendeu graciosamente aos pobres da região, enquanto recebia pacientes de centros urbanos muito maiores. Veio, entre tantos outros, à sua procura o ex-presidente da província

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de Santa Catarina, Vidal Ramos, que com que ele se tratava. O cirurgião ítalo-ponta-grossense também viajava para grandes cidades para operar. Foi a pessoa que colocou a cidade no mapa da medicina brasileira, tornando-a uma referência, tal como reconhecerá o colunista do Diário dos Campos em 18 de dezembro de 1919, que o responsabiliza pela cidade estar se tornando “um dos mais reputados centros cirúrgicos do Sul do Brasil. Às suas consultas vêm os habitantes do estado [do Paraná] e dos estados vizinhos, trazendo grande movimento à nossa cidade”. O seu consultório era um ponto de convergência da região, e se fez o gérmen civilizatório da ciência médica que resultou na criação de casas de saúde públicas. Ao saber da volta do grande homem, que representava o espírito humanitário defendido por muitos idealistas deste tempo, a sociedade local ficou comovida. Chegava o maior herói, revestido com a aura de ter lutado na Grande Guerra, não com intenção de matar, mas de curar. A população local tinha interesses biográficos nesta guerra europeia, pois muitos se sentiam pertencentes a alguma das etnias que estavam em conflito.

122 A recepção ao médico se revestia de uma simbologia e de uma comoção muito grandes. Foram instituídas comissões que o receberiam primeiro no porto do Rio de Janeiro, depois em São Paulo, e uma maior que o esperaria na estação de Piraí do Sul, para empreender como cortejo o trajeto final, o mais emocionado, na companhia do amigo da cidade. Pelos Campos Gerais, nas estações, o médico era saudado pela população. Mas a festa maior se deu em Ponta Grossa, para marcar a acolhida do filho adotivo que tinha duas pátrias e escolhia esta para viver. O título da matéria do Diário dos Campos de 13 de outubro de 1919 dá o tom das homenagens – “A glorificação do Dr. Francisco Búrzio”. Foi em estilo grandiloquente que o jornalista descreveu a chegada do médico: uma apoteose.

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Segundo a matéria, todo o centro urbano se esvaziou para recepcioná-lo na estação, à maneira tradicional daquele tempo, com vivas e ao som triunfal da Banda Lyra dos Campos. O jornalista, tocado pelo episódio, calculou otimistamente umas 4 ou 5 mil pessoas (homens, mulheres e crianças, ricos e pobres, sábios e rústicos), todas ansiosas, cujo som e movimento lembravam “o sussurro das marés revoltas no oceano”. A multidão recebeu com fogos e muitos vivas o médico, sentindo-se parte da guerra que terminava. Ele havia cruzado o oceano para salvar soldados. Continuava sendo o grande servidor do povo, cultor de um ideal de benemerência clínica. E os cidadãos de todas as nacionalidades se sentiam nele representados. A estação foi assim praticamente o resumo da cidade na recepção que, na opinião do jornal, sujeita a exageros, pode ser tomada como a maior até então: “Nunca, em Ponta Grossa, um chefe de Estado, por popular que fosse, recebeu, jamais, tão estrondosa, tão grande, tão solene manifestação de apreço”.

123 Depois de discursos, quando o Dr. Búrzio foi agraciado com o título de Cidadão de Ponta Grossa, uma multidão de mil pessoas o escoltou, como se fosse uma guarda de honra, até a sua casa na Chácara Estrela, nos arrabaldes da cidade. Este talvez seja o momento mais emblemático do uso da estação como portão doméstico.

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Jornal O Progresso, de 1º de junho de 1912, trouxe com destaque matéria sobre as manifestações de alegria dos ponta-grossenses pelo retorno do médico Francisco Burzio à cidade (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Retrato do médico Francisco Burzio, de 1º de fevereiro de 1923 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Registro do primeiro hospital pertencente à Companhia Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande. Fundada em 26 de outubro de 1906, a Associação de Socorros do Pessoal da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande teve sua denominação alterada para Associação Beneficente 26 de Outubro (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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CIDADE FORTALEZA

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om apenas um ano de instalação, o 13º Regimento de Infantaria, enfim definitivamente ligado à cidade, mostrará que as reivindicações de uma vocação estratégica da cidade tinham fundamento. Em matéria de 21 de novembro

de 1919, quando o 5º regimento já havia sido deslocado para outro município, o

Diário dos Campos começava uma campanha para a fixação de um corpo militar à cidade. Lembrava o jornal que a construção de estradas de ferro interligando regiões que faziam divisa com outros países deixava as fronteiras do Brasil abertas. O jornalista compreende este papel de gargalo viário da cidade, o que a tornava potencialmente uma área de segurança nacional: “Ponta Grossa é uma fortaleza natural. Uma excelente base de fornecimentos. Um baluarte para a localização de baterias de grosso calibre”. A compreensão deste destino só foi possível depois das experiências com a Guerra do Contestado e também pela atenção contínua dos moradores na Grande Guerra. É

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um período de conflitos, regionais, nacionais e internacionais – o que leva o governo a reforçar a posição estratégica da cidade. E a oportunidade de testar esta nova vocação, ligada diretamente às ferrovias, não demora muito. Em julho de 1924, o tráfego da linha da E.F.S.P.R.G. foi totalmente paralisado. Estava em curso a Revolução de 1924, com os revoltosos tomando conta de São Paulo. Ponta Grossa entrava no epicentro de um conflito nacional, servindo de base para as forças legalistas do Sul, arregimentadas para reestabelecer o poder central. A revolução agora não era de caboclos, nem se revestia de misticismo. Começava um período de grandes esforços rumo ao poder federal. Neste contexto de guerra, os trens não cumpriam mais a tabela. Ficavam no pátio e

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oficinas de Ponta Grossa, esperando que o governo os requisitasse para os fins militares. As viagens seriam apenas para conduzir as tropas. No dia 7 de julho, às 18 horas, saíram 165 praças do 13º Regimento de Infantaria, que seguiram para Itararé, para lutar na retomada dos postos nas mãos dos revolucionários. Como era um costume, a população vai até a estação para se despedir dos soldados que já eram da cidade. Mais de 2 mil pessoas acompanharam a partida do trem, em cujo interior os militares cantavam a “Canção do soldado”. E os primeiros versos cabiam bem naquele momento:

Nós somos da Pátria a guarda Fiéis soldados Por ela amados Esta paralisação causa problemas de abastecimento, a cidade ficando sem lenha, por

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exemplo. E começam a chegar muitos militares, que aqui se abasteciam antes de seguir para São Paulo. No dia 20 de julho, o resto do 13º Regimento rumará para o estado vizinho, e aqui chegam mais oficiais e sargentos. O capitão Dilermando de Assis, que anos antes havia assassinado Euclides da Cunha por uma disputa passional, é quem fica responsável pela organização militar. Instalado no Hotel Franze, passa o dia todo na estação, transformada em quartel improvisado. Não serve apenas como passagem para as tropas, mas como sua concentração. O capitão Dilermando está também organizando batalhões com voluntários e forças policiais locais. A própria companhia ferroviária autoriza os seus funcionários a se engajarem nas tropas legalistas, dando garantias de pagamento além dos benefícios instituídos pelo governo. O presidente da Estrada, Geraldo Rocha, e o comandante da coluna Sul, Azevedo da Rocha, estão em Ponta Grossa para acompanhar os trabalhos.

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As autoridades locais compravam cavalos para as tropas e providenciavam víveres. E estação foi o centro nevrálgico das forças legais do Sul, que a usavam como último grande posto militar antes da fronteira com o estado tomado pelos revolucionários. Era daqui que partiam as tropas, que não paravam de chegar. E isso causava grande curiosidade, levando centenas de pessoas à estação, o que aumentava o tumulto de uma área fora de sua rotina. As imediações da gare estavam sempre repletas de gente, o que dificultava o trabalho do Exército. Isso levou o capitão Dilermando a colocar um aviso na estação, pedindo para que o povo ali não se aglomerasse na passagem das tropas, para evitar atrasos nos serviços. Todos se sentiam próximos dos conflitos, como parte de um tempo de grandes acontecimentos. A cidade reforçava a sua estima pelos militares e se via como um ponto de grande importância para a política nacional. Apesar de ter conseguido montar os batalhões de apoio com representantes locais,

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Dilermando de Assis não teve tempo de enviá-los para a frente de batalha, pois o foco principal da revolução é debelado e não há necessidade de mais voluntários. No dia 12 de agosto, pouco mais de um mês depois de ter sido interrompida, a ferrovia volta a funcionar. E os assuntos suspensos ganham novamente destaque nos jornais. Entre eles, as reclamações das madeireiras contra a Estrada de Ferro. Era a normalidade.

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Chegada do Governador Caetano Munhoz da Rocha para o aniversรกrio de 104 anos de Ponta Grossa, em 15 de setembro de 1927 (Acervo Museu Campos Gerais/ UEPG)

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PONTA GROSSA, CAPITAL DO BRASIL

A

té 1930, as instâncias militares, administrativas e outras de representação civil de Ponta Grossa estiveram sempre a favor das forças legalistas. O Paraná servia de barreira para que as revoltas do Sul não atingissem o coração

político do país. Era a porta de entrada das tropas nacionais que para cá vinham. E porta de saída das tropas sulistas do governo para socorrer o resto do país. Com a Revolução de 1930, as coisas mudaram. Vinha se sedimentando um descontentamento com as políticas nacionais, comandadas pela hegemonia de São Paulo e Minas Gerais, o que levou a uma candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República. Posto entre São Paulo e Rio Grande do Sul, Ponta Grossa teve que assumir uma identidade regional, acertando as contas com a sua própria origem.

131 Perdendo a eleição por poucos votos, sob suspeita de que havia sofrido um processo de fraude eleitoral, Vargas, então presidente da província do Rio Grande do Sul, arregimenta soldados, voluntários e políticos para tomar à força o poder de que se julgava merecedor pelas urnas. Entre os aliados de primeira hora estava Ponta Grossa, tal como ele anota em seus diários: “Segunda cidade do Paraná, próspera, ciosa de suas prerrogativas e independência, baluarte do liberalismo, onde, apesar da pressão governamental, ganhamos a eleição de primeiro de março” (p. 12). Algumas palavras deste belo depoimento do futuro presidente do Brasil merecem destaque. Que Ponta Grossa era um próspero centro urbano todo mundo sabia. O que chama a atenção é que Vargas a define como uma cidade que buscava fazer valer o seu papel político no país: “ciosa de suas prerrogativas e independência”. Estava agora ao lado dos revoltosos, daí o seu liberalismo. Vargas encontra nela um porto seguro e conduz as tropas para cá.

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Também o 13º Regimento de Infantaria estava a favor da construção de um outro cenário político e seguiria de pronto para a divisa paulista, colocando as forças locais a serviço da causa. Nelas estavam engajados muitos ponta-grossenses. Em uma caderneta de notas do oficial médico Lucidoro Ferreira dos Santos, recuperada por Paulo José da Costa, acompanhamos a viagem dos praças saídos das famílias locais. Lucidoro parte no dia 10 de outubro, comovido com o momento de se separar da sua cidade para cumprir um dever cívico: “Saída da estação de Ponta Grossa com lágrimas nos olhos pela comoção e vibrando pelo entusiasmo pela conquista da vitória e pela liberdade do povo brasileiro”. Desejosos de fazer algo para que o Brasil mude, estes homens seguem para Sengés: “lá chegamos às oito horas da noite, onde fomos recebidos à bala”. No dia 11, para buscar o seu fuzil fora do local em que estava alojado, uma fábrica de camisas onde se escondiam 30 famílias, e depois de ter sofrido o bombardeio de aviões, ele tem que se mover sob uma chuva de disparos. No dia 13, participa da luta como médico: “Saí com o PS para o alto do ca-

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fezal onde se travou o combate no qual houve muitos feridos e poucas baixas”. Sob o comando do general Miguel Costa, movendo-se a pé em alguns trechos, comendo mal (comprou uma cabra para se alimentar de seu leite), ele vai avançando com a coluna, até chegar a Itararé, onde não ocorre o grande conflito que se esperava. Daí para frente, avançaram mais rapidamente até a capital federal, fortificando as áreas conquistadas. O périplo completo (Ponta Grossa–Itararé, Itararé–São Paulo, São Paulo–Santos, Santos–Rio de Janeiro, Rio de Janeiro–Paranaguá, Paranaguá–Curitiba e enfim Ponta Grossa) durou pouco mais de um mês. Diz o médico, concluindo o diário no dia 2 de novembro de 1930: “Embarquei [na estação de Curitiba], cheguei em Ponta Grossa ao meio dia e dez e cheguei em casa causando surpresa”. Pela luta, a cidade se fazia parte do novo governo, que ela sediou provisoriamente com grande orgulho. Desde o início, as forças legalistas do Paraná foram controladas e as instituições públi-

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cas postas a serviço da revolução. O presidente do Paraná, Affonso Camargo, foge para São Paulo, via Paranaguá, entregando o governo aos defensores locais de Vargas. Assim, podemos dizer que, apesar de um ou outro foco legalista, o Paraná se irmanou com os gaúchos em torno de uma causa comum, que unia os moradores de uma vasta área que enfim conseguiam um protagonismo nacional. O sentido da estrada de ferro agora se inverte: é do Rio Grande do Sul para São Paulo. Trens requisitados pelos revolucionários enchem as estradas nesse sentido. Vargas parte de Porto Alegre no dia 11 de outubro, vem em um vagão especial, junto com uma comitiva. Em cada estação é ovacionado pelos moradores, tal como anota em seus diários. Em Santa Maria, há “um delírio coletivo da multidão” (p. 9). “Aglomeração festiva de gente na gare de Passo Fundo, grande vivacidade das mulheres” (p. 10). Em várias estações há manifestações populares, com flores, lenços e discursos. Ele resume a viagem: “em todas as estações, o povo aglomerava-se, vitoriando os libertadores” (p. 11). Não estava ali para fazer reverência ao governo do país, mas para se somar

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simbolicamente às colunas revolucionárias, tomadas como libertadoras da pátria. No trajeto, ocorreram acidentes, trens descarrilados, confusões nas estações, atrasos. Em cada parada, pelo telégrafo da estação ia emitindo ordens e recebendo notícias. A primeira batalha ganha foi anunciada no dia 14 de outubro: “confirmação da primeira vitória importante de nossas forças, próximo a Jacarezinho, no Paraná”. Getúlio Vargas vinha na retaguarda das tropas, que já forçavam a entrada em São Paulo, pela única porta terrestre de acesso massificado – a ferrovia. Chega a Ponta Grossa no dia 17 de outubro, sendo recebido como um filho local. As relações entre a cidade e o Rio Grande do Sul sempre foram muito estreitas, por haver aqui oriundos daquele estado. Vargas estaria em casa, como veremos. Nenhuma das

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manifestações no caminho foram tão grandiosas como a que recebeu na estação: “Somos recebidos com entusiástica manifestação, a maior que recebemos depois de sair de Porto Alegre” (p. 12). O prefeito Jorge Becher (nomeado interinamente) recepcionou o rebelado presidente da província do Rio Grande na companhia das filhas, houve discursos e passeata de carro aberto pela cidade, em que o motor não era acionado, pois o “povo cortês” empurrava o automóvel. Chovia em Ponta Grossa. O que não intimidou ninguém. E continuará chovendo pelos próximos dias. Não usou a cidade apenas como ponto de passagem. Pela segurança que sente no povo e nas lideranças locais, pela dimensão da urbe, pela posição estratégica para avançar contra o inimigo, entrincheirado na divisa de São Paulo, por ser uma região militar, Ponta Grossa foi escolhida como sede dos estados-maiores civil e militar da revolução. Aqui, Vargas assume o seu papel de líder das tropas revolucionárias, que vinham para cá, preparando-se para tomar o poder. Nesta chegada, ele está com o jornalista Assis Chateaubriand, que se une à comitiva em Erval, e dá a ele uma

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grande entrevista sobre a marcha em pleno acampamento revolucionário. Vargas revela em uma decisão comum a sua figura de grande líder. Resolve não ir para hotéis nem para a casa de famílias, permanecendo o tempo todo na estação, dormindo no vagão especial em que viajava. A área estava enlameada, havia um fluxo muito grande de soldados, que chegavam e saíam, de curiosos, mas o em breve dirigente maior do país se movimentava com intimidade pelo pátio de manobra e pela gare. Havia uma grande comodidade: o telégrafo da estação permitia a comunicação imediata com os vários pontos em que estavam os revolucionários. Mas o principal era o sentido simbólico. Vargas estava passando pelas mesmas privações das tropas. É a imagem do líder austero, que não está em busca de confortos, que ele quer fixar no imaginário das pessoas.

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Na sua viagem rápida a Curitiba, do dia 20 a 22, passa uns dias no Hotel Moderno, e toma o seu primeiro banho, segundo Lira Neto na biografia Getúlio (p. 503). As mordomias recebidas na capital não o demovem de continuar acampado na estação, embora os demais componentes de sua comitiva tenham se mudado para o Clube Ponta-grossense. Esta vida militar se alterna com a vida social. Getúlio passa o dia no trem, mas vai a bailes, jantares e cinema, muitas vezes na companhia das filhas do prefeito Becher. Este trânsito entre a rotina da revolução e as relações sociais vai marcar a sua estada aqui. Na noite do dia 26 de outubro, em meio a um baile, foi dado como vitorioso o movimento revolucionário. Na manhã seguinte, Vargas já envia várias mensagens, tomando as primeiras providências como líder do Brasil. Ponta Grossa, mais especificamente a estação (ele diz que permaneceu com as suas “casas Civil e Militar no trem da estação”, p. 16) se fez a primeira sede do novo governo. De quartel-general da revolução, a estação se torna

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gabinete presidencial sobre o material rodante que se encaminhará para São Paulo na tarde do dia 27. Muita gente foi à estação para se despedir do presidente: “Das duas horas em diante, começaram a chegar pessoas que vinham assistir à nossa partida. A gare foi se enchendo progressivamente. Caíam fortes chuvas, atraso produzido pelo congestionamento da linha etc. Finalmente, às 17 horas, fiz as minhas despedidas de Ponta Grossa e partimos rumo a São Paulo” (p. 18). Esta permanência na gare da cidade marcou Vargas, que vai escolher um ponta-grossense para interventor do Paraná logo em seguida. Nascido em uma família tradicional, Manoel Ferreira Ribas (1873-1946) havia morado em Santa Maria, como funcionário da cooperativa da Estrada de Ferro gaúcha. Vêm desta experiência as suas relações com Vargas e sua fama de ótimo administrador e de homem ligado aos trabalhado-

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res. Era o perfil ideal para dar uma centralidade política a Ponta Grossa, pagando-lhe todas as hospitalidades. Contentava as famílias tradicionais e tinha bom trânsito com os operários. A revolução, que viajou nos trens de ferro e elegeu a estação de Ponta Grossa como sua sede, contemplava em um funcionário local da ferrovia, elevado a líder maior do estado, a força política dos Campos Gerais. Ao lado da Estação Paraná, ponto de partida para Curitiba, ainda se encontra o busto de Manoel Ribas (datado de 1940), interventor/governador do Paraná entre 1932 e 1945. Vargas partiu, mas seu mais fiel defensor entre nós continua estacionado, em bronze, na região feita brevemente paço do governo revolucionário.

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Carimbador de bilhetes (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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A Revista O Cruzeiro de 1930 apresentou registros da passagem de Getúlio Vargas por Ponta Grossa antes de tomar o Catete, no Rio de Janeiro (Acervo D. A Press)

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Em outubro de 1931, a Revista O Cruzeiro trouxe um apanhado fotográfico em referência ao aniversário de um ano da Revolução de 1930 (Acervo D. A Press)

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Registro da chegada de GetĂşlio Vargas a Ponta Grossa (Acervo Carlos Mendes Fontes Neto)

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CARVÃO VERSUS PETRÓLEO

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os anos 1930, era ainda a ferrovia o meio de acesso aos sertões do Paraná, que agora atraíam as pessoas interessadas no petróleo, pois a matriz energética estava mudando. É o começo da popularização dos auto-

móveis e caminhões, o que cria uma demanda pelo novo combustível. Foi em um trem que partiu de Ponta Grossa o intelectual hoje sinônimo da campanha do petróleo. E quem o entrevistou foi um jovem jornalista que se tornaria um dos maiores críticos da cultura brasileira. Depois de ter sido demitido do jornal curitibano onde trabalhava (Gazeta do Povo), Wilson Martins (1921-2010) recebeu um convite para secretariar o Diário dos Cam-

pos. Deixando a capital, transferiu seus estudos para o Regente Feijó, onde fez o último

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ano do colegial. Sempre contava que, entre seus feitos na cidade, o que mais o orgulhava era ter entrevistado o escritor Monteiro Lobato, de passagem em suas aventuras de dublê de minerador. O encontro foi tão importante para o jornalista imberbe que ele transcreveu parte da entrevista (de 20 de outubro de 1938) na sua monumental

História da Inteligência Brasileira. O jornalista procurou o escritor na estação, quando findava sua viagem pelo interior do Paraná. Haviam sido 12 horas de carro entre Laranjeiras do Sul e Ponta Grossa. Daqui, ele iria a São Paulo. Naquele então, Lobato era o defensor do petróleo, e não entendia como o país não buscava ser o grande fornecedor mundial. Embora acionista de companhias petrolífe-

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ras, ele veio ao Paraná em busca de minas de cobre, porque para explorar o petróleo aqui era necessária uma coisa inexistente – boas estradas. Começa a conversa reclamando disso. Diz ele, no seu jeito provocador: “O Brasil é um país atolado. Por toda a parte: lama, lama, lama. Não temos estradas...” Wilson brinca: “O Brasil é um país essencialmente longe...” E o escritor revida: “Essencialmente longe e lamacento.” Defendendo a construção de rodovias, sem as quais não haveria progresso, Lobato mostra a coerência de sua obra. Rapidamente, o jovem compara o país a um dos personagens mais famosos de Lobato, o Jeca Tatu – o Brasil não queria se calçar. Era avesso aos hábitos da modernidade.

142 A conversa entre os dois tem um tom amigo, embora estivessem se conhecendo naquele momento, e Wilson contasse apenas 17 anos. Grande ídolo da juventude, Monteiro Lobato representava uma energia empreendedora. O escritor tinha ido à cidade de Laranjeiras do Sul em busca de cobre e trazia, além das amostras deste minério, muito barro que amassara na viagem. A partir de Ponta Grossa, via trem, ele se ligava ao mundo contemporâneo, mas ansiava pelo futuro. É com orgulho típico dos sonhadores, esses espécimes que mudam o mundo com a força do querer, que fala de sua recente descoberta: “Tenho aí na mala umas amostras do que encontrei. Aliás, com o cobre de Laranjeiras

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deu-se um fato curioso: o Ministério da Agricultura enviou um técnico, dos seus, a constatar a sua existência. Pois bem: o moço foi, viu e não encontrou o cobre. Eu, por meu lado, fui e encontrei esse precioso metal.” Com o petróleo aconteceria a mesma coisa. Ninguém acreditava nas reservas petrolíferas no país, mas ele afirmava a sua existência de forma categórica, creditando a nossa descrença à ignorância, à falta de formação técnica: “Você já sabe de tudo o que eu sei: em primeiro lugar, o Brasil TEM petróleo. Isso é a verdade mais verdadeira que eu conheço. Mas, para que se ache petróleo, não é suficiente ter entusiasmo. É preciso ter entusiasmo e ciência”. Ele possuía os dois, e não admitia um país visto a partir de nosso incorrigível caipirismo. Tendo ocorrido esta conversa na estação, em 1938, ela se reveste de um valor metafórico. O escritor clamava por estradas de rodagem, por vias rápidas que diminuiriam o isolamento. Era o crepúsculo do tempo das locomotivas a vapor, que continuavam

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queimando nossas florestas nas fornalhas e incendiando casas e campos com suas fagulhas. Em breve, com o sucesso da perfuração de poços de petróleo, estas máquinas seriam substituídas por outras movidas a diesel. Monteiro Lobato era o arauto do final de uma era e do início de outra.

TEMPOS DE CONFLITOS: 1907 – 1940 | CARVÃO VERSUS PETRÓLEO


NO TEMPO DO TREM


UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA:

1940 – 1957

ALVORECER INDUSTRIAL: 1894 – 1906 | TEMPO DE MULTIDÕES



FIM DA LINHA

E

ra o império do Sindicato Farquhar que chegava ao fim. Fortemente baseado nas ferrovias com locomotivas a vapor, na exploração da madeira por meio da Lumber e no monopólio do transporte, afetado pelas crises financeiras,

desacreditado pelos acordos políticos, agora sob um governo federal nacionalizante, o grupo não tem mais credibilidade para manter as empresas, todas endividadas e sem crédito internacional, o que criava embaraços diplomáticos para o país. A situação foi se tornando cada vez mais grave. Internamente, com as linhas em péssimo estado de conservação, eram constantes as reclamações dos usuários, alimentando polêmicas públicas e manifestações. Não havia mais como manter este modelo empresarial oriundo do século XIX.

147 Em 1940, quando acabava o prazo de 50 anos para exploração concedida pela república, houve a interrupção. Não apenas não se renovou o contrato como a União encampou todos os bens e direitos da Brazil Railway e suas subsidiárias. Com eles, vieram também as obrigações do grupo, o seu imenso passivo. Por meio de dois decretos-leis (de 8 de março e de 22 de julho de 1940), tudo que estava em nome do Sindicato foi transferido para o governo federal. Este episódio ficou na história como a maior encampação feita pela União até aquela data, pois se apropriava daquele que tinha sido o mais potente grupo econômico da América do Sul. Para fazer a gestão deste condomínio de empresas, com ramificações pelo Brasil inteiro e no exterior, foi preciso criar uma instância própria – a Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, que passou a sanear as companhias,

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | FIM DA LINHA


tomando medidas radicais. Em muitos casos, elas foram alienadas, com o objetivo de quitar parte de suas dívidas. Mas a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande permaneceu com o governo que deu a ela outra natureza jurídica, a de autarquia, e um novo nome, Rede Viação Paraná-Santa Catarina (R.V.P.S.C.), com sede em Curitiba, unindo as ferrovias dos dois estados. Começa outra fase da Estação de Ponta Grossa, agora sob uma administração nacional e estatal, em que os interesses não eram majoritariamente de exploração de serviços e riquezas e sim de atendimento às necessidades regionais. Se no seu alvorecer a ferrovia apareceu como o vetor da colonização e da indústria, sob a administração de Fauquhar ela foi aos poucos sendo identificada como inimiga do povo, dos comerciantes e dos industriais. Os seus anos finais, quando já endividada e com o contrato próximo do término, produzem um desgaste da imagem da própria estrada de ferro, que havia se tornado, no imaginário popular, algo negativo.

148 É com a Rede Viação Paraná-Santa Catarina, carinhosamente chamada a partir daí de Rede, que o sistema ferroviário paranaense volta a ser positivado, assumindo um papel civilizador, e ao mesmo tempo congregando os dois estados, que, pouco tempo atrás, haviam disputado territórios. Na época do Contestado, ao final dos conflitos armados, havia surgido uma corrente que defendia a junção do Paraná e de Santa Catarina, transformados em um único estado. Esta proposta se manifesta agora por meio de uma companhia que esteve sempre no centro da vida econômica e cultural dos litigiosos. Um dos fortes componentes para a ressignificação da Rede vem do orgulho nacionalista, de ser uma empresa do Brasil, do tratamento mais humano que a estrada passa a dispensar aos funcionários e dos investimentos feitos para tentar modernizar todo

NO TEMPO DO TREM


o sistema viário – melhoria dos traçados, renovação do material rodante, manutenção de pontes, construção de casas para funcionários nas estações etc. É a fase estável da ferrovia, que vai fixá-la na memória afetiva da população local. Tanto que, mesmo depois da criação da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – R.F.F.S.A. –, em 1957, que passou a cuidar de todas as autarquias da área no Brasil e introduziu a locomotiva a diesel, a designação anterior prevaleceu no discurso das pessoas.

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Viajantes na plataforma de embarque da estação (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | FIM DA LINHA


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Em 1942, a Locomotiva 250 entra em funcionamento. O projeto da locomotiva foi do engenheiro Ewaldo Krüger e finalizado por seu filho Germano Krüger, demonstrando a capacidade técnica dos engenheiros e operários da estação. Na foto, os operários em frente à maria-fumaça, a Locomotiva 250 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


PONTA GROSSA INTERNACIONAL

A

partir de 1943, e ao longo da década seguinte, a estação era uma das paradas principais do que ficou conhecido como o Trem Internacional, uma opção de viagem para os moradores de Montevidéu e Buenos Aires.

Naqueles anos finais da Segunda Guerra Mundial, os mares se fizeram muito perigosos, pela iminência de ataques de submarinos alemães. Isso amedrontava as pessoas, que, por natureza, já temiam a violência natural das águas na costa do Rio Grande do Sul e Uruguai. A rota então se faz constante, com diretos semanais. Diretos era a maneira de dizer. Como as estradas tinham bitolas e sistemas de tração diferentes (em São Paulo, um trecho contava com locomotiva diesel-elétrica), havia a necessidade de mais de um transbordo. E o trem brasileiro não entrava no Uruguai, parando na divisa. Ou seja, havia uma conexão internacional de linha, e não um trem

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que percorresse todo o trajeto. Mas o fato é que muitos viajantes internacionais passaram por Ponta Grossa, fazendo paradas breves na estação. Contávamos com uma ligação direta com as duas capitais sul-americanas, o que dava uma importância nova à cidade. Em relatos de viajantes, da década de 1950, fica patente esta viagem fragmentada entre os dois pontos, com locomotivas a vapor no trecho da Rede Viação Paraná–Santa Catarina. Se tudo corresse bem, a viagem demorava em torno de 76 horas, quatro dias e três noites, mas podia demorar muito mais. O trem consistia em um conjunto com os seguintes vagões: um carro-bagagem, um

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | PONTA GROSSA INTERNACIONAL


carro Pullman com 28 poltronas de vime (espécie de sala de estar para quem ia nos dormitórios), um carro-restaurante com capacidade para 32 passageiros e três carros-dormitórios com sete cabines duplas. Nos trechos paranaenses e catarinenses, havia muitas curvas e serras, fruto do traçado pago por quilômetro, o que retardava a viagem e dificultava a tração feita pelas locomotivas a vapor, já velhas, obrigando a presença de um funcionário que soubesse arrumá-las em caso de pane. Nas subidas, o trem se fazia muito lento e não raro o foguista ia na frente, colocando areia seca nos trilhos, para aderência das rodas. Estas aventuras, o cansaço, a falta de conforto, tudo era recompensado pela paisagem que o estrangeiro via. O que mais impressionava eram as matas na divisa do Paraná com Santa Catarina, os rios e principalmente a ponte sobre o rio do Peixe, uma visão antes restrita a quem se embrenhava pelos sertões. Agora estava disponível para quem se deslocava entre São Paulo e Montevidéu. Durante a viagem, nas estações

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menores, a população vendia frutas, pastéis, tortas, peixes fritos e outras guloseimas locais, sempre com café de acompanhamento. Enquanto isso, no carro-restaurante, muita carne assada, bovina e suína, servida mesmo no café da manhã, e cerveja sempre gelada e vinho. A maior estação no trajeto era a de Ponta Grossa, onde havia restaurante, embora nem sempre desse tempo para a refeição. A segunda era a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O périplo, em terras nacionais, começava em Uruguaiana, vindo por Santa Maria, parava em Marcelino Ramos. Esta era a área de atuação da Estrada de Ferro Rio Grande do Sul. Ali havia a troca de trem, já da Rede Viação Paraná–Santa Catarina, que ia até a divisa com São Paulo. A estação de Ponta Grossa é descrita como imponente. Mas o que mais chama a

NO TEMPO DO TREM


atenção é que, devido às muitas curvas e ao fato de a cidade ficar na montanha, os viajantes começavam a ver Ponta Grossa uma hora antes da chegada à estação, e continuavam vendo-a por meia hora depois da partida. Ou seja, além do tempo de parada, a cidade ficava visível por mais uma hora e meia. Narra Carl Heinz Hahmann, no diário da viagem feita em 1955, de São Paulo ao Uruguai: “Cerca das 6 horas da manhã já podíamos divisar a cidade de Ponta Grossa a certa distância no topo do terreno ondulado. A linha sinuosa se desenvolvia com sucessivas curvas, reduzindo agora a velocidade para cerca de 30 quilômetros por hora, até que chegamos na estação às 7h [...]. Partimos às 7h30. Levamos mais de meia hora para que a cidade desaparecesse de nossa vista. Viajando mesmo em trens mais rápidos no Paraná, esta cidade permanece visível por muito tempo”. Isso fazia de Ponta Grossa a maior cidade – em tempo de fruição – ao longo da linha internacional.

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Pátio da estação, em 1946 (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | PONTA GROSSA INTERNACIONAL


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CartĂŁo postal impresso pela Livraria EconĂ´mica de Curitiba, sem data (Acervo Carlos Mendes Fontes Neto)

NO TEMPO DO TREM


UMA VILA SOBRE OS TRILHOS

O

envelhecimento do sistema pode ser visto em várias imagens, uma das mais contundentes talvez seja um episódio desconhecido da vida dos operários de Ponta Grossa, que abrigava o maior número de ferroviários

do Paraná.

Com a encampação, pelo Decreto Presidencial nº 4.746, de 25 de setembro de 1942, os ferroviários das empresas de Farquhar se tornaram funcionários federais. Desvelaram-se então as condições precárias em que viviam, e que persistirão por muito tempo. Os salários eram baixos e mesmo alguns atrativos, como a moradia em residências da ferrovia, não podiam ser usufruídos por todos. Em 15 de outubro de 1948, uma matéria do Diário dos Campos anuncia a situação

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de muitos trabalhadores da Rede. Sem recursos e sem lugar próprio para morar (muita gente era oriunda de outras localidades), as famílias habitavam os vagões abandonados nas oficinas. Os trens não eram apenas a razão do trabalho desses pais de família, funcionando como suas casas, medida máxima de toda a sua existência. Passavam todo o tempo nos locais de trabalho, ocupando carros imprestáveis, que se faziam uma vila rodante, mas encalhada no pátio de manobras como ferro-velho. Há nisso um contraponto com os dias em que Vargas passou em seu vagão especial na estação, um contraponto doloroso, pois aquele material rodante já não tinha nenhuma função, reforçando o estado de abandono dos ferroviários que não iam a lugar nenhum. Era uma habitação passageira com natureza definitiva.

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Mesmo esta ocupação precária dos vagões é questionada pela direção da Rede, que quer expulsá-los de lá, sem acomodá-los em outros lugares. Sem ter para onde ir, os ferroviários defendem esta vila sobre trilhos, uma pequena cidade ferroviária, sem um registro oficial nas repartições públicas. É neste estado de tensão social que os ferroviários recebem uma notícia que começa a modificar o tratamento de todo este grupo. Naquele mesmo outubro de 1948, é aprovado o projeto de lei de aposentadoria integral para quem tivesse 35 anos de trabalho, em reconhecimento aos heróis esquecidos do desbravamento dos sertões, motores humanos de uma modernidade que quase nunca os alcançou, pois continuavam à margem da urbe potencializada pela ferrovia.

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NO TEMPO DO TREM


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Tradicional feira realizada entre as ruas Padre João Lux e XV de Novembro. Ao fundo, casas da Rede Ferroviária, onde moravam os operários (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | UMA VILA SOBRE OS TRILHOS



A LENTIDÃO POLÍTICA

A

o longo do governo de Getúlio Vargas – Segunda República (1930-1937) e Estado Novo (1937-1945) – houve um desenvolvimento das estradas de rodagem, que atendiam a uma ideia de modernidade mais contem-

porânea. Nos jornais, crescem os anúncios de veículos importados, revelando a ocupação das cidades e das estradas por automóveis e motocicletas, além daqueles de tração animal. A pressão era para abrir novas artérias que cortassem o país e melhorar o tráfego das já existentes. Uma frase clássica do período anterior define esta urgência de conectar o país, que vai se intensificar nos anos que seguem. Em 25 de agosto de 1928, ao inaugurar a estrada Rio de Janeiro–Petrópolis, nosso 13º presidente da República, Washington Luís Pereira de Souza (1869-1957), havia dito que “governar é abrir estradas”, dando o mote para os governos seguintes.

159 Em Ponta Grossa, há uma gratidão do povo a seu mais ilustre político, Manoel Ribas, que recebe em 1943 busto em bronze do artista José Daros, em reconhecimento, entre outras coisas, pela macademização da estrada de rodagem até Curitiba, o que permitia que se fizesse a viagem entre os dois municípios em duas horas, mesmo em dias de chuva. A cidade fica mais perto da capital, preparando-se para a era do transporte rodoviário de massa. No segundo governo Vargas (1951-1954), impõem-se restrições aos veículos importados, estimulando o surgimento de nossa indústria automobilística, o que vai aos poucos criando a expectativa de que as famílias de classe média poderiam vir a ter seu próprio carro, aumentando assim a demanda por mais e melhores estradas.

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Nos jornais, a presença do trem e da estação se reduz, perdendo a centralidade que tinha nas primeiras décadas do século XX. O modelo das ferrovias foi sendo ultrapassado por outros meios de transporte. Neste clima, a grande inauguração na cidade, no ano de 1948, é a das linhas da Companhia Real de Navegação Aérea, com a presença do governador Moisés Lupion (1908-1991) no aeroporto local, cuja pista é avaliada como excelente. As atividades festivas da viação se deslocam para outros lugares. Agora é o aeroporto o sinônimo de modernidade. Enquanto isso, permanece a crítica à qualidade dos serviços ferroviários, que, mesmo federalizados, encontravam-se sucateados. Os madeireiros ainda reclamam da falta de vagões, o que leva o diretor da R.V.P.S.C., coronel José Machado, a declarar no Diário

dos Campos de 3 de janeiro de 1948 que construiria 3 mil vagões mensais para o transporte de madeira no Paraná e em Santa Catarina. A decadência da Rede era tema

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recorrente neste jornal. Em 8 de janeiro, um artigo reclama do péssimo estado dos carros e da geral falta de higiene, inclusive dos funcionários. O jornal, com ironia, chama os trens de “maravilhas” rodantes, de verdadeiras carroças ferroviárias. Um quadro deprimente para aquela que havia sido a vanguarda do desenvolvimento. Os interesses públicos agora estavam concentrados na construção da estrada de rodagem até Foz do Iguaçu, que tinha tanto uma função estratégica, a de acesso militar à fronteira com o Paraguai e a Argentina, quanto objetivos econômicos e mercantis. Ponta Grossa se faz assim entroncamento rodoviário, fixando a ideia de que as ferrovias já não tinham prioridade como solução viária. O sistema se torna complexo, envolvendo todas as formas de locomoção. Nos jornais, crescem os anúncios de empresas de transporte rodoviário de pessoas e os anúncios de caminhões.

NO TEMPO DO TREM


É neste clima que se dá o que poderíamos chamar de última grande ampliação da ferrovia ligada à cidade. Além de encurtar a distância da linha entre Ponta Grossa e Curitiba, refazendo o traçado que antes passava por Palmeira, e de projetar uma nova autoestrada de 15 metros de largura até Paranaguá, o governo Lupion lança a pedra inaugural do Ramal de Apucarana, um dos marcos deste período, determinando a consolidação do Norte do Paraná como centro produtor que precisava escoar de forma mais barata as suas safras. Esta linha integrará o transporte ferroviário. O vetor do investimento revela que o produto da vez não é mais a madeira, e sim o café. Em 1948, o Paraná era o segundo maior produtor de café do Brasil, com uma safra de 300 milhões de sacas. Esta riqueza passaria por Ponta Grossa, reforçando seu papel de eixo integrador. O lançamento da pedra inaugural se dá fora do Centro, pois a cidade crescera. Ocorre no Rio Verde, nas proximidades do Matadouro Municipal, para onde seguem o governador Lupion e uma comitiva. No local, onde não havia nada ainda, ergue-se uma barraca improvisada, à sombra da qual as autoridades inspecionam o traçado

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que se inaugura no apagar de 1948, em 27 de dezembro. A firma ganhadora da obra pública foi a Byington e Cia, que prometia fazer a estrada em 40 meses, usando para isso pesadas e modernas máquinas encomendadas em São Paulo. A cidade vibra com esta nova ferrovia, pois os escritórios da construtora ficariam aqui, dando início a um novo período de prosperidade. Apesar de todo o entusiasmo político, a obra – que começou em 1949 – sofrerá muitas descontinuidades, com extensos períodos de abandono, seja por carência de recursos, seja por falta de apoio político. Com o objetivo de se fazer um corredor agrícola para a produção dos estados do Centro-Sul, esta ferrovia encurtava a distância entre Apucarana e Ponta Grossa em quase 300 quilômetros, possibilitando novas velocidades para as máquinas, pois o traça-

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | A LENTIDÃO POLÍTICA


do da Rede Viação Paraná–Santa Catarina tinha, como vimos, muitas curvas e poucas obras de arte. A ferrovia viria direto de Apucarana, em um projeto mais econômico. Em vez de percorrer os 626 quilômetros de um traçado complexo e desatualizado, o ramal ficaria com apenas 320 quilômetros. O tempo de viagem cairia de cinco dias para um. Tudo era perfeitamente plausível, o difícil era justificar por que gastar dinheiro com este projeto quando estava em curso a construção da Rodovia do Café, que ligaria os dois municípios, concluída em 25 de julho de 1965. Assim, só dez anos depois da Rodovia do Café e 26 anos depois de seu início – 20 dos quais de total abandono –, é que a Estrada de Ferro Central do Paraná vai ser concluída. Em 1975, a era dos trens de ferro se encontrava em declínio. E o antigo Ramal de Apucarana chegava tarde devido à competição exercida pela rodovia.

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NO TEMPO DO TREM


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O jornal Diário da Tarde, de 27 de setembro de 1948, traz com destaque a ligação ferroviária entre as cidades de Ponta Grossa e Apucarana (Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira/Biblioteca Nacional)

UNIÃO PARANÁ / SANTA CATARINA: 1940 – 1957 | A LENTIDÃO POLÍTICA


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NO TEMPO DO TREM


VELHA SENHORA:

1957 – 1990

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VELHA SENHORA 1957 – 1990 | NO TEMPO DO TREM



DEVAGAR, QUASE PARADA

O

terceiro momento jurídico da estrada de ferro se dá com a criação, em 16 de março de 1957, da empresa Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – R.F.F.S.A., que incorpora todas as empresas estatais da área,

centralizando as ações administrativas no Rio de Janeiro. Com base no sucesso que havia sido o surgimento de outras sociedades por ações, como a Petrobrás, a Fábrica Nacional de Motores, a Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, entre outras, o governo resolve instituir uma empresa que fizesse a reorganização interna e a sistematização das ações e dos investimentos nas ferrovias, que haviam se tornado um peso financeiro para a União. Em 1957, havia a previsão de um prejuízo de 12 bilhões de cruzeiros, o que colocava em pauta a tentativa de reformulação de todo o sistema. As ferrovias arrecadavam, segundo o estudo da comissão de criação, apenas um terço do que gastavam com pessoal. E o material rodante se encontrava em grande

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parte defasado. Depois de sucessivos erros, cometidos desde o início, as ferrovias haviam chegado a uma situação de deterioração que justificaria, para o governo, uma mudança que, logicamente, contou com uma resistência operária, pelo medo de que os ferroviários perdessem seus direitos. As justificativas oficiais aparecem em artigo do Jornal da Tarde, em 9 de janeiro de 1957. A instituição da RFFSA seria “um esforço nacional para o soerguimento de nossas ferrovias, na sua maior parte necessitadas de melhoramentos materiais de vulto elevadíssimo”. E ela nasce ainda da defesa de uma “radical transformação dos métodos administrativos das ferrovias”. Destes argumentos, infere-se que tanto material quanto administrativamente elas não teriam acompanhado o tempo, ainda estavam presas aos conceitos do final do século XIX.

VELHA SENHORA: 1957 – 1990 | DEVAGAR, QUASE PARADA


Uma das perdas simbólicas com a vinda da R.F.F.S.A. foi a quebra do vínculo de identidade local das estradas de ferro, que traziam nomes que anunciavam aspectos culturais da região. Ao padronizar procedimentos, integrando as 18 ferrovias sediadas em 19 estados, houve também um processo de afastamento afetivo entre a comunidade e as empresas ferroviárias. E este esforço de restauração das estradas de ferro nacionais nascia em um momento em que a matriz ferroviária perdia apelo na sociedade brasileira por consumir investimentos que poderiam ser destinados a outros meios de viação. Em matéria de 30 de dezembro de 1958, o Diário dos Campos lembra que o Paraná teve um grande crescimento demográfico por causa da colonização, enquanto a linha ferroviária ainda funcionava apenas como um corredor férreo pelo Paraná, sem o integrar de fato: “Os empreendimentos ferroviários não acompanharam o grande surto de desenvolvimento ocorrido no estado”. Ou seja, refletia ainda uma mentalidade novecentista de integração entre estados e não de integração das

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regiões de nosso estado. Enquanto isso, as forças políticas municipais estavam empenhadas em manter o conceito de Ponta Grossa como cidade-tronco, de “largo estuário de confluência de importantes vias de comunicação”, exigindo que uma nova rodovia, a BR14 passasse por ela. O deputado Júlio Farah tem seu discurso publicado no Diário

dos Campos de 12 de julho de 1957, defendendo que, embora tenhamos a ferrovia, a estrada que ligaria Ventania a Irati tinha que ter como polo a cidade de Ponta Grossa. Segundo o deputado, a nossa ferrovia conseguia atender apenas a uma pequena parcela da necessidade de transporte, que havia crescido com as lavouras de café no Norte do estado: “A via férrea, como é público e notório, não está, como nunca esteve, capacitada para atender a mais de 10% das demandas do transporte”. Seus argumentos reforçam o que defendemos antes, que

NO TEMPO DO TREM


o conceito de cidade-convergência é tanto geográfico quanto político. O que deve orientar os traçados não é o mero encurtamento da distância, mas a ligação entre os principais núcleos urbanos, o que faz Ponta Grossa ser rota obrigatória da BR14. No campo do transporte de passageiros, já são os ônibus que dominam o cenário. O Jornal da Manhã de 3 de dezembro de 1958 anuncia que a empresa Princesa dos Campos, que tem carros rápidos, confortáveis e econômicos, é uma das maiores companhias rodoviárias de transporte do país. Durante as quatro décadas seguintes à criação, quando cresce a demanda por rodovias, a R.F.F.S.A. ganhou presença no imaginário brasileiro, mas já como algo do passado, chegando a receber o carinhoso apelido de “a velha senhora”. É esta a leitura que os cantores e compositores Kleiton e Kledir expressam na música “Maria-fumaça”, revelando o insucesso da proposta de modernização que estava na gênese da estatal. A música acaba com a repetição das siglas da empresa de forma onomatopeica, representação do próprio movimento lento e pesado do trem.

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Essa Maria-fumaça Devagar quase parada Oh, seu foguista Bota fogo na fogueira Que essa chaleira Tem que tá até sexta-feira Na estação de Pedro Osório Sim, senhor! Em tom de brincadeira, os cantores fazem a crítica ao descompasso histórico da ferrovia, agora identificada como atraso, coisa provinciana. No interior do Brasil, os trens

VELHA SENHORA: 1957 – 1990 | DEVAGAR, QUASE PARADA


continuavam ainda na temporalidade da época de sua origem, com locomotivas a vapor se arrastando por linhas serpenteantes. Aos poucos, os passageiros vão trocando a viagem de trem, principalmente nas malhas alongadas por interesse financeiros, pelas viagens de ônibus e carro, desistindo da ferrovia, vista agora como remanescente de outra idade.

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Integrantes da Banda Lyra dos Campos, com o maestro regente Paulino Martins Alves em frente à estação, em 19 de dezembro de 1958 (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

NO TEMPO DO TREM


O ÚLTIMO TREM PARA NA ESTAÇÃO

N

a década de 1980, a Estação Ponta Grossa vivia o seu ocaso como porta de entrada e de saída. A cidade havia crescido em várias direções e o trem era visto como perigo, por causa dos acidentes ocorridos nas

linhas que cruzavam o perímetro urbano (a cidade não contava com passagens de nível), e como atrapalho urbanístico, obrigando os carros a diminuirem a velocidade ou a pararem quando o trem passava. Um verdadeiro entrave para o desenvolvimento urbano, na opinião dos moradores que vinham pressionando os governos municipais. A matéria de página inteira do Diário dos Campos de 6 de abril de 1990 trazia uma foto de um carro esperando a passagem de um comboio, com a legenda: “o trem atrapalhando o trânsito: imagem que ficará para o passado”.

171 A cidade nascida da ferrovia já não se reconhecia nela, o que levou os administradores municipais a buscar soluções que atendessem a um desejo de mudança urbanística radical que começa em 1986, com a construção do Desvio Ribas–Rio Tibagi (inaugurado em 30 de março de 1989), que tirava o trânsito ferroviário do Centro, contornando a cidade. Com esta mudança do traçado, o pátio da Rede pôde ser transferido para Uvaranas. A cidade-entroncamento agora destinava a um de seus bairros extremos a ferrovia, na região onde se iniciava o Ramal de Apucarana, já cônscia de que o uso seria mais para mercadorias do que para passageiros. Priorizando o transporte de cargas, a ferrovia fazia parte apenas da economia local, ausentando-se das experiências cotidianas das pessoas. E, em março de 1990, o prefeito Pedro Wosgrau Filho (1989-1993) assina a escritura de compra da área do pátio central da antiga da R.F.F.S.A., bem como as vias perma-

VELHA SENHORA: 1957 – 1990 | O ÚLTIMO TREM PARA NA ESTAÇÃO


nentes que ligam os bairros de Oficinas e Uvaranas. Entrava em curso a mudança do uso deste espaço urbano, com o rápido apagamento da estrada. Com um triste paralelismo, o ritual de desativação dos trilhos rememorou o da inauguração, mas em uma viagem em sentido inverso. No dia 4 de abril de 1990, o prefeito, o superintendente regional da R.F.F.S.A. e outros políticos tomaram o trem na estação de Oficinas e fizeram a última viagem férrea através do antigo trajeto. Em 1899, as autoridades percorreram o caminho inverso. Saíram da estação recém-inaugurada até as oficinas. Agora, a aglomeração na estação era para desenterrar os dormentes e enterrar um tempo. Uma multidão acabou reunida na praça João Pessoa para este estranho ritual. Houve discursos entusiastas, defendendo que a retirada dos trilhos era um salto para o futuro. Outros se lembravam daquele transporte que não faria mais parte da experiência cotidiana. Segundo o Jornal da Manhã de 5 de abril de 1990, em seu discurso, o superintendente da R.F.F.S.A. lembrou que “a Rede e o município têm um laço histórico

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e de união, e não será pela retirada dos trilhos do Centro que isso irá morrer”. Soavam estranhas estas palavras em um momento em que a comitiva dava o início ao desligamento da linha. Muitos se mostravam alegres, pois era a possibilidade de redesenhar o Centro da cidade e melhorar o fluxo de veículos. Outros devem ter sentido um aperto no peito. Estavam ali para legar ao passado a Ponta Grossa ferroviária: “Retiradas as linhas do trem de ferro, fica para os documentos fotográficos a lembrança da velha Ponta Grossa” (Diário dos Campos, 6 de abril de 1990). Em seu artigo nesta mesma data e no mesmo periódico, o escritor Fernando Vasconcelos escreve um breve histórico da ferrovia na cidade, divulgando os planos do prefeito para a região adquirida, que abrigaria “áreas verdes, pracinhas, canchas esportivas, parques infantis, propiciarão a integração de ruas e avenidas, propiciando (sic) mais beleza visual, mais conforto e segurança à população [...]. Está planejada a construção de um shopping

NO TEMPO DO TREM


center, que será um registro novo e supermoderno na história do comércio local. Serão realizados loteamentos que serão vendidos, existe espaço destinado à venda para a construção de um edifício de escritório e de um hotel dotado de centro de convenções”. O plano inicial era a constituição de um centro novo, aproveitando uma área plana em uma cidade de topografia acidentada. Outros projetos, como o de uso dos trilhos para transporte urbano – no sentido Uvaranas–Cara-Cará – de autoria de Jaime Lerner e datado de 1989, estavam abortados. Agora era expandir a urbe sobre o leito da ferrovia. Estas intenções foram surpreendidas, dias depois, pela lei estadual de tombamento, que vinha proteger as duas estações da cidade. No mesmo ato também foi tombado o prédio da Vila Hilda, onde havia funcionado, de maneira precária, a Biblioteca Municipal. Pelo parecer do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná, datado de 30 de maio de 1990, “as orientações para a ocupação da área envoltória imediata e da área que compõe a paisagem urbana dos edifícios das estações de passageiros da Estrada de Ferro de Ponta Grossa são componentes do processo de tombamento”. Com isso, as utilizações inicialmente previstas precisaram ser repensadas.

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Apesar desta proteção, o pátio de manobras começou a sofrer modificações: abertura de trechos de ruas, o terminal de ônibus, o Parque Ambiental, Shopping Center, Paraguaizinho etc. A cidade foi apertando a estação com novos edifícios, e ela perdeu o seu aspecto de prédio imponente, que dominava a paisagem. O trem já não interferiria na rotina urbana, nem com o barulho das locomotivas, com suas buzinas insistentes, nem com o cruzamento dos trilhos. Tinha ido embora do Centro. A estação ficava vazia, e assim ficaria por anos, guardando a memória solitária de uma cultura de viagem que chegava ao fim. As chegadas e partidas agora aconteciam apenas como memória.

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Retirada dos trilhos na Avenida Carlos Cavalcanti esquina com Rua Conselheiro Barrados (Acervo Casa da Memรณria de Ponta Grossa)

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Imprensa e populares acompanharam a retirada dos trilhos junto à antiga plataforma de embarque (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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Desvio Ribas–Rio Tibagi, inaugurado em 30 de março de 1989, tirava o trânsito ferroviário do Centro, contornando a cidade (Acervo Museu Campos Gerais / UEPG)

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Jornal Diário dos Campos, de 6 de abril de 1990, traz com destaque matéria sobre a retirada dos trilhos de trem da área central da cidade de Ponta Grossa. A área ocupada pela antiga estação foi adquirida pela prefeitura e, entre os melhoramentos para o espaço e entorno, estavam a construção de um shopping center e de prédios comerciais, hotel com centro de convenções, terminal integrado de ônibus, além de um parque ambiental (Acervo Casa da Memória de Ponta Grossa)

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que não se usa desaparece. Com o fechamento da estação, todas as viagens começadas e terminadas ali, todas as paradas rápidas durante quase um século, as pessoas da cidade que apareciam na gare para ver

os trens, para flertar com os viajantes, uma infinidade de olhares que viram a cidade dos vagões – enfim, uma parte imensa da experiência humana ficava trancada no prédio tomado pela imobilidade. Rapidamente, o vazio deixado pelo trem começa a se fazer grande e todos querem o prédio da estação de volta. Depois de muita movimentação política e técnica, em 1995 sai a autorização para o restauro, que permitiria dar um outro uso para ele. Este sentimento acaba traduzido de forma legislativa. Em 8 de julho de 1997, o prefei-

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to Jocelito Canto (1997-2000) sanciona a Lei nº 5811, que rebatiza (sim, novamente) o prédio ultimamente conhecido como Estação da R.F.F.S.A. como Estação Saudade. O edifício é um endereço para onde se dirigem as recordações da população que cresceu e viveu com a trilha sonora dos trens nos trilhos. No ano seguinte, mais uma mudança: a R.F.F.S.A. é privatizada. As ferrovias entravam em sua quarta temporada jurídica, sendo destinadas somente ao transporte de cargas. Não havia mesmo mais espaço para os trens de passageiros a não ser como saudade. Significativamente, é na gestão de Péricles Holleben de Mello (2001-2004), um político ligado à cultura, que o prédio foi restaurado, salvando assim o mais importante bem remanescente da ferrovia. A prefeitura tinha um problema com a biblioteca mu-

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nicipal, que continuava sem prédio próprio. Por isso, destinou a estação à Biblioteca Municipal Bruno Enei, que funcionou ali de 2004 a 2012. As viagens neste período continuaram sendo feitas, mas pelos livros, que não deixam de ser potentes estradas abertas para todas as partes do mundo e para todas as eras. Por inadequação do prédio para este uso, a biblioteca foi transferida para um edifício pós-moderno, deixando novamente a estação com sua área interna vazia, pois a parte externa, principalmente a plataforma, serve de palco para eventos culturais e feiras. Em 2017, na administração do prefeito Marcelo Rangel, o prédio é transferido para o Sesc, sob a presidência de Darci Piana, para que seja transformado em um centro cultural com café-escola. O restauro aconteceu ao longo dos anos de 2018 e 2019, devolvendo à população a oportunidade de frequentar um edifício que sedia a história moderna de Ponta Grossa.

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Se o trem já não passa mais pela estação, o passado continuará passando, em um entroncamento com o futuro.

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POSFÁCIO

Um novo começo Construído nos anos finais do século XIX, o prédio da Estação Saudade foi testemunha de fatos históricos, políticos, econômicos e sociais e presenciou o município de Ponta Grossa saltar dos seus poucos mais de 4.800 habitantes para 351.736, segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2019. A cidade tornou-se próspera, ocupa a 75ª posição no ranking nacional e o Produto Interno Bruto supera os R$11,5 bilhões. Mais de 8.600 empresas compõem o quadro dos estabelecimentos de diferentes atividades econômicas, que juntas geram 85.603 empregos, segundo levantamento do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). Somente o comércio e a prestação de serviços absorvem juntos mais de 72% da mão de obra local. Esses números e histórias são acompanhados de perto pelo Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná desde 1950, quando o Sesc PR instalou em Ponta Grossa uma agência de atendimento, ofertando serviços nas áreas de educação, saúde, ação social e esporte. Em 14 de novembro de 1971, o Centro de Atividades de Ponta Grossa foi inaugurado em sede própria, ampliando a oferta de atividades visando ao bem-estar e saúde do trabalhador do comércio e seus dependentes. Já o Senac PR instalou o primeiro Núcleo de Educação no município em dezembro de 1970, e desde então vem qualificando a mão de obra para o mercado de trabalho. Ainda em 1958, o Sindicato do Comércio Varejista de Ponta Grossa começava suas atividades em defesa do comércio de bens, serviços e turismo e, em 2010, o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios em Mercados, Minimercados,

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Supermercados e Hipermercados de Ponta Grossa e da Região dos Campos Gerais do Paraná. Ao longo dos últimos 15 anos, o Sistema Fecomércio Sesc Senac PR vem cumprindo a tarefa de preservação de imóveis icônicos da vida dos paranaenses, auxiliando o poder público em questões que se revelam complexas e para as quais as entidades mantidas pelo empresariado do comércio podem dar respostas rápidas e efetivas. Assim foi com o Paço da Liberdade, em Curitiba, com o Hotel Cassino, em Foz do Iguaçu, com o Cadeião, em Londrina, e agora com a Estação Saudade, que restaurada torna-se unidade cultural do Sesc PR. Ainda em curso, a reforma do Teatro Geraldo Moreira, em Bela Vista do Paraíso, cidade do Norte do Paraná, que será transformado em unidade de serviços do Sesc, com salas de aula onde o Senac oferecerá cursos de educação profissional. Tombado pela Curadoria de Patrimônio Histórico do Estado do Paraná e pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural desde 1990, o edifício da Estação Saudade, de propriedade do município de Ponta Grossa, foi cedido ao Sesc PR – por meio da Lei Municipal nº 12.465, de 2016 –, por 25 anos, renovável por igual período. “Este prédio foi extremamente importante para o Paraná e foi graças à ferrovia e à central ferroviária que este município e região se desenvolveram e se tornaram conhecidos dentro e fora do Brasil. A cessão da velha estação e bela construção de imensurável valor histórico foi um processo que envolveu diretamente o prefeito Marcelo Rangel, a vice-prefeita Elizabeth Schmidt e a Câmara de Vereadores de Ponta Grossa, recebendo apoio unânime da população da região. Com a entrega da edificação restaurada e a transformando em centro de cultura, cremos que proporcionaremos um salto de desenvolvimento ainda maior para Ponta Grossa, em função das intensas ações que serão promovidas”, pontua o presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR e vice-governador do Paraná, Darci Piana.

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O prédio da Estação Saudade, inaugurado em 1900, foi a principal estação da Companhia Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande do Sul e dali partiam os trechos para o Norte e para o Sul o Brasil. A edificação – de estilo eclético e repleta de elementos decorativos como balaustradas, cornijas, frisos, pilastras –, foi a terceira da cidade a ter dois pavimentos. Nas obras de restauro, que envolveram 37 restauradores e trabalhadores das áreas de construção civil, engenharia e arquitetura, foram preservados ou substituídos por peças iguais, as madeiras de imbuia e pinho das esquadrias, pisos, forros, na escadaria e na bilheteria existente; os ferros utilizados na construção original dos pilares e os detalhes decorativos das esquadrias; os ladrilhos hidráulicos em piscos; os lambrequins de madeira na cobertura da plataforma; as telhas cerâmicas francesas da cobertura do edifício e a telha metálica da cobertura da plataforma e marquise da entrada e os elementos decorativos. “A Estação Saudade por muitos anos ficou praticamente abandonada, inclusive vandalizada e palco, infelizmente, do tráfico de drogas. Conseguimos trazer as famílias novamente para a praça, que assumiram o controle do nosso parque ambiental. O Sistema Fecomércio Sesc Senac PR já demonstrou, desde o primeiro momento, o intuito de resgatar a história e valorizá-la. Somente por meio dessa parceria com a Fecomércio pudemos restaurar o cartão postal da cidade, o prédio mais importante do município, que concentra toda a história do nosso povo, do desenvolvimento e do progresso de Ponta Grossa”, destaca o prefeito de Ponta Grossa, Marcelo Rangel. São 2,748m2 de área construída para receber a população com programação cultural variada, incluindo ações de cinema, música, teatro, dança, biblioteca, exposições, minimuseu, além dos cursos de qualificação profissional como Confeiteiro, Salgadeiro, Auxiliar de Cozinha, de hospitalidade e o Café Escola Estação Saudade. A exemplo do que ocorreu em Curitiba e Londrina, o restauro da Estação Saudade pelo Sesc PR motivará uma série de transformações em seu entorno. Um quadrilátero

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traçado a partir da Rua Fernandes Pinheiro, que passa ao lado da estação e segue até o Mercado Municipal de Ponta Grossa foi revitalizado. Chamado de Projeto Rua da Estação, a iniciativa é uma promoção conjunta da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná, do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PR) e da Prefeitura de Ponta Grossa, com apoio do Sindicato do Comércio Varejista de Ponta Grossa (Sindilojas Ponta Grossa), da Câmara da Mulher Empreendedora e Gestora de Negócios (CMEG), Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (Acipg), RPC, Rede Gastronômica dos Campos Gerais e Conselho Comunitário de Segurança. O objetivo do projeto é aumentar a atratividade do espaço comercial, com isso, agregando novos empreendimentos culturais, gastronômicos, de serviços e de entretenimento. De acordo com Piana, o projeto de revitalização da Rua da Estação segue em paralelo ao da Estação Saudade. “Estes dois projetos são do interesse de todos e vemos a necessidade de envolvimento da população. Empresários e consumidores são protagonistas neste processo e precisamos do seu engajamento”, destaca. Marcelo Rangel acredita que a concretização do projeto proporciona o resgate da dignidade, da história e do orgulho do cidadão. “A Rua Fernandes Pinheiro também era a principal avenida do município por causa da estação. Nos tempos áureos da nossa cidade, o comércio mais forte se concentrava naquela região. Com o passar do tempo, infelizmente com o desuso do prédio, aquela região foi ficando mais degradada e nós tivemos problemas, inclusive de violência. Ficou uma região difícil de controlar do ponto de vista de segurança. Hoje não. Estamos fomentando seu desenvolvimento econômico, com uma lei que oferece benefícios fiscais, em IPTU para restaurantes mais modernos, que ofereçam boa gastronomia, mão de obra qualificada. A região pode retornar aos tempos áureos de desenvolvimento e é claro que precisávamos ter uma matriz de toda a prosperidade da região, que é a Estação Saudade”, destaca Rangel,

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referindo-se à Lei nº 12.840, que dispõe de benefícios fiscais para empreendimentos comerciais do ramo de restaurantes, localizados na Rua da Estação. Com a lei, restaurantes que forem instalados na Rua Fernandes Pinheiro, em imóvel próprio ou locado, poderão solicitar isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) – desde que se enquadrem nas especificações previstas na legislação. O prazo de concessão será de cinco anos, podendo ser ampliado por mais cinco.

Produzido pela equipe de Jornalismo do Núcleo de Comunicação e Marketing do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

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O prefeito de Ponta Grossa, Marcelo Rangel; o presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR e vice-governador do Paraná, Darci Piana; a vice-prefeita de Ponta Grossa, Elizabeth Schmidt, e o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ponta Grossa, José Carlos Loureiro Neto (Crédito Imagem: Ivo Lima)

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Marcas do abandono do prédio (Crédito Imagens: Bruno Tadashi e Ivo Lima)

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Processo de restauro arquitetônico e estrutural e reciclagem da Estação Saudade (Crédito Imagens: Ivo Lima)

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Perspectivas da nova unidade cultural Sesc PR e do Café-escola Senac PR (Crédito: Assessoria de Obras e Arquitetura Sesc PR)

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Registro da cidade de Ponta Grossa, em 2016 (Imagem: Ivo Lima)

Rua Fernandes Pinheiro e a Estação Saudade, em 2016 (Imagem: Ivo Lima)

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FONTES DE CONSULTA JORNAIS O Progresso / Diário dos Campos. Ponta Grossa. Diário da Tarde. Curitiba. Jornal da Manhã. Ponta Grossa. O Paraná. Curitiba.

LIVROS ASSUMPÇÃO, Pamphilo d’. Memorial da Associação Comercial do Paraná. Curitiba: Impressora Paranaense, 1909. BUCHMANN, Ernani. Quando o futebol andava de trem: Memórias dos times ferroviários brasileiros. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004. CARNEIRO, David. D. Pedro II na Província do Paraná. Fascículos. Curitiba: Gazeta do Povo, 2003. DEFINO, Ângelo Luiz De Col. Imortal: Operário Ferroviário. Ponta Grossa: Estrategium, 2012. HOLZMANN, Epaminondas. Cinco Histórias convergentes. 2. ed. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2004. LIRA NETO. Getúlio: 1882-1930. São Paulo: Companhia das Letras: 2012. MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. Vol. VII. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010. SENNA , Ernesto. O Paraná em estrada de ferro. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1900. THOMÉ, Nilson. Trem de ferro: A ferrovia do Contestado. 2. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1983. VARGAS, Getúlio. Diário: 1930-1936. São Paulo: Siciliano, 1995.

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DOCUMENTOS PARCHEN, Rosina. Estação de passageiros da Estrada de Ferro de Ponta Grossa. Patrimônio Histórico e Ar tístico do Paraná, manuscrito datado de 30 de maio de 1990. SILVA , Francisco Xavier da. Mensagem do governador do estado enviada e lida perante o Congresso Legislativo do Paraná em 4 de outubro de 1892. Curitiba: Impressora Paranaense, 1892. –––––. Mensagem do governador do estado enviada e lida perante o Congresso Legislativo do Paraná em 20 de outubro de 1894. Curitiba: Impressora Paranaense, 1894.

DISSERTAÇÕES/TESES MADALOZZO, Nisiane. Memória social e cidade contemporânea: O velho centro ferroviário de Ponta Grossa-PR. Ponta Grossa: 2015. MONASTIRSKY, Leonel Brizola. Cidade e ferrovia: A mitificação do pátio central da RFFSA em Ponta Grossa. Florianópolis, 1997. VIGLUS, Vera Marina. A praça Marechal Floriano Peixoto em Ponta Grossa-Paraná: O processo de urbanização e a constituição de um lugar de memória. Ponta Grossa: 2017.

SITES www.amemoriadosesquecidos.blogspot.com.br http://fabioibrahim.blogspot.com.br/2009/05/o-trem-internacional.html

AGRADECIMENTOS Biblioteca Pública do Paraná – Documentação Paranaense, Casa da Memória de Ponta Grossa, Livraria Fígaro, Paulo José Costa, Museu Campos Gerais, da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Silvia Bocchese de Lima, Sesc PR.

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