Ghilardi et al 2007

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ISBN 978-85-7193-185-5 – Editora Interciência 2007

Paleontologia: Cenários de Vida

PALEODESIGN: UMA NOVA PROPOSTA METODOLÓGICA E TERMINOLÓGICA APLICADA À RECONSTITUIÇÃO EM VIDA DE ESPÉCIES FÓSSEIS PALEODESIGN: A NEW METHODOLOGICAL AND TERMINOLOGICAL SUGGESTION APPLIED IN LIFE RECONSTITUTION OF FOSSIL SPECIES Renato Pirani Ghilardi1, Rodolfo Nogueira Soares Ribeiro2& Felipe Alves Elias3 1

Depto. de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências, UNESP-Bauru, CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil

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Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP-Bauru, CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil

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Núcleo de Evolução e Paleobiologia de Vertebrados, IGCE. UNESP-Rio Claro, CEP 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil E-mail: ghilardi@fc.unesp.br, rodolfo_nogueira@hotmail.com, felipe_spinosaurus@yahoo.com.br

RESUMO A arte aplicada à Paleontologia é uma interface fundamental na disseminação do conhecimento acerca do processo evolutivo da vida em nosso planeta. Qualquer tentativa de reconstituição em vida de espécies fósseis necessita estar embasada nos conceitos e técnicas aplicadas do campo da arte em equilíbrio com o trabalho acadêmico. De maneira a aperfeiçoar esta concordância faz-se necessária uma padronização metodológica e terminológica. Este trabalho propõe, pois, uma nova metodologia para a representação em vida de espécies extintas e seu habitat através do uso das ferramentas de modelagem virtual e ilustração digital. Também discute a utilização de diversos termos referentes à intervenção artística na Paleontologia, propondo, entre eles, “paleodesign” para designar a concepção estética seguindo princípios básicos da Anatomia Comparada, Biomecânica e Morfologia Funcional. Palavras-chave: Paleodesign, escultura digital, metodologia

ABSTRACT The art applied to Paleontology is a basic interface in the dissemination of the knowledge concerning the evolution process of the life in our planet. Any attempt of life reconstitution concerning fossil species should be based in the concepts and applied techniques of the art field in balance with the academic work. In a form to perfect this agreement a methodological and terminological standardization is necessary. This work considers, therefore, a new methodology for the life representation of extinct species and their habitat through the use of the tools of virtual modeling and digital illustration. It also argues the use of diverse referring terms to the artistic intervention in Paleontology, considering, between them, “paleodesign” to assign the aesthetic conception following basic principles of the Compared Anatomy, Biomechanic and Functional Morphology. Key-words: Paleodesign, digital sculpture, methodology


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1. INTRODUÇÃO Várias são as maneiras de se obter informações a partir do registro fóssil. A análise morfofuncional de estruturas preservadas, por exemplo, permite inferências sobre aspectos biomecânicos inerentes aos organismos em estudo e conseqüentemente pode trazer informações sobre habilidades locomotoras, especializações alimentares e toda uma gama de dados fundamentais à compreensão biológica e ecológica do organismo em questão (Alexander, 1989; Ghilardi, 1999). Da mesma forma, outros enfoques de análise, como a Estratigrafia, a Sedimentologia e a Tafonomia também podem representar importantes ferramentas na reconstituição do ambiente de vida de organismos pretéritos através do estudo da composição e padrões de estruturação das camadas sedimentares, das rochas e dos processos que envolveram a morte, eventual transporte, deposição e preservação dos restos mortais destes organismos (Holz & Simões, 2002, 2004; Simões & Holz, 2004; Rohn, 2004). Contudo, nem todas as feições biológicas de um organismo são facilmente preservadas. Registros de tecidos orgânicos não-mineralizados são freqüentemente perdidos ao longo dos processos preservacionais (Holz & Simões, 2002; Cassab, 2004). Do mesmo modo, salvo alguns registros icnológicos pontuais, aspectos etológicos, como comportamento reprodutivo, alimentar ou social, carecem ainda mais de evidências para sua total compreensão (Benton, 1997; Carvalho & Fernandes, 2004). Ainda que todas as informações sobre a fauna e flora pretéritas, sua ecologia e sucessão estivessem disponíveis, tais dados não seriam passíveis de visualização sem uma tradução visual apropriada através da arte aplicada à pesquisa paleontológica. Considerando tal fato podemos dizer que a paleoarte, a paleoreconstrução e a paleoreconstituição, termos mais freqüentemente aplicados a este tipo de abordagem visual, são interfaces imprescindíveis no processo de disseminação do conhecimento acadêmico através do público leigo (Paul, 2003a, b). Como formas de representação visual aproximada de espécies e paisagens de tempos passados, buscam na utilização de dados científicos e canais artísticos a recriação destes organismos e ambientes de forma mais fidedigna possível. No processo de reconstituição de espécies fósseis, a ciência deve buscar o suporte e técnica das artes visuais para criar um perfeito veículo de expressão (Munari, 1989). Entretanto a arte neste caso, sem o devido embasamento científico, pode tornar-se dedutiva e pouco consistente. Ambas parecem manter uma relação de dependência mútua e intrínseca quando na reconstituição de espécies fósseis de qualquer natureza. Um artista que não detenha um forte embasamento científico ou que não domine a técnica e a sensibilidade exigidas pela arte, encontra-se fadado a uma produção pobre na transmissão do conhecimento. Habilidade e técnica pouco significam em uma situação como esta, especialmente na ausência de um conhecimento global e integrado entre arte e ciência por parte do artista. Pode-se citar como parâmetros igualmente fundamentais para a execução satisfatória da modalidade supracitada a terminologia padronizada, assim como uma metodologia apropriada. Ambos os fatores têm como finalidade a organização dos procedimentos adotados e o intercâmbio entre artistas e profissionais acadêmicos. Sendo assim, é nítida a necessidade de um aperfeiçoamento das técnicas de representação de animais extintos através do estabelecimento de termos adequados. Tal objetivo tem caráter fortemente


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interdisciplinar, incluindo áreas como a Paleontologia, Biologia Evolutiva, Anatomia Comparada, Geologia, Artes e Design Gráfico. O presente trabalho objetiva propor uma metodologia para reconstituição em vida de espécies fósseis, assim como a utilização de uma ferramenta capaz de oferecer resultados bastante satisfatórios e de grande dinamismo: a modelagem digital. Pretende-se também, discutir a atual convenção de termos aplicada à modalidade e a necessidade de uma padronização terminológica para a mesma.

2. JUSTIFICATIVA A realização do estudo se pauta em duas causas principais. A primeira é a função primordial que a arte ou design, aplicados à paleontologia, é inerentemente o único conjunto de linguagens que permite a reconstituição da vida já extinta para fins visuais. A segunda é a necessidade do estabelecimento de um conjunto de métodos próprios a fim de aperfeiçoar cada etapa do processo de criação e execução de reconstituições em vida de espécies fósseis, quadro este ainda não atuante dentro do cenário brasileiro. A Paleontologia, como toda a ciência atuando dentro de seu papel social (Chalmers, 1976), não deve limitar a disseminação de informação ao círculo acadêmico. É imprescindível que este conhecimento abranja outras esferas da sociedade. Obviamente que tal transmissão requer uma adaptação na linguagem de modo que a informação técnica possa ser facilmente absorvida pelo público não-especializado. O design nesta esfera cumpre assim um papel indispensável na educação, constituindo o canal visual entre o acadêmico e o leigo. Tendo em vista tais responsabilidades e conscientes de que a proposta aqui apresentada fundamenta-se na arte e ciência atuando de forma interdependente, é coerente afirmar que quanto maior o domínio das técnicas de representação artísticas assim como dos métodos de investigação cientifica de modo a se obter a maior quantidade de informações possível, mais didática e rica será a representação. O quadro de artistas especializados e atuantes no Brasil é até o presente momento pequeno, e a arte aplicada à Paleontologia permanece de certo modo obscura dentro do cenário acadêmico assim como entre setores da educação diretamente interligados. Contudo, a crescente projeção desta modalidade dentro e fora do círculo científico, através dos trabalhos desenvolvimento nos museus, exposições itinerantes, publicações de divulgação científica e produções para a televisão, vem atraindo um novo e expressivo contingente de artistas ou entusiastas, que visam ocupar um espaço profissional diretamente ligado ao cenário acadêmico. Pode-se interpretar tal fenômeno como positivo, uma vez que um crescimento expressivo deste contingente pode representar o primeiro passo para o definitivo reconhecimento profissional dos artistas dedicados a esta modalidade de trabalho. Contudo, a ausência de habilidades técnicas e/ou acadêmicas apropriadas pode representar um comprometimento sério na qualidade das reconstituições em vida destes organismos. Como resultado tem-se ilustrações ou esculturas, digitais ou manuais por vezes excessivamente dedutivas, anatomicamente exageradas ou até mesmo cientificamente incorretas. As representações assim tornam-se insatisfatórias, tanto do ponto de vista técnico quanto didático.


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Dentro deste cenário, o desenvolvimento de uma metodologia de execução de reconstituição de espécies fósseis em vida se faz necessário, aperfeiçoando o processo em todas as suas etapas e resultando em um produto final cientificamente viável e mais fidedigno. Artistas atuantes podem beneficiar-se através do aperfeiçoamento das técnicas já utilizadas por eles, ampliando assim sua gama de ferramentas e veículos de expressão, além da possibilidade de elevação da qualificação profissional que permitirá inseri-los no mesmo quadro de atuação de nomes mais experientes.

3. PROPOSTA TERMINOLÓGICA Na ausência de um termo acadêmico próprio, qualquer trabalho envolvendo reconstituição em vida de espécies fósseis ou paleoambientes há muito é designado, ainda que em caráter informal, como paleoreconstituição, paleoreconstrução, paleorestauração ou simplesmente paleoarte. Diante na inexistência de um fator de regulamentação ou padronização terminológica no círculo acadêmico e profissional, tais termos são utilizados freqüentemente em discordância. Não raras são as situações em que um mesmo termo pode ser aplicado em diferentes circunstâncias, de acordo com a interpretação pessoal do profissional ou orientador acadêmico. Igualmente freqüente é a utilização dos referidos termos para caracterizar reproduções fidedignas de peças fósseis originais, de caráter primariamente didático e descritivo. Neste sentido, tais trabalhos podem ser definidos como subordinados ao âmbito da ilustração científica, modalidade artística não motivada pela preocupação estética ou expressiva, mas sim informativa, dissecando a realidade presente destas peças. Qualquer representação artística que busque motivação além dessa realidade não pode ser inclusa na esfera da ilustração científica. Diante deste quadro, aqui se propõe uma distinção terminológica para os diversos níveis de representação estrutural de espécies fósseis que não possam ser definidos dentro do escopo da ilustração científica. Partindo da definição semântica de reconstruir, embasada no princípio da reorganização (Houaiss, 2001), entende-se como sendo mais indicada a restrição do termo paleoreconstrução para representações que envolvam a organização estrutural de partes isoladas ou articuladas de um espécime fóssil completo, incluindo a tentativa de estabelecimento, dentro dos princípios biomecânicos e morfofuncionais, de uma postura articulada em vida. Seguindo a mesma linha argumentativa e tendo como base a definição semântica de restaurar (Houaiss, 2001), sugere-se aqui a utilização do termo paleorestauração como designativo de trabalhos direcionados a uma recuperação visual de estruturas deformadas por processos preservacionais. Por fim, mas ainda compondo o mesmo escopo, propõe-se a restrição do termo paleoreconstituição como designativo de qualquer trabalho que exija a inclusão de parcelas da estrutura corpórea do espécime em estudo não preservadas no registro fóssil. Partindo do significado semântico de reconstituir, que envolve a recriação de algo então não mais existente (Houaiss, 2001), a paleoreconstituição assim distingue-se dos termos supracitados por buscar subsídio de informação em fontes além da realidade observada no fóssil em estudo. Tendo como fundamento os princípios básicos da Anatomia Comparada, encontramos no trabalho de paleoreconstituição uma poderosa ferramenta de projeção da estrutura corporal em vida de um organismo fóssil.


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Embora as fronteiras conceituais dos termos até aqui propostos pareçam tênues, suas aplicações no âmbito acadêmico são bastante óbvias. Sua importância pode ser refletida em uma ampla variedade de modalidades de investigação. Do ponto de vista cladístico, por exemplo, podem auxiliar na enumeração de caracteres importantes dentro do quadro analítico, estes não facilmente visíveis em espécimes demasiadamente deformados, fragmentados ou depositados em coleções científicas de difícil acesso. Por outro lado, podem representar apreciáveis fontes de informação para a criação de simulações virtuais em estudos de ordem biomecânica. Estes são apenas dois exemplos simples de aplicação direta, mas suficientes para justificar sua importância potencial no quadro de pesquisa acadêmica. O presente trabalho propõe também a inclusão de um novo termo, paleodesign, caracterizador de toda a tentativa de representação da aparência externa em vida de qualquer organismo fóssil envolvendo um estudo detalhado de técnicas, suportes e dados referentes à morfologia, fisiologia e ecologia do organismo. Munari (1989) define design como a junção do raciocínio lógico aos conceitos de estética e funcionalismo. Strunck (2001), de forma adicional, dimensiona o termo como arte aplicada a um objetivo claro e concreto, oferecendo soluções. Tendo como subsídio os conceitos estabelecidos por estes dois autores, podemos entender que a tentativa de conceber uma aparência em vida aproximada de uma espécie fóssil seguindo uma metodologia apropriada e tendo como base a informação científica é, portanto, design aplicado à Paleontologia. Diferindo da simples expressão artística moldada pela elucubração dos profissionais da arte e da ciência porventura envolvidos, o paleodesign pode ser compreendido como a junção da sensibilidade estética com a sólida orientação da base acadêmica, no intuito de se estabelecer uma concepção estética de qualquer espécie fóssil em questão dentro ou fora de seu provável paleoambiente o mais próxima possível da realidade outrora existente. Adicionalmente, sugere-se também a manutenção do termo paleoarte, ampliando seu significado através da abrangência dos termos paleoreconstrução, paleorestauração, paleoreconstituição e paleodesign. Paleoarte, portanto, poderia ser definida como um conjunto de técnicas ou modalidades direcionadas à concepção de modelos estruturais de espécies fósseis, com finalidade acadêmica, didática ou apenas estética.

4. PROPOSTA METODOLÓGICA A proposta metodológica aqui apresentada estrutura-se como um processo básico de quatro etapas concentradas na concepção visual de uma espécie fóssil em vida (paleodesign), podendo resultar em uma representação do organismo isolado ou, dentro das possibilidades, associada a seu paleoambiente original (Figura 1). A princípio cada etapa metodológica foi estabelecida no intuito de auxiliar o processo de estudo, criação e execução de representações visuais no âmbito dos paleovertebrados. Contudo, sua plasticidade permite uma perfeita adaptação em estudos conceituais desenvolvidos a partir de praticamente qualquer grupo fóssil. Salienta-se que a terceira e quarta fases deste estudo são direcionadas para a aplicação estrita na modelagem digital; contudo, os princípios básicos da metodologia proposta, em especial aqueles


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apresentados nas duas primeiras etapas, permitem um adequado suporte dentro de qualquer modalidade técnica escolhida pelo artista, seja ela a ilustração ou escultura, manual ou digital. Segue abaixo a explanação de cada fase e suas etapas de desenvolvimento.

4.1 BRIEFING Segundo Strunck (2001), briefing pode ser compreendido como a reunião de todos os dados necessários à execução bem sucedida de um projeto ou atividade vigente. A concepção visual de uma espécie fóssil em vida integrada ao seu provável paleoambiente depende de inúmeros fatores associados e de uma grande quantidade de informações obtidas a partir de dados oriundos da análise direta dos fósseis, dos registros sedimentares e da analogia com espécies viventes. Briefing neste contexto pode ser compreendido como a primeira etapa metodológica aplicada, correspondendo à compilação máxima de todos os dados científicos disponíveis ao espécime em questão e seu respectivo paleoambiente. Inclui-se nesta etapa a revisão bibliográfica, a análise morfoanatômica, assim como investigações de ordem sedimentológica, estratigráfica e tafonômica. O briefing, a partir deste momento, assume uma nova face, através da análise e correlação de todos os dados passíveis de observação no espécime de interesse. A informação deve passar por um rigoroso processo de triagem e ordenação, para que as evidências possam ser adequadamente analisadas e, com o auxílio dos mecanismos de analogia com formas modernas filogeneticamente ou ecologicamente próximas, gerar interpretações factíveis quanto à provável aparência, nicho ecológico e paleoambiente originais.

4.2 PROJEÇÃO ORTOGRÁFICA Na segunda fase devem ser gerados esboços do esqueleto, musculatura e tegumento em vários ângulos. De fato, essa fase só pode ser realizada tomando por base, as informações adquiridas na primeira fase. Inicialmente visa-se a realização de várias representações esquemáticas. Primeiramente ilustrase o esqueleto para complementá-lo com o sistema muscular e finalmente com a textura e cor do tegumento. As ilustrações são realizadas obedecendo ao sistema de projeção cilíndrico ortogonal com as vistas ortográficas frontal, superior e lateral, necessariamente (Oliveira, 1980). Eventualmente, outras projeções podem ser feitas explicitando detalhes como, por exemplo, olhos, dentes, derme, etc.

4.3 MODELAGEM Simulando a realidade através de modelos tridimensionais virtuais, a modelagem digital possibilita um dinamismo em relação a movimento, iluminação, textura e cor. Aplicada na reconstituição de seres fósseis, pode apresentar resultados bastante satisfatórios. Utilizando as ilustrações da segunda fase como referência, recomenda-se o uso do pacote de software gráfico Pixologic ZBrush 2.0: Pixologic Inc., 2004, por possibilitar a criação e manipulação de


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objetos tridimensionais com alta resolução de maneira rápida e sem exigir grande capacidade de hardware. Adicionalmente, o recurso ZSphere incluso nesse pacote permite um aperfeiçoamento na criação de malhas primárias (estruturas base), além da movimentação de partes isoladas servindo como “esqueleto virtual”. Outro recurso de especial interesse é o Projection Máster, que tem como característica a facilidade na aplicação de textura e cor diretamente sobre a superfície tridimensional do modelo. A etapa de modelagem virtual pode ser sumarizada em três estágios fundamentais: (a) Modelagem da estrutura básica do espécime fóssil através da agregação de ZSpheres, na qual volumes são gerados com base na agregação de nódulos esféricos ligados entre si por Links. Posteriormente aquelas podem se transformar em uma superfície poligonal de densidade variável, constituída por pequenos planos formados por pontos interconectados. A malha poligonal se adapta as esferas como um envoltório plástico. (b) Escultura e detalhamento da malha primária. O Zbrush permite a modelização da malha poligonal de forma análoga, dentro de um contexto concreto, a uma argila. A estrutura modelada na etapa anterior será gradativamente detalhada, criando-se assim, o volume dos músculos, bem como todas as características pertinentes à anatomia do organismo compiladas e interpretadas nas etapas anteriores. (c) Texturização do modelo, estágio no qual deverá ser aplicada textura do tegumento e cor à malha poligonal supracitada, tendo como base os esboços iniciais gerados através da projeção ortográfica. Para isso recomenda-se a utilização do recurso Projection Máster, que permite a pintura diretamente sobre o objeto tridimensional, assim como a utilização de uma variedade de formatos de ferramentas de texturização da malha.

4.4 RECONSTITUIÇÃO PALEOAMBIENTAL Do mesmo modo que um organismo vivo não pode ser interpretado isoladamente de seu hábitat natural, as espécies fósseis representam o testemunho de organismos viventes em tempos pretéritos que certamente habitavam diferentes tipos de ambientes. Neste sentido, o processo de concepção visual em vida de um organismo fóssil não poderia ser entendido como completo sem que no processo estivesse inclusa a reconstituição paleoambiental apropriada. Esta é uma etapa que merece uma especial atenção, pois ainda que todo o processo de concepção física do organismo em questão esteja dentro de padrões técnicos e científicos apropriados, sua inserção em um contexto paleoambiental inapropriado compromete a qualidade do produto final. Deste modo, uma vez reunidos e interpretados todos os dados paleoambientais possíveis no estágio de briefing, a quarta fase pode ser compreendida como a geração de uma imagem fidedigna do provável hábitat natural do espécime alvo, concluída com a posterior inserção do modelo tridimensional na mesma. Referências em ambientes atuais análogos podem representar um importante suporte ao procedimento, desde que seja tomada especial atenção às sutis semelhanças e/ou diferenças, tais como vegetação, topografia, hidrografia e etc. Havendo necessidade, imagens reais podem ser, através da fotomanipulação, adaptadas às necessidades do processo. Recomenda-se para este trabalho a utilização de softwares gráficos como


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Adobe Photoshop CS2 9.0: Adobe Systems Incorporated, 2005, e CorelDraw 12, Version 12.0: Corel Corporation, 2003. O cenário final pode ser igualmente gerado através de ilustração digital e/ou manual digitalizada. Finalmente deve-se simular a interação do espécime com ambiente, criando sombras, reflexos e eventuais reações do ambiente como poeira ou o movimento de água ou plantas, por exemplo. As etapas de trabalho, dessa maneira, dependem uma da outra para sua perfeita realização. A Figura 1 mostra um fluxograma resumido de todas as fases para a realização do trabalho.

Figura.1: Fluxograma com etapas de trabalho

5. CONCLUSÃO O cenário nacional de atuação profissional na área da arte aplicada à Paleontologia traz à tona a necessidade de um aperfeiçoamento metodológico aplicado e um refinamento da terminologia vigente, de maneira a adequar o quadro atual à modernização tecnológica e ao surgimento de novas tendências. Aplicado à Paleontologia, o design desenvolvido a partir de um conjunto de métodos pré-definidos poderá ampliar seu raio de atuação em caráter acadêmico e social, aperfeiçoando-se como veículo de construção e disseminação de conhecimento. Do mesmo modo, um refinamento da terminologia aplicada poderá beneficiar o intercâmbio de informações e técnicas entre artistas e consultores científicos, aperfeiçoando a transmissão do conhecimento dentro do círculo profissional e assim otimizando o desenvolvimento da modalidade em âmbito acadêmico e educacional.


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Por fim, profissionais atuantes poderão encontrar na padronização metodológica formas de aperfeiçoamento e dinamização técnica, da mesma forma que artistas ingressantes, um sólido suporte de qualificação para sua inclusão no quadro profissional.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alexander, R. M. 1989. Dynamics of Dinosaurs and Other Extinct Giants, Columbia University Press, New York, 167p. Benton, M. J. 1997. Vertebrate Paleontology, London, Harper-Collins, 377p. Carvalho, I. S. & Fernandes, A. C. S. 2004. Icnofósseis. In: CARVALHO, I. S. (ed.). Paleontologia, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Interciência, p. 143-169. Cassab, R. C. T. 2004. Objetivos e Princípios. In: CARVALHO, I. S. (ed.). Paleontologia, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Interciência, p. 03-11. Chalmers, A. F. 1976. O que é ciência afinal?, São Paulo, Ed. Brasiliense, 226p. Ghilardi, R. P. 1999. Paleoautoecologia dos bivalves do Grupo Passa Dois (Neopermiano), no estado de São Paulo: bivalves fósseis como indicadores da dinâmica sedimentar. Programa de PósGraduação em Geociências, Universidade de São Paulo, Dissertação de Mestrado, 162p. Holz, M. & Simões, M. G. 2002. Elementos fundamentais de tafonomia, 1ª ed., Porto Alegre, Ed. UFRGS, 231p. Holz, M. & Simões, M. G. 2004. A estratigrafia de seqüências e o registro fóssil. In: CARVALHO, I. S. (ed.). Paleontologia, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Interciência, p. 75-92. Houaiss, A. 2001. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª ed., Rio de Janeiro, Objetiva, 3008p. López, C.; Alcala, L.; Berges, L.; Yoldi, V.; Cobos, A. & Royo, R. 2005. Nuevas perspectivas en la reconstrucción de dinosaurios 3D. In: CONGRESSO INTERNACIONAL CONJUNTO INGEGRAF, 17 / ADM, 15, Sevilla, 2005. Disponivel em: <http://www.ingegraf.es/ingegraf/ pdf/titulos/titulos_ing.pdf>. Acesso em: Julho 2006. Munari, B. 1989. Design e comunicação visual: Contribuição para uma metodologia didática, 1ª ed., São Paulo, Ed. Martins Fontes, 345p. Oliveira, M. S. M. 1980. Desenho Técnico, São Paulo, Ed. F.T.D., 191p. Paul, G. 2003a. Restoring the Life Appearances of Dinosaurs. In: PAUL. G. (ed.). The Scientific American Book of Dinosaurs, New York, Byron Preiss, p. 78-106. Paul, G. 2003b. A Quick History of Dinosaur Art. In: PAUL, G. (ed.). The Scientific American Book of Dinosaurs, New York, Byron Preiss, p. 107-112.


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Rohn, R. 2004. O uso estratigráfico dos fósseis e tempo geológico. In: CARVALHO, I. S. (ed.). Paleontologia, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Interciência, p. 61-73. Simões, M. G. & Holz, M. 2004. Tafonomia: Processos e Ambientes de Fossilização. In: CARVALHO, I. S. (ed.). Paleontologia, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Interciência, p. 19-46. Strunck, G. 2001. Viver de Design, 3ª ed., Rio de Janeiro, Ed. 2AB, 152p.


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