Louca Por Você
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Louca Por Você
Para Vinícius, que sempre me fez acreditar em príncipe encantado.
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Louca Por Você – Capítulo 1 – Abri os olhos sem me mexer. Corpo dormente, boca seca, atordoada com o que havia acabado de sonhar. O sonho quase real, tão verdadeiro me lembrava cores, calor e cheiro. Ah, Renata... Sonhar justo com ele? Vitor precisava ser o personagem principal daquela noite? Não queria levantar da cama, a vontade era de voltar a dormir e entrar naquele sonho de novo. Há muito tempo, muito tempo mesmo, não encontrava com o Vitor. Desde quando terminamos nosso namoro, há três anos, nós não nos falamos nenhuma vez. Mas naquela noite, ele havia aparecido. Cheguei a sentir saudades. Tentei passar a borracha em tudo aquilo antes de colocar os pés no chão. Não poderia pensar no Vitor o dia todo. Agora existia o Rodrigo, era ele o meu namorado. Aquele sonho havia me deixado perturbada. As lembranças do Vitor me fizeram colocar na balança a situação do meu atual relacionamento. Não passava por nenhuma crise no meu namoro, na verdade, as chatices do meu namorado me deixavam em crise. Será que era mesmo apaixonada pelo Rodrigo? Ajoelhei na cama, abri a cortina. O céu estava lindo e o dia, quente. Tentei esquecer o passado e voltar ao presente. Depois das festas de final de ano, faltavam apenas alguns dias para a outra grande comemoração: Meu aniversário. Naquele verão, iria completar 23 anos. Decidi não pensar mais no sonho daquela noite, me concentraria apenas nas programações. Sempre amei comemorar o meu dia.
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Louca Por Você A primeira pessoa que pensei em ligar para me ajudar com os preparativos foi Priscila, amiga muito querida desde a época da escola, daquelas amigas de verdade que dividimos dúvidas, medos, os segredos mais secretos e, é claro, muitas risadas. A Pri namorava desde o terceiro ano da escola, mas já estava meio desanimada com os cinco anos de namoro. Entendia muito bem aquela situação. Também não me sentia muito satisfeita com o Rodrigo. Existia um vazio, faltava alguma coisa. Nunca traímos nossos namorados, porém não nos sentíamos mais tão empolgadas com nossos relacionamentos. Rodrigo e Marcelo se pareciam no comportamento: Boas pessoas, mas sem muito “sal”. Era difícil pensar em magoá-los e aquele dilema eu e a Pri vivíamos tentando solucionar. Pensei no meu aniversário como uma ótima oportunidade para que a gente pudesse esquecer os problemas, além de matar a saudade de uma “noitada” de verdade. Estava decidido. Eles, principalmente o Rodrigo, não poderiam reclamar do lugar que escolhesse comemorar. Sendo assim, fiz o comunicado, o que não os agradou muito. Mesmo assim, acabaram concordando. Com a boate escolhida, mandei um convite compartilhado para todos os meus amigos pela internet. Quando vi o nome do Vitor na minha frente, senti a minha mão gelar. Fiquei parada, olhando para a tela, decidindo se incluía ou não o nome dele. Que mal teria se apertasse o botão enviar? Parei de respirar por alguns segundos enquanto a mensagem era encaminhada. O convite estava feito. Será que ele iria aparecer? Olhei nervosa e satisfeita para a minha lista, todos estavam devidamente convidados. A minha expectativa era cada vez maior.
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Louca Por Você Com muitas ligações, muitas fofocas e preparativos, a semana passou voando. A comemoração seria na véspera do meu aniversário. Queria passar a “virada” para os meus 23 anos, dançando. Começar a nova idade com o pé direito. E naquele dia tão esperado, acordei com o telefone tocando, era a Pri. - Renata, você está dormindo?! Não acredito! - Estava. - Então acorda, Rê! Vamos sair. - Sair? – Perguntei ainda sonolenta, sem me lembrar se havia marcado alguma coisa com ela. - Aonde nós vamos? - Comprar roupas para hoje à noite. Temos que estar lindas. É seu aniversário, você tem que estar impecável. Impressionante a capacidade de Priscila para empolgar qualquer um à sua volta. Não pensei duas vezes. - Vou tomar meu café da manhã e te ligo assim que estiver pronta. Beijo. Ela desligou eufórica. Sabia que seria um dia muito divertido. Fazer compras com Priscila era sempre ótimo. Nunca vi ninguém pechinchar tão bem. Saía sempre feliz com os descontos que ela brilhantemente conseguia. Terminei meu café da manhã e fui me arrumar. Liguei para Priscila e marcamos o ponto de partida da nossa busca às roupas mais bonitas para aquela noite. Assim que desci do ônibus, já pude ver a Pri parada na calçada, batendo o pé, impaciente. Sempre cheia de bijuterias, lá estava ela, com suas pulseiras, cordões e
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Louca Por Você brincos. A aparência dela não combinava tanto com o seu jeito de ser. Pri tinha o cabelo loiro, liso, o comprimento ia até a cintura. Magra, bem branquinha, andava sempre arrumada. Eram raros os momentos em que o pé dela não estava fincado no salto alto. - Você demorou, garota! Era típico dela, usar – garota – em suas frases. Sempre com uma entonação diferente. E com aquela palavra dava para perceber se a Pri iria reclamar, contar fofoca, ou se estava apenas distraída chamando a atenção para alguma coisa. Não fiz nenhum comentário, pois não tinha demorado. Ela era impaciente, não adiantava discutir. Começamos a conversar e a andar olhando as vitrines em busca de algo que nos atraísse. - Não acredito que você pegou a blusa igual a minha! – Priscila reclamou assim que saímos da cabine da loja. - Sai fora Pri... Vi primeiro, nem tinha visto que você iria experimentar o mesmo modelo. - Nem eu. - Mas o aniversário é meu. - E o que isso tem a ver? - Se o aniversário é meu, a preferência é minha. - Nada disso. Também gostei muito dela e tenho os mesmos direitos. Não teve jeito. Ninguém cedeu na hora do - quem vai levar a blusa. Decidimos que por elas terem a cor tão diferente, ninguém iria perceber que o modelo era o mesmo.
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Louca Por Você Convencidas daquela mentira, terminamos nossas compras satisfeitas e ficamos apavoradas quando olhamos o relógio. O dia tinha voado. Já eram seis horas da tarde, ainda tinha muita coisa para fazer. Queria ter tempo para descansar um pouco, mas teria que fazer cabelo, unha, maquiagem... - Pri, vamos correr! Tenho que chegar logo para começar a me arrumar! - Ah é... Hoje você vai querer estar mais linda do que nunca. Senti a provocação de Priscila. - Você quer insinuar alguma coisa? - Não... Que isso! Só acredito que essa pressa toda para se arrumar e essa preocupação para ficar linda, tem outro nome que não é nem aniversário, nem Rodrigo. - Ha, ha, ha. - Falei algum absurdo? - Nem sei do que você está falando. - Do sonho que mexeu demais com a sua cabeça! - Engraçadinha. Nem me lembrava do meu sonho com o Vitor e mesmo se pensasse nisso, o que o sonho teria a ver com o meu aniversário? - Você acha que ele não vai aparecer? - O Vitor? – Cheguei a tremer com a possibilidade.
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Louca Por Você - Não... Meu pai! Claro que é o Vitor, Renata! Você acredita mesmo que ele não vai aparecer? - Claro. - Você mandou o convite, não mandou? - Mandei, assim como mandei para todos da minha lista. - Sei. – Priscila riu. – Ele vai aparecer, pode apostar. - Você vai perder a sua aposta! Já não falo com ele há três anos. - Mais um motivo. Você acha que ele não sente saudades? - Não! - Você me irrita! Sou sua melhor amiga, sei de todos os seus segredos. Acredita mesmo que vai conseguir esconder de mim como o sonho te deixou balançada? Não é nenhum crime, vou ficar muito feliz se tiver uma diversão a mais essa noite. - Filha da mãe! - Do pai também! – Priscila riu – Vamos logo embora! Vai lá ficar linda para o Vitor. No ônibus, não conseguia pensar. O pôr do sol na praia estava lindo demais, o céu todo rosa. No meio daquele cenário perfeito muitas pessoas caminhavam, outras jogavam bola, todos felizes com o calor do verão. Enquanto sentia a brisa quente pela janela do ônibus, comecei também a sentir um friozinho insistente na barriga. O que seria aquilo? Não me lembrava se sempre me sentia assim antes das comemorações do meu aniversário. Aquela ansiedade era por 8
Louca Por Você causa da conversa com Priscila? Não queria criar nenhuma expectativa com o meu exnamorado. Além de o Vitor ter namorada, não acreditava que depois de tanto tempo ele pudesse aparecer só para me dar os parabéns. Cheguei em casa, fui direto tomar banho. Queria evitar, mas a expectativa era maior a cada hora. Desejava saber quem iria encontrar na boate. Fiquei muito tempo embaixo do chuveiro, sentindo a água quente cair nas minhas costas. Devo ter ficado quase uma hora sem me mexer. Não ia ter tempo para dormir, aproveitei a água para recuperar as minhas energias. Foi revigorante. Estava sozinha em casa. Adorava aquela sensação de estar sozinha, há muito tempo não podia aproveitar o meu espaço. Não tinha um momento só para mim. Minha mãe sempre procurava saber todos os meus passos. Não podia ficar parada, escutando música e pensando, pois logo tinha que dar explicações. Preocupação. Ela achava que podia estar acontecendo alguma coisa. Então, aquelas horas só minhas eram valiosas. Quando não era minha mãe, era meu pai. Eles não podiam me ver sozinha, que perguntavam por Rodrigo. Aquilo me dava raiva, pois não estava casada. Não teria motivo para que ele ficasse grudado comigo todos os dias. Qual era o problema se ficasse sozinha? Aquele pensamento me deixou irritada. Não era o que pretendia, queria aproveitar cada minuto do silêncio em paz. Antes de me vestir, fiz escova, deixei o meu cabelo encaracolado bem liso. De toalha, peguei a maquiagem e caprichei nos meus olhos tom de mel. Depois de passar lápis de olho, sombra, delineador e rímel, me olhei satisfeita no espelho. Entrei no quarto para terminar de me arrumar, a campainha tocou. Desanimada
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Louca Por Você com meu momento interrompido, por não ter mais a possibilidade de avaliar meus 23 anos de vida sozinha, olhei pelo olho mágico. Rodrigo estava parado do outro lado. Tive uma sensação estranha. Não queria ele ali. Fiquei irritada por ele ter chegado naquele momento. Como não tinha outro jeito, abri a porta e tentei forçar um sorriso. Todo mundo gostava do Rodrigo. Ele era engraçado, simpático e bonito. Mas para mim, aquelas qualidades já não eram suficientes. Como namorado, não era especial. Nosso relacionamento era muito frio, não conseguia nem mais dar um beijo com vontade. Parecíamos irmãos, não namorados. Chegava a me sentir culpada por ter aquele sentimento, mas o que poderia fazer? Quando tentava pensar que Rodrigo era bom para mim, sempre pensava em um “algo mais” que faltava. Aquilo não era certo. Tentei afastar todos aqueles pensamentos e me concentrar no que faltava. Pedi para o Rodrigo esperar. Não adiantava pensar em problemas. Se resolvesse conversar sobre a nossa relação, poderia colocar em risco toda a comemoração do meu aniversário. Demorei no meu quarto tentando esquecer aquele dilema. Vesti minha blusa nova e uma calça jeans escura que ficava perfeita com o verde claro da blusa. - Que blusa é essa? Vai com esse decote todo para a boate? - Claro! Comprei para isso.
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Louca Por Você Rodrigo era muito chato com aquele tipo de reclamação. Sempre queria me controlar. Mas como era o meu aniversário, senti que não estava disposto a estragar a minha comemoração. - Tudo bem então. Vamos? – Chamou desanimado. – Marcelo disse que você marcou com Priscila às dez lá na frente. Realmente já estava na hora. Peguei meu perfume e o aroma delicioso do Incanto se espalhou pelo ar, procurei não pensar em problemas. Priscila já batia o pé, ansiosa, na frente da boate. Quando me viu com a blusa igual a dela, começou a rir. Todos os pensamentos estranhos sumiram da minha cabeça. - Pô... Demorou, hein garota?! - Meu Deus! Você é uma pentelha! Decidimos esperar na calçada, na frente da boate. Afinal, não pedi confirmação dos convidados. Como não era uma festa fechada, seria bom esperar para reunir os amigos que chegassem. - Feliz aniversário maluca! – A irmã de Rodrigo disse. - Meu aniversário é só meia noite. – Respondi rindo. Apesar de ser irmã do Rodrigo, Raquel não era apenas minha cunhada, mas também uma amiga que adorava. Certa vez chegamos a fazer um pacto de amizade para que nunca nos afastássemos. Mesmo se terminasse o namoro com o irmão dela, não deixaríamos de ser amigas. Criamos um laço muito forte, poderia contar com ela independente de qualquer coisa.
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Louca Por Você Ficamos mais uns dez minutos parados na calçada conversando. Cansada de esperar, resolvi chamar meus amigos para entrar na boate, mas antes que fizesse isso, emudeci. Meus olhos tinham passado rápido demais por aquele lugar. Talvez estivesse enganada. Poderia ter confundido, mas quando olhei para Priscila, percebi nos olhos dela que não havia engano algum. Não sabia se olhava de novo na direção em busca de confirmação ou se a dúvida era a melhor saída. E se ele tivesse ido porque o convidei? Priscila havia dito que ele iria, mas não acreditei. Não. Ele não estaria lá por minha causa. Precisava olhar de novo. Queria olhar. Sem conseguir evitar, olhei. Vitor estava ali. Lindo como nunca havia apagado da memória. Um pouco mais velho. Mas tinha a certeza de que era ele. Meus joelhos pareciam não sustentar o peso do meu corpo. Como disfarçar? Minhas mãos além de geladas, tremiam. Todos iriam reparar. Por uma fração de segundos acreditei que ele também teria me visto e parecia estar tão nervoso quanto eu. Tudo aquilo não passou de segundos, meus amigos não pararam de conversar. Tentei me recompor do nervoso. Se alguém reparou em toda a minha aflição, não comentou. E todos nós, como em um acordo silencioso, nos dirigimos em direção à porta da boate, sem que a conversa cessasse.
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