Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 1
GERÊNCIA DE TAQUIGRAFIA NOTAS TAQUIGRÁFICAS Comissão: Comissão de Participação Popular Local: Plenarinho I Município: Data: 22/11/2016 Horário: 16 horas Folhas: 68 Duração: 1h54min Presidente:
Deputada Marília Campos
Deputados: Convidados:
Sr. Alexandre Victor de Carvalho Sra. Cláudia Amaral Vereadora Áurea Carolina de Freitas e Silva Sra. Lilian Maria Ferreira Marotta Moreira Sr. Roberto Rolim Andrés Sr. Fernando Nogueira Sra. Fernanda Oliveira Sra. Ludmila Zaggo Sr. Roberto Andrés Sr. Fernando Nogueira Martins Júnior Sr. Frederico Eustáquio Sr. Negro F Sr. Henrique Pixo de Rua Sra. Mariana Fernandes Gontijo Sr. Felipe Soares
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 2 A presidente (deputada Marília Campos) – Há número regimental. Declaro aberta a 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura.
Solicito
aos
deputados
que
registrem
presença
nos
postos de habilitação. Nos termos do § 1º do art. 132 do Regimento Interno, a presidência
dispensa
a
leitura
da
ata
da
reunião
anterior,
considera-a aprovada e solicita a sua subscrição. Esta
reunião
tem
a
finalidade
de
receber,
discutir
e
votar proposições da comissão e a debater o tratamento dispensado pelo poder público às pessoas que fazem grafismo urbano em Belo Horizonte. A
presidência
convida
a
tomar
assento
à
Mesa
o
Sr.
Alexandre Victor de Carvalho, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Não está? Convidamos os Srs. Roberto Andrés,
professor
da
Escola
de
Arquitetura
da
UFMG;
Fernando
Nogueira, professor de direito da Ufla; Ludmila Zaggo, pesquisadora do
Grupo
Cidade
e
Alteridade;
Frederico
Eustáquio,
o
Negro
F,
coordenador nacional do Movimento Nação Hip Hop Brasil; e Fernanda Oliveira, advogada. Queria
cumprimentar
todos
e
todas
que
estão
nesta
audiência pública. Vivemos um dia conturbado na Assembleia, mas é sempre um prazer recebê-los. Pelo que eu saiba, a Assembleia nunca discutiu esse assunto e, portanto, estamos introduzindo uma nova temática na Casa. Quem sabe não vamos aprofundar o nosso debate e Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 3 apresentar uma contribuição para a elaboração de políticas públicas afetas à questão do grafismo urbano? O grafismo urbano é muito presente nas cidades em geral, mas a nossa capital, particularmente, é muito marcada por inúmeras e diversas intervenções estéticas em suas superfícies - propagandas, outdoors,
anúncios
em
prédios,
grafites
e
pichações,
formas
de
comunicação que competem entre si na nossa metrópole. Algumas são incentivadas;
outras
são
consideradas
crimes.
Belo
Horizonte
é
apontada com uma das cidades mais pichadas do Brasil. Certamente é a cidade que mais reprime e combate essa prática em nosso país. Atualmente, em um cenário que inexiste em qualquer outra cidade brasileira, temos 3 pichadores presos; 17 pichadores submetidos a recolhimento domiciliar noturno e a monitoramento eletrônico; uma condenação de 8 anos e 6 meses pela pichação na Biblioteca Luiz de Bessa; uma multa no valor de R$10.000.000,00 cobrada de um grupo de 19 pichadores e multas aplicadas a pichadores e grafiteiros no valor de até R$15.000,00; além da violência policial constante às pessoas que fazem grafismos urbanos pela cidade. Por que Belo Horizonte combate a pichação dessa forma? Mesmo sendo a pichação considerada uma prática criminosa, seria possível outra forma de tratamento voltada mais para o diálogo que para a utilização dos mecanismos do sistema penal, tendo em vista o caráter de manifestação cultural dos grafismos urbanos? Foi com o intuito de compreender as motivações dos agentes públicos que atuam no combate a pichação, bem como as consequências dessa atuação para Código do documento: 1194758
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esta
audiência.
Entre
outros
pontos,
pretendemos
discutir: o significado da pichação para a cidade; as motivações das ações de combate utilizadas; as consequências dessas ações para a vida
dos
atingidos;
a
proporcionalidade
dessas
ações
frente
às
consequências causadas pelas pichações; e formas alternativas de resolução
do
conflito.
Como
eu
disse,
é
um
debate
novo.
Particularmente, não tenho opinião e pretendo aprender com os nossos convidados e todos os que participam desta audiência. Convido a fazer uso da palavra, a Sra. Ludmila Zaggo, pesquisadora do Grupo Cidade e Alteridade, que disporá de até 12 minutos. A Sra. Ludmila Zaggo – Boa tarde a todos. Agradeço todas as presenças e a possibilidade de travar esta conversa neste espaço. Farei uma pequena retrospectiva do tratamento dado aos grafismos urbanos em Belo Horizonte. Infelizmente, o peso da mão do Estado e a sua força punitiva recaem principalmente sobre a pichação, como vamos ver. Mais ou menos em 2010 houve o anúncio de uma delegacia específica para pichação e a apreensão dos Piores de Belô, a prisão preventiva de quatro meses baseada em processo com fotos de grapicho autorizado, que assustou as próprias pessoas que já estavam detidas ao receberem esses pichadores na cadeia. No centro de pesquisa, acompanhamos
os
encontros
da
polícia
com
esses
autores,
sempre
perpassados por abusos e flagrantes que não correspondem à verdade Código do documento: 1194758
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por
policiais.
Aí
vemos
que
toda
a
discussão
que
vem
acontecendo no Brasil em relação à pichação no sentido de arte é completamente desprezada e ignorada. Há uma desigualdade imensa no tratamento do piche e do grafite, uma intromissão sem conhecimento algum da cultura de rua na convivência entre autores de grafismos urbanos. Também se verifica, no poder público, uma ausência completa do debate sobre pichação, que é tratada apenas como sujeira ou vandalismo. A cultura de rua, as pesquisas e os debates que essas pesquisas propõem são apagados por essa questão do crime. As multas vêm
crescendo,
saindo
de
R$3.000,00
e
chegando
a
R$15.000,000,
R$16.000,00. No Sopa de Letras, no aniversário do duelo de MCs, um policial abordou vários grafiteiros perguntando “de quem é esse muro”. Então, a gente pergunta: de quem são os muros? Por que um grupo de juristas decide qual é a estética que deve ter a paisagem urbana? Por que são eles que decidem o que a gente pode achar feio, bonito ou artístico? O que é a integridade estética de uma cidade, esse bem tutelado, que é o que o picho, por exemplo, fere? A operação Argus Panoptes, no ano passado, trouxe-nos um espetáculo de punição e repressão policial. Nela, com aparatos de viaturas e helicópteros, pichadores foram expostos em praça pública, aplicadas várias tornozeleiras e feitas várias detenções, inclusive a do GG, que está condenado a 8 anos e 6 meses por uma pichação que foi feita na biblioteca pública e apagada em 12 horas, com água e Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 6 sabão. A frase pichada na biblioteca era: “qual é o futuro Brasil?”. Acho que é uma frase para pensarmos, não é? As tornozeleiras trazem estigma, desemprego e adoecimento psíquico. Junto a tudo isso, vemos uma campanha intensa e crescente de
criminalização
dos
grafismos
não
autorizados
e
da
pichação.
Descobrimos que o Maru, que fez o piche na Igreja da Pampulha, desconhecia que ela era um patrimônio tombado. Ele fez a pichação sozinho e se entregou, mas a versão oficial é que ele foi pego pelas câmaras ao redor da igreja, o que não é verdade. Mesmo assim, a prisão preventiva está aí - acho que há mais de seis meses o Maru está preso, assim como o Goma. Na loja do João Marcelo, o Goma, fezse um ponto de encontro dos autores de grafismos urbanos da cidade, um ponto até de preservação da memória da cultura de rua. Mas ele teve sua loja invadida e todos os seus produtos levados, por fazer apologia ao crime, enganar o consumidor e pelo fato de supostamente ter vendido a lata de spray para o Maru. Essa campanha na mídia segue em frente e a gente vê uma desproporção no tratamento do poder público com aquilo que se refere ao meio ambiente. As mesmas pessoas da Justiça lidam com a pichação e, por exemplo, com o crime ambiental da Samarco. Nada aconteceu em relação a Mariana; nada de punição a respeito de Bento Rodrigues. Mas a gente vê os pichadores com essas penas e se pergunta por quê. Temos crimes ambientais investigados pela polícia em Belo Horizonte e, embora o piche tenha um baixo teor ofensivo no texto da lei, tem alta ofensividade e está recebendo uma punição extrema em Belo Código do documento: 1194758
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para
esses
autores
e
que
são
positivos
para
a
sua
circulação, para a sua formação política, para a sua subjetividade? Nada
disso
é
considerado,
e
a
gente
vê
apenas
punição
e
criminalização. É disso que queremos falar e tratar aqui. Muito obrigada. A presidente – Foi rapidinho, Ludmila. A Sra. Ludmila Zaggo – Foi? Falaram que o tempo era pouco. Mas posso falar mais... A presidente – Pode falar mias um pouquinho, se quiser. Pode concluir, afinal a gente ouve muitas pessoas dizerem que foram a um determinado lugar que não tinha nenhuma pichação, considerando isso sinal de padrão de civilização. Ou, ao contrário, que foram a uma cidade lotada de pichação. O que se reivindica? É apenas um tratamento? Ou não? É interessante isso. Recentemente eu estava assistindo à série Roma, da Netflix. No momento em que o fornecimento de alimentos em Roma é prejudicado e complicado por alguém do governo, a população começa a lidar com a fome e o risco do retorno da peste. É no muro, a partir da pichação, que essa insatisfação se expressa e as pessoas começam Código do documento: 1194758
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que
é
muito
difícil
identificarmos
qual
é
exatamente a única reivindicação, porque são várias. Se pensarmos que o Brasil é um país com extrema desigualdade social, onde os mais pobres
são
invisibilizados
e,
de
política,
possibilidade
participação
muitas
vezes, a
retirados
pichação
é
o
que
da os
insere, de alguma forma, no espaço político e urbano, assim como o grafite
e
outros
grafismos
urbanos.
Então,
são
várias
as
reivindicações, inclusive, a possibilidade de ter lazer, cultura e laço social na cidade. Essas culturas dão às pessoas essas coisas, e não
o
Estado.
É
o
contrário:
talvez
o
Estado
retire
delas
a
possibilidade de circularem dessa forma. Durante esse tempo de pesquisa, já estive em Lisboa e Barcelona. Em todas essas cidades que consideramos mais civilizadas que as nossas, o grafite - como bomb, personas, tagging, firmas, assinaturas - é um elemento que as compõe; é a cultura de rua se fazendo
presente
e
se
expressando.
Talvez
seja
interessante
pensarmos que, nos lugares mais civilizados, essas pessoas não são presas dessa forma e não sofrem tortura policial, como vemos em Belo Horizonte. Em Barcelona, tive a oportunidade de perguntar o que acontece com as pessoas que fazem tantos grafites naquela cidade. Disseram-me que, para que algum deles seja preso, é preciso que seja pego em flagrante, fazendo os grafites por mais de 20 vezes. Quando eu contava sobre as multas que aqui são cobradas e a situação Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 9 econômica e social das pessoas que as recebem, todos ficavam espantados. Portanto,
é
muito
triste.
Temos
uma
estética
e
uma
escrita que vêm da rua e que têm algumas nuanças especificamente brasileiras, mas que desconsideramos totalmente, porque só vemos a sujeira, sendo que podemos perguntar assim: qual é exatamente o dano de uma pichação? A presidente – Você encararia, então, como um direito de expressão? A
Sra.
Ludmila
Zaggo
–
Não
sei
se
é
um
direito
de
expressão. Penso que há uma reivindicação de expressão, ocupação e participação na cidade ou talvez de modificar um pouco essa partilha do sensível, que determina quem vai se expressar, como e em qual lugar. Aí vem a cultura de rua para dizer assim: “Olha, a gente também pode se expressar. Temos essa forma de fazer isso”. A presidente – Obrigada, Ludmila. Queremos anunciar a presença do Sr. Fernando Nogueira. Obrigada pela presença. Passamos a palavra ao Negro F, da Nação Hip Hop Brasil. O Sr. Frederico Eustáquio – Boa tarde! Agradeço-lhe a oportunidade de estar aqui. Talvez seja bacana eu dizer de onde venho. Venho de uma comunidade pobre do Alto Vera Cruz, na região Leste, com 40 mil habitantes, entre os quais 20 mil são jovens. Como todo jovem, aprendemos de tudo, a conviver e a socializar. Aprendi também a entender essa cidade a partir de uma escrita urbana.
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 10 Em meados de 1995, fui um escritor de rua, fiz o que as pessoas chamam em Belo Horizonte e no Brasil de pichação. Mas eu, particularmente, digo que é uma escrita de rua, uma identidade. Foi assim que conheci a cidade. Não é diferente de como vários jovens começam a conhecê-la e a interagir com ela de alguma forma – aliás, cidade que não nos convida a interagir com ela. Hoje sustento a minha família e convivo nesta sociedade e na cidade vivendo de grafite e intervenção urbana.
Tenho coordenado alguns projetos,
assim como algumas iniciativas até incentivadas pelo poder público em nível municipal e estadual e outras até com referências nacionais pelas quais ensino jovens a fazer escrita urbana, como chamamos, no Brasil, grafite. E aí também perpassa o que chamamos de pichação. É bacana falarmos sobre algo que pouco refletimos. Por que escrevemos na parede? Isso é natural do ser humano. Gostamos de dizer
aonde
vamos,
o
que
fazemos
e
quais
são
os
lugares
que
ocupamos. Não é diferente com essa juventude. Creio que há uma juventude aí que o tempo inteiro não é convidada a fazer parte desse grande
contorno
adolescência,
e
venho
que
quer
se
acompanhando
fazer
presente.
alguns
casos.
Desde É
a
minha
muito
louco
imaginar um menino, que, às vezes, é anônimo na sua comunidade, faz uma escrita urbana e se torna quase uma celebridade, um herói, uma pessoa importante não pelo ato de degradar o espaço público, mas de se fazer presente. Desde a minha época, quando eu ia aos bailes funks, era muito presente ver um cara que, às vezes, fazia uma escrita numa rua, numa avenida ou num espaço público. No outro dia, Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 11 quando ele lá chegava, era a sensação do lugar: “Nossa cara, é você. Legal conhecê-lo”. Isso é nato do ser humano. A gente quer ser visto e presente nessa sociedade que tanto nos oprime. Há outra questão sobre a qual vale a pena pensarmos: esta cidade e este Estado ainda não estão preparados, apesar de haver vários
projetos,
mas,
infelizmente,
de
alguma
forma,
às
vezes
começam e terminam, se degradam e acabam. Em Belo Horizonte, havia um grande projeto, que era o Guernica. Particularmente fui educador desse projeto, que, na época, ressignificava o olhar desses jovens. A sociedade entendia que eles estavam fazendo alguma degradação urbana
e
social,
aí
ele
fazia
uma
formação
e
recebia
uma
significação não para dizer que tinha de se tornar um grafiteiro ou um artista visual, mas sim que a cidade também é deles: “A cidade também
é
sua.
circulávamos
Vamos
pela
circular”.
cidade
e
Havia
mostrávamos
momentos aos
em
meninos
que o
não que
só era
patrimônio, mas também rodávamos por outras comunidades. Costumo dizer que, muitas vezes, se as pessoas degradam esta cidade por pichação, por briga, por conflitos que existem ou por patrimônio social e tudo mais, é porque acham que ela não é delas. O poder público pouco trabalha esse entendimento de que a cidade também é nossa. Na verdade, trabalha muito mais numa lógica de discutir o patrimônio cartão-postal que dizer que esta cidade é nossa, que podemos participar e estar juntos. Quero
só
contar
um
fato
que
me
assustou
quando
aqui
cheguei. Estamos assentados. Daqui dá para ver que ali há uma redoma Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 12 de vidro e as pessoas não podem acessar. Parece que a cidade e este lugar não são nossos. Essas coisas me incomodam bastante. Como um espaço como este, cada vez mais... É bom que a Marília convidou o povo para vir para cá. Temos de começar a discutir se a cidade, de fato, é nossa ou só dos políticos, dos empresários ou de um grupo X ou Y, que se define talvez por uma sigla ou uma questão. Essa
contramão
que se
vem propondo,
que
a juventude,
esses jovens e nós, grafiteiros, vimos fazendo é de ressignificar essa cidade. Talvez ela não seja nossa pelas vias públicas de poder ou não queiramos participar, fazer parte, mas escreveremos nela e diremos que estamos aqui e que vamos intervir de alguma forma, com música e arte. Essa juventude está aqui e precisa ser ouvida e agregada de verdade não só para se fazer campanha política, a fim de dizer
“estamos
com
a
juventude”.
Além
disso,
mais
que
pensar
projetos específicos, é preciso que sejam abertos espaços de uma participação qualificada. É importante também dizer que as pessoas vivem querendo separar o grafite da pichação. Não existe um separatismo aí. A sociedade
quer
separá-los
porque
esteticamente...
Não
serei
romântico porque nem todo mundo quer grafite no muro. Por exemplo, não sei se tem grafite nesta Casa. As pessoas, às vezes, não querem grafite nos lugares e o aceita pela estética que apresenta. Acredito que, daqui a um tempo, as pessoas hão de aceitar a escrita urbana, chamada de pichação, talvez por consciência. Mas as pessoas, às vezes, querem separá-los por uma estética que, na minha visão, só é Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 13 comercial. Querem o grafite porque o sujeito faz uma florzinha ou um negócio bonito. O Marcelo Lin é um dinossauro do grafite desde 1990 e poucos e começou na mesma época que eu. A gente ia para as ruas com uma latinha na mão ou dentro da bolsa e éramos escorraçados pela polícia ou por alguém que denunciava e dizia: “Passou um menino aqui com umas tintas. Ele vai fazer arruaça”. Então, são os mesmos jovens que vão ao baile funk, aos rolés e aos pagodes. Essa juventude talvez esteja num outro momento, mas é a mesma que está ocupando esse
espaço.
Até
costumo
dizer
que
a
galera
agora
está
se
apropriando mais. Que bom! Na época, contávamos quantos pichadores e grafiteiros tinham na cidade. Hoje há dezenas de milhares, e não é reprimindo dois ou três que o movimento vai parar e tudo acabar. Portanto existe uma coisa da estética. Vira e mexe vemos pessoas nas ruas com caderno, blusa e roupa ou num comercial de televisão consumindo essa pichação. Mas, na hora de ter grafite nos muros, de agregar ou dizer que isso também faz parte da cidade, dizem “não” e que é outra coisa. Existe essa visão romântica de consumismo em que o grafite tem sido aceito - acredito que também em razão de uma lei que foi instalada em 2005, que regulamenta o grafite como manifestação artística. Até
hoje
é
fato:
estamos
na
rua
fazendo
grafite.
Há
vários estilos de grafite, do bomb aos grafites comerciais. Sofremos ainda
as
mesmas
repressões
de
sermos
chamados
de
bandidos,
de
dizerem que não temos o que fazer e precisamos fazer algo sério. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 14 Além disso, pessoas que, às vezes, consomem o grafite desejam uma tela,
um
mural
ou algo
assim,
mas
não
querem
valorizar
o
seu
trabalho como artístico e de verdade. Daí vem uma grande questão: será que o poder público quer, de verdade, discutir que a arte urbana, de alguma forma, faça parte da cidade? Muitas vezes não se querem esses projetos e programas que se vêm discutindo na cidade, de oxigenização e limpeza, mas sim um grafite padronizado, que fale de alguma coisa. Recentemente tive a oportunidade de participar do projeto Telas Urbanas, da prefeitura municipal. “Será nesse lugar, ponto e acabou”. É uma plástica, algo que é moldado: “Tem um tema e não se pode fugir dele. Só pode ser neste quadrado”. Não, queremos grafite em toda a cidade, colori-la e deixar a vida... Mais cedo eu estava até falando com a galera da reportagem que queremos intervir nos espaços onde, às vezes, o poder público está ausente. Muitas vezes estamos ali presentes, dizendo algo ou ressignificando ou pintando. Temos o caso de um grafiteiro em Belo Horizonte que está fazendo um trabalho muito legal: Marcelo Gud. Ele está indo a vários espaços públicos abandonados, velhos e surrados, que, às vezes, estão lá só com
os
dizeres
“Aluga-se”,
e
fazendo
uma
intervenção,
os
ressignificando. São lugares que, às vezes, como eu disse, estão abandonados pelo próprio poder público. Portanto vale a pena pensarmos um pouco nisso. De alguma forma, esta cidade e este estado precisam repensar como tratar essa juventude e as suas políticas públicas; se, de fato, não é só um Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 15 discurso para padronizar tudo numa arte urbana bonita. Não queremos isso,
mas
sim
estarmos
livres
para
intervirmos,
assim
como
um
diálogo franco não só com os atendidos de um projeto X ou Y, mas também com essa juventude. É o que cada vez mais queremos promover. Outro
dia,
conversando
com
os
amigos,
eu
estava
refletindo sobre isso. Daqui a alguns dias devo ser criminalizado por formação de quadrilha, porque vira e mexe estou formando menino para fazer grafite na cidade. Acabei de dar um curso no qual formei 25 alunos no Alta Vera Cruz, em Santa Luzia e vou começar outro projeto agora pela prefeitura municipal, pelo qual faremos uma série de produções. Portanto a minha ideia é praticamente proliferar e difundir esse grafite por onde for, para que todos os jovens tenham a oportunidade de conhecer ou, pelo menos, aprender técnicas de grafite e, de alguma forma, dialogar com essa cidade. É isso. A presidente – Antes de passar a palavra ao Sr. Fernando, quero citar a Lei Federal nº 12.408/11: “Não constitui crime a prática de grafite com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou
privado,
desde
que
consentida
pelo
proprietário
ou
órgão
competente”. Essa é a lei. Não sei exatamente quando, mas fizemos uma pesquisa, e um promotor disse se referindo às pessoas que fazem pichações:
“Trata-se
de
uma
quadrilha
que
busca
autopromoção,
práticas criminosas e enfrentamento às instituições que oneram os cofres públicos em R$2.000.000,00 ao ano nas ações de recuperação de limpeza”.
Mais
à frente
há
uma
argumentação
de
que
não
é
uma
associação criminosa, mas, de fato, existem agrupamentos em função Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 16 dos laços de amizade que se formam. Você mesmo disse que faz trabalho de formação. Mas, pensando no poder público, existe uma legislação federal, que temos de discutir em nível estadual e municipal. E pensando em uma contribuição, como deveríamos proceder para haver uma
política
pública?
Organizar
essas
pessoas?
Chamar
para
um
diálogo? Organizar os espaços de atuação dialogando sobre quais seriam esses espaços e como isso seria feito? Como seria o avanço de uma política pública? Se não quiser responder agora, passo para o Fernando, depois você fala. Você prefere agora? Vamos lá. O Sr. Negro F – Você trouxe um ponto importante. Combater a pichação custa R$2.000.000,00, mas não existe R$2.000.000,00 para investir em arte urbana. É muito louco imaginar que o poder público gasta R$2.000.000,00 reprimindo, criando ações de repressão e de opressão à juventude, mas não há R$2.000.000,00 para trabalhar a formação e a consciência cidadã. (- Manifestação fora do microfone.) Não acredito que sejam R$2.000.000,00 para apagar, porque há outras coisas que não vou entrar no mérito. Outro dia estávamos em um debate
em
Contagem,
na
guarda
municipal.
Eles
estavam
tentando
montar um grupo de repressão, de opressão, não sei o quê da guarda municipal,
para
a
juventude.
Falei:
“Gente,
já
está
começando
errado”. A presidente
–
Aliás,
eles
querem
determinado símbolo é de um grupo. Não é isso?
Código do documento: 1194758
identificar
que
um
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 17 O Sr. Negro F – Sim. Tem tudo isso. O grafismo “x” é do grupo tal. Investe-se muito em pesquisa para reprimir e pouco para incentivar a consciência da importância da arte urbana em uma cidade como esta. A presidente – Na sua opinião, como seria esse trabalho, se não fosse apenas para identificar e investigar? Se tivéssemos um recurso específico, como orientaríamos uma política pública para isso? O Sr. Negro F - Sou suspeito para falar, pois ministro várias atividades formativas. Um dos programas que acredito ser superassertivo - tive oportunidade de participar de uma mostra no início do ano – é o programa Fica Vivo. Esse programa faz um trabalho muito legal de prevenção à criminalidade em uma relação direta com o tráfico e tudo o mais. Isso pode ser uma alternativa. Esqueci de falar de onde venho. Em 1995, fui pego fazendo pichação em um espaço público e me deram oportunidade de entender a cidade. Participei de um processo formativo, e hoje sou educador e multiplicador de arte. Claro que não irá acontecer isso com todos os jovens, mas acredito que seja um espaço de oportunidade de diálogo. Um jovem desse que às vezes é uma liderança em um grupo organizado de arte e de intervenção urbana, que todos chamam de pichação, pode se tornar um multiplicador de forma positiva, desde que lhe seja dada oportunidade para que possa ressignificar não só seu olhar, mas o de outros jovens da cidade. Investe-se muito na repressão e pouco no incentivo à produção e à proliferação. Hoje vi, em um jornal, na Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 18 televisão, que em Belo Horizonte há pouco incentivo ao turismo. Por que não investir em uma cidade turística com painéis urbanos? Isso pode gerar uma ressignificação e uma apropriação que não seja só no Centro. funcione
É
importante pelas
dizer
isso,
comunidades,
que
pelas
haja
uma
regiões,
circulação pelas
que
diversas
descentralizações que existem na nossa Belo Horizonte que é tão grande e infelizmente só é vista no nível central. A presidente – Você acredita que a pichação ou o grafismo seja um talento? O Sr. Frederico Eustáquio - Acredito que pode passar pelo talento, mas não acredito no talento como dom, como uma coisa divina. Acredito que as pessoas aprendem técnicas e que de alguma forma intervém a partir dessa técnica que se dedicam a estudar, a se debruçar sobre ela. Ninguém nasce político. As pessoas aprendem a se tornar político e vão ministrando a arte da política. Na arte e na intervenção, as pessoas são de alguma forma induzidas. De alguma forma, as pessoas são incentivadas, são induzidas a produzir arte. É um pouco isso. A presidente – Obrigada, Negro F. Com a palavra, Fernando Nogueira, professor de direito da Ufla. Dr. Fernando, o Negro F falou sobre o Fica Vivo, sobre esses programas alternativos que são importantes
e
que
compõem
o
sistema
de
programas
da
área
de
segurança pública do nosso estado. Na educação, pensando em um projeto mais ampliado, seria conveniente desenvolver programas como esse ou não? Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 19 O Sr. Fernando Nogueira Martins Júnior – Sim. Essa pergunta é interessante. Vou me atrever a entrar nela um pouquinho, apesar de desconfiar que fui chamado aqui pelo fato de ser professor de direito penal e de processo penal da Ufla e por ter acompanhado há alguns anos a questão do pixo em Belo Horizonte. Estão aqui a Dra.
Ludmila
e
o
Dr.
Felipe,
que
é
uma
grande
referência
da
advocacia em direitos humanos e que acompanha essa questão do pixo com muita qualidade. Antes de entrar em outras considerações, essa pergunta me parece muito interessante. Nos mais diversos aspectos da questão da educação nesse país, não só na educação universitária em que atuo, mas também nos outros estratos, no ensino fundamental, no ensino médio, diz-se muito do respeito à diferença, mas faz-se pouco. Parece-me que a grande questão é essa. Daí vem uma certa histeria em relação a uma série de condutas mas também em relação à questão do pixo. Por que esse alarme em relação ao pixo, no que diz respeito aos poderes públicos? Isso gera, inclusive, situações gravíssimas chegando a tocar em questões de execução de pessoas. Acho que isso vem em virtude disso. Todo e qualquer projeto educacional em um País,
num
Estado
drasticamente,
Democrático
radicalmente,
por
de
Direito,
essa
questão
tem do
de
passar
respeito
à
diferença. Se você não acha belo o grafismo urbano realizado pelo pixo, tudo bem, é seu direito, contudo utilizar isso com um mote, como um motivo para poder violar e suprimir direitos e garantias fundamentais de uma larga parcela da população, não me parece ser o Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 20 mais interessante, para dizer o mínimo. A construção de políticas públicas em caráter educacional que passe por uma discussão real do respeito à diferença de saber não só tolerar, mas respeitar aquilo que
de
certa
forma
me
incomoda,
geraria
de
fato
dividendos
políticos, geraria resultados muito interessantes como a diminuição desse
índice
absurdo
de
violência
que
vemos
hoje
na
sociedade
brasileira, em uma série de condutas que poderiam ser tratadas de outra forma. Estamos
falando
do pixo,
mas
poderíamos
falar
de uma
questão das mais drásticas deste país, que é a droga. Em vez de se utilizar
a
racionalmente
massa em
cinzenta
relação
à
para
tentar
proteção
e
à
resolver promoção
e de
avançar garantias
fundamentais, não, vai-se nessa histeria que utiliza, que brande, como gladio, como espada, o direito penal e o sistema penal para violar direitos, principalmente os das classes mais vulneráveis deste país. Pensar políticas públicas de caráter educacional nos mais diversos níveis utilizando-se do mote do respeito radical, drástico, à diferença ao outro, tende a gerar resultados importantes nos mais diversos aspectos mas também em relação ao tratamento do pixo. Não sei se consegui me fazer claro. Parece que temos uns 15 minutinhos ainda para discutir. Vou cronometrar o tempo. Quero agradecer novamente o convite. É uma honra e um privilégio estar aqui para discutir isso. É algo que participou da minha
vida
durante
muito
tempo.
Agora
nesses
interiores
das
Alterosas não estou tão em contato, mas meu coração está aqui com Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 21 todo o mundo. Também na época em que fui advogado pela Divisão de Assistência Judiciária da UFMG e quando professor da UFMG, sempre acompanhei a questão do pixo em Belo Horizonte. Hoje quem faz esse trabalho de forma magistral é o Dr. Felipe Soares, que está aqui. Na questão jurídica, em outros ramos, está aqui a Dra. Ludmila, a Dra. Joana e tantas outras pessoas atuantes como o Negro F e o Goma, que tive a grata oportunidade de conhecer. Agradeço o convite. Meu lugar de fala é não só como advogado em direitos humanos mas também como mestre doutor em direito penal. Sou pesquisador na área e acompanho isso muito atentamente. Queria falar de algumas coisas em relação ao pixo, não só em Belo Horizonte, mas também na região metropolitana e em todo o País, mas principalmente nos grandes centros urbanos. Cheguei um pouco atrasado, não sei se isso foi dito antes de mim, mas me permita repetir rapidamente. Estamos discutindo de fundo, não sei se vocês têm tanta clareza, essa questão do direito à diferença e a criminalização do gosto estético. Se algo é feio, em vez de lidar com isso dessa forma, transformo isso em crime e coloco o sistema penal todo para reprimir aquela conduta. Pensar que algo por ser “feio” - vamos falar entre aspas, porque certas pessoas acham o pixo feio
e
outras
criminalizado
é
acham
bonito,
como
uma
violação
das
todo mais
gosto
–
profundas
tem de
de
ser
qualquer
concepção de um Estado Democrático de Direito, de um direito penal democrático. Vale a pena pensar – vocês já devem ter pensado, mas vou reforçar – que se aquele pixo não está naquela parede, mas está Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 22 uma propaganda gigantesca que me agride quando passo na rua, aí não teria
muito
problema,
porque
estaríamos
dentro
do
marco
de
circulação da riqueza, aí não estaríamos falando de cultura, de diferença, aí é dinheiro. Antes de entrar em questões mais técnicas do direito, vale a pena rediscutirmos outras coisas. A fachada de um muro, essa que está exposta ostensivamente ao espaço urbano, onde as pessoas que convivem na cidade passam o tempo todo, é um aspecto, é uma dimensão da propriedade privada que deve ser entendida como pública. Está exposta. Está submetida à percepção dos mais diversos cidadãos, das mais diversas cidadãs que passam por ali. Daí tratar isso com tanta brutalidade, em termos de proteção de um direito absoluto de propriedade, não me parece algo tão adequado. Isso é algo para revermos as possibilidades de uma espécie de uso coletivo de uma parte que é essencialmente pública da propriedade individual. Falo isso só para discutirmos rapidamente, para não precisarmos de entrar em coisas mais profundas. Mesmo discutindo isso tudo, existem algumas pessoas na sociedade - polícia, Ministério Público, Poder Judiciário – que falam que é dano. Falam que o pixo, que o grafismo no muro é dano à propriedade, não só dano à propriedade mas também violaria outro bem jurídico que é o meio ambiente, com a poluição visual. Essas coisas meio etéreas que você não sabe dizer o que é concretamente, e por não saber dizer o que é concretamente, você não consegue se defender disso. Vamos assumir que o pixo no muro poderia ser considerado um Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 23 dano. É um dano tão pequeno, tão ínfimo que se consegue reparar esse suposto dano, colocando a molecada para esfregar a parede e depois passar uma demão de tinta ali. Aí lhes pergunto: esse dano não poderia ser resolvido por outro ramo do direito que não o penal? Se compreendêssemos o pixo e esse tipo de intervenção como algo de ilícito
cível
-
para
não
discutirmos
aquela
questão
da
criminalização do gosto estético, vamos manter como ilícito, que seria reparado ou por meio de indenização ou serviço comunitário de retirada daquele grafismo -, se tomássemos isso como referencial, não seria melhor, não seria mais efetivo em vez de aplicarmos uma pena? Esta não é só menos efetiva, principalmente para quem pensa que supostamente o direito penal teria uma resposta para isso, mas também
seria
menos
traumática,
vulgarizaria
menos
o
nosso
ordenamento jurídico. Que tal resolvermos isso na área cível, sem colocar polícia nisso, sem transformar o pixo em caso de polícia. Parece-me
que
seria
uma
saída
adequada
em
termos
de
políticas
legislativas. Pixo não deveria ser caso de polícia, mas vamos avançar. Pixo é crime, mas vale a pena falarmos de novo: pixo criminalizado, o pixo como crime é um crime tão pequeno, tão ínfimo, gera uma lesão tão
minúscula
que,
mesmo
o
direito
penal,
que
é
aquele
que
conhecemos que é dos mais brutais, que adora jogar várias pessoas nas cadeias, principalmente das classes vulneráveis, preto, pobre e de
periferia,
mesmo
esse
Código do documento: 1194758
direito
penal
fala
que
esse
crime
é
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 24 minúsculo e gera uma lesão minúscula, que não deve gerar, ter como consequência nem mesmo uma prisão. Mostro-lhes isso. Rapidamente, a Lei nº9.605/1998, que é a lei de crimes ambientais, no art. 65 vai dizer o que é o crime de pichação. Essa pena é de três meses a um ano e multa. Ela é tão pequena que foi desenhada para configurar essa infração como aquilo que chamamos de infração de menor potencial ofensivo. Está lá no art. 61 da lei de juizados especiais, cíveis e criminais. Essa infração é desenhada para não gerar pena de prisão nunca ou quase nunca. Gera outros tipos de sanções, mas as agências do sistema penal, e aí colocamos as polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário, não se conformam
com
isso.
Por
quê?
Pelo
fato
de
que,
ao
prender
o
pichador, apreendê-lo, gerar o termo circunstanciado de ocorrência com uma infração desse tamanho, ele vai para a rua novamente. É uma coisa muito pequena. De fato é. Sabendo disso, não se aceita, pois se sabe que o pixo não dá prisão, porque é uma infração de menor potencial ofensivo. O que se faz? Denuncia-se por associação ou autua como organização criminosa, no art. 222 do Código Penal, quadrilha
ou
bando,
transforma
o
pichador
em
quadrilheiro
e
o
enquadra na lei de organizações criminosas, no art. 2º da Lei nº 12.850/2013. Aí é possível mandar o pichador para a cadeia. Temos algumas pessoas assim. A presidente - Então, só é crime com essa caracterização de associação ou não?
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 25 O Sr. Fernando Nogueira Martins Júnior - Não. O crime de pichação é muito pequeno. Então, as sanções penais que adviriam daí são muito pequenas, como pagamento pecuniário, prestação de serviço à comunidade, esse tipo de coisa. Contudo, o Ministério Público, a polícia
e
o
Poder
Judiciário
não
querem
isso.
Estamos
fazendo
estudos criminológicos há anos e anos. Eles não querem isso. De certa forma, não atendem ao que a lei está dizendo. Para aumentar a pena e poder gerar uma prisão, mandar para a cadeia, tem de juntar outros crimes que não existem. Consegue-se modificar, encaixar ali, para dizer que alguma coisa existe, mas, na verdade, não existe. Aí transforma um mero pichador num membro de quadrilha ou num membro de organização criminosa. Assim, dá para colocá-lo na cadeia. Já caminhando para o final, conseguimos entender que a operatividade dessas agências do sistema penal hoje, no que diz respeito ao pixo, não está na lógica de proteção de direito à propriedade,
proteção
ao
meio
ambiente,
está
na
lógica
de
higienização social, de tirar essa cambada de preto e pobres, que são incômodos, não só pela sua cor, mas por sua origem, pela sua postura, pela sua cultura de rua. Querem tirá-los do convívio social e
mandá-los
para
a
tranca.
Isolá-los.
Neutralizá-los.
É
um
higienismo. O MP denuncia e o Judiciário condena. Há aí a questão, inclusive,
da
utilização
inconstitucional
da
PM
como
órgão
investigador pelo Ministério Público. Rompe-se com a destinação das polícias, conforme o art. 144 da Constituição Federal. O trabalho de investigação fica quase completamente descontrolado, fechado. As Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 26 organizações democráticas não conseguem controlar esse trabalho. Nesse caso, há uma sobreviolação. E mais, só para encerrar, a polícia, em especial a Polícia Militar, sabe que o pixo não dá tranca, que não dá prisão, porque ele é muito pequeno e gera uma lesão minúscula, se é que gera lesão. É preciso discutir isso, mas no que diz respeito ao nosso ordenamento jurídico e penal, hoje ele gera uma lesão muito pequena. O que eles fazem, sabendo que o pichador não vai ficar preso? Utilizam de tortura para punir. Fazem beber tinta, pintam o corpo do cidadão, espancam-no e chegam ao ponto de executar o pichador quando está fazendo a sua pichação. Vejam que absurdo. Isso é totalmente contrário a qualquer tipo de referência de direito penal orientado constitucionalmente. São os poderes públicos agindo contra a Constituição, contra os tratados de convenções internacionais de direitos humanos e contra as próprias leis vigentes. A lei de crimes ambientais, a mens legis, o que o legislador queria era colocar aquela legislação pequenininha para não gerar prisão mesmo. Até isso não se respeita. Rompe-se essa questão da responsabilização por um ato infracional proporcional ao ato cometido. Há que ser responsabilizado no nível da lesão gerada. Rompe-se isso ostensivamente. O tratamento do pixo em BH, na região metropolitana e no Brasil,
temos
de
falar
isso,
é
um
compromisso
democrático,
da
academia jurídica, de todo e qualquer operador de direito, é um compromisso do cidadão. Todo e qualquer cidadão que está em contato com
essa
realidade
tem
Código do documento: 1194758
de
dizer,
com
todas
as
letras,
que
o
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 27 tratamento do pixo em BH, na região metropolitana e no Brasil, é completamente inconstitucional.
Viola o parâmetro de um direito
penal,
de
no
garantias
Estado
Democrático
fundamentais
em
massa
Direito, de
e
uma
viola
população
direitos que
já
e é
vulnerabilizada, que é a juventude de periferia. Era basicamente isso que gostaria de trazer para tentar aclarar algumas coisas. Desculpe-me por ter passado um pouquinho do tempo. Muito obrigado. A presidente – Muito obrigada, Fernando. Com
a
palavra,
o
Sr.
Roberto
Andrés,
professor
de
arquitetura da UFMG. Informo que estamos ao vivo na TV Assembleia. Estamos discutindo aqui a questão do grafite, do pixo e da pichação. Aproveito
e
faço
a
pergunta
ao
Roberto
Andrés.
É
manifestação artística? O Sr. Roberto Rolim Andrés – Boa tarde a todos e a todas. Obrigado pelo convite. É um tema importante que precisamos superar, como disse o advogado, pela maneira como vem sendo abordado. Pixo é arte de rua. Hoje está sendo aberta uma exposição no Palácio das Artes, cuja principal sinalização é uma pichação em que está escrito o nome do artista e da exposição. Ela se chama Estado de Sítio. O artista é o Éder Santos. E ela, por coincidência, abre hoje. Chama muito a atenção que todas as vezes que houve essas perseguições
à
arte
de
rua,
como
foi
apontado
aqui,
há
uma
criminalização de critérios estéticos e também uma criminalização pela imprensa com grandes manchetes, dizendo que estão emporcalhando Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 28 a cidade - lembro-me desses termos que não são usados quando se trata do grafite e de outras manifestações de arte nos espaços públicos. Gostaria de lembrar do grande psicanalista Célio Garcia, há alguns anos, muito interessado nessa questão do pixo. Acho que os psicanalistas estão aí tentando entender essa cidade, não só
os
nossos inconscientes mas também o inconsciente das cidades. Ele quer decifrar qual é essa urgência desse pichador, dessa pessoa que se coloca
nessa
relação
tão
extrema
com
a
arquitetura
de
subir,
escalar, ter uma relação de desenho gráfico tão próxima do prédio. Valorizamos tanto essas artes da perfomance como o parkour e outras maneiras
de
“perfomar”
no
espaço
público,
então
por
que
não
valorizamos essas performances, esse modo de estar na cidade numa relação tão estreita com o edifício, com o objeto da arquitetura? Nesse sentido, uma outra psicanalista, a Márcia Tiburi, vem dizer que o pixo é uma assinatura compulsiva de um direito às cidades. Era disso que eu queria falar aqui. Nós conhecemos a cidade. Sabemos que ela é desigual nas periferias, que o ônibus demora a passar nas quebradas, é caro, que as pessoas têm dificuldade para chegar ao centro, que a polícia assassina e maltrata muito a nossa juventude, principalmente a negra e periférica, que 80 jovens morrem assassinados por dia no Brasil. É dessa cidade que estamos falando. É nessa cidade que emerge essa assinatura, esse desejo de estar, de dizer “nós existimos”. É desse
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 29 lugar. Não é de um lugar em que todos os direitos estão distribuídos de maneira equânime para todos os sujeitos e todo o território. E dessa maneira precisamos começar a ver essa paisagem cultural e o espaço público como o lugar do conflito. O espaço público nunca foi o lugar pacificado com a total concordância entre os sujeitos. Isso é um espaço público doente. O espaço público vivo é o lugar do conflito, em que sujeitos, classes sociais diferentes podem expor suas diferenças. É claro que há o direito privado ao muro branco, mas ele é o interstício entre o espaço privado e o espaço público. Esse é o lugar da exposição do conflito. Então, quando a criminalização da pichação vem utilizar argumento de crime ambiental,
defendendo
a
higidez
do
patrimônio
cultural,
que
significa salubridade, é preciso dizer que uma cidade saudável não é aquela que esconde seus conflitos. Uma paisagem cultural saudável não é aquela que esconde os pretos e pobres debaixo do tapete. Uma paisagem
cultural
saudável
é
aquela
que
assume,
que
recebe
os
conflitos e que dialoga com eles. Não haverá cidade saudável devido ao muro branco. Ele não é sinal de salubridade de ninguém. Não vamos curar um doente terminal vestindo nele um paletó branco. Isso não vai resolver esse problema. Expondo a doença da nossa cidade, as dificuldades, podemos avançar rumo à resolução desses problemas. Nesse sentido gostaria de dizer que, do ponto de vista do urbanismo e do patrimônio cultural, não vejo nenhuma justificativa para todo o escândalo que é feito em torno dessa arte. Não quero dizer que não deva sofrer as sanções penais previstas na legislação Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 30 brasileira. Estou dizendo que todo esse exagero que acontece, essa criminalização para muito além do ato, como a denúncia de formação de quadrilha e coisas que não têm nenhuma relação com aquele ato, não poderia falar melhor do que o advogado aqui, mas, do ponto de vista do urbanismo, da paisagem
não fazem nenhum sentido.
Há
pichadores que foram presos e a pichação era lavada com água e sabão. A minha contribuição é curta. Estou aqui para debater. Queria deixar muito claro o ponto de que a paisagem saudável urbana não é a do muro branco. Precisamos superar isso e começar a
pensar
nossa paisagem urbana como viva, que reflita a nossa sociedade, os nossos conflitos e que nos permita, a partir dessa reflexão, desse espelho, melhorar um pouco como sociedade. Obrigado. A presidente – Obrigada. Com a palavra, a Fernanda. Fernanda, só um momento. A Fernanda é a última inscrita da Mesa para falar. Vamos abrir para cinco intervenções iniciais. A Consultoria vai oferecer a inscrição a quem quiser. Todos poderão se inscrever, para depois voltarmos aos debatedores. A
Sra.
Fernanda
Oliveira
–
Boa
tarde.
Meu
nome
é
Fernanda, sou advogada criminalista há 15 anos e tenho tentado contribuir com o Felipe e o Fernando nesses processos em que as pessoas são acusadas e presas por terem supostamente conspurcado a cidade, como vem escrito no tipo penal.
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 31 Fiquei refletindo sobre de onde partiu este debate. Acho que ele vai perpassar um pouco por todas as falas anteriores, e decidi partir da seletividade do direito penal. Temos que entender que vivemos numa sociedade que é branca e burguesa, e que seus padrões estéticos são esses. Tudo que destoa disso é visto com bastante reticência ou reserva, e algumas condutas se decidem por transformá-lo em crime, porque o direito penal é o maior instrumento de controle dessa sociedade, dessa população pobre, negra e de periferia, que é a maioria da população. Eles precisam nos controlar de alguma forma, e esse instrumento é o direito penal. Aí há alguns dados que nos dizem que, de fato, o direito vem historicamente sendo usado para isso e continuará sendo historicamente usado para isso. Porque,
às
vezes,
desavisadamente,
achamos
que,
recorrendo
ao
direito penal, teremos alguma conquista social concreta para nós, claro. Sessenta
e
sete
por
cento
dos
presos
do
País,
considerando que essas informações foram fornecidas por 45% das unidades prisionais, são negros. Só 51% da população se declararam negros no censo de 2010. No último censo, esse número subiu para 53%. Em 2014, morreram 158,9% mais jovens negros do que brancos. Os homicídios com arma de fogo no Brasil, em 2014, vitimaram 9.766 pessoas brancas e 29.813 pessoas negras. O que quero dizer com isso? Que
existe
um
sistema
construído
para
reprimir
uma
parcela
específica da população, como o Fernando bem trouxe aqui. E essa parcela específica da população é a mais segregada dos espaços de Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 32 participação e de poder, que usa, para se expressar, para dizer de suas demandas, para dizer de suas questões, os recursos disponíveis. E
a
pichação
é
um
recurso
disponível
e
um
recurso
de
grande
visibilidade. Comecei
a
tentar
entender
a
questão
da
pichação,
que
ficou muito clara para mim, quando fiz uma atividade de pichação com 25 adolescentes, que picharam todos os muros internos do espaço em que hoje funciona o Coletivo de Assessoria Popular Criminal Maria Filippo(?). Hoje estamos tentando pichar os externos, mas ainda não conseguimos
mobilizar
uma
galera
para
fazer
isso.
E
eles
me
surpreenderam com um questionamento: “Sério, podemos pichar mesmo?”. Falei: “Sério, podem pichar mesmo”. E as frases que foram escritas e os desenhos que foram feitos retratavam muitos dos desejos, dos anseios e da vontade de ser visível nesta sociedade que não quer vêlos de jeito nenhum. Eles se esforçam para os esconder, fazem um esforço gigante. E uma das frases que nunca vou esquecer, que está lá até hoje, é: “Juventude ocupa o mundo”. Não consegui descobrir quem pichou, eles não quiseram falar, e ficou sem autoria, vamos dizer assim. Além de sempre picharem seus nomes, o que para mim manifesta um desejo de dizer: “Eu também faço parte, isso aqui também é meu”. Esse público que vira esse ente absoluto, que parece que se descolou de mim, é meu, e eu tenho direito de estar ali. Eu tenho direito de materializar esse meu desejo. Ao contrário do que algumas pessoas às vezes acham, o direito não é uma ciência exata, ele é extremamente possível de ser Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 33 manipulado e moldado. É claro que manipula o direito melhor quem tem mais recurso financeiro, quem tem mais estrutura. Infelizmente o órgão que deveria ser responsável não simplesmente pela acusação, porque isso é uma visão mesquinha e rasa do que é o Ministério Público, tem sido usado, tem usado seu poder, sua estrutura, seu recurso
humano
e
material
para
moldar
o
direito
a
ponto
de
encarcerar pessoas simplesmente porque escreveram numa parede. É isso, não é nada mais que isso. E por que há essa urgência de encarcerar essas pessoas? Não são esses R$2.000.000,00 gastos em limpeza, e duvido que seja isso. Deveria haver até uma CPI para investigar se é gasto isso mesmo, pois duvido. Que pintor caro esse, gente! Nossa senhora, dá para viver de pintura. (- Intervenção fora do microfone.) Vamos pintar muro, galera, que dá grana. Como o Ministério Público tem manipulado esse direito de forma a encarcerar essas pessoas que incomodam essa estética branca e
burguesa,
porque
é
isso.
E,
se
incomodam,
a
que
estrutura
institucional, a que estrutura do direito eu recorro para tirar esse incômodo da minha vista? Ao direito penal. Eu tranco num lugar que eu não preciso lidar com isso mais. Porque portão de cadeia é igual portal para outro planeta, para outro universo paralelo. Entrou, você desaparece para a sociedade. E a partir do momento em que você desaparece, tudo pode acontecer com você. Não estou brincando, é tudo mesmo. Já fiz muita inspeção no sistema penitenciário, muita mesmo, e não dá para descrever as coisas que já vi com meus olhos, ninguém
me
contou.
Então
Código do documento: 1194758
essa
manipulação
do
direito
e
essa
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 34 desqualificação do que deve ser a função de um promotor de justiça, que deve ser o fiscal da lei, deve contribuir para a garantia do Estado Democrático de Direito, deve contribuir para a garantia da participação popular com o único e exclusivo objetivo de prestar conta a uma sociedade, como o Roberto bem disse, doente. Tão doente que não é capaz de respeitar e conviver com o diferente e quer pasteurizar tudo numa única estética, somente a que me agrada. Isso tem chegado a nível absurdo, a tal patamar que, no caso que eu acompanho, foram distribuídos vários inquéritos com a mesma acusação, com o mesmo pedido de prisão preventiva, só muda o número da vara onde vai tramitar o inquérito no fórum, contra a mesma pessoa. É crime o que está sendo feito, é abuso de poder. Acho importante usarmos este espaço para denunciar isso, acho importante que
a
Assembleia
Legislativa
de
Minas
Gerais
entenda
o
que
o
Ministério Público de Minas Gerais está fazendo. Isso não é só na Promotoria de Defesa do Patrimônio Cultural. Estamos trazendo um caso específico, mas isso ocorre em várias promotorias, a violência que essa instituição tem cometido contra o povo belo-horizontino pobre, preto e favelado. Isso já chegou, já deu, tem que parar. Eles não são superiores à lei, eles não estão acima da lei, e muito menos podem
desqualificar
a
profissão
da
advocacia,
como
vêm
desqualificando, porque nós somos os chatos, sim, que atrapalham que os objetivos mesquinhos deles sejam alcançados. E vamos atrapalhar muito mais. Eu terei muito mais tempo no ano que vem, vou atrapalhar bem mais. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 35 Então, essa seletividade do direito penal e essa possibilidade que se tem de manipular - e quanto mais estrutura econômica
tanto
recurso
humano
como
material,
mais
você
vai
conseguir fazer isso - colocam as pessoas que estão sendo acusadas desses processos em uma situação de extrema vulnerabilidade. Porque já é difícil se defender de uma acusação no direito penal se você estiver assentado aqui, podendo conversar com seu advogado, olhando no olho, podendo ir atrás das suas testemunhas e falar: “Fulano, vá lá falar que eu não estava lá naquele dia, que eu estava dormindo na casa da minha namorada, que você me viu chegando lá”. Imagina o sujeito que está preso, que não tem nem essa possibilidade, que quando o advogado chega lá para atendê-lo há uma tela, um vidro na sua frente, e mal conseguimos enxergar a cara do sujeito, mal conseguimos mostrar para ele o que está acontecendo no processo. Ele está tão desesperado e num sofrimento tão grande, numa cela com mais 22, 23, 24 pessoas. Depende, cadeia é igual coração de mãe: se empurrar, entra mais um. Então não fiquem achando que está cheio, que não serão presos, porque vão sim. Mal
consegue
expressar
o
que
precisa
ser
feito,
mal
conseguimos tirar dele o que precisamos de informação, de tanto desespero que ele está sentindo. Qual é a possibilidade de defesa real
dessa
pessoa?
Em
face
de
um
promotor
de
justiça,
de
um
Ministério Público, que mobiliza em seu favor a Polícia Militar, a Polícia
Civil,
todo
um
equipamento
do
Ministério
Público,
para
encarcerar essa pessoa porque ela escreveu num muro. Que seja a Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 36 Igreja da Pampulha, duvido que Oscar Niemeyer concordasse com isso. O cara era comunista. Acho que as pessoas se esquecem quem o cara era. Às vezes temos que lembrar. Duvido. Uma pessoa que ousou tanto, que inovou tanto, e falarem assim: “Prendam por 30 anos, porque é muito
perigosa
essa
pessoa.
Escreveu
no
mural”.
É
uma
pessoa
perigosíssima. Mas o pixo é perigoso mesmo. Mas não é perigoso porque se escreve na parede, é perigoso porque expressa um descontentamento coletivo das camadas mais pobres e vulneráveis da cidade, que a cidade não quer ver, porque ousam pichar exatamente nos lugares em que a galera não quer ver o que temos a dizer. Então esta audiência pública é um espaço conquistado e proporcionado pela deputada Marília Campos extremamente importante, porque é a primeira vez que estamos falando disso aqui. E, com certeza, vamos construir outros espaços mais amplos para dizer disso em outros lugares. Principalmente, é importante que estejamos nestes lugares para dizer o que pensamos, o que reivindicamos, para que as nossas caras não sejam conhecidas só da polícia, mas de todo mundo. E que eles não possam nos desvirtuar dizendo que somos o que não somos, simplesmente para nos coagir e ameaçar a não estar, inclusive nós, advogados, em defesa daqueles que têm garantia na Constituição: todos têm direito à defesa. Nós, advogados, inclusive, temos sofrido a perseguição dessas pessoas. Mas, como diz a galera, não dá nada para nós. Não deu até hoje nem vai dar. E se der a gente lida. Muito obrigada. (- Palmas.) Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 37 A presidente - Muito obrigada, Fernanda. Vamos convidar o Henrique
Pixo
de
Rua.
Por
favor,
Henrique,
ao
microfone,
para
gravação. Só pedir para não filmar, o.k.? O Sr. Henrique Pixo de Rua – Só não filmar meu rosto. Meu nome é Henrique, sou pichador desde os 10 anos, criado na rua. A presidente – Só não mostre a imagem. O Sr. Henrique Pixo de Rua – Obrigado. Porque acho que, primeiramente, o pichador é sem rosto. Ele age na madrugada para falar o que muitos não têm coragem de dizer. Às vezes expressamos no nosso nome, às vezes não ditamos em palavras, mas só de estar lá já representa alguma coisa, representa uma insatisfação. Se está tudo branquinho, está tudo bonitinho, está tudo bem, então não temos o que falar. Se está sujo, está errado. Sujo aos olhos, às vezes, da sociedade; ao nosso não, porque vemos as caligrafias, gostamos. Penso assim: pichação é a voz do oprimido. Penso que ela está aí para dizer o que muitos não conseguem. A pergunta que quero deixar no ar é a seguinte: por que o pichador é marginalizado por escrever na parede e não acontece nada com políticos e grandes mineradoras? Um político, com uma caneta, desvia uma verba aqui, e ninguém sabe. E a gente que taca o nome na parede é tacado dentro de uma cadeia com traficante, bandido e assassino. Imaginem a nossa mente! A gente é protestante. Sei o que é ficar numa cela fria e sentir saudade de casa. A gente não merece isso, não. A gente vive na rua e, se quisesse ser traficante, bandido, era o que mais tinha para nós. Só que a gente resolveu seguir outro caminho, entende? De protestar. Às Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 38 vezes, temos o nosso trabalho, a nossa família, as nossas coisas e queremos protestar, falar o que as pessoas não conseguem entender. É esta a pergunta que quero deixar no ar: vocês acham certo essa maneira de marginalizar a gente? A
presidente
-
Obrigada,
Henrique.
Vou
consultar
os
próximos oradores, que são Fernando Nogueira e Fernanda Oliveira: vocês fizeram a pergunta por escrito ou querem falar ao microfone? (- Intervenção fora do microfone.) Quer fazer a pergunta oralmente ou quer que leia? Então vou ler. A pergunta é para o Fernando Nogueira e para a Fernanda Oliveira: “Em que medida a visibilidade dada pela mídia, em cima de crimes, interfere no processo judicial? A neutralidade dos juízes desaparece quando estão sob a mira das câmeras? A audiência interferiu no julgamento do Maru na opinião de vocês?”. Vou passar para a Fernanda, depois para o Fernando. Agora é o João Pedro Saro. Pode ser filmado ou não? (Intervenção fora do microfone.) É pergunta também. “Como lidar com as punições injustas e suas consequências geradas pela falta de informação a respeito da Defensoria Pública, sofridas por menores detidos?”. A outra é de Roberto Raimundo para mim: “Como podemos organizar uma frente parlamentar em apoio ao picho, à arte urbana e, principalmente, aos jovens presos?”. Mariana
Fernandes
Gontijo,
advogada,
pesquisadora
de
cultura de rua, é você? (- Intervenção fora do microfone.) Você quer falar? (- Intervenção fora do microfone.) Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 39 A Sra. Mariana Fernandes Gontijo – É só uma fala que me veio a partir do que o Roberto estava... A presidente – Pode mostrar o seu rosto? A Sra. Mariana Fernandes Gontijo – Sim, pode. Quero só me apresentar. Meu nome é Mariana. Sou advogada; hoje estou na área cultural. Também já atuei na pesquisa sobre a cultura de rua, tanto como advogada quanto como pesquisadora. A cultura de rua a que me refiro é a do Grupo Cidade e Alteridade, da UFMG, juntamente com a Ludmila e o Felipe. Queria
falar,
a
partir
do
que
o
Roberto
estava
comentando, sobre o uso da cidade, como o pichador faz uso, a relação dele com os edifícios, a arquitetura, a arte, enfim, com a cidade em si. Quando ele estava falando, veio-me à lembrança, só para reforçar, como a cultura da pichação é desconsiderada na hora que o promotor determina uma sanção; ele pega o artigo de formação de quadrilha ou associação criminosa e diz que pichação é quadrilha, é associação criminosa, sendo que ele desconhece completamente essa cultura. É uma cultura. Antes de ser arte, é cultura. É cultura como a dos índios guarani-caiouá, que estão sendo dizimados. É a mesma coisa. É cultura, é vivo, é gente, estão entendendo? Então, acho que isso tem de ser levado em conta. Isto é ferir a Constituição: prender pichador com penas excessivas, penas que não têm nada a ver com a legislação vigente nem com a Constituição. Queria só apontar isso e dizer que há um filme sobre os índios guarani-caiouá, chamado
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 40 Martírio, de Vicent Carelli. Quer dizer, é martírio, é o fim da nossa população diferente, índio, negro, pobre. Então vamos avançar. A presidente – Obrigada. A Sra.
Mariana
Fernandes
Gontijo
–
Obrigada
a
todos.
Desculpem-me a exaltação. Sou assim na hora de falar. A presidente – Aqui é livre o direito de manifestação. Felipe Soares, da UFMG. O Sr. Felipe Soares – Boa tarde a todos. Sou Felipe. Sou advogado e atuo em alguns desses casos de pichação, dos quais estamos falando um pouco hoje. Quero agradecer a presença de todos. Quero também agradecer à deputada. A presidente – Pode mostrar o rosto, Felipe? O Sr. Felipe Soares – Pode. A gente pode pôr a cara, não é, Fernanda? Tem de pôr, não é? O Sr. … - Do jeito que as coisas estão andando, daqui a pouco não vai poder não, cara. (- Intervenção fora do microfone.) Exatamente. Escritório de advocacia vai ser formação de quadrilha. O Sr. Felipe Soares – Só retomando um pouco dessa luta nossa em relação a esse combate excessivo, essa hipercriminalização da pichação em Belo Horizonte, quero dizer que a lei que criminaliza a pichação é uma lei federal. Então ela vale para o País inteiro. Mas só em Belo Horizonte temos a situação sobre a qual estamos conversando aqui hoje. Isso não existe em nenhuma cidade do Brasil. Andaram falando aí, pessoas do Ministério Público, que a pichação não é um crime de menor potencial ofensivo, mas a lei diz que é Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 41 crime de menor potencial ofensivo. Não sou eu nem ninguém aqui, a lei é que diz. Por que então, em outras cidades do Brasil, não ocorrem prisões, não há encarceramento de pichadores, não há penas tão altas como as que vemos em Belo Horizonte nem ninguém com tornozeleira como vemos aqui? Há uma lei que acho que só está acontecendo em Belo Horizonte. Como isso acontece? É por meio um pouco do que o Fernando falou, a Fernanda, principalmente, ou seja, de estratégias, gambiarras jurídicas utilizadas para prender, com a intenção clara e manifesta de fazer isso. No caso que a Fernanda citou, foram oferecidas quatro denúncias
de
pichações
em
viadutos,
com
uma
distorção
jurídica
absurda, de forma inédita, pois nunca houve uma denúncia dessa no mundo, para prender. Para prender, pura e simplesmente. Não há outra justificativa.
Como
eles
fazem
isso?
Com
a
Polícia
Militar
investigando. Quem tem atribuição constitucional – aí, falando de novo, não sou eu, Felipe, quem está dizendo, é a Constituição - quem investiga? As Polícias Civil e Federal. Quem faz o patrulhamento ostensivo? A Polícia Militar. O que o Ministério Público de Minas Gerais
está
fazendo?
Está
colocando
a
Polícia
Militar
para
investigar, e isso é uma ilegalidade clara. Outra ilegalidade: usando perfil fake no Facebook. Gente, existe isso, eles usam! Está no processo. Conseguimos, finalmente, encontrar os perfis que eles usavam: um era de uma moça chamada Juliana; o outro era de um moço, cujo nome agora me fugiu. Eles usavam perfil fake no Facebook. Adicionam os meninos no Facebook, Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 42 tiram os prints, e usam isso como prova. Isso também é ilegal. Sem autorização judicial, não pode haver infiltração. Outro modo: acessando WhatsApp sem autorização judicial também. Isso tudo é ilegalidade, e não há muita interpretação, não. A lei diz que não pode; não pode e pronto. Hoje estamos tendo ainda decisões que fogem, porque, se encararem isso, não haverá saída. O problema é que eles fogem dessas questões, evitam encarar. Gostaria de destacar também a questão das tornozeleiras. Hoje as tornozeleiras são vistas como alternativa ao encarceramento, mas o que a gente vê - acompanhei de perto 17 pichadores que estão com tornozeleiras - é um sofrimento enorme. Eles já estão há um ano com tornozeleiras, e não há previsão para o processo acabar. Eles não podem sair de casa à noite, o negócio apita, eles viram um celular, porque têm de ficar perto de tomada para carregar esse negócio todo dia. Esse trem é um inferno, porque a pessoa se limita, ela começa a se vigiar. “Ah, não posso ir a tal lugar, às 11 horas terei de estar em casa.” Não pode não sei o quê, não sei o quê, não sei o quê. E o pichador é a pessoa mais livre que já conheci na vida. A questão é sair à noite, não é sair à noite para pichar, não. É sair à noite com os amigos, é encontrar no Viaduto Santa Tereza, por exemplo, para tomar uma cerveja, conversar, trocar uma ideia. Então passou da hora de retirar essas tornozeleiras, de acabar com isso. Para não esquecer: é para a gente fazer um requerimento para enviar as notas taquigráficas … Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 43 A presidente – Para quem? O
Sr.
Felipe
Soares
–
Às
autoridades
que
a
gente
convidou, ao Ministério Público e à delegacia que cuida de crimes contra o meio ambiente. A gente pode enviar também ao TJ. Valeria a pena a gente enviar também à
Prefeitura de Belo Horizonte, ao
Movimento Respeito por BH, porque, vai que muda a gestão, e a gente consegue alguma coisa. A criminalização em Belo Horizonte partiu da prefeitura, é importante destacar isso. Em 2010, começou isso, e sempre com a intervenção direta da Prefeitura de Belo Horizonte. Em maio, logo depois da prisão do Goma, foi organizado um ato chamado Justiça só contra Nós não É Justiça, É Ditadura. No dia do ato, o crime cometido pela Samarco completava seis meses. É uma frase escrita pelo Goma, que hoje está preso. Prender pichador é fácil, quero ver prender o dono da Samarco. Não que eu queira que alguém seja preso. Essa desproporcionalidade para a qual a Fernanda, enfim, para a qual todo o mundo chamou a atenção é muito séria e evidente. Ocorreu, em Minas Gerais, o maior crime ambiental da história deste país e, até hoje, está sem qualquer tipo de punição. É incomparável o
dano
ambiental
cometido
pela
Samarco,
por
exemplo,
ao
dano
ambiental, se é que ele existe, cometido por um pichador. Organizamos esse ato em maio, e a proposta era dar essa visibilidade. Na carta que a gente fez, a principal proposta era: Ministério
Público,
vamos
conversar,
vamos
abrir
uma
roda
de
diálogo, uma mesa de diálogo, porque vocês têm primeiro de entender Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 44 por que estão prendendo, com o que estão tratando. Há um desconhecimento muito grande. Há má vontade, há muita coisa. Há um desconhecimento muito grande, a ponto de se dizer que a pichação nem forma de expressão é. É um nível de... A presidente – É vandalismo, não é? O Sr. Felipe Soares – Até o vandalismo é uma forma de expressão,
não
é?
Eles
negam
até
a
própria
questão
da...
Nem
expressão é. (- Intervenção fora do microfone.) É. Não é uma conduta humana. Então a primeira coisa que a gente fez foi falar: vamos conversar, vocês têm de entender isso primeiro e ver se não há outras medidas para combater. Como Sansão disse, hoje a pichação, concordemos ou não, é um crime de menor potencial ofensivo. Vamos tratar como tal. Na nossa pesquisa, a gente entrevistou vários moradores de prédios pichados. A coisa mais recorrente que a gente ouvia era: “Ah, há pichador preso? Não sabia. Mas o meu muro continua aqui pichado”.
A
pessoa
que
tem
a
parede
pichada,
o
que
ela quer,
principalmente, não é ninguém preso, não. Ela quer que vá lá e limpe o muro dela. Isso, a política do Ministério Público não está fazendo absolutamente.
Ela
não
está
atingindo
essa
finalidade
para
o
proprietário. Há sempre o exemplo do casal de velhinhos que gosta de ter o muro deles branco. Ele continua...
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 45 A presidente – Você seria favorável a ideia de haver uma ação, quando houvesse uma pichação num muro privado? Refiro-me a uma ação como: “Vá lá e apague.” O Sr. Felipe Soares – A lei prevê que uma das formas de punição em relação ao crime de pichação é a limpeza do muro. A presidente – Você acha que seria uma política correta? O Sr. Felipe Soares – Acho que, no estágio em que estamos hoje,
é a
mais
razoável.
Ela
é proporcional
e está
dentro
da
legalidade. A gente nem precisa discutir se deveria ser crime ou não, a previsão da lei é essa. Mas, infelizmente, o que a gente tem é uma desconsideração da lei. É isso que é importante. Se o pichador está
cometendo
um
crime,
o
Ministério
Público
também
está
desconsiderando a lei, é importante dizer isso. Está todo mundo desconsiderando
a
lei.
Só
que
uns
têm
força
institucional,
econômica, têm material humano; outros só têm disposição para ir para a rua e tinta, o que é muita coisa, mas, infelizmente, não dá para combater. Então a gente tem de pensar: vamos tentar começar, vamos tentar entender, porque prender não vai adiantar, não vai acabar. Pode diminuir agora, porque a pessoa fica com medo mesmo, mas não vai acabar. Em 2010, prenderam os Piores de Belô, e olhem como está, não acabou a pichação em Belo Horizonte. Em nenhum lugar do mundo, isso resolveu o problema da pichação, dos grafismos humanos... (Intervenção fora do microfone.) É. Nem os Piores de Belô acabaram. A Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 46 pessoa, às vezes, não para de pichar depois que ela sai. Às vezes, fica com mais raiva; fora o dano que causa. Falando de alguns exemplos,
o
Goma
teve
a loja
dele,
a Real
Grapixo,
no
Bairro
Ipanema, que vendia blusas com menção à arte urbana - pichação, grafite e tinta spray -, absolutamente apreendida. Quando ele sair da cadeia - um dia ele vai sair, esperamos que saia logo, que passe o Natal com a família... A presidente – Conclua, por favor. O Sr. Felipe Soares –
O ganha-pão, que ele lutou tanto
para conseguir da primeira vez que foi preso, ele não vai ter. Depois querem que as pessoas façam o que da vida, não é? Esses são pontos que gostaria de ressaltar. Quero reforçar a questão do requerimento para ser enviado e tentar também aumentar o diálogo com essas instituições. Obrigado. A
presidente
–
Muito
obrigada,
devolver a palavra aos nossos convidados da
Felipe.
Vamos
agora
Mesa.
Antes, quero sugerir, se você concordar, Felipe, que esse requerimento seja enviado também para a Secretaria de Educação do Estado. Acho que já é uma temática que a gente pode provocar no Estado, é direitos humanos, então, de repente, poderíamos começar a pensar em políticas públicas para a questão do grafismo, para a questão da pichação. Peço à Consultoria que faça o requerimento. Solicito aos debatedores que se posicionem, porque, como eu disse, é a primeira vez que estamos fazendo esse debate aqui, e acho que a sairemos com muitas perguntas. Uma questão importante é a Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 47 gente construir uma opinião sobre a pichação, sobre o grafismo; e, talvez, mais para a frente, pensar numa política pública para esse tipo de manifestação que, como apresentado aqui, pode expressar um direito à cidade. Essa manifestação expressa muito isso, o direito à cidade. Então, como eu já disse, estamos iniciando este debate e acho importante envolver mais atores nele. A minha proposta é de aprovar um requerimento, mas não hoje, porque não temos quórum. Eu assumo esse compromisso, caso vocês concordem, de a gente abrir, no ano que vem, com um debate mais robusto, envolvendo prefeituras, fazendo um esforço para trazer o Ministério Público, a Secretaria de Direitos Humanos, a Secretaria de Educação do Estado e também essa organização dos grafiteiros e pichadores. Organização ou não, não sei como vocês tratam tal questão, mas envolver representantes para contribuírem nesse debate. Acho que o principal desafio hoje é este: qual é a opinião? Porque, a partir da opinião, a gente enfrenta, por exemplo, o problema da criminalização. Se você constrói uma opinião de aceitação, você já vai combatendo a criminalização que existe dessa atividade. Portanto,
sugiro
isso
e
gostaria
que
vocês
se
manifestassem sobre a gente abrir, no ano que vem, um debate dessa forma, e obviamente eu contaria com a ajuda de vocês para organizálo. OK? Com a palavra, a Ludmila, que está aqui ansiosa para se manifestar novamente. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 48 A Sra. Ludmila Zaggo – Eu queria lembrar que o Movimento Respeito por BH é um movimento, digamos, forjado pelo prefeito Marcio Lacerda, que aparece, um dia após a eleição do seu segundo mandato,
na
televisão,
dizendo
que
a
pichação
é
o
berço
da
criminalidade, que faz as pessoas nas cidades sofrerem. Depois de cinco anos de pesquisa, refuto essa afirmação. Acho estranho um prefeito lançar todo esse movimento sobre o qual a gente já ouviu falar, e dessa forma, uma irresponsabilidade com a vida dessas pessoas. A
gente
tem
visto,
em
Belo
Horizonte,
que
o
dano
à
parede, o suposto dano à parede, é muito mais pensado e considerado do que o dano à vida. Eu tive oportunidade de ser testemunha de defesa, e a promotora - não me lembro de qual pasta, mas está ligada a essas investigações - perguntava-me: “vocês pesquisaram os custos, os prejuízos da pintura, das pessoas que têm seu muro pichado?”. Infelizmente eu não tive oportunidade de dizer que eu me preocupo, a frente
se
preocupa,
e
todos
nós
que
estamos
aqui,
acho,
nos
preocupamos mais com o dano à vida dessas pessoas que estão sendo presas. A gente precisa parar e pensar sobre isso realmente. Em relação à arte, costumo dizer, insistir nisso, que não acho que esse é o critério que temos de ter para autorizar a convivência com a pichação na cidade. Se é arte ou não, é uma expressão
que
está
importante
a
gente
na
cidade,
pensar
colocada
como
para
conviver.
todos
nós,
Conversei
e
é
com
o
coordenador, à época, sobre o Respeito por BH, e ele falava: ”ah, a Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 49 gente quer dialogar; na escola a gente vai apagar”. Eu perguntava a ele: mas que diálogo é esse se vocês só falam de apagar? Se o critério da arte importa para alguém, eu me pergunto por que é desconsiderado, totalmente, que a pichação já esteve na Fundação Cartier, em Paris, na 7ª Bienal de Berlim, que o Cripta Djan esteve em Nova York expondo seus quadros, que não são quadros dos seus pixos, que ele já não faz mais, mas que são uma expressão de arte que ele se propõe a fazer a partir da sua experiência na rua. Isso é totalmente desconsiderado. Estivemos,
há
pouco
tempo,
no
conselho
prisional
do
Estado, e as pessoas estavam preocupadas em levar o grafite como arte, mas ninguém fala sobre a possibilidade de se pensar o pixocho como arte. Por quê? E há uma coisa interessante nessa história, que é a gente não ter o gosto respeitado. Eu não posso gostar de pixo e autorizar um pixo no meu muro. Isso me é vetado. (– Intervenção fora do microfone.) Não. A pichação afeta um direito coletivo. A lei diz que você pode gostar, que o outro pode gostar, mas ela está dizendo que isso prejudica a história e a cultura das pessoas. Só que muitas vezes não se considera, por exemplo, que o Maru só entendeu que a Igrejinha da Pampulha era um patrimônio público quando ele a pichou. E agora ele vem passando por isso. Algumas pessoas me questionam: “Qual é a mensagem, porque eu olho para essas escritas e elas não dizem nada. Eu não consigo ler, não consigo entender”. Vim dos estudos literários. Passei 10 anos estudando na Faculdade de Letras da UFMG para entender que literatura mesmo é Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 50 isso que a gente não lê, que o texto, que é muito para ser lido, na verdade, para a literatura, é nada. Então, fico pensando como a pichação entra aí. Acho que, nessa questão da ilegibilidade, há uma coisa nessas sanções que é moral. O que está sendo punido é a liberdade do pichador, a vontade de ele se incluir, o fato de ele escolher uma superfície dificílima para colocar o nome dele, de desenvolver uma estética que o burguês não entende. E aí, depois de todo esse tempo de pesquisa, eu fico pensando que talvez seja por isso que eu reconheço esse movimento como o mais aberto aos amigos, ao
encontro.
As
pessoas
fazem
amizades
que
sustentam
a
vida,
sustentam esse risco, e esse risco sustenta novos amigos, e isso está sendo criminalizado como formação de quadrilha. Para mim é uma prova de que a criminalização estética passa por uma questão que é também moral. Não se quer o preto, o pobre, na rua. Por exemplo, no meu tempo real de rua, quando tivemos tantas conversas ali, no viaduto, deu para entender que não querem o jovem periférico na rua, ou pelo menos há um horário para isso, até as 23 horas, porque depois ele começa a usar muita droga. E aí eu fico pensando como fica esse circuito de amizades, dessa família que o pichador constrói a partir do seu risco, junto de tantas coisas, mas que a gente criminaliza como associação criminosa. Então, essa sanção higienista é também estética e moral. E a gente desconsidera que o pichador tem uma socialidade e uma sociabilidade. Eu
queria
dizer
aqui
sobre
duas passagens
no
Viaduto
Santa Tereza. Numa delas um pichador me dizia: “pois é, Lud, se não Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 51 fosse o pixo, eu ia ser mais um favelado iludido com um tênis Nike; mas eu não preciso do tênis Nike porque eu fiz a minha marca”. Quer dizer, a Coca-Cola pode se expor na cidade, mas eu, fulano de tal, com meu vulgo “tal”, não posso fazer a minha propaganda, do que eu sou, do que eu posso dizer, de onde eu posso ir. Era isso o que eu queria apresentar para discussão. Aliás,
o
outro
exemplo
é
que
esse
mesmo
pichador
consegue, depois de um certo tempo no Viaduto Santa Tereza, fazer um grapixo numa pilastra do viaduto. E ele me disse: ”passei por aqui durante quatro, cinco, seis anos, e sempre sonhei envolver essa pilastra com a minha tinta, com o meu nome”. Então, a gente não percebe que o pichador faz uma educação patrimonial própria; só que ela não é considerada como uma forma de se envolver com a cidade e se relacionar com ela. A gente não está permitindo isso dessa maneira. A presidente – Ludmila, você não falou a respeito do debate. O que você acha, fazemos ou não? A Sra. Ludmila Zaggo – Acho que a gente vive em uma cidade que não é a mais pichada do Brasil. Existem outras no mundo também. Acho que uma das coisas mais sérias aqui é o desconhecimento do Judiciário, principalmente, e do poder público também, sobre a dinâmica de todas as culturas de rua. Então, quanto mais debates forem propostos, acho que seria bacana. A
presidente
–
Com
isso
eu
respondo
ao
gabinete
do
Arnaldo Godoy. Em vez de a gente já aprovar essa intenção de frente Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 52 parlamentar, podemos ver essa questão do debate. O Arnaldo já é nosso convidado. O Sr. ...
- Uma questão falada aqui, até pelo professor
que teve de se ausentar, e sobre a qual acho que vale a pena refletir, é o seguinte: que paisagem cultural da cidade a gente está construindo? Porque de novo é uma paisagem só cartão-postal, pois vai ser lindo, vai ser belo, e vai ter de novo só a Pampulha como vitrine de Belo Horizonte. Ou os outros espaços, a outra cidade que está sendo de uma forma expressada, tatuada, inscrita e vivida, isso vai ser mostrado também? Acho que o tempo inteiro vem se trabalhando políticas e ações, em Belo Horizonte especificamente, para mostrar uma cidade que, na verdade, não existe. Talvez uma green cidade, uma cidade que talvez não seja a nossa. Talvez seja preciso repensar isso. Uma outra pergunta que faço é se é o melhor caminho talvez, Ludmila, dizer que o pixo vira arte. Não sei se é o melhor caminho. Não sei a gente tem, de novo, de pasteurizar mais uma coisa para ela ser aceita. Penso isso sobre o grafite. Hoje reflito sobre isso. Vivo de grafite, trabalho com grafite, mas há uma grande questão na qual eu penso, nas produções, é que ela tem de falar de algo que às vezes não é uma verdade do artista, não é algo que o artista quer expressar. Às vezes querem, de novo, que a gente faça uma logomarca ou o desenho de uma cidade linda, bela, com paisagem da natureza, e não sei quê. E é essa a cidade mesmo onde a gente vive? Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 53 Então, fico pensando muito nisso. Acho que os grafiteiros, no geral, temos sobrevivido dessa arte urbana e muito se tem mostrado. Mas muitos, talvez, têm mostrado que existe uma outra arte aí. As pessoas às vezes querem aquela intervenção que está na rua, mas querem só o pasteurizado. Defendo que o grafite tem de se manter na sua via marginal mesmo. Assim ele nasceu e assim, de alguma forma, a vida contemporânea da cidade nos leva, talvez, a remodular, mas o que se faz da origem tem de se manter. A gente tem de manter mesmo uma marginalidade. Acho que essa intervenção, muito da
cultura
hip-hop,
quando
se
deu
no
Brooklyn,
foi
muito
na
contramão de uma sociedade que não nos aceitava, e que não nos aceita até hoje. Apesar de hoje escutar rap, break, ver grafite em vários lugares, a sociedade ainda não nos aceita. E isso está numa cidade – vou dizer novamente - que foi feita para viver dentro de uma Contorno, ela não foi feita para os pobres, para os pretos e favelados, porque a gente incomoda e vai continuar incomodando das várias formas. Aliás,
mais
cedo
eu
comentava
com
o
advogado,
o
professor, que é muito louco imaginar que, quando se juntam três ou quatro jovens para um ato na rua, isso é um vandalismo, mas, quando se tem um CNPJ por trás, em que se paga imposto, pode-se
fazer
talvez a mesma coisa, ou até pior. O caso da Samarco, para mim, é emblemático, porque tirar vida de pessoas é bem pior, mas, como há um CNPJ, tem todos os amigos, os irmãos, os caras que jantam juntos,
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Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 54 de alguma forma não é crime, passando a ser uma coisa em que vão ver, vão julgar. Então, de novo, é isso, a gente vive numa cidade... Está mais claro para mim que Belo Horizonte, hoje, é uma cidade que vive a sua herança portuguesa, racista, europeia, na sua grande essência, que é, de alguma forma, ditar os nossos comportamentos, ditar a forma de como temos de viver na cidade. É uma cidade que não nos aceita, que não nos quer presentes. E é essa Justiça que tem-se instalado, os ministérios e todos esses aparatos servem a quem? Não é à população. Até costumo falar que toda essa galera não vive em Belo Horizonte. É a galera da nova Belo Horizonte, lá de Rio Acima, de Nova Lima, mas que não vive aqui. Eles passam por aqui, onde ganham dinheiro, mamam as nossas riquezas e vivem lá nos seus blindados em Rio Acima, mas não estão aqui. Então, querem de novo pasteurizar essa cidade para, cada vez mais, irmos para as margens, lugares distantes dela. Essa é a grande questão. Acho brilhante a ideia de tentarmos nos mobilizar, no ano que vem, de alguma forma. Então, eu me comprometo com isso agora e, no
âmbito
de
Belo
Horizonte,
estaremos
organizando
um
fórum
municipal de hip-hop, cultura urbana, que daqui a pouco vai ser sancionado dentro da fundação de cultura. Estamos com um movimento muito grande de ativistas articulando isso. Vamos engrossar nessas frentes - viu, Ludmila? Inclusive, queremos estar juntos para poder discutir, debater e nos fazer presentes também nessas frentes e ocupar esta Casa – tomara que sem esses blindados. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 55 A grande questão... De repente, é algo que temos de pensar
e
talvez
Judiciário,
vocês
essa
que
Justiça,
são essas
da
área
penas
possam
servem
nos
a
dizer: esse
quem?
Para
que
sociedade é essa? Que lugar é esse? Expliquem-me porque não estou entendendo
se
é
um
outro
lugar.
(-
Risos.)
Também
não
estou
entendendo se existe hoje algo que está sendo financiado com o poder público ou com impostos de muita gente que vem construir esta cidade. Essas pessoas constroem todos esses impostos, mas, de uma forma, eles não nos servem. Acho que eles precisam questionar se é por uma questão de pele, se é por uma questão de lugar onde mora; se tem endereço, CNPJ, CPF, se tem (- Inaudível.),
se tem sobrenome.
Eles precisam falar se é uma briga contra os pobres, contra os pretos, contra os favelados, contra os quilombolas que se rebelaram. E digam que também temos as nossas armas, seja com spray, seja com rap, seja da melhor forma que for. E agora temos os nossos juristas também.
Tem
gente
da
favela
estudando
direito,
ocupando
espaço
público, espaço político. Também vamos usar as nossas armas. A
Sra.
Ludmila
Zaggo
-
Vou
roubar
o
microfone
um
minutinho para dizer que, a meu ver, a arte de rua não deve mesmo nada para a arte, não precisa da arte para ser respeitada. Ou não deveria - não é? Certamente. A presidente – Mas ela é arte -
não é? Estou com mais
perguntas depois que você interveio. Viu, Negro F? Fernanda, você tem a palavra agora.
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Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 56 A Sra. Fernanda Oliveira – Primeiro tentarei responder a essa pergunta sobre o Judiciário. Imparcialidade ou neutralidade é algo que não existe. Isso é uma ficção que o direito criou e que a nossa sociedade reproduz
de
próprio
de
forma
desavisada,
alguns
setores
ignorante, sociais.
ou
até
Porém
por
interesse
neutralidade
e
imparcialidade não existem em nenhum lugar. Sabemos a cor do juiz, a classe social do juiz, o lugar de onde o juiz saiu e, da mesma forma, o promotor de justiça. E é a partir desses lugares que eles enxergam e compreendem o mundo. Isso não pode ser desconsiderado. Então, esse mito da imparcialidade em relação ao sistema de Justiça já passou da hora de cair por terra. A vida de 15 anos de advogada já me ensinou que ele não existe há longos anos. A gente vê o olhar das pessoas. Talvez sejamos advogados mais sensíveis que a média, e pode ser, talvez, até por causa das nossas religiões. Mas está no olhar, você olha nos olhos da pessoa e vê o preconceito, a raiva. É um olhar de raiva, de nojo. Gostaria de trazer uma questão extremamente importante. O racismo é algo que estrutura a nossa sociedade. Então, tudo que está ligado à cultura negra, ainda que quem esteja fazendo pixo possa ser socialmente reconhecido como um branco, é criminalizado. O nosso enfrentamento é enorme, mas possível, porque somos muitos, somos a maioria,
somos
muito
mais
fortes.
Sobrevivemos
à
escravidão
e
estamos, há 128 anos, podendo ser legalmente livres. Na verdade, as senzalas foram transferidas, são as cadeias agora. O capitão do mato Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 57 foi substituído por um outro tipo de aparato repressor. (- Risos.) Estou sendo fofa nesse momento. (- Risos.) Queria falar outra coisa, mas sabe como é, né? Às vezes a gente se controla. Então,
não
existe
neutralidade
no
Judiciário,
nunca
existiu e nunca vai existir. Ele está a serviço de uma classe social e a serviço de um poder dominante. Isso está muito claro para qualquer um que queira ver, para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. Em relação ao pixo e espaços para debatermos a cultura de rua, a cultura hip-hop, para que essas pessoas tenham acesso a esse conhecimento de que dispomos, talvez a advocacia tenha me deixado um pouco mais cética. Acho importante promovermos esses espaços para alcançar
a
específico,
opinião não
pública
vamos
em
geral,
alcançá-las.
Não
mas acho
essas que
pessoas,
vamos
em
promover
mudança de pensamento em quem já tem internalizado em corpo, em espírito, uma quantidade enorme de privilégios. Ninguém abre mão de privilégios.
Privilégio
você
vai
lá
e
toma.
Acho
difícil
internalizar isso nessas pessoas. É claro que pode haver alguns milagres no processo, mas é bem difícil mesmo. No entanto, temos de tentar, principalmente pela opinião pública em geral, que tem acesso a um padrão de informação extremamente desonesto e que nos nega a possibilidade de dizer, pelo menos, a nossa versão dos fatos, a nossa versão da história, a nossa versão da realidade. Porque nada é tão distante dessa opinião pública em geral. Então, acho que, se, de fato, tivermos espaço de fala, vamos conseguir alcançar esse povo, Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 58 porque é o nosso povo, somos nós. Não vamos estar falando para ninguém diferente de nós. É importante termos essa abertura. Não estudo pixo há tempo suficiente, então não sei se o pixo é arte ou não. Isso não é o importante. Acho que o direito de se expressar em uma sociedade democrática deve ser defendido com todas
as
forças
e energias
que
tivermos
e com
a
nossa
melhor
capacidade de produção de ação e de produção intelectual. Então, o pixo é uma forma de expressão, é um exercício da liberdade de expressão, inclusive em pareceres já da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Comissão pela Liberdade de Expressão. Temos de fazer com que isso se materialize em nossa cidade - não é? Eles têm dinheiro, eles têm poder, eles têm estrutura, mas não têm a nossa capacidade criativa, inventiva e muito menos a nossa capacidade de sobreviver. Por isso tenho certeza de que vamos conseguir sair vitoriosos desse processo, além de ter uma cidade mais colorida, com menos paredes brancas e cinzas, com mais nomes escritos em muitas paredes, de preto, de branco, de vermelho e de todas as cores possíveis, porque precisamos que a nossa cidade esteja viva. Afinal, uma cidade viva expressa o verdadeiro valor do seu povo, e não uma cidade morta, cinza, apagada, como eles querem. É um jeito de matar um povo - não é? A presidente – Obrigada, Fernanda. Com a palavra, o nosso último orador, Prof. Fernando. O Sr. Fernando Nogueira Martins Júnior – Vou tentar ser telegráfico em minha fala. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 59 Quanto à primeira provocação feita pelo colega, eu a resumi da seguinte forma: o sistema penal serve para quê? Serve para quem? Enquanto os políticos e empresários andam soltos por aí, a juventude negra e pobre está presa, encarcerada em massa. Como você vê esse tipo de coisa e consegue rastrear isso? Há séculos, pelo menos quando a pena de prisão se torna pena referência no Ocidente, no final do século XVIII e século XIX, desde aquela época ela não funciona para os fins a que se propõe. Você pode até ver um pouco mais para trás, mas vou ficar por aqui. E aí pergunto: para que serve ficar criminalizando o pichador e jogando-o na tranca? Aí temos de constatar, dentre outras coisas - para não entrarmos muito nisso
-,
que
o
campo
de
estudos
criminológicos
e
a
luta
dos
movimentos, das organizações e dos coletivos, já nos mostram, há muito tempo, que existe algo de podre no reino da Dinamarca mesmo. O que temos de ter na cabeça é que tem muita gente que ganha com a catástrofe penal; tem muita gente que ganha com essa miséria cultural - no caso, a questão do pixo -, com a miséria econômica, política e social deste país; tem muita gente que ganha muito com o estado de coisas desse jeito, com pessoas tendo seus direitos
mais
básicos
violados,
com
esse
tipo
de
excesso,
desproporcionalidade, com os poderes públicos agindo fora da lei e protegendo determinados interesses de grupos de dominância. É para falar o mínimo - não é? Então, poderíamos dizer isso aí. Tem muita gente que ganha com isso, e o sistema penal não serve para os fins oficiais a que ele se propõe. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 60 A outra pergunta diz respeito à questão da visibilidade do crime, a intervenção da mídia, se, na visibilidade da mídia, ela interfere nos direitos e garantias. Com certeza; isso é uma coisa que o pessoal já vem falando desde a época da transmissão da TV Justiça, de como os julgamentos do STF começaram a mudar. Mas, na prática, quando a mídia está em cima - a mídia concentrada como a que
temos
interesses
ou
oligárquica
extremamente
-,
ela
diz
específicos,
respeito
que
são
a
uma
série
replicados
para
de o
conjunto da sociedade, interesses conservadores, interesses que não querem que os grandes números, as grandes maiorias, tenham os mesmos direitos que eles têm. Então, quando isso vai para a mídia, quando um processo, como o do Os Piores de Belô e agora esse da Igreja da Pampulha... Como? (– Intervenção fora do microfone.) Também teve. O juiz, o Poder Judiciário, o Ministério Público... (– Intervenção fora do microfone.) Como? (– Intervenção fora do microfone.) O Sr. Fernando Nogueira Martins Júnior – Então, sempre que você tem esse tipo de divulgação, sabendo quais são as demandas institucionais do Poder Judiciário, do Ministério Público e como a mídia as representa, essa mídia concentrada, enviesada, que distorce a informação trazida para o conjunto da população, o sistema todo que opera tocando um processo penal fica, no mínimo, acanhado de se colocar como defensor da lei da Constituição, porque isso pega muito mal por uma série de interesses. É como se estivesse defendendo bandido, é como se deixasse a coisa correr para vagabundo fazer o Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 61 que quer. E no limite, como a gente sabe também como é o corte de classe, o corte de raça e, de certa forma, até o corte de gênero do nosso Poder Judiciário e do Ministério Público, quem está lá, como representa os interesses de homens brancos de classe média alta e classe rica. Aí é que eles querem se mostrar como representantes de seus grupos de referência, quando estão em foco, se a violação já estava posta pela postura cotidiana do operador do direito naquele momento, o acusador, o julgador. Aí ele vai querer reforçar mais isso,
em
nome
do
clamor
público,
em
nome
da
dignidade
da
instituição. Então, em todo processo onde você tem o acompanhamento da mídia,
do
jeito
que
a
gente
vê
essa
espetacularização,
essa
construção de uma histeria coletiva em nome da punição, sem esses probleminhas, esses empecilhos, direitos e garantias fundamentais, você tem violações graves ocorrendo sempre. E, no caso do pixo, não é diferente. Pois
bem,
como
lidar
com
as
punições
injustas,
suas
consequências e com a falta de informação da Defensoria Pública? A Defensoria Pública é uma grande instituição que tem o seu valor, mas também suas limitações. Como lidar com essas punições injustas? Na minha concepção – e acho que também na grande maioria das pessoas aqui
presentes
-,
é
organizar,
organizar,
organizar.
Em
certas
coisas, o direito em si não vai te dar uma resposta. A resposta vem na política, no sentido nobre da palavra, e não da politicagem, da organização e da luta por prerrogativas básicas. Não tem jeito. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 62 Precisamos organizar debates, fazer a construção de mais espaço para abrir a discussão, ou, se não abrir essa discussão, mostrar como ela está
bloqueada
por
determinados
atores.
Ela
está
dominada,
bloqueada, e não querem debater. Há um enfrentamento democrático dessas violações. No limite, precisamos deixar muito claro a própria desobediência civil. O direito avança com certos incrementos, mas também com determinadas rupturas. Isso é sociologia criminal, dito, há muito tempo, por Émile Durkheim, na França, no século XIX. Avanço é com essas rupturas. Mahatma Gandhi, Martin Luther King, os Panteras Negras
foram
grandes
criminosos
da
história.
Mandela
foi
um
terrorista internacional até 2005. Isso não é brincadeira. O seu nome constava no FBI, no watch list de terroristas internacionais, quando um senador norte-americano viu o absurdo. Ele já era Prêmio Nobel, ex-presidente da África do Sul. Portanto, precisamos pensar nisso com carinho. Há certas coisas em que o direito traz uma limitação que precisamos próprio
construir
direito,
a
politicamente,
inclusive
Constituição,
as
internacionais de direitos humanos.
para
convenções
defender e
o
tratados
Às vezes precisamos forçar.
Quando o Estado viola o direito, precisamos ser defensores dele. Há uma coisa que não vou poder falar e que é deixada muito de lado, já mencionada pelo Dr. Felipe, o uso da PM com trabalho investigável pelo Ministério Público, violando o art. 144, da
Constituição,
e
Código do documento: 1194758
a
destinação
constitucional.
Isso
tem
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é
a
Polícia
Federal
e
a
Polícia
Civil,
que
são
controlados pelo Ministério Público, pela sua função constitucional de controle externo da atividade policial. Inatividade em especial, que
ocorre
muito
em
processos
de
pixo
e
outros
de
movimentos
sociais, de infiltração, tem um marco legal para poder seguir, a lei de organizações criminosas e a lei antidrogas. Ou seja, tem um marco legal e um controle do Judiciário e do Ministério Público. O setor da PM que faz essa investigação é o P2, o serviço reservado, que não tem esse marco. Ele só responde pela sua cadeia hierárquica interna e é um serviço secreto. Nem o Ministério Público faz o seu controle. Muitas vezes o Ministério Público não quer fazer o
controle
porque
se
alinha
com
o
que
a
PM
está
propondo.
A
investigação pela PM acontece em diversos processos, não somente nos de movimentos sociais e grupos vulneráveis, mas também naqueles envolvendo crimes do colarinho branco. Vemos muito isso. Há uma violação
da
(-
Inaudível)
da
Constituição
e
uma
perda
de
possibilidade de controle da atividade policial. Isso é uma coisa que foi construída pela ditadura militar: a P2 fazendo investigação, mimetizando o S2, que é a 2ª Seção do Exército, seção de informação. Era basicamente isso que queria falar. Gostaria de falar da questão do pixo como arte. Não vou entrar nessa discussão, apesar de ela ser muito boa e de já ter tido boas colocações aqui. Na pior das hipóteses, existe um direito do cidadão que é a responsabilização proporcional. Vou bancar um pouco Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 64 o professor aqui, rapidamente. Existe um grande marco do direito penal, fundador do direito penal liberal, Von Liszt, que nos dizia que o Código Penal é a magna carta do criminoso, porque lá o cidadão sabe as condutas que são previstas como crime, quais não podem e quais podem ser realizadas. A legalidade é uma garantia do cidadão também. Então, tenho o dever e o direito de não cometer crimes. Contudo, tenho o direito de, se cometido um crime por mim, ter uma responsabilização proporcional e devida, uma pena devida, proporcional, não excessiva, que não viole os meus direitos e garantias fundamentais. Eu tenho o direito disso. Contudo, é isso que as instituições e os agentes do sistema penal hoje, em especial no pixo, mas em tantos outros aspectos, esquecem: querem, em nome da “punitividade” geral, em nome da luta, do combate, da guerra contra o crime, dos mais diversos desvios de conduta, a pena máxima para crimes quais sejam, para se colocar como exemplo, para se controlar verticalmente a população preta,
pobre
e
da periferia
deste
país
e
para
afastar
todo
e
qualquer marco democrático de responsabilização por transgressões sociais.
Vivemos
hoje
um
momento
muito
complicado
em
termos
jurídicos e políticos. É muito importante deixar isso claro para avançarmos juntos e coletivamente. É isso o que tinha a dizer. A presidente – Dr. Fernando, obrigada. Talvez as pessoas queiram falar mais um pouquinho, por isso propus um debate para continuarmos de forma mais ampla. Gostaria de falar para vocês que, quando essa temática chegou ao meu gabinete, achei-a muito estranha. Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 65 Disse: gente, que assunto é esse? Não posso deixar de expressar que eu também estava sob o domínio do preconceito, de uma opinião hegemônica.
Aprendi
muito
aqui
hoje,
pelo
menos
o
que
devemos
enquadrar como um direito de manifestação. Isso é arte ou não é? Que tratamento podemos dar? Qual política pública devemos instituir? Isso deve ficar como algo mais marginal? São discussões que podemos aprofundar. Sou adepta do pensamento de que precisamos democratizar, cada vez mais, as cidades, não só no direito do político, mas no acesso a todo e qualquer direito às cidades. Confesso
que
para
mim
foi
uma
grande
surpresa
este
debate, uma surpresa boa. Precisamos aprofundar isso. Eu me sinto extremamente motivada, principalmente no momento em que vivemos hoje, da cultura da intolerância, de que qualquer manifestação que se rebele contra uma ordem instituída é crime. Hoje é crime ocupar escolas. Hoje é crime lutar, reivindicar, porque querem nos impor uma opinião sobre a cidade, sobre o Estado e sobre o País. Acredito que toda manifestação que contrarie essa ordem precisa fazer parte das nossas vidas. Certamente aqui haverá resistência, mas teremos também bons deputados e boas deputadas para abraçar esse direito democrático de manifestação. Parabéns a todos que aqui vieram. Todos
que
quiserem
participar
da
organização
desse
debate que faremos, com certeza no início do ano que vem, podem se inscrever com a minha assessora, a Daniela. Iniciaremos os trabalhos legislativos do ano que vem com esse grande debate.
Código do documento: 1194758
Gerência-Geral de Taquigrafia e Publicação 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 18ª Legislatura 22/11/2016 - 16 horas Pág. 66 Cumprida a finalidade da reunião, a presidência agradece a presença de todos e de todas e convoca os membros da Comissão de Participação
Popular
para
a
reunião
a
ser
realizada
no
dia
23/11/2016. Aproveito para convidar a todos, porque, há pouco tempo, na Assembleia, um parlamentar chamou uma parlamentar, de Brasília, de vaca, para expressar a sua opinião, a sua diferença em relação a ela. Ela foi chamada de vaca várias vezes. Esse é um tratamento que geralmente as mulheres recebem quando manifestam a sua divergência. Eles
nos
desumanizam,
nos
ridicularizam,
nos
humilham,
nos
inferiorizam. Aprovei um requerimento na Comissão de Mulheres para fazermos um debate no dia 25, sexta-feira agora, às 14h30min. O tema debate será: “Até quando seremos chamadas de vacas?”. Enfrentaremos esse debate na Assembleia. Então, aproveito para convidar a todos e a
todas
para
participarem
dele.
Portanto,
a
reunião
do
dia
23/11/2016, às 9h30min, tem a finalidade de debater as políticas públicas referentes à proteção da mulher do Vale do Jequitinhonha. Determino a lavratura da ata e encerro os trabalhos. Muito obrigado por terem me provocado para fazer esse debate. Fiquei feliz. Na próxima reunião da Comissão de Participação Popular, vamos aprovar os dois requerimentos feitos aqui. Para esclarecer, o debate “Até quando as mulheres serão chamadas de vaca?” será na sexta-feira, às 14h30min, na Assembleia. Um abraço a todos vocês. Obrigada. Palmas.)
Código do documento: 1194758
(-