Brochura Enlaces

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brochura de conclusões e recomendações


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ficha técnica

Título: Seminário Nacional Educação para o Desenvolvimento e Cooperação Descentralizada: recursos e estratégias locais – Brochura de Conclusões e Recomendações. Coordenação: Sandra Ginjeira João Design gráfico: Marisa Gomes |development communication Paginação: Manuel Costa Edição: Fundação Evangelização e Culturas Data de edição: Fevereiro 2009

© FEC FEC Quinta do Cabeço, Porta D 1885-076 Moscavide • Lisboa • Portugal Tel (+351) 218861710 | 218855478 Fax (+351) 218861708 geral@fecongd.org | www.fecongd.org


Ă­ndice

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NOTA DE ABERTURA . ................................................................................................................ 5 Sandra Ginjeira João, FEC PARTE I. Actores locais e experiências de cooperação descentralizada - apresentadas ao seminário nacional no dia 30 de Junho de 2008 Geminação Loures – Maio: quinze anos de parceria(s) | MARLENE VALENTE, Câmara Municipal de Loures ............................................................................................................................................. 12

Painel 1. Cooperação descentralizada, actores locais e desenvolvimento Desenvolvimento global e novos desafios locais | HENRIQUE LOPES, CESOP da Universidade Católica Portuguesa .......................................................................................................................... 83 Contributo e impacto da cooperação descentralizada portuguesa | ANTÓNIA BARRETO, Instituto Politécnico de Leiria ........................................................................................................................... 91

Rádio Sol Mansi | NUNO INÁCIO, Rádio Voz de Alenquer . .......................................................... 19

Painel 2. O contributo da educação para o desenvolvimento nas acções de cooperação descentralizada

Da geminação de paróquias ao projecto Paguê – Ilha do Príncipe | CRISTINA GABRIEL, Asso-

O «Consenso Europeu» e o contributo da educação para o desenvolvimento | JUAN SOUTO

ciação Ligar à Vida, Paróquia da Ramada.................................................................................... 21

COELHO, Manos Unidas (Espanha)................................................................................................... 94

Orçamento participativo em Cabo Verde | NELSON DIAS, Associação In Loco...................... 23

A visão portuguesa da educação para o desenvolvimento. O papel das autarquias locais | SÉRGIO GUIMARÃES, Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento.................................... 99

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PARTE II. Municípios parceiros do projecto Enlaces: experiências de cooperação descentralizada e de educação para o desenvolvimento - apresentadas ao seminário nacional no dia 30 de Junho de 2008

Remando juntos no mesmo barco: cooperação descentralizada e educação para o desenvolvimento | FÁTIMA PROENÇA, Associação para a Cooperação entre os Povos e Plataforma Portuguesa das ONGD...................................................................................................................... 102

As geminações e o desafio da ED | VERA REIS, Câmara Municipal de Aveiro.......................... 30 Educar a cooperar |RAQUEL BIZARRO, Câmara Municipal de Grândola.................................. 36 Geminação com Catió: a experiência e o relatório de uma viagem | AMADEU ALBERGARIA, Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.......................................... 40 A cooperação e a experiência em ED: o Pensa Glocal | SÍLVIA PEREIRA, Câmara Municipal do Seixal...................................................................................................................................................... 48 Projecto Um Milénio de Todos | CATARINA FERREIRA e VANDA NARCISO, Câmara Municipal de Setúbal.................................................................................................................................................. 56 ED: a experiência escolar | PEDRO NETO, Orbis – Cooperação e Desenvolvimento ............... 62

PARTE III. Das experiências para as reflexões: contributos - comunicações ao seminário nacional no dia 1 de Julho de 2008 Sessão de Abertura JORGE LÍBANO MONTEIRO, Fundação Evangelização e Culturas................................................ 72 CONCEIÇÃO LOUREIRO, Câmara Municipal de Setúbal . ............................................................ 75 MANUEL CARMELO ROSA, Fundação Calouste Gulbenkian......................................................... 77 JOÃO GOMES CRAVINHO, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação............................................................................................................................... 80

Painel 3. Educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: recursos e estratégias locais Cooperação e desenvolvimento: a perspectiva do poder local | JOÃO SANDE E CASTRO, Câmara Municipal de Cascais........................................................................................................ 105 As parcerias e a mobilização da sociedade civil | ALADJE BALDÉ, Plan Internacional na GuinéBissau................................................................................................................................................... 110 O conhecimento para o diálogo social e o desenvolvimento | ANDRÉ CORSINO TOLENTINO, Banco Mundial................................................................................................................................... 114

Encerramento Conclusões e recomendações | CORÁLIA LOUREIRO, Câmara Municipal do Seixal................118


nota de abertura Sandra Ginjeira Jo達o

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Educação para o Desenvolvimento e Cooperação Descentralizada:

ma global, comum, que afecta outras dimensões e a todos, e para cujas

recursos e estratégias locais foi o tema do Seminário Nacional promovido

causas e respostas existe uma co-responsabilidade. Para tal, é também

pela FEC nos dias 30 de Junho e 1 de Julho de 2008, na Fundação Ca-

preciso criar mecanismos que favoreçam um maior conhecimento e

louste Gulbenkian, em Lisboa. Tratou-se de uma iniciativa enquadrada no

diálogo entre o Norte e o Sul, que ajude a construir relações de paridade

projecto Enlaces, projecto que a FEC desenvolveu, entre Abril de 2007 e

– e simultaneamente combata os velhos estereótipos de vazio cultural do

Agosto de 2008, em parceria com as Câmaras Municipais de Aveiro, de

Sul – e que estimulem a participação activa e crítica das pessoas quanto

Grândola, de Santa Maria da Feira, do Seixal e de Setúbal e a Associação

às questões do Desenvolvimento. No plano da política de Desenvolvimento europeia, é já claro o reconhecimento do contributo da ED para se atingirem os compromissos globais, do papel dos actores locais neste processo e da própria estratégia de parceria entre actores. O Consenso Europeu para o Desenvolvimento define que o objectivo da cooperação é eliminar a pobreza, o que inclui a agenda dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, e consagra como dois dos cinco princípios comuns para esse esforço: (i) a apropriação e parceria, sublinhando as ideias da co-responsabilidade e do diálogo no processo de Desenvolvimento, e (ii) a participação da sociedade civil, reconhecendo que no espaço europeu «especial atenção» deve ser dada à ED e sensibilização dos cidadãos para que tomem parte neste processo.1 No plano nacional, este mesmo enquadramento político encontra-se expresso em Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa. A ED é identificada como «(…) uma prioridade importante da Cooperação Portuguesa. É fundamental criar conhecimento e sensibilizar a opinião pública portuguesa para as temáticas da cooperação internacional e para a participação activa na cidadania global. (…) constitui um importante factor de formação cívica, em particular para que as camadas mais jovens da população portuguesa tenham capacidade de participar plenamente na resposta aos desafios globais que se colocam no horizonte.». Neste mesmo documento de orientação estratégica, a cooperação descentralizada é reconhecida como uma resposta às novas dinâmicas da sociedade, que promove a participação e maior responsabilidade dos actores locais no

Orbis - Cooperação e Desenvolvimento, e com o co-financiamento do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento. São as experiências destes Municípios e de diversos actores locais e os contributos de pessoas de várias esferas – da política à académica – apresentados a esse Seminário que dão corpo a esta Brochura de Conclusões e Recomendações.

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Educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: proposta à escala local com actores locais. O caso do projecto Enlaces O contexto em que se coloca o actual debate sobre o Desenvolvimento é o da contínua globalização e dos seus efeitos de interdependência e de novas configurações de fronteiras de Norte e de Sul ou de global e de local. Este contexto evidencia a inter-relação entre o Desenvolvimento e preocupações como a paz, a segurança, as migrações e a sustentabilidade ambiental, assim como entre estas questões globais e as suas causas-efeitos à escala local. O Desenvolvimento é cada vez mais encarado pela agenda política internacional como processo de resposta às novas dinâmicas da sociedade, e este cenário é, por isso, um desafio e uma oportunidade para repensar os modelos de cooperação. Nesse sentido, tem vindo a ser sublinhada a necessidade de uma maior concertação de iniciativas, de efectivo diálogo e parceria entre os vários actores e de ampla sensibilização e participação das pessoas para a erradicação da pobreza. Perante estes desafios, a Educação para o Desenvolvimento (ED) e sensibilização dos cidadãos é também cada vez mais uma peça chave que importa integrar na estratégia de cooperação de todos os actores, na esfera internacional e local. É preciso criar uma opinião pública mais consciente da complexa rede global, das relações de interdependência e da noção de pobreza não como um problema do Sul, mas como proble-

Declaração sobre a política de desenvolvimento da União Europeia (UE), assinada em 2005, e que vem definir, pela primeira vez em cinquenta anos de cooperação, a visão e política comum pela qual a UE e Estados-Membros passam a executar as suas políticas de desenvolvimento «num espírito de complementaridade». (Cf. União Europeia, 2006 (2005), O Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento, Jornal Oficial da União Europeia C 46 de 24 Fevereiro, p. 3-4. [ http://eur-lex. europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2006:046:0001 :0019:PT:PDF ].

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processo de cooperação e contribui para reforçar a sociedade civil dos países do Sul. Considera-se a importância da «concertação e complementaridade entre os diversos actores, potenciando abordagens e projectos integrados através do desenvolvimento de parcerias público-privadas».2 No quadro da cooperação descentralizada, é ainda sublinhado o papel relevante das câmaras municipais e das associações de municípios como parceiros no esforço de cooperação portuguesa. O Acordo de Parceiros entre o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), assinado em 2005, vem reforçar a vontade política para integrar e valorizar os Municípios como parceiros do Estado na prossecução dos seus objectivos e compromissos internacionais para o Desenvolvimento. É neste contexto global, com este enquadramento político, e segundo uma abordagem de ED como educação global que visa a implicação das pessoas num processo em que todos têm a ganhar, que o projecto Enlaces se situa. Na sua especificidade, o Enlaces orienta esta abordagem para o espaço local através de uma rede de actores locais, congregada numa lógica de parceria pelo Município – potencialmente actor de cooperação descentralizada. Para promover a integração da ED no espaço local, o projecto visa contribuir para o desenvolvimento de competências de actores que, pelas responsabilidades de intervenção que têm no seu concelho (âmbitos educativo, social, cultural), são potenciais agentes de ED, e para quem as questões do Desenvolvimento e da cooperação podem ser ainda domínios pouco próximos da sua acção profissional. O objectivo específico deste projecto é, nesse sentido, o de conscientizar, capacitar e mobilizar equipas multi-sectoriais em ligação a Municípios Portugueses para a intervenção em ED no espaço local, potenciando recursos e estratégias locais. A sua proposta de trabalho é baseada na realização de um percurso de formação, após o qual cada equipa multi-sectorial, numa perspectiva de trabalho em rede e através de recursos e estratégias locais, define um plano de acção e realiza acções de ED no seu concelho,

procurando uma articulação entre estas acções e a cooperação intermunicipal. Em síntese, o conceito do Enlaces é formado pela coexistência de três elementos: (i) a rede de parceria entre município e actores da sociedade civil do concelho, (ii) para uma intervenção que articula a ED no concelho e a cooperação descentralizada promovida pelo município (nomeadamente através das geminações), e (iii) desenvolvida através de recursos e estratégias locais. O projecto toma como quadro de fundo a relação de sinergias e complementaridades entre a ED e a cooperação descentralizada, procurando promover uma concertação local a favor do Desenvolvimento. As razões que estão na base desta opção de projecto podem ser sintetizadas em cinco factores. Primeiro, porque se entende que a sensibilização da opinião pública para as questões do Desenvolvimento deve cada vez mais ganhar raízes a nível local, pois é neste espaço que as pessoas lidam com os problemas globais e é aqui também que podem começar as soluções e mudanças. Segundo, porque os actores locais, pela sua capacidade de proximidade e assertividade com as comunidades, (i) são interlocutores privilegiados de ED, (ii) têm mais capacidade de relacionar os fenómenos globais com o desenvolvimento local e vice-versa, (iii) sabem que estratégias utilizar e como as adequar, (iv) têm mais capacidade de criar e manter estruturas de participação ao alcance das pessoas, e (v) oferecem mais possibilidades de multiplicar esse investimento. Terceiro, porque a abordagem multi-parceiros favorece a multiplicidade de visões e competências, optimiza recursos, e reforça o sentido de objectivo e responsabilidade comuns. Quarto, porque a cooperação descentralizada desenvolvida pelo município, nomeadamente através de geminações com congéneres dos países do Sul, é também um importante mecanismo de concertação de iniciativas locais, de aproximação e diálogo Norte-Sul e de participação dos cidadãos. Quinto, e último, porque integrar a ED na estratégia de cooperação intermunicipal resulta quer na mobilização de novas parcerias, competências e recursos para as acções de cooperação, quer na formação de uma comunidade local mais consciente,

Portugal, Ministério dos Negócios Estrangeiros/Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 2006 (2005), Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005), Lisboa: IPAD, p. 28 e 40. 2

cidadã e inclusiva.

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O Seminário Nacional

destacar, sobretudo, as relações de parceria, as capacidades locais endógenas e os mecanismos de diálogo e de efectivo conhecimento entre

A definição programática do Seminário Nacional (SN) foi traçada de

Norte e Sul – absolutamente determinantes para relações de parceria,

acordo com dois eixos. O primeiro foi baseado no objectivo geral de levar

de paridade, de cooperação (nesse sentido primeiro de cooperação ou

a debate a relação de complementaridades e sinergias entre a coope-

de operação conjunta).

ração descentralizada e a ED, tendo por base a própria experiência do projecto Enlaces e dos actores locais envolvidos. O segundo, centrar-se

A Brochura de Conclusões e Recomendações

no papel dos actores locais, situando-o e destacando-o no contexto e na

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política de desenvolvimento global. A orientação pretendida para o SN foi,

A Brochura está organizada em três partes. Na parte I encontram-se as

assim, sistematizada em quatro objectivos específicos: contribuir para (i)

experiências de actores locais convidados para o primeiro dia do SN,

a análise do contexto e do contributo dos actores locais na cooperação

essencialmente relativas a acções de cooperação. A parte II integra as

para o desenvolvimento, nomeadamente do panorama português, (ii) a

experiências dos seis parceiros do projecto Enlaces, igualmente apresenta-

reflexão sobre a importância de integrar a ED na política de cooperação

das no primeiro dia do SN, com acções quer do domínio da cooperação,

descentralizada, (iii) a discussão de recursos e estratégias de base local

quer do domínio da ED (no âmbito ou além projecto Enlaces). E na parte III

que potenciem a relação entre a ED e a cooperação descentralizada, e

estão reunidas as comunicações apresentadas no segundo dia do SN.

(iv) o lançamento de um quadro de conclusões e recomendações úteis

As conclusões e recomendações propriamente ditas – enquanto con-

à definição de estratégias (locais).

junto sistematizado – encontram-se na comunicação de encerramento,

Em termos de estrutura e metodologia, o SN foi organizado segundo duas

verbalizadas, a nosso convite, pela Vereadora da Câmara Municipal do

abordagens, correspondentes aos dois dias, procurando diversificar e

Seixal. Importa fazer duas notas sobre esta sistematização. A primeira nota

cruzar ângulos de análise. O primeiro dia foi orientado para o plano das

é a de que esta sistematização deriva, essencialmente, dos trabalhos do

experiências, e, através de uma metodologia de trabalho informal, pro-

primeiro dia do SN, reflectindo, por isso, muito mais, preocupações/visões

porcionar o intercâmbio e a discussão de estratégias entre actores locais.

de escala técnica. A segunda nota – do que se depreende da primeira – é

Neste primeiro dia, foram apresentadas as experiências dos Parceiros

que esta sistematização está apenas a meio (se tanto) de todo o conjunto

do projecto Enlaces e de outros actores locais, no geral, entidades com

de reflexões e orientações lançadas no SN pelos seus vários intervenientes

diferentes perfis institucionais e campos de trabalho. O segundo dia foi

ao longo dos dois dias. É, por isso, a leitura de cada contributo apresentado

encarado como espaço de encontro entre actores, quadros reflexivos e

– em si mesmo uma unidade – que permitirá ao leitor (e actor) retirar outras

estruturas políticas, essencial para um debate amplo, crítico e gerador de

conclusões e recomendações úteis à definição de estratégias.

compromissos. O programa deste segundo dia foi organizado em três pai-

Os conteúdos reunidos nesta Brochura foram rectificados e/ou alargados

néis temáticos: (i) o primeiro foi dedicado à cooperação descentralizada,

por cada um dos seus autores face ao apresentado no Seminário, de

procurando situar o papel dos actores locais no contexto e na política de

forma a ser proporcionada uma melhor leitura e atendendo a que várias

desenvolvimento global, e discutir a experiência destes actores no caso

das comunicações foram lesadas por constrangimentos de tempo. Por

português; (ii) o segundo foi dedicado à inter-relação necessária entre a

motivos alheios à FEC encontra-se ausente da Brochura a comunicação

ED e a cooperação descentralizada, e (iii) o terceiro painel dedicado à

apresentada ao segundo dia do Seminário por Rogério Roque Amaro sob

discussão de recursos e estratégias locais que potenciem a articulação

o título «Promover recursos locais».

entre a ED e a cooperação descentralizada, com o qual se procurou


Nota final de agradecimento O projecto Enlaces é uma concretização conjunta de muitas pessoas e entidades. Um agradecimento é, por isso, devido, em primeiro lugar, aos parceiros deste projecto, Municípios e Associação Orbis, a um conjunto de 50 profissionais de 30 entidades locais directamente envolvidas, e especialmente aos técnicos dos Municípios e da Orbis que geriram o projecto a nível local, Vera Reis, Raquel Bizarro, Roberto Reis, Maria do Rosário Meneses, Sílvia Pereira, Catarina Ferreira, Vanda Narciso e Pedro Neto. Um agradecimento à equipa de formadores constituída para este projecto e que muito contribuiu para o seu resultado, Maria Manuela Afonso, Carlos Lopes, Ana Isabel Castanheira, Rogério Roque Amaro e Leonor Gandra. Um agradecimento ao Luís Mah e à instituição que representa, Objectivo 2015-Campanha do Milénio das Nações Unidas, que apoiou e se implicou activamente neste projecto. Um agradecimento a todas as pessoas e entidades envolvidas na realização do Seminário Nacional, na qualidade de oradores e de moderadores, e ainda em diferentes domínios da concepção de bastidores, especialmente Sandra Lemos e Marisa Gomes. Finalmente, um agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, que apoiou incondicionalmente a realização do Seminário Nacional, e ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento que co-financiou o projecto Enlaces, nele incluído o Seminário Nacional e esta Brochura.

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parte I | actores locais 11 e experiências de cooperação descentralizada apresentadas ao seminário nacional no dia 30 de Junho de 2008

Moderadores dos debates ELZA CHAMBEL | Presidente do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado LUÍS MAH | Coordenador do Objectivo 2015 – Campanha do Milénio das Nações Unidas MIGUEL SILVA | Coordenador do Programa Educação para a Cidadania Mundial do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa


A experiência Bom dia a todos. Em primeiro lugar, agradecer à FEC, e especialmente na pessoa da Dra. Sandra João, o convite que fez à Câmara Municipal de Loures para estar aqui presente hoje e relatar a sua experiência de geminação com a Ilha do Maio em Cabo Verde. Espero suscitar o interesse de todos vós. Confesso que em quinze minutos contar esta história que leva quinze anos não vai ser fácil. A nossa história chama-se Geminação Loures – Maio: quinze anos de parceria, parcerias, e vão perceber porquê. Na década de noventa, e no âmbito de uma política municipal de cooperação para o desenvolvimento, estruturada na existência em Loures

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Geminação Loures – Maio: 15 anos de parceria(s) Marlene Valente

Técnica Responsável da Área de Geminações e Cooperação da Divisão de Relações Exteriores e Protocolo da Câmara Municipal de Loures

de várias comunidades migrantes provenientes de antigos territórios portugueses, a Câmara Municipal de Loures definiu, como elemento importante da sua política externa, o estabelecimento de geminações. Foram então firmados Protocolos de Geminação e Acordos de Cooperação com quatro municípios. É sobre a Geminação com a Ilha do Maio, que vamos de facto falar hoje. Em 23 de Maio de 1993, e após conversações e visitas recíprocas entre as duas autarquias, Maio e Loures, foi firmado um protocolo de cooperação e acordo de geminação, alicerçado na existência em Loures de uma grande comunidade cabo-verdiana, em fortes laços de amizade, na vontade de combater o racismo e xenofobia e de contribuir solidariamente para o desenvolvimento e bem-estar da população do município Maiense.

Câmara Municipal de Loures Divisão de Relações Exteriores e Protocolo Área de Geminações e Cooperação Praça da Liberdade 2674-501 Loures • Portugal  Tel (+351) 219 829 890 | Fax  (+351) 219 829 896 drep@cm-loures.pt | www.cm-loures.pt

Áreas de Cooperação Protocoladas Desenvolvimento Económico, Associativismo e Cooperativismo, Educação e Formação Profissional, Fomento Desportivo, Intercâmbio Cultural, Organização de Serviços, Comunidades Migrantes, Planeamento e Urbanismo, Infra-estruturas e Saúde.

As áreas protocoladas foram definidas e decididas por ambos os parceiros, considerando as reais necessidades do Maio e a capacidade e disponibilidade da Câmara Municipal de Loures para poder contribuir para a satisfação das mesmas. Até 2002/2003, sensivelmente, a Câmara

Marlene Valente marlene_valente@cm-loures.pt

Municipal de Loures actuou nos domínios protocolados com doações de natureza diversa e intervenções pontuais de pequena escala, executa-


das com recursos humanos, materiais e financeiros próprios. São várias as

Portanto, as questões ambientais na Ilha do Maio – isto foi em 2001 – já

acções realizadas, mas vou apenas destacar uma ou duas, aquelas que

tinham importância na época e continuam a tê-la, na preservação do

acompanhei mais de perto. Todas elas tiveram de facto o seu interesse

ambiente, na salvaguarda de um conjunto de espaços e, sobretudo, não

e a sua importância, tendo em atenção o enquadramento temporal e

esquecer as tartarugas – que não estando aqui frisadas – são uma questão

social e também o desenvolvimento do Maio na época em que foram

muito premente. Destaco outras duas ou três acções: o projecto Vamos

implementadas.

Limpar o Maio, um projecto concebido e executado por técnicos do De-

Acções realizadas na Ilha do Maio – Intercâmbio de delegações institucionais – Participação de grupos culturais maienses em iniciativas de Loures – Equipamento para o parque infantil da Vila do Maio – Estágios em Loures para 2 técnicos municipais maienses – Projectos de formação em educação ambiental para professores maienses, ministrada pela Associação Portuguesa de Educação Ambiental: cinco professores da Ilha do Maio deslocaram-se a Portugal durante dez dias para uma acção de formação – Doação de equipamento audiovisual e acervo bibliográfico (568 livros de autores portugueses) para a Biblioteca do Maio – Oferta de equipamento e material desportivo – Oferta de material de tecelagem para apoio ao artesanato – Doação de 1 jipe e 1 autocarro de 30 lugares para transporte escolar – Bolsas de estudo para 2 técnicos municipais frequentarem o Curso de Administração Local promovido pelas Associações Nacionais de Municípios de Portugal e Cabo Verde – Promoção de acções de formação: informática, finanças, música, desporto, urbanismo e saneamento – Concepção de logótipo para o Departamento de Ambiente da Câmara Municipal do Maio – Projecto «Vamos Limpar o Maio» - Saneamento Básico e Limpeza Urbana: acções de sensibilização e oferta de viatura com caixa basculante para recolha do lixo, papeleiras, contentores, carrinhos para recolha de lixo e fardamento municipal – Saúde: projectos de formação “Prevenir para Não Remediar”, oferta de gerador eléctrico, material médico e medicamentos para o Centro de Saúde da Vila do Maio – Comparticipação financeira no Projecto de Cartografia Digital para o Arquipélago de Cabo Verde; projecto conjunto das Associações Nacionais de Municípios de Portugal e Cabo Verde.

partamento de Ambiente da Câmara Municipal de Loures, que fizeram acções de sensibilização nas escolas, aos alunos, aos professores, e ainda uma formação técnica muito rudimentar aos empregados de limpeza urbana da Câmara do Maio. Nesta altura, o Maio não tinha caixotes do lixo, não tinha carrinhos de recolha do lixo, não havia sequer recolha do lixo, portanto as pessoas punham o lixo pura e simplesmente na rua. Este projecto englobou o envio de uma viatura com uma caixa basculante, o envio de vários contentores e, portanto, foi possível começar a sensibilizar as pessoas, pelo menos no centro mais urbano, a Vila do Maio, para esta questão de colocar o lixo nos caixotes e não o pôr na rua. Surgiu uma dificuldade: não havia sacos de plástico. Portanto, foi também necessário enviar alguns sacos de plástico. Mas foi o início de um trabalho muito interessante que tem vindo a decorrer e como verão depois, tem culminado em projectos mais abrangentes. Na área da saúde, tivemos duas acções de formação, dois projectos que chamámos Prevenir para não Remediar, e que tinham como objectivo formar professores, enfermeiros e técnicos dos postos de saúde em questões da saúde sexual reprodutiva, doenças sexualmente transmissíveis e a prevenção da gravidez na adolescência. Paralelamente, foram doados equipamentos para o centro de saúde do Maio. Referir que estes dois projectos tiveram na época o apoio financeiro do Instituto da Cooperação Portuguesa, através do programa de cooperação intermunicipal. Há também o projecto de Cartografia Digital do arquipélago de Cabo Verde. Finalmente está concluída a cartografia digital e a Câmara de Loures comparticipou financeiramente para o projecto. No campo das infra-estruturas várias foram as intervenções, se as nomear não traduzem de facto a importância e a visibilidade do que foi feito e construído, mas elas trouxeram, efectivamente, uma grande melhoria às

Destaco a doação de 568 livros de autores portugueses para a biblioteca do Maio e os projectos de educação ambiental para professores do Maio.

condições de vida das pessoas.

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Infra-estruturas – Apoio à construção da Unidade Sanitária de Base de Pilão Cão e dos Postos Sanitários da Calheta e de Cascabulho – Apoio à construção do complexo desportivo da Vila do Maio – Apoio à electrificação da Vila do Barreiro – Apoio à construção do troço de estrada para a Vila do Barreiro – Participação no programa de autoconstrução de 20 habitações – Oferta de 7km de tubagem e acessórios para abastecimento de água à Calheta.

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essencialmente de índole financeira e know-how, mas que podem e devem ser contornadas através de parcerias com entidades da sociedade civil que comungam dos mesmos objectivos da ajuda ao desenvolvimento. E, portanto, foi neste sentido, e procurando a concertação de esforços, meios e iniciativas, que a Câmara de Loures estabeleceu dois Protocolos de Cooperação com duas ONGD com larga experiência e reconhecido trabalho em várias áreas e países, nomeadamente em Cabo Verde: a Associação Saúde em Português e o Instituto Marquês de Valle Flôr. Com

Neste momento, e iniciado em 2004, a Câmara de Loures tem a decorrer

o Instituto Marquês de Valle Flôr enveredámos por uma nova forma de

um projecto a que chamamos a Criação do Serviço de Protecção Civil

cooperação com o Município Maiense, participando na concepção

e do Corpo de Bombeiros da Ilha do Maio – CSPCCBIM. É um projecto

e execução de projectos mais abrangentes, integrados e de avultado

concebido e executado pelo nosso Serviço Municipal de Protecção

investimento, só possíveis porque alguns beneficiam da comparticipação fi-

Civil. Associado ao projecto temos várias Corporações de Bombeiros que

nanceira da União Europeia, na linha da sociedade civil, e do IPAD, na linha

têm oferecido viaturas, fardamento, materiais de combate a incêndio.

das ONG. Foi então, com o Instituto Marquês de Valle Flôr, que realizámos

É um projecto que está a ser muito acarinhado pela Ilha do Maio e tem

o Projecto de Desenvolvimento Sustentado da Ilha do Maio (2003 a 2006).

um apoio muito interessante do Serviço Nacional de Protecção Civil de

O projecto, já concluído, teve o co-financiamento da União Europeia.

Cabo Verde. Acções realizadas no âmbito do CSPCCBIM – Formação teórico-prática em socorrismo, combate a incêndios, salvamento no mar e condução defensiva de veículos prioritários – Elaboração e teste do plano de emergência e evacuação do liceu – Envio de viaturas, fardamento e materiais de combate a incêndios.

Passo agora para o plano daquilo que consideramos ser o sucesso desta geminação: as PARCERIAS! Não só a que existe entre a autarquia de Loures e do Maio, que tem sido uma parceria muito profícua e muito estreita, mas também com todas as outras parcerias, formais e informais, que, ao longo destes anos e por inerência das acções e dos projectos, se vieram criando. Com o gradual estreitar dos laços, o maior conhecimento da realidade, necessidades e prioridades do Maio, a Câmara de Loures entendeu que os objectivos a que se tinha proposto impunham o desafio de intervenções continuadas e estruturantes, apoiadas em projectos mais vastos e complexos, que trariam eficácia e eficiência à sustentabilidade do desenvolvimento que se pretende para a Ilha do Maio. No domínio da cooperação inter-municipal, muitas dificuldades se levantam ainda,

Projecto de Desenvolvimento Sustentado da Ilha do Maio Objectivos – Contribuir para o desenvolvimento e dinamização do tecido económico da Ilha – Contribuir para a capacitação profissional de jovens desempregados e mães solteiras chefes de família – Melhorar a assistência médica e a educação para a saúde – Melhorar as condições de saneamento através do abastecimento de água e tratamento de lixos – Melhorar e aumentar a produtividade agrícola com a introdução de novas técnicas agrícolas. Áreas do Projecto – Formação Profissional: Carpintaria, Electricidade, Construção civil, Cerâmica e Olaria, Tecelagem e Tingimento, Culinária e Mecânica – Saúde: Planeamento familiar, Vacinação, Aquisição de material de apoio aos cuidados materno-infantis e Reabilitação e equipamento do Laboratório do Centro de Saúde – Apoio a Actividades Geradoras de Rendimento: Redinamização do Centro de Cerâmica do Morro, Instalação e funcionamento de uma microempresa de carpintaria e marcenaria e Dinamização da oficina de mecânica – Água e Saneamento: Construção de uma lixeira melhorada, Aquisição de contentores para recolha de lixo, Aquisição de uma viatura para recolha de lixo, Programa de sensibilização e educação sobre higiene da água,


higiene alimentar e tratamento de lixo e Introdução de uma nova unidade de produção de água dessalinizada para consumo e libertação de água salobra para uso agrícola – Agricultura: Introdução de 7 sistemas de rega gota-a-gota para 1 hectare, Formação sobre introdução de novas práticas de irrigação e produção, Instalação de 10 bombas de água com funcionamento a energia solar, Construção de 10 reservatórios de água, Sessões de formação e sensibilização da população sobre economia e boa gestão da água e Promoção do microcrédito em parceria com a Caixa de Crédito Mútuo Maiense.

Sendo um projecto de desenvolvimento integrado, incidiu em várias áreas. Na formação profissional, ministraram-se diversos cursos que foram posteriormente reconhecidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional de Cabo Verde e, uma vez que os formandos não tinham as habilitações mínimas necessárias para a integração nestes cursos, tiveram, paralelamente, aulas no ensino pós-laboral para complemento da formação profissional. Houve intervenção também na área da saúde, apoio às actividades geradoras de rendimento, às questões da água e do saneamento que são de facto áreas prementes. Sendo uma das áreas mais importantes e com maior impacto, dada a escassez de água para consumo e para agricultura, quero apenas referir que com a introdução da dessalinizadora se conseguiu um aumento de disponibilidade de água para quatro novas localidades. O abastecimento de água em algumas localidades ainda é feito com autotanques que entregam a água porta a porta enchendo os depósitos das casas. Na agricultura, várias acções foram realizadas, mas vou apenas referir que com a instalação das bombas de água a energia solar foi possível melhorar a qualidade da água, a preservação dos lençóis freáticos, o aumento de disponibilidade de água para rega, e – este factor é muito importante – a poupança de 10 mil Escudos Cabo-verdianos, ou seja, o equivalente a 100 Euros/mês por agricultor em combustível. Em Agosto de 2006 iniciámos um outro projecto com o Instituto Marquês de Valle Flôr, (2006-2010), também co-financiado pela União Europeia, o Projecto de Abastecimento de Água e Ecosaneamento na Ilha do Maio, que tem como objectivo melhorar a qualidade de vida da população da Ilha, implementando mecanismos que resolvam os constrangimentos do

abastecimento da água e saneamento básico naquele território. Devido à natureza deste projecto, que incide essencialmente nas questões da água e do saneamento, conseguimos um parceiro fundamental, os Serviços Municipalizados de Loures, que desde o início se associaram a este projecto e que têm colaborado imenso, quer no apoio técnico, quer nos pareceres técnicos, quer nas intervenções de técnicos no terreno e em actuações cá. As acções previstas estão associadas a actividades de fornecimento de água, agora com o objectivo de integrar outras localidades não abrangidas no projecto anterior. Actividades previstas no âmbito do Projecto de Abastecimento de Água e Eco-saneamento (2006-2010) – Actividades de Fornecimento de Água: Aquisição de máquina de dessalinização por osmose inversa de 300m³/dia, Construção de 3 furos de captação de água do mar para suportar a máquina de dessalinização, 300 ligações domiciliárias ao sistema de abastecimento de água (apoio técnico dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) e Construção de 5 sistemas de correcção torrencial – Eco-Saneamento: Construção na Vila do Barreiro da rede de esgotos e de uma estação de tratamento de águas residuais (sistema de lagunagem com macrófitas) (apoio técnico e estágio de técnico nos SMAS) – Melhoramento do Saneamento Rural: Construção de 150 casas de banho nas comunidades mais pobres – Campanhas de Sensibilização e Formação: Campanhas de Sensibilização e Educação e Formação (apoio técnico dos SMAS).

Neste projecto, o que quero realçar é que a construção dos furos de captação de água para abastecimento da dessalinizadora são feitos em cima da praia, no areal. A água para consumo humano na Ilha do Maio é toda ela água dessalinizada. Falemos agora do ecosaneamento. São nestes três pontos, o ecosaneamento, o melhoramento do saneamento rural e as campanhas de sensibilização e formação, que temos um apoio muito importante dos Serviços Municipalizados de Loures. Na Vila do Barreiro, uma vila dividida ao meio por um vale, com casas em ambas as elevações laterais, vai ser construída, no vale, uma pequena estação de tratamento de águas residuais; é um sistema com macrófitas cujas plantas são autóctones. Começou por ser os Serviços Municipalizados a dar-nos o apoio técnico para o projecto de construção desta ETAR. A pessoa envolvida era um dos

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administradores que tendo saído para a Simtejo não deixou de continuar

expressa vontade política por parte da Câmara de Loures e um grande

a envolver-se no projecto e, portanto, também agora a Simtejo, através

esforço na mobilização de recursos para outro município, resultando

do seu administrador, vai fazer o projecto do redimensionamento da ETAR,

daí um importante e reconhecido trabalho de efectiva cooperação

como lhe chamamos. Quanto ao melhoramento do saneamento rural, vão

descentralizada. O resultado positivo destes quinze anos de cooperação

ser construídas casas de banho no Barreiro, vai ser feito todo o sistema de

é patente no progresso da Ilha, na melhoria das condições de vida e

esgotos. Foram igualmente os Serviços Municipalizados que conceberam,

bem-estar da sua população. Mas o sucesso desta intervenção no Maio

aqui em Portugal, todo o projecto da rede de esgotos. Para acompanhar

deve-se, essencialmente, à estreita articulação com o congénere Cabo-

os trabalhos no terreno, tivemos connosco o Edson, um jovem que durante

-Verdiano, que tem sabido definir as suas necessidades e prioridades no

um mês fez estágio nos Serviços Municipalizados, passando pelos serviços

sentido da complementaridade das acções e projectos, e também ao

de águas e de esgotos. Ele é um dos técnicos do Serviço de Águas do

estabelecimento de parcerias sólidas e eficientes com entidades da

Maio, o equivalente aos nossos Serviços Municipalizados, e será um dos

sociedade civil, que têm conseguido canalizar para o Maio importantes

responsáveis pela execução das obras de saneamento. As campanhas

projectos e recursos. A geminação Loures-Maio demonstra, claramente,

de sensibilização e formação são muito importantes, como é óbvio, e

as vantagens e potencialidades da cooperação intermunicipal, quando

também têm o apoio técnico dos Serviços Municipalizados.

aliada e alicerçada em parcerias dinâmicas, actuantes e eficazes. Por isso,

Um outro projecto, este apenas em parceria com a Câmara Municipal do

o progressivo desenvolvimento da Ilha do Maio transmite, antes de mais,

Maio, o Instituto Marquês de Valle Flôr e a Câmara de Loures é o Projecto

o empenho e envolvimento de todos os agentes, internos e externos, que

do Reforço da Sociedade Civil e Criação da Rádio Comunitária da Ilha

actuam naquele território. Embora a cooperação intermunicipal se debata

do Maio, um projecto que está em funcionamento desde Setembro de

com recursos escassos, perpetuados pela ausência de programas e linhas

2007, e é já de grande importância. Tem envolvido muito os jovens e a

específicas de financiamento para as autarquias, tanto nacionais como

sociedade, os animadores são voluntários, são cerca de oito animadores,

comunitárias, ela deve continuar a ser encarada e valorizada como um

trabalham das 7 às 19, e, para além da música, têm um papel importante

indiscutível instrumento de desenvolvimento local e regional, atendendo

na informação e sensibilização das populações mais isoladas. A Rádio

ao relacionamento muito próximo que se estabelece entre as partes co-

Comunitária do Maio «Voz di Djar Mai», em frequência 89.5 MHZ, preten-

operantes. Mas em momento algum a cooperação intermunicipal pode

de fortalecer e dinamizar a sociedade civil da Ilha do Maio reforçando

ser confundida com uma eventual substituição das responsabilidades

o movimento associativo e, em torno dele, promover o desenvolvimento

próprias de cada uma das partes cooperantes, no quadro das suas políticas

das comunidades mais isoladas.

específicas de desenvolvimento. É indispensável que o papel dos muni-

Todos estes projectos, obviamente, acabaram por potenciar a participa-

cípios na cooperação para o desenvolvimento passe a ser reconhecido

ção e envolvimento de entidades externas e locais, levando à criação

e apoiado como fundamental no quadro da Cooperação Portuguesa,

de sinergias, actuações concertadas e à complementaridade de vários

passando a parceiros de pleno direito neste esforço de desenvolvimento

projectos em execução no terreno, em conjunto com os nossos parceiros

global e sustentado. Quero também referir que é necessário sensibilizar e

ou através das sinergias que criámos. A própria comunidade participa

mobilizar as autarquias portuguesas que estão geminadas com os mesmos

activamente em algumas das acções.

municípios do Sul para que colaborem e trabalhem em conjunto, portanto,

Passarei agora para a conclusão, onde sintetizo o que consideramos

juntando os seus esforços, repartindo não só a disponibilização de recursos,

ser os vectores mais importantes no desenvolvimento e sucesso desta

as dificuldades, mas, sobretudo, a partilha da experiência.

geminação. A Geminação Loures - Maio reflecte, acima de tudo, uma


Reflexões pessoais sobre a cooperação intermunicipal com base na

implementação de acções.

experiência de Loures

– Ganhos significativos com a criação de parcerias sólidas e eficientes (externas, locais, formais e informais).

Quais as principais dificuldades sentidas no âmbito da Cooperação?

– Fundamental a realização de trabalho articulado e em equipa entre

– Escassez de recursos financeiros e humanos.

todos os sectores e/ou entidades envolvidas (criação de equipas de

– Necessidade de redefinição da política municipal de cooperação.

projecto).

– Necessidade de formação de técnicos para a elaboração, gestão,

– Basilar a criação de um clima de confiança técnico e pessoal entre as

desenvolvimento e avaliação de projectos de cooperação para o

pessoas de todos os organismos em presença.

desenvolvimento, a apresentar a linhas de financiamento nacionais e

– Desenvolver esforços no sentido de que as acções de cooperação

comunitárias.

não sejam meramente pontuais, mas que privilegiem o desenvolvimento

– Ausência de centralização, coordenação, informação e intercâmbio das

integrado do respectivo município.

acções realizadas pelos diferentes serviços da autarquia de Loures.

– Os projectos devem, sempre que possível, envolver na sua concepção

– Falta de sensibilização e envolvimento da sociedade civil, dos agentes

e implementação os beneficiários directos, propiciando, desta forma, a

locais e do tecido empresarial, tanto de Loures como dos municípios ge-

assimilação das actividades e a obtenção de resultados a longo prazo.

minados, nas acções de cooperação.

– A divulgação das actividades de cooperação realizadas ou a realizar,

– Insipiência no intercâmbio e articulação entre as autarquias portuguesas

junto da população dos municípios envolvidos e das respectivas entida-

geminadas com os mesmos municípios.

des estatais com responsabilidades neste domínio, afigura-se de maior

– Ausência de apoio técnico e político por parte da Associação Nacional

relevância para o conhecimento, aceitação e reconhecimento da sua

de Municípios Portugueses.

importância e impacto.

– Falta de reconhecimento por parte do IPAD/Cooperação Portuguesa

– Seria desejável para uma cooperação sólida e profícua, que municípios

do importante papel dos municípios na cooperação para o desenvolvi-

portugueses, abertos e interessados no aprofundamento da cooperação

mento e, consequentemente, inexistência de apoio técnico, logístico,

descentralizada intermunicipal, estabelecessem geminações em grupo/

financeiro e outros.

rede/poligeminações, isto é, vários municípios portugueses geminam com o(s) mesmo(s) congénere(s) de outro(s) país(es).

Principais lições retiradas do trabalho já desenvolvido

– Essencial a paciência, perseverança e humildade dos técnicos na defi-

– Imprescindível o empenho político e pessoal das administrações dos

nição/redefinição, planeamento e execução das acções, e na obtenção

municípios envolvidos.

de resultados significativos.

– Primordial a permanente e estreita articulação entre os municípios

– O respeito mútuo das diferentes culturas em presença.

geminados na identificação das necessidades, prioridades, recursos, complementaridade e temporalidade das acções a realizar.

Quais as fontes/métodos de aprendizagem para o exercício de boas

– Fundamental possuir uma análise estruturada que permita a interpreta-

práticas?

ção, compreensão e respeito da realidade local (nacional e internacional)

– Valorização da experiência profissional através de informação actuali-

onde se pretende intervir.

zada e a frequência de cursos de formação.

– Importante a existência de interlocutores privilegiados e de contacto/

– Estabelecimento de parcerias e relações interinstitucionais diversifi-

/acesso rápido e directo para definição, planeamento, negociação e

cadas.

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– Organização e/ou participação em seminários, debates e fóruns de

executar.

discussão sobre temáticas de cooperação descentralizada, desafios

– A falta ou fraco acompanhamen-

inerentes, vantagens e potencialidades.

to das acções no terreno pode

– Participação activa em projectos e iniciativas promovidas por entida-

pôr em risco a sua viabilidade e/

des externas e/ou serviços municipais e/ou organização conjunta dos

ou continuidade, por isso, devem

mesmos.

envolver-se pessoas, empresas ou

– Contacto com experiências levadas a cabo por entidades públicas,

outras instituições que garantam o

privadas, ONG, etc., com valores, recursos e resultados distintos.

seguimento das acções. – As parcerias não só potenciam

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Quais as mais valias das parcerias?

mais valias como podem evitar

– Toda a actividade de cooperação descentralizada levada a cabo

uma actuação pontual e rotineira.

pela autarquia de Loures tem revelado que as parcerias são instrumentos

Facilitam a realização de projectos

valiosos para e no desenvolvimento local, pois as sinergias criadas entre

com efeito multiplicador acresci-

os diversos actores e entidades (externas, locais, financiadoras, execu-

do e a obtenção de efeitos mais

toras, etc.) permitem consolidar o trabalho desenvolvido, ajudando a

palpáveis, duradouros e de maior

ultrapassar os constrangimentos no terreno e trazendo benefícios directos

visibilidade.

às populações. – Partilha, rentabilização e colmatação de dificuldades, recursos, infor-

Quais as principais dificuldades/

mação, ideias, etc..

constrangimentos na relação com

– Concertação de esforços, meios e iniciativas.

os parceiros?

– Troca de experiências, metodologias e formação recíproca.

– Existem dificuldades com as

– Concepção, planeamento e execução de projectos estruturantes,

parcerias locais dos municípios

abrangentes e integrados, mais consonantes com as necessidades dos

geminados no que respeita ao

municípios geminados, e, eventualmente, auferindo de investimento

cumprimento temporal de algumas

avultado.

acções.

– Maior eficácia e eficiência na implementação dos projectos devido a

– Por falta de meios e/ou recursos,

novas estratégias e dinâmicas de trabalho.

alguns municípios geminados nem

– Aumento de resultados positivos e duradouros procedentes dos pro-

sempre conseguem satisfazer os

jectos.

compromissos que assumiram para

– Competências para dinamizar a participação activa da comunidade

a concretização das actividades.

local nas actividades e, consequentemente, no seu próprio desenvolvi-

– A burocracia dos procedimentos

mento.

autárquicos pode, muitas vezes,

– Potencialização do envolvimento de entidades externas e locais

inviabilizar ou atrasar a realização

propiciando a criação de sinergias, actuações concertadas, a comple-

de actividades que cabem aos

mentaridade e cruzamento dos diferentes projectos em execução ou a

parceiros.

Geminações com Loures Ilha do Maio – Cabo Verde: 23 de Maio de 1993 |Armamar – Portugal: 7 de Novembro de 1993 | Matola – Moçambique: 9 de Novembro de 1996 | Diu – Índia: 8 de Julho de 1998 Geminação Loures – Maio: Parceiros e Entidades envolvidas Serviços Municipalizados de Loures | Bombeiros Voluntários de Loures: Fanhões, Zambujal, Loures, Moscavide e Portela | Centro de Saúde de Vila Nova de Poiares | ONG: Instituto Marquês de Valle Flôr, Associação Saúde em Português, África 70, Solmi | Empresas: Simtejo, ElectroRequetim, Tercar, Novicash, Electra Maio | Fondo Galego de Cooperación e Solidariedade | Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Maio | Polícia Nacional de Cabo Verde - Esquadra do Maio | Serviço Nacional de Protecção Civil de Cabo Verde | Associação Comunitária para o Desenvolvimento do Morrinho | Associação Comunitária do Barreiro | Conselho Comunitário da Rádio Comunitária do Maio | Comité de Sensibilização para as questões da água no Maio | Delegacia de Saúde do Maio | Delegação do Ministério da Educação no Maio | Centro de Formação Profissional do Maio | Delegação do Ministério de Agricultura no Maio | Direcção da Escola Secundária do Maio | Serviço Autónomo de Água e Saneamento do Maio | Associação de Jornalistas de Cabo Verde | Cooperação: Francesa, Luxemburguesa


O nosso projecto envolveu dois jovens que vieram desde a Guiné-Bissau, o Humaro e o Zé Mango. Quando chegaram a Alenquer no dia 1 de Fevereiro de 2005, não faziam a mínima ideia do que os esperava na Vila Presépio, onde vieram realizar um estágio de oito semanas na Rádio Voz de Alenquer, no âmbito de uma iniciativa de valorização profissional promovida pela ARIC, pela VOX e pela FEC. As expectativas dos jovens guineenses eram grandes, mas feito um primeiro balanço acabaram por concluir que os conhecimentos adquiridos poderiam vir a ser de facto muito úteis à estação emissora local onde trabalham, a Rádio Sol Mansi, ou, traduzido para português, sol nascente de Mansoa. A oportunidade deste estágio surgiu através da Rádio Renascença, que foi solicitada pela VOX, a dar formação a dois jovens da Guiné-Bissau. Mas a emissora católica portuguesa entendeu que seria mais profícuo

Rádio Sol Mansi

para este projecto que o projecto da Sol Mansi passasse por uma rádio

Nuno Inácio

diferenças entre a Rádio Voz de Alenquer e a Rádio guineense, nas pa-

Presidente da Rádio Voz de Alenquer

local devido à dimensão que a Sol Mansi tinha à época. Mesmo assim, as lavras de José Mango, eram muito grandes. A Voz de Alenquer, segundo ele, «não parecia uma rádio local, tem um nível muito grande, mais do que imaginávamos». José Mango era à data o director de programação da Rádio Sol Mansi. O Zé Mango era católico, o Humaro era muçulmano. O Humaro Kamara, de vinte anos, e que mal falava português quando cá chegou, saiu de cá com uma grande experiência, segundo ele, já que conseguiu adquirir novos conhecimentos sobre o funcionamento de uma estação de rádio modelar como a Voz de Alenquer, onde todos são jornalistas, animadores de rádio, limpam a casa, só não fazem contratos de publicidade porque a lei veda e, portanto, a publicidade só pode ser feita por quem está habilitado a isso. O resto, todos nós fazemos. Somos técnicos, jornalistas, animadores, directores, somos um bocadinho de tudo. A estação de rádio guineense, integralmente suportada e gerida por missionários católicos, debate-se com algumas lacunas, com destaque para a falta de meios técnicos para reportagens no exterior. O responsável da Rádio disse à época ter ficado surpreendido com os serviços comerciais da RVA, que desempenha um papel fundamental na captação de investimento através da angariação de publicidade. É normal esta surpresa porque,

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como devem imaginar, na Guiné-Bissau este não é um departamento que

Mas mais do que aquilo que eles levaram de aprendizagem da rádio, acho

seja prioritário numa rádio.

que esta experiência de oito semanas valeu por aquilo que conseguiu

Numa altura em que as saudades da terra natal começavam a dar conta

gerar no seio da comunidade de Alenquer.

de si, os radialistas guineenses já se sentiam integrados no quotidiano de Alenquer que, nas suas palavras, era naturalmente muito diferente de Mansoa a todos os níveis, desde o clima um bocadinho mais frio – eles estiveram cá em Fevereiro - Abril – até ao facto de Alenquer, para quem conhece, ser um vale e, portanto, completamente rodeado de montes, e era um orografia a que não estavam minimamente habituados. A cada dia que passava, para além do contacto com os diferentes sectores da RVA, os dois jovens foram reforçando as ligações com Portugal, muito especial com Alenquer e, como é óbvio, tinham alguns objectivos: queriam

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conhecer o estádio de Alvalade, o estádio da Luz e o santuário de Fátima. Obviamente que tudo isso foi proporcionado e tiveram também direito a algumas visitas, com exemplo à Rádio Íris de Samora Correia, aos estúdios da RDP, da RTP e da Rádio Renascença. Quanto aos meios disponibilizados pela Voz de Alenquer, nós não tivemos grande investimento. Aquilo que fizemos foi recebê-los e tentar proporcionar-lhes o maior número de conhecimentos possíveis. Não existiu necessidade de disponibilizar meios técnicos adicionais para a formação. Ao longo destas oito semanas, o Humaro e o Zé Mango passaram por todos os departamentos da rádio, tiveram oportunidade de fazer um bocadinho de tudo, com um objectivo claro: levar para a Guiné-Bissau um modelo de gestão de uma rádio que se pretende que no futuro consiga ser também ela autónoma. Mais do que um estágio de oito semanas, o Zé Mango e o Humaro conseguiram no seio da comunidade de Alenquer criar uma onda de solidariedade. Ao fim de oito semanas, quando se preparavam para partir, nós tínhamos a Rádio completamente repleta de materiais. A população de Alenquer, ao saber das suas dificuldades, juntou-se e juntou tudo aquilo que eles pediram, desde a bicicleta para o filho do Zé Mango, até à caminha de bebé para o filho que vinha a seguir, as roupas que pediram, os livros, os alimentos. Acabou por ser mais do que uma experiência de estágio que, por aquilo que sei, teve efeitos.

A Rádio Voz de Alenquer foi fundada em 1985, tendo efectuado a sua 1ª emissão em 6 de Janeiro de 1986. Emite em duas frequências de FM – 93,5 e 100,6 – e através do seu sítio na internet em www.radioalenquer.com, cobrindo grande parte da região centro e sul de Portugal.

A Rádio Sol Mansi é uma Rádio da Guiné-Bissau, foi fundada no ano de 2001, mais precisamente a 14 de Fevereiro, por um grupo de missionários italianos. Trata-se de uma Rádio muito abrangente e, apesar de ser dirigida por católicos, tem também muçulmanos envolvidos no projecto. Emite para toda a Guiné-Bissau e dispõem de um blogue em http://radiosolmansi.blogspot.com


Bom dia a todos. Quero agradecer a nossa presença à FEC, porque também foi com a FEC que nós começámos este trabalho social que irei apresentar. O projecto denominado Pagué – Intervenção Social na Ilha do Príncipe resulta de uma geminação paroquial entre a Paróquia da Ramada e a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, feita em Outubro de 2001. Em Julho de 2002, um grupo de estudantes universitários da Paróquia, acompanhados pelo padre Daniel Henriques, foi para a ilha durante três meses. Com a definição dos objectivos, nomeadamente o levantamento das necessidades locais, formação junto dos jovens na área do associativismo e formação e acompanhamento aos grupos da

Da geminação de paróquias ao projecto Paguê – Ilha do Príncipe Cristina Gabriel

Directora da Associação Ligar à Vida, Paróquia da Ramada

Paróquia (Vicentinos, Legião de Maria e Coro), teve início o trabalho de acompanhamento espiritual e intervenção social. Após o regresso, o grupo elaborou um relatório com as carências detectadas na ilha. O padre Daniel, também presidente do Centro Paroquial da Ramada, envolveu o Centro nesta ajuda. Não posso deixar de dizer que o Príncipe, uma terra de extraordinária beleza natural estonteante – eu peço desculpa com aquilo que vou dizer – é uma terra de imensa pobreza onde os projectos pareciam condenados ao fracasso. Tendo por base o voluntariado da comunidade da Ramada, aberto a outras pessoas de outras comunidades, e de outros sítios de Portugal, a gratuidade e a generosidade dos vários intervenientes converteu-o num caminho de sucesso. Actualmente não lhe chamo projecto, porque já não é um projecto, é um trabalho social que está a decorrer há já sete anos e com vários outros projectos lançados na área da educação e no apoio social. Actualmente, nós somos parceiros do próprio Governo Regional e começamos a dar passos para outras parcerias locais. É um grande desafio, porque até à data trabalhávamos em conjunto com parceiros em Portugal, e que continuam a participar no projecto, mas é muito importante para as coisas resultarem o envolvimento das pessoas no local. Se não forem elas os agentes de mudança, não resulta nada. É esta a experiência que eu tenho. Também vos quero transmitir um outro importante aspecto deste trabalho que é o seguinte: esta intervenção tem apoios de instituições para construção de infra-estruturas, mas ela só se mantém ao longo destes sete anos porque houve da parte da comunidade da Ramada um apadrinhamento

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de crianças e jovens. Este trabalho social iniciou-se com o apoio alimentar

não é bem um fracasso, mas um aprender a lidar com a dificuldade sem

diário à população idosa e com a construção de um Centro de Acolhi-

nos deixarmos vencer pelo desânimo. Tudo começou com uma gemina-

mento Temporário para idosos, uma vez que a ilha não tinha nenhum

ção paroquial. Quem deu corpo depois a esta geminação foi o Centro

equipamento social destinado a apoiar esta população. A seguir, decidi-

Paroquial da Ramada, que, não sendo uma organização não governa-

mos apoiar uma população que não tem as mesmas oportunidades, as

mental, não tem acesso directo a financiamentos de apoio a projectos

crianças portadoras de deficiência. Porque é um país pobre com poucos

internacionais. Tivemos então que criar uma associação – é o passo que

recursos e, portanto, não tem respostas sociais definidas para este tipo

estamos a dar agora – para nos transformarmos em ONG. Apesar de não

de população. Para este trabalho, há um envolvimento da comunidade

ter constituído impedimento ao nosso trabalho, tem dificultado algumas

que apadrinha directamente uma criança ou um jovem deficiente e um

situações. Mas tornou-se um fracasso convertido em sucesso, na medida

idoso, e apadrinha com vinte euros mensais. E há grupos paroquiais que

em que nos obrigou a uma criatividade e a um empreendedorismo que

apadrinham também. Estou a lembrar-me dos escuteiros, estou a lembrar-

sustentam todos os projectos até agora e nos balanceiam sempre para

-me de outros grupos que estão mesmo a colaborar mensalmente com

o futuro.

este trabalho. O Centro Paroquial, inclusivamente, tem um ATL que funciona

O nosso caminho é permanentemente alimentado por sonhos que nos

com crianças dos 10 aos 13, e eles também apadrinharam uma menina

obrigam a lutar pela sua concretização. Eu estou muito envolvida emo-

que tem algumas deficiências que não lhe permitem um desenvolvimento

cionalmente com este trabalho, porque faço parte dele há seis anos com

total na escola. E, portanto, eles estão envolvidos, fazem campanhas,

uma equipa de voluntários que todos os anos vão aparecendo e se vão

envolveram-se com esta criança que é a Paulita. O nosso trabalho de

juntando. O grande objectivo deste projecto era a luta contra a pobreza

facto depende muito da comunidade local em Portugal e da comunidade

e exclusão social. Temos vindo a alcançar algumas coisas. Porquê? Porque

local no Príncipe.

temos que construir... Quem conhece a Ilha do Príncipe sabe que nem

Actualmente, conseguimos construir um equipamento social no Príncipe

sequer havia infra-estruturas, e as poucas existentes encontram-se em más

que é uma escola para 200 crianças, vai ter um gabinete de apoio médico,

condições de conservação.

todo apetrechado, em parceria com a Fundação Marquês de Valle Flôr. Porquê? Porque o Príncipe tem um hospital que é um centro de saúde, mas não dispõe sequer de um aparelho para fazer uma radiografia. Portanto, vai ter agora mais algumas coisas com esse parceiro. E vai ter formação, garantida pelos nossos voluntários – lá está, nós trabalhamos muito com voluntariado – para educadores de infância, porque já há dezasseis anos que não se faz formação na área da educação, na área dos educadores de infância. O seu grande factor de sucesso é, de facto, as parcerias. Neste momento, com a parceria local que está vinculada oficialmente ao Governo e com o envolvimento da comunidade do Príncipe, estamos cientes de um factor de sucesso o acolhimento e envolvimento de ambas as partes na edificação de um Príncipe melhor. Tem tido alguns fracassos? Estou a lembrar-me de uma situação que


Bom dia a todas e a todos. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite que me foi dirigido pela FEC para estar aqui. Eu trabalho na In Loco, que é uma associação de desenvolvimento local, sedeada no Sul de Portugal, na Serra do Caldeirão, Algarve. Não é uma Associação com um histórico de trabalho muito vasto na área da cooperação para o desenvolvimento. Tem tido algumas acções ao longo dos anos, mas tem pessoas com uma experiência bastante larga nesta matéria. No ano passado fomos convidados, por via de um trabalho que temos estado a realizar em Portugal, para sermos parceiros e assessorarmos o processo de implementação do Orçamento Participativo (OP) em Cabo Verde. Eu começo exactamente pela definição conceptual do OP, que,

Orçamento participativo em Cabo Verde Nelson Dias

Coordenador do Projecto Orçamento Participativo da Associação In Loco

apesar de ser um fenómeno com mais de vinte anos, não é muito conhecido no Norte. O OP é mais conhecido no Sul. O orçamento participativo – este palavrão que remete imediatamente para questões económicas e financeiras – não é mais do que a possibilidade dos cidadãos participarem na definição das prioridades de investimento de um orçamento público para um dado território, como por exemplo um município. Isto significa que o orçamento de uma câmara municipal pode ser discutido publicamente com a população desse município para que, em conjunto, se definam as prioridades de investimento que, anualmente, são previstas no orçamento. Em Cabo Verde, o processo iniciou-se em 2005, por iniciativa da UNICEF, o que, no fundo, vem a reboque daquilo que é o reconhecimento internacio-

Associação In Loco Av. da Liberdade, n.º 101 8150-101 São Brás de Alportel • Portugal Tel (+351) 289 840 860 | Fax (+351) 289 840 879 www.in-loco.pt Nelson Dias nelson.dias@in-loco.pt Orçamento Participativo Portugal www.op-portugal.org Orçamento Participativo Cabo Verde www.op-caboverde.org

nal que as experiências de OP têm neste momento. Existem actualmente cerca de 2.000 iniciativas a nível mundial, a grande maioria delas na América Latina e, mais recentemente, também na Europa e em África. A título de curiosidade, no Peru e na República Dominicana foram criadas leis nacionais que obrigam os municípios a criarem orçamentos participativos. Em Cabo Verde, à luz da maioria das experiências que conhecemos a nível mundial, não há um enquadramento legislativo sobre esta matéria, e, portanto, a implementação do OP resulta unicamente da vontade política de eleitos. Este processo está a ser coordenado pela Direcção Geral da Administração Local em Cabo Verde, e sob o enquadramento financeiro e logístico das Nações Unidas, ou mais precisamente do Escritório de Fundos e Programas das Nações Unidas em Cabo Verde. Actualmente,

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estão a ser trabalhadas quatro experiências piloto de OP em Cabo Verde,

destes processos. Por outro lado, a concorrência e a duplicação das

nomeadamente: Santa Cruz e S. Miguel na Ilha de Santiago, Paúl na Ilha

intervenções e as dificuldades na rentabilização de recursos. Um outro

de Santo Antão e Mosteiros na Ilha do Fogo. Porquê estes municípios?

constrangimento tem a ver com as debilidades na articulação e concer-

Resultam de um convite, digamos assim, lançado pela coordenação do

tação entre os diferentes actores. Aquilo que eu pude presenciar, e posso

processo a quatro municípios de diferentes ilhas e também procurando

dizer que esta não é uma questão específica destes quatro municípios,

o equilíbrio entre as forças partidárias em presença no país. O trabalho

mas sim geral – é um certo desgoverno existente ao nível dos territórios,

desenvolvido pela equipa coordenadora do processo vem desde 2005,

ou seja, a ideia de que cada um se governa para seu lado, e eu falo

com fases de paragem devido, sobretudo, às intermitências de financia-

dos diferentes actores do território. As responsabilidades desta situação

mento e questões logísticas. O trabalho até agora consistiu, sobretudo,

devem ser retiradas aos municípios, às associações locais, mas também

na realização de formação, seminários formativos, para as autarquias,

à própria cooperação para o desenvolvimento. Foi possível encontrar,

nomeadamente para eleitos, técnicos das autarquias e também líderes

por exemplo, cooperações de diferentes países a desenvolverem acções

de associações locais. Este trabalho levou à criação daquilo a que se de-

muito semelhantes, sem comunicarem e sem que se articulassem entre si.

signou de Núcleos Executivos do OP em cada um destes municípios. Esses

Este desgoverno é contraditório, ou pelo menos é um constrangimento,

núcleos são de composição mista, ou seja, são compostos pelo presidente

àquilo que se pretende que seja uma concertação e uma co-gestão par-

da câmara, vereadores – sempre que podem – assim como por técnicos

ticipada dos recursos locais. Outro dos constrangimentos que identifiquei

da autarquia e por associações locais. A ideia de ter na base um conselho

está relacionado com as práticas de cooperação existentes e os deficits

executivo, que, no fundo, é o órgão, sem figura legal, mas a quem cabe

conceptuais sobre aquilo que é a democracia e a participação. É difícil

a coordenação e desenvolvimento dos processos de OP.

implementar processos participativos, de aprofundamento democrático,

Globalmente, os objectivos do orçamento participativo em Cabo Verde

quando as próprias concepções de democracia são elas muito reduzidas.

têm sido discutidos, e eu poderia enunciá-los da seguinte forma: aprofun-

Foi frequente encontrar concepções de orçamento participativo que se

dar a democracia e a cidadania a nível local; contribuir para uma gestão

confundem com as relações de proximidade que existem entre os eleitos

mais participada e transparente das autarquias; combater a pobreza e

e os munícipes, com as consultas populares que existem anualmente ou

a exclusão. No Sul, os OP têm normalmente este carácter de se constituí-

de quatro em quatro anos, ou com aquilo a que chamam as audiências

rem como um elemento de combate à pobreza e à exclusão, o que não

com o executivo. E, portanto, há aqui um conjunto de constrangimentos

acontece, enquanto tendência, nos países do Norte. Como sabemos, a

que, no fundo, são o reflexo daquilo que depois são os resultados que se

pobreza em Cabo Verde atinge níveis bastante significativos. O seu limiar

podem alcançar.

é definido pelos cerca de 43 mil escudos/ano, colocando, desse modo,

O papel da In Loco tem sido sobretudo o de apoiar o processo formativo

mais de 36% da população a viver nessas circunstâncias.

da coordenação nacional e dos núcleos executivos do OP em cada

Vejamos alguns constrangimentos em relação à implementação do

município, assim como assessorar a definição de modelos de orçamento

orçamento participativo em Cabo Verde. Como compreendem, é uma

participativo. Estes modelos são definidos localmente, de acordo com

aposta política importante e que não está isenta de riscos. Primeiro, o

opções políticas dos respectivos Executivos, cabendo à In Loco dar

relacionamento muitas vezes conflituoso entre câmaras municipais e as-

elementos que ajudem a decisão política. Não existe, por isso, qualquer

sociações locais. A excessiva partidarização das relações sociais locais é

exportação de modelos oriundos de outras realidades e/ou qualquer forma

muito evidente na luta, no conflito permanente, entre líderes associativos

de imposição externa. Em Cabo Verde existem, sobretudo, dois modelos

e executivos municipais. Isto é um constrangimento ao desenvolvimento

de OP identificados. Um desses modelos é de carácter consultivo e o


outro é de carácter deliberativo. Como se compreende, existem algumas

anual. Estes processos consultivos apresentam riscos em termos de baixa

diferenças substanciais entre eles. O consultivo significa que a população

intensidade participativa e de baixa transparência democrática, assim

é consultada sobre os investimentos que considera prioritários, mas não

como de possível descredibilização dos processos. Uma das dificuldades

decide, ou não participa na decisão sobre esses investimentos. E o deli-

que acontece neste tipo de práticas – e que não é específica de Cabo

berativo é exactamente o contrário: a população tem oportunidade de

Verde – é a ausência de sistemas de registo, monitorização e avaliação

participar na definição das prioridades de investimento e tem voto sobre

dos processos.

essa própria definição.

Em relação aos processos deliberativos, o outro lado da moeda, os pro-

Em relação aos consultivos, creio que o OP não implica transformações

cessos definidos baseiam-se numa efectiva vontade política de maior

significativas face à prática de gestão autárquica tradicional. Esta situação

transparência na gestão autárquica, e apresentam um forte potencial

gera uma descontinuidade na regulação do processo entre as demandas

formativo e educativo para a cidadania. Como sabemos, este é um deficit

da população e aquilo que é incluído no orçamento. Ou seja, entre aquilo

claro que temos e que não é específico da sociedade cabo-verdiana.

que são as preocupações que as pessoas endereçam aos Executivos

Os deficits em relação à democracia e à cidadania são igualmente vi-

municipais e aquilo que realmente entra no orçamento há uma descon-

vidos em países do Norte com democracias consolidadas. Os processos

tinuidade e uma impossibilidade de regulação de um processo deste tipo.

deliberativos levam a uma tomada de consciência sobre a capacidade

Não acrescenta necessariamente mais transparência à gestão autárquica

de investimento e a necessidade de definir prioridades em cada local.

e não favorece a comparação das necessidades e o conhecimento alar-

Demonstram preocupações com a promoção da coesão socio-territorial,

gado do território por parte da população. Isto significa que a população

na medida em que cruzam as necessidades do território na globalidade.

é consultada nos diferentes locais onde reside e centra-se normalmente

Existem também riscos associados a estes processos, como, por exemplo,

sobre as necessidades mais imediatas que em cada local existem. Isto não

o risco de perspectivar o OP numa lógica excessivamente ideológica, que,

permite o confronto e a comparação das necessidades ao nível do muni-

no fundo, conduz a um processo de diminuição da acção dos eleitos, ou

cípio e a tomada de consciência das necessidades globais do território.

de, eventualmente, de um desmantelamento da lógica representativa

Neste sentido, são processos pouco ambiciosos em relação ao aprofunda-

que temos. O que é que eu quero dizer com isto? É que a genuinidade

mento da democracia e em relação à prática da cidadania mais activa.

do OP e o acreditar, de facto, num processo deste tipo, como eu vi em

Os OP consultivos são fracos em relação à promoção da emancipação

dois municípios, levou, por exemplo, a que definissem um percentual

social, porque, no fundo, perpetuam as práticas de relação entre eleitos

muito elevado do investimento autárquico destinado à participação da

e munícipes assentes no assistencialismo público. No fundo, as consultas

população. O que se discute nos OP são os investimentos. Dentro desse,

são também práticas de reforço do presidencialismo autárquico. Este

é possível discutir o todo ou parte dele. O que estou a tentar explicar é

tipo de OP, por outro lado, não chega a trabalhar a questão orçamental.

que estes processos deliberativos em Cabo Verde definiram, nos modelos

Esta é uma questão importante porque quando se fala em OP, há uma

prévios de OP, uma grande parte do investimento como uma componente

dimensão subjacente que é discutir o orçamento. Os OP consultivos não

que vai caber a decisão à população. Só para terem um exemplo, num

permitem normalmente essa discussão, inviabilizando também a tomada

dos municípios definiram 50% do investimento e noutro 70%. No meu ponto

de consciência sobre as limitações financeiras de uma autarquia. Trata-se

de vista, e eu já fiz expressar isso aos dois municípios, é excessivo começar

de um modelo que não permite perceber as necessidades que existem

por valores tão elevados do ponto de vista do investimento, porque isso

ao nível do território e obrigatoriedade de definir prioridades, porque

retira margem de manobra também para os projectos estruturantes e para

nem todas são possíveis de encaixar, digamos assim, num orçamento

a acção governativa dos eleitos, e pode levar, no fundo, à multiplicação

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de pequenas, pequeníssimas, intervenções que não terão impacto sobre o

áreas. É necessário criar dimensões explícitas de educação para a demo-

território. Portanto, é prudente e é aconselhável começar com percentuais

cracia nas intervenções que vamos desenvolvendo.

mais baixos para que o processo se torne mais consolidado ao longo do

É também fundamental e urgente criar mecanismos de concertação entre

tempo e, eventualmente, possa aumentar as componentes de investimen-

os actores locais para que não se verifiquem situações de «desgoverno»

to público dedicadas à OP. Portanto, é aqui necessário encontrar um

que existem em relação às intervenções, com a multiplicação de acções

equilíbrio entre a participação e a representação.

idênticas, com desperdício de recursos. É necessário dizer que em variadís-

Gostaria ainda de focar um ponto importante, que se prende com a rela-

simas situações nós não encontramos propriamente falta de recursos para

ção entre o OP e a cultura democrática. O OP é uma aposta muito mais

investir, mas desconcertação entre os actores. A cooperação tem culpas

avançada do que a cultura democrática que temos, tanto por parte dos

em relação a esta matéria porque intervém muitas vezes em territórios de

eleitos como dos cidadãos. Este diferencial pode conduzir a uma certa

olhos postos na frente, sem olhar ao que está ao lado, sem se coordenar

tendência para se reduzir estas dinâmicas participativas ao mínimo. Isto não

com o que existe no território. A cooperação não pode impor as regras

significa que a aposta não é boa; significa que a aposta é mais arrojada

aos actores locais unicamente porque possui recursos. Se a cooperação

e ambiciosa do que a cultura democrática que temos. Também é certo

quer ser um actor ao serviço do desenvolvimento local, deve actuar de

pensar que é assim que deve ser. Existe ainda um caminho a percorrer

forma a fortalecer as dinâmicas e os actores locais, tentando compreender

para que estas apostas não dependam apenas da vontade política e

as necessidades e as potencialidades de cada território e desenhando

sejam sustentáveis do ponto de vista da sociedade civil, da capacidade

intervenções que tenham em conta o que já existe, e de que forma ela

crítica dos munícipes, para que estes se apropriem dos processos, deixando

própria pode ser colocada ao serviço das populações. A propriedade

de depender apenas dos ciclos eleitorais. Quero com isto dizer que o OP

dos recursos não pode justificar atitudes neo-colonialistas. Imaginem um

não deverá depender apenas da vontade política dos eleitos e que os

território onde está em curso um processo de OP, de acordo com o qual

cidadãos devem ser capazes de reclamar a continuidade deste tipo de

a população, em conjunto com os poderes locais, define as prioridades

processos numa situação de alternância democrática.

de investimento. Qual deve ser o papel da cooperação? Colocar os seus

Para concluir apresento algumas recomendações. Na minha opinião há

recursos ao serviço dessas prioridades ou simplesmente ignorá-las porque

uma questão essencial nos processos de cooperação. É necessário asse-

a sua aposta é defender outros investimentos que eventualmente garan-

gurar condições de financiamento que permitam intervenções duradouras

tam outro tipo de visibilidade? Parece-me evidente que a resposta a esta

e capazes de produzir impactos reais nas realidades locais.

questão passa pela primeira hipótese. Se a cooperação não respeitar as

É igualmente importante garantir uma dimensão explícita da educação

prioridades definidas localmente, no limite ela estará a contribuir para

para a democracia e para a cidadania, não só nos orçamentos parti-

desvalorizar e deslegitimar o processo participativo.

cipativos, mas em todos os projectos de cooperação. Há um vazio nas

Relacionado com esta matéria, parece-me urgente garantir mecanismos

nossas sociedades, do Norte e do Sul, na educação para estas matérias.

de informação, monitorização e avaliação rigorosos não apenas dos resul-

As escolas e as universidades não educam para a democracia, os partidos

tados mas também dos processos de cooperação. Não me refiro apenas

e os eleitos também não o fazem, e o mesmo se passa com as famílias. Isto

ao OP mas a todos os outros.

significa que as pessoas nascem, crescem, desenvolvem-se num regime

Para terminar, gostaria de dizer que a In Loco está a desenvolver esforços

democrático sem serem educadas para a democracia, e isto reflecte-se

no sentido de alargar esta intervenção, relativa à democratização do

na cultura democrática que têm, ou na ausência dela. Eu tenho vindo a

orçamento e do planeamento participativo dos territórios, a outros países

defender esta matéria, não só na área da cooperação, mas em outras

lusófonos, numa parceria onde envolvemos também o Brasil. Há pouco


tempo estive no I Encontro de Governos Locais Lusófonos, em Brasília, onde este foi um tema essencial. Estamos empenhados neste trabalho, sabendo que alguns destes países estão neste momento a desenhar os seus processos de descentralização e de criação de poderes locais. A implementação de processos participativos numa fase em que ainda se está a construir a descentralização poderá ser determinante como forma de influenciar o próprio desenho institucional e político dessa mesma descentralização. Obrigado pela atenção.

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parte II parte II | municípios parceiros do projecto enlaces experiências de cooperação descentralizada e de educação para o desenvolvimento 29 apresentadas ao seminário nacional no dia 30 de Junho de 2008

Moderadores dos debates ELZA CHAMBEL | Presidente do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado LUÍS MAH | Coordenador do Objectivo 2015 – Campanha do Milénio das Nações Unidas MIGUEL SILVA | Coordenador do Programa Educação para a Cidadania Mundial do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa


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| c창mara municipal de aveiro


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© Câmara Municipal de Aveiro

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As geminações Uma geminação é o encontro de duas ou mais instituições do poder local que proclamam a sua ligação para confrontar os seus problemas, desenvolver vínculos de amizade, que serão cada vez mais estreitos, e trabalhar para um melhor e maior entendimento universal. As geminações de municípios nasceram na Europa após a Segunda Guerra Mundial. É uma ideia que então se desenvolveu com grande entusiasmo e que originou um vasto movimento entre as cidades. As populações e colectividades europeias, cansadas de velhas rivalidades, de prejuízos resultantes de separações fronteiriças, perante uma Europa arruinada do pós-guerra, fortemente

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As geminações e o desafio da ED Vera Reis

Responsável pelo Gabinete de Relações Internacionais da Câmara Municipal de Aveiro

traumatizadas, lançaram-se com grande optimismo numa aventura em busca da fraternidade. Porém, se os traços mais duros da guerra começavam a desaparecer, o levantamento material e espiritual das nações dos anos cinquenta não era suficientemente rápido. Ora, os países europeus conheciam bem as importantes dificuldades internas, pelo que havia que unir esforços. Desde logo se avançou para a criação de instituições europeias como o Conselho da Europa, mais tarde a Comunidade Europeia. Entretanto, em Janeiro de 1959, cinquenta presidentes de câmaras municipais fundam o Conselho dos Municípios Europeus. Eles sabiam que as populações não se encontravam suficientemente concordantes com uma evolução tão lenta, sempre dependente do entendimento político das nações e da consequente burocracia que as envolvia. É então que os municípios surgem como o terreno ideal para o reencontro e aproximação dos povos europeus. Sem dúvida, o poder local era e é a estrutura mais conhecida por todos e em todos os países. A gestão de um município está com a vida quotidiana dos cidadãos. Também Aveiro considera a cooperação descentralizada como um

Câmara Municipal de Aveiro Gabinete de Relações Internacionais Praça da República Apartado 244 3810-156 Aveiro • Portugal Tel (+351) 234 406 340 www.cm-aveiro.pt

elemento essencial para a afirmação local e regional e para a melhoria da qualidade de vida das populações que serve. E a cooperação descentralizada tem permitido melhorar as condições de vida de algumas das nossas cidades irmãs, através da transferência de recursos humanos, materiais e financeiros. As parcerias com as associações locais e ONG têm sido política do Município de forma a conseguir envolver em rede as comunidades locais. Aveiro tem, neste momento, 13 Geminações


e 5 Protocolos de Amizade. Recuperação de sistemas locais de água,

recursos e estratégias mútuas.

reabilitação e reconstrução de edifícios, auxílio no planeamento urbano,

A primeira fase deste projecto teve o objectivo de formar os parceiros

construção de unidades de saúde materno-infantis, envio de material

que a Câmara Municipal de Aveiro identificou. Entre eles, estão o Centro

médico, de material escolar e de carros-tanque, entre outras acções, são

Social e Paroquial da Vera Cruz, a Associação do Apoio ao Imigrante, a

alguns exemplos do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido junto de

Florinhas do Vouga, a APSIC – Associação de Acompanhamento e Apoio

algumas destas cidades. As cidades geminadas de Moçambique, Guiné-

Psicológico de Apoio à Criança, a Associação Parceiros da Amizade e a

-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são as mais beneficiadas neste

Associação Mon Na Mon.

historial. Visando também a Formação de Pessoas, pretende-se lançar

Durante as etapas de formação, o balanço foi positivo, embora se verificas-

a atribuição de bolsas de estudo e formação profissional de jovens das

sem algumas dificuldades na articulação do trabalho em equipa. Isto ficou

cidades irmãs. Neste sentido, foi sendo elaborado um trabalho moroso

a dever-se a dois factores essenciais: o facto de não existir uma cultura de

pelo Município para que, no início do ano lectivo 2008/2009, pudessem

partilha entre associações e o facto das associações serem constituídas,

ser acolhidos 10 jovens provenientes da Ilha do Príncipe para receberem

entre seus membros, por voluntários. As actividades de formação em ho-

formação profissional.

rário de expediente dificultaram, por isso, a presença assídua de algumas destas entidades. Foram trocadas experiências sobre a realidade local,

A formação do projecto Enlaces

exigindo assim o estabelecimento de soluções comuns, para dificuldades também comuns.

A Câmara Municipal de Aveiro, através do projecto Enlaces, foi confrontada com um novo desafio, a aposta na educação para o desenvolvimento,

Acção de sensibilização da opinião pública – Semana 2015 em Aveiro

integrando-a na política de cooperação descentralizada já existente, e criando uma equipa local de suporte que contribuísse para este trabalho.

Em Outubro de 2008, Aveiro organizou a Semana 2015. Embora tenha sido

O Enlaces veio propor ao Município de Aveiro a participação num projecto

um evento realizado além do tempo de execução do projecto Enlaces, foi

cujo principal objectivo é formar e capacitar os profissionais ligados às

uma consequência do projecto, da sensibilização que gerou localmente,

temáticas do desenvolvimento e cooperação. Pretendia-se desenvolver

entre as entidades, para as questões do Desenvolvimento.

actividades de mobilização e sensibilização de diversos públicos Aveirenses

A Semana 2015 decorreu de 10 a 19 de Outubro de 2008 e foi organizada

em torno de actividades de cooperação que viessem a ser realizadas. Foi

em conjunto com a Orbis – Cooperação e Desenvolvimento e com o apoio

dada uma especial atenção a Santo António do Príncipe.

do Objectivo 2015 – Campanha do Milénio das Nações Unidas. Estiveram

No trabalho da cooperação descentralizada que realiza através das várias

envolvidas na iniciativa cerca de 40 instituições locais, entre as quais a

geminações considerou-se importante alcançar este desafio. Na lógica

equipa constituída no âmbito do projecto Enlaces.

do Glocal, a Câmara Municipal de Aveiro, através do seu Pelouro das

Para conseguir dar uma resposta mais eficaz ao desafio, no interior da

Relações Internacionais, considerou também que incidir na capacitação

autarquia foi também constituída uma equipa de trabalho. Reuniram-se

dos agentes multiplicadores da região é uma necessidade. Os inputs e

as Divisões de Relações internacionais, Cultura, Educação, Comunicação

mais valias decorrentes desta sensibilização são um entendimento do

e Acção Social do Município Aveirense. Os órgãos de comunicação social

Município, que implica acções concretas de dinamização social, junto

locais foram também sensibilizados e mobilizados, contribuindo para a

dos vários grupos. O trabalho em rede, a cooperação descentralizada e

ampla visibilidade da iniciativa pela cidade.

a criação de sinergias entre os parceiros são catalisadores para uso de

Ao longo desta Semana 2015, realizaram-se iniciativas diversas como

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exposições, vigílias de luta contra a pobreza, palestras e campanhas de

por personalidades ou factos que ligam duas terras distantes, pareceu-nos

rua. Foi conseguida uma abrangência de toda a cidade de Aveiro tam-

o mais correcto desenvolver a proposta do projecto Enlaces no âmbito

bém proporcionada pela colocação de mupies e outdoors. Houve ainda

das Geminações. Novos recursos, novas atitudes, novas acções devem

uma ampla mobilização dos funcionários da autarquia aveirense para

ser pensadas e estruturadas no mundo de hoje. É este o enlace que pre-

«Levantar-se contra a Pobreza», com uma concentração no exterior do

tendemos todos atingir.

edifício da Câmara Municipal de Aveiro. Foi-lhes também pedido que no fim do mês, este minuto contra a pobreza revertesse a favor do apoio na produção de materiais e recursos educativos próprios, na Ilha do Príncipe. Conclusões Estamos em condições de afirmar que atingimos alguns dos objectivos

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propostos pelo desafio da ED, nomeadamente através da sensibilização da opinião pública, lobbying, influência sobre os media, organização de conferências temáticas e formação de pessoas, acções que favoreceram a aproximação dos povos e promoveram a cidadania activa. É necessário continuar a sensibilizar e mobilizar a opinião pública de Aveiro para as questões do Desenvolvimento, para a vivência da interculturalidade e interdependência. As geminações permitem multiplicar as acções de ED porque constituem, desde logo, um meio de comunicação já existente e privilegiado. A ED é um valor acrescentado e deve ser integrado localmente. O humanismo e o multiculturalismo constroem-se assim, nestes actos, com acções concretas, por isso muito nos estimula poder contribuir para que um pouco de Portugal e do Mundo tenha cabido e caiba em Aveiro e no Enlaces. Tenho a mais firme convicção de que testemunhamos um projecto que favorece as identidades culturais, educativas e sociais, cuja afirmação se faz em paz e no reconhecimento entre si, e não por meios

Geminações com Aveiro 1910: Viana do Castelo - Portugal 1970: Belém do Pará - Brasil 1978: Oita - Japão 1981: Ciudad Rodrigo - Espanha 1988: Santo António do Príncipe - São Tomé e Príncipe 1989 (Maio): Bourges - França 1989 (Maio): Inhambane - Moçambique 1989 (Agosto): Arcachon - França 1993: Santa Cruz, Ilha de Santiago – Cabo Verde 1995: Pemba - Moçambique 1996: Pelotas - Brasil 1997: Cubatão - Brasil 2001: Cholargos - Grécia

conflituosos, assentes em preconceitos desusados, agora que conhecemos e vivemos a era da aldeia global. Os portugueses têm dado exemplos de interesse e amizade através das relações estabelecidas com os municípios de países de expressão portuguesa. Temos responsabilidades no diálogo Norte-Sul e à escala internacional. A cidadania activa das populações deve ser, por isso, estimulada. Por Aveiro saber olhar para o seu passado e fazer renascer a história no contacto com povoações a que ficou ligada

Protocolos de Amizades com Aveiro 1977: Viseu - Portugal 1990: Forli - Itália 1992: Farim - Guiné-Bissau 1998: Mahdia - Tunísia 2000: Panyu - China


e © Orbis - Cooperação e Desenvolvimento

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| c창mara municipal de gr창ndola


© Câmara Municipal de Grândola

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O concelho de Grândola desde meados da década de 1990 que tem projectos de cooperação com países europeus, nomeadamente com regiões da Alemanha e da Polónia. Embora se trate de um concelho com 15.000 habitantes e uma área de 800km2 situado no Alentejo Litoral, Grândola tem apostado em promover projectos de parceria internacional e de cooperação que tenham sustentabilidade e que sejam catalizadores da sociedade civil. Neste contexto, e procurando dar continuidade ao legado histórico da Revolução de Abril, a Câmara Municipal de Grândola – intimamente ligada à canção de Zeca Afonso que deu origem ao MFA – procurou estabelecer relações de parceria e amizade com outros municípios historicamente ligados a este período da história portuguesa. Assim nasce o diálogo entre Grândola e o Tarrafal.

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Nesta perspectiva, a participação no Enlaces foi vista como uma base

Educar a cooperar

para as potencialidades do projecto e para preparar os técnicos envol-

Raquel Bizarro

a realidade local e as opções estratégicas do Município de Grândola,

Sector de Educação e Cooperação da Câmara Municipal de Grândola1

vidos para os desafios da cooperação descentralizada. Tendo em conta foram convidadas escolas para serem parceiras, integrarem o Enlaces e o diálogo com o Tarrafal. Como objectivos imediatos este projecto pretende estreitar as relações entre as populações das duas vilas, fortalecer os laços institucionais estabelecidos e proporcionar oportunidades a cada parceiro. Estavam implícitos: discutir as questões do Desenvolvimento, despertar a consciência colectiva e o compromisso individual e formar cidadãos activos. Mas pretendia-se, sobretudo, fazer a ponte entre as Câmaras geminadas e elementos da sociedade civil. Assim, com o objectivo de aproximar as crianças e jovens grandolenses e tarrafalenses, começou-se por tentar colocar em contacto duas turmas do 4.º ano de cada uma das localidades. E é precisamente com estes dois objectivos – promover uma acção e de-

Câmara Municipal de Grândola Rua José Pereira Barradas, 11 7570-281 Grândola • Portugal Tel (+351) 269 450 000 | Fax (+351) 269 442 699 geral@cm-grandola.pt www.cm-grandola.pt

bater o desenvolvimento – que se pretende atingir a condição primordial deste projecto que é educar a cooperar. E como? Alcançando modelos de cooperação sustentada e sustentável e promovendo a cooperação através da educação. Começou-se assim por estabelecer um modelo de parceria entre a Câmara Municipal de Grândola e a Câmara Municipal do 1 A experiência do Município de Grândola foi apresentada no Seminário Nacional por Maria José Lousa, Vice-presidente do Agrupamento Vertical de Escolas de Grândola.


Tarrafal através de contactos institucionais entre as duas Câmaras, defini-

muito mais consciente e sustentável de modelos de cooperação e de for-

ção de elementos de contacto em cada local para diálogo mais célere

mas de concretização de parcerias. Perante os módulos de formação, foi

e suporte de custos associados ao projecto. Com a Escola do Tarrafal e o

possível compreender que a educação para o desenvolvimento passará

Agrupamento Vertical de Escolas de Grândola, tentou-se estabelecer uma

sem qualquer dúvida pelo envolvimento da educação formal na discus-

troca de correspondência entre alunos de turma e a difusão de informa-

são e disseminação destas questões. O envolvimento das escolas foi para

ção mútua. Como estratégias, tínhamos: reunir informação e preparar os

todos os parceiros uma aposta ganha. Ao nível municipal, atendendo a

alunos para a elaboração de trabalhos a partilhar, debater com os alunos

que este processo de cooperação tinha nascido muito recentemente, a

as particularidades de cada região, fornecer informação para promover

participação no Enlaces permitiu criar melhores canais de parceria, evitar

um conhecimento mais aprofundado do lado de lá, centrar a temática

algumas questões ou erros já cometidos no passado por outras experiências

na diferença e no respeito mútuo, e envolver os pais e encarregados de

e estar mais alerta para as dificuldades que irão sempre surgir. Mas permitiu,

educação para criar o efeito de multiplicar o projecto.

sobretudo, reconhecer que este projecto é uma ponte que se construirá

No decorrer da duração do projecto Enlaces, não se realizaram muitas

com a participação de todos.

acções cuja visibilidade e carácter concretos possam ser apresentados. A

Mas como nenhum projecto se encerra em si mesmo, não podemos deixar

primeira preocupação dos parceiros e a energia de cada um foi centrada

de referir alguns aspectos do efeito multiplicador do Enlaces e de toda

na definição de modelos de parceria e na consolidação dos canais de

esta experiência. Na sequência das várias questões debatidas na forma-

comunicação. Houve, infelizmente, condicionantes que não nos permiti-

ção, fomos ganhando novas formas de trabalho e operacionalização

ram estar no ponto de desenvolvimento que pretendíamos – por um lado

da geminação e, conscientes de que havia várias Câmaras geminadas

as questões internas ligadas ao período de constante mudança em que

com o Tarrafal, procurámos integrar uma plataforma intermunicipal de

a educação nacional está envolvida. Uma vez ultrapassada a questão

Geminação onde 9 Câmaras se encontram envolvidas e unem esforços

interna, aproximava-se a passos largos o período eleitoral em Cabo Verde

para potenciar os recursos e conseguir melhores resultados. Apesar do

e tivemos de aguardar por todo este processo na expectativa de saber se

nosso trabalho ser recente, já conseguimos realizar uma visita ao Tarrafal

os nossos interlocutores iriam ser reeleitos. Nesta altura, os alunos do 4.º ano

e diagnosticar as necessidades da rede de jardins de infância e encontrar

estavam já a preparar a realização das provas de aferição e a disponibili-

interlocutores no local para fazer a ponte da parceria. Queremos depois

dade de professores e alunos estava obviamente condicionada.

desenvolver outras iniciativas e abranger diferentes áreas consolidando a

Esta primeira etapa do projecto foi efectivamente uma etapa, o início de

nossa plataforma de cooperação. Este projecto é pioneiro no País e abre

um caminho que queremos percorrer conjuntamente. As dificuldades e

portas para novas formas de cooperação descentralizada. Para já, trata-

as condicionantes que fomos encontrando ajudar-nos-ão a melhor pla-

-se de uma aposta que queremos ganhar, mas há ainda muito trabalho a

near as próximas etapas do projecto. Ajudam-nos também a concretizar

fazer. Até porque a cooperação faz-se cooperando.

esta troca de experiências, primeiro com uma turma e depois com um

alargado universo dos alunos do concelho, e também fazer coincidir o projecto com o plano de actividades do Agrupamento de acordo com o calendário lectivo. Como importância, podemos realçar que este projecto de geminação e cooperação entre o Tarrafal e Grândola já estava implementado no terreno, mas a participação no projecto Enlaces permitiu uma perspectiva

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| c창mara municipal de santa maria da feira


m

Š Câmara Municipal de Santa Maria da Feira

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A experiência com Catió Síntese da relação entre Santa Maria da Feira e Catió O Município de Santa Maria da Feira e o Sector de Catió (Província de Tombali, Guiné-Bissau) estabeleceram laços informais de geminação em 1991, que originaram a oferta de alguns materiais e equipamentos àquela região. Em 2004, iniciou-se um processo de averiguação de parceiros, a fim de se proceder à reconstrução do antigo mercado colonial: equipamento considerado importante e facilitador das trocas comerciais durante

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Geminação com Catió: a experiência e o relatório de uma viagem Amadeu Albergaria

Vereador da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira1

a época das chuvas. A reconstrução iniciou-se em 2005 e terminou em 2008, resultado de uma parceria entre a Câmara Municipal (financiadora do projecto), a Fundação Evangelização e Culturas (ONGD responsável pelas transferências financeiras e orientadora de todo o processo de reconstrução), a Estrutura de Apoio à Produção Popular (ONGD local que em parceria com a sociedade civil executou a reconstrução do equipamento) e o Comité de Estado de Catió (apoia a EAPP e efectuou um pequeno financiamento da obra). Fases da reconstrução do mercado de Catió 1. Parcerias: 2004 – início dos contactos entre ONGD (FEC e EAPP) para estabelecimento de parcerias e divisão de tarefas. 2. 1ª fase: 2005 – início das obras de reconstrução: reconstrução das paredes exteriores, recuperação das paredes existentes, colocação de nova cobertura, ampliação do mercado.

Câmara Municipal de Santa Maria da Feira Gabinete de Comunicação, Relações Públicas e Internacionais Praça da República, 135 4524-909 Santa Maria da Feira • Portugal Tel (+351) 256 370 880 Fax (+351) 256 370 885 www.cm-feira.pt

3. 2ª fase: 2006 – continuação das obras de reconstrução: reabilitação de bancadas dentro do mercado; colocação de chapas transparentes no telhado; reparação de casas de banho; acabamento de pilares e cober-

2 A experiência do Município de Santa Maria da Feira foi apresentada no Seminário Nacional por Maria do Rosário Meneses e Roberto Reis, Técnicos Superiores, respectivamente, do Gabinete de Comunicação, Relações Públicas e Internacionais e da Divisão de Acção Social do Município.


tura da parte ampliada; reparação de 3 portões de ferro; cimentação do

Balanço Financeiro da Reconstrução do Mercado (2004-2007)

pavimento da parte ampliada; fabricação de portas de madeira. 4. 3ª fase: 2008 – conclusão das obras de reconstrução: acabamentos:

De seguida apresenta-se um quadro resumo dos custos das três fases de

pavimentação em todo o redor do mercado, a colocação de portas

reconstrução do Mercado Central Santa Maria da Feira, em Catió:

e janelas, acabamento de bancadas e colocação de cacifos debaixo das mesmas, pinturas finais, colocação de bidões para a recolha de lixo,

Tranches

CMSMF

acções de sensibilização para usufruto e manutenção do equipamento

1ª Fase

6.764,53 €

em boas condições de higiene profissional e pessoal.

2ª Fase

4.297,67 €

3ª Fase

6.206,41 €

A 1 de Março de 2006 foram formalizadas as relações de geminação com Catió através da assinatura do Protocolo de Amizade, Cooperação e

FEC

TOTAL

1.500 € 18.768,61 €

Geminação entre o Governo de Tombali (Sector de Catió) e o Município de Santa Maria da Feira. Esta deslocação permitiu a visita ao mercado

A reconstrução do Mercado Central Santa Maria da Feira contou tam-

e a monitorização das obras já efectuadas, assim como a verificação no

bém com as contribuições da EAPP – fornecimento de mão-de-obra e

terreno da aplicação dos financiamentos efectuados. O Embaixador de

realização de acções de formação para a boa manutenção e higiene do

Portugal na Guiné-Bissau, Dr. José Manuel Paes Moreira, acompanhou a

equipamento num valor estimado de 2 838,04 euros; e do Comité de Estado

delegação a Catió e comprovou a cooperação descentralizada efec-

de Catió – aquisição de alguns materiais, entre os quais as chapas de zinco

tuada. Aquando da assinatura do Protocolo, no dia 1 de Março de 2006,

para o telhado. Da parceria estabelecida com a FEC resultou, ainda, o

todos os homens e mulheres «grandes» da região, assim como a população

envio de livros (entregues pela FEC nas escolas de Catió e Empada).

e os feirantes, reuniram-se para opinar acerca desta reconstrução, para falar dos procedimentos que ainda não haviam sido efectuados e para

A experiência de Catió em Santa Maria da Feira

agradecer à Câmara Municipal os esforços desenvolvidos. O mercado municipal é um equipamento reconstruído pela e para a

Na sequência do trabalho realizado com Catió, e em parceria com a FEC,

comunidade, utilizando recursos humanos e materiais locais, sempre em

foi realizada a exposição de fotografia Guiné-Bissau: Imagens e Vozes,

sintonia com a identidade cultural da comunidade local. Catió passa a

que retrata o quotidiano dos homens e mulheres guineenses; e em Santa

beneficiar de um óptimo equipamento que na época das chuvas permite

Maria da Feira expôs-se artesanato guineense, algum dele elaborado pelo

a realização de actividades económicas de oferta e procura, promovendo

Centro Artístico Juvenil de Bissau, e realizaram-se acções de formação

assim a dinamização económica local e o desenvolvimento humano.

sobre a educação na Guiné-Bissau (as realidades vividas nas escolas e

O mercado municipal já se encontra em funcionamento, tendo sido ela-

pelos alunos da Guiné-Bissau).

borado um regulamento interno. A EAPP realiza sessões de sensibilização

Em 2007, foi firmada parceria com a FEC para o projecto Enlaces, com o

para o uso de caixotes de lixo e instalações sanitárias, assim como sessões

objectivo de prosseguir a sensibilização local para as questões do Desen-

de formação na área da manutenção e organização higiénica total do

volvimento, envolvendo diversos actores locais, através da formação em

mercado e do seu redor, prevendo-se o pagamento de uma quantia

Educação para o Desenvolvimento e Cooperação Descentralizada e no

monetária para as despesas de manutenção.

apoio mútuo a acções de cooperação e solidariedade para com África, América Latina e Timor.

43


Catió: relatório de viagem, 9-13 de Fevereiro 2009

Dia 9 de Fevereiro Recepção na Embaixada de Portugal

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Programa Visita Comitiva Santa Maria da Feira Dia 9 Hora Actividade 2.30 Chegada a Bissau Descanso 11.00 Recepção na Embaixada 12.00 Visita Oficina PASEG 13.00 Almoço 15.00 Visita Escritórios FEC 16.30 Visita Rádio Sol Mansi Programa Livre  20.30 Jantar temático: Educação GB Descanso Dia 10 Hora Actividade 8.00 Viagem para Catió (Paragem em Saltinho 10.30) 13.30 Almoço 15.30 Inauguração do mercado Catió 17.00 Visita Missão católica e escola de autogestão Programa livre e descanso Dia 11 Hora Actividade 9.00 Reunião com Administrador Catió/Governador 10.00 Visita sede EAPP 10.30 Visita Liceu Catió, Residência de Jovens e Biblioteca Local 11.30 Visita a uma escola indicada pela EAPP 13.00 Almoço 15.00 Viagem para Bafatá 20.30 Jantar com Equipa FEC Descanso Dia 12 Hora Actividade 9.00 Visita Rádio Sol Mansi 9.30 Visita Casa das Mães 10.00 Visita escola FEC 13.00 Almoço 15.00 Viagem para Bissau 20.30 Jantar dado pelo Adido para a Cooperação Dia 13 Hora Actividade 10.00 Reunião de Trabalho Programa livre

Presenças: Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, Dr. José Manuel Paes Moreira, Adido para a Cooperação da Embaixada, Dr. Guilherme Zeverino, Gestor de projectos da FEC, Dr. Simão Leitão, Vereador Celestino Portela e Vereador Amadeu Albergaria. Assuntos abordados: – Apresentação de cumprimentos ao Sr. Embaixador; – Apresentação do Município de Santa Maria da Feira; – Diálogo sobre a realidade actual da Guiné-Bissau; – Ponto da situação sobre a geminação com a cidade de Catió (realidade conhecida pelo Sr. Embaixador, uma vez que presidiu, em 2006, às cerimónias oficiais de geminação); – Reflexão sobre futuras áreas de cooperação com a Guiné-Bissau; – Presença do Sr. Embaixador na inauguração do mercado. Nesta reunião ficou acordada a presença do Sr. Adido para a Cooperação na inauguração do mercado de Catió, bem como a colaboração da Embaixada de Portugal em futuras acções que esta Câmara venha a desenvolver na Guiné-Bissau. Terminada esta recepção a delegação visitou a oficina do PASEG onde nos foi dada a oportunidade de assistir ao trabalho aí realizado que passa pela formação de professores guineenses, dinamização de uma sala de computadores com acesso à internet e biblioteca. Da parte da tarde realizou-se uma reunião de trabalho nos escritórios da FEC, situados na Cúria de Bissau, para acertos do programa da visita, bem como para apresentação do trabalho que está a ser dinamizado pela FEC na Guiné-Bissau. Finda esta reunião visitámos as instalações em Bissau da Rádio Sol Mansi, rádio com cobertura nacional, onde, em entrevista, tivemos a oportunidade de explicar o propósito da nossa estadia na Guiné-Bissau. A Rádio Sol Mansi veio, posteriormente, a acompanhar toda a nossa visita ao país. O dia terminou com um jantar temático: «A Educação na Guiné-Bissau», que contou com a presença, entre outros actores ligados à educação na Guiné-Bissau, do Secretário de Estado da Educação e do Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Amílcar Cabral. Este jantar revelou-se


importante para percebermos a organização educativa da Guiné-Bissau,

edifício do hospital e materiais metálicos (camas e armários); vedação

bem como para melhor compreendermos os diferentes organismos que

do estádio e construção de bancadas e balneários; fornecimento de

actuam no terreno e quais poderiam ser os apoios mais úteis nesta área.

equipamento desportivo; reabilitação do campo polivalente da cidade de Catió; apoio à Direcção Regional de Agricultura com materiais agrícolas

Dia 10 de Fevereiro - Catió

(motocultivador, sementes hortícolas – alface, cebola, tomate, repolho,

Este dia fica marcado pela inauguração do Mercado de Santa Maria da

couves, cenoura, beringela); formação de técnicos na área da agricultura

Feira em Catió. A comitiva de Santa Maria da Feira foi recebida à entrada

e fruticultura; apoio nos materiais musicais – violas de caixa e instrumentos

da cidade pela população e individualidades locais, em clima de grande

para grande dança); apoio para a realização de festivais culturais; apoio

alegria, com faixas expostas que saudavam a nossa presença. O percurso

de tendas de acampamento.

até à casa do Governador de Catió foi feito a pé, na companhia da

A delegação de Santa Maria da Feira demonstrou vontade em continuar

população. A recepção na residência oficial do Governador serviu para

a colaborar com a região, mas referiu a necessidade de se centrar na re-

troca de cumprimentos e saudações. De destacar que o Governador

solução específica de um dos problemas elencados, sendo que a vontade

havia sido nomeado na véspera pelo novo governo guineense, pelo

da Câmara se dirigia para a continuação da cooperação em matéria

que aproveitámos para fazer um breve resumo sobre as relações entre

de educação. Esta opinião foi aceite, pelo que se agendou para o dia

as duas cidades.

seguinte uma reunião específica com a Direcção Regional de Educação.

A meio da tarde procedeu-se então à inauguração do mercado. Discur-

Esta reunião serviu também para a Câmara sensibilizar a nova administra-

saram para a população, o Sr. Governador da Região de Tombali, o Sr.

ção para a necessidade de respeitar e fazer cumprir o regulamento do

Administrador de Catió, uma mulher, um homem «grande» e o vereador

mercado de Catió.

Amadeu Albergaria. Foi descerrada uma placa com o nome do mercado – Mercado de Santa Maria da Feira em Catió. Após esta cerimónia foi feita

Dia 11 de Fevereiro - Catió

uma visita ao mercado. Esta inauguração foi acompanhada pela Rádio

O dia iniciou-se com a reunião com a Direcção Regional de Educação,

Sol Mansi, pela televisão Guiné-Bissau e pela RTP África.

conforme o acordado na véspera. Ficou o compromisso de análise das

No final da tarde foi realizada uma reunião de trabalho com os responsáveis

matérias referidas para, em momento posterior, se definir a área, dentro

regionais da região de Tombali das seguintes áreas: florestas, desporto e

da educação, em que a Câmara actuará.

juventude, segurança, agricultura, educação, saúde, recursos naturais e

Realizaram-se visitas à sede da EAPP, Missão Católica, painel solar do

hídricos, ONG – Nimba. Estavam ainda presentes: representante do Co-

Hospital de Catió, escola apoiada pela EAPP, Biblioteca de iniciativa do

missário Regional, EAPP – director executivo, FEC, Câmara do Comércio

Instituto Camões e Liceu Regional Areolino Cruz.

do sector privado e o Administrador de Catió. Foram pedidos os seguintes

Na companhia do Padre Roberto podemos visitar uma escola apoiada

apoios: compra de camioneta para evacuação do lixo; reabilitação do

pela missão católica onde contactámos com os professores e onde foi

jardim junto ao mercado; construção de uma casa para os estudantes

dada a oportunidade aos alunos de falarem sobre a sua escola e sobre o

que vêm das vilas próximas; abastecimento de água potável através de

que desejavam para ela. Destaca-se a vontade e a alegria de andarem

painel solar; fornecimento de materiais didácticos; apoio para formação

na escola, e o desejo da sua escola ter mais anos de formação para não

contínua de professores; apoio à criação de laboratório e biblioteca para

serem obrigados a abandonar a escola ou deixarem a sua Tabanca.

a Direcção Regional de Educação; apoio em colchões e lençóis para

No Liceu Areolino Cruz fomos recebidos por alunos e professores. Foi dada

doentes internados; apoio para material cirúrgico e batas; reparação do

a palavra aos professores, ao presidente da associação de estudantes e

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à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Tivemos oportunidade de

nações de instituições (ex. Escola da Feira com Liceu de Catió, HSS com

visitar todas as instalações e vermos as dificuldades com que se debate

Hospital de Catió, etc).

esta escola. Foi-nos entregue uma listagem com os principais problemas sentidos, bem como uma carta onde manifestam a vontade de se geminar com uma escola de Santa Maria da Feira. Dia 12 de Fevereiro - Bafatá – Visita às instalações da FEC em Bafatá, que se localizam na Cúria, e à Rádio Sol Mansi, onde o Vereador Celestino Portela foi entrevistado. – Visita à Casa das Mães, localizada no Hospital de Bafatá, projecto que pretende contrariar a elevada taxa de mortalidade das grávidas na Guiné-Bissau.

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– Visita a uma Tabanca onde se localiza uma escola apoiada pela FEC. Nesta visita fomos recebidos pelo chefe de Tabanca que reuniu toda a aldeia e onde se trocaram algumas impressões sobre a nossa presença, o trabalho da FEC, as principais necessidades da Tabanca. De notar que as tabancas habitualmente se organizam para construir uma escola e pagar aos professores numa demonstração clara da importância que atribuem à educação das suas crianças. – Jantar em Bissau, na residência do Adido para a Cooperação, que contou com a presença da delegada da agência Lusa em Bissau e da correspondente da RTP em Bissau. Dia 13 de Fevereiro – Bissau Reunião de trabalho com a FEC, para análise da forma como tinha corrido a visita, troca de impressões, e possibilidades de colaborações futuras. Perspectivas

Geminação Santa Maria da Feira – Catió Parceiros: Fundação Evangelização e Culturas | Estrutura de Apoio à Produção Popular (ONGD local) |

Projecto Enlaces Parceiros locais: Associação Pelo Prazer de Viver | Bombeiros Voluntários de Santa Maria da Feira | Centro Maranathã | Congregação dos Missionários Passionistas / Rosto Solidário | Junta de Freguesia de Sta.

Comité de Estado de Catió

Maria de Lamas

– Santa Maria da Feira deverá continuar a cooperar com a Guiné-Bissau; – Dentro desta Cooperação deverá optar por um projecto concreto; – Este projecto deverá ser na área da Educação; – Concretizado com a colaboração da FEC e da EAPP; – Garantindo o apoio institucional do Governo da Região de Tombali; – Podem e devem ser considerados outros apoios recorrendo-se às gemi-


e © Rosto Solidário | Missionários Passionistas

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48

| c창mara municipal do seixal


x

© Câmara Municipal do Seixal

s 49


O município do Seixal Direcção de Projecto Municipal Migrações e Cidadania / Gabinete de Cooperação e Desenvolvimento Comunitário Visão: Seixal Município de referência nas políticas de integração e desenvolvimento social assentes numa cidadania plena e participativa num ambiente de coesão e paz social. Missão: Promover o acolhimento e integração dos migrantes e das comunidades culturais, apoiar a emigração dos cidadãos nacionais e estrangeiros

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A cooperação e a experiência em ED: o Pensa Glocal Sílvia Pereira

Técnica Superior responsável pela área de ED e Intercultural do Gabinete de Cooperação e Desenvolvimento Comunitário da Câmara Municipal do Seixal

em condições de segurança; Promover o diálogo intercultural e dar às pessoas instrumentos que lhes permitam exercer activamente a cidadania. Desenvolver a cooperação intermunicipal e promover a educação para o desenvolvimento. Atendendo ao crescente número de imigrantes que escolheram o Seixal para se fixar e do reconhecimento do seu papel activo na vida municipal, como factor de desenvolvimento económico-social, o Município do Seixal desenvolveu estratégias de acção no quadro da cooperação externa, com os municípios com os quais firmou Protocolos de Geminação e Acordos de Cooperação; e no âmbito da integração das comunidades residentes no Seixal. Para este efeito, criou-se em 1998 o Gabinete de Cooperação e Desen-

Câmara Municipal do Seixal Gabinete de Cooperação e Desenvolvimento Comunitário/Projecto Municipal Migrações e Cidadania Av. dos Resistentes Antifascistas, 60 – A Fogueteiro 2845-147 Amora • Portugal Tel (+351) 210 976 220 | Fax (+351) 210 976 221 gab.cooperacao@cm-seixal.pt www.cm-seixal.pt

volvimento Comunitário, afecto actualmente ao Pelouro dos Recursos Humanos, Património e Acção Social da Câmara Municipal do Seixal. Com a criação deste Gabinete pretende-se impulsionar uma cultura de cooperação, convivência e de diálogo intercultural, através da consciencialização e responsabilidade partilhada das pessoas e organizações nos domínios da discriminação e da inclusão da população migrante e das outras comunidades culturais, bem como da participação destes agentes no desenvolvimento socioeconómico nos municípios de origem da população imigrante. O Município do Seixal tem protocolos de geminação e acordos de coope-

Sílvia Pereira silvia.lopes@cm-seixal.pt

ração com o Município da Boa Vista, em Cabo Verde, o Distrito da Lobata, em S. Tomé e Príncipe, o Conselho Municipal da Beira, em Moçambique,


a Administração Municipal do Lobito, em Angola, e a Prefeitura de Assis

integrada das problemáticas, sendo promovida a criação de parcerias

Chateaubriand, no Brasil. Assinou também carta de intenções de gemina-

com instituições públicas ou privadas, locais ou nacionais, e alargada ao

ção com Farim, na Guiné-Bissau, e Baucau, em Timor-Leste.

próprio cidadão. Para os projectos de cooperação intermunicipal foram definidas três áreas prioritárias de intervenção: as infra-estruturas, a saúde

A história do projecto

e a educação. Actualmente, a Autarquia tem dinamizado um projecto de educação

1. O contexto

para o desenvolvimento – o projecto Povos, Culturas e Pontes, através do qual se pretende promover a interculturalidade e a criação ou a conso-

O projecto Pensa Glocal foi dinamizado no Concelho do Seixal, que se situa

lidação de pontes entre as diversas comunidades escolares envolvidas,

na Península de Setúbal, e pertence à Área Metropolitana de Lisboa.

utilizando como instrumento primordial de comunicação as Tecnologias

De território com características rurais, o Seixal registou, a partir da dé-

de Informação e de Comunicação (TIC). Este projecto educativo destina-

cada de setenta, um grande crescimento populacional justificado pela

-se às comunidades escolares do Seixal e dos municípios geminados e/ou

melhoria das acessibilidades, proximidade a Lisboa, fixação da indústria,

de países de origem dos imigrantes, desde o ensino pré-escolar ao ensino

entre outros factores, tornando-se então num concelho urbano constituído

secundário. Através deste projecto pretende-se estimular a educação

por aglomerados populacionais de grandes dimensões, abrangendo um

intercultural e para o desenvolvimento e a promoção da cidadania;

grande número de empresas, estabelecimentos, equipamentos sociais,

desenvolver e capacitar os agentes educativos de competências nestes

bem como equipamentos culturais, desportivos e de lazer.

âmbitos; contribuir para a melhoria do processo de acolhimento e inte-

O Concelho do Seixal apresenta uma população superior a 170 mil habi-

gração dos alunos de origem estrangeira ou os nacionais com vivências

tantes, sendo que cerca de 20% da população fixa no Seixal é imigrante

socioculturais diferentes; promover a língua portuguesa e facilitar a sua

ou descendente de imigrante, maioritariamente proveniente de PALOP

aprendizagem como língua segunda ou estrangeira; criar oportunidades

(10,4%), seguindo-se dos Países do Leste Europeu e do Brasil, nomeada-

de interacção entre escolas de meios diferentes, através de geminações

mente de Minas Gerais.

entre escolas; sensibilizar a comunidade escolar para a importância da

Tratando-se de um Concelho com uma grande diversidade cultural e

diversidade cultural e a riqueza que constitui para a sociedade e para o

religiosa, o Município do Seixal reconheceu desde cedo a importância e

indivíduo; facilitar e estimular o uso de novas tecnologias, como forma de

o enriquecimento que constitui o diálogo intercultural para a construção

intercâmbio entre escolas; e sensibilizar para a importância da concreti-

de uma sociedade mais justa e participada, pelo que as diversas comu-

zação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Em www.

nidades desempenham um papel activo na vida municipal.

cm-seixal.pt/povosculturasepontes/.

Conscientes da importância que estas comunidades representam no processo de desenvolvimento socioeconómico local, têm sido desenvolvidos

2. O processo de trabalho

projectos que, embora distintos, se complementam, nomeadamente os projectos de intervenção comunitária, os serviços de atendimento públi-

No quadro da política de cooperação intermunicipal desenvolvida pela

co para imigrantes e outras comunidades culturais, de que é exemplo o

Autarquia do Seixal e face à dinamização do projecto de educação

Espaço Cidadania, e os projectos de cooperação com municípios dos

intercultural Povos, Culturas e Pontes, considerou-se de todo o interesse a

países de origem destas comunidades.

adesão do nosso Município ao projecto Enlaces, a convite da FEC.

A intervenção do Município do Seixal tem sido assente numa abordagem

Para a constituição da equipa multisectorial do Seixal e seguindo uma

51


lógica de disseminação de ED por diversas áreas, optou-se por convidar

Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, no âmbito da Educação para

instituições e serviços públicos que já têm vindo a desenvolver trabalho em

o Desenvolvimento e Educação Não Formal (relação com o objectivo 8

parceria com a nossa Autarquia no âmbito das acções de cooperação

– meta 16).

intermunicipal e de integração da comunidade migrante no Concelho,

– Sensibilizar a comunidade municipal para a importância do compromisso

bem como novos parceiros que representassem uma mais-valia, tendo em

assumido pelos Países das Nações Unidas, através da concretização dos

vista o desenvolvimento de futuros projectos. Assim, a equipa acabou por

ODM.

seguir uma lógica de transversalidade etária, de forma a direccionarmos

– Sensibilizar os agentes da sociedade civil do Concelho do Seixal para o

as nossas acções ao maior número de pessoas, atendendo às suas espe-

desenvolvimento de actividades ligadas ao tema dos ODM.

cificidades, desde a infância à população sénior.

– Produzir materiais para actividades a realizar neste domínio.

Para a dinamização da segunda fase do projecto Enlaces, a equipa do

52

Seixal criou o projecto Pensa Glocal, partindo do pressuposto «pensar

Resultados:

global, agir local», visando a sensibilização e mobilização da população

– Realização de actividades/acções sobre esta temática, direccionados

do Concelho do Seixal para a temática dos Objectivos de Desenvolvi-

para públicos específicos, sobre os ODM.

mento do Milénio.

– Envolvimento de diversos agentes locais na sensibilização da temática

Para este efeito, integraram-se as acções em iniciativas que já faziam parte

dos ODM e do diálogo Norte-Sul.

do calendário de actividades da autarquia, nomeadamente o «Março

– Envolvimento da comunidade educativa e produção de trabalhos para

Jovem» e o «Dia Municipal da Comunidade Migrante», com a realização

exposição pública.

de exposições temáticas e Mostra de Cinema Documental, bem como

– Maior consciência por parte da população do Concelho do papel como

outras acções pontuais no âmbito das actividades dos parceiros locais.

cidadãos activos para a realização e/ou acompanhamento de peque-

Envolveram-se as turmas do 4.º ano da EB1/JI do Fogueteiro e a EB1/JI da

nas acções locais que produzam impactos ao nível global no sentido da

Quinta do Conde de Portalegre do Agrupamento de Escolas Paulo da

redução das desigualdades entre os países mais desenvolvidos e os países

Gama, através da dinamização de acções de sensibilização sobre os ODM,

menos desenvolvidos.

com a exploração de um jogo criado pelo projecto Pensa Glocal. Público-alvo: toda a população do Concelho do Seixal, desde a infância Duração: as acções promovidas pelo Pensa Glocal ocorreram principal-

aos seniores.

mente nos meses de Março e Abril de 2007, mas lançaram-se acções para Julho, e, numa perspectiva de continuidade, planearam-se acções

Parceiros e entidades envolvidas: este Projecto esteve sobe a gestão do

também para o ano lectivo 2008/2009.

Gabinete de Cooperação e Desenvolvimento Comunitário da Câmara Municipal do Seixal e envolveu os/as seguintes serviços/instituições:

Área de Intervenção: o Pensa Glocal teve maior intervenção nas áreas da

– Sector da Juventude da Câmara Municipal do Seixal

educação e educação não formal, juventude, migração e cooperação

– R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica

internacional.

– Universidade Sénior do Seixal – Associação Cabo-verdiana do Seixal

Objectivos:

– Criar-t, Associação de Solidariedade

– Contribuir para a divulgação e sensibilização sobre a importância dos

– Agrupamento de Escolas Paulo da Gama.


Meios: os recursos utilizados foram predominantemente locais, tanto do

– Março Jovem (n.º de participantes: cerca de 2.000)

Município do Seixal como dos parceiros locais envolvidos.

a. Exposição sobre os municípios geminados com o Seixal e com os quais

A divulgação dos projectos Enlaces e Pensa Glocal, bem como parte do

mantemos relações de cooperação, relacionando os seus impactos no

processo de sensibilização sobre os ODM, decorreu através dos canais

sentido da concretização do compromisso assumido pelas Nações Uni-

de comunicação locais, nomeadamente: agenda municipal (25.000

das, em 2000: «8 Municípios… 8 Contributos para o Milénio – Contributos

exemplares) e newsletter da agenda municipal, boletim municipal (65.000

da Cooperação Intermunicipal para a Concretização dos Objectivos de

exemplares), website da Autarquia e da Rede Social do Seixal e do Março

Desenvolvimento do Milénio».

Jovem 2008, bem como do site da R@to, ADCC.

b. Exposição Movimentos Solidários, com o envolvimento de instituições

A dinamização e divulgação das acções tiveram custos reduzidos, uma vez

locais e nacionais de intervenção social.

que estavam integradas em iniciativas já previstas, com realização anual,

c. Mostra de Cinema Documental «Objectivo 2015», do Objectivo 2015

e as quais a população municipal já reconhece e adere. Assim, apenas

- Campanha do Milénio das Nações Unidas.

se recorreu a orçamento para a concepção de um jogo sobre os ODM

– Dia Municipal da Comunidade Migrante

(ainda em processo), bonés para participantes de acções de rua e para

d. Exposição sobre os municípios geminados com o Seixal «8 Municípios…

a montagem de uma exposição.

8 Contributos para o Milénio – Contributos da Cooperação Intermunicipal

Criaram-se marcadores de livros, com concepção gráfica da R@to, ADCC

para a Concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio».

e apoio do sector gráfico da Autarquia, com a indicação dos ODM, que

e. Exposição «Contributos das migrações para a prossecução dos Objec-

foram distribuídos principalmente pelos alunos que foram alvo de sensibi-

tivos de Desenvolvimento do Milénio».

lização no âmbito do projecto.

f. Exposição com trabalhos realizados pelos alunos do 4.º ano da EB1 do

Atendendo à sustentabilidade ambiental, o meio multimédia foi prefe-

Fogueteiro, na sequência das acções de sensibilização efectuadas em

rencial, em vez do recurso ao papel, pelo que a Universidade Sénior do

contexto escolar.

Seixal desenvolveu uma exposição que esteve patente no «Dia Municipal

g. Sensibilização do público infantil: exploração de um jogo sobre os ODM,

da Comunidade Migrante», com a temática «Contributos das migrações

com a participação de cerca de 20 crianças.

para a prossecução dos ODM».

– Sensibilização do público infantil em contexto escolar

Neste âmbito, apenas os filmes apresentados na Mostra de Cinema Do-

h. Acções de sensibilização sobre os ODM, com construção e exploração

cumental e a caixa de acrílico com postais de adesão à Campanha do

de um jogo pedagógico sob os ODM, dirigido às escolas do 1.º Ciclo (4.º

Milénio, integrados no «Março Jovem», nos foram cedidos pelo Objectivo

anos). Durante o mês de Abril, foram realizadas três sessões, com a parti-

2015 – Campanha do Milénio das Nações Unidas, ou seja, por um recurso

cipação de cerca de 100 alunos.

não local.

– Brincar a clicKar – ODM Júnior

Actividades e resultados da acção: no decurso da dinamização do Pensa

a adolescentes e jovens, sobre os ODM. Efectuou-se um vídeo sobre

Glocal realizaram-se diversas actividades tendo em vista a sensibilização

os ODM, assumindo uma crítica sobre a realidade mundial. Este vídeo

da comunidade local para as questões que envolvem o diálogo entre o

está disponível no Youtube, através da ligação www.youtube.com/

Norte e o Sul, assim como a atenuação das desigualdades existentes, a

watch?v=pbqtuL6G-lc.

igualdade do género, a erradicação da pobreza e a sustentabilidade

Para a concretização de algumas das actividades envolveram-se outras

ambiental.

instituições e serviços locais, nomeadamente associações de imigrantes e

i. Actividade realizada em Julho de 2008, pela R@to – ADCC, dirigida

53


escolas. Uma das exposições é itinerante e tem estado patente em diversas

– Motivação interpessoal e institucional

iniciativas escolares, no âmbito de actividades interculturais integradas

– Parceiros com experiências e competências diversas

no projecto Povos, Culturas e Pontes. A caixa para colocação de postais

– Integração dos conceitos de ED no âmbito no contexto de sala de

de adesão da Campanha do Milénio teve uma considerável afluência,

aula

o que demonstrou interesse por parte de alguns munícipes sobre estas

– Envolvimento do movimento associativo juvenil e imigrante

temáticas, que, confrontados com a entrega dos postais, tiraram diversas

– Envolvimento das associações de imigrantes

dúvidas e questionaram os técnicos sobre o que se tem realizado local-

– Promoção do Diálogo inter-geracional

mente. Surgiram novos projectos decorrentes desta sensibilização, bem

– Neste sentido consideramos recomendar a continuidade do trabalho em

como novas dinâmicas.

equipas multi-sectoriais como a melhor forma de integração de saberes e olhares com perspectivas diferentes no sentido de facilitar o desenvolvi-

3. A análise

mento de uma cultura de mainstreaming, tendo por base preocupações de ED. As parcerias e sinergias locais são o motor para a elaboração,

54

Lições

implementação e divulgação de projectos ED.

Neste caminho partilhado, procurou-se a constituição de novas dinâmicas

– A promoção de ED junto da comunidade escolar em actividades de sala

e parcerias que se reflectissem como uma mais valia para a prossecução

de aula, como forma de educar as crianças e jovens para a importância

de um projecto de ED. Por motivos diversos, perderam-se algumas ideias,

de terem uma visão global e crítica do mundo e das diferenças entre o

mas construíram-se e adaptaram-se outras conforme a especificidade do

Norte e Sul. A participação das crianças e dos jovens em actividades de

público e a percepção da melhor estratégia para fazer passar a mensa-

promoção de ED contribui para a sua formação cívica e incutir-lhes-á

gem que pretendíamos.

posturas de responsabilidade social ao longo da vida.

A heterogeneidade da equipa revelou-se uma característica muito

– A utilização de jogos e/ou outras formas lúdicas para passar a mensagem

positiva, cada elemento tinha competências, formas de linguagem e

sobre temáticas de interesse global revelam-se facilitadoras da compre-

experiências diferentes, trabalhando com um público específico. Ao serem

ensão de conceitos e mudança de atitudes.

colocados a trabalhar conjuntamente, cada um dos elementos ofereceu

– A integração dos projectos de ED em iniciativas já existentes, rentabilizan-

uma nova visão sobre a abordagem da temática e novas metodologias

do assim recursos humanos, materiais, logísticos e financeiros.

de trabalho, criando alguma inovação no projecto. Alguns dos parceiros já se conheciam de outros projectos, mas na generalidade era a primeira vez que trabalhavam em conjunto. Embora de áreas diferentes, criou-se uma equipa de trabalho bastante coesa e participada, e foram surgindo, em paralelo, novos projectos e novas dinâmicas. Conclusões e Recomendações Face à experiência e resultados obtidos ao longo de todo o processo de dinamização do projecto Pensa Glocal, consideramos alguns factores críticos para o sucesso do projecto: – Cultura de trabalho em parceira e de responsabilização partilhada


e © FEC

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| câmara municipal de setúbal


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© Câmara Municipal de Setúbal

úb 57


Breve caracterização do Concelho de Setúbal O Concelho de Setúbal, situado a 40 Km de Lisboa, tem cerca de 170 kms de área e 113 000 habitantes. É uma cidade portuária e tem a característica de estar rodeada por duas reservas naturais – o Parque Natural da Arrábida e o Estuário do Sado, integrando o Clube das Mais Belas Baías do Mundo. 70% do seu território é área protegida. O Município de Setúbal encontra-se dividido administrativamente em 8 freguesias, com características urbano-rurais: Sta. Maria da Graça, S. Julião, N. Sra. da Anunciada e S. Sebastião (zona urbana), S. Lourenço, S. Simão, Sado e Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra (zona rural).

58

Projecto Um Milénio de Todos Catarina Ferreira e Vanda Narciso

Coordenadora do Gabinete de Apoio a Imigrantes e Minorias Étnicas, e Coordenadora do Gabinete de Gestão e Intervenção Social, da Câmara Municipal de Setúbal

Apenas 40% dos habitantes nasceram em Setúbal. Os restantes 60% são oriundos de outros municípios ou países. As diferentes vagas migratórias resultam no facto de Setúbal apresentar um tecido social caracterizado por uma multiculturalidade acentuada: cidadãos de origem africana, cidadãos de etnia cigana e mais recentemente imigrantes dos Países do Leste Europeu, do Brasil e de países asiáticos (China, Índia e Paquistão). Setúbal tem sofrido bastante com as crises económicas, apresentando ao longo de vários anos o dobro da média da taxa de desemprego nacional, problema este que se associa a outros, como a delinquência, a insegurança, a exclusão social. Neste contexto, e face a uma crescente descoesão social e à transformação do território, houve um crescente investimento em estratégias de combate à exclusão social, que envolvem de forma concertada e em rede diferentes entidades do Município e que promovem a participação das populações.

Câmara Municipal de Setúbal SEI - Setúbal, Etnias e Imigração, Gabinete de Apoio a Imigrantes e Minorias Étnicas da Divisão de Inclusão Social Rua Amílcar Cabral, 4 e 6 2900-219 Setúbal • Portugal Tel (+351) 265 545 177 |Fax (+351) 265 545 174 gime.sei@mun-setubal.pt www.mun-setubal.pt

A Divisão de Inclusão Social da Câmara Municipal de Setúbal A Divisão de Inclusão Social da Câmara Municipal de Setúbal tem como competência genérica a implementação das políticas municipais nas áreas sociais, em todo o concelho. Tem como competências específicas: – Propor e implementar programas de actividades de natureza social; – Integrar e promover parcerias (formais e informais) que contribuam para


o desenvolvimento social;

Parceiros

– Coordenar a elaboração do Diagnóstico Social e do Plano de Desen-

– Associação de Angolanos e Amigos de Angola (A4)

volvimento Social do Concelho de Setúbal;

– Associação Caboverdiana de Setúbal (ACVS)

– Promover a transversalidade das políticas municipais orientadas para a

– Instituto das Comunidades Educativas (ICE)

Inclusão Social nos restantes domínios da intervenção municipal.

– Sociedade de Estudos e Intervenção em Engenharia Social (SEIES)

Das diferentes funções deste serviço, destacamos:

Estratégias

– Promoção de acções de prevenção e sensibilização das populações,

– Utilizar os recursos dos vários parceiros e envolver, progressivamente, mais

fomentando a solidariedade, a inclusão e a coesão social;

parcerias no sentido de alargar recursos e abranger vários públicos;

– Cooperação e promoção da cooperação com/entre as entidades

– Ao mesmo tempo que o projecto organiza actividades específicas,

públicas, as organizações não governamentais, instituições particulares

apostar em iniciativas que já decorram no Concelho, utilizando-as como

de solidariedade social, associações e grupos informais, cuja área de

meios de divulgar o projecto e angariar mais parceiros;

intervenção promova o bem-estar social e o combate à exclusão.

– Iniciar a mudança por dentro, ou seja, começar por divulgar o projecto no interior das entidades envolvidas;

O processo de construção do Projecto

– Apostar na comunicação e imagem do projecto.

O projecto Um Milénio de Todos surge no âmbito da participação da

O processo de mobilização interna

Autarquia e parceiros locais no projecto Enlaces, promovido pela Funda-

Para que fosse possível rentabilizar os recursos da CMS para o Um Milénio de

ção Evangelização e Culturas (FEC). Foi sendo delineado durante a fase

Todos, adoptámos como estratégia iniciar o nosso trabalho sensibilizando

de formação do Enlaces, com os contributos dos diferentes parceiros.

vários serviços para que se envolvessem directamente nele. Estratégias:

Partimos da constatação da existência de um grande desconhecimento,

1. Realização de reuniões internas com os seguintes serviços:

por parte da população do Concelho, em relação às questões ligadas à

– Gabinete de Informação e Comunicação

Cooperação e Desenvolvimento, e mais concretamente em relação aos

– Gabinete da Juventude

8 Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).

– Divisão de Cultura

Foi decidido, então, que o projecto teria como objectivo geral o desen-

– Divisão de Museus

volvimento de acções que contribuíssem para a sensibilização/divulga-

– Divisão de Educação

ção dos 8 ODM no Concelho de Setúbal. Foram delineados os seguintes

– Divisão de Bibliotecas

objectivos específicos:

– Gabinete de Protocolo e Relações Internacionais

– Apelar à participação cívica;

– Gabinete da Bela Vista

– Criar novos agentes de educação para o desenvolvimento;

2. Divulgação do projecto em todos os grupos inter-serviços nos quais

– Apoiar e desenvolver actividades que divulguem os 8 ODM;

participam os técnicos directamente envolvidos.

– Produzir materiais que permitam a divulgação dos 8 ODM após o tér-

Através das reuniões internas com estes serviços foi possível:

minus do Projecto.

– Apresentar o Projecto e clarificar os principais conceitos envolvidos (Cooperação Descentralizada e Educação para o Desenvolvimento), introduzindo também a temática dos 8 ODM;

59


– Criação de um Plano de Promoção e Comunicação do projecto;

Realidades», 15 participantes;

– Aferir, nos vários serviços, quais as actividades a realizar em 2008 que

b. Debate «Um Milénio de Todos», 22 participantes

poderiam servir como acções de divulgação/sensibilização dos ODM.

c. Exposição fotográfica «Multiculturalidade» d. Graffit’Arte, 50 jovens

60

A rede de Parceiros

e. Ciclo de Cinema

O projecto foi planeado, implementado e avaliado, em todas as fases,

f. Exposição fotográfica «A Mulher»

com a rede de parceiros, utilizando as seguintes estratégias:

g. Divulgação do projecto em todas as actividades

– Sistema de circulação de informação;

– Logotipo do projecto Um Milénio de Todos presente nas assinaturas

– Realização de reuniões com carácter regular;

de e-mail de 8,3% dos funcionários com acesso a e-mail, de diferentes

– Potencialização dos recursos de cada parceiro.

serviços da Autarquia;

Numa lógica de rentabilização dos recursos existentes, foi definido ainda

– Participação na Rádio: Programa de Rádio Luso Fonias (FEC) e Spot

na fase de formação do Enlaces, utilizar a iniciativa Março Mulher 08 como

Programa Rádio CMS;

plataforma de divulgação do projecto Um Milénio de Todos. Esta iniciativa

– Campanha de Rua, com o apoio financeiro do Objectivo 2015 – Cam-

realiza-se há vários anos em Setúbal, promovida pela SEIES e apoiada pela

panha do Milénio das Nações Unidas.

CMS, e tem como característica principal, a partir da temática da igualdade de género, congregar todas as entidades e pessoas que queiram

Conclusões

desenvolver actividades diversas. Além disso, o MM08 tem já um sistema de divulgação próprio, pelo que pareceu a todos os parceiros começar a

O projecto Um Milénio de Todos viveu apenas o primeiro semestre de

divulgação do projecto a partir daqui, angariando mais parceiros durante

existência. Assim, esta apreciação engloba exclusivamente a fase de

o seu processo de realização.

arranque do mesmo. O primeiro aspecto realçado por todos os parceiros refere-se à rápida ade-

Actividades e Resultados

são das pessoas/entidades ao projecto. Foi de modo quase espontâneo

Iniciativas concelhias como mecanismo de divulgação dos ODMs:

que entidades e pessoas com quem fomos contactando se envolveram

– Março Mulher 08: organização da SEIES e da CMS; 49 entidades envolvidas

nas propostas apresentadas. Foi assim possível sensibilizar outros agentes

e tiragem de 1500 programas;

de divulgação dos 8 ODM, que funcionaram como replicadores noutros

– Espaço Aberto – MARço Vivo: organização da CMS - Divisão de Inclusão

contextos, inclusivamente na esfera pessoal.

Social; 113 crianças e jovens reflectiram sobre o 7º ODM e a gestão dos

A par com os resultados que conseguimos medir, através do registo do

recursos hídricos do planeta;

número de participações em cada acção, é importante também realçar

– M@rço.28 – Meia Maratona Fotográfica: organização da CMS - Gabinete

que as acções permitiram criar momentos de reflexão em torno desta

da Juventude; temática «A Mulher», 54 participantes, aos quais foram

temática. Acções como debates ou os workshops de preparação do

distribuídos materiais de divulgação dos ODM;

Graffit’Arte promoveram a reflexão sobre os 8 ODM.

– Semana Objectivo 2015/Diálogo Intercultural: organização da CMS -

Uma das dificuldades sentidas relaciona-se com a inexistência de um

Divisão de Inclusão Social, FEC e Objectivo 2015 – Campanha do Milénio

Serviço da Autarquia que se direccione especificamente para as questões

das Nações Unidas:

de geminações e cooperações. Estas acções são acompanhadas pelo

a. Ciclo de Conversas Interculturais «Às voltas com... Sexualidade: Mitos e

Serviço de Protocolo, que, por limitações logísticas e de recursos humanos,


não se pode envolver tanto como o pretendido. Assim, este facto, associado às dificuldades que decorrem do trabalho em rede (diferentes recursos, ritmos e expectativas), resultaram numa centralização das acções e de um papel mais interventivo na/da Divisão de Inclusão Social. Outra fragilidade do projecto prende-se com a questão do financiamento. Se foi estratégia claramente assumida o rentabilizar os recursos e acções existentes, sem recurso a financiamentos, este facto também limitou a diversificação das acções. A colaboração do Objectivo 2015 - Campanha do Milénio das Nações Unidas que financiou a «Semana Objectivo 2015/Diálogo Intercultural» permitiu um outro impulso ao Um Milénio de Todos, nomeadamente no plano da divulgação exterior. O apoio constante e incondicional da Fundação Evangelização e Culturas também tem sido essencial no desenvolvimento do projecto. Assim, e considerando que o projecto Um Milénio de Todos terá continuidade até final de 2010, pensamos ser fundamental a implicação de recursos financeiros que permitam um salto qualitativo das acções, chegando a outros públicos. Da avaliação realizada sobre esta fase do Projecto, saem as seguintes recomendações: – Envolver outros grupos, uma vez que nesta primeira fase foram sobretudo as pessoas ligadas às questões sociais que se envolveram; – Desenvolver acções específicas com escolas, empresas e meios de comunicação social; – Apostar no desenvolvimento de acções de ED e CD com países do sul; – Descentralizar tarefas e acções, envolvendo outros serviços da Autarquia e outras Entidades, nomeadamente atribuindo uma maior responsabilidade às Associações de Imigrantes. Neste contexto e da avaliação realizada, surgiu a proposta de se realizarem, na próxima etapa, Oficinas de investigação/acção sobre a temática, orientadas para diferentes públicos.

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| Orbis – Cooperação e Desenvolvimento


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© Orbis - Cooperação e Desenvolvimento

b ir 63


O nosso trabalho focalizou-se essencialmente num público-alvo escolar, centrando-se tematicamente nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Devido ao timing de entrada no projecto e à grande transformação ao nível da gestão das escolas em Portugal, foi extremamente difícil conseguir que as escolas incluíssem o projecto no seu plano anual de actividades, bem como, para os professores, obter a dispensa de trabalho lectivo para frequentar os três módulos de formação no âmbito do projecto. Facto que muito dificultou a implementação do projecto no terreno, exigindo bastante a presença da ORBIS na fase das acções de ED propriamente dita. As finalidades primeiras e a razão de ser da ORBIS – Cooperação e Desenvolvimento encontram-se definidas nos seus estatutos, sendo que, de um

64

modo sucinto e como o seu próprio nome indica, se direcciona para o tra-

ED: a experiência escolar

balho de equipa, de modo interno e externo numa lógica de cooperação,

Pedro Neto

rumo é inatingível se não houver, na nossa linha de acção, uma constante

Presidente da Associação Orbis – Cooperação e Desenvolvimento1

em partilha e união de esforços. Somos unânimes ao considerar que tal preocupação com a Educação. Sem ela hipotecamos a sustentabilidade das ideias. Desse modo, todos os projectos realizados pela ORBIS têm em atenção não só a cooperação para o desenvolvimento, mas também, e irrefutavelmente, o desenvolvimento sustentável, apenas com lugar junto de alicerces na educação. No âmbito do Enlaces, seguimos este caminho de implementação da acção ED: em escolas e envolvendo escolas. Inicialmente, planeámos trabalhar com a Escola Secundária de Estarreja, com o Agrupamento de Escolas de Albergaria-a-Velha, com a Escola Secundária de Esgueira e a Escola Secundária de Ílhavo. A estas escolas juntou-se ainda a Escola Se-

ORBIS - Cooperação e Desenvolvimento Rua João Jacinto Magalhães Edifício CUFC Campus Universitário de Santiago 3810 - 901 Aveiro • Portugal Tel (+351) 234 420 600 | 96 56 530 81 Fax (+351) 234 481466 info@orbiscooperation.org www.orbiscooperation.org

cundária com 3º ciclo de Sever do Vouga. A nossa intervenção nas escolas que contou directamente com um universo de cerca de dois mil alunos e cem professores, contou também com a participação, ainda que não de um modo directo, dos pais e encarregados de educação, onde potenciámos a relação com as famílias, facto não planeado por nós inicialmente e que originou colaborações e contributos além projecto Enlaces. 1 A experiência da Associação Orbis – Cooperação e Desenvolvimento foi apresentada no Seminário Nacional por Isabel Capela, Colaboradora da Associação.


As intervenções realizadas nas escolas decorreram muito bem, sendo

Mas neste cenário procurámos nunca desincentivar, sempre apontando

que alunos e professores se sentiram sensibilizados para as questões da

caminhos pedagogicamente, argumentando problemas das suas propos-

Educação e do desenvolvimento, bem como para os ODM. A primeira

tas e percorrendo sempre um campo de propostas.

abordagem aos alunos foi efectuada pelos próprios professores em con-

O trabalho desenvolvido posteriormente pelos professores responsáveis das

texto de sala de aula, seguindo-se uma exposição e visita (conferências) a

escolas foi sendo acompanhado e, sempre que solicitado, regressou-se

cada escola. A entrada nas escolas deu-se por contacto com os conselhos

às escolas, no sentido de acompanhar, incentivar e perceber o avanço

executivos, que, depois de alguma insistência e personalização, se mostra-

de planos de acções de sensibilização realizadas pelos alunos para outros

ram interessados em desenvolver as acções e delegaram competências

alunos e/ou outros públicos-alvo definidos por eles. A proposta foi a da

em professores que nos acompanharam. Não podendo estes, pelas razões

realização de trabalhos de investigação/divulgação/artísticos sobre os

acima explicitadas, marcar presença efectiva e continuada nas forma-

ODM e de acções de sensibilização para a comunidade educativa pelos

ções no âmbito do projecto, procurámos compensar essa ausência na

alunos envolvidos. Estes trabalhos foram integrados em contexto de sala

medida do possível com algumas reuniões de horário flexível e articulado.

de aula e conduzidos pelos respectivos professores. Estes trabalhos foram

No seguimento destas, os professores iniciaram o trabalho com os alunos

posteriormente integrados na dinâmica da exposição fotográfica O estado

seleccionados por si.

do Mundo (cujo resultado viria a ser exibido durante a «Semana 2015», em

Na fase posterior, uma exposição de fotografia, O estado do Mundo, que

Aveiro, em Outubro de 2008). No estudo dos ODM estiveram envolvidos

retrata o mundo sob a perspectiva dos ODM. Esta exposição era um recurso

cerca de 50% dos alunos de cada escola, sendo que as turmas do Ensino

da ORBIS já existente, sobre voluntariado e sobre os países onde actua a

Secundário de Área de Integração e de EMRC assumiram um maior en-

ORBIS com projectos de voluntariado internacional, realizada em Outubro

volvimento na realização de trabalhos sobre os ODM e na própria gestão

de 2007. Fizemos um re-arranjo da exposição para estas acções, dividindo

e logística necessária à exposição fotográfica.

as fotografias, não por países, mas por temáticas em torno dos 8 ODM.

Algumas turmas quiseram trabalhar em cooperação em vez de em ED

Foi, portanto, um aproveitamento dos recursos existentes. A apresentação

propriamente dita. Interrogámo-nos sobre a correcção desse caminho,

da exposição no espaço de cada escola foi associada a uma conversa

podíamos de facto estar a misturar ED com cooperação, dois campos de

aberta com os alunos sobre os ODM e uma visita guiada (à exposição),

trabalho distintos. No entanto, negar aos alunos os seus pedidos de apoio

com a duração de uma manhã ou tarde em cada escola. A exposição

a projectos específicos da ORBIS poderia também ser um contra-senso.

teve um impacto muito forte não só nos alunos, como nos professores,

De facto, a acção de ED que realizámos no âmbito do Enlaces procurou

sobretudo pela personalização da fotografia através do contacto dos

sensibilizar os alunos para a questão dos ODM. Incentivá-los à acção e

alunos com quem as fez e com o testemunho de terreno do pessoal da

ao comprometimento primeiro e depois não lhes permitir isso poderia ser

ORBIS que esteve nas escolas. Nesse encontro com os alunos, a conversa

uma efectiva anulação do trabalho anterior. Neste trabalho que acabou

aberta, o início foi pautado mais por apresentação e explanação de

por envolver os alunos, especialmente no apoio a pequenas acções,

ideias e só depois então em conversa. Após a visualização da exposição

campanhas ou projectos da ORBIS, foram potenciadas outras parcerias

e de breves palavras explicativas dos objectivos do milénio e da acção da

além realidade escolar.

ORBIS em conjunto com os parceiros multisectoriais no projecto Enlaces,

Através dos meios de comunicação nossos parceiros, envolvemos também

a participação com questões foi considerável, chegando ao ponto de

uma grande diversidade de pessoas ao serviço desta acção ED (de forma

os próprios alunos quererem ser também agentes de desenvolvimento,

abrangente) que potenciou e divulgou o empenhamento das escolas e

fazendo sugestões, para eles válidas, na realidade nem sempre exequíveis.

alunos. Foram eles a empresa de comunicação Palo Alto, lda., e os jornais

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66

locais O Aveiro e Correio do Vouga e a Rádio Terra Nova.

tendo em conta que as comunicações internas entre Ministério, Direcções

Pelas características que apresentam, as escolas são o palco perfeito

e escolas são orgânica e funcionalmente obrigatórias.

(embora não o único), com resultados a longo prazo, para sensibilizar

De modo global, os recursos/meios utilizados para a acção de ED contou

para a necessidade de exercer uma cidadania activa. Durante as acções

com estes organismos como media partners e com a participação direc-

presenciais nas escolas, notámos que existiu um interesse geral, quer por

ta de professores e voluntários da ORBIS. Em termos logísticos, podemos

parte dos professores, quer pelos alunos. O interesse assumiu uma dimensão

considerar a exposição fotográfica, várias peças de artesanato angolano,

concreta ao desenvolverem as diversas acções de ED após a primeira

guineense, moçambicano e timorense, as instalações das escolas e as

sensibilização. Foi um trabalho importante, desenvolvido apenas numa

deslocações a cada uma delas.

pequena amostra do tecido escolar da região. Importa, no entanto rele-

Através da acção desenvolvida nas escolas conseguimos sensibilizar e

var que as constantes mutações no ambiente escolar, por vezes deixam

mobilizar os jovens e os professores para questões actuais que se prendem

pouco espaço para este tipo de iniciativas. Na verdade, apenas através

com o desenvolvimento e, especificamente, com os ODM. Os resultados

da sensibilização de docentes, e da sua dedicação inteiramente gratuita,

foram significativos, com o empenho e dinamização de alunos e profes-

é possível entrar nas escolas, uma vez que os conselhos executivos estão,

sores, que actuaram de modos concretos de forma a chamar a atenção

normalmente, absorvidos por questões processuais e burocráticas.

e debater questões que a todos preocupam. Consideramos também que

O projecto Enlaces revela especial importância pelo facto de descentra

a acção desenvolvida foi geradora de mudanças significativas, nomea-

lizar as acções de ED, bem como por capacitar agentes locais para o

damente a nível de conhecimento, acção e de desejo de formação de

efeito. A melhorar destacamos as formações exclusivamente em horário

diversas pessoas. De salientar também o interesse e motivação (pese em-

laboral, que limitam a participação de potenciais agentes. Apesar de

bora tardios) que se verificou na busca de formação, para que a acção

percebermos que outras soluções trazem sempre outras limitações. Para o

a desenvolver pudesse abranger novos conhecimentos e, desse modo,

caso dos docentes, sugerimos a possibilidade de os períodos de formação

patamares diferentes dos do meio escolar.

poderem ser creditados como formação contínua anual, a que inclusiva-

Uma das actividades geradas no âmbito do projecto Enlaces e com forte

mente estão obrigados a cumprir anualmente, permitindo-lhes assim uma

impacto, foi o trabalho conjunto com a Câmara Municipal de Aveiro na

participação mais fundamentada e profissionalmente enquadrada em

organização da Semana Objectivo 2015 – Aveiro’ 08, entre 10 e 19 de

todo o processo do projecto. O contacto com a escola deve, portanto,

Outubro de 2008, onde os trabalhos produzidos nas escolas foram expostos

ser realizado idealmente cerca de quatro a dois meses antes do início do

em vários locais da cidade. Para esta iniciativa, foram mobilizadas cerca

ano lectivo em que se pretende realizar o projecto/actividade, para que a

de 40 instituições locais, sendo as próprias escolas da equipa multi-sectorial

escola possa, a ter interesse, integrá-lo no seu plano anual de actividades

envolvidas na participação. Para além da sociedade civil, implicaram-se

educativas que elabora nesse período. Tal só foi possível no caso da Escola

também sectores políticos. Um dos elementos que compõe a história

Secundária Dr. Jaime Magalhães Lima por integrar um projecto escolar

desta iniciativa é precisamente o facto de termos conseguido envolver e

com âmbito similar, enquadrado nas disciplinas de Área de Integração, de

juntar todos os Deputados da Assembleia Municipal para uma fotografia

Educação Moral e Religiosa, e nos cursos profissionais. Neste caso específico

conjunta ilustrativa do 8.º ODM – Fortalecer uma parceria global para o

das escolas a abordagem mais eficiente será por via do Ministério da Edu-

Desenvolvimento – que simbolizasse o próprio comprometimento político

cação, através das Direcções Regionais de Educação ou, para este tipo

conjunto de Aveiro nas questões do Desenvolvimento. Foi necessário

de trabalho, da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular.

percorrer gabinetes, ir a uma sessão da Assembleia e convencer os De-

Seriam depois estes organismos a contactar as respectivas escolas – e

putados de várias facções partidárias a um acto conjunto. No final, todos


reconheceram a sua importância. Esta fotografia integrou os cartazes e tarjas sobre os ODM para a campanha de rua (em suportes físicos espalhados pela cidade).

A ORBIS – Cooperação e Desenvolvimento é uma Organização não Governamental criada em 2006, como consequência do crescimento do trabalho de voluntariado missionário desenvolvido pela Diocese de Aveiro. É ONGD desde Julho de 2008. Tem sede em Aveiro, no Centro Universitário Fé e Cultura – Campus Universitário de Santiago – Universidade de Aveiro. Trabalha nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento e da Educação para o Desenvolvimento. É membro da Plataforma Direitos Humanos – Aveiro, do Centro Local de Acção Social de Aveiro (CLASA), do Serviço Voluntariado Europeu (SVE) – Comissão Europeia, e da Plataforma Nacional de Voluntariado Missionário (FEC).

Cooperação para o Desenvolvimento: Projectos Transversais (Comércio Solidário / Justo; Apadrinhamento à Distância «One Child, One Future» e Voluntariado) e Projectos Específicos por país (Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste). Projecto Específicos Internacionais em Curso: Internato de Inharrime – sustentação integral (Moçambique); Escola Profissional D. Bosco de Lwena e Centro de Saúde de Lwena – melhoria de instalações e crescimento institucional (Angola), Projecto Agricultura para ex-refugiados, no Moxico (Angola), Escola Profissional de D. Bosco, em Benguela (Angola); Centro de Integração Social da Calheta, em Santiago (Cabo Verde); Centro Integral Mamãe Margarida, em Ananindeua, Belém do Pará (Amazónia, Brasil); O meu sonho é estudar e Mamãs Subnutridas, em Safim (Guiné Bissau).

Educação para o Desenvolvimento: Projectos (Enlaces) e Eventos ED (Semana Objectivo 2015 – Aveiro ’08, Mês dos Direitos Humanos – Aveiro, Dez/08, Quinzena dos Direitos Humanos Aveiro, Maio/09); Acções de Sensibilização (escolas, espaços públicos, paróquias, grupos culturais, universidade); Voluntariado, Envolvimento e mobilização da sociedade civil em projectos específicos de Cooperação para o Desenvolvimento (campanhas diversas, Campanha Parceiros ORBIS por um mundo melhor dirigido a empresas e instituições); e Trabalho na Comunicação Social (colaboração mensal com o semanário Correio do Vouga; colaboração quinzenal com o semanário O Aveiro; programa quinzenal Vozes do Mundo nas rádios locais Vagos FM e Terra Nova, análise semanal da actualidade internacional no programa Entre o Céu e o Inferno na rádio local Vagos FM.

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© Rosto Solidário | Missionários Passionistas

©FEC

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© Câmara Municipal de Setúbal

© Orbis - Cooperação e Desenvolvimento

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© Câmara Municipal do Seixal

© Orbis - Cooperação e Desenvolvimento


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parte III | das experiencias paras as reflexões: contri71 butos parte III | das experiências para as reflexões: contributos comunicações ao seminário nacional no dia 1 de Julho de 2008

Moderadores do debate Painel 1. Cooperação descentralizada, actores locais e desenvolvimento GRAÇA GUERREIRO NUNES | Vereadora da Câmara Municipal de Grândola Painel 2. O contributo da educação para o desenvolvimento nas acções de cooperação descentralizada PEDRO MATOS FERREIRA | Vereador da Câmara Municipal de Aveiro Painel 3. Educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: recursos e estratégias locais AMADEU ALBERGARIA | Vereador da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira


Quero agradecer aos membros da mesa a sua presença, a todos os presentes e a todos os amigos que quiseram estar connosco neste dia, felizmente em grande número e num espírito de partilha e de comunhão que permite construir projectos como este numa lógica de verdadeira partilha. É com uma enorme alegria que iniciamos o segundo dia deste seminário, depois de ontem termos tido um dia muito preenchido, onde ouvimos diversas experiências de cooperação concretizadas por diferentes e inovadores actores locais, seguindo estratégias e abordagens de acção muito diferenciadas, mas com um mesmo desejo de colocar as suas capacidades em parceria com outras entidades, de forma a tornar o seu trabalho mais efectivo, fazendo a diferença na presença na vida de outras pessoas. E foi com particular agrado que constatámos que esta troca de experiências decorreu num ambiente de aprendizagem mútua,

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sem concorrência ou medo da imitação, que muitas vezes acontece neste mundo das ONG, mas numa procura de caminhos e abordagens eficazes

Jorge Líbano Monteiro

Administrador da Fundação Evangelização e Culturas

e realizáveis, que era na realidade um dos objectivos deste seminário e do trabalho desenvolvido pelo projecto Enlaces. Um projecto que se insere claramente na forma de actuar da Fundação Evangelização e Culturas, que, desde o seu início, tem procurado ser ponte entre a vontade de ajudar, existente em Portugal, e as necessidades existentes nos diferentes países onde desenvolvemos a nossa acção, num processo contínuo de envolver parceiros, potenciando acções integradas e com maior capacidade de sucesso. Nesse sentido, a Fundação tem coordenado uma plataforma de jovens que envolve mais de cinquenta organizações de cooperação ligadas à igreja católica e que, no seu total, envia cerca de 300 jovens em acções de cooperação todos os anos para, na sua maioria, os PALOP. E tem vindo a dinamizar também uma plataforma dos bispos lusófonos, uma ponte entre parceiros do Norte e do Sul e espaço para reformulação das estratégias de actuação. Na verdade, acreditamos que só é possível existir uma verdadeira cooperação se forem criadas, por parte de quem lidera os projectos, parcerias efectivas que tornem a acção de cooperação plenamente inserida nas realidades locais e tragam competências e conhecimentos que possi-

sessão de abertura

bilitem atingir com eficácia os objectivos a que os diferentes projectos se propõem. Acreditamos realmente que a cooperação não é uma


tarefa teórica, nem deve ser uma tarefa de grandes ONG ou de grandes

A resposta que devemos dar, e também consagrada pelas políticas de

projectos, mas deve ser algo mais profundo e concreto, que não nasce

desenvolvimento europeias, aponta para o estabelecimento de efecti-

apenas de políticas, mas nasce de pessoas, da realidade concreta e do

vas parcerias nas relações, o que significa assumirmos uma atitude de

comprometimento efectivo de cada um de nós com o destino de outras

co-responsabilidade e diálogo sobre o desenvolvimento entre Norte e

pessoas, na certeza de que todos somos necessários para a construção de

Sul, à escala internacional, mas também à escala local, com planos de

um mundo melhor, com a certeza de que cada um pode fazer a diferença

educação para o desenvolvimento, de sensibilização dos cidadãos para

na felicidade dos outros.

que tomem cada vez mais parte neste processo. O crescente envolvimento

Nesse sentido, o projecto Enlaces, que nos reúne, insere-se nesta certeza

de actores locais como agentes de cooperação descentralizada e a sua

que é essencial envolver na cooperação aqueles que trabalham junto das

capacidade de proximidade com as pessoas e situações locais torna-os

comunidades locais em Portugal e que estão habituados a viver e a sentir

também agentes privilegiados de educação para o desenvolvimento.

as dificuldades de desenvolver uma cidade ou uma região. A experiên-

Sensibilizar os cidadãos resultará não só na mobilização de novas parce-

cia relatada ontem é disso prova, as potencialidades do apoio e acon-

rias, novas competências e novos recursos, como na formação de uma

selhamento prático do poder local português são inúmeras e, por isso,

comunidade local mais consciente, cidadã e activa. A educação para

deverá ter um papel central e determinante na cooperação portuguesa

o desenvolvimento é, nesse sentido, um valor acrescentado que pode e

no futuro. Estou certo que se criarmos um dinamismo de inclusão dos

deve ser cada vez mais uma abordagem a integrar localmente.

diferentes projectos, dos parceiros locais e das comunidades locais numa

Este seminário, e a posterior Brochura de Conclusões e Recomendações

estratégia nacional e suportada tecnicamente por especialistas e por

que editaremos, é o culminar do projecto Enlaces, uma proposta de tra-

ONGD, poderemos dar um salto significativo na cooperação portuguesa.

balho em educação para o desenvolvimento, desenvolvida no local, e

É interessante que ainda agora a falar com os dois representantes da

através de recursos e estratégias locais, com municípios comprometidos

Manos Unidas ONGD espanhola, falávamos precisamente desta lógica

no esforço de cooperação. Fazemos votos para que as relações e par-

já vivida em Espanha, de um trabalho em conjunto entre o poder local,

cerias agora concretizadas se possam potenciar no futuro, e desta forma

as ONG e pessoas com competências. Penso que esta é, sem qualquer

possamos realmente criar um novo impulso na cooperação portuguesa

dúvida, uma lógica que temos que aprofundar hoje e no futuro se que-

e dar uma resposta positiva aos múltiplos desafios que se nos colocam a

remos progredir.

nós e aos povos com quem temos trabalhado.

Na realidade, todos não somos demais na imensa tarefa que temos pela

Quero terminar esta minha intervenção formulando um profundo agra-

frente na área da cooperação. Um trabalho que sempre foi difícil e exigen-

decimento a todos os parceiros envolvidos neste projecto e que foram

te, mas que, hoje em dia, num mundo cada vez mais globalizado e numa

essenciais para o êxito do mesmo:

realidade portuguesa a viver um período particularmente complicado,

– Às câmaras municipais parceiras deste projecto – Câmara Municipal

ainda se afigura mais complexo, solicitando todos os que estamos nela

de Aveiro, Câmara Municipal de Grândola, Câmara Municipal de Santa

envolvidos, o redobrar do nosso ânimo para continuarmos a trabalhar

Maria da Feira, Câmara Municipal do Seixal, Câmara Municipal de Setúbal

por aquilo em que acreditamos, numa atitude de confiança, na certeza

e à Associação Orbis.

do muito que já fizemos, mas de humildade perante a consciência do

– Ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, co-financiador

muito que ainda temos que fazer e de novas lógicas de cooperação

principal deste projecto e que tem estado sempre próximo destes projectos

que temos que encontrar. Na realidade, o contexto em que nos situamos

inovadores que a Fundação tem desenvolvido.

é o da contínua globalização e interdependência entre todos os actores.

– À Fundação Calouste Gulbenkian a disponibilidade e acolhimento tão

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simpático que nos faz neste espaço e também por toda uma relação de confiança e de parceria efectiva ao longo dos últimos anos. – À Sandra João que coordenou este projecto, com muito esforço, dedicação e maior competência sendo claramente um elemento essencial para o êxito deste projecto. Finalmente, uma palavra de agradecimento a todos os presentes pela presença e ânimo que nos trazem. Muito obrigado.

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Bom dia a todos, em particular ao Dr. Jorge Líbano Monteiro, ao Dr. Manuel Carmelo Rosa e ao Dr. Paulo Nascimento que partilham com o Município de Setúbal esta sessão de abertura. A Dra. Sandra João já teve oportunidade de explicar que a Sra. Presidente não pôde estar por motivos de agenda. De qualquer das formas, vou, obviamente em seu nome, transmitir algumas das ideias, algumas das preocupações e, sobretudo, partilhar convosco o compromisso de Setúbal que, de alguma forma, representará também o compromisso dos Municípios aqui presentes, e de outros que sabemos que pelo país fora também fazem algum trabalho de cooperação e que, por motivos diversos, ou não aderiram ao Enlaces, ou aderiram a outros «Enlaces» que também existem por aí. Em nome do Município de Setúbal, agradeço o convite que nos foi dirigido para integrarmos o programa deste seminário, felicitando em particular a Fundação Evangelização e Culturas pela iniciativa e pelo desafio lançado a todos os municípios presentes. É com muita honra que Setúbal integrou

Conceição Loureiro

Chefe de Divisão de Inclusão Social da Câmara Municipal de Setúbal

a parceria nacional que dinamiza o projecto Enlaces e a parceria local que promove o projecto Um Milénio de Todos. Vivemos uma época em que os desafios colocados pelas novas dinâmicas sociais exigem iniciativa, criatividade, no desenvolvimento de estratégias de combate às desigualdades, sejam elas quais forem e de que forma se assumam. Sabemos que a diversidade e a complexidade dos novos desafios do mundo moderno exige de todos um trabalho constante de cooperação, de crescente partilha de saberes, de recursos e de efectivação de parcerias. Setúbal é hoje um espelho de uma sociedade globalizada, caracterizada pela pluralidade social, cultural e religiosa. O potencial que é gerado por todas estas transformações é enorme, e traz consigo desafios e constrangimentos que apelam à participação de todos para um desenvolvimento que é comum, ou que se pretende que assim seja. A Câmara Municipal tem olhado para estas questões de desigualdade social com particular empenho, contribuindo para um maior conhecimento da realidade local e para a promoção do diálogo. Em nossa opinião, a acção do poder local deve passar também pela sensibilização da população no que se refere às particularidades e à riqueza da diversidade. Informar e for-

sessão de abertura

mar são, por si só, meios de combate à exclusão. No entanto, é necessário intervir de forma concertada, reunindo e diversificando contributos,

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actuando em rede, aprofundando a cooperação entre as instituições, promovendo a contínua melhoria das condições de vida das comunidades. Na qualidade de poder local, consideramos que Setúbal tem observado melhorias a esse nível, assim como alguns dos Municípios e concelhos que conhecemos e com os quais intervimos, com responsabilidades que atribuímos também à acção autárquica, uma vez que, como todos sabemos, a priorização dessas matérias é, obviamente, uma opção política. Entendemos que ao promover a participação das pessoas, estamos seguramente a construir em conjunto uma sociedade mais coesa. Não é uma tarefa fácil, e muitos dos seus resultados só serão visíveis a médio e, muitas vezes, a longo prazo. Tendo consciência do muito que há a fazer na área da educação para o desenvolvimento, consideramos, até pelos

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exemplos apresentados ao longo do dia de ontem, e do dia de hoje, que ao nível local importantes passos têm sido dados, com esforços reconhecidos, quer de eleitos, quer das associações e, sobretudo, das populações. No entanto, são momentos como os que vivemos nestes dias que nos permitem certificar isso mesmo, para além de reflectir, de partilhar e de divulgar as acções de cooperação, que devem ser avaliadas de forma a afinar e concretizar o conceito de desenvolvimento. Terminamos agradecendo, uma vez mais, a todos os parceiros e intervenientes neste encontro, que será sem dúvida mais uma importante etapa no nosso trabalho, assim o reconhecemos, quer no trabalho do dia a dia e trabalho institucional, e sobretudo no trabalho da proximidade com as comunidades que integramos e nas quais diariamente intervimos. Promover o diálogo entre todos os povos, envolver as comunidades para atingir as metas descritas nos oito objectivos do milénio são mais um desafio. Resta-nos conhecê-los, divulgá-los, participar e, sobretudo, comprometermo-nos. Muito obrigada e um bom trabalho.


Começo por agradecer o convite para participar neste Encontro. É com muito gosto que participo neste Seminário sob um tema tão aliciante e cuja importância é óbvia no contexto da ajuda para o desenvolvimento. Gostaria ainda de saudar a FEC pelo trabalho de grande relevo que vem desenvolvendo em África de forma persistente e continuada, com uma enorme ligação às populações dos locais onde intervém e com a preocupação genuína de servir essas populações. Aproveitando o tema do Seminário irei tecer algumas considerações sobre a matéria respeitante à educação para o desenvolvimento. Este é um tema a que a Fundação Calouste Gulbenkian atribui enorme importância. No contexto do Programa Gulbenkian de Ajuda ao Desenvolvimento, a educação e a formação e valorização de recursos humanos ocupam um relevo importante por corresponderem a uma área de intervenção prioritária desse Programa desde o início das actividades de cooperação para o desenvolvimento encetadas na primeira metade dos anos sessenta

Manuel Carmelo Rosa

Director do Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian

pela Fundação Calouste Gulbenkian. Para além da importância que a Fundação reconhece ao tema da educação e desenvolvimento, permitam-me que refira que esta é matéria à qual eu próprio tenho dedicado especial interesse não só por reconhecer, como a grande generalidade dos cidadãos, que a educação e o desenvolvimento são inseparáveis, mas também porque reconheço que tem de se prestar cuidada atenção à corrente doutrinária com repercussão em Portugal em importantes meios académicos e em alguns órgãos de comunicação social que defendem a ideia de que o investimento em educação não contribui para o desenvolvimento. Esta linha de pensamento, que não pode nem deve ser liminarmente rejeitada, tem a enorme virtude de afastar ideias e conceitos simplistas fruto de pouca reflexão quanto à importância da educação para o desenvolvimento e obriga, por isso, a uma análise mais cuidada e fortemente fundamentada em torno desta importante questão. Nos breves minutos que me são concedidos gostaria de sinteticamente referir que caberá começar por precisar o que se entende por desenvolvimento. Ele corresponde, muitas vezes, a um conceito vago e impreciso de

sessão de abertura

que todos temos uma noção, mas que é difícil de exprimir. Aliás, o próprio conceito tem variado ao longo das épocas.

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Para abreviar podemos usar a consagrada fórmula de que o desenvolvimento é um processo de melhoria de uma situação e traduz-se na transformação da sociedade no sentido de promover o bem-estar das pessoas, a qualidade de vida e do ambiente que as rodeia. Para além disto, tem de ser inclusiva e ter significado relevante para as gerações que nos sucedem e para o Mundo que elas irão herdar. Esta posição, hoje já muito consagrada, contraria a ideia até há bem pouco tempo prevalente, de que o progresso e o desenvolvimento deveriam ser essencialmente medidos em termos de produto nacional bruto ou de rendimento per capita de uma nação. A ideia de desenvolvimento económico que tem como objectivo único maximizar o crescimento do rendimento não toma em consideração as preocupações ambientais, minimiza o nível de vida das populações, ignora as desigualdades registadas entre grupos sociais, regiões, sexos, etc., e tolera a pobreza mais do que é aceitável na pressão para gerar crescimento máximo. Esta perspectiva redutora de centrar o desenvolvimento na economia conduziu a imagens muito distorcidas da realidade e porque reconheceu apenas uma parte da transformação da sociedade – ainda que se lhe possa atribuir uma importância que efectivamente possui – falhou nos seus objectivos porque não considerou o contexto geral e a multiplicidade de variantes a ponderar. Mas, como referia, é hoje amplamente aceite que se reconhece um sentido lato a conceder à expressão «desenvolvimento» e mesmo à expressão «desenvolvimento económico». O sentido lato a conceder à expressão «desenvolvimento» implica prestar maior atenção: – ao aperfeiçoamento e extensão das novas teorias do crescimento e à sua relação com a economia das ideias e do conhecimento; – a uma correcta interpretação e identificação das instituições adequadas que servem de necessária infraestrutura ao desenvolvimento; – à determinação das origens e consequências do capital social; – à adopção de análises multidisciplinares; – ao reconhecimento das lições do passado; – ao exame das oportunidades e dos problemas criados pela globalização;

– e às novas perspectivas de interdependência do Estado e do mercado no processo de desenvolvimento. Os novos objectivos de desenvolvimento, para além do simples aumento da taxa de crescimento económico, são impulsionados pelo movimento em direcção ao desenvolvimento humano ou ao desenvolvimento integrado. Neste sentido, há que prestar especial atenção ao maior ou menor afastamento entre os mais ricos e os mais pobres e centrar, por isso, a atenção nas melhorias da distribuição do rendimento, e ainda no ambiente, na saúde e na educação. Os objectivos de desenvolvimento terão de integrar, para além das componentes económicas, o desenvolvimento social, nele se considerando os direitos humanos básicos, o acesso a um sistema jurídico justo, a literacia e a educação e a saúde. Muitos destes objectivos estão relacionados com a equidade e a redução da pobreza, bem como com a inclusão das pessoas no processo de desenvolvimento, em vez de as excluir e abandonar. A educação, que é já em si um objectivo de desenvolvimento, contribui também de forma poderosa para a concretização de muitos dos objectivos referidos. De qualquer modo, há que ser cuidadoso e não assumir que o mero investimento na educação promove por si só o desenvolvimento, como alguns espíritos menos avisados imaginam. O desenvolvimento, como vimos, é um processo muito complexo que implica, para a sua concretização, a conjugação de inúmeros factores. As condições de desenvolvimento devem ser analisadas como um processo multifacetado, não linear, interdependente e dinâmico, implicando, sustentadamente, mudar os modelos de interacção, o que exige mudanças frequentes nas políticas e nas instituições. Por outro lado, as estratégias e prioridades do desenvolvimento têm que ser analisadas caso a caso de acordo com as circunstâncias de cada situação porque podem variar de país para país e muitas vezes de região para região dentro de cada país. Nesta conformidade, há que reconhecer razão aos que não consideram suficiente o investimento na educação para gerar desenvolvimento e há inúmeros exemplos por esse mundo fora que o comprovam, designadamente em África onde quase todos os novos países, no pós independência, concederam alta prioridade à educação, com os resultados que estão à vista.


Terá, por isso, de se afastar a ideia simplista, adoptada sobretudo nos anos

as suas condições de desenvolvimento. Este é, por exemplo, o caso do

oitenta do século passado, por alguns teóricos do desenvolvimento, de que

Chade, da República Democrática do Congo, do Uganda, da Etiópia, do

a correlação entre o nível de riqueza de um país e o seu nível educativo

Sudão, do Mali, do Niger e do Zimbabué, onde está instalada uma enorme

demonstram a relação entre educação e desenvolvimento por serem

crise política e económica. Em outros países, apesar do crescimento, as

aqueles que apresentam melhores índices de desenvolvimento económico

condições de pobreza continuam a ser dramáticas.

os que possuem uma população com melhor nível educativo. Ora, como

No que respeita à educação, e apesar de algumas tendências favoráveis

se sabe, a correlação não prova a causa e fica por isso enfraquecido

que se têm verificado, tornar-se-á difícil alcançar em 2015, em alguns

qualquer argumento que use uma análise de regressão para provar o

países da Região, o objectivo educativo do desenvolvimento do Milénio

crescimento económico.

da universalização do cumprimento do ensino básico.

O facto de os países mais ricos gastarem mais em educação do que os

Face a este panorama, é preciso afastar as posições extremadas quase

países mais pobres, tanto pode significar que a educação ajuda os países

sempre simplistas e fundamentalistas, ou de que não é preciso apostar na

pobres a tornarem-se mais ricos, como pode também significar que os

educação para gerar desenvolvimento ou de que basta voluntaristica-

países mais ricos podem suportar maiores gastos em educação.

mente investir na educação para criar o desenvolvimento.

O que é absolutamente inegável é que não há processo de desenvolvi-

Como referi, o desenvolvimento é um processo de tal modo complexo

mento possível que não traga associado em grande parte a componente

que não se promove com o recurso a apenas um dos factores que lhe

educativa. Não se conhece nenhuma situação de desenvolvimento

são indispensáveis ainda que esse factor seja a poderosa educação que

continuado e persistente sem uma melhoria qualitativa na componente

está no âmago do próprio desenvolvimento e que é indispensável à sua

educativa que o sustente.

concretização.

É neste registo que eu entendo que se deve colocar a análise e discussão

Para concluir, volto à intervenção da Fundação na ajuda ao desenvol-

do problema da relação da educação e do desenvolvimento, sobretudo

vimento. Esta intervenção visa garantir que os países beneficiários dessa

na África Subsahariana onde o nível de pobreza é de maior dimensão e

ajuda assumam a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento,

em que os indicadores de desenvolvimento educativo são dos mais baixos.

aceitando o direito a fazerem as suas próprias opções.

Apesar de alguns casos de sucesso, metade da população desta Região

Esta intervenção procura, por outro lado, contribuir para que seja gerado

ainda vive em extrema pobreza e a África ainda detém ¾ dos países mais

um crescimento sustentável, equitativo e democrático, ajudando, na

pobres do mundo.

medida do possível, a transformar as sociedades de forma a melhorar

Saliente-se, porém, que nos últimos anos, o Continente Africano tem

a vida dos pobres e permitir que todos tenham acesso aos cuidados de

registado um acentuado crescimento. Entre 1994 e 2005 registou-se um

saúde e à educação.

crescimento médio de 4,4%. Em 2006 cresceu 5,9% e em 2007 5,7%. No

Os países em desenvolvimento têm de assumir o controle do seu próprio

entanto, o brutal crescimento do preço do petróleo conjugado com o

futuro ainda que com a indispensável ajuda dos parceiros dos países

desmesurado crescimento do preço dos alimentos registado nos últimos

desenvolvidos que não se podem furtar às suas responsabilidades no

meses está a trazer sérias dificuldades para os países da região que não

desenvolvimento desta importante parcela do nosso Planeta.

são produtores de petróleo. A fome e a pobreza estão a crescer a um ritmo

Muito obrigado.

muito perigoso. Aliás, o crescimento verificado nos últimos anos não contempla de igual modo todos os Estados. Os conflitos que se têm registado ou que estão latentes em algumas regiões e países afectam gravemente

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Ex.mos senhores Começarei por dizer-vos que foi com enorme pena que me vi impossibilitado de estar hoje entre vós, correspondendo ao convite que tão amavelmente me foi endereçado, mas compromissos de agenda inadiáveis e desde há longo tempo programados ditaram, infelizmente, a minha ausência do país nesta data. Não queria, contudo, deixar de dirigir-vos uma mensagem de apoio, de estímulo e de satisfação pelo facto de terem elegido como temas deste Seminário, precisamente duas formas de intervenção que o Governo adoptou, em 2005, como prioritárias no documento aprovado no início desta legislatura, intitulado «Uma Visão Estratégica para a Cooperação». Refiro-me naturalmente às vertentes da Cooperação Descentralizada e da Educação para o Desenvolvimento.

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Nesse documento, o Governo não só definiu a Educação para o Desenvolvimento como uma área de apoio e intervenção prioritária da política de

João Gomes Cravinho Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação1

cooperação oficial portuguesa, o que se traduziu, por exemplo, no apoio a campanhas nacionais como a Pobreza Zero ou a Campanha do Milénio, como também reconheceu o papel relevante e, em muitos aspectos, insubstituível dos Municípios no contexto da Cooperação Portuguesa. O papel dos municípios pode ser particularmente importante no que diz respeito à área da capacitação da administração local e da consequente consolidação do Estado e demais entidades públicas. Aliás, os municípios têm também um contributo no âmbito da educação para o desenvolvimento, com vista a uma maior sensibilização e envolvimento directo da opinião pública nestas matérias, sobretudo ao nível local. Temos, no nosso país, elementos algo contraditórios quanto à forma como o público vê a cooperação para o desenvolvimento. Por um lado, estudos de opinião mostram que a Cooperação é vista de forma bastante positiva pela opinião pública portuguesa, e em diversas ocasiões, como foi o caso por exemplo na altura do tsunami, tivemos importantes demonstrações de um espírito solidário e humanitário. Por outro lado, sabemos igualmente que é relativamente escasso o conhecimento dos cidadãos acerca do

sessão de abertura

Discurso proferido por Paulo Nascimento, Chefe de Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, em representação do Secretário de Estado.

1


que de concreto faz a cooperação portuguesa, seja a oficial, seja aquela

condições para juntos participarmos na luta contra a pobreza, pela paz

que é desenvolvida por entidades da sociedade civil.

e pelo desenvolvimento.

Penso que isto significa que temos todos – Estado e sociedade civil – de

A proximidade dos eleitos locais aos cidadãos e aos seus problemas, a

saber trabalhar muito melhor a nossa abordagem à educação para o

sensibilidade com que olham as carências e anseios das populações tor-

desenvolvimento, incentivando e envolvendo os nossos concidadãos na

nam-nos interlocutores fundamentais da Cooperação ao nível local. E são

reflexão sobre aquilo que são as nossas responsabilidades num mundo

já muitos, e muito bem sucedidos, os exemplos de colaboração estreita e

globalizado. A cooperação descentralizada, por estar próxima das preo-

profícua que se têm registado ao longo dos últimos anos, entre municípios

cupações quotidianas das pessoas, em Portugal ou nos países parceiros,

portugueses e alguns dos seus congéneres nos países em desenvolvimento.

desempenha a este respeito um papel de grande relevância potencial.

Sabemos que existem geminações que pouco ou nada contribuem, para

É por isso que gostaria de chamar a atenção para a nossa necessidade

além da simpatia que é gerada pelas visitas mútuas, mas ao mesmo tempo

de desenvolvermos novas abordagens, com particular destaque para o

temos exemplos muito bem sucedidos de cooperação intermunicipal que

trabalho em rede, entre os diferentes parceiros da Cooperação, e entre

são prova da relevância deste tipo de abordagem.

estes e o público em geral. Acredito ser esta a fórmula indispensável para

Minhas senhoras e meus senhores,

criarmos uma massa crítica, activa e desperta para as temáticas da

nos dias de hoje, perante a globalização acelerada que caracteriza

cooperação internacional, e para captarmos públicos diversificados em

este mundo, sabemos que novos e mais prementes desafios se nos de-

torno de uma causa global comum.

param. O grau de exigência do nosso trabalho internacional aumentou

Foi com este espírito e objectivo que realizámos, entre os dias 5 e 7 de

consideravelmente, e com ele a necessidade de uma maior eficácia e

Junho último, a primeira edição de Os Dias do Desenvolvimento, uma

coerência na ajuda. Há, pois, que dar um passo em frente neste trabalho,

«mostra» da Cooperação Portuguesa onde pudemos reunir mais de meia

contextualizando-o, e inserindo-o numa verdadeira estratégia de acção

centena de actores nacionais que desenvolvem regularmente a sua

concertada, criando desta forma sinergias capazes de tornar ainda mais

actividade nesta área.

eficazes e sustentadas todas as iniciativas e projectos desenvolvidos até

Através desse convívio próximo, e da profícua troca de experiências que

aqui de forma mais solta, menos consistente.

ele permitiu, ONGD, fundações e diversas outras entidades da sociedade

Julgo que a questão da sustentabilidade das acções de cooperação

civil puderam comparar notas e criar sinergias. Ao mesmo tempo, tiveram

em geral e da cooperação descentralizada em particular merecem a

oportunidade de dar a conhecer essa realidade à opinião pública que,

este propósito uma reflexão. A apropriação dos processos pelas colec-

durante os três dias de duração do evento, visitou o Centro de Congressos

tividades locais, pelo sector privado e pela sociedade civil constituem

de Lisboa. Apraz-nos registar que o número de visitantes, superior a cinco

condições essenciais para a sustentabilidade dos resultados desejados.

mil, superou significativamente as nossas expectativas.

Isto significa que é importante para a concretização dos Objectivos de

Entendemos o sucesso de Os Dias do Desenvolvimento como indicação

Desenvolvimento do Milénio, que os programas de descentralização nos

clara de uma vontade comum, por parte do público interessado e por

países em desenvolvimento reforcem a sua incidência directa em matéria

parte das entidades que compõem o universo da cooperação para o

de redução da pobreza, facilitando a participação dos mais desfavore-

desenvolvimento portuguesa, quanto à necessidade de criarmos veículos

cidos na melhoria do seu próprio bem-estar. E significa também que uma

e mecanismos para o espírito de cidadania global, que de algum modo

atenção especial deve ser prestada à igualdade de oportunidades para

está desde sempre presente na forma portuguesa de estar no mundo.

as mulheres, frequentemente base e verdadeira trave-mestra do tecido

No mundo de hoje, a invocação desse espírito significa a criação de

social dos países parceiros.

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Para isto é imprescindível que os municípios e demais entidades públicas locais trabalhem em conjunto, partilhando experiências e conjugando esforços. Esta acção poderá e deverá com vantagem ser alargada a parceiros da sociedade civil que, ao nível local, possam e queiram contribuir para esse projecto comum. Englobamos nestes parceiros, entre outros, as ONGD, as empresas e outras entidades não-estatais que desenvolvem a sua actividade ao nível local, e que têm vindo a tomar progressivamente consciência do seu papel social, enquanto promotores de bem-estar. O debate sobre estas novas abordagens da ajuda, ao nível local e regional, está hoje presente nos grandes fóruns internacionais, com particular destaque para a UE e para vários departamentos das Nações Unidas. É por isso que vos quero felicitar: o vosso trabalho vai precisamente ao encontro

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daquilo que são as grandes preocupações internacionais. Tomando por base um mundo globalizado em que o desenvolvimento regional é cada vez mais interdependente do desenvolvimento global, um mundo em que se torna cada vez mais evidente a impossibilidade de resolvermos os nossos problemas particulares sem termos em atenção, e sem contribuirmos activamente para a resolução dos problemas universais, os municípios e demais parceiros locais não podem nem devem alhear-se desta realidade. Não há palavra de ordem melhor, para terminar, do que aquele que é o slogan já consagrado dos ambientalistas: temos de pensar globalmente e agir localmente. Muito obrigado, e a todos os meus votos de bom trabalho.


Ideia número 1: Porque razão se hão-de gastar recursos em cooperação? Há a cada momento perante o decisor político muitas solicitações e alternativas onde gastar verbas, regra geral escassas, que apenas por forte razão se justifica gastar esforços, capitais, etc. em programas de cooperação. Proponho, porém, começar pela negativa: uma das grandes falhas, senão a maior, é a de que existe na generalidade dos candidatos a programas de cooperação e em particular nas entidades que desencadeiam a cooperação no terreno como nas ONG, o não entendimento das razões

Desenvolvimento global e novos desafios locais Henrique Lopes

Professor e Director de projectos de estudos no CESOP da Universidade Católica Portuguesa e Managing Partner de empresa consultora

profundas pelas quais existem fundos para cooperação. Muitas vezes admite-se que a atribuição das verbas se destina ao combate à pobreza, à doença, etc., enquanto expressão maior dos valores estruturantes da cidadania e da ética. Seria bom que assim fosse, mas uma análise mais detalhada ajuda a compreender melhor o fenómeno. Para a boa arrumação das ideias deve-se entender a pressuposição de que os Estados são Entidades Colectivas dotadas de uma acção racional, não são sujeitos individuais, por isso não têm sentimentos. Os Estados não têm amigos, nem «têm pena de ninguém», não se ofendem com ninguém, nem se zangam. Os Estados são entidades puramente racionais e se assim não forem são mal geridos. Toda a expressão afectiva de um Estado apenas exprime a postura estratégica numa dada conjuntura, na qual ela é conveniente aos objectivos políticos pré-determinados: influência política, auto-protecção a montante, coesão de bloco político, prevenção e minimização de riscos conjuntos, realização humanista dos seus cidadãos. Caso isso não suceda, exprime o uso daquele ou daqueles que estando à frente de responsabilidades públicas se servem dos recursos comuns para exercer a sua visão pessoal, ética e afectiva. Quem dirige os Estados num dado momento tem objectivos que tenta

painel 1. cooperação descentralizada, actores locais e desenvolvimento

alcançar, dentro de mandatos políticos que exprimem os interesses das Nações e que norteiam aquilo que são os entendimentos situacionais dos desígnios de Estado. São as pessoas que, tendo sentimentos, através da sua livre organização

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e associação, podem conjugar esforços de acções no plano moral e

fiados e transferidos pelos Estados. Temos o caso, muito evidente aqui em

ético. Um dos fenómenos que se tem assistido no último meio século é

Portugal, da União Europeia. Noutras regiões do Mundo, organizações

exactamente que para a total fruição da condição Humana, nos países

homólogas como o Mercosul, a Liga Árabe, a ASEAN, as próprias Nações

mais ricos, os cidadãos, através das suas organizações éticas como as

Unidas e outras decorrentes das primeiras, mas com características diversas,

ONG, exigem a priori uma fracção dos capitais dos Estados para a acção

principalmente financeiras, vide o caso do BCE. Elas traçam o presente

social, cultural, humanitária seja ela dentro ou fora de portas.

e o futuro dos povos para além do exercício de eleição democrática de

Dos pontos anteriores se deduz que quando uma organização de Estado

cariz nacional. De uma forma geral, neste momento, todas as grandes

promove um fundo, ou outra forma de financiamento para cooperação,

infra-estruturas mundiais da economia estão enquadradas em organiza-

significa que há propósitos de Estado a serem atingidos. A não compreen-

ções supranacionais.

são de quais são esses objectivos últimos, limita frequentemente de forma

Depois, mantêm-se é claro as Entidades de Estado, isto é, o facto de

irreversível a possibilidade de que uma dada proposta seja aprovada,

pertencermos à União Europeia, não invalida que continuemos a ser um

independentemente do mérito endógeno de que ela se revista. O doador

país e uma Nação, competindo aos Órgãos nacionais como o Governo,

tem um peso (quase) total na definição dos projectos que são aprovados

a Assembleia da República, o Banco de Portugal, os Tribunais, etc., toda

e dos que ficam de fora. Os que passam no crivo da aprovação não são

uma panóplia de decisões, dentro do que é a tradição de governação.

os melhores em intenção ou capacidade operativa, capazes de colocar

O conjunto forma o nível de Nacionalidade. A grande diferença é a da

no terreno as melhores acções, mas sim aqueles que melhor consigam

capacidade de acção e autonomia de cada um desses Órgãos. Por

concretizar os objectivos de Estado através do programa a concurso.

exemplo, o Banco de Portugal tem hoje pouca ou nenhuma capacidade de acção independente, estando no mesmo plano organizacional do que

Ideia número 2: O Mundo atravessa uma transformação política acelerada

teria a delegação de Beja do referido Banco há vinte anos.

decorrente do fraccionamento das estruturas de poder

O terceiro nível, as Infranacionalidades, decorrem como contraponto ao esboroamento dos poderes de Estado Central para as Supranacionalida-

Para que se possa ter uma visão sistemática acerca desta matéria convém

des. Do mesmo modo que se transferiram capacidades administrativas e

que analisemos as transformações macro-estruturais dos Estados e da sua

decisionais para as estruturas de poder distantes, houve a necessidade

governação desde a Segunda Guerra Mundial até ao momento.

de reforçar a componente de proximidade ao cidadão. Isto é, enquanto

Desde o Estado napoleónico até muito recentemente, temos vivido o

sujeitos comuns temos uma imensa dificuldade, senão incapacidade,

conceito de Estado-Nação, e, portanto, a um Estado corresponde uma

em reconhecer, por exemplo, os Eurodeputados e Partidos presentes no

moeda, uma fronteira, um conjunto de ferramentas legais, uma força

Parlamento Europeu, em conhecer a sua agenda política e, contudo, eles

policial, uma força militar, etc.. De há cinquenta anos a esta parte, tem-se

têm uma imensa capacidade de decisão sobre as nossas vidas, pelo que

vindo a sofrer alterações infraestruturais na política internacional, as quais

se sente a necessidade de desenvolver estruturas de poder com maior

obrigaram à passagem do Estado-nação para as estruturas tri-nível. O

proximidade ao cidadão.

que é que isso significa? Significa que co-existem na partilha e exercício

O sentimento que temos à escala nacional, e presumivelmente na restante

do poder três níveis estruturais de governação sobrepostos e de interesses

União Europeia, ocorre à escala Mundial com as cambiantes de cada cul-

nem sempre coincidentes.

tura e região: em Espanha, é muito evidente o fenómeno das Autonomias;

O primeiro deles são as chamadas Supranacionalidades, isto é, são as

o Canadá está em suave processo de separação com base em clivagem

entidades que estão acima dos Estados e que receberam poderes con-

linguística; a Bélgica é o processo de progressiva degradação, a que


temos assistido nos últimos meses, do conceito de Estado-nação para um

veste-se de modo similar, comporta-se na esmagadora maioria dos actos

de Estado-cultural infranacional; mesmo nos Estados Unidos há fortíssimos

sociais e individuais como um igual a nós. Por isso, o Outro é o espelho dos

sentimentos de independência em Estados como a Califórnia, Texas ou

nossos receios, tornou-se na concretização de um nosso possível futuro e,

Montana, que são controlados apenas por força legal; no Brasil, que nos

do mesmo modo que gostaríamos de ser socorridos se estivéssemos no

é tão próximo, e do qual construímos uma imagem una em torno da he-

mau evento que presenciamos, somos impelidos a agir se disso tivermos

rança cultural portuguesa, já há Estados que reclamam uma separação

possibilidade.

autonómica superior à inerente ao estatuto federativo, como são os casos

Com o que aqui apresentei quis evidenciar que o exercício da cidadania

de Santa Catarina ou Rio Grande do Sul; a prazo, e porventura de forma

nos dias de hoje extravasa a visão local dos fenómenos de vivência e que,

mais extremada, a Índia estará num processo de desagregação da União,

se os governantes quiserem acompanhar os tempos proporcionando aos

caminhando para uma quase separação onde se podem vislumbrar num

cidadãos formas mais complexas de estar na vida, têm de passar a incor-

futuro distante catorze países; e há muitos outros casos a nível mundial de

porar nos processos decisionais a dimensão externa do sujeito e do local

que as implosões nacionalistas da ex-URSS e Jugoslávia foram os primeiros

onde vive. O entendimento desta tendência permite que, por exemplo, no

eventos dos muitos que, por certo, se irão verificar.

Bangladesh estejam cerca de 200.000 ONG activas no terreno, largamente decorrentes de entidades externas.

Ideia número 3: O aparecimento da cidadania global Ideia número 4: Cooperação melhor do que competição O segundo grande aspecto estruturante de uma Educação para a Cooperação e o Desenvolvimento decorre do aparecimento do conceito da

Um outro ponto que reputo da maior importância é o da constatação de

cidadania global. Isto é, quando no tempo dos nossos avós, havia uma

que os modelos económicos de competição pura, que estão na base do

catástrofe, por exemplo como a que houve agora na China, sabia-se do

movimento dos neoconservadores actuais, são menos eficientes a longo

acontecimento três meses depois e, quando se tomava conhecimento, já

prazo do que os modelos económicos de cooperação. Aliás, isto não devia

se havia esbatido a capacidade de impactação emocional que decorre

ser surpresa porque já vão largos anos em que houve um senhor chamado

do facto de presenciar algo violento. Ficava um sentimento difuso de

Nash que ganhou um prémio Nobel da Economia por demonstrar isso. A

pena do sujeito anónimo e do lugar, igualmente anónimo, onde ocorrera

grande contribuição que ele deu foi exactamente possibilitar a demons-

a catástrofe.

tração de que, a longo prazo, os modelos de cooperação, sejam eles

Hoje, com centenas de milhões de pessoas a viajar pelo mundo por via do

económicos ou de outra natureza, são tendencialmente melhores do que

turismo e do trabalho, e com a informação que nos chega de toda a parte

os modelos de competição pura. Se a ciência económica não for suficiente

do Mundo em tempo real, acabamos por adquirir elementos de pertença

pode-se ilustrar com o facto maior que é a Natureza: os sistemas biológicos

a locais onde nunca estivemos, ou onde estivemos de formas transitórias.

de interdependência e cooperação tendem a possuir um melhor presente

Portanto, preocupa-nos o Sujeito Humano que entretanto adquiriu rosto,

e mais estável futuro, sendo isso verdade desde as bactérias, às plantas e

com o qual nos identificámos num dado momento das nossas vidas ou

animais. Este seria um ponto muito rico a desenvolver, mas o tempo aqui

que presenciámos em sofrimento ao ver o Telejornal.

disponível não nos permite delongar.

A coisa destruída no sismo, no furacão, na guerra, era também um boca-

Tem-se verificado nos últimos anos casos muito marcantes em como, por

dinho nossa, ou não fossemos em muito o resultado da essência da nossa

vezes, pequenas acções de cooperação conseguem melhores desenvol-

memória. A pessoa que vemos em sofrimento tem filhos como os nossos,

vimentos do que anos de negociação diplomática clássica. Veja-se o caso

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86

do sismo de 1999 na Turquia em que os gregos e os israelitas disponibilizaram

Vou mostrar com um exemplo concreto, o da Guerra do Iraque. Não digo

equipas de busca e salvamento aos soterrados. Não há, evidentemente,

que a invasão Norte-Americana ao Iraque seja unicamente para apro-

relações lineares na vida e muito menos entre Estados, mas um dado objec-

priação ou controlo do petróleo, isso seria linearizar uma questão muito

tivo é que Grécia e a Turquia estavam num estado técnico de guerra desde

complexa, mas há inegavelmente uma relação íntima com a existência

há décadas e, pela primeira vez, baixaram a guarda desencadeando-se

de vastas reservas de petróleo nesse local. Os custos militares com a guerra

negociações a um nível muito mais sério, muito mais conseguido do que

do Iraque segundo o Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA, ontem

anteriormente. Quando depois ocorreu um sismo na Grécia inverteram-se

30 de Junho de 2008, montavam a 550.451 milhões de dólares, só em cus-

os papéis e a Turquia foi dos primeiros Estados a prestar apoio internacional

tos directos. Mesmo com petróleo ao preço a que está neste momento,

à Grécia. Voltando ao sismo de Izmit, a disponibilização maciça de meios

cerca de 140 USD por barril, por mais que se extraísse, não chega para

por Israel proporcionou uma aproximação diplomática entre a Turquia, um

pagar a despesa militar.

Estado de cultura muçulmana, e Israel, no contexto que bem sabemos de

Nos Estados Unidos foi promovido um estudo por um grande economista,

uma periferia de países árabes. Felizmente, poderíamos ilustrar progressos

talvez o mais emblemático da actualidade, Joseph Stiglitz, o qual recebeu

diplomáticos substantivos em muitos outros casos de cooperação.

o Prémio Nobel da Economia em 2001, e o homem que foi na prática o

Ideia número 5: A guerra de elevada intensidade perdeu a viabilidade

«ministro das finanças» de Bill Clinton, coordenou recentemente um estudo, publicado há três meses em livro1 , sobre esta matéria que vos estou a falar

económica

juntamente com uma das principais economistas de Harvard University, Linda Bilmes. Segundo os autores, numa visão conservadora dos custos,

Congrega-se neste eixo de pensamento uma alteração qualitativa actual

em que apontava 500 mil milhões de USD para custos directos – recordo

da maior importância histórica. A guerra tem tido um papel histórico muito

que, neste momento, já vão em 550.451 milhões de USD, e os indirectos:

grande, pelo menos do que se conhece das fontes de investigação desde

pensões, perdas de anos de vida útil, recuperação de feridos e doentes

há doze mil anos, e ela sempre teve por génese o facto de ser mais barato

de guerra, etc., e não contando com custos humanos do padecimento,

adquirir pela força recursos de terceiros do que comprá-los. Houve impérios

da catástrofe em cada família afectada, em cada morto, em cada de-

que viveram disso: por exemplo, o império romano tinha um sistema de

ficiente, um custo total de 2.500.000 milhões – portanto, um total de três

conquista e de usufruto; os impérios do centro do Oriente, do século VI ao

triliões americanos (ou biliões europeus)2  – de dólares dos Estados Unidos.

século XVI, etc.. Mais tarde, os Impérios Ocidentais juntaram ao sistema

Portanto, não é possível haver petróleo que pague isso.3

produtivo despoletante os recursos angariados nas conquistas marítimas.

Só o valor de custos directos significa três vezes o PIB do Iraque, ou seja, o

Porém, a guerra tem registado desde o início do século XX um aumento

que os Estados Unidos estão, neste momento, a gastar no Iraque, só em

exponencial de custos financeiros, em que chegamos ao fim da década

custos directos é três vez mais do que todo o rendimento do Iraque. Por

de oitenta, a não ser economicamente viável sustentar uma guerra de

outras palavras, se dessem esse dinheiro aos iraquianos, cada um deles

larga escala. Do ponto de vista histórico é um fenómeno muito recente,

andava de boa vontade com uma bandeira americana na mão.

ainda estamos a vivê-lo, para lhe conseguir antever todas as propriedades, mas somos confrontados com esta nova circunstância sem paralelo desde há doze mil anos, portanto estamos agora a ser confrontados com a situação de que a ferramenta diplomática de imposição deixou de ser viável em conflitos de larga escala ou intensidade.

The three trillion dollars war: the true cost of Iraq conflict, Stiglitz e Bilmes, Ed. Allen Lane, 2008. O valor total varia conforme o cenário de 2.203.000 milhões de USD a 4.995.000 milhões de USD. 3 Este valor é 60 vezes maior do que a estimativa mais elevada do custo da guerra antes da invasão. 1 2


A OCDE desde 2000 para cá tem vindo a ganhar consciência desta nova

Aid, estão a conseguir garantir recursos de petróleo a vinte, trinta anos,

realidade – confrontação ferramenta militar vs ferramenta diplomática

enquanto por exemplo a aproximação ocidental via Estados Unidos foi

– e a estudar a matéria.

desastrosa, como nós sabemos.

Em 2003 produziu-se um relatório – temos aqui mais dois ou três gráficos sobre ele – em que se compara exactamente o dispêndio das duas fer-

Ideia número 6: Para onde vão os Fundos de cooperação?

ramentas diplomáticas, a militar e a da cooperação em função do PIB. (Quadro 1, página 90)

Para se conseguir ter sucesso numa candidatura a um Fundo de coopera-

Basicamente há uma aproximação escandinava, com um rácio de

ção é fundamental perceber isto que eu estive a falar antes: perceber por-

despesa militar/cooperação mais próxima de 1/1, valor teórico em que

que razão é que abre um concurso. Ou seja, as intenções do proponente

se investe tanto em cooperação como em despesa militar. Em Portugal,

da acção podem ser as mais brilhantes, as mais éticas, as mais morais, mas

ainda estamos aqui muito mal posicionados 1/9 numa relação pior que

se não conseguir cumprir o fim último do pagante, tem baixas probabili-

a da generalidade das Nações da OCDE, só ultrapassados pela Grécia

dades de sucesso. E às vezes vêem-se projectos brilhantes, pessoas com a

(devido ao litígio com a Turquia) e os EUA.

melhor das boas vontades, e depois os projectos são rejeitados.

O quadro evidencia como os países começam a deslocar o esforço de

Existem várias formas de proporcionar a adequação entre vontade de

despesa historicamente atribuído à componente militar e reforçam os

Estado e o promotor da acção. O mais basilar deles é a definição dos

orçamentos de cooperação. Disse-se antes também que os países são

critérios de selecção de operador de terreno pelo gestor do Fundo, e da

entidades racionais e, portanto, não movidos por sentimentos. Portanto,

tipologia das acções. Portanto, o financiador estabelece objectivos que

a razão desta transferência é a de que a capacidade de influência diplo-

são consentâneos com objectivos de Estado ou Supra-Estado em promover

mática, de angariação de recursos, e de projecção telescópica do país

um ou outro aspecto.

no exterior são mais facilmente alcançáveis por via da cooperação do

Um dos resultados práticos do exercício dos propósitos de Estado é o de

que pela exibição ou exercício de força. Os programas de cooperação

que podemos verificar que quem mais recebe não é quem mais precisa.

supranacionais e nacionais correspondem então à materialização das

No mesmo estudo que foi citado, por exemplo, foi verificado que, por vezes,

intenções dos Estados e Supra-Estados em concretizar as suas políticas

são os países com melhores rendimentos per capita quem mais recebe.

internacionais.

Temos o caso de Israel e o do Bahrein, que em 2003 tinham rendimentos per

Em 2006, numa reanálise sobre o primeiro relatório que eu tinha estado a

capita respectivamente de quase 20.000 USD, 15.000 USD, e receberam por

falar, onde já se debate este argumento e estes assuntos com muito mais

habitante mais subsidiação do que os países pobres. Nos casos referidos

profundidade, o que fica basicamente é que: as ferramentas militares

foram recebidos por habitante, nesse ano, 66 USD e 52 USD, enquanto

clássicas estão esgotadas, não só por questões morais, mas também por

países como o Togo, o Bangladesh ou o Nepal cujos PIB/hab são larvares

questões estritamente financeiras; a cooperação é mais rentável e mais

receberem respectivamente 9, 10 e 18 USD no mesmo período.

simples. Houve quem tivesse compreendido o alcance desta nova leitura,

Outra maneira dos financiadores determinarem em que medida é que os

designadamente os chineses, os quais estão a apostar na cooperação

Estados decidem politicamente consiste no chamado tied do fundo. O

como ferramenta fundamental de relações internacionais, e estão a

tied é o grau de despesa que tem que ser realizado no país doador. E nós

ter imensos impactos, designadamente se compararmos as estratégias

vemos que há perfis de orçamentos para acções de cooperação, como

americana e chinesa de garantir acesso ao petróleo. Os chineses através

o Espanhol, o qual claramente é um perfil para cimentar exportação e

de fundos de cooperação para África, que são muitas vezes o Europe-

relações comerciais. (Quadro 2, página 90)

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88

Não digo que o programa Espanhol não tenha projectos com mérito, com

mais 1300 biliões de dólares; eles estão muito ricos e estão a agir muito

certeza que os terá, mas quando nós vemos o nível de tied dos espanhóis,

ao nível financeiro, designadamente com a banca, porque como sabem

ou o do Canadá, verificamos que está a ser promovida exportação. Nos

no mundo islâmico o juro é um pecado e, portanto, eles desenvolveram

casos do Reino Unido, Bélgica e Portugal quase não se registou a imposição

ferramentas que não chamam juro ao juro, compatibilizando a acção

de despesa no país doador, havendo portanto mais liberdade do aplicador

de cooperação para o desenvolvimento em países islâmicos. Isto tem

do programa e mais transferência de capitais.

um enorme poder porque tem influência política em toda a África, em

A segunda forma de verificar a canalização das dotações orçamentais

muitos países da Ásia, e é acompanhado por um proselitismo marcante

dos programas de cooperação é a da verificação dos montantes globais

pois responde a necessidades concretas dos povos e está em respeito às

atribuídos a cada país. Mais uma vez vamos verificar que não são necessa-

culturas locais. Os valores envolvidos não são conhecidos em toda a sua

riamente os mais carenciados. Fazendo ainda recurso ao relatório de 2003

extensão. Temos também o EuropeAid que é a ferramenta equivalente

que temos acompanhado encontramos nos primeiros lugares o Paquistão,

europeia, a qual é uma ferramenta muito rica. Por último, uma nota para

Moçambique e Sérvia/Montenegro, o que evidencia uma escolha muito

os novos Fundos chineses, gigantescos, e cujo propósito é estabelecer

pouco pautada pela acção humanitária e mais pela questão política;

laços que garantam futuro acesso a matérias-primas.

encontramos ainda nos lugares cimeiros, a China, que é uma potência

Ao nível nacional, no caso português, o IPAD, pequenino, porque ainda

mundial da economia, a Indonésia, a Rússia, a Polónia e Israel. Portanto,

não percebemos muito bem o papel que a cooperação representa para

muito do dinheiro que é dado para cooperação, que é bastante, vai para

Portugal em termos diplomáticos, ou pode representar, e o custo relativo

países que não estão entre os mais necessitados.

que pode ter face a outras alternativas, que é clarissimamente a ferra-

A questão das dotações orçamentais para cooperação é uma outra nota

menta ao dispor do Estado português mais barata e mais eficiente. Isso

que eu gostaria de deixar. É frequente ouvir-se dizer que há muita «falta de

ainda não foi devidamente percebido.

dinheiro para cooperação». Não é verdade. Existem actualmente cerca

E temos a infranacional: em Portugal, particularmente as ONG e, em me-

de 80 mil milhões de dólares/ano para cooperação a nível mundial. O

nor escala, as Câmaras Municipais. As primeiras ainda são poucas e são

maior doador é os Estados Unidos com 31 mil milhões aprovados; este ano

pobres; pelo menos não conheço nenhuma ONG portuguesa que seja

foram 29 mil.4 Apesar de ser muito dinheiro, parte dele é que é gasto pelos

rica. De qualquer forma, existem e há que as aproveitar.

próprios Estados em grandes acções. Se há uma tri-estrutura internacional de poder, haverá uma tri-estrutura de

Ideia número 7: A pequena cooperação tende a ser mais eficiente do que

cooperação, cada uma correspondendo às necessidades diplomáticas

a de grandes programas. Mas tem de possuir qualidade técnica!

de cada nível. Ao nível supranacional, temos, por exemplo, as próprias Nações Unidas e

Há situações em que a cooperação de Estado não é eficiente. Veja-se

suas organizações estruturais: os casos da UNESCO, da OMS, da FAO, do

o caso paradigmático da cooperação dos soviéticos com a Nigéria

Alto Comissariado para os Refugiados, etc.; tem-se também a Liga Árabe

nos anos sessenta, em que os soviéticos responderam a uma solicitação

que tem estado muito forte, especialmente porque estão com muito

dos nigerianos os quais pediram material sanitário. Eles ofereceram um

dinheiro; o petróleo rendeu só para os países do Golfo, no último ano,

carregamento de tampas de sanitas. Não perceberam, não estavam no

Muito do capital não é ajuda ao desenvolvimento, mas sim despesa da USAID em situações de emergência e afins, de que resulta uma baixa percentagem de PIB atribuído ao apoio ao desenvolvimento económico.

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terreno, não tinham entendimento. Sabem como é que isto foi utilizado? A população tirou a parte de traz do tampo de sanita, ficou com o redondel e punha a fotografia do presidente fazendo dela moldura da parede.


Porque aconteceu isto? Não havia esgotos.

ab eternum, e no limite fenómenos de corrupção e sub-optimização dos

Portanto, há muitas situações em que as pequenas entidades, os pequenos

capitais recebidos. Do mesmo modo os doadores pouco ou nada recebe-

promotores, conseguem ser muito mais eficientes, muito mais ligados ao

ram, tornando-se a cooperação num sorvedouro de dinheiro, que quando

terreno do que as grandes organizações. Os Estados sabendo isto abrem

muito lavou consciências.

concursos para acções no terreno, proporcionando a pequenos operado-

Mas neste Encontro dedicado à cooperação mais micro ou infranacio-

res intervenções com elevada aderência às necessidades, elevada efici-

nal, vamos restringir o pensamento nesse nível onde os resultados podem

ência económico-financeira e escusam-se a todo o processo logístico.

ser menos evidentes, embora o paradigma e os erros potenciais sejam

Se esta é uma verdade fácil de demonstrar em termos económico-financei-

exactamente os mesmos.

ros permitam-me que tenha aqui um desabafo: O que é que eu noto nos

Os parceiros devem ser «parceiros de igualdade». Pode-se ir buscar muita

projectos de pequena-média dimensão, aqueles que estão naturalmente

coisa positiva para ambas as partes na cooperação. Quem já percebeu

vocacionados para serem concretizados por ONG e actores locais (pelo

muito bem isto foram as multinacionais, as quais têm demonstrado um

menos nos que me têm passado pelas mãos nestes últimos anos)?

conceito muito restritivo de cooperação em que o pouco que dão se

Nós em Portugal costumamos apresentar projectos de má qualidade

torna a prazo num grande retorno. Por exemplo, as companhias de ban-

técnica. Repito: Isto é um desabafo, e uma interpretação pessoal, que

ca e de seguros têm o seu benchmark de exactidão de serviço, com os

como todas as interpretações pessoais, vale o que vale. Mas aquilo que

distribuidores de almoços de Bombaim, que são a entidade de serviços

me é dado a ver é que quando comparo um projecto feito num país de

com menor taxa de erro a nível mundial, que entregam 1 milhão e tal de

leste, por exemplo, vem muito bem feito. São extremamente profissionais,

almoços por dia só com sistemas manuais. Outro exemplo clássico é o das

cumpridores de prazos.

farmacêuticas, que mantêm pesquisas de princípios activos no Amazonas.

Os projectos portugueses que tenho visto, muitas das vezes são projectos

Estes são exemplos do que foi anunciado como de cooperação local e

cheios de boas intenções, mas depois quando se vai a concretizar em

que acabaram menos bem ou mesmo mal.

termos da planificação, das quantificações económicas, do impacto, da

Contudo, ao nível da micro-cooperação, é possível estabelecer relacio-

sustentabilidade da argumentação, são regra geral, de frágil qualidade,

namentos com ganhos francos para ambas as partes, com aprendizagens

o que quando em concurso de financiamentos internacionais, onde na-

e criação de riqueza de ambos os lados, criação de postos de trabalhos

turalmente há uma meritocracia, não tenhamos ilusões...

em ambos os locais, ganhos de massa crítica para enfrentar ameaças comuns.

Ideia número 8: Não é só o recebedor quem ganha. O promotor pode

É possível passar de programas de acção telescópica, os quais apenas

(deve) também ser um ganhador

poderão ter efeito positivo a longo prazo em situações de emergência ou de extrema carência para programas bi ou multilaterais de acção local ou

Os programas de cooperação internacional são regra geral formatos de

regional, por certo com resultados de longo prazo muito mais sustentáveis. A

relacionamento em que há ganhos assumidos e discutidos por ambas as

UE tem vindo progressivamente a entender esta evolução conceptual com

partes. Um erro conceptual que se verificou durante largos anos após o ruir

o lançamento de programas como o MEDA, que Portugal e os actores de

dos Impérios Ocidentais foi o de entender a cooperação como um «vamos

cooperação locais nacionais têm largamente ignorado, mas que podem

ajudar os coitadinhos». Os anos e os resultados demonstraram que de forma

representar uma fonte de desenvolvimento para todo o Sul de Portugal e

alguma esse caminho deve ser abordado. Os paternalismos, regra geral,

para os países da Bacia Mediterrânica com quem trabalharmos.

deram projectos de má qualidade, geraram formatos de dependência

Muito mais haveria para dizer mas como a comunicação tem o limite de

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20 minutos e jรก foram ultrapassados termino aqui a minha palestra.

Quadro 1

Muito obrigado.

90 Quadro 2


Eu integro um projecto de investigação com outros docentes, investigadores e responsável da ONG ACEP, financiado pela FCT que em 2005 permitiu pela primeira vez que as ONG pudessem candidatar-se às suas linhas de financiamento. O projecto «A Cooperação Descentralizada: os Actores Não Estatais na Dinâmica de Mudança em Países Africanos – o caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde 2000-2004» (projecto PROCODE) tem a duração de três anos (2006-2008). O primeiro grande objectivo deste projecto foi a produção de teoria sobre a cooperação descentralizada. Para tal, começámos por caracterizar o

Contributo e impacto da cooperação descentralizada portuguesa Antónia Barreto

Docente Investigadora do Instituto Politécnico de Leiria

estado actual dessa cooperação, não tendo a pretensão de o caracterizar a nível de todos os parceiros intervenientes. Limitámo-nos aos municípios, às ONG e instituições de ensino superior, procurando uma metodologia de análise que nos permitisse compreender o que se está a passar sob o ponto de vista teórico neste campo. Outro objectivo foi a produção de instrumentos de avaliação da cooperação descentralizada. Claramente pretendemos construir indicadores de análise e de avaliação, porque os indicadores não podem ser os mesmos utilizados para a cooperação centralizada. Por exemplo, já se falou nesta conferência nas aprendizagens mútuas e no empowerment, elementos que podem ser considerados como critérios pertinentes de avaliação. Para além dos critérios, precisamos de encontrar os indicadores que não são também os tradicionalmente usados para avaliação da cooperação centralizada. Pretendemos também analisar as repercussões dessa cooperação nos processos de construção do Estado e da boa governação, quer na perspectiva portuguesa (como é que esta cooperação se reflecte em Portugal, que potencialidades para o país cooperador, há ou não consciência dessas potencialidades), quer na perspectiva dos dois países que decidimos adoptar como objecto da nossa análise, que foram a Guiné-Bissau e Cabo Verde. Pretendemos investigar e testar metodologias de avaliação quantitativa e qualitativa no estudo do impacto dessa cooperação nos actores do desenvolvimento. Os actores são os non-state actors. Pretendemos analisar e identificar even-

painel 1. cooperação descentralizada, actores locais e desenvolvimento

tuais contradições criadas, a partir do aparecimento e desenvolvimento, quer no caso português, quer no caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, da pluralidade desses non-state actors, identificar e analisar as competências, capacidades e valores acrescentados que os non-state actors

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adquiriram por essa cooperação, e identificar os princípios da parceria

e posicionar os países sob o ponto de vista da sua identidade cultural

adoptados, bem como caracterizar formas, limites e virtualidades dessa

colectiva. Nós, depois de estudarmos esses indicadores, adaptámos o seu

cooperação. Reforço o termo «identificar», porque nos demos conta que

questionário e aplicámo-lo nos três países objecto da nossa investigação,

não existe informação consolidada, testada, sistematizada. Adoptámos

mas na impossibilidade de trabalhar todos os non-state actores, a nível

como período de estudo 2000-2004. A nossa pesquisa, quer na Associação

da sua caracterização cultural, optámos por trabalhar apenas os recursos

Nacional dos Municípios Portugueses, quer nas ONG portuguesas, veio a

humanos das ONG.

revelar a ausência de relatórios, estudos, análises, sobre avaliação nesse

Um dos índices de caracterização cultural proposto por Greet Hosftede é o

período de tempo. O mesmo se passa em Cabo Verde e na Guiné-Bissau:

índice de distância ao poder (PDI), ou seja, o que as pessoas reconhecem

os projectos acabam e os relatórios são arquivados.

como aceitável em relação à distribuição do poder. É a extensão na qual

A nível da concepção teórica, procurámos conceitos que servissem os

os membros com menos poder dentro das organizações e instituições

nossos objectivos. O autor finalmente adoptado como matriz para a nossa

aceitam e esperam que o poder económico e político seja distribuído

reflexão teórica foi o Bourdieu, usando os conceitos de campus, capital

de forma desigual.

social e de habitus. Cada pessoa é portadora de um determinado capital

Segundo Greet Hosfteed, nos países doadores europeus, o índice de dis-

social, mas o seu comportamento decorre muito de acordo com o seu

tância ao poder é muito menor do que nos países receptores africanos.

habitus social. Este é adquirido pela integração social, pela educabilidade

Entroncam aqui as problemáticas da democracia, da repartição dos pode-

no seio da família e dos grupos de pertença. O habitus constitui a matriz

res, da participação nas decisões, da regulação e controle, da prestação

que enquadra a cultura pessoal e a cultura colectiva dos países e das

de contas, ou seja, a importância da boa governação.

populações.

O índice de individualismo (IDV) é o índice que procura verificar em que

Fizemos pesquisa documental e criámos instrumentos de recolha de dados

medida os indivíduos estão integrados em grupos. De um lado encontramos

para identificar quem são, qual é o perfil, qual é a matriz cultural dos partici-

sociedades nas quais as ligações entre os indivíduos se perderam: todos

pantes na cooperação a nível dos vários municípios, universidades e ONG.

consideram que são eles (elas) próprios que têm de se responsabilizar

Aplicámos entrevistas e inquéritos. Uma das conclusões que já é possível

por si mesmo e pela sua família próxima. Do lado oposto, o colectivismo,

retirar desses instrumentos é que a cooperação é um encontro intercultural.

encontramos sociedades nas quais as pessoas desde a nascença estão in-

Mas é neste encontro que reside a riqueza e que reside a dificuldade e a

tegradas em grupos fortes e coesos, frequentemente em famílias alargadas

complexidade. É nessa relação intercultural que reside fundamentalmente

que continuam a protegê-los a troco de uma lealdade inquestionável.

o sucesso da cooperação. Há dificuldade de compreensão das culturas

Outro índice é o de orientação a longo prazo versus orientação de cur-

e, muitas vezes, não há sequer consciência da necessidade de compre-

to prazo (LTV). Considera-se que a perseverança e a prudência estão

ensão intercultural, que leva ao respeito e à aceitação das diferenças. A

associadas a uma orientação a longo prazo, enquanto o respeito pela

estratégia de intervenção na cooperação deve ser definida em função

tradição, cumprimento das obrigações sociais, estão ligados aos valores

dessa compreensão intercultural.

de mais curto prazo.

Recorremos como suporte teórico a Greet Hosftede que reflectiu sobre a

O índice de tolerância (UAI) exprime como é que a sociedade age face

gestão das organizações pela via da compreensão intercultural. Elaborou

à incerteza e à ambiguidade; indica até que ponto as pessoas se sentem

um questionário de caracterização das matrizes culturais de muitos paí-

confortáveis ou não com situações pouco estruturadas, situações novas,

ses e identificou características específicas desses países em função de

surpreendentes, desconhecidas e diferentes das situações usuais. As cultu-

indicadores específicos. Os indicadores permitiram-lhe identificar índices

ras com menos tolerância face à incerteza tentam minimizar a possibilidade


dessas situações. Daí precisarem de muita legislação, muitas regras, muitas normas de segurança. Finalmente, o índice de género (MAS) assenta na predominância da masculinidade ou da feminilidade. Estes conceitos não se referem a questões de género em sentido restrito (homens e mulheres). A masculinidade traduz-se na agressividade das relações no bom sentido, no gosto pela discussão, na vontade de uma liderança forte, ou na assumpção de responsabilidades de uma forma forte. A feminilidade traduz-se na falta de interesse pela confrontação, pelo conflito, no gosto pelo equilíbrio, na manutenção de relações e situações sem as questionar. Em países como a Guiné-Bissau, verifica-se um forte pendor cultural da masculinidade face a países europeus nos quais se verifica o lado mais afectivo, a que foi chamado feminilidade. Até este momento, temos a evidência desta disparidade nos países a nível cultural. Temos a certeza que um dos contributos que podemos dar é evidenciar essa discrepância, a juntar à consciência que também já temos neste momento de que os critérios de avaliação da cooperação descentralizada têm que ser diferentes dos critérios de avaliação da cooperação centralizada, de forma a podermos incorporar diversos aspectos, um dos quais já hoje foi referido: a consciência de que os benefícios da cooperação estão a ser maiores para os países doadores do que para os países onde se faz a cooperação. A curto prazo pretendemos divulgar os resultados do projecto no relatório final a apresentar à FCT, mas sobretudo sentimos a obrigação de participar em seminários como este, mostrando a sensibilidade que já adquirimos para a importância de se considerar a diversidade cultural na cooperação. Não podemos continuar a aceitar que falamos todos a mesma linguagem, e que temos todos a mesma cultura, e que temos todos a mesma compreensão das coisas. Um outro aspecto já referido é o da identificação de critérios de avaliação da cooperação descentralizada. Finalmente consideramos que temos algumas condições para contribuir para a criação de um observatório da cooperação portuguesa. Muito obrigada.

93


«Nunca, como agora, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável assumiram tamanha importância. O contexto em que é prosseguido o objectivo da erradicação da pobreza é o de um mundo cada vez mais globalizado e interdependente. Ora, esta situação gerou novas oportunidades, mas também novos desafios.» Consenso Europeu, p. 1. 1. O Consenso Europeu é tomado aqui como um referente político É a «Declaração conjunta do Conselho e dos Representantes dos Governos

94

O Consenso Europeu e o contributo da educação para o desenvolvimento Juan Souto Coelho

Coordenador Técnico do Departamento de Estudos e Documentação de Educação para o Desenvolvimento da Manos Unidas1

dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu e da Comissão, sobre a política de desenvolvimento da União Europeia», do ano 2005. A Parte I trata da visão da UE sobre o desenvolvimento. Define os objectivos e os princípios que se comprometem a respeitar no âmbito de uma visão comum; tem como objectivo primordial a redução da pobreza no mundo no contexto do desenvolvimento sustentável; e concretiza até 2015 os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Os Objectivos de Desenvolvimento não são ainda conhecidos de maneira suficiente pelos cidadãos, a saber: eliminar a pobreza extrema e a fome; assegurar uma educação básica para todos; promover a igualdade de género e o empoderamento das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças; assegurar a sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Estes objectivos não são novos, são herdados das diversas Cimeiras mundiais de desenvolvimento (Rio 1992, Johanesburgo 2002…). Estão centrados no ser humano e fundados numa aliança mundial que faz força na responsabilidade dos países em desenvolvimento de pôr ordem nos seus próprios assuntos, assim como na obrigação dos países desenvolvidos de apoiar esses esforços. São a base comum de um programa assumido por todos os países e todas as principais

painel 2 . o contributo da educação para o desenvolvimento nas acções de cooperação descentralizada

instituições do mundo dedicadas ao desenvolvimento. A fim de responder às necessidades expressas pelos países parceiros, o Consenso Europeu refere que a Comunidade concentrará a sua activida1

Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento de Espanha.


de nos domínios seguintes: comércio e integração regional; ambiente e

Então, a educação para o desenvolvimento tem que fazer-se sobre estes

gestão sustentável dos recursos naturais, infra-estruturas; água e energia;

pilares: primeiro, tomar o pulso ao nosso mundo, informar, conhecer a

desenvolvimento rural, agricultura e segurança alimentar; governação,

realidade; segundo, articular um modelo de sociedade e de condições

democracia, direitos humanos e apoio às reformas económicas e institucio-

de vida de acordo com a centralidade das pessoas, conhecendo as

nais; prevenção dos conflitos e da fragilidade dos Estados; desenvolvimento

causas estruturais do que está a acontecer, para transformar a realida-

humano; e coesão social e emprego.

de; e, terceiro, pôr mãos à obra intervindo com acções determinadas e trabalhando na direcção escolhida.

2. O Consenso Europeu é também um referente ético Tomar o pulso ao nosso mundo Todo o documento está impregnado de alusões a valores e a princípios comuns relacionados com ideais de vida e sociedade. O parágrafo 13 é

O que está a acontecer, como é o nosso mundo?

explícito sobre o tema: «respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades

– Vivemos num mundo estruturalmente desigual; os recursos e as fontes de

fundamentais, a paz, a democracia, a boa governação, a igualdade

riqueza estão repartidos de maneira injusta.

entre os sexos, o Estado de direito, a solidariedade e a justiça. A UE está

– O nosso mundo é conflitivo; há muitos conflitos abertos, outros com risco

firmemente empenhada num multilateralismo efectivo em que todas as

de abrir-se e as relações entre povos e culturas estão ameaçadas.

nações do mundo partilhem a responsabilidade do desenvolvimento.».

– Mas o nosso mundo é também, para o bem e para o mal, um mundo global. Tudo está cada vez mais na vida das pessoas, tudo é mais inter-

3. Finalmente, o Consenso Europeu é também um referente da sociedade

dependente.

civil

Perante estes grandes desafios, a globalização é a dinâmica adequada para erradicar a pobreza extrema no mundo? A resposta não é fácil.

Isto é assim na medida em que é o ponto e o espaço de encontro, a base

Quando falamos de globalização, falamos todos da mesma coisa? Se

comum de conhecimento da CONCORD, a grande confederação de

por globalização entendemos a tendência mundial para a inter-relação

ONGD europeias. Conta com 16 redes internacionais e 18 associações

e integração mais estreita dos países e dos povos do mundo, produzida

nacionais procedentes de Estados membros europeus, que representam

pela redução de tempo e custo do transporte e das comunicações, e a

no total mais de 1.200 ONGD europeias directamente perante as Institui-

eliminação progressiva de barreiras à livre circulação das pessoas, dos

ções da UE. O principal objectivo é incrementar o impacto das ONGD

bens, dos capitais e dos conhecimentos, podemos afirmar que estamos

europeias directamente frente a Instituições europeias, combinando ao

perante uma dinâmica potencialmente criadora de mais bens e oportu-

mesmo tempo experiência e representação.

nidades para todos, que deve ser orientada para as justas aspirações da

As premissas sobre o Consenso Europeu e o contributo da educação para

família humana. Mas a realidade mais global é a pobreza. E, embora o

o desenvolvimento estão postas: a erradicação da pobreza e das suas

primeiro Objectivo do Milénio possa alcançar-se em termos globais, talvez

causas (1) exige a prática do desenvolvimento sustentável (2) que, no

não se alcance em alguns países e regiões. Estima-se que 700 milhões

Consenso Europeu, se concretiza no cumprimento dos ODM (3); a edu-

de pessoas estarão na pobreza extrema no ano 2015 e que cerca de

cação para o desenvolvimento é uma estratégia da Cooperação local

600 milhões padecerão de fome, a não ser que se empreendam novas

imprescindível para que os cidadãos se apropriem dos ODM e exijam aos

acções.

Estados o seu cumprimento (4).

Entre o desejável e a realidade, algo está a funcionar mal. O sistema eco-

95


96

nómico global que nos alimenta tende a sobrevalorar e a impor algumas

âmbitos: o âmbito técnico-económico-produtivo, geralmente caracteriza-

atitudes e hábitos como valores comuns: a acumulação («compre 3 e

do pela «economia de mercado»; o âmbito político-jurídico-administrativo,

pague 2»; «vales o que tens»); o lucro como norma (o gratuito não tem

dito globalmente «estado de direito ou sistema democrático»; e o âmbito

sentido económico); o hedonismo (vale o que requer pouco esforço); o

social-cultural-simbólico-religioso, que englobamos como «sistema cultural».

individualismo (se da preferência ao interesse individual sobre o colectivo,

Estes âmbitos existem e devem organizar-se em benefício das pessoas.

ao privado sobre o público); o altruísmo interessado («dou para que me

Cada âmbito não é um fim em si mesmo, senão só um meio, um instrumento

dês»); os horizontes curtos (o presentismo definido por «nada a largo prazo»).

da sociedade ao serviço do bem-estar, da convivência social e da felici-

Em consequência, a actual globalização também gera desigualdades e

dade das pessoas. Quando o âmbito económico invade tudo, invade a

o desafio consiste em assegurar uma globalização sem deixar ninguém

política (o sistema democrático) e a cultura, e se converte em um fim em

à margem.

si mesmo, e quando o âmbito político invade tudo (e já não seria coerente

Devemos falar, antes de tudo, das causas estruturais, assentes num mundo

com um sistema democrático) e se alia ao poder económico, temos, então,

em que nos acostumámos a conviver com a injustiça e a desigualdade.

as pessoas convertidas em simples meios ou instrumentos, chegando a ter

São causas que formam o círculo vicioso da miséria, a fome, a enfer-

menos direitos reais que o dinheiro, as ideologias, os partidos, o poder. A

midade e as demais ameaças à vida dos mais débeis; o egoísmo e a

garantia de que todos os âmbitos da vida trabalhem e se orientem para

insolidariedade que impregna o desenvolvimento dos países mais ricos;

as pessoas é que as pessoas sejam, realmente, o centro das preocupa-

a iníqua exploração dos recursos dos povos; o acaparamento dos bens

ções e das decisões de economistas, políticos, educadores e de todas as

essenciais por uns poucos, os hábitos de consumo e de derroche de uma

instituições económicas, políticas, culturais, religiosas, sociais. O primeiro

parte da população mais acomodada; um modelo de desenvolvimento

princípio da Declaração do Rio (1992) é o de que «os seres humanos são o

e de cultura consumista dos países mais desenvolvidos que tendem a

centro das preocupações pelo desenvolvimento sustentável». A pobreza

exaltar falsas necessidades, em detrimento das reais. Estas causas derivam

e a fome são contrárias à dignidade das pessoas. Estes males não perten-

da maneira como decidimos articular o mundo: não sobre as exigências

cem ao desígnio do Criador para o ser humano. Repugna a consciência

do ser humano, mas em função das contas de resultados das empresas,

da dignidade da pessoa e do seu trabalho. O facto de que mais de 800

de um suposto equilíbrio comercial entre as economias dos países grandes,

milhões de pessoas não possam exercer o direito de tomar os alimentos

entre outros objectivos. Estes critérios têm mais peso nos planos de desenvol-

que necessitam para matar a fome, degrada a sua dignidade e ofende

vimento económico, agrário, comercial, financeiro e tecnológico do que

gravemente o Criador. O progresso técnico só será verdadeiramente

na satisfação das necessidades humanas. Em numerosas ocasiões, parece

eficaz se se inserir numa perspectiva mais ampla, onde o homem ocupe

que o dinheiro tem mais direitos que as pessoas, inclusive quando reclamam

o centro, esforçando-se por ter em conta todas as suas necessidades e

o que em justiça lhes pertence.

aspirações. Os ambiciosos e complexos objectivos de erradicar a pobreza e a fome só poderão alcançar-se se a protecção da dignidade humana,

Articular a sociedade e o desenvolvimento de acordo com a centralidade

origem e fim dos direitos fundamentais, chegue a ser o critério que inspire

das pessoas

e oriente todos os esforços.

Uma correcta articulação da sociedade e do desenvolvimento deve fazer-se sobre uma correcta concepção da pessoa, com princípios e valores comuns. A vida de uma sociedade organiza-se em torno de três grandes


Linhas de acção: nove propostas sobre educação para o desenvolvimento

– Necessitamos de outras maneiras de fazer economia, de actuar em

como estratégia imprescindível de cooperação local

política, de criar e adquirir a cultura, com políticas mais distributivas dos benefícios e das responsabilidades.

Mas ainda não dissemos o que é e o que faz em tudo isto a educação para

– Aplicar políticas de imigração que não segreguem nem rejeitem as

o desenvolvimento. Todos sabemos e estamos de acordo que a educação

pessoas.

é o motor do desenvolvimento de cada pessoa e cada comunidade. Mas

3º Educar para o desenvolvimento é aprender a lutar pela universalização

o conceito educação para o desenvolvimento é equívoco se não delimi-

dos direitos humanos.

tamos bem o seu alcance. Vamos utilizar a definição da Coordenadora

– O direito aos alimentos, à água, à educação, ao trabalho, à moradia,

de ONG de Desenvolvimento de Espanha (CONGDE), segundo a qual a

à saúde, às liberdades.

educação para o desenvolvimento é:

– Fortalecer as democracias (de formais a reais) e ajudar os Estados

– um processo para formar consciências críticas,

frágeis a estabelecer administrações públicas que prestem serviços aos

– para fazer cada pessoa responsável e activa (comprometida),

cidadãos.

– a fim de construir uma nova sociedade civil, tanto no Norte como no

– Erradicar a corrupção pública e privada; denunciar através de cam-

Sul,

panhas.

– comprometida com a solidariedade, entendida esta como co-respon-

4º Educar para o desenvolvimento é formar para a cidadania e partici-

sabilidade – no desenvolvimento estamos todos embarcados, já não há

pação democrática.

fronteiras nem distâncias geográficas,

– Apropriar, fazer nossos os ODM, para exigir o seu cumprimento.

– e participativa, cujas demandas, necessidades, preocupações e análises

– A política de proximidade (corporações locais, bairros, freguesias) deve

tenham em conta na hora da tomada de decisões políticas, económicas

actuar como pedagogia da cidadania.

e sociais.

– Criar e fortalecer a sociedade civil, criar tecido social associativo.

Podemos dizer que se trata, antes de tudo, de um conceito para trabalhar

– Formar voluntariado, pessoas que trabalhem de maneira perseverante,

no Norte, localmente, com uma visão global. É utilizado pelas ONG de

gratuitamente, em ONGD.

Desenvolvimento como definição da sua estratégia de sensibilização das

– Exercer pressão política na defesa dos direitos humanos e do sistema

sociedades para potenciar a ajuda e cooperação ao desenvolvimento

democrático.

dos países em desenvolvimento.

5º Educar para o desenvolvimento é gerar uma cultura das relações e intercâmbios equitativos entre os povos.

Para tornar operativo este conceito, propomos nove linhas de acção:

– Fomentar iniciativas de produção e consumo justo, responsável, sus-

1º Educar para o desenvolvimento é crer que outro mundo é possível e

tentável.

necessário.

– Promover iniciativas de economia com solidariedade, cooperativas de

– Faz falta aumentar o conhecimento da realidade do mundo para como-

produtores e consumidores.

ver, inquietar, fazer pensar a população sobre os problemas da pobreza.

– Programas de microcréditos, caixas populares de poupança.

– Dar informação de qualidade, crítica, que facilite a compreensão so-

6º Educar para o desenvolvimento é comprometer-se com a criação de

bretudo das causas da realidade.

condições de vida mais humanas para os mais pobres.

2º Educar hoje para o desenvolvimento é sensibilizar e trabalhar para fazer

– Actuar com critérios de prioridade com os mais vulneráveis.

outra globalização (inclusiva).

– Perdão da dívida externa para que se aplique em programas de desen-

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volvimento agrícola, educativo, sanitário, etc. – Eliminar a ajuda ligada a contrapartidas comerciais e outras. 7º Educar para o desenvolvimento é formar-se com a consciência de um núcleo ético comum para a humanidade. – Todo o edifício cai se não existir um alicerce axiológico fundado numa antropologia. – Carta do Rio (1992): o ser humano é o centro do desenvolvimento sustentável. 8º Educar para o desenvolvimento é educar para a paz e não violência. – Educar na resolução dialogada dos conflitos (educação para a paz e tolerância). – Reconstruir as sociedades depois dos conflitos: reconstrução de infraes-

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truturas, económica, psíquica, social, etc. 9º Educar para o desenvolvimento é ajudar a adoptar estilos de vida sustentáveis. – Adoptar políticas locais sustentáveis: de água, energia, transporte, parques e jardins, recursos naturais. – Educar as pessoas para hábitos de vida que tenham em conta o bem comum (o respeito e o cuidado pelo que é público). E tudo isto para que serve? Serve para saber que se não somos parte da solução, somos parte do problema. Por isso, a educação para o desenvolvimento é uma estratégia imprescindível da cooperação local.


– Exmo. Sr. Administrador da Fundação Evangelização e Culturas, – Exmo. Sr. Director do Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, – Exmo. Sr. Chefe de Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, – Exmo. Sr. Director de Projectos no CESOP da Universidade Católica Portuguesa, – Exmo. Sr. Coordenador Técnico do Departamento de Estudos e Docu-

A Visão Portuguesa da Educação para o Desenvolvimento. O papel das Autarquias Locais Sérgio Guimarães

Chefe da Divisão de Apoio à Sociedade Civil do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

mentação para o Desenvolvimento da Manos Unidas, – Exma. Sra. Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, – Exma. Sra. Investigadora do Instituto Politécnico de Leiria, – Minhas Senhoras e Meus Senhores: Em nome do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) gostaria de começar por agradecer o convite da Fundação Evangelização e Culturas para participar neste Seminário Nacional de Educação para o Desenvolvimento e Cooperação Descentralizada, inserido no projecto «Enlaces», iniciativa que o IPAD tem o gosto de apoiar, no âmbito da linha de co-financiamento de projectos de ONGD. Enquadramento Com a crescente globalização, a partir dos anos oitenta e noventa, foram sendo, progressivamente, introduzidas as temáticas relacionadas com a Educação para o Desenvolvimento. O facto de vivermos num mundo interdependente e globalizado obriga-nos a repensar os modelos de progresso e crescimento económico do Norte e torna inevitável a opção por um modelo de desenvolvimento sustentável e pela construção de sociedades multiculturais. Esta interdependência obriga-nos ainda a rever a complexa rede de relações da aldeia global e a constatar a multidimensionalidade do desenvolvimento

painel 2 . o contributo da educação para o desenvolvimento nas acções de cooperação descentralizada

humano, em detrimento de uma perspectiva exclusivamente em indicadores macroeconómicos. É neste contexto que se impõe a aposta na mudança de estruturas, valores, atitudes e comportamentos que favoreçam a construção de um mundo mais justo e de uma sociedade mais solidária.

99


É neste quadro que a Educação para o Desenvolvimento se constitui

de Desenvolvimento do Milénio e a Cooperação Descentralizada.

como uma referência para a generalidade dos actores da cooperação

Entre 2005 e 2007, o interesse crescente pela Educação para o Desenvolvi-

para o desenvolvimento.

mento, materializou-se na candidatura de 113 projectos de 41 ONGD, dos quais 39 foram apoiados, e entre os quais se encontra o projecto «Enlaces»

A ED na Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa

da Fundação Evangelização e Culturas. A nosso ver, o projecto «Enlaces» afigura-se da maior pertinência, visto

100

No seguimento da aprovação da nova Estratégia para a Política de Coo-

que tem como grande desiderato a capacitação de profissionais das

peração Portuguesa, a Educação para o Desenvolvimento foi consagrada

Autarquias Locais na temática da Educação para o Desenvolvimento e

como prioridade sectorial.

da Cooperação Descentralizada.

A Educação para o Desenvolvimento passa a ser encarada como um

É de salientar que as Autarquias terão um importante papel no que res-

processo educativo constante que favorece as inter-relações sociais,

peita à preparação de uma estratégia nacional de Educação para o

culturais, políticas e económicas entre o Norte e o Sul. O qual promove

Desenvolvimento, à semelhança do que tem vindo a ocorrer em vários

valores e atitudes de solidariedade e justiça, que devem caracterizar uma

outros países europeus.

cidadania global responsável. Consistindo igualmente num processo activo de aprendizagem que

O papel das Autarquias

pretende sensibilizar e mobilizar a sociedade para as prioridades do desenvolvimento humano sustentável. Apresenta-se como um instrumento

De facto, cada vez mais as Autarquias desempenham um papel fulcral,

fundamental para a criação de uma base de entendimento e de apoio

quer na área da Cooperação para o Desenvolvimento quer na da Educa-

junto da opinião pública portuguesa para as questões da cooperação

ção para o Desenvolvimento, tendo em consideração a sua proximidade

para o desenvolvimento.

às populações, as competências e a experiência que dispõem em matéria

A Educação para o Desenvolvimento configura-se, assim, como uma

de desenvolvimento local e o seu posicionamento privilegiado para ligar

peça fundamental da Educação para a Cidadania Global, traduzindo-

o local e o global.

-se na realização de acções de sensibilização, de educação formal e de

O valor acrescentado dos actores não estatais reside, pois, na sua inde-

educação não formal, tendo como objecto temas relacionados com a

pendência em relação ao Estado, na sua proximidade às populações,

ajuda ao desenvolvimento.

na capacidade de articular os interesses específicos dessas populações, no seu conhecimento e experiência particulares, bem como na sua ca-

A operacionalização da estratégia

pacidade de colmatar a lacuna por vezes existente entre os objectivos estratégicos do Estado e a respectiva operacionalização.

Em ordem à operacionalização dos imperativos relacionados com a

Ora, os Municípios Portugueses, com a crescente aquisição de novas com-

Educação para o Desenvolvimento, o IPAD desenvolveu em 2005, pela

petências, quer na área da educação formal quer na da acção social e

primeira vez, um processo de co-financiamento de projectos de Educação

cultural, constituem um dos principais agentes multiplicadores dos valores

para o Desenvolvimento de ONGD.

que defendemos para a Educação para o Desenvolvimento.

O apoio do IPAD às ONGD tem vindo a incidir sobre as áreas temáticas con-

É pois importante incentivar a criação de mecanismos que apoiem as

sideradas prioritárias pela Cooperação Portuguesa, tais como as Relações

parcerias entre as Câmaras Municipais e outros actores da Cooperação,

Norte-Sul, o Comércio Justo, a Solidariedade Internacional, os Objectivos

como ONGD, para a concretização de projectos que constituem uma


mais-valia credível para o desenvolvimento dos países com os quais cooperamos. Mecanismos que sirvam para estimular as boas práticas na Cooperação Descentralizada, aproveitando-se as vantagens comparativas das Autarquias Locais Portuguesas no que concerne ao desenvolvimento de projectos nos Países de Língua Oficial Portuguesa, em que na maior parte dos casos os sistemas jurídicos, administrativos e políticos são semelhantes ou mesmo inspirados no português. Por outro lado, é cada vez mais evidente que a colaboração entre governos locais provenientes de contextos culturais diferentes é um meio importante para abrir o horizonte cultural da população sobre outras formas de vida. Pretende-se, fundamentalmente, despertar a consciência dos cidadãos para as problemáticas dos países do Sul. Este tipo de acções torna-se ainda mais importante em territórios onde existem comunidades de imigrantes, nos quais as actividades relacionadas com a cooperação poderão vir a ser um método eficaz para a promoção da integração, através de projectos com os seus países de origem. Por tudo isto, é da mais elementar justiça congratular, uma vez mais, a Fundação Evangelização e Culturas e as Câmaras Municipais Parceiras pela execução e empenho no desenvolvimento do projecto «Enlaces». Muito obrigado.

101


Começo por cumprimentar os meus companheiros de mesa, cumprimentar a assistência, agradecer à FEC este convite, e fazer dois ou três avisos. Em primeiro lugar, um aviso que fiz à própria FEC e que diz respeito à minha impossibilidade, nesta altura, de preparar previamente uma comunicação detalhada e estruturada. Agradeço por isso à FEC ter aceite arriscar esta impreparação da minha parte. O segundo aviso tem a ver com a qualidade em que vou aqui falar.

102

Remando juntos no mesmo barco: cooperação descentralizada e educação para o desenvolvimento

Embora tenha sido apresentada nas duas qualidades, de presidente da

Fátima Proença

relativamente aos dois conceitos, ou seja, a Cooperação Descentralizada

Presidente do Conselho Directivo da Associação para a Cooperação entre os Povos e Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD

ACEP e também da Plataforma, não quereria, num debate deste tipo, ficar agarrada a uma ou outra representação formal, preferindo uma conversa mais informal sobre os temas que aqui nos juntam. São pois duas ou três reflexões pessoais que gostava de vos transmitir. Dito isto, iria pegar na questão da Cooperação Descentralizada para o Desenvolvimento e na sua relação com a Educação para o Desenvolvimento – e vice-versa – a partir daquilo que são as definições consensualizadas para o Desenvolvimento, tal como foi definida pela União Europeia à volta de 1992, posteriormente aprofundada através de vários regulamentos e também trabalhada na Visão sobre o Desenvolvimento, tal como foi apresentada pelo meu antecessor neste debate. É esse conceito de Cooperação Descentralizada para o Desenvolvimento que proponho como base de trabalho, o que significa, do meu ponto de vista, uma cooperação que se diferencia da cooperação bilateral e multilateral a partir dos seus dois objectivos e também das formas de trabalhar: o primeiro objectivo consiste em garantir mais e melhor Desenvolvimento, com base no local e na maior proximidade das pessoas; o segundo, está relacionado com a necessidade de garantir uma maior participação de todos aqueles a quem tal diz respeito e, portanto, uma maior e melhor Democracia. São estas duas características diferenciadoras das outras cooperações que levaram à criação deste conceito no qua-

painel 2 . o contributo da educação para o desenvolvimento nas acções de cooperação descentralizada

dro da União Europeia e que veio a ser posteriormente consensualizado a outros níveis. Relativamente à Educação para o Desenvolvimento, também o meu antecessor já aqui apresentou a base para um Consenso que existe actualmente ao nível de conceito de Educação para o Desenvolvimento.


De facto, posteriormente ao documento de 2005, da UE, sobre Visão do

também cá.

Desenvolvimento, foi também sendo consensualizado, ao longo de 2007, o

Um terceiro elemento de articulação entre Educação para o Desenvolvi-

que poderia ser o contributo da Educação para o Desenvolvimento para

mento e Cooperação Descentralizada tem a ver com o saber quem fala e

essa Visão do Desenvolvimento. Relativamente aos elementos caracteri-

como fala. Ou seja, saber, por um lado, se a Educação para o Desenvolvi-

zadores já aqui apresentados pelo Juan, eu acrescentaria unicamente um

mento dá voz, ou se substitui a voz dos outros; e, por outro lado, ao nível do

ponto relativamente àqueles que ele introduziu. Esse ponto que acrescen-

fazer, saber quem faz e como faz, saber se a Cooperação Descentralizada

taria tem a ver com o papel da Educação para o Desenvolvimento também

cria oportunidades para todos participarem no Desenvolvimento, ou se

como processo de influência sobre os decisores políticos. É um elemento

vai substituir alguém no seu próprio Desenvolvimento.

que me parece relevante, e que vem sendo cada vez mais considerado

Um quarto tópico, como resultado das questões anteriores, tem a ver com

como parte integrante desta noção de Educação para o Desenvolvimento

ter uma consciência clara dos saberes e das competências que se nos

e de Sensibilização para o Desenvolvimento, que vem sendo advogado por

exigem. Os tópicos anteriores exigem-nos uma articulação entre diversas

muita gente e organizações.

competências profissionais e destas competências com as competências

Partindo destas duas abordagens – à Educação para o Desenvolvimento

humanas. Tal significa garantir que, seja na Educação para o Desenvol-

e à Cooperação Descentralizada – eu diria que a interacção entre a

vimento, seja na Cooperação para o Desenvolvimento, existam compe-

Educação para o Desenvolvimento e a Cooperação Descentralizada

tências capazes de produzir impactos, cá e lá, na vida e na cabeça das

é, no fundo, um processo que vai articular um discurso sobre valores e

pessoas; mas significa a exigência também de competências humanas

princípios, com uma prática desses valores e desses princípios. Não vou

que impeçam narcisismos ou atitudes de arrogância e de superioridade,

aqui falar detalhadamente sobre esta ideia, vou tentar só apresentar umas

relativamente ao outro, considerado menos desenvolvido.

notas muito telegráficas, para dar tempo para podermos abordar estas

Finalmente, ao longo da exposição, fui sempre falando, em simultâneo, de

questões no debate.

Educação para o Desenvolvimento e Cooperação Descentralizada para

Gostaria de começar com um primeiro tópico e que é o de considerar

o Desenvolvimento, sem nunca tratar de uma separadamente. Esta é uma

que esta articulação entre o discurso sobre valores e princípios e a prática

escolha consciente, já que me parece que Educação para o Desenvol-

desses valores e princípios, após a introdução do conceito de Cooperação

vimento fora da Cooperação Descentralizada fica coxa, Cooperação

Descentralizada, o grande desafio que coloca é que este discurso e esta

Descentralizada sem Educação para o Desenvolvimento igualmente coxa

prática são válidos para os países em desenvolvimento, mas são também

fica. Ou seja, uma sem outra, e voltando ao tema da minha curtíssima

válidos para os países chamados desenvolvidos. Ou seja, tem que ser uma

apresentação, é como se estivéssemos num barco a remar com um remo

articulação entre «o cá e o lá».

só. E remar num barco com um remo só, como sabem, ou remamos em

Em segundo lugar, este cruzamento entre Educação para o Desenvolvi-

círculos, ou remamos muito devagarinho. E, portanto, uma sem a outra é

mento e Cooperação Descentralizada para o Desenvolvimento implica

o equivalente a remar num barco com um remo só.

também um segundo nível de articulação, agora entre o processo simul-

Como conclusão, creio que se nos colocam desafios a três níveis. O primeiro

tâneo de mudança de mentalidades e o processo de mudança de vidas.

nível é o do desafio de promover uma reflexão com vista a uma adapta-

Ou seja, um processo de mudança de mentalidades que vai trabalhar,

ção mútua entre estratégias – da Educação para o Desenvolvimento e

por exemplo, os estereótipos, que vai trabalhar os simplismos com que

da Cooperação Descentralizada – na medida em que elas têm vindo a

muitas vezes se fala do outro e das realidades que mal conhecemos, e

ser concebidas e praticadas em Portugal de forma separada. O segundo

que vai, simultaneamente, ter impacto na vida das pessoas, também lá,

desafio situa-se ao nível das parcerias, cá e lá, construindo parcerias a dois,

103


a três, a quatro, e, sobretudo, parcerias entre organizações de natureza diferente, actuando ou não no mesmo território. Finalmente, o terceiro desafio diz respeito à necessidade de adaptar instrumentos, ou criar novos, nomeadamente de financiamento, que permitam estas complementaridades e estas interacções entre Educação para o Desenvolvimento e Cooperação para o Desenvolvimento. Muito obrigada.

104


Boa tarde Senhor Vereador Albergaria, Dr. Baldé, Dr. André Tolentino, Dr. Líbano Monteiro. Em primeiro lugar, quero agradecer o convite que me foi feito para participar nesta conferência, e que é com muito gosto que o faço. Tentarei transmitir não apenas o que é a perspectiva da cooperação descentralizada na perspectiva do poder local, mas também um pouco o que é que tem sido a experiência do Município de Cascais nesta questão da cooperação descentralizada. Procurarei no final responder a algumas perguntas. Começaria por colocar umas perguntas que os munícipes nos põem com

Cooperação e Desenvolvimento: a perspectiva do poder local João Sande e Castro

Vereador da Câmara Municipal de Cascais

maior frequência e que são as seguintes: «Porque é que os municípios têm relações internacionais? Porque é que têm gabinetes de relações internacionais e porque é que se dedicam a esta questão que são as geminações? E que vantagem é que existe para cada município neste relacionamento internacional? Ou quais são as vantagens concretas para cada município?» Compreendem-se estas perguntas porque, afinal, as pessoas quando elegem o poder local estão preocupadas é com quem lhes arranje a calçada, lhes arranje o caminho, lhes trate do abastecimento de água; não estão tão preocupadas com essa dimensão internacional que os municípios podem ter através das geminações. Antes ainda de entrar directamente nestes temas, falaria um pouco sobre esta ideia das geminações e como é que nasceu esta ideia das geminações. Esta ideia das geminações nasceu após a II Guerra Mundial. Foi ideia de Jean-Marie Bressand, francês membro activo na resistência à ocupação alemã durante a guerra. Jean Marie Bressand analisou a História da Europa e as várias guerras travadas pelos povos francês e alemão – guerras fratricidas e por vezes muito prolongadas – que tinham, de facto, dilacerado a Europa ao longo dos séculos. Concluiu, no entanto, que essas guerras tinham sido travadas apesar de, por vezes, ao longo da História, ter havido um relacionamento muito estreito entre os dirigentes de ambos os países; e ter havido até ligações familiares entre as casas

painel 3. educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: recursos e estratégias locais

reais dos principados alemães e a Casa Real francesa, ou entre o império alemão e o império russo; portanto, tinha havido, de facto, relações muito próximas e relações, por vezes até, de família, mas isso não tinha evitado que se tivessem travado guerras trágicas e de danos enormes ao longo dos séculos. E ele teve uma ideia: se nós fizermos uma geminação entre

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cada cidade francesa e cada cidade alemã e, através dessa geminação,

essas geminações. Afinal, um Presidente de Câmara ao promover uma

conseguirmos aproximar os dois povos, teremos aqui um factor que pode

geminação, ao poder receber os seus congéneres estrangeiros, ao poder

ser determinante para o desenvolvimento da paz no futuro. E foi isso que

ter um relacionamento privilegiado com cidades estrangeiras, também ele

ele tentou pôr em prática após a II Guerra Mundial a partir de 1951, tendo

próprio está a contribuir para a sua imagem de autarca com uma visão

o movimento das geminações conhecido um enorme sucesso quando

do mundo, um autarca como homem do mundo. Não podemos esquecer

milhares de cidades francesas e alemãs se geminaram e milhares de

que as autarquias são órgãos políticos e que, como órgãos políticos, têm

grupos de jovens passaram, anualmente, a frequentar e a participar em

que agir e têm que responder perante os seus eleitores.

intercâmbios entre os dois países, contribuindo decisivamente para uma

Mas há ainda uma outra questão que também é importante nesta área da

aproximação dos dois povos.

cooperação descentralizada e do envolvimento dos municípios, que é a

Isto foi o que esteve na ideia base das geminações, que hoje adquiriram

participação das comunidades imigrantes – sobretudo dos PALOP em Por-

uma outra vertente e foram sendo desenvolvidas por outros caminhos. E

tugal – que podem ter uma participação muito importante. Participação

um desses caminhos que tem vindo a ser desenvolvido tem sido através

essa que tem duas vertentes. Uma é uma vertente interna: é um factor que

desta cooperação descentralizada em que os municípios se têm envolvi-

contribui para a integração dos próprios imigrantes na sociedade local o

do. É uma vertente que ainda tem algo a ver com a ideia inicial, mas que

facto de uma cidade portuguesa onde reside uma comunidade imigrante

já é muito mais que aquela ideia dos intercâmbios de jovens; já adquiriu

significativa oriunda de um país africano de língua oficial portuguesa estar

um âmbito muito mais alargado, já adquiriu outras vertentes, e nomea-

geminada com uma cidade desse mesmo país.

damente a cooperação directa e o apoio dos municípios geminados na

Mas também esses próprios imigrantes podem dar um contributo funda-

Europa e em África, e que tem sido uma realidade para muitos municípios

mental nesta área da cooperação descentralizada. Há associações de

portugueses.

imigrantes que funcionam em Portugal e que estão dispostas a colabora-

Estando feito o enquadramento histórico, voltemos às perguntas iniciais.

rem em projectos de cooperação liderados por autarquias com os seus

Afinal – e isto é uma pergunta também que me colocam frequentemente,

países de origem. Isto porque também gostam de ser envolvidos e de se

como responsável do Pelouro das Relações Internacionais na Câmara

envolverem em melhorias concretas nas suas terras de origem, e isso pode

Municipal de Cascais – quais são as vantagens para Cascais e quais são as

ser muito importante para o desenvolvimento desta área da cooperação

vantagens para os municípios destas geminações? As vantagens, se calhar

descentralizada.

algumas são um pouco difusas e são difíceis de definir em termos concretos.

Eu acredito que esta questão da cooperação descentralizada e esta

Mas os municípios entram nestas coisas das geminações também porque

participação dos municípios é determinante para o desenvolvimento

dão uma imagem de um município com mais mundo, dão uma imagem

dos países do Sul. E é determinante para o desenvolvimento porque

de um município com visão do mundo, dão uma imagem diferente e

nós olhamos para a realidade local desses países e constatamos que as

moderna do próprio município. Nós podemos ter um município que seja

necessidades mais básicas e os problemas mais prementes que estão

pequeno, que seja no interior do país, que seja isolado, mas o facto de estar

por resolver nesses países têm muito mais que ver com competências

geminado com outros municípios na Europa, em África, na América Latina,

das administrações locais do que com competências do Estado central.

dá também uma imagem de um município que tem uma visão do mundo

O que é no fundo mais urgente e mais necessário resolver nos países do

e de um povo que não se deixa ficar isolado e que procura quebrar esses

Sul? A maior parte das vezes é o abastecimento de água, é o arranjo dos

laços, essas características, do isolamento. E esta ideia de quebrar esse

caminhos, é a instrução primária… são questões que são resolvidas muito

isolamento também se transmite para os próprios autarcas que promovem

mais facilmente e muito mais eficientemente pelas administrações locais


do que pelo Estado central. E são questões que em termos da organiza-

tanto, delegados nomeados pelo Governo a nível local – as coisas já não

ção do poder político português estão directamente na competência

correm tão bem, já não correm da mesma maneira, porque já não é um

dos municípios, não estão dentro das competências do Estado central.

órgão político que vai a votos, já não tem a mesma responsabilidade, já

É muito importante esta cooperação entre os municípios portugueses e

não tem a mesma necessidade de mostrar obra que tem um autarca que

os municípios do Sul, porque se relaciona com as áreas em que essa co-

vá a votos. E daí todas as vantagens de se desenvolver rapidamente os

operação é mais necessária, tem directamente que ver com os poderes

processos eleitorais previstos para os municípios nos países onde isso ainda

e com as competências dos municípios, e não com os poderes e com as

não é uma realidade. Isto é importantíssimo. É um factor não apenas de

competências da administração central.

desenvolvimento económico, mas é também um factor de pacificação

Para os municípios locais essas vantagens são evidentes porque há uma

fundamental para muitos países em África, porque essa questão de se

enorme dificuldade, como sabem, no acesso a meios técnicos e no acesso

poder eleger municípios e de se poder ter uma situação política estável

a meios financeiros, e a possibilidade destas cooperações, a nível das ge-

a nível local, a nível de cada cidade, a nível de cada vila, pode ser um

minações, permite o acesso a alguns meios financeiros e permite também

factor determinante para a pacificação de um país como um todo. É

o acesso a meios técnicos. Não apenas com a deslocalização de técnicos

importante que seja dada uma maior atenção à necessidade de realizar

de municípios portugueses para o local – portanto, para os países do Sul

eleições locais em todos os países, porque afinal estamos a tratar não

– mas também com a realização de estágios de técnicos dos municípios

apenas da pacificação dos países ao nível mais básico – ao nível local

dos países do Sul nas Câmaras Municipais em Portugal.

– mas também das necessidades mais elementares que os povos têm e

A grande dificuldade com que nos temos deparado nas acções de

que dizem respeito ao abastecimento de água, ao arranjo dos caminhos,

cooperação que pretendemos desenvolver na Câmara Municipal de

à instrução primária, aos cuidados de saúde primários, portanto, é tudo

Cascais reside, sobretudo, com a existência dos próprios municípios nos

questões que poderão passar pelo poder local assim ele exista.

países africanos de língua oficial portuguesa. Porque se há países que têm

Nesta questão do apoio técnico e da cooperação técnica entre os mu-

municípios eleitos, outros existem que ainda não têm municípios. E quando

nicípios portugueses e municípios do Sul, obviamente que aqui é que é

há municípios eleitos, as coisas, na esmagadora maioria das vezes, correm

importante a participação das ONG, porque se, por um lado, as necessida-

extremamente bem; quando não há municípios eleitos, é muito difícil que

des mais prementes dos municípios do Sul dizem respeito ao apoio técnico,

as coisas corram bem. Hoje já existem municípios eleitos em S. Tomé e Prín-

também é complicado para os municípios portugueses prestarem esse

cipe, em Moçambique e em Cabo Verde, e as coisas têm corrido muito

apoio à distância. Primeiro, porque os meios técnicos de que dispõem não

bem nas acções de cooperação que se têm desenvolvido, porque quem

são assim tão fartos – e, sobretudo, em algumas áreas ligadas à engenharia

está à frente de um município é um Presidente de Câmara que vai ter que

até existe alguma escassez nos municípios portugueses – e, portanto, para

responder perante os seus eleitores, é um Presidente de Câmara que vai

se desenvolver alguma obra no Sul e que seja necessário deslocar durante

a votos, que tem que mostrar trabalho, que tem que mostrar obra, e é o

largos períodos de tempo técnicos municipais para o estrangeiro podem-se

Presidente de Câmara que vai puxar pelo desenvolvimento dessa mesma

criar problemas complicados a nível dos serviços internos que deixaram

cooperação com os municípios portugueses, porque sabe que este é um

vagos. E, por outro, obviamente, há uma dificuldade enorme ao nível

meio eficaz de conseguir financiamento e meios técnicos para as obras

dos municípios locais de conseguirem arranjar esses meios técnicos. Mas

que pretende desenvolver.

aqui é que as ONG podem dar um contributo fundamental, porque aqui

Nos outros casos, em que ainda não temos propriamente municípios

as ONG, na maior parte das vezes, têm meios técnicos, ou têm acesso a

eleitos, mas em que temos delegados representantes do Governo – por-

esses meios técnicos, e pode haver uma parceria entre ONG e municípios

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cá e municípios lá que permitam que, de facto, se desenvolva esta área

do. Isto é fácil, toda a gente apoia e ninguém está contra. Mas é muito

da cooperação descentralizada.

pouco e é muito pouco eficaz. E, por vezes, os exemplos até não são

Como conclusão, e resumindo um pouco a minha intervenção, iria dar

os melhores. Nós aí há tempos tivemos um pedido também para envio

quatro ideias, quatro áreas, em que os municípios podem e devem par-

de livros escolares, e fizemos uma recolha nas escolas para enviar livros

ticipar na cooperação descentralizada. Em primeiro lugar, alertando a

escolares – já não me lembro exactamente para que cidade geminada

opinião pública e tentando cativar a opinião pública para esta questão

era – mas, portanto, o pedido foi feito e foi, de facto, muito eficaz; em

da cooperação descentralizada. Nós sabemos que a opinião pública

algumas semanas enchemos ali uma sala num edifício anexo aos Paços

se mobiliza muito rapidamente e muito eficazmente quando há alguma

do Concelho cheia de caixotes com livros escolares; no entanto, quando

tragédia que tem grande impacto na comunicação social, mas que no

se abriram os caixotes, houve a necessidade de deitar fora cerca de um

dia-a-dia, para o trabalho de sapa, para o trabalho diário que é neces-

terço dos livros, porque alguns eram de fichas já preenchidas, outros esta-

sário fazer em termos de cooperação, essa realidade não existe, como

vam extremamente em mau estado e não se pode, obviamente, enviar

os senhores sabem melhor que ninguém porque trabalham nessa área.

ofertas nestes termos. É importantíssimo também que a opinião pública

É fundamental convencer e tentar envolver mais a opinião pública na

esteja alertada de que a cooperação implica um esforço da parte do

cooperação descentralizada. E é mais fácil nós convencermos a opinião

próprio município e das pessoas que participam nessa cooperação; não

pública local se a cooperação descentralizada for dirigida cidade a

pode ser apenas enviar coisas já fora de uso que, obviamente, apenas

cidade do que se se perder em generalidades. Eu consigo mais facil-

deixa ficar mal as acções de cooperação; é importante que, de facto,

mente convencer as pessoas de Cascais da importância de colaborar

haja alguma qualidade nesta área da cooperação. Portanto, a primeira

com uma escola em Xai-Xai, que tem uma geminação com Cascais, ou

área de intervenção dos municípios, alertando a opinião pública local

em Cantagalo, que tem uma geminação com Cascais, da importância

para a necessidade da cooperação.

dessa colaboração, do que uma ajuda dispersa seja para que país for;

Uma segunda área: contribuir para o apoio técnico local; seja directa-

é mais fácil conseguir convencer a opinião pública porque as pessoas

mente, seja através de ONG que já estejam no terreno, seja através da

sentem alguma ligação dessa cidade, da sua cidade, da vila de Cascais

recepção a estagiários, funcionários ou eleitos dos municípios locais nos

neste caso, mas da sua vila ou da sua cidade, a essa outra cidade que

municípios portugueses.

está geminada com eles. E as pessoas dão importância a esta coisa das

Uma terceira será financiar, na medida das suas possibilidades, o desen-

geminações. Não se pense que passa completamente despercebido, e

volvimento de acções de cooperação nesses municípios. Por vezes com

uma rápida consulta aos sites das câmaras municipais, podemos verificar

pouco dinheiro se faz grande obra. Cascais está a recuperar um sistema

que, na esmagadora maioria das vezes, está logo na página de abertura

de abastecimento de água em Cantagalo, e é uma obra que vai bene-

a lista das cidades com que esse município é geminado. Isso, portanto,

ficiar doze mil pessoas e que, se olharmos para o orçamento da Câmara

é uma coisa que é valorizado pelos municípios e que é valorizado pelas

de Cascais, não chega sequer a ser 0,1% do orçamento da Câmara. Vai

populações locais. Portanto, é mais fácil convencer as populações locais

representar um benefício directo para doze mil pessoas. E isto, de facto,

para essa necessidade de cooperação do que propriamente se for para

são financiamentos que estão dentro dos limites das possibilidades dos

um apoio disperso e generalizado.

municípios e que, de facto, podem ser desenvolvidos.

É importante é que esta cooperação também se traduza em obras con-

Outro ponto ainda muito importante, um quarto ponto, a que os municípios

cretas, porque se calhar é fácil eu pedir uma recolha de livros escolares

se podem também dedicar diz respeito ao envolvimento das comunidades

e enviar livros escolares, ou um carro de bombeiros que já não é utiliza-

de imigrantes locais nessa cooperação. Tentar envolver as associações de


imigrantes e as comunidades locais oriundas dos PALOP nessa cooperação,

Por fim, e a culminar isto tudo, acho que o Estado português tem que se

para que eles sintam também que é uma coisa sua, para que se contribua

envolver mais, e tem que se envolver mais no apoio aos municípios e às

para a sua própria integração nas sociedades portuguesas, e para que eles

ONG nesta cooperação, porque não basta estas tentativas esporádicas

contribuam para o desenvolvimento das suas próprias terras de origem.

dos municípios de participarem nestas geminações e nestas acções de

Tenho a percepção que há uma enorme abertura dessas comunidades

cooperação; acho que se o Estado português entende que é útil que os

para participar em programas desse tipo e participar em programas de

municípios portugueses estejam geminados com municípios dos países

ajuda às suas terras de origem, e que, por vezes, o que pedem é mais

africanos de língua oficial portuguesa, tem que participar mais. Se o

apoio técnico, porque muitas vezes até fazem questão de participar

Estado português entende que é bom para a cooperação, é bom para

financeiramente nessa cooperação, porque entendem que é um dever

a projecção de Portugal no exterior, é bom para o desenvolvimento da

que têm para com as suas terras.

língua portuguesa, o Estado tem que participar mais, tem que coordenar,

Mas há aqui ainda uma outra questão que me parecia importante que

tem que financiar e tem que apoiar.

fosse mais desenvolvida, e que tem a ver directamente com esta ques-

Muito obrigado.

tão dos imigrantes, que é a participação política dos imigrantes cá. A participação política dos imigrantes cá parece-me fundamental. Porque nós olhamos para cidades portuguesas, e em muitas cidades, sobretudo aqui na região de Lisboa, a percentagem de imigrantes é enorme, e esses imigrantes, na maioria dos casos, até já têm direito a voto, só que não está recenseado, porque o recenseamento não é obrigatório para os imigrantes. E não estando recenseado, as suas taxas de participação eleitoral são baixíssimas, e os seus problemas, sejam os problemas cá, sejam os seus problemas lá, são olhados com um nível de prioridade inferior do que se tivessem todos recenseados, como parece que é óbvio. Portanto, eu acho que os imigrantes cá, se tratarem do seu recenseamento, se tratarem de participar na vida política local, que a lei hoje já permite – a lei hoje permite o voto dos imigrantes em eleições locais, embora ainda não seja possível em eleições legislativas ou presidenciais, mas nas locais a lei é muito mais abrangente e permite isso – creio que seria um passo fundamental para um envolvimento maior dos municípios nestas acções de cooperação descentralizada. Porque afinal, isto há que ser claro, os autarcas, os Presidentes de Câmara, os Vereadores, respondem perante o eleitorado e se parte importante desse eleitorado for composta por imigrantes e por pessoas oriundas dos países africanos de língua oficial portuguesa, obviamente haverá uma apetência muito maior para desenvolver laços com essas comunidades e apoiar a cooperação descentralizada com essas comunidades.

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Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à FEC pelo excelente trabalho que está a desenvolver na Guiné-Bissau e pela forma como está a colaborar com as comunidades na Guiné-Bissau. Em segundo lugar, esclarecer que não estou aqui na qualidade de investigador, mas sim na qualidade de Ex-Director de Programas da Plan Internacional na Guiné-Bissau, que coopera com a FEC na área da educação, e para partilhar a experiência e a forma de trabalhar da Plan Internacional no terreno. A Plan Internacional é uma organização de desenvolvimento comunitário centrado na criança, trabalha em 66 países do mundo, tem um orçamento de 700 milhões de dólares por ano, no terreno tem vários técnicos e traba-

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As parcerias e a mobilização da sociedade civil Aladje Baldé

Investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa e Ex-Director de Programas da Plan Internacional na Guiné-Bissau

lha directamente com as comunidades, dentro das próprias comunidades. Na Guiné-Bissau, trabalha há treze anos e tem um orçamento que ronda os 4 milhões e meio por ano. A Plan Internacional tem várias abordagens de acordo com as especificidades do terreno onde desenvolve o seu trabalho. Antes de iniciar o seu trabalho, em primeiro lugar, faz um trabalho de campo para conhecer melhor a realidade do terreno, a partir do qual vai desenvolver a sua estratégia para trabalhar com as comunidades. Eu trago algumas experiências que são já bastante conhecidas, mas ajudam a mostrar como é que nós trabalhamos, concretamente na Guiné-Bissau, com comunidades que não sabem ler nem escrever, nem entendem da mesma maneira a palavra «desenvolvimento» – porque é muito difícil decifrar a palavra «desenvolvimento». Em primeiro lugar, como disse, o nosso trabalho começa com o conhecimento local. Enviamos os nossos técnicos durante dois ou três meses para uma comunidade para conhecer como é que a comunidade vive, o que é que lá se faz e se pratica, qual a intervenção do Governo, e se existem outras organizações no terreno e o que produzem, para evitarmos multiplicar aquilo que essas organizações já fazem e perceber se podemos colaborar com esses parceiros para rentabilizar o financiamento que temos. Todo este levantamento é feito e é extremamente importante.

painel 3. educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: recursos e estratégias locais

Muitas vezes, uma organização chega a um país pensando que as comunidades não sabem nada, que as pessoas não entendem nada. Não tem em consideração que nestas comunidades existe uma organização secular, própria da vida local. E não chegam a conseguir identificar líderes capazes de mobilizar toda a comunidade. Isto significa trabalhar quase


isoladamente: desenhar e pensar para a comunidade, em vez de trabalhar

região de Bafatá, onde trabalhamos, existem 75 escolas oficiais, escolas do

com a comunidade. E isto pode trazer muitas frustrações. É por isso que

Governo. Mas existem 299 escolas comunitárias. Nas escolas comunitárias,

muitos projectos desenvolvidos na Guiné-Bissau não tiveram nem continui-

é a comunidade que paga ao professor, é a comunidade que encontra

dade nem sustentabilidade. Eu cresci e vi projectos de várias organizações

alojamento para o professor, é a comunidade que participa na própria

na Guiné-Bissau: no final do projecto, quando acaba o dinheiro, acaba o

construção da escola – todo o material inerte, como pedras, cascalho e

projecto, nada fica no terreno.

tudo aquilo que localmente se pode encontrar é da responsabilidade da

A Plan Internacional começa a desenhar o seu programa baseando-

comunidade. A comunidade é envolvida desde o princípio e antes de se

-se no conhecimento da realidade local, baseando-se na experiência

construir a escola é a comunidade que pede a escola. A comunidade

das outras organizações, baseando-se nos trabalhos feitos a nível da

cria um comité de gestão, elegendo cinco elementos para gerir a escola

comunidade, e baseando-se no envolvimento e colaboração activa da

quando terminar a construção. Depois, no espaço de um ou dois anos,

comunidade. Por isso, nós trabalhamos essencialmente em quatro áreas

organizam-se muitas formações, sobre como gerir a escola, como tra-

na Guiné-Bissau. A Plan não fixa limites nos programas a desenvolver em

balhar com os professores e quais os cuidados que a comunidade deve

cada país onde trabalha. No caso da Guiné-Bissau, depois de fazermos o

ter. E fazem-se parcerias com outras organizações. No caso concreto da

levantamento da situação local, entendemos que deveríamos trabalhar

Guiné-Bissau, trabalha-se com o PAM para fornecer os alimentos à escola,

em quatro áreas: na educação, na saúde, nos direitos da criança e na

e trabalha-se com a comunidade para que as mães recebam formação

água e saneamento básico. Porque é que achámos que era isso que a

na área da nutrição e assegurem que quando a escola começar a

Guiné-Bissau precisava no momento? Porque a Guiné-Bissau é um país

funcionar uma família vá diariamente à escola fazer as refeições para as

onde muitas comunidades não acreditam na educação formal, e muitas

crianças. Depois da Plan construir a escola, não a entrega ao Governo,

vezes chamam-lhe «escola de brancos». Quem não conhece a realidade

ao Director Regional, porque a escola é da comunidade. Pretende-se

da Guiné, não pode perceber o significado desta expressão. Porque a

que a comunidade se aproprie da escola. Para este investimento, deve

educação formal serve, muitas vezes, como promotor do êxodo de muitos

ser a comunidade a «dona» de tudo. A partir daí, a comunidade tem a

jovens do campo para a cidade. Porque a questão de alfabetização das

chave na mão e tem todo o poder para controlar o professor, porque é

crianças não é discutida com as comunidades. Porque, muitas vezes, as

ela quem paga salários. E os professores comunitários não fazem greve,

escolas são construídas fora de localidades, sem ouvir as comunidades

ao contrário dos professores da escola pública que anualmente fazem

e as crianças beneficiárias. A comunidade não é envolvida e não sabe

greve cinco/dez vezes.

como é que apareceu a escola, porque não se faz o levantamento para

Quero, com este exemplo, mostrar que é importante conhecer a realidade

saber quantas crianças existem nessa localidade a fim de fundamentar o

e é importante para as organizações não governamentais conhecerem

motivo de existência dessa escola. Por isso, quando os responsáveis pela

o seu papel. Enquanto organizações, somos apenas facilitadores. Não

construção da escola se vão embora, muitas vezes a porta da escola é

somos donos do desenvolvimento da comunidade. A comunidade é a

arrancada e as carteiras são levadas para as comunidades – porque a

força motriz do seu próprio desenvolvimento. Baseando-se nestes pressu-

escola não lhes foi entregue, não existe um «dono», a escola não é sua,

postos, qualquer trabalho de desenvolvimento tem caminho a percorrer e

a escola é dos «brancos», como dizem em relação à «escola oficial».

tem toda a possibilidade de ser um trabalho sustentado. E, na sequência

Verificamos que nas mesmas comunidades, a igreja ou mesquita é bem

disto, é importante fazer as parcerias nas comunidades. Temos que ter a

tratada, há pessoas responsáveis para as limpar e existe interesse, porque

consciência de que a comunidade é a nossa parceira e o Governo tam-

a comunidade sente que a igreja ou a mesquita lhe pertencem. Hoje, na

bém é o nosso parceiro. Isto é muito importante porque, muitas vezes, as

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organizações não governamentais ou governamentais chegam ao terreno

à frente da Plan Internacional na Guiné-Bissau como Director de Programas,

com ideias preconcebidas, e ignoram o poder local e o Governo, porque

tive sempre um projecto aprovado com a FEC no domínio da formação dos

o projecto é para a comunidade. Se não se toma cuidado nesse tipo de

inspectores e directores. De facto, não podemos dizer que vamos formar

abordagem, pode-se substituir o Governo no seu papel e torná-lo um

professores comunitários se não temos pessoal competente que possa

corrupto, ou seja, levando-o a desviar o orçamento de Estado para outros

fazer acompanhamento do trabalho que eles estão a desenvolver. Por isso,

fins. Porquê? Porque sabemos que a saúde e a educação são sectores

como disse, a metodologia que usamos para a mobilização comunitária

da responsabilidade do Governo, embora estejamos a trabalhar nestas

é uma metodologia conhecida.

áreas. Para que o nosso trabalho tenha um impacto desejável, temos a

Como sabem, em todo o lado podemos encontrar grupos de pessoas

obrigação de envolver o Governo como um parceiro responsável e tornar

muito comprometidas com a resolução dos problemas de uma determina-

claro que a nossa actividade é uma actividade complementar e nunca

da comunidade. Muitas vezes, o problema é não estarem organizadas. Por

de substituição do Governo no seu papel. Por isso, o Governo precisa de

isso, no levantamento inicial, o trabalho com a comunidade deve começar

ter um forte envolvimento e mostrar claramente que está interessado num

com a identificação desses grupos de pessoas. Depois da identificação

determinado programa para o qual avança com contrapartidas, para

dessas pessoas, começamos a criar aquilo a que nós chamamos de

tornar sustentável o trabalho das ONG. Por exemplo, como é que funciona

«focos de discussão» para resolver o problema da comunidade. Apenas

o caso da construção de unidades de saúde de base? O Governo solicita

quero sublinhar que o nosso papel nessa fase é apenas de facilitador. O

e a comunidade confirma solicitação ou vice-versa. Se nós decidirmos

grupo começa a discutir e a analisar os problemas que afectam a sua

que construímos a unidade de saúde básica, perguntamos ao Governo

comunidade. Analisam as formas como resolver alguns problemas com

qual será a sua contrapartida. O Governo avança como contrapartida

meios próprios. A partir daí, a Plan International começa a dar pequenos

a colocação de enfermeiros ou parteiras e a Plan International avança

apoios a nível da formação e qualificação do grupo, com vista a estender

com a construção, após concurso público. Dependendo da realidade

essa discussão ao nível mais alargado das comunidades, com particular

económica da comunidade, a Plan, no quadro da Iniciativa da Bamako,

ênfase sobre as questões ligadas aos direitos das crianças, particularmente

compra o primeiro lote de medicamentos que coloca na nova Unidade

os problemas que afectam a sua vida. Depois, o grupo, com a facilitação

de Saúde de Base. O Governo, através da Direcção Regional de Saúde,

da Plan, começa a dar os primeiros passos em direcção à mobilização

faz a formação e supervisão técnica e a Plan International realiza as

comunitária. Os resultados da mobilização comunitária vão guiar a Plan In-

formações na área de gestão comunitária e acompanhamento mais

ternational na definição das prioridades de uma determinada comunidade

próximo das actividades de desenvolvimento comunitário. Se o Governo

e assim começamos a negociar com a comunidade sobre as estratégias

não se comprometer, a Plan não avança. Porque, de facto, não sendo

e abordagens a seguir, para resolver os problemas identificados como

a Plan especialista na área da saúde, precisa de um acompanhamento

prioritários da comunidade. Por exemplo, a Plan pode pensar realizar os

próximo do Governo. Compram-se motorizadas para os inspectores ou

projectos da educação porque acha que é importante para as crianças

pessoal técnico de saúde, para realizar o acompanhamento e seguir passo

e a comunidade em geral, mas a comunidade pode ter outras preocupa-

a passo o trabalho que está a ser desenvolvido no terreno. No trabalho em

ções como a saúde das crianças ou questões ligadas a fornecimento de

parceria é extremamente importante envolver também outras ONG. Foi

água potável. Nessa situação, negociamos com a comunidade. A Plan

neste quadro que a Plan encontrou como parceiro a FEC, para assegurar

aumenta um pouco o seu orçamento e a comunidade fornece material

formação aos inspectores e directores das escolas, precisamente porque

inerte e mão-de-obra não especializada. Pelo facto de sermos detentores

não somos especialistas nessa área. Durante os três anos em que eu estive

de dinheiro, isso não nos dá direito de fazer as coisas que não têm «inte-


resse» para a comunidade. Caso contrário, corremos o risco de deixar a

Quero apenas mostrar que é importante envolver as comunidades desde

escola ou a Unidade de Saúde de Base equipados à sua sorte, sem utentes,

o início da concepção do próprio projecto, assim como na gestão e na

com infra-estruturas que não serão de ninguém e cujo material – como as

implementação. Os Planos de Desenvolvimento Comunitário são uma

carteiras e as camas – pode ser roubado precisamente porque não é de

compilação do diagnóstico dos problemas que existem na comunidade.

ninguém. É muito importante a questão da apropriação dos projectos por

O plano contém todos os problemas da comunidade e as estratégias

parte das comunidades, para garantir a sua sustentabilidade.

para abordar cada tipo de problema. É um documento da negociação

Os grupos formados participam activamente na elaboração do Plano

da comunidade. Não é necessariamente a Plan ou a FEC a investir nesses

de Desenvolvimento Comunitário da sua própria comunidade. Faz-se o

planos. Não! A comunidade pode usar o mesmo plano para desenvolver

chamado mapeamento comunitário, que consiste em saber/identificar

os projectos e para os negociar com outros doadores. Nós facilitamos a

tudo o que existe na comunidade. Com base nesses elementos, elabora-

comunidade a ter esse documento, porque não trabalhamos em todos

-se o plano de desenvolvimento comunitário. Neste momento, nem todas

os domínios – por exemplo, não trabalhamos no domínio da agricultura.

as comunidades têm esse plano. Depois do levantamento a nível da co-

Mas com esse documento a comunidade pode identificar outros doadores

munidade e da elaboração do plano de desenvolvimento comunitário,

com quem possam trabalhar no domínio A ou B.

procuramos primeiro dar formação, capacitar. Porque, como é sabido,

É muito importante, para concluir, que no trabalho de desenvolvimento, as

o factor número um da sustentabilidade de qualquer projecto, reside no

organizações assumam o papel de facilitadores. Devemos dar formação

factor humano. Se as pessoas não têm formação, se nós ao longo de um

às comunidades. Vejamos ainda, por exemplo, a questão do microcré-

projecto não desenvolvermos capacidades que depois assumam o tra-

dito na Guiné-Bissau: em muitas comunidades onde trabalhamos, não

balho que estamos a promover, o projecto termina e não se deixa nada.

damos dinheiro à comunidade para realizar o microcrédito. É a própria

Como disse um Velho numa das comunidades, nós estamos lá para os

comunidade que arranja o seu próprio dinheiro. As mulheres que traba-

ensinar a andar de bicicleta, e a partir do momento em que comecem

lham numa determinada actividade juntam mensalmente um valor que

a andar de bicicleta, já não precisam de nós, vão eles próprios começar

entregam a uma colega e, no mês seguinte, entregam a outra colega. É

a andar. Em cada comunidade existe um comité de gestão do projecto

a este processo que se chama na Guiné-Bissau «bota». Se uma das credo-

que participa no planeamento e na concepção de projectos, assim como

ras tiver dificuldade em ver a dívida saldada, é o mesmo grupo solidário

na sua gestão e implementação. O comité organiza periodicamente

que se junta de novo para ajudar e encontrar uma forma alternativa de

reuniões com a comunidade e, nas reuniões com os parceiros, leva as

pagamento desse empréstimo. Isto hoje em dia na Guiné é muito comum

preocupações das comunidades para que elas sejam tidas em conta.

e está a ajudar muitas mulheres a fazer poupança. Pode-se dar dinheiro,

Por exemplo, é o comité de gestão, com apoio técnico do funcionário

mas é importante perceberem como é que se faz a poupança, e como

da Plan International, que aprova os pagamentos que devem ser feitos.

podem resolver muitos problemas fazendo poupança. Ajudar a criar um

Se não ficar satisfeito com o trabalho da empresa, tem o poder de

grupo solidário é uma grande contribuição que se pode dar à Guiné-Bissau.

mandar suspender os pagamentos. Na Guiné-Bissau, os segredos geram

Porque, precisamente, são as mulheres que desempenham o papel de

muita especulação. Mas tudo o que for dito publicamente na reunião da

encarregadas de educação dos filhos.

comunidade, não gera nem especulação nem confusão. Por exemplo,

Minhas senhoras e meus senhores, era isto mais ou menos que eu queria

se se apresentar o orçamento de um projecto numa reunião comunitária

explicar, partilhar convosco esta experiência que tive o gosto de viver.

e com detalhes dos pagamentos que serão feitos, toda a comunidade

Muito Obrigado.

fica atenta e é muito difícil haver depois desvios dos objectivos iniciais.

113


A estas horas, o meu primeiro desafio vai ser manter-vos acordados. Conseguindo, terei a missão meio cumprida. Mais a sério, permitam-me felicitar a Fundação Evangelização e Culturas por este primeiro seminário nacional. E porque o facto de ser apresentado como o primeiro contém a promessa do segundo e seguintes, espero que continue mesmo. Gostaria de agradecer à administração da FEC pela oportunidade que me dá de participar neste encontro, que tem sido, do meu ponto de vista, muito rico desde o princípio da manhã, pois é de hoje que posso falar, uma vez que ontem não pude estar. E mesmo sem exageradas preocupações de ordem protocolar, seria injusto eu não agradecer à Dra. Sandra João e aos seus colegas da

114

O conhecimento para o diálogo social e o desenvolvimento André Corsino Tolentino Consultor do Banco Mundial

organização do seminário pela forma muito eficiente e hospitaleira como nos têm mantido aqui, e também por nos terem trazido a este ponto de encontro e de troca de sentimentos e ideias sobre como melhorar a visão de futuro e o que já se faz para dar conteúdo à solidariedade como um valor fundamental da sociedade que ajudamos a construir. Vou apresentar algumas ideias o mais sumariamente possível para poder deixar espaço ao diálogo, porque senão deixaremos de ter um seminário para termos um mero somatório de declarações mais ou menos pertinentes. De todo o modo, quando a Sandra João e eu chegámos à conclusão de que o tema «O conhecimento para o diálogo e o desenvolvimento» tinha boas probabilidades de ser oportuno, eu estava longe de pensar que já houvesse um consenso tão amplo e consolidado sobre a necessidade de discutirmos a questão do conhecimento para a cooperação e o progresso social. Através do enquadramento teórico feito ao longo da manhã de hoje, o segundo painel deu-me a impressão de que todos sentimos que, efectivamente, o conhecimento pode ser libertador e imprimir eficácia à nossa acção individual e colectiva e que, não sendo único nem exclusivo, é factor imprescindível de transformação social e de desenvolvimento. É este papel do conhecimento que eu gostaria de discutir convosco. Como não podemos falar de tudo ao mesmo tempo, teremos de escolher

painel 3. educação para o desenvolvimento e cooperação descentralizada: recursos e estratégias locais

algumas noções prioritárias e colocar balizas. Em primeiro lugar – já foi dito e eu estou apenas a expressar a minha concordância – não há desenvolvimento humano sem educação para todos. Nós podemos discutir sobre até que ponto a educação é eficaz, o que é que se deve fazer para a educação provocar o desenvolvimento, mas creio que hoje ninguém questiona


seriamente a importância fundamental da educação e do conhecimento

de baixa qualidade e em quantidade insuficiente.

para o desenvolvimento das pessoas e das comunidades. Portanto, do

Terceiro, quando falamos da educação, formação, transformação e

ponto de vista teórico, creio que a questão está esclarecida.

desenvolvimento, não estamos a pensar apenas na criação de capa-

Em segundo lugar, o que transparece da observação do dia-a-dia e tam-

cidade de produzir mais, de crescer mais depressa, de ter maior PIB, de

bém da pesquisa que se vai fazendo é que a educação está longe de

comprar e vender mais. Não, não é só com isso que nos preocupamos.

ser o factor único e exclusivo do desenvolvimento. E nós que vivemos nos

Sabemos que produzir mais é muito importante, é mesmo indispensável,

países realmente menos avançados em termos de educação, economia

mas há também que distribuir com crescente sentido de justiça e de soli-

e transformação social sentimos esta evidência. Há, como foi dito, «escola

dariedade, pelo que é necessário estabelecer mecanismos que permitam

de branco» na Guiné-Bissau, «escola de rei» em Cabo Verde, e outras

cada vez maior produtividade, melhor distribuição, melhor ambiente e mais

metáforas para espelhar noutros lugares a realidade da escola necessária

justas condições de vida para o maior número possível. Necessitamos de

mas que não é percepcionada pelas pessoas e comunidades como per-

conhecer e dialogar sobre produtos, relações e valores.

tencendo-lhes inteiramente. No fundo, o que as populações dizem é «isso

Ora, verificamos que esta visão implica compromissos entre pessoas, entre

aí não é a nossa escola, não nos identificamos com ela». Portanto, temos

grupos sociais e entre nações. Obriga a uma relação mais equilibrada

aqui uma interpelação fundamental. E quando olho para Cabo Verde e

entre a sociedade e o meio envolvente. Sim, eu sei, fala-se muito e faz-se

outros países africanos que tenho a oportunidade de visitar, ou sobre os

pouco pelo ambiente e pelo nosso amanhã comum, é uma espécie de

quais leio com mais frequência, verifico que existe mais educação a todos

moda. Como tal, tem o lado positivo de puxar o assunto para as primeiras

os níveis e, simultaneamente, há cada vez mais desertificação humana

páginas das agendas e a perversidade de esgotar as energias na conversa,

dos espaços rurais e maior caos nas cidades. Isto é, as pessoas, apesar de

criando a ilusão de que dizer substitui o resolver. Na verdade, o número

terem recebido mais instrução, apesar dessas nações terem investido cada

de discursos favoráveis ao ambiente aumenta exponencialmente, mas,

vez mais na educação, não receberam o conhecimento, a aptidão e os

quando nos aproximamos, o que vemos é que a capacidade de carga

valores para transformar a vida, melhorar as condições de existência e a

de uma ilha, de um pequeno país ou de uma região é menor a cada

sua relação com o meio envolvente e com o futuro a níveis satisfatórios.

dia que passa, o que se traduz em dificuldades acrescidas em satisfazer

Quais serão as causas destas discrepâncias persistentes?

as necessidades fundamentais da população que tem. Sentimos que

Entretanto, essas pessoas tomam o caminho da cidade, da emigração,

esse desequilíbrio entre a demografia e as condições naturais se agrava,

da second life (a vida virtual), do crime, etc.. Não é que se tenha a pre-

acelaradamente.

tensão de impedir o movimento do meio rural para o mundo urbano, de

E o agravamento desse desequilíbrio compromete o cumprimento do

uns países para outros ou subestimar as consequências das tecnologias

nosso dever de assegurar o futuro. Isto é, todos aspiramos a ter melhores

de informação e comunicação, em particular, da internet. O problema é

condições de vida do que as gerações que nos antecederam, mas, pro-

como reduzir a necessidade vital desses movimentos que são o resultado

vavelmente, esquecemo-nos com demasiada frequência da obrigação

de graves desequilíbrios estruturais. Portanto, nós verificamos que necessi-

que temos de, no mínimo, deixar às gerações futuras o equivalente àquilo

tamos de mais educação, mas principalmente, prioritariamente, de melhor

que herdámos das anteriores. Portanto, a nossa relação com o ambiente

educação e melhor formação pessoal e profissional, da educação que

afectará a existência das gerações futuras e não temos o direito de não

transforme as pessoas e as comunidades, acrescentando valor para alterar

tomar conhecimento desta verdade. Ora, estas realidades complexas

as condições e as regras de vida. Podemos concluir que, do ponto de vista

exigem decisões justas e eficazes que só podem ser tomadas com base em

teórico, a educação é imprescindível e que, na prática, temos educação

conhecimento sistematizado e numa consciência cívica construída.

115


116

Como é que estes conceitos e princípios se aplicam à cooperação? Antes

reduzir a probabilidade de fracasso? Investindo uma fracção maior do

de prosseguir, regressemos à origem do termo cooperar, lembrando que

financiamento na criação e gestão do conhecimento. Em dissertações

foi criado para expressar a ideia de operar conjuntamente, de participar

de mestrado, de doutoramento, de investigação-acção. Em certos casos,

na realização de obra comum. Com a entrada fulgurante da ideia de

como se disse a propósito de uma experiência da Câmara Municipal de

competir por tudo e por nada, a cooperação ficou mais confusa. Como

Cascais, promovendo a parceria entre estudantes e professores dos países

o Prof. Henrique Lopes lembrou há bocado, é a imagem do desequilíbrio

com interesse num projecto comum. Porquê, por exemplo, não dar mais

entre a mão que dá, mais acima, e a mão que recebe, mais abaixo, que

atenção à conservação dos relatórios de avaliação e de acompanha-

domina na comunicação social e se impõe à sociedade. Pois bem, por

mento dos projectos? Porquê não investir mais no conhecimento recíproco

definição, cooperar é colaborar em linha horizontal, numa espécie de jogo

das partes cooperantes? Muitos projectos têm como maior adversário o

no qual todos ganham e implica dependência e solidariedade recíprocas.

desconhecimento recíproco dos promotores.

Provavelmente, não há ninguém nesta sala que não tenha visto um ele-

Estamos de acordo, a cooperação deve servir para melhorar a vida de

fante, uma lebre, um cabrito ou mesmo um gato-branco, o tamanho não

uns e outros. Porém, como operar juntos sem construir códigos comuns que

importa. Porque existiram e continuam a existir, eis a questão. Em nome

tornem o diálogo possível e eficaz? A Professora Antónia Barreto tem razão,

da felicidade e da cooperação, cidadãos dos países de residência des-

muitas vezes nós falamos a mesma língua sem que isto possa significar que

tes bicharocos colaboraram, muitas vezes sem saber bem porquê, com

nos entendemos. Isto é, temos que nos conhecer para além do verbo,

cidadãos de outros países para os financiar e erguer. Porque é que depois

das palavras soltas, através daquilo que as palavras querem dizer em

do dinheiro gasto inutilmente, ou quase, nada acontece aos responsáveis

contextos específicos e, como sabemos, sempre em português, uma frase

pelo desperdício de dinheiro, expectativa, esperança e motivação? No

pode querer dizer uma coisa em Lisboa, outra em Bissau e ter um terceiro

meu entendimento, a principal causa desta situação é a ignorância oculta

sentido em Timor-Leste. A criação dos códigos comuns é fundamental e

no preconceito. Isto é, «eu não necessito de conhecer as razões nem as

só acontece na acção que respeita a memória.

expectativas do outro porque sei o que tem e o que lhe faz falta». Este

Os actores não-estatais organizados, um universo um pouco maior do

mesmo raciocínio se aplica ao conhecimento, às aptidões, competências

que as ONG e um nadinha menos vago do que a sociedade civil, têm

e capacidades. O cérebro no comando da mão que está acima é que

um papel fulcral na valorização e continuação da memória. Eu não vou

sabe e quem sabe tem poder. Resumindo, a cooperação genuína requer

deificar as Organizações Não Governamentais (ONG) nem os actores

conhecimento sistematizado, interdependência e solidariedade. Sem

não-estatais organizados (ANEO), porque ambos são feitos de criaturas

estes ingredientes, sem diálogo social eficaz, teremos ajuda, apoio ou

humanas como aquelas que trabalham nos organismos do Estado. Têm o

dádiva, mas nunca cooperação.

bem e o mal dentro. Mas a verdade é que, por terem funções e lógicas

Ora, frequentemente, os relatórios de avaliação de projectos de co-

diferenciadas, os actores não-estatais organizados, se forem enriquecidos,

operação omitem esta verdade. Porquê? Porque é preciso procurar

capacitados com o conhecimento, terão um papel complementar e

novos financiamentos, os interesses em torno dos projectos entretanto

insubstituível na sociedade.

diversificam-se e os interessados originários são metidos numa engrena-

Racionalidade sim, mas nada de subestimar o altruísmo, que terá sempre

gem que não dominam, sobretudo porque não têm o conhecimento

um lugar importante na nossa vida. Na verdade, a educação, que é um

necessário. E um projecto que não tem sustentabilidade para caminhar,

indiscutível factor de desenvolvimento pode, se não for colocada num con-

pelo menos mais cinco anos depois do financiamento externo terminar,

texto de mudança social com balizas éticas, transformar-se em fonte

não será um projecto falhado? É. Como é que, na minha opinião, se pode

de infinitas frustrações. A propósito de princípios e valores, gostei muito


da ideia de convidar migrantes e descendentes de migrantes para o

regional, o Instituto de África Ocidental. Se tudo correr bem, em 2010,

debate sobre a cooperação internacional e entre comunidades de cá e

quando o instituto for lançado, lembrar-se-ão deste dia.

de lá. Felizmente a FEC já o faz. A cooperação eficaz não tem de correr necessariamente no eixo Norte – Sul. O conhecimento de um caso bem ou mal sucedido entre Portugal e Guiné-Bissau pode ser importante para interessados em Cabo Verde, Holanda ou Suécia. Neste ponto, pergunta-se: não serão a desvalorização do conhecimento e a ausência de memória os maiores problemas do Sísifo da cooperação para o desenvolvimento? Na procura de resposta, não deveremos perder de vista a dependência e a solidariedade que caracterizam a verdadeira cooperação. A atitude de recolher para si os louros de um projecto bem sucedido e atribuir as culpas pelo insucesso de outro a uma das partes envolvidas não é decente, como não é, aliás, os contribuintes pobres dos países do Norte financiarem os vícios dos grupos predadores dos países do Sul. Dizendo isto, eu quero sublinhar a opinião segundo a qual a cooperação eficaz não dispensa o conhecimento das complexas relações internacionais nem dos mecanismos de financiamento dos projectos de desenvolvimento. Os cidadãos do Norte precisam, como os do Sul, de saber que estamos todos no mesmo barco e de conhecer, no mínimo, as regras básicas de salvamento. Curiosamente, a aceleração da globalização põe cada vez mais a nu a necessidade de olharmos mais seriamente para as comunidades deixadas à margem das grandes transformações à escala nacional e para as regiões da periferia dos grandes centros de decisão. Aquilo que dizemos dos projectos sem memória é aplicável às relações entre a investigação e as políticas públicas a nível nacional e regional. Em geral, mesmo nos países e regiões onde a política de investigação existe, ela não é eficaz, precisamente por falta de cooperação entre investigadores, decisores e organizações de controlo, nomeadamente da sociedade civil. Concluindo, gostaria de dizer-vos que considero o debate que a FEC propõe em torno da educação para a cidadania, a cooperação e o desenvolvimento tão oportuno que ando pessoalmente empenhado no reforço da componente conhecimento dos projectos locais e nacionais, assim como na criação de um centro internacional de pesquisa, diálogo social e acompanhamento das políticas públicas sobre a integração

117


Boa tarde a todos. Gostaria em nome da Câmara Municipal do Seixal de saudar e cumprimentar os participantes, ainda resistentes a esta hora, e de agradecer o convite que nos foi endereçado para participar neste Seminário Nacional, o que nos possibilitou uma partilha de experiências e ideias e uma reflexão sobre as temáticas propostas nos painéis. É com grande satisfação que aqui estou para apresentar estas conclusões e recomendações. E, acima de tudo, é uma grande honra para o Município do Seixal abraçar esta parceria, no âmbito do projecto Enlaces e, consequentemente, este desafio da Fundação Evangelização e Culturas. Julgo poder afirmar que este momento reflecte o resultado do trabalho que temos vindo a desenvolver em parceria junto da comunidade e que

118

Conclusões e Recomendações Corália Loureiro

Vereadora da Câmara Municipal do Seixal

se traduz numa mais-valia para o Município que represento. Tem sido esta a nossa forma de estar em termos de poder local democrático – nunca impor, mas sim construir. E este modo de estar também se verificou nas intervenções deste último terceiro painel. Os vários oradores, os vários intervenientes, chegaram quase todos a uma conclusão: devemos continuar a trabalhar em conjunto, em parceria, com uma responsabilidade partilhada de todos com todos. Só assim é que acreditamos ser possível fortalecer a educação e a cooperação para o desenvolvimento. Este certamente é o primeiro de muitos momentos que nos permitirão novos encontros, novas partilhas, novos parceiros, que nos permitirá conhecer e perceber o que cada um faz, valorizando, consolidando e reforçando o trabalho colectivo. No Município do Seixal, no âmbito da cooperação e da educação para o desenvolvimento, temos tido sempre uma inteira disponibilidade para trabalhar em parceria no sentido de reforçar o diálogo intercultural. Exemplo do caminho que temos vindo a percorrer no nosso município, nestas áreas, é o projecto Povos, Culturas e Pontes, com um importante papel ao nível da promoção, aprendizagem e integração no seio escolar das várias culturas em presença no território. Com um site interactivo, através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), este projecto liga as escolas do município, o que permite um melhor conhecimento da nossa comunidade educativa e das nossas gentes, integrando os jovens filhos

encerramento

de imigrantes no nosso concelho, mas também criando pontes com a comunidade da Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, que visam a ligação


destes jovens ao seu país de origem, via escola.

protocolo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nesta matéria). Este

Porquê a Boavista? Porque também foi com a Boavista que começámos

destaque apenas significa que a nossa visão estratégica, técnica e política,

a desenvolver o nosso primeiro projecto de cooperação e geminação em

resultou numa boa prática que veio a ser seguida – e bem – por outros

1990. É um projecto de cooperação e desenvolvimento que construímos

municípios. De referir também que o Espaço Cidadania está integrado

com a comunidade local, com a comunidade do Seixal, mas também

numa estrutura da Câmara Municipal, o nosso Gabinete de Cooperação

com a comunidade da Boavista. Não foi nada imposto, não foi nada que

e Desenvolvimento Comunitário – aqui com uma palavra de muito apreço

saísse unilateralmente do Seixal. Foi, acima de tudo, perceber a Boavista,

para o trabalho de toda a equipa técnica, e em especial à Dra. Helena

ver com a comunidade local quais as necessidades e os desafios que se

Palacino, que coordena este gabinete e cuja colaboração tem sido fun-

colocavam aos dois municípios. Esta geminação permitiu-nos intervir ao

damental para a concepção e realização de todo este trabalho.

nível das infra-estruturas e do saneamento, da educação, da cultura, do

No âmbito da cooperação para o desenvolvimento, para além deste

desporto, da saúde, entre outras áreas de actuação. Começámos com a

trabalho com o município da Boavista, temos outros acordos firmados: com

electrificação de uma povoação; com o asfaltamento de várias estradas;

a Beira (Moçambique), com o Lobito (Angola), com S. Tomé e Príncipe,

com uma intervenção num poço numa pequena aldeia na Bufareira onde

no distrito da Lobata, e permito-me aqui destacar o trabalho conjunto

se verificava o consumo de água sem qualquer tratamento e imprópria

que resultou na construção da primeira biblioteca na Lobata. Para além

para a saúde; com uma intervenção na área da saúde com os agentes

dos dois municípios envolvidos, tivemos ainda como parceiro o Instituto

sanitários; com uma intervenção na educação tanto com professores da

Português do Livro e da Biblioteca.

Boavista, como com professores do município do Seixal. Proporcionámos

Conclui-se, portanto, que este tem sido um trabalho muito enriquecedor

também estágios profissionais – nas áreas da saúde, educação, serralharia,

para as próprias comunidades locais. Dizer-vos que presentemente temos

mecânica, entre outros – que se concretizaram com o apoio da nossa

no concelho do Seixal cerca de 150 mil habitantes e que cerca de 15%

autarquia à vinda de habitantes da Boavista para o município do Seixal,

pertencem às comunidades imigrantes, com um destaque muito grande

que resultou numa aprendizagem mútua tanto do Seixal como da Boavista

para a comunidade Cabo-verdiana – temos a segunda maior comunidade

e, consequentemente, numa mais-valia para as duas comunidades.

Cabo-verdiana do país, temos a segunda comunidade maior Ismaelita,

Depois, com o próprio projecto Enlaces, com uma nota, como eu disse

temos uma das maiores comunidades Ciganas do país. É um território com

inicialmente, muito positiva para a comunidade local, com as várias ac-

uma grande diversidade cultural, que tem enriquecido a cultura local e

ções que temos vindo a desenvolver no âmbito do Março Jovem, do Dia

que faz parte do nosso grande património. Consideramos que esta diversi-

Municipal da Comunidade Migrante, no trabalho com algumas escolas

dade cultural concorre de forma muito expressiva para o desenvolvimento

do primeiro ciclo, criando um grupo interdisciplinar e numa interligação

sustentável e integrado do nosso Município. Consideramos que, acima de

com a educação para o desenvolvimento e também com o nosso Espaço

tudo, tem sido uma responsabilidade partilhada, uma responsabilidade de

Cidadania.

todos, e que cada vez mais tem de ser assumida desta forma.

O Espaço Cidadania constitui uma boa prática de trabalho nestas áreas.

Agora sim, e depois deste apontamento que considerei justo fazer prin-

Foi um projecto-piloto a nível nacional, um projecto que foi disseminado

cipalmente pelo trabalho da nossa comunidade local, do esforço diário

pelo Seixal para outros municípios, um espaço de apoio à nossa comuni-

das nossas associações e de todos aqueles por quem e com quem nós

dade migrante, com várias valências, uma UNIVA, apoio jurídico, uma rede

trabalhamos, vou passar a apresentar as conclusões e as recomendações

de trabalho interinstitucional e intersectorial com o Serviço de Estrangeiros

que resultam deste seminário. Evidentemente que poderão não estar

e Fronteiras (de sublinhar que fomos o primeiro município do país a fazer um

aqui todas e poderão não dar visibilidade de tudo o que aconteceu. São

119


aquelas que se consideram essenciais e fundamentais e que resumem o

desenvolvimento global sustentado;

trabalho profícuo destes últimos dois dias. Relativamente às recomenda-

– Criar e/ou promover uma rede multi-sectorial de parceiros locais, do Norte

ções, estou convicta que cada um de vós as irá abraçar da melhor forma,

e do Sul, para uma melhor rentabilização de recursos financeiros, humanos

adequando-as à sua própria comunidade, tendo em conta este projecto

e materiais, quer ao nível da cooperação, quer ao nível da educação

e no âmbito desta parceria com a própria Fundação. Dito isto, passo a

para o desenvolvimento;

apresentar as seguintes:

– Criar e/ou potenciar mecanismos de diálogo e concertação entre todos os actores envolvidos ao nível da intervenção;

Conclusões

– Prever a educação para o desenvolvimento na definição da estratégia de cooperação descentralizada, como processo privilegiado para forta-

120

– A vontade política é determinante para a sustentabilidade de projectos

lecer a participação dos cidadãos;

de cooperação para o desenvolvimento;

– Promover estruturas que permitam a participação activa dos cidadãos

– As autarquias detêm um papel preponderante na condução de acções

nos processos de desenvolvimento;

de cooperação e de educação para o desenvolvimento, pela sua capa-

– Integrar a abordagem de educação para o desenvolvimento nas inicia-

cidade de assertividade e proximidade com as pessoas;

tivas locais de cariz cultural, educativo e recreativo.

– Existem constrangimentos financeiros e humanos que limitam a acção dos intervenientes na cooperação;

São estas as conclusões e as recomendações. Desde já, fica uma res-

– Na base da cooperação descentralizada existe uma multiplicidade

ponsabilidade colectiva acrescida para todos os que participaram neste

de factores, muitas das vezes associados à dimensão emocional e inter-

seminário, mais concretamente para todos aqueles que detém responsa-

pessoal dos agentes impulsionadores deste processo. O que inicialmente

bilidades técnicas e políticas, e que requer todo um trabalho assente na

pode ser um factor de aproximação e criação de expectativas, se não

concertação, no esforço e no diálogo entre os seus diversos intervenien-

for devidamente institucionalizado, mais tarde pode colocar em risco a

tes, nomeadamente, autarquias, associações, fundações, organizações

sustentabilidade do processo;

não governamentais, empresas e outros. É importante, também, tornar

– A constituição de uma rede de parceiros é indiscutivelmente um factor

cada cidadão cúmplice deste processo, de forma solidária. Vivemos

de sucesso na cooperação descentralizada;

num mundo cada vez mais interdependente, pelo que é fundamental

– A cooperação descentralizada deve ser entendida como um processo

cultivar e explorar as afinidades que nos unem para relançar uma política

de parceria efectiva onde ambos os lugares, Norte e Sul, são implicados

de educação e de cooperação para o desenvolvimento enriquecida,

e afectados.

cuja componente ética, cultural e humana saia reforçada através de um planeamento e coordenação eficiente que permita colher vantagens

Recomendações

mútuas da aproximação dos povos. É neste contexto que as parcerias e o diálogo intercultural se apresentam como um factor de paz e inclusão

– A cooperação intermunicipal deve ser encarada e valorizada como um

social que importa continuar a promover e a desenvolver.

instrumento fundamental para o desenvolvimento local e regional;

Muito obrigada a todos.

– O papel dos Municípios na cooperação para o desenvolvimento deve ser reconhecido e apoiado no quadro da Cooperação Oficial Portuguesa, passando a parceiros de pleno direito na estratégia nacional para o


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