BRECHAS URBANAS: o paralelo de uma arte que intervém

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BRECHAS URBANAS o paralelo de uma arte que intervĂŠm fernanda morais



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.grupo de pesquisa | Culturas e cidade: teoria e projeto Este trabalho está vinculado a pesquisa: UM TEATRO, UMA ASSOCIAÇÃO, UM COLETIVO: EXPERIÊNCIAS DE TERRITORIALIZAÇÃO EM SANTA CECÍLIA, BARRA FUNDA E CAMPOS ELÍSEOS, coordenada pela Professora Doutora Maria Isabel Villac, fomentada pelo MCTIC/CNPq Nº 28/2018 UNIVERSAL e pelo Mack Pesquisa Edital 2019, onde participei como voluntária no período entre fevereiro de 2019 a setembro de 2019. O grupo de pesquisa Teoria e Projeto, formado em 2011, desenvolve atualmente a pesquisa “CULTURAs E CIDADE: teorias e projeto”. A investigação focaliza a relação entre culturas e cidade, privilegiando suas estruturas físicas como amparo das práticas urbanas na vida cotidiana.

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BRECHAS URBANAS o paralelo de uma arte que intervém

Trabalho Final de Graduação para Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie

Agosto de 2020

Fernanda Letycia da Silva Morais

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agradeço à minha mãe, Maria, pela garra e pelo apoio incondicional. Pela imensa ajuda nestes seis anos, pelas noites viradas me auxiliando com maquetes, por ouvir minhas angústias, medos e anseios, e principalmente por ser uma mulher inspiradora em tantas formas; ao meu pai, Luiz, por lutar diariamente pela minha educação, oportunidades e sonhos; à minha irmã, Julyana, por sempre estar ao meu lado, por ser o equilíbrio durante o caos e por tornar a vida mais divertida; ao Angelo pela orientação, empenho, acolhimento e por todo apoio. Por acreditar e incentivar este trabalho desde o início e por ser um professor e arquiteto admirável; à Jennifer e Mayumi pela amizade, por estarem comigo desde o começo, pelo incentivo, pelas (incontáveis) ajudas e pelo carinho nessa caminhada. Obrigada por acreditarem, às vezes até mais que eu, neste trabalho e por me acolherem nos momentos difíceis; à Renata por todo carinho, pelo apoio durante o processo, pelas (muitas) ajudas, por pensar e elaborar este trabalho junto comigo, por não me deixar desanimar e por sonhar comigo; aos amigos que ganhei neste processo, Gustavo e Juliana, pelas ajudas oferecidas, pelo empenho e carinho e por deixarem esse processo leve e divertido;

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à Bel pela amizade que só se fortaleceu durante esse processo, por sempre escutar tudo o que tenho a dizer com muito carinho, pela dedicação, afeto e pela parceria; à Noelly pelo acolhimento e por compartilhar comigo as alegrias e tristezas deste último ano; à Batalha Dominação pela garra e determinação de organizarem um dos melhores momentos no centro de São Paulo, cheios de vida e resistência, por ocuparem e ressignificarem os espaços, pelas experiências proporcionadas, por ecoarem pelo Largo São Bento com tanta força e por serem o impulso deste trabalho; à Bel Villac pela energia e conhecimento compartilhado, por acreditar na força do espaço público e no direito à cidade e pelas orientações divertidas e leves; à Aninha pela amizade, por me ouvir e me acolher apesar das minhas ausências, por sonhar junto comigo até quando eu não conseguia mais; à Gleice e a Naomi pela amizade, pelas conversas, pela ajudas e pelo riso que alegrou a trajetória; à Manu e ao Camilo pelo imenso apoio, motivação e carinho, por sempre se preocuparem comigo e estarem ao meu lado, pelas madrugadas cheias de conversas e risos; por fim, ao Grupo de Pesquisa CULTURAs e CIDADE pela troca de conhecimento e por terem proporcionado momentos de debates e reflexões horizontais e divertidas.

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.sumário

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mote introdução a esquizofrenia da cidade da ótica sobre a cidade sobre errâncias a estética do dissenso experiências e visibilidades as práticas do dissenso sobre o espaço do centro a brecha: galeria califórnia o desejo da liberdade na arquitetura as utopias como norte para o palpável arquitetura da intromissão conclusões referências

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i. O território é na verdade uma “superposição de sistemas de engenharia diferentemente datados, e usados, hoje, segundo tempos diversos. As diversas estradas, ruas, logradouros, não são percorridos igualmente por todos. Os ritmos de cada qual empresas ou pessoas — não são os mesmos. Talvez fosse mais correto utilizar aqui a expressão temporalidade em vez da palavra tempo.

- Milton Santos¹

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¹ SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico científico informacional. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2013.


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Mรกrio de Andrade Lira Paulistana, 1945

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.mote Quando eu morrer quero ficar Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam. No Pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia. O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus. Adeus.

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intro dução

Vivenciar dinâmicas de uma cidade complexa como São Paulo permite a percepção da amplitude do espaço público e de suas diferentes formas de apropriação, entendendo-o como algo essencial para a formação e desenvolvimento da cidade. Estas formas de apropriação não só contribuem para a apreensão da cidade como local de encontro e troca, mas também como palco de expressões culturais legítimas e instrumentos de afirmação de resistência dos agentes sociais. A arte que se expressa na cidade em diálogo constante com os espaços pode ser considerada uma crítica à sociedade e aos modos de vida social. O estímulo do presente trabalho surge do pulsar dos espaços públicos do centro da cidade de São Paulo e, principalmente, pelas experiências vividas nestes. Emerge do interesse de questionar, através das manifestações e intervenções artísticas dentre suas diversas escalas, a capacidade de apontar problemáticas e reflexões sobre os espaços públicos, não apenas nas questões físicas de suporte, mas também nas relações de convivência e apropriação deste território.

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[4] A Cidade é pra Brincar Basurama Virada Cultural 2013



Deste modo, entre o trânsito intenso de pedestres, a efervescência do comércio ambulante e a riqueza arquitetônica, parte do centro de São Paulo - território entre a Praça da República e o Largo São Bento - contém em sua história marcas do surgimento da cultura Hip Hop no Brasil. Ao cair da noite, quando os comércios fecham e as vias esvaziam-se, os espaços públicos passam a ser utilizados pelos que ainda valorizam os primeiros passos de Nelson Triunfo - considerado como pioneiro no movimento cultural - com suas apresentações de break e batalhas de rima pelos calçadões. À vista disso, nas noites de segunda feira em uma das saídas da estação São Bento, a Batalha Dominação batalha de rima e conhecimento composta por mulheres - consegue transformar o pequeno vazio, tornando-o palco para o fenômeno da cultura urbana, utilizando como holofote a iluminação do que funciona durante o dia como banca de jornal. Apropriando-se da infraestrutura mínima da banca de jornal, reinterpretam a paisagem urbana com um ato de intromissão em um espaço com potencial para amparar suas atividades, chamadas aqui de brechas¹, cedidas pela cidade - acabando por dar novos sentidos às

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¹ O conceito de brecha - descrito mais a frente - é utilizado aqui para descrever os espaços que carecem de relação com a cidade e com a sociedade, dotados de potencialidade de amparo e utilização.


estruturas formais preexistentes no cotidiano deste território. A resistência desse coletivo, que utiliza a troca de conhecimento como forma de expressão artística, provoca significativas transformações nos espaços e é um dos muitos acontecimentos que ainda tomam forma nos calçadões, intensificando o uso de uma região marcada pelo esvaziamento noturno. Desta maneira, este trabalho busca analisar a cidade sob o olhar das expressões artísticas cotidianas, a partir da experiências vividas acompanhando Batalha da Dominação no período entre 2018 e 2019 e, a partir disto, a investigação de outras formas de apropriação dos espaços públicos e eventos culturais urbanos como A Virada Cultural, SP Na Rua, utilizados como estudo de caso nesta tese. Esta pesquisa não tem como objetivo contar a história da cidade, mas criar uma narrativa a partir da experiência proporcionada. O estudo apresentado se configura como uma possibilidade de leitura das dinâmicas culturais que se passam nos espaços públicos do centro de São Paulo, estabelecendo como ponto de partida as vivências da cidade.

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Torna-se inerente a necessidade de questionar o quase apego ao controle das pertinências do uso dos espaços e a postura comum do arquiteto de solucionar os vazios através de preenchimentos e adensamentos construtivos. E, assim, refletir sobre uma arquitetura que, adotando a configuração preexistente do lugar, articula diferentes possibilidades de usos por meio de ensaios que intervém e transformam as brechas urbanas, prolongando e reinterpretando sua narrativa social existente. Assim, o texto se encontra dividido em quatro partes: a primeira parte trata da compreensão geral do território e do aporte teórico utilizado nesta pesquisa, assim, no primeiro capítulo A esquizofrenia do território, a totalidade dos espaços dentro do contexto de globalização é apresentada através das noções de Milton Santos (2006); o capítulo seguinte, Da ótica sobre a cidade, aproxima as reflexões do território em questão sob a ótica da cidade como obra composta por dinâmicas políticas e sociais, enfatizando na leitura urbana as questões culturais.

[5] Bloco Calor da Rua República, 2020 Foto de divulgação

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A segunda parte, em Sobre errâncias, discorre sobre o histórico da prática diferenciando seus três momentos, as flanâncias, as deambulações e as derivas, enfatizando os conceitos que interessam por trás de cada uma delas. Assim, apresenta-se como a prática caminhou no Brasil como experiência artística e real da cidade, salientando a relação estética e política desta atividade. Em A estética do dissenso, explica-se a relação entre estética e política através dos conceitos de Jacques Ranciere (2009), relacionando a partilha do sensível² e as noções de dissenso³. O capítulo Experiências e visibilidades discorre sobre vivência da Batalha Dominação, motor da presente pesquisa, e das errâncias realizadas no território em questão. O sexto capítulo As práticas do dissenso relaciona as noções de pedaço, e José Magnani (1992); dissenso, de Jacques Ranciere (2009) as experiências errantes realizadas durante a pesquisa. Através de cartografias e levantamentos fotográficos, serão feitas reflexões sensíveis sobre as formas de ocupação dos espaços do centro de São Paulo.

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² PALLAMIN, V. Aspectos da relação entre o estético e o político em Jacques Ranciere. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (Online), n. 12, p. 6-16, 1 jul. 2010. ³ Ibidem. 4 CARDOSO, Sérgio. O olhar dos viajantes (do etnólogo), 1988, In: Artepensamento IMS ensaios filosóficos.


Em seguida, as noções físicas dos espaços no centro identificadas são abordadas em Sobre o espaço do centro. A paisagem urbana e a forma da cidade são discutidas a partir das errâncias e da prática de olhar para a cidade, introduzindo a descobertas nos espaços. O conceito de brecha urbana é apresentado, relacionando-o às noções de terrain vague de SOLÀ-Morales (1996) e amnésias urbanas de Francesco Careri (2016). Então, em A brecha: Galeria Califórnia, é apresentada a brecha urbana encontrada e discorre-se sobre o histórico da preexistência, a Galeria Califórnia. A terceira parte, em O desejo da liberdade na arquitetura, expõe-se o pensamento de liberdade na prática projetual e o dever de amparar a imprevisibilidade humana através da análise dos chamados condensadores sociais. Nesse mesmo contexto, em As utopias como norte para o palpável, as intervenções efêmeras como as do projeto Arte/Cidade, outra esfera do pensamento arquitetônico, são colocadas em pauta para a discussão sobre as táticas de intervenção como ferramenta de análise e crítica do espaço público e do ensaio projetual como alternativa. Por fim, na parte IV, em Arquitetura da intromissão, discute-se a possibilidade de inserir a prática projetual o enredo coletivo através da intervenção na Galeria Califórnia, num ensaio que busca estabelecer relações entre corpo e a cidade sob um espaço até então desprezado. Em seguida, a conclusão desta tese associa as reflexões realizadas, levantando uma hipótese.

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a esquizofrenia do território

Os territórios são esquizofrênicos. Segundo Milton Santos (2006, p. 55), ora recebem vetores da globalização, ora produzem uma contra ordem. Logo, o espaço é o espaço vivido, experimentado, da vida cotidiana, que assume papel revelador sobre o mundo. Para o autor, aesquizofrenia se determina a partir da realização do mundo a sua maneira pelos agentes. A compreensão da realidade em sua totalidade (2006, p. 74), sustenta que o espaço deve ser visto em sua totalidade, pois é a instância da sociedade. Assim, o espaço

“(...) reproduz a totalidade social na medida em que

essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos. Mas o espaço influencia também a evolução de outras estruturas e, por isso, torna-se um componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos.

(SANTOS, 2005, p. 33)

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Entretanto, é importante compreender que a totalidade e sua composição não se explicam de maneira particular. Compreendê-la significa fragmentar suas partes para identificá-las, mas não isoladamente. Se o espaço é visto como um todo e esse todo só é possível quando visto através do reconhecimento das partes, estas, por sua vez, só conseguem ser notadas através do reconhecimento do todo.

Assim, o espaço, é, antes do mais, especificação do todo social, um aspecto particular da sociedade global. A produção em geral, a sociedade em geral, não são mais que um real abstrato, o real concreto sendo uma ação, relação ou produção específicas, cuja historicidade, isto é, cuja realização concreta somente pode dar-se no espaço.

(SANTOS, 2006, p. 77)

A totalidade é um conjunto de possibilidades que pairam até que seja necessário e interessante de serem escolhidos. Assim, apenas algumas possibilidades se tornam reais, pois se reproduzem de maneiras diferentes para lugares diferentes. Logo, podemos compreender o espaço não apenas como palco para acontecimentos históricos, mas

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também como um condicionante para a realização desses (SANTOS, 2006, p. 80). Com isto, enxerga-se a complexidade dos espaços. Ao tratar do espaço banal¹ - espaço que interessa aos geógrafos, de tudo e de todos, onde a vida coletiva se realiza - cria-se uma solidariedade orgânica, onde todos os agentes exercem um espaço comum. Santos (2013, p. 51) associa as noções de verticalidades e horizontalidades. No território, as verticalidades são definidas como “um conjunto de pontos formando um espaço de fluxos” (SANTOS, 2006, p. 51) dentro da totalidade dos espaços, como um sistema de produção que exige velocidade e fluidez. Os espaços desses fluxos assumem uma forma organizacional, adaptando comportamentos e configurações locais aos interesses globais, estes em constante mudança. Isto acarreta a descontinuidade das situações nas verticalidades. As verticalidades podem corresponder ao fenômeno de apropriação de um território por agentes que detém uma hegemonia capital. A racionalidade e velocidade destas situações submetem o território ao tempo único da globalização. Nessa situação instalam-se forças centrífugas determinantes e dominantes, portadoras de uma racionalidade hegemônica (SANTOS, 2006, p. 52).

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¹ Ver SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p.72 et. seq.


[6] SĂŁo Paulo Foto de Nelson Kon

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Deste modo, elas configuram cenários que levam o território ao estranhamento, pois quanto mais submetidos às lógicas hegemônicas, mais hostis e alienados se tornam os espaços. Às horizontalidades correspondem a formas de extensões contíguas no espaço banal, onde tudo é considerado em sua continuidade. Segundo o autor,

“ Trata-se, aqui, da produção local de uma

integração solidária, obtida mediante solidariedades horizontais internas, cuja natureza é tanto econômica, social e cultural como propriamente geográfica. A sobrevivência do conjunto, não importa que os diversos agentes tenham interesses diferentes, depende desse exercício da solidariedade, indispensável ao trabalho e que gera a visibilidade do interesse comum.

(SANTOS, 2006, p. 53)

À vista disso, esta situação assegura a atuação de forças centrípetas. Assim, as horizontalidades são irracionalidades, ou seja, contra racionalidades, são formas de vida criadas a partir do próprio território a despeito dos impulsos de unificação e homogeneização das verticalidades. As verticalidades são regidas por um único relógio do tempo

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global, quanto as horizontalidades são regidas, ao mesmo tempo, por vários relógios, realizando assim diversas temporalidades (SANTOS, 2006, p. 54). Interessa então a aproximação às (não) lógicas das horizontalidades devido a atuação de forças que elevem as questões locais, na possibilidade de interação total dos espaços, das ações e a sociedade. Segundo o autor, “(...) o território não é apenas o lugar de uma ação pragmática e seu exercício comporta, também, um aporte da vida, uma parcela de emoção, que permite aos valores representar um papel” (SANTOS, 2006, p. 54), logo, o território é recurso e abrigo.

[7] São Paulo Foto de Nelson Kon

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da ótica sobre a cidade

Os espaços são o mundo que eles reproduzem, logo, individuais e diversos. Assim, a experiência da cidade nos permite reflexões sobre sua configuração. Sob essa ótica, entre os diferentes comércios que surgem conforme as necessidades do mercado, edifícios que escondem sua função por trás de sua arquitetura marcada pelo tempo e os grandes calçadões que abrigam uma multiplicidade de usos, nos deparamos com duas constantes: ora uma paisagem decorrente de seu esquecimento, ora tentativas de ocupação dos espaços por parte do coletivo. Em “O direito à cidade”, Henri Lefebvre (2011, p. 52) descreve o valor de troca do espaço e como ele é dado pelo seu valor de uso, de forma a materializar algo que é prático-sensível. Esse valor de uso é atribuído à cidade através da complexa relação entre o agente e o meio: não há obra sem ações e relações, assim como não existem agentes sem um meio para atuar sobre. Essas relações sociais que tomam forma na cidade são atingidas a partir do sensível e não se reduzem a ele, mas também se ligam ao mundo físico.

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Entende-se que o abandono do centro de São Paulo está diretamente ligado à potente economia da capital e sua devida migração para outras regiões da metrópole, tal como a Avenida Paulista e Berrini, submetendo então à região central a processos de configuração urbana de esquecimento. No entanto, sua riqueza é perceptível devido às políticas públicas que buscam a requalificação urbana, como a implantação do Centro Aberto nos Largos e a reforma do Vale do Anhangabaú. Não só como núcleo da vida social e política, seu valor de uso pode ser enxergado também nas diversas maneiras de apropriação existentes. Sua complexidade e a latente possibilidade de produção de conhecimento, técnicas e obras e de consumo do espaço configuram o centro obra lefebvriana. O consumo do espaço difere do consumo das “coisas, não só por sua dimensão e quantidade, mas também por características específicas. De fato, o tempo entra agora em cena, ainda quando o espaço programado e fragmentado tende a eliminá-lo. (...) O espaço envolve o tempo. Por mais que se queira omiti-lo, não se deixa dominar. Através do espaço, o que se produz e reproduz é um tempo social.

(LEFEBVRE, 1976, p. 110)

Ainda sob essa perspectiva, entende-se que a análise urbana deve compreender as lógicas dos processos políticos, econômicos e sociais que pairam sobre a cidade e modelam o espaço urbano, permitindo com que grupos sociais se apropriem dele, atribuindo-os ritmos e configurando especificidades.

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Em “As Cidades Invisíveis” (1972), Italo Calvino explora essa complexidade e analisa os fenômenos urbanos através de uma narrativa onde cidades arquétipos imaginárias são classificadas de acordo com as “adjetificações” que correspondem a questões centrais das cidades existentes. Zora descreve a questão da cidade e a memória, onde cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades e contrastes. Já Sofrônia mostra os contrastes e as errâncias entre a meia cidade fixa e a meia cidade nômade. Em Zaíra, segundo o autor, a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas das mãos, escrito em sua forma física. Essa narrativa permite análise da cidade sob a ótica de uma questão específica, onde as cidades imaginárias descritas por Calvino são frutos de uma reflexão e subjetivação das questões como a memória da cidade e o desejo da vida urbana. À vista disso, o desejo da leitura do centro de São Paulo, sob as questões artísticas e os impactos destas atividades, é o âmago das lógicas aqui apresentadas. Dentro desse contexto, voltando à experiência da cidade, nota-se a persistência de uma tentativa de democracia espacial construída pelas intervenções artísticas que, em sua essência, guardam o aspecto de resistência, o que José Magnani chama de pedaço¹ (1992, p. 192) - locais de identidade que constroem relações. Os possíveis usos do espaço enfatizam-se nesse território, onde o caráter de interclasses é frisado e os diversos grupos se cruzam diariamente. A cidade está diretamente relacionada à sua sociedade em conjunto, sustentando relações de produção

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¹ É importante ressaltar que a noção de pedaço no centro da cidade se difere da noção periférica; de acordo com Magnani, a apropriação de um determinado espaço por meio do reconhecimento e formação de identidade é o que constrói o conceito de pedaço (MAGNANI, 1992, p. 200).


e de projeções de uma sociedade com enorme diversidade sociocultural, complexa e conflitiva (FRÚGOLI, 2000; p. 59). como a rua é a forma de utilizá-la, o espaço “é oAssim uso que permite. Os significados que um determinado suporte material (esquina, calçada, quintal, rua etc.) pode assumir, resultam da sua conjugação com uma atividade e mudam de acordo com ela. Falamos de espaços e do que pode acontecer, gramaticalmente, em cada um. E o que pode acontecer varia. Mas, na variação mesma dos eventos possíveis, existe uma estrutura que torna o espaço apenas mais uma dimensão do social.

(SANTOS; VOGEL, 1985, p. 48)

Entende-se que a vida comunitária dá à cidade seu caráter orgânico, o ato de afeição ao território reforça na produção de obras sua beleza, e na luta de classes, o sentimento de pertencimento (LEFEBVRE, 1978, p.20). No que se refere ao questionamento do cotidiano como experiência urbana, Lefebvre confere à dialética do espaço a dialética do cotidiano. A todo momento que há uma inter-relação entre o lugar e o tempo e a movimentação, confere-se a produção do espaço, logo, a apropriação do espaço não pode ser compreendida externamente aos arranjos da vida cotidiana. O modo de vida contemporâneo na cidade levanta diversas discussões quanto à forma em que são estabelecidas as relações entre o sujeito, a cidade e a vida cotidiana. No campo das artes, a intervenção urbana surge como uma maneira de trazer à tona,

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através das diversas formas e técnicas, aspectos e questionamentos sobre como o sujeito e o meio urbano se relacionam no mundo atual. Como berço de movimentos culturais, os calçadões do centro de São Paulo abrigam multiplicidade de usos, onde essas práticas intervencionistas são capazes de criar rupturas nas lógicas da realidade repetitiva e protocolada do cotidiano. Além de proporcionarem espaços e relações afetivas, também são uma forma de resistência à normatização do comportamento das pessoas no ambiente urbano (CRUZ, 2017, p. 30). As regras de utilização do espaço estão permanen“temente em construção. Mas ao fazê-lo a sociedade estará também construindo um conjunto de relações sociais úteis e seus intérpretes.

(SANTOS; VOGEL, 1985, p. 49)

É possível registrar as diversas formas em que o espaço é apropriado. Os registros dessas atividades, sendo elas momentâneas ou não, são ferramentas importantes para ampliar as reflexões sobre as formas de uso da cidade. Para Paola Berenstein Jacques² , essa prática permite a experiência da alteridade na cidade. Dentro desse contexto, as ações intervencionistas que ocorrem no centro muitas vezes têm caráter efêmero, enquanto outras deixam rastros que se prolongam na memória da cidade.

² JACQUES, 2014 apud CRUZ, 2017, in Práticas do dissenso: intervenções artísticas nos espaços públicos. p. 38.

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A hostilidade dos espaços públicos é um estorvo do cotidiano. Logo, a persistência em intervir traz transformações não só físicas, mas também nas relações de espaço-tempo de um território, alterando completamente sua ambiência. A coexistência conforma a paisagem urbana e soma significado ao espaço (CRUZ, 2017, p. 45).

[8] Partida e futebol na rua Santa Ifigênia, 2019 Foto de Paulo Cesar Rocha

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.sumário

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mote introdução a esquizofrenia da cidade da ótica sobre a cidade sobre errâncias a estética do dissenso experiências e visibilidades as práticas do dissenso sobre o espaço do centro a brecha: galeria califórnia o desejo da liberdade na arquitetura as utopias como norte para o palpável arquitetura da intromissão conclusões referências

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ยน CARERI, Francesco. Caminhar e Parar. Sรฃo Paulo: Gustavo Gili, 2017, p. 28.

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todo lugar há confins invisíveis, nunca traçados mas, assim mes“mo,Emprontos a se modificarem a todo momento. Tudo se mantém num equilíbrio instável e parece que, desde sempre, a história desse lugar, onde ninguém é proprietário e ninguém tem verdadeiros direitos, tenha sido uma sequência de acordos temporários capazes de englobar, sem nunca produzir graves traumas, cada chegada e cada partida, cada confinamento e cada possibilidade de passagem.

- Francesco Careri ¹


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sobre errâncias

O caminhar pode ser compreendido como um método de ocupação dos espaços e como uma expressão simbólica, que consegue colocá-la sob a leitura de um ponto de vista imerso nas dinâmicas do território. As grandes reformas do século XIX tornaram o caminhar como prática de reconhecimento das cidades, permitindo o questionamento das formas de atuação do urbanismo moderno. Em “Elogio ao Errantes: Breve histórico das errâncias Urbanas”, Paola Berenstein Jacques¹ decorre a valorização das práticas errantes como possibilidade de experiências de alteridade urbana. Permeando o campo da partilha do sensível de Jacques Ranciere, a autora coloca em questão a “(contra) produção de subjetividades”, onde as práticas errantes operam criando deslocamentos nas configurações hegemônicas e homogêneas (2012, p. 11). Jacques aponta três momentos da prática errante que surge da investigação do espaço pelo flâneur, figura

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¹ JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes. 1 ed. Salvador: EDUFBA, 2012. ² Apesar de seu primeiro aparecimento nos textos de Baudelaire, asexperiências do caminhar em Paris já haviam sido narradas anteriormente por figuras como Honoré de Balzac em 1814 com La fille aux yeux d’or ou La comédie humaine e Victor Hugo com Notre Dame de Paris, de 1831 e Les Misérables, em 1831 e 1862 respectivamente (JACQUES, 2012, p. 41).


identificada por Baudelaire² que era ao mesmo tempo fruto e crítico do urbanismo moderno. Essa prática se baseava em uma experiência que ia de encontro com a vida movimentada da cidade, de maneira a chocar-se com a multidão desordenada, deixando-se ser engolido e levado por ela. Os flâneurs eram instigados pelos novos elementos da modernidade, como as multidões, a velocidade das informações, os jornais, os letreiros etc., colocando-se de frente às questões que buscavam criticar.

[10] Gravura rupestre Bedolina, cerca de 1000 a.C. Um dos primeiros mapas que podem ser identificados, segundo por Francesco Careri, como uma cartogafia psicogeográfica. Fonte: Walkscapes, 2013, p. 47

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“ O flâneur, figura que se desenvolve ao mesmo

tempo que as grandes cidades se modernizam, não esconde sua ambiguidade: deixar-se fascinar pela modernização, mas também reage a ela (...) A flanâncias, esse primeiro momento de nosso histórico errante, seriam então errâncias diretamente relacionadas à experiência corporal do perder-se lenta e voluntariamente no meio da multidão, do se deixar ser engolido pelo anonimato de tantos outros nas calçadas das grandes cidades.

(JACQUES, 2012, p. 47 e 73)

O segundo momento apontado por Jacques foi o das deambulações aleatórias que surgem com os movimentos artísticos surrealistas e dadaístas. É possível afirmar que as vanguardas realizavam explorações espontâneas, que, como um prenúncio das deambulações, visavam denunciar locais vistos como banais, resquícios do urbanismo moderno, através da introdução da psicanálise e da busca da nacionalidade no campo das artes. As vanguardas criticavam o território através de experiências físicas que buscam interação com o outro através de provocações. errante vai de encontro à alteridade na cidade, “aoOOutro, aos vários outros, à diferença, aos vários diferentes; ele vê a cidade como um terreno de jogos e de experiências. Além de propor, experimentar e jogar, os errantes buscam também transmitir essas experiências através de suas narrativas errantes. São relatos daqueles que erraram sem objetivo preciso, mas com uma intenção clara de errar e de compartilhar essas experiências. Através das

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narrativas errantes seria possível apreender o espaço urbano de outra forma, pois o simples ato de errar pela cidade cria um espaço outro, uma possibilidade para a experiência, em particular para a experiência da alteridade.

(JACQUES, 2012, p. 23)

Interessa saber que os primeiros relatos das deambulações tinham em suas narrativas uma atitude etnográfica surrealista em busca do estranhamento daquilo que era cotidiano, a partir do desejo pelos resíduos e pela fugacidade urbana. Diferente das flanâncias, os errantes das deambulações surrealistas não estão maisembriagados pela multidão, “devoram a multidão, entram naspassagens, se tornam passagens; como o trapeiro, recolhem trapos, sobras, restos da cidade, e se embriagam com a própria fugacidade moderna, com a fugaz-cidade moderna (JACQUES, 2012, p. 131). No Brasil, as errâncias enfrentaram a ambiguidade com a chegada do modernismo, onde de um lado havia a presença do internacionalismo e do outro a do nacionalismo. A complexidade de um urbanismo que procurou projetar para uma sociedade moderna, que ainda não existia, terminou por gerar uma discussão sobre a introdução da disciplina e sobre a identidade da sociedade brasileira que estava se erguendo. Assim, as práticas errantes também eram realizadas por artistas brasileiros, representadas por figuras como Flávio de Carvalho que questionava os costumes e os padrões na multidão, de maneira provocativa, relatando suas experiências em seus livros.

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“O interesse de Flávio de Carvalho era exatamente

provocar a multidão, de forma bem mais ativa do que o flâneur em suas flanâncias; ele a desafia ao andar no sentido contrário da turba de fiéis, com seu desrespeitoso boné na cabeça, e, a partir daí, busca analisar, com base em investigação psicológica, os diferentes comportamentos, tanto daqueles que estavam dentro da procissão quanto dos que estavam somente assistindo à sua passagem.

(JACQUES, 2012, p.103)

Por fim, o terceiro momento da prática errante corresponde ao momento das derivas. Os situacionistas, grupo conduzido por Guy Debord, lutavam contra a cultura do espetáculo, ou seja, contra a alienação e a postura passiva da sociedade através da participação ativa em todos os campos socioculturais. Segundo Paola Jacques, esse interesse nas questões urbanas surgiu da importância do meio urbano como terreno de ação e produção, criticando o funcionalismo e [11] Experiência 3 Flavio de Carvalho


racionalismo do movimento moderno. Através de noções da psicogeografia, deriva e criação de situações, o movimento situacionista propunha o exercício de jogos pela cidade como forma de experiência. A autora afirma que “as grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva é uma técnica de andar sem rumo. Ela se mistura à influência do cenário” (JACQUES, 2003, p15) . Inicialmente interessados em ir além dos padrões da arte moderna, os situacionistas propunham uma arte diretamente ligada à vida, lutando contra monotonia e alienação da vida urbana, transformando os espectadores em protagonistas . A medida em que esse pensamento foi desenvolvido, se colocavam mais contra o monopólio urbano e o planejamento em geral, defendendo que somente a sociedade teria a capacidade de mudar o meio urbano. Logo, os situacionistas propunham a apropriação das cidades, por meio da sociedade, através da criação de situações com a deriva.

“ Nossa ideia central é a construção de situações,

isto é, a construção concreta de ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade passional superior. Devemos elaborar uma intervenção ordenada sobre os fatores complexos dos dois grandes componentes que interagem continuamente: o cenário material da vida; e os comportamentos que ele provoca e que o alteram.

- Debord, 2003, original de 1957. ³

³ in JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes. 1 ed. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 210.

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As experiências das derivas resultaram em cartografias que consideravam aspectos psicogeográficos e sensíveis, buscando identidades, individualidades e diversidades, e colocando em consideração figuras reais e situações cotidianas em jogo. É possível traçar um paralelo do pensamento situacionistas no Brasil. O movimento tropicalista tratava da questão cotidiana e banal da vida, valorizando a arte de rua. As inquietudes de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Ligia Pape destacam-se pelos ensaios sobre a relação do corpo e o espaço. Nos Parangolés, de Oiticica, “os espectadores passavam a ser participantes da obra” (JACQUES, 2005, p. 24), pois envolviam a influência do corpo, do samba, da coletividade anônima e a influência da arquitetura das favelas. Em suas obras posteriores, Hélio Oiticica mostrava a fusão entre a vida e a arte, buscando experiencias físicas, corporais, sensoriais e urbanas. A partir da influência do pensamento situacionista, apresentou o Delirium ambulatorium, uma de suas derivas urbanas, que buscava poetizar o urbano (JACQUES, 2005, p. 24).

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Dessa maneira, pela contextualização do histórico da prática errante, é possível entender como o caminhar como prática estética e sensível se coloca de frente ao urbanismo servindo de ferramenta de análise. A narrativa crítica ao pensamento do urbanismo moderno é percebida em diversos momentos, tanto pelas flanâncias que identificaram o engolimento das cidades antigas pelo urbanismo moderno, pelas deambulações que expunham os espaços banais e marginalizados através da interação com estes, quanto pelas derivas que buscavam a protagonização da sociedade através do caminhar. É possível compreender as posturas adotadas nos três diferentes momentos tanto do ponto de vista de análise quanto por instrumento de mudança. O caminhar que é posto aqui como experiência estética, de maneira ou outra, prezavam pela valorização do ser humano e pelo reconhecimento dessa prática como essencial para a formação de cidades.

[12] Parangolés Hélio Oiticica


ii.

a estética do dissenso

A relação entre estética e política discutida por Jacques Ranciere (2009) destaca o deslocamento dela enquanto associada às teorias do belo e à sua redução ao esteticismo. O autor refere-se à estética como uma “distribuição do sensível”, onde são determinados os modos de articulação entre formas de ação, produção, percepção e pensamento (PALLAMIN, 2010, p. 6). Esses modos se associam ao que o filósofo chama de partilha do sensível, onde prevalecem ao mesmo tempo noções de participação e separação, definidas através do compartilhamento de algo comum e a censura em partes exclusivas. É nesse plano que se estabelece a relação entre política e estética. Segundo o autor, a estética aqui diz respeito a um sistema específico de identificações e pensamentos em um recorte de tempo e espaço, definindo o que está em jogo. Nesse contexto, a estética na política tem configuração própria e se manifesta de maneira sensível, no qual seu alcance atinge as formas de ser. O sensível diz respeito ao estético e ao “político simultaneamente, e a sua partilha é sempre de caráter polêmico, atingindo os modos de ser e as maneiras com que se distribuem as ocupações,

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entendidas sob larga abrangência, no mundo do comum e de suas possibilidades.

(PALLAMIN, 2010, p. 6).

Essas articulações das formas a priori reconfiguram sua dimensão de maneira a dar visibilidade àquilo que até então não se fazia visível. Logo, deve-se compreender a estética na política sob a condição de que a política em si só ocorre quando as lógicas das partilhas são perfuradas por outros conflitos, atacando as relações de subordinação deste meio e atualizando os princípios de igualdade. Assim, essa provocação na política causa o que o filósofo chama de dissenso. Trata-se de conflito entre aquilo que está em discussão, quem o constitui e seus termos de designação. Os dissensos possuem a capacidade de romper com a configuração natural das coisas, criando deslocamentos nas gravidades definidas (PALLAMIN, 2012, p. 8). As atividades dissensuais podem ser reconhecidas nas apropriações dos espaços públicos como manifestações e reivindicações da vida urbana. É importante ressaltar que a política não tem lugar próprio, mas trata-se de atuações e formas de pensamento no campo da experiência que desafiam a ordem em vigor em nome da igualdade (PALLAMIN, 2010, p. 8). Essa noção diz respeito a processos que criam frestas na ordem sensível e natural das coisas e as confrontam, redesenhando os campos de pertencimento.

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ii.

experiências e visibilidades

“ A arte não reproduz o visível, ela faz visibilidades. ” - Paul Klee

.primeiro momento: sobre o âmago, a batalha dominação.

Um grito em conjunto inicia: - As mina na ativa, as mina na ação! - grita Gaby. - Dominação! Dominação! - respondem todas as mulheres presentes naquele momento. E assim começam as noites de segunda-feira.

...

Sob a luz de uma banca jornal e o vazio das noites no centro, um microfone reúne dezenas de jovens das diferentes zonas de São Paulo todas as segundas-feiras. Trata-se da Batalha Dominação, uma batalha de conhecimento e improviso para mulheres que acontece nos arredores do Largo São Bento desde 2016. A ideia de sua criação surgiu a partir do incômodo e reflexão das organizadoras sobre a ausência da participação da mulher no cenário do movimento hip-hop¹ e do anseio de ocupar e resistir nos espaços da cidade.

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A batalha começa com um grito de guerra, convidando aqueles que se aproximam para o microfone aberto. Esse é um momento livre, onde todos podem contribuir compartilhando uma poesia, uma rima, uma canção ou até oferecendo algum tipo de produto. A relação de troca entre os espectadores é forte. A luz é deixada acesa pelo proprietário nos dias do evento, em resposta do cuidado que os participantes demonstram pela banca. Um evento regado de gentilezas permutadas. A banca ilumina a todos até as 23h. A dimensão que a batalha tomou durante esses quatro anos é perceptível, como se pudéssemos sentir a potência daquele espaço pulsando no momento do acontecimento. O que interessa compreender é a maneira com que essas mulheres intervêm neste espaço de forma quase intrometida, dando uma visibilidade sobre a banca que até então não existia. É nessa constante criação coletiva projetada no território que se encontram as questões urbanas, isso porque as intervenções artísticas são ferramentas de denúncia e

¹ Como forma de expressão popular, o movimento Hip Hop, surgido durante os anos 70 no distrito de Bronx, em Nova York, tomou forma nos espaços públicos, enfatizando seu caráter de resistência destes grupos sociais e ressignificando territórios. No Brasil, partindo de questões sociais distintas, o movimento ganha força na década de 80. Entre o trânsito intenso de pedestres, a efervescência dos comércios e a riqueza arquitetônica, parte do centro de São Paulo - entre a rua 24 de maio e a Estação São Bento - contém em sua história marcas do surgimento da cultura Hip Hop. Através das batalhas de break, os encontros realizados provocaram não apenas um novo conceito de arte da periferia - em diálogo com as áreas centrais - mas também a necessidade de ocupação do espaço público (DIAS, 2018, p. 10). O espaço da rua constituiria um elemento de afirmação e identidade não só desse movimento, mas também uma zona de conflitos de interesses entre as diversas dinâmicas existentes. Passa então existir uma nova maneira de intervenção na cidade, através de um movimento que tomou configurações culturais e políticas.

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escape, enunciam possibilidades de uma efemeridade que a arquitetura por si só jamais poderia configurar.

“ A coisa mais importante que aprendemos é que o espaço de integração se produz por meio de um ato de criação coletiva, (...) numa comunhão de competências de aspirações.

(CARERI, 2017, p. 49).

A afirmação de Careri (2017, p. 49) ressalta a ideia de que um espaço só é espaço quando habitado. Aressignificação deste se dá não só pela tentativa de resgatar a memória do movimento, mas também pela intervenção através do uso da banca, desfazendo-se de sua função direta. Não se trata mais de um ponto de comércio, mas um equipamento urbano improvisado que se torna palco para a resistência dessa arte intrometida e que pode ser feito e desfeito somente através da experiência pessoal.

[13] Batalha Dominação Foto de Thamy Cabral


(...) a arte é capaz de pegar desprevenida a cidade, “pegá-la de modo indireto, lateral, lúdico, não funcional, de tropeçar em territórios inexplorados, em que nascem novos fenômenos e novas questões, de entender seus valores simbólicos e de produzir ações e imaginários imateriais, muitas vezes mais úteis do que a planificação e a edificação física dos lugares.

(CARERI, 2017, p. 60)

Aproximo as noções de dissenso de Jacques Ranciere à atuação da Batalha Dominação. As ações de micro resistências urbanas, de natureza crítica e sensível latentes nesse ato de quase intrometimento, criam fissuras no cotidiano do Largo São Bento. Abre-se uma fenda na relação espaço-tempo e instaura-se uma ação coletiva. É nesse processo de identificação de um potencial maior em um local que carece de relação com a vida urbana.

[14] Batalha Dominação Foto de Thamy Cabral

[15] Batalha Dominação Foto de Thamy Cabral


.segundo momento: sobre a experiência da cidade, de sua velocidade e multiplicidade.

“ A capacidade de saber ver lugares no vazio e

por isso de saber dar os nomes a esses lugares é uma faculdade aprendida ao longo dos milênios que precedem o nascimento do nomadismo. Com efeito, a percepção/construção do espaço nasce com as errâncias conduzidas pelo homem na paisagem paleolítica (...) A história das origens da humanidade é uma história do caminhar, é uma história de migrações dos povos e de intercâmbios culturais e religiosos ocorridos ao longo de trajetos intercontinentais. É às incessantes caminhadas dos primeiros homens que habitaram a terra que se deve início da lenta e complexa operação de apropriação e de mapeamento do território.

...

- Francesco Careri ²

Partindo da Praça da República, o trajeto se inicia pela avenida Ipiranga, onde os ritmos da vida acelerada cruzam o caminho como se fossem obstáculos. O olhar percorre toda sua extensão. O contraste entre a praça e os edifícios colados uns aos outros confundem o olhar. Segue-se até a rua 24 de Maio, onde a hostilidade das

² CARERI, Francesco. Walkscapes: O Caminhar como prática estética. 2 ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2013. p. 44

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fachadas comerciais e dos automóveis que transitam desordenadamente levantam a dúvida se aquele trecho pode ser considerado como um dos calçadões do centro. - Será? Mas passa carro... A rua se preenche de vozes e sons, de vendedores ambulantes e seus carrinhos, de pessoas a passeio e pessoas de passagem, tudo isso numa imensa diversidade de acontecimentos todos ao mesmo tempo. - compro ouro - procurando piercing moça? - dread, trança aplique, aplique! - boa tarde, coma à vontade por apenas 15 reais com bebida. Os fios cruzam o caminho do céu, também preenchendo a paisagem quando se olha para o alto. Mesmo assim, pequenas pausas se formam nas entradas do SESC 24 de Maio e da Galeria do Rock, concentrando pequenos grupos de pessoas. Recua-se um pouco o trajeto e torna-se à direita na Dom José de Barros. Os pilares da Galeria Califórnia dão ritmo a Barão de Itapetininga. “Bonito, mas o que tem lá?”; um cânion entre gigantes que abriga uma loja de opções a R$1,99 chama atenção: possibilidades.


A caminhada continua seguindo a rua Barão de Itapetininga; segue-se pela Conselheiro Crispiniano, ora tomada por automóveis tentando acessar os vários estacionamentos, ora apropriada pelos skatistas que levam vida à calçada do Theatro Municipal. Encontra-se a Praça das Artes; outro respiro, dessa vez proposital, quebra com a paisagem urbana. Percorre-se o interior da Praça, por conta do vazio do meio da tarde, decide-se que o trajeto retorne e siga pela Avenida São João. Uma partida de futebol toma a avenida e traz vida ao Vale do Anhangabaú, junto ao bar lotado de pessoas e um DJ tocando reggae. Já é noite. Também já é Virada Cultural. O Vale se enche de pessoas num cenário que abraça todos os desejos que pairam sobre a cidade: as descobertas nas interação com os edifícios através das intervenções artística e projeções mapeadas, as vontades de utilizar até mesmo o meio da rua como palco para algum show, o encontro com as diversas partes da cidade, tudo em uma noite. O olhar vai em direção ao edifício Altino Arantes – hoje chamado de Farol Santander - já amanheceu e é segunda-feira. O impulso faz com que o trajeto continue subindo a rua Líbero Badaró, estreita e hostil, onde os prédios monumentais espremem os fluxos, mas então, outro respiro. O olhar percorre novamente a paisagem. À frente, o Mosteiro São Bento, com a velocidade daqueles que vão fazer compras pela região logo cedo; à direita, o

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[16] Vale do AnhangabaĂş, 2019 Foto da autora [17]Rua 24 de Maio, 2019 Foto da autora

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centro aberto, com pessoas sentadas nas cadeiras durante o horário de almoço. À esquerda, a banca de jornal, já é noite de novo. Mulheres começam a se reunir em volta da banca, todos se conhecem ao mesmo tempo que não. Gabriela, Jade e Ingrid chegam, instalam a caixa de som, pedem para que as pessoas se aproximem e se e assim começam: - As mina na ativa, as mina na ação! - Dominação! Dominação! E assim começam, de novo, as noites de segunda-feira.

[18] Batalha Dominação Foto de Thamy Cabral

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ii.

as práticas do dissenso

Partindo da compreensão sobre a capacidade das práticas errantes e da noção das práticas de dissenso, avanço para a imersão no centro de São Paulo, investigando paralelamente as questões físicas e sociais desses espaços sob um olhar sensível. As interpretações do território em questão apoiaram-se em cartografias resultantes das derivas, possibilitando acionar leituras sobre as realidades das práticas artísticas, culturais e ocupacionais dentro do contexto da região. Os ensaios cartográficos presentes buscam expor o âmbito investigativo da relação enxergada entre a cidade e o homem no momento preciso da experiência. As derivas realizadas entre o período de análise¹ do Centro Novo revelaram características sobre o território e as faces que ele assume. Os caminhos representados na cartografia de fluxos apontam os percursos constantes realizados que conectam os chamados pontos de confluência, ou seja, pontos do território que concentram as diversas identidades sociais - que configuram as noções de pedaços² de José Magnani.

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¹ O território analisado corresponde a área delimitada entre as estações de metrô República e São Bento, conforme representado na cartografia de delimitação do território, entre os meses de abril de 2018 e fevereiro de 2020. ² ver MAGNANI, José. Da periferia ao centro: pedaços e trajetos. in Revista de Antropologia. São Paulo, USP, 1992, p. 200.


100x100m

A identificação dos pedaços foi proporcionada por meio de trajetos que pulsam a vida urbana deste território. Logo, os percursos apresentam uma compatibilidade. Apesar de serem inicialmente traçados de maneira aleatória, resultam em uma lógica de caminhos que evidenciam as atividades ocupacionais. A combinatória de caminhos construídos dentro da mancha do centro de São Paulo - Avenida Ipiranga/Avenida São Luís/Rua Dom José de Barros/Barão de Itapetininga/24 de Maio/Conselheiro Crispiniano/São João/Largo São Bento - permite a identificação dos pedaços existentes no território, também como suas práticas de lazer, momentos de encontro e construção de sociabilidade.

[19] cartografia de delimitação do território República, São Paulo elaboração própria

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“ Lazer, devoção, práticas desportivas e associativas, troca de pequenos serviços, favores e informações e maledicências, disputas -, é no horizonte da vida do dia-a-dia que o pedaço se inscreve, possibilitando o ingresso e participação naquelas práticas de forma coletiva e ritualizada. Muito bem, e no resto da cidade? Que acontece em outros espaços mais impessoais, percorridos por desconhecidos e regidos por outras lógicas? Não é difícil perceber a existência de pedaços, em regiões centrais da cidade (...). Só que neste caso já começa a delinear-se uma diferença com relação às formas anteriormente descritas de apropriação do espaço. Gangues, bandos, turmas, grupos exibem - nas roupas, nas falas, na postura corporal, na música - o pedaço a que pertencem. Neste caso já não se trata de espaço marcado pela moradia, pela vizinhança, mas o “efeito pedaço” continua: o que se busca é um ponto de aglutinação para a construção e fortalecimento de laços.

(MAGNANI, 1992, p. 200)

É importante ressaltar que as práticas de dissenso identificadas durante a pesquisa contemplam diferentes maneiras e objetivos de atuação no espaço público. Os coletivos de dança identificados colocam a experiência corporal como vetor da intervenção, resgatando a memória cultural como forma de resistência. Tal como as batalhas de rima, outras apresentações de dança ocupam principalmente os calçadões onde ocorreram as primeiras manifestações dessa cultura.

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[15] Cartografia de delimitação do território República, São Paulo, 2019 elaboração própria


A segunda experiência identificada foram apropriações que colocam em reflexão o alcance do potencial do espaço e o direito de usá-lo. Essas experiências eram realizadas pelos próprios moradores da região como um ato de reivindicação de espaços de lazer através de partidas de futebol no meio dos calçadões da Avenida São João. Interessa também destacar a experiência dos eventos culturais no centro de São Paulo que colocam em questão a arte contemporânea. Além de uma série de shows e apresentações musicais, A Virada Cultural, evento anual promovido desde 2005 pela prefeitura de São Paulo, reuniu diversos coletivos que realizaram diferentes intervenções artísticos que se constroem situações únicas que se diluem na cidade e colocam a obra enquanto acontecimento efêmero. Estas obras-manifestações não possuem o seu valor estético “aderente à forma, mas sim à sua condição de acontecimento efêmero, em que a participação do público faz-se, muitas vezes, relevante e, simultaneamente, imperceptível. A arte pública interage de tal modo com a realidade da cidade e os seus fluxos que não é percebida como tal. A desmaterialização da arte é fruto das reflexões contemporâneas sobre o seu papel e lugar. A cidade como lugar da vida cotidiana, do coletivo, do fluxo de ações, dos acontecimentos e temporalidades e da acumulação histórica, oferece reflexão estética ao converter-se em parte das obras-manifestações de arte pública (...) A arte nos espaços públicos lida com a recuperação das relações entre o homem e o mundo, entre o sujeito e a cidade, tendo em vista os problemas que a área urbanística vem enfrentando e que afetam tais relações.

(CARTAXO, 2009, p. 3-14)

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cartografia nº 1 cartografia sobre percursos e trajetos

percursos pontos de confluência

Nota: as cartografias presentes são de elaboração própria

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3

2 1

6

7

4

5

cartografia nº 2 cartografia sobre apropriações do espaço público por práticas artísticas

concentração

1. apresentações de coletivos de dança e artistas de rua 2. batalhas de dança de rua - Coletivo Boombox Brasil e 3. 4. 5. 6. 7.

Coletivo Guriaz batalhas de dança de rua apresentações de artistas de rua apresentações de artistas de rua apresentações de artistas de rua batalha Dominação e Slam Marginália

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1

3 6

2

4 5

cartografia nº 3 cartografia sobre apropriações do espaço público por práticas de lazer e pelo comércio ocupação pela extensão de bares que, pela concentração de pessoas, atraem artistas de rua

1. 2. 3. 4. 5. 6. 66

extensão dos bares da avenida Vieira de Carvalho extensão dos bares da rua Barão de Itapetininga extensão da rua Dom José de Barros extensão dos bares da Galeria Metrópole extensão dos bares da rua Formosa Centro Aberto Largo São Bento


cartografia nº 4 cartografia sobre a experiência do espaço público pelos blocos de carnaval de rua no período entre fevereiro e março de 2019

concentração e percurso dos blocos de carnaval de rua

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cartografia nº 5 cartografia sobre a experiência do espaço pública pelas festas de rua do evento SP na Rua, em setembro de 2019

concentração de festas de rua

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cartografia nº 6 cartografia sobre a experiência do espaço público pelas apresentações, atrações e intervenções artísticas no evento Virada Cultural, em setembro de 2019 concentração das atrações, apresentações e intervenções artísticas

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[20] ExtensĂŁo dos bares da rua BarĂŁo de Itapetininga, 2019 Foto da autora

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[21] Batalha de dança no Metrô São Bento no mês no Hip-Hop, 2019 Foto da autora

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[22] Apresentação de dança do coletivo Boombox Brasil na rua 24 de maio, 2019 Foto da autora

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[23] Bloco Tarado Ni Você Foto de divulgação [24] Bloco Calor da Rua, 2020 Foto de divulgação

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[25] Bloco Calor da Rua, 2020 Foto de divulgação

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[26] Evento Sound In Vale no Vale do AnhangabaĂş, 2019 Foto da autora

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ii.

sobre o espaço do centro

As errâncias pela cidade também impulsionam a reflexão sobre sua forma física. Segundo o etnólogo Sérgio Cardoso, em seu ensaio “O olhar dos viajantes (do etnólogo)”¹ o ato de ver e olhar compõe campos de significados diferentes. O ver conota a passividade e a ingenuidade do indivíduo, enquanto o olhar remete a atividade do questionamento, a curiosidade. A visão crê na forma plena ciente dos seus limites, acreditando em sua totalidade e que tudo se compõe numa coesão compacta. O olhar, por sua vez, não descansa, ele se enreda nos interstícios, na descontinuidade e no desconhecido da paisagem, defrontando os fragmentos, as falhas e as frestas. Logo, a prática errante exige o olhar para a cidade, e o exercício de olhar para a cidade enquanto experiência se fez pela interrogação daquilo que se defronta no percurso questionando suas profundidades (CARDOSO, 2003, n.p.). Os percursos pelos calçadões do Centro Novo trouxeram, além das noções sobre as dinâmicas sociais existentes naquela pequena parcela de lugar, e as possibilidades de suas diferentes formas de uso, tornando-se ponto

¹ Ver CARDOSO, Sérgio. O olhar dos viajantes (do etnólogo), 1988, In: Artepensamento IMS ensaios filosóficos.

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estratégico para o comércio de rua, com os vendedores ambulantes e camelôs distribuídos de maneira organizada, ou como extensão dos vários bares e lanchonetes, a reflexão sobre sua morfologia e a curiosidade sobre sua composição. Os espaços do centro são densos e solidificados, gerando, na maior parte das vezes, a dúvida sobre o que pode estar por trás dessa configuração. Diversos períodos estilísticos se sucedem num ritmo quase caótico, intercalados de rasgos que fragmentam a leitura da paisagem, enunciando o descolamento e abandono desses elementos em sua relação à cidade. Esta imagem acelerada da cidade não mostra seu estado atual, mas sim a rapidez da transformação e desaparecimento no qual foram submetidos. Espaços omissos e passivos que provocam o desejo do resgate e reconexão. Inspirado em sua visita ao Brasil, o artista Anselm Kiefer retrata a vasta e caótica paisagem urbana de São Paulo. A obra Lilith, feita através de fotografias aéreas e fios de cobre emaranhados, representa a opressão que o artista sentiu devido a expansão acelerada da cidade. Fileiras densas de edifícios estendem-se de maneira rasa numa paisagem que reflete a situação urbana em várias camadas de representações. A arquitetura de São Paulo foi percebida pelo artista não como ruínas acabadas, mas como símbolos de recomeço. Essa perspectiva foi a motivação para o desenvolvimento da obra, que narra a memória transitória e acelerada da cidade. relações suscitadas por esta figura mitológica se articu“lamAscom outros contextos não relacionados especificamente à história do mito referido na mística judaica (...) É justamente sobre o abalo na crença do progresso da modernidade associada às sociedades modernas que se estabelece, então, um espaço de

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debate histórico, onde a globalização e as diversidades culturais são colocadas em pauta. São rastros de histórias de extermínio que estão articuladas às próprias ansiedades da metrópole sobre o futuro deslocado para o passado. Fazendo parte dessas questões estão os debates em torno da exclusão dentro e fora das próprias fronteiras culturais. Tais questões podem ser relacionadas à sociedade moderna que, de alguma forma, também foi afastada de uma vida mais próxima à natureza. O ambiente natural, agora substituído por um cenário de fumaça e poluição, pode ser associado à figura de Lilith, deusa do povo profano, provocadora do afastamento do sagrado que se instaura nas megalópoles (...)

(PIVA, 2010, p. 332)

[27] Lilith, Anselm Kiefer 1987-9


[28] Angelus Novus Paul Klee 1920

A figura de Lilith se relaciona com as ruínas das megalópoles e remete-se ao “Anjo da História” de Walter Benjamin², que presencia o processo histórico do progresso em caminho ao desastre. Assim, as imagens da metrópole brasileira “(...) passam a ser utilizadas pelo artista como metáfora para discutir questões relacionadas à destruição e à contradição entre eternidade e efemeridade” (PIVA, 2019, p. 332).

² Ver BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, 1994, trad. Sérgio Paulo Rouanet, 7 ed, Editora Brasiliense. p. 226

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“ Há um quadro de Klee que se chama Angelus

Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.

- Walter Benjamin³

A prática do caminhar e olhar possibilitou o questionamento sobre os interstícios existentes na cidade, e assim a identificação das chamadas brechas urbanas no território em questão, espaços intermediários deslocados - entre espaços definidos - abertos a novas significações, capazes de permanecerem em constante modificação (GUATELLI, 2012, p. 33). Na cidade contemporânea, as brechas se apresentam como interrupções de uma leitura contínua da cidade, como um rasgo deslocado da performance urbana. Estas conformam sobre ostensiva e solidificadaverticalização, ao que Ignasi de Solà-Morales (1996, p. 23) chama de terrain vague. Tal configuração é descrita através de

³ Ibidem.

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sua dualidade, pela ambiguidade de serem espaços improdutivos, mas ao mesmo tempo permissivos de diversas interpretações de usos e transformações. Assim, através do olhar que perfura a paisagem, encontra-se com um vazio ao lado da Galeria Califórnia. O edifício comercial projetado pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Carlos Lemos em 1953, compõe uma situação urbana constituída por pátio de serviço privado que traz uma peculiaridade ao miolo da quadra, anunciando um espaço com potencial urbano e que instiga o pensamento projetual.

[29] densidades cartografia sobre cheios e vazios elaboração própria

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Aqueles terrenos vagos resultam nos melhores lugares de sua identidade, de seu encontro entre o presente e o passado, na medida em que se apresentam como os únicos redutos incontaminados para exercer a liberdade individual e de pequenos grupos.

(SOLÁ-MORALES, 1996, p. 23)

[30] brechas colagens sobre a Galeria Califórnia elaboração própria

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ii.

a brecha: galeria califórnia

As galerias comerciais podem ser entendidas como parte da construção do Centro Novo. Nos anos 1940 a 1960, essa região de São Paulo passa a ser um grande atrativo de especuladores a procura de investimentos imobiliários. A convicção sobre a demanda dessas tipologias¹ comerciais, somada a vontade dos pequenos comerciantes em terem seus negócios nessa zona da cidade resultou na grande produção de espaços comerciais desse tipo (ALEIXO, 2005, p. 99). O centro novo, na época, era ainda o grande e “praticamente exclusivo centro comercial da cidade (entende-se comércio de luxo e prestação de serviços, como advogados, médicos, uma vez que o centro histórico assumiu a função de centro bancário, religioso e de comércio popular). Assim sendo, existia uma grande demanda por pontos comerciais no local e poucos terrenos, o que determinou que seus preços se elevarem, especialmente em função da extensão de suas frentes para as ruas.

(FONSECA, 1992, p.40 apud ALEIXO, 2005, p. 99)

¹ Ver Giulio Carlo Argan, Progetto e destino (1965) trad. port. Projeto e destino, São Paulo: Ática, 2001.

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A região delimitada pelas ruas Barão de Itapetininga, 24 de Maio, Marconi, Xavier de Toledo recebeu diversos exemplares desses edifícios conforme o crescimento da cidade, desenhando então uma paisagem urbana de massa densa e verticalizada, com pouca arborização e diversos edifícios simbólicos como a Biblioteca Mário de Andrade. Neste cenário de crescente demanda por novos programas, a arquitetura moderna se mostrou um importante instrumento aliado do mercado imobiliário, que promoveu intensamente esses edifícios símbolos para a cidade. Sob o ponto de vista urbano, esses exemplares

[31] cartografia sobre galerias do centro e suas conexões República, São Paulo, 2020 elaboração própria

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permitiram percursos alternativos à malha ortogonal das quadras, conectando ruas, além de ocuparem as quadras de maneira a não deixar vazios os miolos dos quarteirões (ALEIXO, 2005, p.117). Em 1954, os arquitetos Oscar Niemeyer e Carlos Lemos projetaram o Edifício Califórnia para a Companhia Nacional de Investimentos, que já havia incorporado outros diversos projetos como o Edifício Copan em 1951. Com os princípios da arquitetura moderna em alta, o edifício foi implantado em dois terrenos fragmentados, situação que, junto à sensibilidade do arquiteto, foi condicionante para o desenho. O Edifício Califórnia, inaugurado no final de 1953, conta com grandes galerias comerciais no térreo, dispostos de mezaninos para depósito e um bloco vertical para escritórios, contabilizando 13 pavimentos. Mesmo ocupando toda a área disponível no lote, grande parte do piso da galeria comercial foi deixado livre para a construção de um pátio que permitisse iluminação e ventilação natural para os pavimentos superiores. Devido a sua configuração em “L”, o percurso pelo térreo, que conecta as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, foi suavizado pela definição das quinas das lojas, conduzindo o pedestre de forma fluída pelo seu interior. Os pilares em “V” da fachada dão destaque ao projeto na paisagem (ALEIXO, 2005, p.176). Ocupando todo o subsolo, uma sala de cinema para 621 pessoas com um desenho

86


sinuoso conta com salas de apoio, administração, salas técnicas e bar. Além dos cinemas, o conjunto contava com escritórios, estúdios, cafés, barbearias, livrarias e galerias de arte. Diversos edifícios galerias contam com o aparecimento de painéis e murais, práticas que foram fomentadas por fatores econômicos e pelo momento cultural, incentivado pelo pensamento Le Corbusier, onde a intervenção artística em pontos focais marcasse o que o arquiteto chamava de “insigne presença”. No Edifício Califórnia, a ostensiva entrada do cinema pelo térreo é marcada pelo mural de mosaicos feitos

[32] a brecha cartografia sobre o vazio encontrado República, São Paulo, 2020 elaboração própria

87


de pastilhas de vidro de tema abstrato, ainda no início da década de 50, com aproximadamente 250 metros quadrados feito pelo artista Cândido Portinari (FREITAS, 2014, p. 89). O pátio, localizado na cobertura comercial oito metros acima do térreo, conta com um jardim projetado de maneira plástica, utilizando de formas orgânicas abstratas no canteiro e na pintura do piso. Em virtude das falhas no desenvolvimento do projeto, o edifício sofreu diversas modificações que resultaram no esquecimento do seu valor de uso não só para o edifício, mas também para a cidade. A intervenção surge então a partir da experiência da banca, do ato de intrometer-se em um determinado lugar e apropriar-se dele de forma participativa através do olhar interrogativo sobre a cidade e suas formas de conexão com a sociedade, cujo produto é mais um relato fenomenológico descrito através de um ponto de vista horizontal numa narrativa arquitetônica utópica.

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[33]

[33] Pátio Interno da Galeria Califórnia Fonte: SPCity [34] Galeria Califórnia Foto de Nelson Kon [35] Interior da Galeria Califórnia Foto de Nelson Kon

[34]


[35]



iii.


iii.


.sumário

13 14 22 28 40 48 50 60 76 84 96 102 114 141 144

mote introdução a esquizofrenia da cidade da ótica sobre a cidade sobre errâncias a estética do dissenso experiências e visibilidades as práticas do dissenso sobre o espaço do centro a brecha: galeria califórnia o desejo da liberdade na arquitetura as utopias como norte para o palpável arquitetura da intromissão conclusões referências

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iii. “

(...) é esta valorização da experiência dos espaços como contraponto à cenografia banal da especulação do espaço urbano que configura a tarefa do olhar. Alheio ao ver simplesmente, o olhar zela pela dimensão do que está próximo, dialoga com movimentos diversos e simultâneos, se embrenha nos espaços intersticiais, exercita a percepção topológica. O olhar é esquivo à percepção plana que tudo já sabe e conhece e escapa do desgarramento e da privatização; o olhar é um termo inaudito, subversivo, que transforma a configuração do mundo.

- Maria Isabel Villac ¹

[36] ¹ VILLAC, M.I. Obras e discursos da cidade e o imaginário da cidade: a arte, o construtor, o poeta, o filósofo e o arquiteto. SEMINÁRIO ARTE E CIDADE, 1, 2006, Salvador. Anais do I Seminário Arte e Cidade. Salvador, 2006. p. 20.

[37]


[38]


iii.

o desejo da liberdade na arquitetura

A efemeridade e pluralidade da vida cotidiana caminham junto da necessidade pulsante de ser expressa; sob o mesmo ponto de vista, a experiência da cidade se associa às possibilidades de vivenciá-la. Resgato aqui o pensamento do arquiteto Paulo Mendes da Rocha de que a cidade - como arquitetura - deve amparar imprevisibilidade humana; essa mesma lógica é defendida por Solà-Morales, ao afirmar a necessidade de uma arquitetura permissiva:

Nossa cultura pós-industrial clama por espaços de liberdade, de indefinição e improdutividade, mas dessa vez não ligado a noção mítica da natureza e sim a experiência da memória, da romântica fascinação pelo passado ausente como arma crítica frente ao presente banal e produtivista.

(SOLÀ-MORALES, 1996, p. 23)

A indeterminação na arquitetura não decorre da negligência da articulação de um programa no pensamento projetual, mas na precisão e consciência da pluralidade social. Assim, dá-se ênfase ao desenho dos espaços

96

[39] SESC Pompéia Fonte: Arquigrafia [40] SESC Pompéia Foto de Nleson Kon


públicos efetivos na cidade, sendo estes chamados aqui de “condensadores sociais”, onde, segundo Maria Isabel Villac, são projetos de cidade em escala arquitetônica, cuja equação forma/espaço é promotora de nexo social (2018, p.105). É interesse aqui compreender algumas formas de pensamentos projetuais que atuam em São Paulo como condensadores sociais. O desejo de inclusão é latente no projeto do SESC Pompéia. A proposta lúdica da arquiteta Lina Bo Bardi para a antiga fábrica de tambores na Vila Pompéia visava preservar sua memória industrial paulistana para então subvertê-la, retirando o caráter repressivo e penoso para relacioná-la à sensibilidade, à liberdade e à imaginação. Ambientes comuns que abraçam a vida cotidiana, a generosidade da arquitetura em incorporar as dinâmicas da cidade através da abertura de uma rua principal que incorpora os fluxos do exterior, quebrando a barreira entre o dentro e o fora. Maria Isabel Villac (2018, p. 103) descreve o“condensador social” urbano do complexo arquitetônico, que transformou a antiga fábrica em um local de sociabilidade e agregação, que é orquestrado pela cultura. “A dureza da


metrópole paulistana encontra — na colagem entre a fábrica de tijolos e madeira e o edifício bruto de concreto aparente — o direito à poesia da vida social cotidiana” (VILLAC, 2018, p. 103). Partindo da continuidade do espaço urbano, um percurso nasce da estação de metrô Vergueiro, se adentra por toda a extensão do Centro Cultural São Paulo, obra de Eurico

[41] Grupo ensaiando no CCSP Foto de Karime Xavier

[42] Grupo ensaiando no CCSP Foto de Karime Xavier


Prado Lopes e Luiz Telles, e parte do princípio da liberdade. Maria Isabel Villac (2018, p.104) afirma que o partido proposto “(...) correntemente organiza os espaços cartesianos e traduz uma crença na atitude criativa que pode aflorar em um ambiente aberto à imprevisibilidade”. Ajustando-se a paisagem urbana, o projeto se acomoda na topografia existente. A liberdade dos espaços não é teórica, o ato espontâneo presente nas necessidades do cotidiano permite recriar e reproduzir novos usos pela própria experiência do espaço, presente na possibilidade de transitar pela rua interna e suas diversas entradas e saídas, tratando as circulações internas como ruas e os pátios como praças num percurso natural e agradável; no corredor que se torna uma sala de ensaio onde os dançarinos visualizam seus reflexos através das esquadrias que vedam o salão; na criação de um único foyer para atender as três salas de cinema, teatro e espaço para apresentações e concertos; e até no plano inclinado do talude da biblioteca que se torna uma poltrona para leitura. A escala do pedestre é preservada em todos seus acessos, enquanto, o automóvel se depara com a monumentalidade ao percorrer a Avenida 23 de Maio, como um jogo de escalas que as coloca em contrapartida no pensamento da arquitetura para a cidade. A preocupação dos arquitetos em pensar em espaços articuladores de cultura em diferentes escalas sociais permeia todo o projeto.

“ Rampas suaves, localizadas no coração do edifício, dão protagonismo à “promenade architecturale” que organiza o passeio, o acesso e as perspectivas a uma espacialidade vertical contínua e de ampla visualização da diversidade das atividades que o centro abriga.

(VILLAC, 2018, p. 104)

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Projeto fortemente urbano que opera precisamente na questão diversidade, o SESC 24 De Maio, obra do arquiteto Paulo Mendes da Rocha e do escritório MMBB Arquitetos, busca criar lógicas de espaços a serem preenchidos pelas lógicas populares do centro de São Paulo, trabalhando a arquitetura como ação estratégica na cidade. Os espaços projetados, que acolhem as dinâmicas urbanas, existentes ou futuras, são percorridos por rampas, as chamas “ruas sem fim”. A praça do térreo se assemelha a sua vizinhança de galerias de passagem; a horizontalidade do jardim sonoro induz o olhar para fora, misturando-se com a paisagem urbana e permitindo alcançar perspectivas da cidade consolidada que haviam sido esquecidas. Na Espanha, o projeto para o Teatro La Lira do RCR Architects buscou questionar a memória arquitetônica de um vazio deixado no distrito industrial de Ripoll. A desmaterialização compreende o ambiente e permite uma arquitetura sem programa, que primeiro adapta-se ao lugar para então se tornar um lugar, permitindo a imprevisibilidade da vida urbana.


A cidade é um corpo coletivo, resultado das interações que ela permite, onde habitá-la é criar espaços de presença. Deste modo, nota-se a necessidade de um pensamento que atue mais com suposições do que com limitações. Eventos, intervenções, o espontâneo e o desconhecido, todos termos vinculados a desregulamentação de uma arquitetura normativa, permeiam o desejo de liberdade nos espaços (GUATELLI, 2012, p. 29). Esta indefinição do espaço o expõe á significações provocadas pelo inesperado, tal como as práticas cotidianas, um desafio para arquitetura de promover articulações entre o espaço e o tempo contínuo. De acordo com Pallasmaa (2018, p. 107), a arquitetura, além de constituir a experiência pessoal, também faz mediação entre o mundo externo e o mundo interno da identidade pessoal, criando estruturas de percepção e entendimento. O que interessa aqui é compreender que a articulação dos diferentes espaços e tempos, entre diversos tipos de imagem e suportes é o que configura a estes projetos uma condição pulsante e viva na paisagem urbana.

[43] SESC 24 de Maio Paulo Mendes da Rocha + MMBB Foto de Nelson Kon [44] Teatro La Lira RCR Architects

101


iii.

utopias como norte para o palpável

A busca da arte contemporânea sobre a interação com os espaços públicos começou a impulsionar os artistas por volta de 1960 através dos happenings, “(...) acontecimentos efémeros que deslocam a ação artística dos espaços convencionais de arte para os locais da vida comum” (CRUZ, 2017, p. 52). No Brasil, como já citado no capítulo anterior, essas tendências foram representadas por figuras como Flávio de Carvalho e Hélio Oiticica, e conferem novas questões: a arte que se dilui no espaço, o artista anônimo que se mistura com a multidão e a ruptura com o cotidiano (CRUZ, 2017, p. 52). Deste modo, as práticas intervencio-

102


nistas atribuem críticas aos espaços e as formas de vida, logo, permitem também a reflexão sobre novas possibilidades de uso, mesmo que utópicas. Assim, as utopias podem funcionar como ferramentas que norteiam possibilidades palpáveis para as cidades. O Arte/Cidade é um projeto de intervenções urbanas em São Paulo que se realiza desde 1994, cuja intenção é evidenciar áreas do território metropolitano submetidas a processos de reestruturação, investigando os agentes para impulsionar suas dinâmicas. O projeto reúne artistas, arquitetos e urbanistas visando desenvolver práticas alternativas e especulativas sobre a cidade. As edições do Arte/ Cidade trabalham sob contextos que geram discussões sobre as transformações do tecido urbano e “aproximações sensíveis ao cidadão comum” (CRUZ, 2017, p. 59). Então, a análise de alguns desses projetos permitem a reflexão sobre o alcance da intervenção como ensaio no pensamento arquitetônico.

[45] Buracos, intervenção de Carmela Gross no antigo matadouro, 1994 [46] Cinemateca Brasileira, 2007 Foto de Fernando Fontes

103


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[47] Periscópio, intervenção de Guto Lacaz no Shopping Light, 1994 [48] Detetor de Ausências, intervenção de Rubens Mano no Viaduto do Chá, 1994 [49] Viaduto do Chá, 2016.


A primeira edição, Cidades sem janelas, ocorreu em 1994 no antigo Matadouro Municipal da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. As políticas sanitaristas da década de 1920 acabaram por desativar o espaço, que recebeu intervenções que buscavam retomar a história do local, criando obras que dialogassem com os resquícios da antiga construção que, apesar de ter sido destinada para a Cinemateca Brasileira, estava parada. As obras buscavam dialogar com a estrutura existente, mas também mostravam o desejo de ocupação daquele espaço. Após as intervenções a Cinemateca assumiu o espaço, permanecendo até os dias de hoje. A segunda edição, A cidade e o fluxo, ocorreu em 1994 no centro de São Paulo e colocava em discussão não só os edifícios e suas ocupações, mas também a rota dedeslocamento entre eles. As três intervenções “trabalham nas proporções dos grandes espaços, criando dispositivos que interrompem o ritmo acelerado da megacidade” (CRUZ, 2017, p. 59). É interessante ressaltar a intervenção de Rubens Mano, que coloca em jogo anonimato e a visibilidade do pedestre através de um refletor que recorta a paisagem noturna do Viaduto do Chá. A metáfora da velocidade é traduzida pelo feixe de luz, que também indica a situação do indivíduo na metrópole no instante em que o cruza, como um alerta à fugacidade da presença do homem (PEIXOTO, 2012, p. 86 apud CRUZ, 2017, p. 61).

105


Desconstruindo espaços da arquitetura moderna, o artista/arquiteto Gordon Matta-Clark questionava a autonomia e a lógica econômica pós 1950, sob o contexto nos quais edifícios foram rapidamente construídos em detrimento de sua função pública. Enquanto membro do grupo Anarchitects, destaca-se o projeto Building Cuts, no qual apontava o desaparecimento de capítulos da memória coletiva e da história desses lugares através de cortes na estrutura e a remoção de elementos como tijolos, pisos e fachadas dos edifícios. Além dos cortes, as operações exploradas pelo artista deslocavam partes dos edifícios levantando a proposta de outras esferas de uso, como a de uma galeria de arte ou uma exposição. ¹ Deste modo, os projetos citados são referenciais para o pensamento intervencionista na cidade, seus valores residuais e de natureza diversa dialogam fortemente com o presente, criam provocações dentro de um contexto específico e utilizam as intervenções como ferramenta análise e de diálogo e de crítica e denúncia,

“ (...) uma estratégia que pressupõe a cultura como

a argamassa capaz de sedimentar mais uma vez o tecido da vida comunitária, rompido pela escala metropolitana da cidade pela abstração crescente dos processos urbanos e relações sociais.

(PEIXOTO, 2012, p. 319)

¹ Ver ATTLEE, James. Towards Anarchitecture: Gordon Matta-Clark and Le Corbusier, in Tate Papers , no.7, 2007.

106


[50] Splitting 01, intervenção do projeto Building Cuts de Gordon Matta-Clark, 1974

[51] Conical Intersect, intervenção de Gordon Matta-Clark em um prédio ocioso, 1975



iv.


iv.


.sumário

13 14 22 28 40 48 50 60 76 84 96 102 114 141 144

mote introdução a esquizofrenia da cidade da ótica sobre a cidade sobre errâncias a estética do dissenso experiências e visibilidades as práticas do dissenso sobre o espaço do centro a brecha: galeria califórnia o desejo da liberdade na arquitetura as utopias como norte para o palpável arquitetura da intromissão conclusões referências

111


iv.


zonas que abrem novas possibilidades “e queSãopoderiam ser transformadas em áreas

públicas de experimentação urbana, procurando preservar sua múltipla identidade. É justamente trabalhando nesses lugares, onde os projetos no papel chocam-se com as complexidades da realidade, que uma disciplina híbrida, a cavalo entre arquitetura e public art - que se poderia começar a chamar de “arte cívica” - está iniciando a inventar instrumentos e modalidades graças aos quais fazer “auto representar” as realidades pesquisadas e atuar sem produzir nem propriamente objetos nem propriamente projetos, mas sim procurando construir percursos, relações.

- Francesco Careri ¹

¹ CARERI, Francesco. Caminhar e Parar. São Paulo: Gustavo Gili, 2017, p. 30.

[52]


iv.

arquitetura da intromissão

brecha: bre.cha (sf): abertura em alguma coisa que se interpõe como obstáculo natural ou artificial e pela qual se pode, em alguns casos, penetrar: fenda, fresta, greta. figurado: momento oportuno; chance, ensejo, ocasião, oportunidade.¹

...

Os espaços nômades nos interessam por sobreviverem às mutações da metrópole, pois não se tratam de espaços a serem preenchidos; ao mesmo tempo que são estranhos à nossa cultura, fazem parte dela. A discussão ao redor da atuação da arquitetura nos entrelugares compreende a adaptação de elementos que possam (re) estabelecer uma relação lógica e sensível com o contexto urbano. O processo de intervenção em espaços consolidados se mostra de diferentes formas de atuação. Assim, o processo acelerado e deliberado de crescimento da metrópole e, consequentemente, a formação de interstícios, levam ao desejo da ressignificação através da adição ou sobreposição de elementos.

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¹ Definição do dicionário online Michaelis. Disponível em: <https:// michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ brecha/>. Acesso em: 30 jun. 2020


Em sua obra Pós Produção², Nicolas Bourriaud discute sobre a Cultura do Uso e as práticas artísticas contemporâneas, que inserem novas interpretações às obras. Assim, os artistas da pós produção inventam novos usos para as obras, trabalhando em um “novo recorte de narrativas históricas e ideológicas, inserindo seus elementos em enredos alternativos” (BOURRIAUD, 2009, p. 49). Segundo Bourriaud, a sociedade é estruturada por narrativas do capitalismo, num contexto onde as formas que nos cercam são materializações desses enredos. O autor descreve então o nascimento da cultura da atividade através da utilização e decodificação dessas formas para produzir novas narrativas, nas quais “a arte conscientiza os enredos coletivos e propõe outros percursos dentro da realidade com a ajuda das próprias formas que materializam essas narrativas impostas” (BOURRIAUD, 2009, p. 50). Sob essa visão, deve-se questionar o impulso arquitetônico de solucionar os vazios da cidade ao invés de tomar partido de sua configuração existente. Não se trata de reproduzir ou de reinventar, mas buscar novos protocolos de uso para as estruturas presentes. Deste modo, o ensaio projetual proposto busca atribuir uma nova interpretação que una o espaço físico, o espaço da prática e o espaço do imaginário ao pátio interno da Galeria Califórnia, conectando-o com o meio urbano através da intervenção sobre o lote adjacente, identificado como brecha urbana.

² BOURRIAUD, Nicolas. Pós Produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins, 2009.

115


Para Bourriaud, ao manipular o enredo coletivo como ferramenta, os artistas da pós produção produzem espaços narrativos singulares que têm sua apresentação nas obras, não estabelecendo uma diferença entre a natureza da intervenção e a natureza existente, mas incorporando ao mundo formas até então ignoradas ou desprezadas. O pátio interno da Galeria Califórnia foi colocado sob essa perspectiva, onde a arquitetura pode ser, simultaneamente, um meio e um fim que permita o diálogo entre o espaço privado e o espaço público, “(...) um meio por causa de sua tarefa utilitária e um fim como uma manifestação artística que media valores experienciados, culturais, mentais e emocionais” (PALLASMAA, 2018, p. 101).

116


Para tal, a articulação das práticas do dissenso, vivenciadas ao longo da pesquisa como forma alternativa de ocupação do vazio, aproxima o pensamento arquitetônico para a produção de espaços de amparo. As estruturas preexistentes, como ferramentas de construção do relacional, são capazes de fornecer por si só instrumentos de ligação entre os indivíduos, instaurando novas formas de socialidade e criticando os modos de vida contemporâneos através de uma nova relação com a obra em particular. O detalhe da intervenção busca explicar o ambiente e manifestar sua qualidade peculiar, assim esses aspectos contribuem para realçar as qualidades poéticas do lugar.

[53] [54] desconstrução dos dissensos cartografia sensível sobre as práticas de dissenso no centro República, São Paulo elaboração própria.

117


Toma-se como incentivo a oportunidade de abandonar as certezas do projeto arquitetônico e submeter a processos dos quais se desconhece o resultado e que preveem mais atores, mais planos de atuação e mais níveis de leitura. O projeto não é uma ideia de arquitetura sedentária, mas toma como possibilidade de modelo o estilo de uso da cidade para propor como utilizar. Ao escrever sobre a Teoria da Forma, Paul Klee considera que o ponto não é um elemento sem dimensão, mas sim executa o movimento zero (KLEE, 1973). A sequência de pontos pode descrever uma linha que leva a uma trajetória de um movimento, sistematizando assim a concepção do compasso na existência de uma estrutura de malha de

[56] Polifonia a Três Partes, ilustração nas anotações de Klee para Bauhaus (1921-22). Paul Klee Foundation, Kunstmuseum, Bern.

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construção, chamados por Klee de “ritmos estruturais primitivos” com subdivisões geométricas no espaço bidimensional, a formar então uma rede que atenda às necessidades de composições harmônicas. Logo, através da instalação sequencial de lajes em formas retangulares, as formas de uso da cidade foram agenciadas verticalmente, montando um suporte programático que busca gerar a articulação e tensionamento dessas atividades em ritmos. Deste modo, o desejo da forma deixa de ser o mais importante e o desafio passa a ser a construção material que favorecesse indefinições espaciais. Propõe-se a transformação do pátio em espaço público, conectando-o com a rua através da abertura no lote adjacente a galeria, criando uma extensão do calçadão. As transposições verticais que fazem a conexão rua-pátio se instalam em forma de percurso, vencendo a diferença entre níveis. Deste modo, aproveita-se da licença do intrometimento para ampliar a intervenção adentrando na Galeria Califórnia através de perfurações na empena abrindo novos acessos. As práticas de dissenso identificadas ao longo da trajetória articulam-se ao longo das empenas num rearranjo espacial, gerando uma espécie de “programa instável intencional”, que sugere aquilo que foi enxergado durante as derivas como forma de amparo, também de provocação. Assim, o percurso é um jogo iniciado pela conexão com o pátio, seguido da busca pelo amparo das práticas identificadas: espaço para dança, cinema para a rua, biblioteca para os pedestres, circo para aqueles que se intrometem e por último um mirante, que como uma roda gigante horizontal, busca proporcionar o olhar para essa cota da cidade.

119



!


a brecha

122

o ensaio





.térreo

ensaio projetual extensão dos calçadões para dentro da brecha

intromissão intervenção na galeria Califórnia aberturas que geram novos acessos

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.pรกtio

128


intromissão aberturas que conectam o novo programa da galeria com o pátio transposição do ensaio projetual sobre a brecha intervenção no pátio interno

intromissão intervenção no interior da Galeria Califórnia

129




.cinema cinema de rua arquibancada tela retrátil com inclinação que possibilita visibilidade dos calçadões


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.biblioteca

biblioteca intervenção na galeria Califórnia

térreo elevado ensaio projetual sobre a brecha

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.laje para circo

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laje para circo ensaio projetual sobre a brecha

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.mirante

passarela que conecta com a cota elevada da cidade

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conclusões

iv. A cidade contém todos os “elementos” que se mobilizam na elaboração dos projetos de arquitetura. A cidade informa, ao seu modo, a atividade do arquiteto (...) Enfim, a vivência da cidade participa no processo de imaginação do espaço arquitetônico. O problema é que tais “elementos” se mostram à percepção do arquiteto em estado prático, ou seja, eles comparecem concretamente no ambiente urbano. Nesse estado, eles estão condensados na sobreposição de fatos que compõem o ambiente. Por isso, as abordagens aqui propostas se alteram para lançar luz sobre distintos aspectos de uma mesma realidade. Um mesmo mundo visível, que toca a percepção do arquiteto em campos diferentes. - Angelo Bucci ¹

¹ BUCCI, Angelo. São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução aos edifícios e de como atravessar paredes. Coleção RG bolso, vol 6. São Paulo, Romano Guerra, 2010, p. 13.


O processo de pesquisa deste trabalho partiu da experiência do fenômeno urbano da Batalha Dominação, experiência de imensa diversidade e troca de conhecimento que instigou o desejo de imersão e resistência nos espaços do centro de São Paulo, obrigando a olhar sem descanso e com malícia para a cidade como um todo. O exercício de entendê-la como um corpo complexo e orgânico através do caminhar e do olhar em busca da essência humana permitiu identificar uma cidade lúdica, apesar de caótica e dotada de questões frágeis. O que se propôs foi o redescobrimento da cidade e assim entender suas particularidades, e assim enxergar suas possibilidades de transformação. São as circunstâncias que constituem bases para o advento dos acontecimentos, do espontâneo. O que nos resta é intervir nessas circunstâncias através do trabalho e do pensamento de projetar espaços e programas. Essas intervenções nunca irão definir eventos, mas podem sugerir ou prescrever abrindo possibilidades do que está por vir. O projeto então se trata de uma articulação das experiências e formas de uso representadas pela vivência de um evento de troca de conhecimento e de resistência liderado por mulheres. Surge então o impulso do amparo das apropriações do centro de São Paulo representada através de uma arquitetura quase intrometida, que pode acolher os incidentes das intervenções artísticas e até mesmo causá-las. A participação voluntária e, muitas vezes, indireta no grupo de pesquisa “CULTURAs e CIDADE: teorias e projeto” instigou o olhar para a relação entre culturas e cidade de maneira sensível, sob a perspectiva do usuário do espaços,

141


e também de maneira crítica, pelo convívio com os pesquisadores que traziam debates sobre diferentes temas que relacionam o cotidiano, a cultura e a cidade e que provocaram interpretações que amadurecem a maneira de olhar e pensar, influenciando o método de realização deste trabalho. Assim, a pesquisa acaba por levantar mais hipóteses do que certezas, mas agrega ao pensamento projetual o quão potentes os exercícios de ensaio podem ser. “O processo projetual não é um caminho racional, uma vez que consiste em inúmeros desvios repetidos, impasses e recomeços hesitações, certezas temporárias e uma emergência gradual de um objetivo aceitável como resultado do processo em si.” (PALLASMAA, 2018, p.102). O objetivo não foi preencher lacunas que se encontram vazias, mas de enunciar espaços sem relação com a cidade, e logo, com a vida urbana.

[57] Logo Batalha Dominação Foto de Thamy Cabral

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iv.

referências bibliográficas

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145


iv.

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referências gráficas A representação gráfica do projeto desenvolvido neste trabalho usou como referência a publicação do projeto para o SESC Ribeirão Preto do coletivo de arquitetos associados SIAA_, que busca investigar conceitos arquitetônicos a partir dos ensaios, incluindo as formas de representação gráfica dos espaços. .nota As figuras não referenciadas são de elaboração própria .índice de figuras [1] [2] [3] [16] [17] [20] [21] [22] [26] Acervo pessoal [4] Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/01-118456/a-cidade-e-para-brincar-slash-basurama [5] [24] [25] Foto de divulgação. Disponível em: Facebook Bloco Calor da Rua [6] [7] Disponível em: http://www.nelsonkon.com.br/sao-paulo/ [8] Foto de Paulo Cesar Rocha [9] [13] [14] [15] [18] Foto de Thamy Cabral. Disponível em: Facebook Dominação – A Batalha [11] Diponível em: Veja SP [12] Disponível em: https://coletivoms.wordpress.com/2011/09/10/helio-oiticica-parangoles/ [19] [29] [30] [31] [32] [54] [55] [56] elaboração própria [23] Foto de divulgação. Disponível em: Facebook Bloco Tarado Ni Você [27] Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/artworks/kiefer-lilith-t05742 [28] Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/o-anjo-da-historia/ [33] Disponível em: https://spcity.com.br/niemeyer-e-portinari-juntos-e-claro-em-sao-paulo/ [34] [35] Disponível em: https://www.nelsonkon.com.br/edificio-california/ [36] Foto de Rafael Guimarães. Disponível em: Facebook Virada Cultural [37] Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/ sp_obras/noticias/?p=273492 [38] Foto de Zanone Fraissat. Fonte: Folha de São Paulo.

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[39] Disponível em: https://www.arquigrafia.org.br/search?q=SESC%20 F%C3%A1brica%20da%20Pomp%C3%A9ia [40] Disponível em: http://www.nelsonkon.com.br/sesc-pompeia/ [41] [42] Foto de Karime Xavier. Fonte: Folha de São Paulo [43] Foto de Nelson Kon. Fonte: http://www.nelsonkon.com.br/sesc24-de-maio/ [44]Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/806236/quemsao-os-rcr-arquitectes-9-coisas-que-voce-deve-saber-sobre-os-vencedores-do-premio-pritzker-2017 [45] Disponível em: https://carmelagross.com/portfolio/buracos-1994/ [46] Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/cinemateca/ [47] Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/01.003/1322 [48] Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra25865/ detetor-de-ausencias-instalacao-sao-paulo-sp [49] Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/89/Viaduto_do_Ch%C3%A1%2C_S%C3%A3o_Paulo%2C_ Brazil.jpg [50] Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/01-27310/arte-earquitetura-building-cuts-gordon-matta-clark?ad_medium=gallery [51] Disponível em: https://institutodehistoriadaarte.wordpress. com/2017/11/10/ciclo-de-conversas-metodos-de-ocupacao-os-filmes-de-gordon-matta-clark/ [52] Disponível em: https://journals.openedition.org/artelogie/3954 [56] Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pm/n21/a01n21.pdf [57] Foto de Thamy Cabral. Fonte: Facebook Dominação – A Batalha

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