Corpos Dissidentes, Lares Desviantes - Gênero e sexualidade na configuração do lar

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gênero e sexualidade na configuração do lar



corpos dissidentes lares desviantes gênero e sexualidade na configuração do lar

Fernanda Bueno Galloni Trabalho de conclusão de curso Orientação por Prof. Dra. Sabrina Fontenele Escola da Cidade, 2021


Agradecimentos

Este trabalho é resultado de um processo extremamente prazeroso, instigante e, sobretudo, coletivo. Ele não seria possível sem a contribuição diária das pessoas à minha volta. Agradeço imensamente a prof. Dra. Sabrina Fontenele. Obrigada pelo interesse e dedicação, por me inspirar diariamente, e por compartilhar de todas as etapas deste processo com ânimo, carinho e entusiasmo. Espero que este trabalho seja apenas o início de uma longa trajetória de troca, crescimento e pesquisa ao seu lado. Agradeço a Gabriela de Matos, pelos comentários e referências valiosas na banca intermediária e por contribuir, ainda que através de encontros breves, de forma imensa para a minha graduação. Agradeço a Paula Dedecca por aceitar participar da banca final. As reflexões colocadas em suas aulas moldaram não só a forma como abordo as temáticas trazidas por esta pesquisa, como também minha visão acerca do campo da arquitetura e de como desejo me colocar enquanto profissional. Agradeço a Silvana Rubino por aceitar participar desta banca e por contribuir imensamente para a realização deste trabalho. Sua pesquisa norteou este processo por meio de reflexões e referências valiosas. Agradeço a Clevio Rabelo, que topou participar de ambas as bancas e, principalmente, me acolheu no grupo Aquitetura Bicha. Este grupo de estudos foi um ponto de virada não só para essa pesquisa, como também para a minha formação pessoal. Obrigada por participar de todas as etapas deste trabalho e por me mostrar uma outra forma de encarar o mundo e a minha profissão. Também agradeço a Frederico Costa, Frederico Teixeira, Pedro Câmara e tantas outras figuras que compartilharam de longas reuniões na sexta-feira à

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noite e que, mesmo quando cansados, nunca perderam o entusiasmo e interesse.


Agradeço ao coletivo feminista Carmen Portinho pelos 6 anos de discussões, desafios e amizade, e ao coletivo Derrama por me acolher com tanto entusiasmo na reta final deste trabalho. Agradeço a todos que participaram de minhas experiências profissionais, ao Grupo Técnico pelas paciência e acolhimento, a Silvia Acar pela confiança e parceria, a Camila Ungaro, Laura Tomiatti e Gui Paoliello pela oportunidade. Agradeço aos meus pais, Aldo e Beatriz Galloni, pelo amor incondicional, afeto e torcida. Obrigada por estarem sempre dispostos a entender minhas escolhas, anseios e questionamentos; por me darem a liberdade para crescer, e o suporte para poder cair. Agradeço a Lara Girardi, por estar sempre disposta a ajudar e trocar, a Laura Almeida, que me guiou ao longo de toda a graduação e a Amanda Klajner, pelo apoio e incentivo. Agradeço as amigas que acompanharam os anos de graduação, Lia Soares, Ligia Lanna, Marina Legaspe, Fernanda Vaidergorn e Valentina Kacelnik. E especialmente à Giovana Tak, Tamy Silberfeld e Anita Solitrenick pela rede de troca, apoio e afeto que me acompanhou durante a pesquisa e ao longo dos últimos 6 anos. E agradeço a Sabrina Carvalho Dias, por me amar, inspirar e desafiar. Além do carinho, torcida e afeto, suas reflexões e questionamentos influencia-

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ram profundamente o curso deste trabalho e da forma como encaro o mundo.


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SUMÁRIO


introdução

p.09

PARTE I: conceituação e contextualização Habitação como ferramenta política

p.15

Domesticidade: transformação das formas de morar sob a ótica de gênero e sexualidade

p.21

O que é uma casa, o que é um lar?

p.30

Arquitetura queer

p.42

PARTE II: transgressão Pelos Espaços Domésticos Núcleos domésticos não convencionais

p.53

Coletivização das tarefas domésticas

p.76

Flexibilização e desierarquização dos espaços domésticos

p.98

Dissolução das fronteiras entre público e privado

p.114

Futuros desdobramentos deste projeto

p.136

Anexo: levantamento de projetos

p.141

Fontes e referências bibliográficas

p.158

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consideraçoes finais


“Repensar o espaço significa ir além das categorias tipológicas, como habitação, parques e comércio; significa quebrar as distinções convencionais entre privado e público, individual e compartilhado, construído e ambiente natural, para propor uma interação entre opostos. A hierarquia, então, pode se tornar uma forma de organizar o espaço de forma inclusiva, em vez de um método de exclusão.”

Tradução livre do texto “Space as

Matrix”(1981), escrito originalmente

em inglês para a edição n°11 da revista Heresies. Trecho original:

“To rethink space anew means going beyond typological categories such

as housing, parks, and commerce; it

means breaking down the conventional

distinctions between private and public,

individual and shared, built and natural

environments, to propose an interaction between opposites. Hierarchy then can become a way to organize space inclusi-

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vely, instead of a method for exclusion.”


Introdução

Dei início a essa pesquisa em meio a um confinamento no qual passei mais tempo dentro da minha casa do que jamais havia planejado. A posição privilegiada da qual escrevo me permitiu ter um teto sob o qual me recolher e os meios necessários para seguir estudando e trabalhando sem ter que me deslocar. Troquei todos os ambientes pelos quais eu transitava pelo meu quarto, transgredindo um sistema binário que coloca lar e trabalho em espaços geograficamente opostos. Era como se meu apartamento fosse uma extensão do meu corpo, o único lugar que eu tinha pleno direito de habitar, vivenciar, alterar e me apropriar. Até então eu via o lar como um dormitório, o lugar para onde eu ia quando não estava vivendo, um espaço de suspensão. Inesperadamente ele se transformou em algo ambíguo, por um lado era o mundo inteiro, por outro era o único refúgio do mundo. Meu relacionamento com o ato de morar mudou, ganhou protagonismo. Eu me vi questionando todo e qualquer aspecto material do espaço que me cercava; as janelas passaram a parecer pequenas e o pé direito baixo. Eu precisava de uma rede, de um jardim, de um escritório e de mais metros quadrados. Vi o trabalho doméstico e o trabalho assalariado se confundirem, ressignificando a relação entre espaço público e privado, corpo e habitação. Senti saudades de cômodos que eu nunca tive, como a copa e a biblioteca, e passei a me perguntar por que eles saíram de moda; quem criou e quem aposentou certos usos da casa? As dimensões simbólicas do lar ganharam destaque me instigando a procurar entender quais as camadas sociais, econômicas e políticas que constroem o ideal doméstico, e como elas interferem e são interferidas pelas nossas relações sociais. Ao longo dos últimos seis anos estudei muitas das esferas que englobam o

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campo da arquitetura e do urbanismo e, dentro deste processo de aprendizado,


mantive os estudos sobre gênero como um interesse constante. Embora minha participação no coletivo feminista Carmen Portinho tenha me proporcionado muito aprendizado, seja por meio dos grupos de estudos e eventos organizados, seja pelo exercício de disciplina intrínseco à atividades coletivas e informais, que dependem de laços de amizade e comprometimento; não senti facilidade em vincular essas experiencias ao meu posicionamento enquanto estudante e estagiária. A transição da teoria para a prática muitas vezes se materializa de forma lenta e indistinta e acho que muitas vezes deixei minha ansiedade impedir o inevitável exercício de paciência e atenção necessário a quem busca entender uma realidade e transformá-la. Em 2019, o Coletivo Feminista recebeu um convite para exibir o documentário “Afeto” em uma conversa com a diretora do filme. O curta-metragem experimental se propunha a discutir gênero e arquitetura resgatando a memória da ocupação feminina no espaço urbano. Em paralelo, na disciplina de História da Arquitetura, ministrada pela professora Paula Dedecca, eu me aproximava da autora Diana Agrest que, em 1988, publica o ensaio (escrito quase 20 anos antes), “À Margem da Arquitetura: Corpo, Lógica e Sexo”, na revista acadêmica “Assemblage”. Sua análise do espaço urbano ocidental e de suas edificações é construída a partir de um paralelo entre o corpo humano e o espaço construído. Explorando a dimensão não só antropocêntrica, como também antropomórfica e masculina (LIRA, 2021) da construção vitruviana, ela argumenta que o desenho urbano surge de forma análoga ao corpo de um homem branco, apropriando-se do papel de ambos os gêneros e resultando na exclusão do corpo feminino enquanto agente ativo na produção arquitetônica. Por meio de performances e imagens históricas, o documentário ilustrou essa discussão, retratando uma cidade masculina, construída pelos outros, na qual o corpo feminino não encontra espaço ou identificação. E, debatendo diferentes aspectos do filme no evento “Outras formas de Construir1” que contava apenas com mulheres trabalhando de forma

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alternativa ou complementar ao diploma de arquitetura e urbanismo,


identifiquei a que “margem” Agrest se refere no título do ensaio. Tanto a disciplina da arquitetura, quanto a forma como projetamos e construímos não são isentas de significado histórico e político. Trabalhar com a margem é assumir uma postura crítica, colocar em questão a tradição da disciplina e procurar uma forma de reformular o campo da arquitetura e os espaços construídos em sua decorrência. Partindo da premissa que o espaço e a produção de arquitetura não são neutros e refletindo sobre como uma historiografia masculina e opressora é utilizada como ferramenta para perpetuar determinadas relações sociais por meio da construção, esse trabalho surge como um desde seguir questionando não só o campo da arquitetura e do urbanismo, como também os espaços a minha volta. É um esforço em compreender por quem e para quem os lugares em que vivemos foram projetados e com qual intenção. Assim, inicio minha análise do ambiente doméstico sob a ótica de gênero, procurando entender as relações já traçadas entre a figura feminina e a domesticidade, primeiro a partir de uma pesquisa historiográfica e, posteriormente, por meio da investigação das contribuições femininas para a configuração do lar, ocupando tanto o papel de clientes como de arquitetas.

“Assim como Adrienne Rich e outras feministas lésbicas radicais viram a rejeição da heterossexualidade compulsória como uma reorientação do desejo erótico e da visão de mundo de alguém, a arquitetura que assume configurações divergentes pode desestabilizar as normas socioespaciais.2” (BARRET, 2017, p.142)

1.

O evento “Outras Formas de Construir” foi organizado em 2019 pelo Coletivo Feminista Carmen Portinho e contou com a presença das seguintes convidadas: Gabriela Gaia, diretora do filme “Afeto”; Adriane de Luca, arquiteta e performer; Ana David, designer, Gabriela de Matos, arquiteta e criadora do projeto “Arquitetas Negras” e Julia Park, arquiteta e fundadora do coletivo feminista coreano “Mitchosso”.

2.

Tradução livre do texto “Noncon Form”(2017), publicado pela revista Log, vol.41 Trecho original: “Just as Adrienne Rich and other early radical lesbian feminists saw the rejection of compulsory heterosexuality as a reorien tation of both erotic desire and one’s worldview, architecture that assumes divergent figurations can destabilize sociospatial norm”.

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dobramento de reflexões como essa, em uma tentativa


A reflexão que coloca clientes (e consequentemente núcleo doméstico) como importantes agentes na produção de arquitetura apontou novos caminhos para essa pesquisa, trazendo destaque aos estudos sobre sexualidade. Com a intenção de me aprofundar sobre o tema, a partir de outubro de 2020 passei a frequentar o grupo de estudos “Arquitetura Bicha”; coordenado por Clévio Rabelo, arquiteto e professor adjunto do DAUD - Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC. Se minha participação no coletivo feminista e nas discussões de gênero havia sido uma constante desde o colégio, a discussão sobre sexualidade, principalmente atrelada ao campo da arquitetura e urbanismo, apareceu em minha vida de forma revolucionária, trazendo novas camadas para a minha análise da configuração do lar. Diante das discussões coletivas trazidas pelo grupo de estudos, e do aprofundamento sobre questões de gênero e domesticidade, abordo a construção ideológica da figura feminina a partir do trabalho da teórica e lésbica política Monique Wittig que, em 1981, escreve o ensaio “Não se Nasce Mulher”. Ao longo do texto, a autora discorre sobre a produção do gênero feminino como um contraponto direto e singular à figura masculina. Assim, compreendo as discussões de gênero como necessariamente atreladas à reflexões sobre sexualidade, em especial a forma como a matriz heterossexual molda a sociedade ocidental, a figura feminina e o habitar. Explorando sexualidades desviantes, núcleos domésticos fora da norma e a construção do sistema sexo-gênero como derivado de interesses políticos e econômicos, estruturo este trabalho com o objetivo de entender o imaginário que compõe nosso ideal de “lar” hoje, e como ele poderia ser reconfigurado de forma menos atrelada à família nuclear e ao regime hétero-patriarcal (PRECIADO, 2019). A partir da análise de projetos de habitação que considero subversivos e da leitura de uma bibliografia recente e majoritariamente estrangeira, tenho como principal desafio trazer essa reflexão para o sul global, produzindo uma investigação contra hegemônica que consiga apontar novos caminhos para a construção de habitações que priorizem uma sociedade menos

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binária e generificada.


Desta forma, o presente trabalho é dividido em duas partes. O primeiro texto baseia-se principalmente em um esforço de conceituação e contextualização histórica, buscando analisar, ainda que de maneira breve, a forma como a habitação convencional do ocidente foi desenvolvida, utilizando como premissa a ideia de que a reestruturação do ato de morar foi e ainda é utilizada como ferramenta política por forças dominantes. Em seguida, escrevo a segunda parte de forma mais propositiva, utilizando determinados critérios de análise e exemplos de projetos residenciais para sugerir possíveis caminhos para uma produção de habitação menos austera, generificada e homogênea. Por fim, apresento um levantamento mais amplo de projetos residenciais que desafiam a moral hegemônica. Ainda que nem todos possam ser amplamente analisados nessa pesquisa, esse levantamento é um convite para o mapeamento de novas formas de habitar e consequente produção de uma arquitetura menos

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padronizada.


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PARTE I Conceituação e Contextualização: Novos parâmetros para análise do espaço habitacional


Habitação como ferramenta política

Muitos dos projetos e da bibliografia que levantam a discussão do papel feminino no espaço doméstico trabalham com alguns pressupostos: a mulher em questão é casada com um homem, é ou deseja ser mãe de seus filhos, e tem como único ofício cuidar do lar e da família, por meio da limpeza, alimentação e maternidade. Baseando-se no livro “The Grand Domestic Revolution”(1981) de Dolores Hayden, Susana Torre1, em sua fala no evento “FAU encontros: Feminismo e Arquitetura” em 2020, analisa os planos de redesenho dos espaços domésticos desenvolvidos nos sécs. XIX e XX por feministas norte-americanas. Em 1915, a arquiteta Alice Constance Austin apresentou o projeto Llano del Rio, uma proposta de colônia cooperativa situada no estado da Califórnia, nos EUA. Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das mulheres da comunidade, Austin desenhou habitações sem cozinhas, ligadas a um sistema de delivery de comida e lavanderia, que transformava o trabalho doméstico em assalariado (HAYDEN, 1978). Se o trabalho de Austin é pouco conhecido ou referenciado em discussões acerca de gênero, feminismo e arquitetura, frequentemente somos lembradas de projetos que se tornaram icônicos devido a um partido que visava diminuir a carga de trabalho doméstico direcionada à figura feminina. Chamam especial atenção projetos de cozinhas como a em 1869 no protótipo Casa para a Mulher Norte Americana de Catherine Beecher, e a Cozinha de Frankfurt projetada por Margarette Schut-

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Susana Torre é uma arquiteta, crítica e educadora argentina. Além de contribuir para a revista Heresies (citada diversas vezes ao longo desta pesquisa) como editora e co-fundadora, Torre desenvolveu uma série de projetos de arquitetura, expografia e trabalhos teóricos. Em 1977 organizou a primeira grande exposição sobre mulheres na arquitetura, Women in American Architecture: A Historic and Contemporary Perspective, originalmente exposta no Museu do Brooklyn.

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te-Lihotzky em 1926. Embora sejam apresentadas e am-


plamente analisadas como inovações modernas, ambas as cozinhas reforçam algumas premissas: a de que a cozinha doméstica deveria ser ocupada por apenas uma pessoa (não é uma tarefa coletiva), e de que essa pessoa é uma mulher (mãe, dona de casa ou empregada doméstica) (TORRE, 2020). Reformar casas e cozinhas para facilitar uma divisão de trabalho baseada em um sistema sexo-gênero que impõe à figura feminina a posição imutável de esposa e administradora do lar parece insuficiente. Nesse sentido, busco direcionar essa pesquisa para a análise de projetos construídos por e para mulheres que tenham como partido ideais transgressores, visando a subversão de um sistema patriarcal que opera também na produção do espaço.

“Como a cidade, a casa é uma das formas simbólicas mais poderosas da cultura. Ela incorpora ideologias específicas, geralmente dominantes, sobre como as pessoas devem viver, quais tipos de valores e hierarquias devem ser promovidos dentro da família e como seus ocupantes devem se relacionar com o mundo público. Historicamente, a imagem, a forma e a estrutura da habitação têm sido usadas tanto por governantes quanto por reformadores para reforçar suas crenças. Assim, podemos entender por que, assim como na virada do século, as feministas de hoje estão tentando criar suas próprias imagens domésticas para promover a ideia de uma sociedade igualitária não sexista2” (TORRE, 1981, p.51). Considerando que uma arquitetura moderna também pode produzir desenhos retrógrados, parto do livro “Women and the Making of the Modern

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House”(1998), de Alice Friedman, para direcionar minha pesquisa menos em


função de mulheres arquitetas e mais para as clientes, procurando reforçar a arquitetura como uma produção coletiva e dependente de parcerias, e investigar a forma como um núcleo doméstico que não se encaixa nos códigos sociais da família nuclear poderia gerar habitações mais favoráveis a novas relações entre seus habitantes. Partindo dessa premissa, esta pesquisa direciona seu olhar para o ambiente doméstico, reconhecendo a multiplicidade de formas de morar existentes. Entende-se a residência como um artefato cultural, capaz de enfatizar determinados contextos sociais e históricos, e induzir a comportamentos pré-estabelecidos por aqueles com maior influência na sociedade (WEISMAN, 1981). No capítulo “Habitar” do livro “Antropologia do Espaço” (2016), a antropóloga Marion Seagud utiliza o termo “etnocídio” para descrever o processo de deslocamento de populações nativas por grupos missionários, com o objetivo de agrupá-las de forma “racional”. A modificação da organização espacial destes povos servia como instrumento de aculturação e consequente desestruturação, facilitando a influência missionária e colonizadora que se utilizava da modificação das formas de morar como uma maneira de desestabilização de uma cultura e consequente dominância sobre a mesma. O “ensinar a morar”, ainda, evidencia a multiplicidade das formas de domesticidade existentes, tornando a crescente tentativa de homogeneização dessa experiência algo explícito e questionável. A crença no cunho educativo do morar, dentro do campo de produção de arquitetura, aparece atrelada à convicção de que a habitação pode influenciar o comportamento não só do núcleo doméstico dentro do âmbito privado, como também da sociedade e de sua cultura como um todo. Segundo Flávia Brito do

2.

Tradução livre do texto “Space as Matrix” (1981), escrito originalmente em inglês para a edição n°11 da revista Heresies. Trecho original: “Like the city, the home is one of culture’s most powerful symbolic forms. It embodies specific, usually dominant, ideologies about how people should live, what kinds of values and hierarchies should be fostered within the family, and how its occupants should relate to the public world. Historically, the image, form, and structure of housing have been used by both rulers and reformers to reinforce their beliefs. We can thus understand why, just as at the tum of the century, feminists today are attempting to create their own home images to promote the idea of a non-sexist egalitarian society.”

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Nascimento (2017), na Era Vargas, a constituição do


trabalhador estadonovista é promovida pelo estado a partir de 1937 também por meio da habitação social, uma forma de introduzir os valores de domesticidade da família burguesa na população, criando mudanças culturais e sociais dentro e fora da casa. Carmen Portinho, engenheira e urbanista, também convencida de que habitar pode ser ensinado, ao longo de sua carreira dedicou-se a estudar as relações entre as diferentes moradias e a forma como influenciam a organização social. A partir de 1948, a arquiteta assume a direção do DHP (Departamento de Habitação Popular) e busca atingir a emancipação feminina por meio da elaboração de habitações modernas, com a cozinha em posição de destaque e integrada à área social. Avessa a projetos habitacionais que isolavam a habitação unifamiliar no lote, buscou facilitar o cotidiano doméstico por meio do fomento a uma vida coletivizada. Seus conjuntos residenciais previam serviços como creche, escola, mercados e postos de saúde a uma curta distância dos apartamentos, como é o caso do Conjunto do Pedregulho, projetado a partir de 1946 (NASCIMENTO, 2017).

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“O casal defendeu a moradia coletiva justamente na perspectiva de que ela contribuiria para a formação do trabalhador. Ela estimularia a vida em sociedade e permitiria a reserva de grandes espaços livres, que possibilitariam a prática de esportes em locais apropriados. Os centros comunais dos conjuntos residenciais teriam por função explícita garantir a vida em sociedade, ou melhor, desenvolver nos moradores o hábito de compartilhar a vida, somado à possibilidade de empregarem com mais proveito as horas de lazer, ajudando a ‘elevar o nível intelectual e moral dos habitantes’’ (NASCIMENTO, 2017, p.194).


Se para Carmen, a instalação de uma lavanderia coletiva no Pedregulho reduziria o trabalho das donas de casa, para as novas moradoras o equipamento foi recebido com enorme desconfiança, o que levou a arquiteta a lavar suas roupas no conjunto, ao lado do companheiro Reidy e da arquiteta Lygia Fernandes, como forma de dar o exemplo e “ensinar” o morar moderno. Depois de inaugurado, o conjunto Pedregulho cedeu um de seus apartamentos para o DHP para que fosse decorado modelarmente. Assistentes sociais o utilizaram como exemplo para ensinar aos novos moradores do conjunto como viver naquele espaço de maneira exemplar, uma vez que o habitar extrapola os limites da casa e diz respeito às condições de vida de seus residentes como um todo (NASCIMENTO, 2017). Nesse sentido, a produção de habitação pode ser compreendida como uma ferramenta política. Trata-se não só de construir um cenário, mas de ensinar aos seus habitantes como atuar de acordo com as normas e morais estabelecidas pelo poder dominante. Desta forma, torna-se possível identificar como o redesenho dos espaços domésticos vem sendo utilizado, em diferentes contextos e por diferentes figuras de poder, como ferramenta para o controle de uma população (TORRE, 1981). O filósofo Paul B. Preciado (2012) analisa o funcionamento da arquitetura como uma força generificante, racializante e capacitista. Sobre o uso da disciplina como técnica biopolítica, o autor resgata o pensamento de Foucault sobre a transição, ocorrida no final do século XVIII na Europa, de uma “sociedade soberana” para uma “sociedade disciplinar”. A nova organização social dominaria a população pelo controle de uma série de variantes, como interesses, saúde, sexualidade e habitação, criando aparatos para a manipulação dos corpos em esferas mais amplas. Trata-se de abandonar uma abordagem de governo regida pela morte, medo e punitivismo, e constituir o corpo do indivíduo moderno pelo domínio das próprias formas de vida, extrapolando os limites legais e punitivos. Uma das dimensões sob a qual o biopoder opera é pelo controle do desejo, do gênero e da sexualidade. Por meio da transformação de corpos desviantes

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do sistema sexo-gênero heterossexual e capacitista em corpos doentes, afirma-


-se que a “normalidade”, considerada sinônima de “saúde” em um corpo, está atrelada ao seu desejo sexual e a anatomia de seus órgãos reprodutivos. A difusão desse regime é feita menos por aparatos legais e mais pelo fomento de narrativas singulares e padrões morais em esferas variadas, como textos científicos, ofertas de empregos, disponibilidade de serviços, divulgação de estatísticas, pesquisas na área da saúde e produção de arquitetura. Dessa forma, interesses políticos são enraizados como parte cultural e biológica de uma sociedade, impulsionando sua reprodução em dimensões que transcendem a ação direta do estado. Assim, a importância da produção habitacional como ferramenta política pode ser compreendida a partir de seu impacto não só no âmbito privado mas também em outras esferas do cotidiano. Por meio da implementação de uma moral que opera no espaço, se define como devem ser os núcleos domésticos, quais devem ser suas funções dentro e fora de casa, e como seus corpos devem circular e se relacionar. Nesse sentido a domesticidade heteronormativa desenvolvida ao longo do século XIX (ainda presente no nosso imaginário doméstico atual) é resultado do esforço de forças dominantes em promover formas de

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habitar que enfatizam uma determinada organização social e econômica.


Domesticidade: transformação das formas de morar sob a ótica de gênero e sexualidade No século XIX na Europa e, consequentemente, em outras regiões ocidentais, a casa burguesa se transformou de forma a assemelhar-se cada vez mais com a que experienciamos hoje. A organização dos cômodos tornou-se mais especializada e surgiu o corredor, salientando a divisão social entre pais, filhos e criados. É nesse momento que a morada passa a assumir um papel moralizador, por meio da supervalorização do núcleo familiar e do apego ao lar material. Aproximando-se de populações menos abastadas e operárias, a casa individual passa a ser utilizada como vetor moral, e o arquiteto torna-se associado a uma figura civilizadora e progressista (SEGAUD, 2016). No livro “Gênero e Artefato: O Sistema Doméstico na Perspectiva da Cultura Material” publicado em 2008, a historiadora Vânia Carneiro de Carvalho discorre sobre a organização do espaço nas moradias paulistas entre 1870 e 1920. Analisando a dinâmica da vida cotidiana do lar burguês, a autora reforça a generificação dos espaços domésticos, que devido a reformulação do arranjo espacial tradicionalmente encontrado no sobrado, tornaram-se mais compartimentados, trazendo com si cômodos que, sob uma perspectiva material, poderiam ser analisados como femininos ou masculinos. Tanto no Brasil quanto na Europa e América do Norte, o espaço doméstico constituído a partir do final do século XIX é em grande parte decorrente de um contexto de intensa modernização e urbanização, que acarretou em uma série de mudanças nos núcleos familiares e suas rotinas domésticas. O período marca uma série de rupturas nos padrões morais e sociais até então, resultando

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em profundas transformações nos padrões de moradia dos núcleos domésticos


com maior renda (CARVALHO, 2008). A “casa moderna”, analisada por Vânia Carneiro de Carvalho, surge como o resultado da transfusão de modelos residenciais da aristocracia europeia para o contexto brasileiro, podendo ser caracterizada por uma série de padrões dicotômicos, dentre eles o público e o privado, as áreas sociais e de serviço, e o masculino e feminino. Se na década de 30, principalmente no contexto norte americano, a mão-de-obra doméstica passa por uma crise, fortalecendo a figura da esposa como principal e única responsável pela limpeza, alimentação e maternidade, no Brasil, ainda enfrentamos uma herança escravocrata que localiza a emprega doméstica como importante agente na configuração dos lares burgueses e de classe média. Embora a colonização enquanto período histórico tenha acabado, o complexo racismo, sexismo e etnicismo segue presente em nossas relações sociais, marcadas por uma colonialidade (VERGÈS, 2021) que precisa ser reconhecida quando são tecidas relações entre a domesticidade na Europa, América do Norte e sul global. Essa multiplicidade de relações com o ambiente doméstico, por exemplo, explica a marcante presença feminina na produção artística brasileira do século XX. É o que Aracy A. Amaral descreve no capítulo “A mulher nas artes”, que compõe o volume da série “Textos do Trópico de Capricórnio”. Se no século passado, o feminismo teve pouca repercussão no Brasil, no ambiente da arte a figura feminina encontrou seu espaço com maior facilidade do que nos EUA e em países europeus. Essa disponibilidade para o ofício pode ser explicada “pela presença, ainda hoje, de uma ou mais auxiliares na casa para os serviços domésticos para as classes remediadas, média e alta (...)” (AMARAL, 1993, p.222). Ainda assim, estudar a morada a partir de uma ótica de gênero, voltada para o papel feminino, implica na retomada de uma narrativa histórica que reforça o resguardo da mulher ao ambiente doméstico e a funções ligadas a manutenção do lar e da família. Enfatizando uma divisão social de trabalho binária e generificada, este imaginário que procura se firmar como universal

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é pouco condizente com a realidade, especialmente em países do sul global.


Mulheres solteiras, lésbicas ou de classes sociais menos abastadas compõem grande parte da força de trabalho no Brasil, ocupando os espaços públicos, recebendo salários e tornando-se incapazes de performar o papel de gênero que lhes é imposto. A respeito da invisibilização historiográfica de mulheres que performam outros papéis sociais, a historiadora Maria Odila Dias escreve:

“dificilmente adaptáveis aos padrões hegemônicos de comportamento das mulheres das classes dominantes, e que pouco têm a ver com a identidade abstrata do conceito de “condição feminina”, como se pudesse existir, universal e fixa... Estudar papéis sociais femininos dentro de uma conjuntura sócio-econômica bem definida é um primeiro passo no sentido de devolver historicidade a valores culturais eivados de conotações ideológicas, que se têm por imutáveis e fixos” (DIAS, 1983, p.32). Se a narrativa (largamente importada de países hegêmonicos) que associa a figura da esposa as tarefas domésticas não é condizente com a realidade da mulher negra, periférica, lésbica e trabalhadora, tampouco pode ser livremente associada a mulher burguesa de São Paulo, que conta com a presença de empregadas domésticas, babás e cozinheiras para performar as atividades relativas ao cuidado do lar. Ainda assim, pode-se reconhecer uma lacuna histórica parcialmente decorrente do contexto social da primeira metade do século XX nas metrópoles brasileiras. A mulher abastada e com alguma voz estava confinada (realizando o trabalho doméstico ou administrando empregados e performando outras atividades relacionadas a manutenção do lar), e a mulher que transitava pelas ruas e espaços públicos era marginalizada e consequentemente

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invisibilizada nas narrativas históricas. Dessa forma, muito do imaginário


relacionado a papéis gênero e domesticidade surge atrelado a uma historicidade fragmentada, que caracteriza a figura feminina a partir de um ideal específico e pouco condizente com a multiplicidade de papéis performados por mulheres nas esferas públicas e privadas no Brasil. Ainda que a década de 1950 em São Paulo seja caracterizada por uma série de mudanças espaciais (a paisagem urbana se transformou radicalmente entre 1930 e 1950, tomado pela abertura de avenidas e intensa verticalização) e culturais (foram inaugurados cinemas, teatros, galerias e universidades) que impulsionaram a presença da figura feminina de classe média e alta no espaço público (COSTA, 2019), percebe-se que a modernização dos edifícios e a rápida reconfiguração do interior dos apartamentos residenciais não alterou de forma significativa a espacialização dos papéis de gênero. No artigo “A Mulher Moderna: Práticas Urbanas e Vida Doméstica em São Paulo (1930-1950)”(2019), Sabrina Fontenele Costa discorre sobre as representações da “mulher moderna” em anúncios e periódicos da época. A partir de sua análise das imagens de inauguração do edifício Japurá, empreendimento característico dos ideais domésticos fomentados nesse período, é possível identificar os estereótipos que buscavam representar a figura feminina que viria a morar no edifício. Embora ela seja retratada em espaços comuns como o salão de beleza, o bar e a cobertura, demonstrando o interesse feminino pela esfera que extrapola o âmbito privado, ela também é a única representada realizando as tarefas domésticas dentro dos apartamentos, costurando e lavando roupa. A ideia defendida de que as quitinetes projetadas para uma das torres seriam destinadas especificamente para homens solteiros, ainda reforça o imaginário de que a mulher no espaço doméstico deve estar sempre acompanhada de marido e filhos. A historiografia canônica pode ser compreendida como uma análise parcial, hagiográfica e hegêmonica, constituída por e para uma figura branca, heterossexual e masculina, com o objetivo de perpetuar a relação de interdependência sob a qual vivem os diversos agentes que compõe a sociedade patriarcal (RUBINO, 2017). Reconhecendo os impactos que as narrativas

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dominantes têm sobre nossas relações sociais, políticas e materiais, torna-se


visível a forma como a casa convencional se materializa ainda hoje em decorrência dos valores de domesticidade formulados no fim do século XIX. Hilde Heynen, no livro “Negotiating Domesticity: Spatial Productions of Gender in Modern Architecture” (2005), resgata a origem do termo domesticidade apontando que, embora este tenha sido disseminado no início de 1800, só foi visto como oposto da masculinidade anos depois, no final do século. A teórica Anne McClintock atribui essa oposição a aspectos fundamentais da modernidade industrial ocidental. O resguardo da mulher ao lar, e a participação do homem na vida pública como representante e provedor da família, é crucial para a manutenção de um sistema patriarcal que gerencia o crescimento tanto do mercado industrial quanto da empresa imperial. Anteriormente à revolução industrial a associação entre casa e trabalho não era pautada por uma relação de oposição. Todos os membros da família contribuíam para a manutenção e satisfação de necessidades por meio de atividades manuais dentro do lar, opondo-se a compreensão atual da casa como refúgio. Em “Mulheres, Raça e Classe”, publicado em 1981, a filósofa Angela Davis observa que o trabalho doméstico desempenhado pelas mulheres era muito mais criativo, incluindo a produção de móveis, produtos de limpeza, roupas e agricultura, tornando sua contribuição econômica para a família como igualmente significativa a do homem. A facilitação do trabalho doméstico por meio de novas tecnologias, embora tenha aliviado o trabalho manual e hiper higienizado o lar, também relegou o trabalho feminino a uma posição de inferioridade, uma vez que seus trabalhos usuais foram tomados pela produção das fábricas e passaram a ser comercializados. O salário passou a ser o único agente necessário para a satisfação das necessidades básicas da família, tornando o homem no único provedor diretamente associado ao sustento do núcleo doméstico. Enquanto o homem desempenhava seu papel fora da casa trabalhando em troca de remuneração, a mulher passou a realizar as tarefas associadas à maternidade e manutenção do lar gratuitamente, transformando a casa

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não só no único espaço de seu domínio, como também em sua única opção,


já que direciona seus esforços para um trabalho não remunerado que consequentemente a impede de se deslocar para ofícios desassociados da vida familiar. A filósofa Silvia Federici (2017) discorre sobre o assunto atribuindo essa condição social e econômica ao capital, que opera contando com o trabalho gratuito performado por mulheres que foram ensinadas a associar feminilidade ao trabalho reprodutivo.

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“A diferença em relação ao trabalho doméstico reside no fato de que ele não só tem sido imposto às mulheres como também foi transformado em um atributo natural da psique e da personalidade feminina, uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das profundezas da nossa natureza feminina. O trabalho doméstico foi transformado em um atributo natural em vez de ser reconhecido como trabalho, porque foi destinado a não ser remunerado. O capital tinha que nos convencer de que o trabalho doméstico é uma atividade natural, inevitável e que nos traz plenitude, para que aceitássemos trabalhar sem uma remuneração. Por sua vez, a condição não remunerada do trabalho doméstico tem sido a arma mais poderosa no fortalecimento do senso comum de que o trabalho doméstico não é trabalho, impedindo assim que as mulheres lutem contra ele, exceto na querela privada do quarto-cozinha, que toda sociedade concorda em ridicularizar, reduzindo ainda mais o protagonismo da luta. Nós somos vistas como mal-amadas, não como trabalhadoras em luta” (FEDERICI, 2017, p.42).


A não remuneração deste ofício ainda privilegia o homem trabalhador que torna a esposa dependente do seu salário, limitando sua existência ao papel de dona de casa que lhe foi atribuído. Dentro dessa lógica o homem só consegue desempenhar o trabalho remunerado porque tem a garantia de que a mulher vai cozinhar, limpar e criar seus filhos, criando uma relação de interdependência entre os papéis de gênero em que uma das partes, a esposa, está aprisionada. Ainda que o trabalho limitado ao âmbito privado seja uma realidade apenas acessível àquelas que ocupam uma posição privilegiada do ponto de vista socioeconômico, a narrativa binária que coloca homem e mulher como seres imutáveis e opostos atinge esferas mais amplas. A transformação de um discurso econômico em uma característica biológica, que dá a entender que o cuidado, assim como a heterossexualidade e a monogamia, é uma vocação naturalmente feminina, destina as atividades de manutenção da vida às mulheres não apenas dentro da casa, mas também fora, compondo a força de trabalho como costureiras, empregadas domésticas, babás, cozinheiras e etc. Para o antropólogo David Graeber (2019), essas figuras femininas compõem o que ele chama de “classe de cuidado”, que tem como finalidade manter ou aumentar a liberdade de outra pessoa, no caso, um homem. Sob um olhar voltado para a produção de habitação, pode-se compreender que, ainda que a família nuclear não seja a única realidade doméstica, ela é fomentada como padrão hegemônico. Isso resulta em sua utilização como modelo para a construção de uma forma de habitar que opera no espaço por meio da homogeneização das casas mais amplamente reproduzidas e evidenciadas, o que permite que as relações de gênero possam ser compreendidas por meio dos padrões de organização material da própria moradia (CARVALHO, 2008). Embora o modelo para o desenho residencial seja baseado nos papéis sociais da família nuclear, sabemos que o habitar é desempenhado de diferentes maneiras, por núcleos domésticos variados, que nem sempre interpretam o papel que lhes foi designado. Com o início do século XX, e principalmente em decorrência do arrasa-

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mento provocado pela Primeira Guerra Mundial, a Europa teve as discussões


acerca de habitação amplificadas, com novas propostas que procuravam melhorar as condições de vida nos espaços urbanos. Por meio de apartamentos cada vez menores, padronizados e racionalizados, arquitetos e outros profissionais da área buscavam uma forma econômica de suprir a demanda por habitação nas metrópoles (COSTA, 2018).

“Neste contexto, arquitetos, engenheiros, reformadores sociais analisaram os cômodos das casas, os movimentos dos membros das famílias em seus espaços e os mobiliários existentes para lançar novos arranjos a um custo cada vez menor. A discussão cada vez mais frequente entre os profissionais se deu em congressos, palestras, exposições, revistas e periódicos, saindo do contexto europeu e se espalhando pelos diversos continentes” (COSTA, 2018, p.3). Se por um lado as novas experiências no campo da arquitetura residencial buscavam negar os padrões de moradia do século XIX, por meio de uma produção padronizada e racional, por outro, foram pouco propositivas no exercício de reimaginar a própria domesticidade e os papéis sociais vinculados ao habitar. Isso ocorre tanto na Europa devastada pela guerra, com o surgimento de propostas como a Cozinha de Frankfurt por Margarete Schütte-Lihotzky em 1926, quanto no Brasil, anos depois, com a inauguração de empreendimentos como o Conjunto Habitacional Japurá, projetado em 1945 por Eduardo Kneese de Mello. Em oposição a isso, a experiência soviética buscou vincular o conceito de habitação mínima à dissolução do lar burguês. Por meio da teorização da família nuclear como derivada de uma lógica imperialista e patriarcal, e da crítica a monogamia e a reprodução como forma de manutenção social e econômica da

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família, o governo soviético pós revolucionário enfatiza o cunho educacional e


estruturante da habitação dentro da construção ou reforma de uma sociedade por meio proposição de novas formas de habitar. Ao longo do século XX e ainda hoje, discute-se não só as raízes da domesticidade como a proposição de novas formas de morar. Alguns cômodos entraram e saíram de cena, como o escritório e a sala de jantar, e outros ganharam ou perderam destaque, como a cozinha e as áreas de convivência. Se os espaços íntimos, como a suíte, seu banheiro e closet, têm tomado áreas cada vez maiores dos apartamentos, o corredor tem sido cada vez mais questionado, assim como, no contexto brasileiro, as dependências dos empregados. Variando entre posição socioeconômica e núcleo familiar, projetos residenciais ainda exploram o máximo que uma casa pode ter e o mínimo, e dentro dessas reflexões, somada as camadas políticas e culturais do habitar, questiona-se cada vez mais o que define um lar. A matriz heterossexual, assim como o machismo, racismo e capacitismo, podem ser identificados como alguns dos pilares sobre os quais a habitação convencional no ocidente foi concebida. O exercício de reimaginar a domesticidade, assim como os núcleos domésticos, significa, no limite, a revisão dos cômodos da casa, dos processos construtivos e do desenvolvimento do desenho residencial. Trata-se não de uma reforma e sim de um novo começo, uma reformulação do campo da arquitetura habitacional por meio da desconstrução

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dos fundamentos que norteiam o imaginário doméstico.


O que é uma casa, o que é um lar?

O exercício de reimaginar a habitação envolve não só uma revisão das práticas e costumes que operam na produção do espaço, como também uma compreensão do papel do campo da arquitetura para a perpetuação ou abandono de determinadas relações sociais. Sob uma ótica filosófica e sociológica, a antropóloga Marion Segaud (2016) liga o habitar a dois aspectos, o essencial e o identitário. Na busca por uma palavra que expresse a espacialização dessa experiência, a casa ou a residência não parecem compreender a multiplicidade de vivências relacionadas ao habitar, remetendo muito mais a questões materiais, como a estrutura e a divisão interna, do que às relações sociais intrínsecas ao uso deste espaço, como a convivência, a cultura, o contexto geográfico e individualidade de cada morador e seu núcleo doméstico. Ao escrever sobre as características essenciais de uma habitação, surgem questionamentos acerca das normas e códigos que constituem aquilo que reconhecemos como moradia em determinada zona geográfica e período temporal. Compreendendo o espaço habitado como construção social, é possível perceber como o sistema econômico, as relações de afeto e a distribuição das tarefas alteram a organização tradicional das moradias de uma determinada sociedade (SEGAUD, 2016) e, partindo de uma compreensão territorial, social e cronológica de sua implantação, pode-se compreender quais aspectos da construção residencial sumiram ou prevaleceram, quais são comuns a diferentes classes sociais e quais as relações de poder intrínsecas à determinada forma de habitar. Nesse sentido, é possível perceber que o essencial está atrelado não apenas

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ao que consideramos como necessidades básicas, como o comer, o dormir e


a higiene, como a própria noção cultural de necessidade. Não é em toda habitação que se come, não é em toda habitação que se banha, não é em toda sociedade que o lar está associado à propriedade privada e à família nuclear. Teóricas como Susana Torre (1981) e Leslie Weismann (1981) discorrem sobre a produção habitacional como uma expressão de ideologias específicas promovidas pelo poder dominante. Assumindo esta percepção, é possível analisar a relevância de marcos históricos, como guerras e revoluções, no incentivo de uma revisão dos valores e hierarquias que constituem o morar, assim como as características consideradas essenciais em uma habitação. Se na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, o déficit habitacional impulsionou a construção de conjuntos habitacionais com uma redução significativa na média de metros quadrados por habitação (COSTA, 2018), essas escolhas práticas revelaram também, uma oportunidade para aqueles que estavam a frente destes projetos, de reconfigurar o morar a partir de uma série de escolhas. Alguns cômodos ganharam ou perderam importância, outros sumiram ou permaneceram. Se para os alemães uma cozinha altamente funcional e racionalizada foi considerada uma prioridade, para os russos, após a revolução de 1917, o essencial foi reduzido a um espaço para dormir e se banhar, com a transferência da sala de jantar, cozinha e área de serviço para fora do ambiente doméstico. A reflexão sobre identidade, ainda que atrelada a questões individuais como gostos e preferências, no contexto habitacional do ocidente, também diz respeito à posição social do indivíduo, englobando questões de gênero, sexualidade, raça e poder aquisitivo. Nesse sentido, a habitação não está apenas ligada às atividades que consideramos indispensáveis para que se possa morar em determinado espaço, como também diz respeito à formação de identidade. Da mesma forma que roupas e comportamento contribuem para a construção da imagem pessoal, um indivíduo também será definido pelo lugar onde mora (SEGAUD, 2016). Determinado bairro, fachada, decoração interna e o espaço destinado a casa

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informam e localizam o indivíduo em um contexto mais amplo da sociedade.


“Por exemplo, a simbologia que retrata as diferenças entre a frente e os fundos da habitação remete à oposição entre o que é mostrável socialmente e o que deve ser escondido, algo que pertence a uma convenção cultural” (SEGAUD, 2016, p.101). O caráter identitário do lar para o posicionamento do indivíduo perante a sociedade passa por mudanças ao longo do século XX, assim como as características construtivas que espacializam essa relação no âmbito da produção de moradia. Gradualmente, programas antes situados dentro da esfera doméstica, como o fumoir, o boudoir ou o gabinete com entrada exclusiva para clientes, foram transferidos para edifícios na cidade e, cômodos até então separados, como a sala de visitas e a sala de jantar, foram unidos, remetendo mais a um espaço de convívio familiar (o living room) do que de exibição social (BERESIN, MELLO, 2017). Se a circulação de pessoas externas ao núcleo familiar foi reduzida, estabelecendo a casa como reservada especificamente para a família e amigos íntimos, hoje, ainda que as fronteiras entre público e privado permanecem fortemente estabelecidas no âmbito físico e material, estas tornam-se cada vez mais difusas através das telas que utilizamos não só para nos comunicar, como também mostrar fragmentos de nossa domesticidade, que passa a variar entre o caráter íntimo, social ou público. Dessa forma, características da construção residencial que no início do século XX localizavam o indivíduo perante a sociedade, como a fachada, a metragem da habitação ou a decoração da sala de jantar, foram gradualmente substituídas por novos focos de atenção, como os cenários de vídeo chamadas e os objetos que nos circundam nas áreas mais íntimas da casa, como o quarto e o escritório. Publicado em 1898 e escrito por Vera Cleser, o livro “O Lar Doméstico:

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Conselhos Práticos sobre a Boa Direção de uma Casa” detalha longamen-


te a espacialidade de uma habitação burguesa de porte médio no período. Traçando relações entre os móveis e objetos que compõem a decoração e seus simbolismos, e descrevendo quais as impressões que cada detalhe deve causar como, praticidade, conforto, tradição, masculinidade etc, entende-se que o ideal doméstico, o lar, seria uma junção de aspectos materiais e sociais, refletindo por meio do espaço a hierarquização dos usuários, seus princípios, identidades pessoais e relações de afeto (CARVALHO, 2008). A partir da análise deste manual, elaborada por Vânia Carneiro de Carvalho no 2° capítulo do livro “Gênero e Artefato”(2008), também se torna perceptível o quanto o conceito de lar ideal é mutável, podendo se transformar ao longo de um curto período de tempo, em uma mesma cidade e para uma classe social específica, de forma muito ampla. Assim como nesta pesquisa, o livro de Carvalho estabelece que a transição do sobrado colonial para o palacete foi fortemente impulsionado pela influência europeia, que havia reconfigurado o conceito de moradia de forma mais condizente com as mudanças na estrutura econômica causadas pela revolução industrial. A análise desta transição é essencial para a compreensão da produção habitacional contemporânea, uma vez que uma série de elementos arquitetônicos e decorativos implantados na época estão presentes ainda hoje no que reconhecemos como lar. Algumas das principais características analisadas por Vânia foram a crescente especialização dos espaços, atrelada a generificação dos cômodos (denominados femininos ou masculinos por meio de escolhas decorativas de caráter simbólico), a divisão interna entre zonas sociais, íntimas e de serviço, e a consolidação de uma separação clara entre o lar e o trabalho, localizados em endereços distintos. Estas mudanças transcendem a esfera material refletindo uma série de valores morais e culturais do período que, não só influenciaram a configuração da moradia hoje, como também foram reforçados por essa espacialização das relações de poder. Nesse sentido, estudar o lar diz respeito não somente às configurações e às

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reconfigurações do espaço, como também às camadas de significado inerentes


a essas mudanças. Dentre os aspectos analisados por Vânia, torna-se possível identificar os principais pilares que configuraram a habitação burguesa em São Paulo no final do século XIX e que ainda perduram, sustentando nosso atual imaginário de domesticidade. Operam ainda hoje no espaço, conformando o que identificamos como uma moradia convencional: a hegemonia da família nuclear, a divisão clara entre público e privado, a especialização e hierarquização dos cômodos da casa e a divisão sexual do trabalho. Ainda que nem todos estes aspectos possam ser considerados condizentes à nossa atual organização social, eles podem ser considerados fundamentos sob os quais o lar é idealizado. Nesse sentido, o lar não é o espaço em si, mas o que ele representa. A forma como produzimos arquitetura residencial hoje não é neutra ou isenta de valores e isso implica em um exercício de resenho do lar que não só reimagine o espaço construído, como também o seu cotidiano dentro e fora do ambiente doméstico. A hegemonia da família nuclear pode ser compreendida como um ponto de partida para a produção de habitação na Europa e América do Norte, posteriormente importada para as habitações burguesas paulistas (analisadas por Vânia Carneiro de Carvalho), e hoje presente em diversas expressões e representações de arquitetura. A convenção que coloca pai, mãe e filhos como núcleo doméstico ideal vem carregada de uma série de decisões projetuais que buscam melhor acomodar as práticas domésticas desta família. Aqui pode-se destacar o corredor, que surge como um mecanismo para melhor isolar os cômodos da casa, garantindo a especialização dos espaços e, consequentemente, da organização cotidiana de seus usuários (TORRE, 1981). Ou então a fragmentação da moradia em áreas sociais, íntimas e de serviço, que está vinculada a divisão sexual do trabalho e hierarquização dos cômodos e seus habitantes, consolidando o trabalho remunerado e, tradicionalmente masculino, como incondizente com os cômodos previstos para um lar ideal. Já o quarto e o banheiro, ambientes que nem sempre foram considerados essencialmente privados, formalizam a fronteira entre

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as atividades que podem ser vistas por todos os membros da família e àquelas


que devem ser mantidas entre quatro paredes. Isso resulta em um produção de habitação padronizada que, embora pareça universal, está amplamente vinculada a performances e relações específicas de gênero, sexualidade, raça e classe (TORRE, 1981). Se estas características podem ser encontradas hoje no imaginário de moradia de quase qualquer núcleo doméstico ocidental, desviante ou não da norma hegemônica, e reproduzidos em casas com diferentes escalas e orçamentos, pode-se perceber que, ainda que um núcleo doméstico não seja condizente com aquele para qual um projeto de arquitetura se propõe a abrigar, estes usuários, por meio da transgressão das normas sociais e espaciais propostas espaço, criando novas formas de habitá-lo. \

“A regra geral, na Austrália moderna, é que apenas uma família ocupará uma determinada habitação, e esta unidade familiar nuclear imediata, biológica, heterossexual, viverá isolada de seus amigos e famílias extendidas e - mais importante - das famílias que ela poderia vir a escolher. Existe uma certa normalidade obrigatória embutida; eu sou obrigada a me conformar com minha casa. Isso é em parte uma função da supervisão administrativa: o proprietário obriga o locatário a ser normal, assim como o encanador, o fornecedor de eletricidade, a seguradora, o banco, o regime de coleta de lixo do governo local. Mas a própria habitação também tem um efeito normalizador: os cômodos, seu tamanho e número e sua divisão, sua disposição, mobília e disposição1” (STEAD, 2018, s.p.).

1.

Tradução livre do texto “Radical Families”(2018), publicado no vol. 9 da revista Assemble Papers. Trecho original: “The general rule, in modern Australia, is that only one family will occupy a given dwelling, and this immediate, biological, heterosexual, nuclear family unit will live in isolation from their friends and extended families and – more importantly – from the families that they might choose. There is a certain obligatory normality built in; I am obliged to conform to my house. This is partly a function of administrative oversight: the landlord obliges the tenant to be normal, as does the plumber, the electricity provider, the insurance company, the bank, the local government rubbish-collection regime. But the dwelling itself also has a normalising effect: the rooms, their size and number and partitioning, their arrangement and furnishing and appointment”.

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pela residência, tem a capacidade de se reapropriar do


Paul B. Preciado inaugura o texto “Casa Vazia”(2019) refletindo sobre os cruzamentos entre a construção de identidade, a apropriação de um espaço, e as normas sociais e arquitetônicas que incidem sobre este processo. Em seu relato, conta que após dois anos transitando não só entre pontos geográficos, como também identidades de gênero, o autor se vê pela primeira vez desde que começou a quesitonar sua identidade como mulher lésbica, assinando um contrato de aluguel e, consequentemente, aceitando residir em um epaço só seu. Uma experiência que até então se resumia a ideia de movimento, entre gêneros e países, tornou-se estagnada trazendo consigo o questionamento não só acerca de como o autor se identifica, mas também sobre como essa escolha poderia ser refletida em seus modos de habitar. Inicialmente em decorrência de um problema com o envio de sua cama e, posteriormente, como uma experiência estética, o autor por mais de um mês vive em uma casa vazia. Na ausência de objetos que guiem seus movimentos, como uma poltrona para ler, uma mesa para comer ou uma cama para dormir, ele se percebe transitando livremente pelo espaço, caminhando na ponta dos pés enquanto come, utilizando o peitoril da janela como mesa ou lendo com os pés apoiados na parede. Em outras palavras, Preciado reinventa o morar e os gestos associados a isto. Sem a presença de móveis para mediar a relação entre seu corpo e o espaço, o autor se vê não apenas desorientado, como também livre das convenções sociais e espaciais que impõem formas específicas de habitar. Partindo desta experiência, Preciado coloca uma pergunta central não só para a construção de seu texto como também para o desenvolvimento desta pesquisa: “Por que nos apressamos a mobiliar as casas, por que é necessário saber de que gênero somos, que sexo nos atrai?”(PRECIADO, 2019, p.243) Este questionamento é menos um manifesto a favor do desmobiliamento das casas e mais uma provocação sobre a forma como incidimos no espaço. Se o campo da arquitetura é considerado produto e produtor de relações sociais, é imprescindível questionar a relação direta entre os objetos que nos cercam e as relações que eles sustentam. Sob a ótica de gênero e sexualidade, as relações binárias previstas pela matriz

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heterossexual podem ser traduzidas sob a forma de móveis, arranjos e cômodos.


“A Ikea é para a arte de habitar o que a heterossexualidade normativa é para o corpo desejante. Uma mesa e uma cadeira são um casal complementar que não admite perguntas. Um armário é um primeiro certificado de propriedade privada. Um abajur junto à cama é um casamento de conveniência. Um sofá na frente da televisão é uma penetração vaginal. Uma cortina numa janela é a censura antipornográfica que se ergue ao cair da noite” (PRECIADO, 2019, p.234). Nesse sentido, uma orientação sexual também pode se manifestar como uma orientação espacial. No livro “Queer Phenomenology”(2006), a teórica Sarah Ahmed discorre sobre o impacto de móveis e objetos para a orientação de um corpo perante o outro e o espaço. Utilizando como exemplo lojas de design de interiores, a autora descreve a forma como é proposto o mobiliário de uma casa. Os móveis são dispostos conforme usos pré estabelecidos para cada cômodo: mesa e cadeiras para a sala de jantar, sofá e poltrona para a sala de estar, cama e cabeceira para o quarto. A forma como eles se apresentam comercializam não apenas objetos como também uma forma específica de habitar, que é sustentada pelo arranjo dos móveis. Como um mecanismo para a orientação dos corpos, o mobiliário, assim como a arquitetura, proporciona relações sociais, políticas e afetivas específicas.

As questões levantadas até agora dizem respeito à moradia enquanto

um espaço físico que, em consequência de reformas e reformadores, têm suas práticas constantemente reconfiguradas (TORRE, 1981). E, ainda que o habitar se transforme ao longo do tempo, variando em decorrência de contextos geográficos e sociais, a moradia, própria ou compartilhada, pode ser considerada fundamental para a construção do ser humano e sua identidade (SEGAUD, 2016). Nesse sentido cabe pontuar que as representações do conceito de lar va-

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riam. Ilustradas de diferentes maneiras na publicidade, arquitetura e literatura,


elas podem assumir tanto um caráter representativo, vinculado ao que está sendo reproduzido na mídia e, consequentemente, no imaginário da população como essencial, ideal ou desejável, como também pode estar associada a experiência singular de habitar um espaço (ainda que de maneira distinta daquela que é prevista em anúncios, projetos arquitetônicos e filmes), imprimindo nele resquícios de nossas experiências e em nós, resquícios do ambiente construído. Tomando a relevância desta segunda compreensão como indispensável, o lar pode ser definido como algo subjetivo, que transcende a noção de propriedade, sala, quarto e cozinha, ou de família nuclear. Trata-se de um cenário, um espaço físico, onde memórias sociais e afetivas podem se estabelecer, transferindo o impalpável para o material. Embora elementos projetuais como cozinha aberta ou fechada, divisão interna ou especialização dos cômodos configurem rotinas e, consequentemente, relações sociais, o lar enquanto território íntimo engloba uma esfera ainda mais ampla, podendo se associar à memória, identidade pessoal e sensação de acolhimento. Utilizando como exemplo o ideal soviético, cabe perceber que, ainda que em termos projetuais a arquitetura residencial pós revolucionária tenha se reduzido a um apartamento sem cozinha ou sala de visitas, em termos simbólicos o que isso indica é que o que foi considerado indispensável para a construção de uma moradia, ainda que sem nenhuma das facilidades que pudessem ser vistas como essenciais, era que esse espaço abrigasse e possibilitasse relações psicológicas, emocionais e sexuais entre seus habitantes (COSTA, 2018), mantendo o quarto e o banheiro como representações disso. Ainda que a questão habitacional seja uma preocupação exaustivamente discutida no campo da arquitetura e, ainda que o espaço possa ser considerado produto e produtor de relações sociais, o lar transcende as práticas domésticas propostas por projetos de arquitetura, tratando não só do impalpável como também do inevitável. Nesse sentido, o lar pode ser percebido como a transgressão daquilo que o espaço propõe, são as práticas que dizem respeito exclusivamente à individuali-

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dade de um sujeito e ao seu núcleo doméstico, e que não estão necessariamente


previstas por convenções sociais ou espaciais. Ainda que a arquitetura, o mobiliário e o imaginário comum prescrevam determinadas maneiras de usufruir do espaço, a existência de uma multiplicidade de núcleos domésticos e relações afetivas desviantes da norma demonstra que, embora o desenho tenha algum domínio sobre a forma como habitamos, em última análise, cabe aos usuários determinar como eles pretendem se apropriar do espaço. O lar é a pós-ocupação, o resultado do habitar e os rastros materiais que isso provoca. Na literatura, a distinção entre casa e lar é elaborada em diversas narrativas. No conto “O Papel de Parede Amarelo” de Charlotte Perkins Gilman, após ser diagnosticada com distúrbios psicológicos por seu marido e psiquiatra John, a protagonista passa a viver em um casarão colonial no interior da Inglaterra sob o pretexto de descansar e se curar. Ainda que a casa seja amplamente equipada e espaçosa, inicialmente o desgosto estético por seu quarto e, posteriormente, uma vivência ligada a total falta de liberdade para habitar, se apropriar e criar um sentimento de acolhimento e liberdade com o espaço, transformam uma casa que, embora possa se configurar como ideal em termos projetuais e culturais, não consegue ser concebida como um lar. Para a teórica Anna Rubbo (1981), ainda que casas pareçam ter sido reduzidas a commodities ou expressões estéticas, a habitação pode ser compreendida como uma narrativa através da qual expressões pessoais e sociais emergem. Nesse sentido, ela coloca a casa como uma ponte entre a esfera pessoal e a vida em sociedade, se propondo a estudar o que ela chama de “histórias de moradia”. Para compreender o papel do lar na construção da identidade, Rubbo analisa a história da habitação de duas mulheres colombianas, uma em ambiente rural e a outra na cidade. Estabelecida no Valle Cauca na Cordilheira dos Andes desde que se mudou para lá com o primeiro marido, a Sra. Miña vive em sua fazenda onde criou 12 filhos e construiu e habitou diferentes casas. Ela permaneceu no mesmo pedaço de terra ao longo de toda a vida, ampliando, reformando e separando as construções de seu terreno para melhor acomodar as mudanças ocasionadas

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pelos processos de expansão e contração de sua família. A forte relação afetiva


com a fazenda, composta por uma admiração pela terra, familiaridade com os vizinhos e criação de memórias e identidade, contribuíram para que aquele espaço, ainda que precário se comparado ao ideal de domesticidade promovido no período, pudesse ser concebido como um lar. O mesmo não se repete com a Sra Rojo, que, apesar de morar com sua família até a idade adulta, onde teve uma casa estável e infância feliz, aos 38 anos morava na cidade, onde criou 5 filhos, sem ter onde dormir ou receber auxílio de seu antigo companheiro. Ao longo de 18 anos se mudou cerca de 23 vezes, transitando entre quartos alugados e pensões, e só atingiu maior estabilidade habitacional quando com a ajuda de seu filho mais velho assegurou uma casa de dois quartos, sem água, eletricidade ou esgoto. Ao longo de todo esse período sua saúde mental tornou-se cada vez mais fragilizada e frequentemente recordava obsessivamente suas memórias de uma infância harmônica e abastada. Embora ambas as mulheres compartilhem de uma situação financeira parecida, fatores como localização, relações afetivas e estabilidade, colocaram a habitação enquanto ponto central para o desenrolar de suas vidas de formas distintas. Para a Sra Miña, a correspondência estreita entre suas necessidades físicas, sociais e afetivas e as transformações no espaço arquitetônico que habitava permitiu que uma relação de acolhimento e bem-estar fosse estabelecida, tornando-a intimamente ligada à sua casa, a paisagem à sua volta e as memórias que emergem daquele espaço (RUBBO, 1981). Para a Sra. Rojas, a falta de estabilidade financeira, emocional e afetiva se materializa em sua experiência com o “morar”. Dormindo na rua ou em abrigos e dividindo espaço com pessoas desconhecidas, ela não teve a oportunidade de criar raízes e memórias vinculadas a um ambiente específico. Nunca conseguiu se apropriar de um espaço, deixando rastros de sua subjetividade. Ainda, o percurso entre estas 23 moradias, marcadas como espaços hostis e insalubres, torna-se um fator marcante em sua vida e identidade, espacializando-se como uma metáfora para sua relação com o mundo. Nesse sentido, o meio ambiente incorpora a vivência de seus usuários, assim como estes são

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igualmente influenciados pelos espaços em que habitam (RUBBO, 1981).


Embora as reflexões colocadas aqui não possam, nem devam, chegar a uma definição absoluta do que é um lar, a discussão acerca de suas múltiplas compreensões e representações contribui amplamente para o apontamento de novos caminhos para a produção de domesticidade. Ainda que atravessado por camadas sociais, políticas e espaciais, o lar transcende as imposições hegemônicas sobre como devemos morar e nos relacionar e prova que, ainda que a arquitetura se proponha diariamente a reimaginar o âmbito doméstico, este gesto é insuficiente se realizado de forma impositiva e unilateral. Apesar de seu importante papel como ferramenta biopolítica (PRECIADO, 2012) para o controle da organização social, a arquitetura, sem usuários, não existe. Tendo isso em vista, torna-se central para o desenvolvimento desta pesquisa o aprofundamento não só acerca da produção de arquitetos, como também da contribuição de seus clientes como agentes vitais para a configuração de novas domesticidades (FRIEDMAN, 1998). Da mesma forma, o processo de apropriação de espaços convencionais por corpos dissidentes pode ser considerado um importante vetor para a ampliação do imaginário doméstico, esboçando espaços menos padronizados, direcionados e limitantes. Embora o aprofundamento sobre o que é um lar demonstre que memórias, acolhimento e relações afetivas prevalecem em relação a preocupações estéticas e construtivas, a produção de arquitetura tem como importante tarefa o desenvolvimento de habitações mais flexíveis, que consigam abarcar e incentivar a multiplicidade de indivíduos e núcleos domésticos que desviam das normas

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propostas pelo ideal pré estabelecido de lar.


Arquitetura queer Por mais de quatro séculos o termo “queer” carregou um sentido pejorativo na língua inglesa, referindo-se a corpos estranhos, vulgares e de caráter questionável. Apesar de ter sido cada vez mais frequente sua associação com a homossexualidade ao longo do século XX, foi apenas na década de 1990 que o termo se aproximou de sua atual interpretação (essencialmente dinâmica e mutável e, por isso, carregada de significados múltiplos e por vezes contraditórios), tornando-se tema de uma palestra apresentada pela autora italiana Teresa de Laurentis na Universidade da Califónia, nos Estados Unidos. Embora na década de 1990 os estudos de gays e lésbicas já fossem consolidados no meio acadêmico, o uso do termo surgiu como uma oposição à crescente homogeneização das experiências homoafetivas, que vinham sendo colocadas sob uma mesma chave de análise nos contextos norte-americano e europeu. Considerando que no período a experiência de homens gays e brancos já era amplamente reconhecida, identificada como alvo de campanhas de marketing, moda, e serviços específicos como saunas, cruzeiros e projetos imobiliários, Laurentis e, especialmente, as lésbicas autônomas e decoloniais do sul global (HOLLANDA, 2020), reconheceram a inadequação dos estudos gays e lésbicos1 concebidos até então. Compreendendo que estes se tornavam cada vez mais voltados para uma experiência singular, o termo queer foi utilizado para referir-se aos corpos que não foram igualmente incorporados pela lógica patriarcal e capitalista, desviando do conjunto de códigos sociais que constituem uma norma não só heteronormativa como tambem machista, elitista, racista e capacitista. Se nos movimentos LGBT, as principais demandas referem-se a um processo de aceitação e inclusão dos relacionamentos homoafetivos na sociedade capita-

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lista e patriarcal, por meio da conquista de direitos legais como o casamento


no civil e a reprodução assistida, e inclusão na produção cultural, através da produção e livre circulação de séries, filmes e livros que retratam relacionamentos homossexuais, para a teoria queer e para feministas lésbicas anti racistas trata-se de rejeição não só da homofobia, mas também do conjunto de estruturas políticas que sustentam um sistema baseado na construção e opressão de corpos desviantes (HOLLANDA, 2020). Nesse sentido, a teoria queer “baseia-se na politização da dissidência sexual e das sexualidades contra-hegemônicas" (REA, AMANCIO, 2018, p.4), voltando-se menos para um esforço de aceitação, que busca reformar o sistema e se incorporar a ele, e mais para uma oposição à norma dominante como um todo. Não se trata de uma busca por acolhimento ou de uma tentativa de se estabelecer enquanto identidade fixa e imutável, e sim de uma estratégia política radical que reconhece a norma estabelecida como incapaz de compreender uma multiplicidade de corpos e subjetividades.

“Em oposição à ideia de uma assimilação de mulheres e minorias sexuais ao sistema social atual, a teoria queer vê, nesses grupos, sítios de contestação social e de desconstrução política das normas majoritárias (não somente em termos de gênero e sexualidade, mas também em termos de raça, classe, nacionalidade e, em geral, das normas corporais). Para a teoria queer, as minorias sexuais deveriam permanecer em um lugar estratégico de luta, resistindo à tentação de se uniformizar e se integrar ao conforto da maioria e da sociedade capitalista, como um todo” (REA, AMANCIO, 2018, pp.3-4). Embora a teoria queer tenha se materializado como

1.

No texto “Teoria Queer, 20 Anos Depois: Identidade, Sexualidade e Política”(2010), Teresa de Laurentis coloca que na América do Norte os estudos de gênero e posteriormente de gays e lésbicas se desenvolveram como uma crítica ao feminismo e a ênfase separatista dos estudos de mulheres, o que resultou em uma onda de pesquisas sobre homens e masculinidades que pode ser identificada com principal temática abordada pela academia no final do século XX.

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uma crítica à produção acadêmica que abrangia apenas


a “elite homossexual” (HOLLANDA, 2020) caracterizada como gay, branca e economicamente abastada, o termo “queer” foi concebido em um contexto norte-americano e a partir da língua inglesa, o que impediu que a palava atravessasse a fronteira geográfica e cultural do sul global, tornando-se, ainda hoje, uma turista em nosso vocabulário (LAURENTIS, 2010). Considerando que no contexto latino-americano a discussão acerca de gênero e sexualidade é marcada por relações coloniais, de exploração e subalternização que não estão presentes da mesma forma na cultura norte-americana e europeia, o termo queer, quando lido ou escrito por um anglófono, não tem o mesmo significado que teria no Brasil (HOLLANDA, 2020). Ainda que esta pesquisa utilize a palavra “queer”, esta não pode ser traduzida de maneira redutiva ou singular, adaptando as críticas ao sistema binário de gênero a fatores raciais e classistas específicos do território brasileiro. Nesse sentido, o queer pode ser substituído por outras expressões como cuíer, bicha, sapatão, travesti, etc. Ao refletir sobre o Feminismo Autônomo latino-americano, a ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda expõe a crítica dos movimentos lésbicos ao sistema sexo-gênero tradicional. Considerando que a relação de oposição e dominação entre homem e mulher e, consequentemente, o casamento, a familia nuclear e a matriz heterossexual, são fundamentados a partir de interesses políticos e econômicos, o gênero, enquanto categoria biológica, pode ser desnaturalizado e reconhecido como uma manifestação performática. A escritora Adrienne Rich entende a rejeição da heterossexualidade compulsória como uma reorientação não só do desejo erótico como também de uma visão de mundo (BARRET, 2017, p.142). Nesse sentido, a teoria queer não trata de gênero e sexualidade de maneira isolada, e sim de como estes são atravessados por discussões mais amplas, como as teorias femininas, as relações de pós-colonialidade e subalternidade, as tensões étnico-racias e a oposição ao modelo hegemônico ocidental como um todo (REA, AMANCIO, 2018). Por meio da identificação de um discurso dogmático que impõe normas e

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condutas a serem seguidas para que um corpo possa ser considerado huma-


no, natural e “normal”, pode-se compreender que a cis hétero normatividade transcende questões relativas à natureza erótica e afetiva das relações sexuais, atingindo uma dimensão estrutural que diz respeito à produção de desigualdade, opressão e violência de qualquer corpo desviante da atual lógica binária, racista e capacitista. Paul B. Preciado (2012), ao compreender a arquitetura como uma forma de produção biopolítica de gênero e de sexualidade, argumenta que esta não só é utilizada como ferramenta de opressão, mas que também funciona como uma tecnologia política de produção de corpos, gêneros e sexualidades específicas. Pensando no capacitismo fica claro o papel da arquitetura na produção de um corpo normativo e capaz, reforçando determinadas formas de vida e excluindo outras. Ao discutir o conceito de soberania na relação binária entre gêneros, Paul B. Preciado, caracteriza a posição do homem branco na sociedade a partir do uso legítimo da violência contra mulheres, pessoas não brancas e outras espécies, manifestando-se socialmente em relações de domínio ou privilégio econômico e físicamente por meio de agressão e abuso sexual. No caso das mulheres, a soberania feminina é caracterizada apenas pela capacidade de gerar e cuidar da vida, colocando a mulher não heterossexual e não mãe como inferior. O único papel feminino digno de soberania na nossa sociedade é o da matriarca. A partir dessa compreensão, Preciado define o papel masculino como necropolítico, associando-o ao direito de matar o outro, e o papel feminino como biopolítico, associado a obrigação de dar a vida. Sob uma análise mais ampla, a relação da masculinidade com a sociedade pode ser percebida como diretamente associada à relação entre estado e nação: baseada no uso legitimado de controle e violência de outros corpos. Se para Monique Wittig (1981) a heterossexualidade é um regime de governo, para Preciado (2019) além disso é também uma política de desejo. O regime ao qual nossa sociedade foi submetida baseia-se em uma regulação interna, transformando o teatro de representação que define nossas relações sociais em algo biológico, que parece transcender leis, normas e governos. Isso aparece

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nas palavras de Silvia Federici (2017) ao discutir a transformação do trabalho


doméstico em um atributo naturalmente feminino e nas discussões de Preciado sobre sexualidade, referindo-se a norma não escrita que procura homogeneizar nossas formas de prazer, sedução e afeto. O domínio do capital sobre os corpos mantém vivo um regime sexo-gênero que se baseia não só em uma hierarquia entre masculino e feminino, como também em manifestações sexuais específicas, que excluem qualquer corpo que se encontre fora de uma norma binária, heterossexual e capacitista. Dessa maneira, a afirmação da existência de uma multiplicidade de gêneros, sexos e sexualidades desviantes pode tornar-se um vetor para a transformação social. Trata-se de redistribuir o poder por meio da reinvenção das relações afetivas e sexuais que regem as relações sociais e a construção dos espaços que habitamos. A estética heterodominante a qual Preciado se refere também é doméstica, e materializa-se nas casas em que moramos e construímos.

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“Que seja afirmado. O ambiente construído é em grande parte criação da subjetividade masculina e branca. Não é isento de valores nem inclusivamente humano. O feminismo implica que reconheçamos totalmente essa inadequação ambiental e passemos a pensar e agir a partir desse reconhecimento. Uma das tarefas mais importantes do movimento das mulheres é tornar visível o significado completo de nossas experiências e reinterpretar e reestruturar o ambiente construído nesses termos. Não criaremos ambientes totalmente favoráveis e que melhorem a vida até que nossa sociedade valorize os aspectos da experiência humana que foram desvalorizados pela opressão das mulheres, e devemos trabalhar uns com os outros para conseguir isso. Essas são preocupações feminis-


tas que têm dimensões críticas que são sociais e espaciais. Eles exigirão ativismo feminista, bem como experiência arquitetônica para garantir uma solução2” (WEISMAN, 1981, p.9). As dimensões críticas do feminismo são sociais e políticas, mas também materiais. O reconhecimento da sociedade ocidental como opressora e desigual nos permite perceber que essa lógica se reproduz na construção do espaço e das nossas formas de habitar. O planejamento espacial é elaborado com o objetivo de valorizar uma parcela extremamente limitada daqueles que o habitam, facilitando determinadas relações sociais. Leslie Weisman, em seu manifesto “Women’s Environmental Rights”, se debruça sobre esse tema reconhecendo o espaço construído como decorrente do interesse masculino na manutenção de um sistema sexista e opressor, funcionando não apenas como reflexo de uma cultura, mas também como produtor dela, utilizado como ferramenta para a preservação de valores e ideologias dominantes. Em 2007, Katarina Bonnevier escreve o livro “Behind Straight Curtains: Toward a Queer Feminist Theory of Architecture” em que discorre sobre o conceito de performatividade na arquitetura. Considerando que no ato de projetar e construir um edifício reiteramos normas sociais, ela analisa o efeito contrário, examinando a forma como nossas ações são derivadas de um contexto espacial. A performance é analisada de forma teatral, entendendo que podemos reconhecer as relações sociais características do âmbito privado

2.

Tradução livre do texto “Women’s Environmental Rights: A Manifesto”, escrito originalmente em inglês para a edição n°11 da revista Heresies. Trecho original: “Be it affirmed. The built environment is largely the creation of white, rnasculine subjectivity. It is neither value-free nor inclusively human. Feminism implies that we fully recognize this environmental inadequacy and proceed to think and act out of that recognition. One of the most important tasks of the women’s movement is to make visible the full meaning of our experiences and to reinterpret and restructure the built environment in those terms. We will not create fully supportive, life-enhancing environments until our society values those aspects of human experience that have been devalued through the oppression of women, and we must work with each other to achieve this. These are feminist concerns which have criticai dimensions that are both societal and spatial. They will require feminist activism as well as architectural expertise to insure a solution.”

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como derivadas de um teatro de representação no qual


performamos papéis condizentes não só com nosso físico, mas também com um cenário que induz a certos comportamentos e vínculos sociais. Nesse sentido, a casa assume o papel de mediadora de relações de poder, práticas e costumes, criando um mecanismo de controle da vida cotidiana que garante a manutenção de posições econômicas e sociais. Se espaço e performatividade variam um em função do outro reforçando papéis de gênero e sexualidade, torna-se possível especular que a reinterpretação de conceitos como domesticidade e família nuclear, por meio da análise e produção de casas para novos grupos domésticos (SEGAUD, 2016) poderia ser um importante vetor para a criação de lares transgressores e sociedades menos binárias, heteronormativas e opressoras. Assim como Monique Wittig analisa a mulher lésbica como uma figura revolucionária, por criar uma linguagem afetiva não submetida aos códigos e desejos do regime patriarcal, a reestruturação do morar, das formas como habitamos e construímos os ambientes surge como uma preocupação transformadora, que poderia coolaborar para tornar obsoletas as categorias homem e mulher da forma como as compreendemos hoje.

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“Lésbica é o único conceito que conheço que está além das categorias de sexo (mulher e homem), porque o sujeito designado (lésbica) não é uma mulher, nem econômica, nem politicamente, nem ideologicamente. Pois o que faz a mulher é uma relação social específica com o homem, relação a que chamamos anteriormente de servidão, relação que implica tanto obrigações pessoais e físicas como econômicas (“residência forçada”, corve doméstica, deveres conjugais, produção ilimitada de crianças, etc.), uma relação da qual lésbicas escapam ao se recusarem a se tornar ou permanecer heterossexuais3” (WITTIG, 1992).


Embora Monique Wittig discorra sobre a figura lésbica como um exemplo singular de dissidência do gênero feminino por sua incapacidade de se identificar como mulher 3 a partir de critérios políticos, econômicos e ideológicos, cabe aqui ressaltar que esse não é o único caso que expõe o quão limitado é o sistema sexo-gênero que vem sendo fomentado pela historiografia canônica. Mais de um século antes, em um discurso proferido como uma intervenção na “Women’s Environmental Rights Convention”4 em Ohio, nos Estados Unidos, a ativista abolicionista Sojourner Truth discorre sobre a construção do gênero feminino como limitada à experiência particular de mulheres brancas e de classes abastadas. Em oposição ao discurso de um dos homens presentes na convenção, que defendia a inadequação das mulheres para receber direitos civis por serem frágeis e incapazes, uma vez que precisavam de ajuda até para “subir em carruagens” ou “pular poças de lama” (TRUTH, 1851), a ativista lança a pergunta “E eu não sou uma mulher?”, considerando que seus braços fortes e sua experiência plantando e arando terra não condizem com a descrição do gênero feminino que vinha sendo apresentada. Torna-se clara a inadequação da construção do gênero feminino como universal. Assim como a lésbica não se identifica como mulher por não estar diretamente associada a relações afetivas ou matrimoniais com homens, a mulher negra não se encaixava na narrativa que colocava a figura feminina como frágil, fraca e limitada ao âmbito privado. Interpretando a construção da domesticidade como fortemente atrelada a papéis de gênero que são inadequados a grande parte da população, pode-se analisar que a espacialização desta ideologia na construção

3.

Tradução livre do texto “One is not Born a Woman”, traduzido para o inglês como parte do livro “The Straight Mind and Other Essays’’ escrito por Monique Wittig e publicado pela editora Beacon Press em 1992. Trecho original: “Lesbian is the only concept I know of which is beyond the categories of sex (woman and man), because the designated subject (lesbian) is not a woman, either economically, or politically, or ideologically. For what makes a woman is a specific social relation to a man, a relation that we have previously called servitude, a relation which implies personal and physical obligation as well as economic obligation (“forced residence,” domestic corvee, conjugal duties, unlimited production of children, etc.), a relation which lesbians escape by refusing to become or to stay heterosexual”

4.

O evento, que consistia em uma reunião de clérigos para discutir os direitos da mulher, ocorreu em 1851 na cidade de Akron, Ohio, no Estados Unidos.

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da casa convencional não condiz com a multiplicidade de


núcleos domésticos que podem vir a habitá-lo. A partir da compreensão do lar não só como uma metáfora para a família nuclear (SEGAUD, 2016), mas também como veículo para a produção de novas relações sociais, como poderíamos moldá-lo de forma menos atrelada ao regime heteropatriarcal (PRECIADO, 2019)? Qual é o potencial revolucionário da casa? A lógica heterossexual e patriarcal está tão inserida na formulação da casa ocidental que não conseguimos estudar o papel da mulher no lar sem reproduzir a ideia de que cabe a ela cuidar da casa, alimentar a família e criar os filhos. Como a mulher poderia existir no ambiente doméstico fora desse papel? A mulher lesbica não é uma mulher? A mulher solteira não é uma mulher?

“A sexualidade é para o feminismo o que o trabalho é para o marxismo: o que é mais próprio de cada um e o que mais se tira de cada um... A sexualidade é este processo social que cria, organiza, expressa e direciona o desejo, criando os seres sociais que conhecemos como homens e mulheres, do mesmo modo como suas relações criam a sociedade… Assim como a expropriação organizada do trabalho de alguns para o benefício de outros define uma classe – a dos trabalhadores – a expropriação organizada da sexualidade de alguns para o uso de outros define o sexo, mulher” (MACKINNON, 1982 apud HARAWAY, 2004, p.231).

A arquitetura quando analisada sob uma ótica queer e, nesse sentido, a partir da crítica à homogeneização e padronização dos espaços domésticos como expressões limitadas a matriz heterossexual, racista e capacitista, pode ser identificada a partir de critérios distintos. Um espaço reconhecido como queer pode

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ser aquele que é construído por ou para públicos LGBTQI+ ou amplamente


utilizado pelos mesmo. Alternativamente, este espaço também pode ser caracterizado apenas a partir de aspectos materiais, que desvinculam a expressão queer de um público específico, associando-o diretamente a um objeto arquitetônico, seu desenho e materialidade. Olivier Vallerand, no texto “Olhares Queer Sobre a arquitetura”, publicado originalmente em maio de 2016, no volume 1 da revista Captures, investiga as diferentes maneiras como teóricos e profissionais do campo da arquitetura compreendem os impactos de gênero, raça e sexualidade para a produção de espaços públicos e privados. Por muito tempo, o debate acerca da espacialização da sexualidade esteve limitado à experiência de homens gays e brancos, assim como às tipologias mais amplamente associadas a eles, como boates, saunas e cinemões. Nesse sentido, a pesquisa teórica e produção de arquitetura denominada queer se voltou para a criação de “guetos”, territórios isolados, destinados especificamente à sujeitos desviantes do sistema sexo-gênero convencional. Embora a criação de espaços isolados, como centros LGBTQI+ ou bares gays e lésbicos seja essencial enquanto estratégia de encontro, identificação e sobrevivência desta comunidade, as publicações de arquitetura que ilustram esses ambientes enfatizam que eles dizem respeito mais aos seus usuários do que ao espaço construído em sí que, em termos materiais costuma diferir pouco de uma construção convencional (VALLERAND, 2016). Ainda, é imprescindível pontuar que a produção de “guetos” consolida o espaço queer como desviante, contornando a necessidade de reformular a produção arquitetônica como um todo, e reconhecer seu fracasso em acolher a multiplicidade de corpos e relações afetivas existentes. Uma segunda suposição do que poderiam ser estes espaços remete a uma hiper erotização de identidades sexuais e de gênero dissidentes (VALLERAND, 2016). A redução da vivência queer a atos sexuais subestima seu significado social e político, assim como seu papel revolucionário para uma crítica mais ampla, que também diz respeito a outros marcadores sociais, como colonialidade, opres-

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são de raça, etnia ou classe.


A última, e para essa pesquisa, talvez mais interessante, diz respeito ao queer enquanto estratégia projetual, ligada à inversão de características tidas como neutras ou convencionais na produção de arquitetura ocidental e que, sob uma análise aprofundada, podem ser associadas a criação e manutenção de relações sociais de opressão. Nesse sentido, as manifestações queer no campo do design e da arquitetura podem ser compreendidas como aquelas que visam quebrar com a moral hegemônica. Pensando em termos de desenho de habitação, isso baseia-se no questionamento de valores intrínsecos ao programa doméstico, como as relações binárias de público e privado, masculino e feminino, natural e construído, área social e de serviço, e etc que, tradicionalmente ancoradas às práticas heteronormativas da família nuclear, configuram a materialidade da casa e das relações sociais intrínsecas a ela. No texto “Noncon Form”, publicado em 2017 na revista Log 41, Annie Barrett refere-se à estudiosa Sara Ahmed para pegar emprestado o termo “orientação queer”. Em uma tentativa de caracterizar o que isso poderia significar para a produção de um objeto arquitetônico ela define o termo como “menos uma designação ontológica do que a descrição de um processo recíproco entre objetos materiais e assuntos sociopolíticos emaranhados em um esforço radical para recalibrar um mundo baseado na heteronormatividade” (BARRETT, 2017, p.142). A partir dessa compreensão, o queer não pode ser definido como uma característica singular, imutável, e que existe isoladamente. Caracterizado como uma oposição a relações sociais e políticas que estão em constante transição, o termo se transforma paralelamente, adequando-se a diferentes contextos geográficos, temporais e culturais. Ainda que sem uma caracterização objetiva do que seria a arquitetura queer ou o “non conform” (termo utilizado pela autora), Barrett lança algumas relações que melhor exemplificam como isso poderia se manifestar na produção arquitetônica. Para ela, o espaço queer é não binário, dissolve fronteiras entre cheios e vazios, transparência e opacidade, interior e exterior. Pode ter diferentes papéis, por vezes contraditórios, que dependem da posição do objeto arquitetônico e de seus usuários. É produzido de forma heterogênea, foge de uma tentativa de padronização e universalização da arquitetura e, consequentemente, dos corpos que a habitam.

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Embora legível, a caracterização da arquitetura como queer pode se manifes-


tar de formas distintas, não podendo ser reduzida a uma única imagem ou materialidade (BARRET, 2017). Dessa maneira, pode-se compreender que sua essência está na reconfiguração de um ambiente a partir da inversão de normas espaciais previamente estabelecidas. Isso pode desestabilizar o espaço não só de forma visível e palpável como também alterar o comportamento de seus usuários, possibilitando a subversão de relações de dominação que são recorrentemente impressas na forma como são constituídos espaços, seus usos e tipologias. Procurando trazer os conceitos desenvolvidos por Barret e Vallerand para uma análise específica do que chamamos de lar (tanto em seu sentido material quanto subjetivo), os próximos capítulos se propõe a encontrar novos caminhos para a produção de habitação, focando em uma crítica a padronização da morada ocidental que, ainda que de maneira incondizente com a realidade brasileira e mundial, dedica-se quase que exclusivamente a abrigar as práticas cotidianas da família nuclear. Analisando os impactos de um contexto social, político e identitário para a produção residencial, procuro inicialmente identificar as características materiais que especializam determinadas relações de gênero e sexualidade e, posteriormente, entender como a inversão destes gestos poderia gerar novos lares, menos homogêneos e mais inclusivos. A partir do mapeamento de alguns dos pilares que guiam a produção de habitação no ocidente, como a família nuclear e heteropatriarcal, a divisão sexual do trabalho e o estabelecimento de fronteiras entre público e privado; social, íntimo e serviço, são levantadas habitações que fogem destas premissas e apontam novos caminhos para a domesticidade. Utilizando conceitos desenvolvidos pela teoria queer de arquitetura, os projetos analisados a seguir foram categorizados a partir de 4 critérios que buscam inverter a lógica normativa: núcleos domésticos não convencionais, coletivização das tarefas domésticas, flexibilização e desierarquização dos espaços domésticos e dissolução das fronteiras entre público e privado. Estas características lançam questionamentos acerca de como ampliar o sentido da arquitetura, tornando-a uma ferramenta voltada para a produção de diversidade que não

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recorra a padronização ou construção de um sujeito universal.


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PARTE II Transgressão Pelos Espaços Domésticos: Outras formas de morar


Núcleos domésticos não convencionais

Se a família nuclear, suas relações de poder e afeto, rotinas e com-

portamentos, é utilizada como molde para o desenho de habitação, é possível compreender que a ideia de lar presente no imaginário ocidental é constituída como um cenário, desenvolvido para que seus personagens exerçam suas performances de gênero, sexualidade e desigualdade com maior eficiência. Nesse sentido, talvez a principal ferramenta para a inversão de normas espaciais esteja em seus usuários. Se casas canônicas são desenhadas para melhor amparar um núcleo doméstico heterossexual e monogâmaico, como seria um espaço projetado para abrigar outros tipos de relações sociais e afetivas?

Compreendendo a produção arquitetônica como um trabalho colabora-

tivo entre todos os agentes envolvidos, Alice Friedman (1998) analisa casas que, embora concebidas por figuras canônicas da arquitetura, têm como principal variante o fato de terem sido encomendadas por mulheres lésbicas, solteiras ou em núcleos domésticos não convencionais. Idealizadas a partir da interpretação de suas próprias necessidades, divergentes daquelas estabelecidas pela família nuclear, estas casas proporcionaram uma nova forma de integrar programa, design e simbolismo, suscitando desenhos transgressores que reformularam o imaginário de domesticidade estabelecido até então. Nesse sentido, a autora compreende que a chave para o sucesso destes projetos estava em suas usuárias que, por ocuparem uma posição social pouco convencional, impeliram seus arquitetos a fornecer uma gama mais ampla de escolhas, quebrando com normas pré estabelecidas e criando espaço para novos usos e comportamentos. A Residência Farnsworth, analisada por Friedman e, posteriormente, por Sabrina Fontenele Costa (2017) e Paul B. Preciado (2019), é um importante

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exemplo das intersecções entre o trabalho do arquiteto e de sua cliente, suas vi-


sões distintas, e de como gênero e sexualidade atravessam o desenho e vivência desta habitação. Ainda que não seja possível descrever com exatidão a relação entre a cliente e o arquiteto ou as contribuições pessoais de cada um para o projeto, pode-se analisar quem foi a moradora desta casa, como foi sua vivência no espaço e, após mais de 50 anos desocupada, como a história da residência se consolidou no imaginário histórico e coletivo. Um dos projetos mais famosos assinados pelo arquiteto Mies Van de Rohe, a Residência Farnsworth, localizada em Illinois, nos Estados Unidos, e construída entre 1945 e 1951, é considerada, ainda hoje, um ícone da arquitetura moderna (COSTA, 2017). Embora não tenha sido amplamente habitada ou satisfeito sua cliente, a casa encomenda pela pesquisadora Edith Farnsworth aponta questões fundamentais acerca de algumas das temáticas previamente discutidas nesta pesquisa, como o papel do desenho de arquitetura para a construção de domesticidades, o campo arquitetônico como um trabalho coletivo e, principalmente, as consequências de um núcleo doméstico não convencional para a configuração de uma residência. Mies van der Rohe, até então sem nunca ter realizado um projeto de arquitetura em solo norte americano, foi contratado por Farnsworth após se conhecerem em um jantar oferecido por amigos em comum (BEAM, 2020). A residência proposta pela cliente consistia em uma casa de final de semana com programa simples, composta por um quarto, dois banheiros, cozinha e sala de jantar integrada ao estar; localizada em um terreno inóspito, às margens do rio Fox. A relação de alguma proximidade entre os dois, assim como o privilégio de projetar para uma só pessoa, em um terreno sem vizinhos, permitiu que a casa fosse concebida utilizando soluções inovadoras, que não poderiam ter sido reproduzidas em outros contextos como; uma residência para tempo integral, para uma família tradicional ou implantada em área urbana (FRIEDMAN, 1998). O resultado final, uma casa térrea, elevada a 1,5 metros do chão, sem nenhuma divisão interna, tanto hoje quanto no período em que foi concebida, impressiona arquitetos, estudantes e admiradores por seu caráter inovador.

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Tendo como partido projetual o enaltecimento da natureza ao seu redor, a casa


é proposta como uma caixa translúcida, com estrutura discreta e decoração neutra (COSTA, 2017). Com formato alongado, estrutura metálica e todas as fachadas de vidro, o projeto para a Residência Farnsworth lembra mais um edifício público ou uma vitrine do que uma casa de final de semana. Uma das principais narrativas associadas à construção deste projeto consiste na convicção de que este foi fruto de uma relação romântica entre cliente e arquiteto (FRIEDMAN, 1989). Outras especulações também alegam que, ainda que sem um vínculo sexual com van der Rohe, Farnsworth teria encomendado a casa como uma distração da tristeza e solidão decorrentes de não ser bela, esposa ou mãe1. Ou então, conforme Preciado supõe - no texto “Mi(E)s Conception: The Farnsworth House and the Mystery of the Transparent Closet”(2019) - que há indícios que a moradora era lésbica ou bissexual. Embora não existam evidências consistentes que comprovem nenhum destes rumores, gênero e sexualidade são temáticas que atravessam constantemente a concepção deste projeto Ainda que a insatisfação de Farnsworth com a casa informe que suas vontades não foram levadas em conta pelo arquiteto, que parece ter reconhecido a cliente como uma espécie de ferramenta ou patrocinadora para a produção de uma casa-manifesto que mais reflete suas próprias vontades do que àquelas expressas pela futura moradora, é impossível negar que, se Farnworth não fosse uma mulher, solteira, possívelmente lésbica e autossuficiente financeiramente, uma casa como esta não poderia ter sido construída. Alice Friedman discorre sobre o assunto através de um paralelo com a casa de vidro concebida por Phillip Johnson no mesmo período. Se a casa assinada por van der Rohe foi construída para uma mulher solteira sem indícios de um futuro parceiro romântico, a casa de Johnson foi concebida para um casal gay, constituindo, mais uma vez, um núcleo doméstico não convencional. Nesse sentido, a autora atribui o caráter inovador de ambas as casas à necessidade de abrigar outras expressões de gênero e sexualidade que, inevita-

1.

FRIEDMAN (1998), apud SCHULZE (1985) “Mies van der Rohe: A Critical Biography”. Chicago: University of Chicago Press.

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velmente, desempenham um papel crucial para a con-


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1.

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Vista das fachadas leste e sul da Residência Farnsworth cobertas por telas anti mosquito, no inverno de 1971.


figuração do imaginário doméstico. A falta de um marido ou de filhos criou uma situação perfeita para que os arquitetos propusessem coisas que nunca seriam aceitas por uma família nuclear tradicional. Ainda que semelhantes em diversos aspectos, as casas divergem em um ponto crucial. A Glass House de Johnson foi projetada por e para o arquiteto. Isso se manifesta na forma como ele se mostrou disposto a habitar o espaço pouco convencional. Quando questionado sobre suas preocupações acerca do exibicionismo imposto pelas fachadas de vidro, o arquiteto respondia humoradamente, afirmando apreciar a emoção de não saber se alguém estava assistindo (FRIEDMAN, 1998). Ainda que sua sexualidade não fosse amplamente reconhecida, isso não era algo que ele escondia de seu círculo social. Por outro lado, para Farnsworth, a experiência de viver sob um olhar voyeurístico, sem saber se alguém a observava, era algo que explicitamente repudiava e que, devido a fama que a casa alcançou, frequentemente acontecia. Além disso, as discordâncias entre ela e o arquiteto se estendiam à decoração da casa, que, de acordo com van der Rohe, não deveria conter nenhum dos móveis previamente possuídos pela pesquisadora, que divergiam do estilo moderno proposto por ele ou a tela anti mosquito na varanda, elemento que, embora instalado, foi rapidamente eliminado após a venda da casa. A discordância entre o arquiteto e sua cliente ilustra não só os limites do desenho de arquitetura que, ainda que se disponha a propor novas formas de morar, não tem a capacidade de controlar a forma como será apropriada, como também elucida questões de gênero e sexualidade pouco consideradas por van der Rohe. Ainda que em um terreno teoricamente inóspito, a casa, ao expor todas as interações que ocorriam em seu interior, colocou sua moradora em uma espécie de panóptico, um mecanismo de vigilância 24 horas que a obrigava a agir de acordo com a norma até dentro de sua própria casa. Por meio da eliminação da fronteira visual não só entre as áreas internas e externas, como também entre os cômodos da casa, que são distribuídos ao longo de um único espaço, o arquiteto brinca com “as estruturas teatrais de ocultação e exibição que funda-

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mentaram os regimes de visibilidade privada e pública durante os anos 1950”


(PRECIADO, 2019, s.p.). Nessa situação, os únicos refúgios da moradora são o closet e o banheiro, espaços que abrigam as roupas e, consequentemente, a performance de gênero, e o sexo, que, dentro deste novo regime de visibilidade, permaneceriam nos bastidores. Nesse sentido, embora a residência se proponha a uma completa exposição da privacidade de Farnsworth, foi exatamente esse gesto que impediu que ela vivenciasse sua própria intimidade e subjetividade dentro da casa. A dissolução de todas as barreiras visuais entre as áreas internas e externas transportam a vigilância do espaço público para dentro da casa, forçando sua moradora a manter a teatralidade da vida doméstica, incluindo performances de gênero e sexualidade, de forma constante, sem nunca poder “sair do papel”. Se Farnsworth não tinha filhos e marido que a mantivessem dentro do padrão de comportamento esperado para uma mulher adulta na década de 1950, ela ganhou os olhos externos, que garantiam que sua performance se mantivesse conforme a norma, em todos os momentos (PRECIADO, 2019). Após 20 anos utilizando a residência, Farnsworth à vende para Peter Palumbo, um promotor imobiliário e colecionador de arte. O novo proprietário imediatamente apagou qualquer rastro da antiga moradora, decorando a residência com objetos de design moderno conforme o arquiteto havia proposto (COSTA, 2017). A partir deste momento, a casa é enfim concebida como o que sempre foi: uma obra de arte, utilizada para apreciação estética ou turística, sem ser concebida como um lar ou transparecer a identidade daqueles que a habitam. Hoje, preservada pela National Trust for Historic Preservation, a casa se mantém aberta para a visitação de acordo com as instruções estabelecidas por van der Rohe. A memória de Farnsworth, financiadora do projeto e, fundamentalmente, para quem a casa foi originalmente desenhada, foi também completamente apagada da historiografia. Ainda que o projeto tenha falhado em satisfazer suas demandas, a disputa de narrativa entre ambos demonstra que, no fim, a casa pouco tinha a ver com um lar ou um interesse em abrigar as subjetividades de sua

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cliente, tratando-se apenas do próprio arquiteto, sua carreira, visões e desejos.


2.

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Varanda da Residência Farnsworth coberta por telas anti mosquito e mobiliada conforme as preferências da moradora.


Ainda, os dilemas levantados pela transfusão do imaginário doméstico para um morar moderno ilustram tanto conflitos acerca da produção de arquitetura, que, conforme o ocorrido nesse projeto, foi uma imposição de uma das partes sobre a outra, como também elucida questões de gênero e sexualidade. Por um lado essa casa não poderia ter sido construída se fosse destinada a uma mulher “convencional” com marido e filhos, por outro, seu corpo desviante da norma a consolidou como uma mulher triste e solitária para a historiografia canônica, cooperando para a vitória de van der Rohe na disputa pela memória da casa (COSTA, 2017).

Edith Farnsworth em 1951, em sua sala de estar, mobiliada com móveis e objetos escolhidos por ela

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3.


Ainda que as reflexões sobre uma teoria queer de arquitetura presentes no capítulo anterior sugiram que isso poderia se dar apenas pela inversão dos padrões atribuídos à domesticidade ocidental, é importante ressaltar que isso não pode estar limitado às soluções de desenho. Nesse sentido, é imprescindível ressaltar que, ainda que o design da Residência Farnsworth se proponha a reconfigurar o imaginário doméstico por meio de gestos projetuais que buscam dissolver as fronteiras entre público e privado; íntimo, social e serviço, essas inversões foram limitadas ao espaço enquanto objeto. Uma arquitetura queer, ou transgressora, capaz de abrigar um multiplicidade de corpos, expressões de gênero e sexualidade precisam abarcar uma revisão do campo da arquitetura como um todo, contemplando não só a residência enquanto produto final, como também seu processo de desenvolvimento, tanto em relação ao desenho e à autoria do projeto, que deveria ser realizado de maneira colaborativa entre todos os agentes envolvidos, quanto na escolha de materiais, mão de obra e método construtivo adequado ao contexto de implantação.

Assim como a Residência Farnsworth, a casa E.1027 é marcada pelo

apagamento de sua moradora. O fator contrastante é que, ainda que a historiografia canônica confunda a memória da arquiteta Eileen Gray com a dos homens que já passaram por sua casa, o projeto foi construído por e para ela, o que possibilita uma ampla análise de como questões de gênero e sexualidade atravessam a residência não de maneira impositiva, como ocorre entre van der Rohe e Farnsworth, mas de forma alinhada à suas ideologias e expectativas. A partir das pesquisas desenvolvidas por Katarina Bonnevier (2007) e Thays Guimarães (2020), é possível analisá-la sob uma ótica queer, mapeando algumas das quebras que o projeto coloca em relação à ordem normativa e à matriz heterossexual Ainda que o projeto tenha sido majoritariamente idealizado por e para ela, esse processo foi assistido por Jean Badovici, que participou como amante, arquiteto e cliente. A letra “E” vem de Eileen, “10” para a décima letra do alfabeto, “J”, “2” para a letra “B” e “7” para “G” (GUIMARÃES, 2020). Embora seu próprio nome indique que este foi idealizado para abrigar um casal heterossexual, cada vez mais a historio-

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grafia canônica reconhece a bissexualidade da arquiteta, assim como sua presença nos


círculos lésbicos da cidade de Paris na década de 1920 (BONNEVIER, 2007). Nesse sentido, ainda que a casa não possa ser diretamente atribuída a uma relação homossexual, pode-se analisar uma série de elementos que a descaracterizam como um objeto essencialmente e compulsóriamente heterocentrado. A casa foi desenhada por e para uma mulher bissexual e, ainda que isto não seja um fator decisivo para a materialidade do projeto, essa compreensão desbanca a noção deste espaço com neutro ou heteronormativo, viabilizando uma interpretação queer dos gestos, códigos e soluções que, quando materializados, invertem algumas das preconcepções a cerca do que deveria ser um lar (BONNEVIER, 2007). Construída entre 1926 e 1929, em Roquebrune Cap Martin, na França, a casa E.1027 foi a primeira obra arquitetônica realizada por Eileen Gray. Avessa à hierarquização que coloca a fachada e estrutura de um edifício como superior ao design de interiores, a casa foi desenhada de dentro para fora, composta milimetricamente a partir da escolha de materiais, cores e texturas, e do uso de paredes, telas e cortinas para criar espaços e fluxos de movimento poucos convencionais. Implantada em um terreno acidentado com vista para o mar, a casa, acessada pela parte superior, permite que o visitante entre tanto diretamente na cozinha, um anexo desconectado do resto do edifício, quanto pela grande salle, também chamada de boudoir ou sala de estar, que ocupa a maior parte do segundo piso (GUIMARÃES, 2020).

Historicamente, o boudoir foi o primeiro cômodo da casa colocado

como feminino. Um equivalente ao escritório ou gabinete do homem (CARVALHO, 2008). Considerado um espaço carregado por uma forte energia sexual e de prazer, reforça a dicotomia entre o homem e a mulher, sendo o primeiro ligado à mente e à racionalidade e a segunda ao corpo e à sensualidade (BONNEVIER, 2007). O boudoir projetado por Eileen Gray quebra com essa expectativa, transformando um ambiente tradicionalmente inflexível e privado em algo ambíguo, capaz de hospedar atividades distintas. A arquiteta transforma-o na parte mais pública da residência, ainda que compreenda suas partes mais íntimas: o chuveiro e a cama. Para Gray, a performance transforma o espaço. A partir da ótica

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da construção de uma casa convencional, não se pode compreender se a grande


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4.

5.


6.

4. Fotografia da grande salle ou boudoir, mobiliada conforme o projeto de Gray. A parede branca ao fundo, que não vai até o teto, separa o ambiente de um banheiro. O quadro na parede da direita tem estampada a frase “invitation au voyage” que pode ser traduzida para o português como “convite para viagem”

5. Fotografia do térreo da casa E.1027 publicada na revista L’Architecture Vivante em 1929. A imagem mostra o desenho rígido e geométrico dos azulejos, assim como o uso de mobiliários que remetem a ambientes internos, lembrando mais uma sala de estar do que um jardim.

Fotografia da cozinha da casa E.1027 publicada na revista L’Architecture Vivante em 1929. O armário a direita estampa a frase “garde-manger” que pode ser traduzida para o português como “dispensa”.

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6.


salle ou boudoir é um quarto, já que tem como móvel central uma cama, ou uma sala de estar, já que está no ponto mais público e visível da casa. Ainda que os cômodos criados pela arquiteta não sejam direcionados a uma única forma de ocupação, seu cuidado com o design de interiores possibilita uma hierarquia espacial clara, assim como diferentes rotas de circulação destinadas a usos e usuários distintos (BONNEVIER, 2007). Isso se dá tanto pelas pequenas frases que a arquiteta gravou nas paredes como “sentido proibido” ou “permitido rir” (GUIMARÃES, 2020), quanto pela distribuição de portas e passagens. Paredes móveis e telas permitem que ambientes sejam unidos ou separados conforme a necessidade. A porta do corredor que leva aos quartos, quando aberta, impede a entrada para a escada, mudando o fluxo de circulação. O quarto pode ser acessado tanto pelo banheiro quanto pelo escritório. A cozinha, espaço tradicionalmente recluso e feminino, é colocado na parte mais pública do terreno, sem acesso ao interior da residência. Já o escritório, espaço associado à figura masculina, é colocado em direta conexão com seu quarto, fundindo “espaços domésticos tradicionalmente separados pelas políticas sexuais e de gênero’’ (GUIMARÃES, 2020, s.p.).

“E.1027 realiza “não conformismo” - não aceita a família nuclear como um dado, mas sim constrói outro tipo de pessoa. É uma construção do corpo. Através dos movimentos embutidos, mencionados anteriormente, as convenções arquitetônicas são quebradas, e outras cenas sociais tornam-se possíveis. O ato de construir pode ser uma forma de desenvolver novas realidades. E.1027 ocorre dentro de um determinado quadro, a casa, mas consegue simultaneamente en-

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cenar algo novo2” (BONNEVIER, 2007, p.50).


Além do uso de planos como portas e paredes para definir limites, a arquiteta utiliza revestimentos distintos. Para ela, “A arquitetura deveria ser sua própria decoração 3”.Na área externa, os azulejos do piso formam um quadrado que lembra um tapete. Somados a presença de uma poltrona e bancos pré-moldados, a área remete a decoração interior de uma sala de estar. Em contraposição, o desenho de piso das áreas internas foge da racionalidade, propondo um desenho que parece trazer características urbanas para as áreas privadas. O boudoir e a varanda, divididos por um plano de vidros dobráveis, são revestidos com os mesmos materiais, sem demarcar a divisão entre os espaços. Explorando o uso de diferentes cores, revestimentos e texturas, Gray concebe importantes inversões que não só ditam outros modos de usar um espaço residencial, como também questiona a dicotomia entre espaços internos e externos, íntimos e sociais, arquitetura ou decoração, colocando em cheque a necessidade do binarismo no pensamento arquitetônico (BONNEVIER, 2007). Gray brinca com todas as binariedades propostas pelas normas sociais e arquitetônicas; o espaço mais íntimo da casa convencional (o boudoir) é transformado na sala mais pública, o limite entre as áreas internas e externas fica confuso devido ao jogo de vidros e revestimentos. O cuidado com a decoração dos espaços externos (com muita ordem e rigidez) em relação aos espaços internos (com revestimentos mais soltos e menos lógicos) parece inverter os papéis da rua versus a casa. Utilizando diferentes soluções projetuais, a residência e, consequentemente, sua arquiteta e moradora, invertem a moral hegemônica, questionando os valores intrínsecos ao programa doméstico, tradicionalmente ancorados às

2.

Tradução livre do livro “Behind Straight Curtains” (2007), escrito originalmente em inglês por Katarina Bonnevier Trecho original: “E.1027 performs nonconformism – it doesn’t accept the nuclear family as a given, but rather constructs another kind of person. It is body-building. Through the built-in motions, mentioned earlier, architectural conventions are broken, other social scenes become possible. The act of building can be a way to develop new realities. E.1027 takes place within a given frame, the home, but manages simultaneously to stage something new.” (BONNEVIER, 2007, p.50)

3.

tradução livre do trecho “C’est l’architecture qui doit être à elle-même sa propre décoration,”de “De l’éclectisme au doute” (BADOVICI, GRAY, apud BONNEVIER, 2007, p.56)

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práticas heteronormativas da família nuclear.


Se para Eileen Gray o boudoir poderia ser coletivizado, inserido na parte mais pública de sua casa e adornado por uma série de soluções estéticas e aparatos decorativos, tornando-o um reflexo de suas convicções arquitetônicas e pessoais, para a artista e arquiteta Amaza Lee Meredith, ele estaria no coração de sua residência, oculto por uma fachada austera e pouco documentado. Apesar do reconhecimento de sua contribuição para a produção de arquitetura, a figura de Meredith permanece oculta pela historiografia canônica. Possivelmente devido à natureza de sua relação afetiva com outra mulher, por ser autodidata, ou por ser uma das poucas arquitetas negras atuando nos Estados Unidos na década de 1930, ainda que sua casa seja amplamente discutida, pouco se fala sobre seu núcleo doméstico e as relações que podem ser traçadas entre o projeto arquitetônico e suas moradoras. Um dos poucos teóricos que analisa a produção da arquiteta em intersecção à questões de raça e sexualidade foi Mario Gooden, no livro “Dark Space”, publicado em 2016. A residência que desenhou para si e sua companheira, conhecida como Azurest South, ganhou reconhecimento por seu caráter transgressor, que quebra com as tradições arquitetônicas do período, constituindo ainda hoje um dos poucos exemplares do Estilo Internacional presentes no estado da Virgínia. A casa é, ao mesmo tempo, uma autêntica expressão da arquitetura moderna, e uma releitura dos códigos de gênero tradicionalmente associados ao modernismo (GOODEN, 2016). Localizada dentro do campus da Universidade de Virgínia, em uma região particularmente racista, machista e homofóbica, a residência, quando analisada a partir de seu núcleo doméstico, torna-se uma espécie de manifesto, ao abrigar corpos lésbicos, negros e femininos em um exemplar de arquitetura que até então parecia estar limitado ao domínio masculino. Sem demonstrar qualquer sinal da domesticidade de uma dona de casa ou da serventia de uma empregada doméstica negra, o projeto subverte as expectativas sociais e políticas associadas ao imaginário de como mulheres, especialmente mulheres negras e dissidentes do sistema sexo-gênero, deveriam morar (GOODEN, 2016).

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Construída como uma casa térrea, composta por sala de estar, ateliê, co-


zinha e um pequeno vestíbulo que separa os quartos de cada uma das moradoras, a casa é desprovida de ornamentos ou características tradicionalmente associadas à presença da figura feminina no âmbito doméstico. Com áreas de serviço relativamente pequenas e integradas ao resto da residência, o projeto é composto por linhas simples e geometria regular. A ausência de adornos, assim como a informalidade da cozinha, que quebra com a tradicional fragmentação do espaço doméstico entre áreas sociais e de serviço, faz com que o projeto, ainda que fundamentalmente feminino - uma vez que foi projetado para abrigar um núcleo doméstico composto apenas por mulheres - remeta à expressões de gênero consagradas como masculinas. Utilizando blocos de concreto e finalizada com estuque branco, a casa, quando vista por fora, revela pouco de seu interior. Embora os quartos, implantados de forma simétrica, tenham amplas aberturas, estas são constituídas por blocos de vidro distribuídos ao longo de uma parede curva, o que contrasta com os cômodos mais “nobres” da casa, como a sala de visitas e de jantar que tem janelas relativamente pequenas. O uso pouco usual de janelas e aberturas faz com que, pelo olhar de um transeunte, não seja fácil identificar onde está o quarto e onde estão as áreas sociais. Somada a uma fachada rígida e austera, o exterior da casa é extremamente discreto, funcionando como um mecanismo de camuflagem ou refúgio para a identidade de suas moradoras (GOODEN, 2016). Embora a ausência de aspectos decorativos seja contínua nas partes externa e interna da casa, seu interior contrasta com a aparente neutralidade da fachada, refletindo alguns dos principais interesses e ocupações de Meredith. O mencionado anteriormente, ao qual ela referia-se como “Meu Boudoir das Senhoras 4”, era utilizado como biblioteca e ateliê, ressignificando um cômodo tradicionalmente feminino e recluso como um espaço ligado ao trabalho assalariado e intelectual, quase como um escritório. Apesar da ausência de ornamentos, a decoração de todos os ambientes da casa era caracterizada pelo uso de cores vibrantes não só nas paredes, como também no piso e no teto, complementada por azulejos coloridos diagramados pela artista.

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Ainda que a análise desta casa possa ser melhor aprofundada tendo em


consideração seu núcleo doméstico pouco convencional, que se apropria de um modernismo tradicionalmente masculino, branco e europeu e o ressignifica, subvertendo a relação previamente concebida de que apenas determinados corpos e relações afetivas poderiam habitar aquele espaço, isso é pouco considerado pela historiografia canônica. Se a memória da arquiteta já é quase invisível, a natureza de suas relações afetivas e a forma como isso poderia vir a influenciar a construção de sua casa é raramente abordada5 . Embora todas as residências apresentadas até aqui sejam atravessadas pela invisibilização de suas moradoras, é importante ressaltar que, ainda que de formas distintas, tanto Edith Farnsworth, quanto Eileen Gray e Amaza Lee Meredith, tiveram o privilégio de construir casas para si próprias, com ou sem o envolvimento de outros arquitetos. Isto abre um campo especialmente interessante para a análise de suas residências, uma vez que, diferentemente da maior parte dos espaços habitados pela população, essas casas foram projetadas fundamentalmente com o objetivo de abrigá-las. Não são reformas, ou adaptações, mas sim espaços desenhados por e para elas, com a intenção de melhor acomodar seus interesses, rotinas e relações afetivas. Ainda que, especialmente no caso de Farnsworth, o resultado ou mesmo o processo tenha sido insatisfatório, é impossível negar o resultado é transgressor de uma que casa não se conforma com os padrões de domesticidade do período. Essa experiência demonstra que o exercício projetual abrange muito mais do que apenas o trabalho do arquiteto, englobando também um processo colaborativo entre usuários, desenhistas e construtores. Nenhuma das residências acima teria se manifestado da mesma forma se não tivessem, como partido projetual, o desafio de abrigar um núcleo doméstico não convencional. Nesse sentido, a importância de gênero ou sexualidade para a produção no campo da habitação é colocada, no contexto desta pesquisa, como fortemente vinculada ao protagonismo das pessoas que se dispõem a morar em determinado espaço. Seguindo essa lógica, é impossível disconsiderar o potêncial de um

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usuário que foge da matriz heterossexual, racista e machista, para o desmantelamente de uma expressão de domesticidade que se coloca diariamente como


neutra, universal e livre de pré concepções. Trata-se de reconhecer a habitação ocidental convencional como insatisfatória, compreendendo seus aspectos materiais como diretamente associados às relações de hierarquia, opressão e afetividade singulares. A partir deste reconhecimento, o exercício de reimaginar o que é identificado com o lar, desvinculando-o das normas e padrões previamente estabelecidos, pode ocorrer a partir da inversão de sua raiz: como seria a casa ideal para outros núcleos domésticos? quanto solução padrão e universal, não existe, porém a partir de experiências que se propõem a reimaginar e reconfigurar não só espaços como também rotinas e relações sociais, torna-se possível apontar caminhos para futuras produções e reapropriações do espaço doméstico. Os próximos capítulos buscam, a partir do mapeamento de alguns dos pilares que sustentam a habitação unifamiliar e heteropatriarcal, analisar experiências de subversão destas normas.

4.

A arquiteta utilizou a expressão “My Lady’s Boudoir” em uma anotação sobre uma fotografia de seu estúdio. Mario Gooden, no livro “Dark Space” (2016), associa essa expressão a uma referência ao boudoir projetado por Adolf Loos na Villa Muller, também nomeado como “Lady’s Boudoir” (GOODEN, 2016).

5.

É importante ressaltar que o último capítulo do livro “Dark Space “ (2016) de Mario Gooden traz a análise da casa a partir desta abordagem, mas até o momento de realização desta pesquisa, não foram encontradas outras referências bibliográficas que analisem ou mesmo mencionem as intersecções de raça, gênero e sexualidade presentes na produção de Amaza Lee Meredith. Um exemplo da invisbilidade do lesbianismo da arquiteta está na biografia difundida pela Univiersidade de Virginia, que, ainda hoje, refere-se a parceira romântica de Meredith como uma “amiga de longa data”.

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Os exemplos acima já informam que o ideal, en-


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7.

8.


9.

7. Fachadas sul e leste da casa Azurest South em 1993. As maiores aberturas, em bloco de vidro, pertencem aos dormitórios das moradoras.

8. Uma aula de economia doméstica em 1939, na sala de jantar da casa Azurest South.

Amaza Lee Meredith e sua parceira, Edna Meade Colson. A data e o local desta foto são desconhecidos.

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9.


Coletivização das tarefas domésticas

Embora nem todos tenham sido construídos, os projetos analisados a seguir referem-se a diferentes propostas para a resolução da problemática associada à divisão sexual das tarefas domésticas. Uma primeira hipótese, presente de formas distintas nos projetos “Pedregulho” e “Narkomfin”, trabalha com a construção de equipamentos coletivos que objetivam transferir tarefas normalmente realizadas dentro da esfera privada para as áreas compartilhadas de conjuntos habitacionais. Posteriormente, transcendendo a construção de um único complexo residencial e anulando completamente a presença da cozinha dentro das casas, os projetos “Topolobampo” e “Llano del Rio” visam reformular a lógica urbana como um todo, propondo que as tarefas domésticas sejam integralmente assumidas pela esfera pública. Ainda que a coletivização das tarefas domésticas possa ser realizada de múltiplas maneiras, inclusive dentro das tipologias convencionais, a análise dos projetos mencionados acima permeia uma esfera mais ampla, questionando não só a habitação de forma isolada como também sua implantação em relação à organização social e urbana. Embora nada impeça que a cozinha de um apartamento tradicional seja igualmente utilizada por todos os moradores de uma habitação, a seguinte análise procura se aprofundar acerca das dimensões estruturais do trabalho doméstico, levantando temas que extrapolam o campo da arquitetura, como a industrialização das tarefas domésticas, a transferência de determinados cômodos da casa para a esfera pública e a reorganização da cidade como um todo. Localizado no Rio de Janeiro e construído entre 1946 e 1952, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Morais, mais conhecido como Pedregulho, é considerado o principal empreendimento promovido pelo Departamento de

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Habitação Popular (DHP) (COSTA, 2018). Assinado pelo arquiteto Afonso


Reidy e pela engenheira e urbanista Carmen Portinho (então diretora do DHP), o projeto materializa não só os ideais modernos institucionalizados no período (NASCIMENTO, 2017), como também esboça caminhos para uma produção habitacional que visa a emancipação feminina das tarefas domésticas. O conjunto, assim como os agentes e processos envolvidos em sua construção, foi amplamente analisado pela arquiteta e historiadora Flávia Brito do Nascimento (2017). Através de sua pesquisa torna-se explícita a intenção de Carmen Portinho de fomentar mudanças sociais e comportamentais nos moradores, por meio da proposição de soluções arquitetônicas e ampla oferta de áreas de serviços comuns . Sob encomenda do governo, o complexo foi desenhado para abrigar funcionários municipais com baixos salários, como serventes, vigilantes, zeladores e professores. Considerando que a maior parte dos novos moradores vinham de um contexto econômico pouco abastado, o projeto buscou não só promover habitação enquanto abrigo, como também como uma experiência didática, compreendendo a habitação como uma importante ferramenta para a educação e reconfiguração da organização social. Nesse sentido, as soluções habitacionais do projeto têm como objetivo a promoção de uma vida coletivizada, saudável e culturalmente rica. Refletindo o posicionamento político da engenheira Carmen Portinho, uma de suas principais preocupações foi a reestruturação da divisão sexual do trabalho, que aparece tanto em soluções projetuais dentro das tipologias propostas, como também na larga oferta de equipamentos coletivos. Construído sobre um terreno de topografia bastante acidentada, o conjunto é composto por dois blocos de edifícios residenciais. O bloco A localiza-se na no alto da encosta e, implantados nas cotas inferiores, cerca de 50m abaixo, estão os blocos residenciais B1 e B2, assim como uma série de equipamentos coletivos independentes. O bloco A é disposto ao longo de um edifício curvo que acompanha o desenho natural das curvas do terreno, o que possibilita que todas as habitações tenham vista para a Baía de Guanabara. Distribuído ao longo de 7 andares, o edifício conta com duas tipologias, a primeira, localizada

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nos dois pisos inferiores, é destinada a casais sem filhos, composta por cozinha,


10. Planta dos apartamentos duplex do conjunto Pedregulho

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11. Desenho de implantação do conjunto Pedregulho

1.

Corredor

2.

Cozinha

3.

Banheiros

4.

Sala

5.

Dormitórios


banheiro, sala e um quarto. Nos 4 pisos superiores estão as habitações familiares, configuradas como apartamentos duplex de dois ou três dormitórios. O piso intermediário, majoritariamente vazio e destinado a usos coletivos, possibilita o acesso à rua e impede a necessidade do uso de elevadores para acessar os apartamentos (COSTA, 2018). Dentre as diversas estratégias utilizadas para diminuir os custos construtivos, a que mais reflete as pesquisas de Carmen acerca das soluções habitacionais empregadas nos conjuntos residenciais construídos no contexto do pós-guerra europeu foi a adoção da tipologia duplex. Somada ao incentivo ao uso de equipamentos coletivos, as habitações podiam ter suas metragens reduzidas, primeiro pela transferência da lavanderia para fora do âmbito privado e, posteriormente pela distribuição vertical dos apartamentos, que permitia uma redução significativa da área normalmente destinada ao corredor (COSTA, 2018).

Lavanderia coletiva do conjunto Pedregulho em 1950

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12.


O espaço reduzido destinado às cozinhas e a ausência de lavanderia dentro dos apartamentos simbolizam não só um desejo de redução dos custos construtivos do projeto, como também uma proposição alternativa de domesticidade. Nesse sentido, torna-se claro um gesto projetual que visa diminuir os espaços privados e ampliar os coletivos, promovendo uma vida mais amplamente social e compartilhada. É importante ressaltar que dentre os equipamentos públicos previstos para o conjunto, estão não só as quadras Esportivas, Ginásios, Piscina e Centro Sanitário, como também o Jardim-de-infância, o Maternal, o Berçário e a Escola Primária (NASCIMENTO, 2017). A presença de todos estes programas contribui não só para a formação dos filhos dos moradores, como também para a emancipação da figura feminina, que ganha maior tempo livre não só devido ao apoio fornecido pelas instituições educativas e esportivas que ocupam o cotidiano das crianças, como também em função da proximidade entre a moradia e os equipamentos, reduzindo o tempo de deslocamento entre a esfera pública e privada. Ainda que a proposta de lavanderia coletiva do conjunto Pedregulho seja um importante exemplo dos esforços de Carmen Portinho para a promoção da emancipação feminina das tarefas domésticas, essa solução, social e arquitetônica, implica em algumas pré-concepções. Integrar a cozinha a sala, torná-la mais funcional e transferir a lavanderia para a esfera coletiva transformando-a em um espaço de socialização são gestos que, embora contribuam para a melhoria da qualidade de vida da figura feminina, não questionam a dimensão estrutural da divisão sexual do trabalho. Nesse sentido, cabe pontuar que, embora este projeto faça importantes questionamentos acerca da inadequação dos espaços de serviço destinados ao trabalho feminino, que poderiam ser performados com maior agilidade e sociabilidade, ele não questiona a divisão sexual do trabalho em si. Ainda que o tempo livre da mãe e dona de casa seja valorizado, sugerindo que este fosse utilizado para fins intelectuais e de “maior prestígio", seu status primário en-

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quanto responsável pelas tarefas de cuidado, assim como sua associação ao


papel de mãe e esposa, continuam inquestionados. Se no conjunto Pedregulho o desejo de desvincular o imaginário doméstico do culto à propriedade privada já pode ser amplamente analisado por meio das soluções espaciais propostas, no conjunto habitacional Narkomfin, realizado após a revolução russa, o combate ao isolamento da família nuclear se estende a um questionamento mais amplo das estruturas sociais e econômicas que organizavam a sociedade até então. São questionadas não só as dinâmicas cotidianas da família, como também a sua própria existência, vinculada menos a uma noção de naturalidade e mais a uma estratégia econômica para o gerenciamento da propriedade privada (COSTA, 2018). Nesse sentido, a arquitetura soviética, reforçada pela ideologia política do período, tem um viés mais subversivo, que procura não só solucionar problemas pontuais como também questionar os próprios fundamentos que perpetuam a desigualdade de gênero e, consequentemente, a heterossexualidade compulsória e a monogamia. Entre 1926 e 1927, o filósofo Walter Benjamin visita a União Soviética e se familiariza com as discussões que vinham sendo conduzidas sobre a reconfiguração da arquitetura residencial para a nova nação socialista. Se o autor já teorizava as relações entre o crescimento do capitalismo industrial e a domesticidade burguesa, após sua visita a Moscou, compreende a ideia de “aconchego” associada a casa, como reflexo da caracterização da cidade como um espaço frio, inseguro e conturbado. Para ele, a arquitetura moderna deveria se estruturar a partir da crítica aos padrões familiares convencionais, derivados das práticas cotidianas da família burguesa tradicional do século XIX, fundamentada a partir de um sistema social de opressão (HEYNEN, 2005). No texto “Remaking the Bed: Utopia in Daily Life” (1996), a pesquisadora Olga Matich descreve o conceito “Novyi Byt” (novas formas de domesticidade), promovido por membros da Lef (jornal promovido pela frente esquerdista de artes) como Vladimir Tatlin e Alexander Rodchenko. Com a proposta de reformar a vida cotidiana e baseados na rearticulação dos limites entre público e privado, os novos núcleos domésticos seriam desatrelados dos valores burgue-

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ses de família e domesticidade. A nova habitação socialista teria como princi-


pal objetivo o fim da propriedade privada (representada pela família nuclear) como agente central para o desenho residencial. A família biológica, assim como a monogamia e a divisão sexual do trabalho, seria dissolvida, e as tarefas domésticas e maternidade tornariam-se responsabilidade do estado. O arquiteto russo Moisei Ginzburg, a partir de 1928, coordena o órgão responsável pela construção de habitação operária na União Soviética. Partindo do pressuposto de que o espaço, principalmente a casa, pode operar no cotidiano remodelando as relações sociais, a habitação para a classe operária é considerada uma ferramenta para a criação de uma forma socialista de habitar. Nesse sentido, a habitação mínima proposta pelos construtivistas procura transferir o maior número possível de atividades relacionadas ao âmbito privado para a esfera pública. A habitação deveria conter apenas o essencial para a realização de necessidades básicas uma vez que, tanto as tarefas domésticas quanto o entretenimento e relações sociais, seriam realizadas na cidade (COSTA, 2018). Com o desafio de materializar os valores propostos para a nova sociedade soviética, Moisei Ginzburg, em parceria com seu aluno Ignatii Milinis, propôs em 1929, o conjunto habitacional Narkomfin, localizado no centro de Moscou. Projetado para abrigar funcionários do Comissariado do Povo para Finanças, o complexo é composto por dois edifícios. O primeiro, um longo bloco com janelas em fita, abriga os apartamentos residenciais, que variam entre 1 e 4 quartos, e o segundo, um complexo coletivo envidraçado que se conecta às habitações por meio de uma ponte coberta, abrigaria os equipamentos coletivos (LUCARELLI, 2016). Alinhado com a ideologia pós revolucionária que compreendia o byt (traduzido como vida cotidiana) como importante agente na promoção de mudanças estruturais na sociedade, o projeto propunha que os habitantes realizassem apenas as atividades essencialmente privadas dentro de casa (tomar banho, dormir, descansar). Em compensação aos apartamentos pequenos, o conjunto contava com uma série de programas comunitários, alocados em um volume separado, que fornecia cozinhas e salas de jantar coletivas, assim como lavanderia, serviço de limpeza dos alojamentos, jardim de infância, ginásio esporti-

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vo, biblioteca e um terraço comunitário (LUCARELLI, 2016).


Embora a estrutura tenha sido projetada para induzir o coletivismo entre seus habitantes e, ulteriormente, o fim da família nuclear como metáfora para a domesticidade, o condensador social é composto não só por unidades residenciais totalmente coletivizadas (tipologia F), que supunham que os inquilinos se alimentariam no restaurante do conjunto e transfeririam o cuidado das crianças para o bloco coletivo, como também por unidades menos transgressoras (tipologia K), que previam espaço para a criação das crianças e para cozinhar (LUCARELLI, 2016). Ainda que as tipologias propostas não previssem uma completa erradicação do casamento e da família biológica, os gestos projetuais do Narkomfin buscavam reduzir ao máximo as atividades realizadas dentro da esfera privada. O tamanho reduzido dos apartamentos, assim como seu design austero, embora possibilitasse o prazer estético, não necessariamente remetia a conforto ou

13.

83 —

Bloco das áreas comuns do conjunto habitacional Narkomfin na década de 1930


84 —

14. Plantas originais das tipologias tipo F (desenho superior) e tipo K (desenho inferior)


Utilização das áreas sociais dos apartamentos do Narkomfin como escritório

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15. / 16.


acolhimento, o que reiterava a aversão do arquiteto (e da ideologia pós revolucionária como um todo) ao status do ambiente privado como um “refúgio” da vida em sociedade. Muitas das fotos que retratam o cotidiano de seus moradores no período logo após sua construção mostram que a área social, que pode ser reconhecida pelo pé direito duplo, era frequentemente utilizada para outros fins, como escritório, depósito ou passagem. Embora a execução do Narkomfin possa ser considerada um importante marco para a consolidação da cidade de Moscou enquanto expressão arquitetônica da ideologia soviética, o conjunto, assim como o Pedregulho, está limitado a sua implantação, questionando as estruturas sociais e econômicas apenas dentro da área delimitada por sua construção. Nesse sentido, as propostas apresentadas a seguir transcendem a ideia de que a revolução, por meios arquitetônicos, pode ser alcançada apenas através da reconfiguração dos espaços domésticos, propondo habitações que dependem também de uma completa reestruturação da lógica urbana, transferindo programas normalmente pertencentes à esfera privada, para a esfera pública. A pesquisa elaborada por Dolores Hayden no artigo “Two Utopian Feminists and Their Campaigns for Kitchenless Houses” (1978) analisa os seguintes projetos compreendendo os movimentos feministas socialistas norte americanos do século XIX como importantes agentes para a promoção do distanciamento das tarefas domésticas da tipologia residencial e dos conjuntos habitacionais, integrando-as completamente a esfera urbana. Marie Stevens Howland e Alice Constance Austin promoveram a reforma da domesticidade através da proposição das cidades utópicas Pacific Colony, localizada em Topolobampo no México, e Llano del Rio, no estado da Califórnia, Estados Unidos. Ambas acreditavam que uma transformação em escala global poderia ser introduzida através do exemplo de uma única comunidade, que por meio da experiência em escala micro apontaria novos caminhos para a formulação de um mundo ideal. Embora nenhuma das duas tenha sido concluída, os projetos propõem interessantes estratégias para a reconfiguração das relações de

86 —

poder e propriedade nas esferas públicas e privadas (HAYDEN, 1978).


Ao longo da década de 1860, após cerca de dez anos advogando pelo amor livre e por habitações coletivas, Marie Stevens Howland morou em um Familistério Fourierista1 em Guise, na França. Baseando-se na convicção de que a arquitetura poderia provocar profundas mudanças nas relações sociais e afetivas, o complexo residencial buscava a emancipação femininas das tarefas domésticas através de uma série de equipamentos coletivos como creches para o cuidado integral das crianças e refeitórios, que alimentavam cerca de 350 operários e suas famílias. Fortemente influenciada por essa experiência, assim como pela ideologia comunitária e socialista promovida por Fourier, Howland volta aos Estados Unidos publica um livro2 sobre o cotidiano no Familiésterio e, em 1874 é convidada por Albert Kimsey Owen a pôr em prática suas convicções, coordenando o projeto de uma colônia cooperativa em Topolobampo, México (HAYDEN, 1978).

O plano urbano proposto, amplamente anali-

sado por Dolores Hayden e documentado pelo arquivo digital da UC San Diego 3 , era organizado sobre quadrantes retangulares cortados por ruas diagonais. Não poupava recursos financeiros, sugerindo três tipologias residenciais e extensos equipamentos coletivos como creches, lojas cooperativas, fábricas, hospitais, livrarias, parques e anfiteatros. Ainda que parcialmente alinhado com as ideologias feministas e socialistas de Howland, o projeto também refletia as preocupações conservadoras de seus idealizadores, Albert Kimsey e John J. Deery, que apoiavam a habitação unifamiliar e não pareciam se preocupar com a abolição imediata do sistema de classes. Dentre as tipologias apresentadas havia o Hotel Residencial, que de maneira semelhante aos Familistérios oferecia em um mesmo edifício, suítes de tamanhos variados, compartilhadas ou não, e acesso a diversos servi-

1.

O termo Familistério Fourierista refere-se aos conjuntos habitacionais promovidos por Charles Fourier, um socialista utópico que argumentava contra a família biológica enquanto núcleo doméstico,considerando-a um dos maiores obstáculos para a erradicação da opressão da figura feminina perante a sociedade. Nesse sentido, uma de suas principais preocupações era a promoção da coletivização das tarefas domésticas por meio do design de arquitetura, o que permitiria a ascensão social das mulheres e o fim da desigualdade entre gêneros (HAYDEN, 1978).

2.

“Papa’s Own Girl”, publicado em Nova Iorque, em 1874, com editoração de John P. Jewett

3.

Topolobampo Collection. MSS 106. Special Collections & Archives, UC San Diego.

87 —

ços e áreas comuns. O edifício, organizado em em torno


de dois grandes pátios comuns, tinha um desenho retangular, simétrico e térreo, que propunha a distribuição das suítes nas laterais do retângulo e os programas comuns, como sala de jantar, refeitório, café e biblioteca, nas esquinas. A segunda tipologia apresentada seriam as Row Houses que, organizadas em blocos de doze casas geminadas de dois andares voltadas para um jardim central, compartilhavam um edifício de serviços, que contava com uma sala de jantar no primeiro piso e cozinha e lavanderia na parte superior. As Row Houses, embora contassem com um programa relativamente tradicional e espaçoso, com sala de estar, banheiros e quartos distribuídos em torno de um pátio central, não previam nenhuma cozinha ou lavanderia, sugerindo que as tarefas domésticas seriam completamente realizadas nos edifícios de apoio. A planta das casas ainda apresenta banheiros extensos, com diversas pias e banheiras, o que sugere que as residências seriam compartilhadas por um número relativamente grande de pessoas, provavelmente extrapolando os limites estabelecidos pela tradicional família nuclear. Por fim, sugerindo maior privacidade, foram apresentados os chalés, que implantados na parte central de lotes de meio acre, eram ligadas a um edifício de apoio compartilhado por outras três casas, com direito a refeitório, cozinha, lavanderia e dormitórios para os funcionários que trabalhavam no complexo. Nesse sentido, a diferença central entre os chalés e as casas geminadas era não só o maior isolamento, com direito a jardins privativos e distância entre as construções, como também uma maior oferta de programas dentro das propriedades privadas, que previam biblioteca, sala de jantar, dispensa e alguns elementos que sugerem uma divisão entre a área de serviço e a área social, como um hall e escada principal e uma entrada pelos fundos, com circulação vertical isolada. O desenho apresentado ainda sugere pequenas alterações entre as casas e seus jardins, demonstrando maior individualidade e liberdade para a configuração destes chalés. Ainda que o projeto não tenha sido concluído, ele levanta importantes discussões acerca da coletivização das tarefas domésticas. A transformação

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da cozinha, da lavanderia e até da sala de jantar em programas coletivos, im-


plica na formulação de novos arranjos não só espaciais como também sociais, culturais e afetivos. Embora os projetos Pedregulho e, mais incisivamente, Narkomfin, já apontem caminhos para essas mudanças, eles se limitam ao alcance dos residentes de um único conjunto habitacional, não questionando a lógica urbana como um todo ou redirecionando essas tarefas para uma esfera realmente pública, tanto físicamente quanto institucionalmente. Mas, ainda que o projeto apresenta importantes avanços acerca do redirecionamento dos trabalhos associados à esfera doméstica, apontando novas ferramentas e agentes capazes de assumir essa responsabilidade, as soluções apresentadas são pouco eficazes no questionamento de outras formas de opressão. Se considerarmos que todas as tipologias apresentadas sugerem o fim das tarefas domésticas dentro do âmbito privado, é necessário pontuar que estas tarefas ainda seriam performadas, da mesma maneira, só que por outras pessoas (provavelmente mulheres) e em espaços geográficos distintos.

17.

89 —

Planta do Hotel Residencial


cômodos da casa A. salão B. sala ou biblioteca C. sala de jantar D. hall e escadas E. dispensa F. hall e escadas dos fundos G. vestíbulo cozinhas centrais A. cozinha B. dormitórios C. refeitório D. escritório E. praça coberta F. armazenamento G. hall e escadas H. copa I. geladeiras

A. B. G. D. C. F. E.

C. A.

F. H. G. E. B.

B. E. G. D. E.

90 —

18. Planta do quarteirão modelo dos chalés (abaixo, ampliação do mesmo desenho para vizualização da planta das casa e leitura da legenda)


Planta do quarteirão modelo das Row Houses (abaixo, ampliação do mesmo desenho. Os cômodos sinalizados são: duas salas de estar, corredor, salão, pátio com jardim interno e banheiros.)

91 —

19.


Nesse sentido, a última proposta apresentada, ao ilustrar chalés unifamiliares isolados no lote, com edifícios de serviço em seus arredores, nada mais lembra do que uma versão mais bem elaborada da área de serviço, com direito a quarto de empregada e nenhuma explicação acerca de quem seriam as pessoas trabalhando nesses espaços, como elas seriam remuneradas, e como seriam realizadas suas próprias tarefas domésticas. Olhando pela perspectiva de um país sul americano, com forte herança escravocrata e com a presença da empregada doméstica quase que de maneira indispensável nas casas de classes médias e altas, é importante pontuar que a terceirização dessas tarefas, mesmo que de maneira assalariada, não colabora integralmente com o combate a opressão feminina, a desigualdade econômica ou racial. Se a remuneração dessas tarefas não só não contribui para a emancipação feminina, também não enfrenta o profundo descontentamento das donas de casa e empregadas domésticas em relação à atribuição compulsória de tarefas de cuidado às mulheres, assim como às condições técnicas primitivas sob as quais essas tarefas são realizadas (DAVIS, 1981).Nesse sentido, ainda que o projeto apresente importantes reflexões acerca da coletivização dos espaços privados, ele não se propõe a resolver a questão das tarefas domésticas de maneira suficientemente elaborada, contornando questões de classe e raça que poderiam ser abordadas de maneira mais incisiva.

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“Um dos segredos mais bem guardados das sociedades capitalistas avançadas envolve a possibilidade – a real possibilidade – de transformar radicalmente a natureza das tarefas domésticas. Uma parte substancial das incumbências domésticas das donas de casa pode de fato ser incorporada na economia industrial. Em outras palavras, as tarefas domésticas não precisam mais ser consideradas necessária e imutavelmente uma questão de caráter privado” (DAVIS, 1981, p.287).


Os argumentos de Davis a favor da industrialização das tarefas domésticas aparecem, ainda que de maneira preliminar, no projeto para a cidade cooperativa Llano del Rio, elaborado por Alice Constance Austin em 1915. Elaborada para uma comunidade de 900 pessoas que desejava se estabelecer no Vale Antelope, na Califórnia, a cidade socialista foi uma primeira oportunidade para que Austin colocasse em prática os estudos a cerca de cidades modelo e cooperativas que vinha realizando a cerca de duas décadas. Compreendendo que a tipologia convencional das casas norte americanas condenava a figura feminina a dedicar-se integralmente às tarefas domésticas e, consequentemente, a um destino “espiritualmente fatal e intelectualmente opressor”, a arquiteta propôs casas sem cozinha que seriam ligadas a instalações altamente industrializadas de produção e entrega de comida (TORRE, 2020). Assim como Howland, Austin imaginou uma cidade construída com recursos infinitos. Embora a comunidade fosse limitada financeiramente e não tivesse acesso a um suprimento de água adequado, o desenho proposto previa grandes parques e jardins assim como uma pista de pouso, sugerindo que os mantimentos que não pudessem ser produzidos localmente poderiam chegar à cidade por via aérea. Para viabilizar a emancipação feminina das tarefas domésticas, o plano urbano propunha um sistema subterrâneo que conectaria as casas a cozinhas centrais por meio de vagões ferroviários. Dessa forma, todas as refeições já chegariam prontas nas residências e poderiam ser devolvidas da mesma forma, para que fossem lavadas na cozinha central. O serviço ainda previa que a lavanderia e outras necessidades seriam entregues pelo mesmo esquema de delivery subterrâneo. Apesar da infraestrutura custosa, a arquiteta argumentava que os recursos financeiros utilizados seriam recompensados pelo conforto de uma cidade silenciosa, sem trânsito e esteticamente agradável. Para compensar o uso de recursos financeiros, as casas previstas seriam geminadas, com metragem reduzida e com paredes grossas, viabilizando maior conforto térmico para o clima desértico da região

93 —

(HAYDEN, 1978).


18.

19.

18. Desenho de Alice Constance Austin. Ilustra a ligação entre uma casa e outra, assim como a presença de túneis subterrâneos diretamente ligados às moradias.

19.

94 —

Planta tipo das residências, com sala de estar, closet, pátio coberto, banheiro e dois dormitórios.


A casa sem cozinha desenvolvida por Austin seria distribuída ao longo de dois volumes conectados por um pátio coberto que poderia ser utilizado como sala de jantar. O bloco mais espaçoso contaria com um closet, uma escada de acesso a cobertura e uma ampla sala de estar que poderia ser integralmente conectada ao pátio por meio da abertura de três grandes portas. O segundo bloco, com tamanho reduzido, previa dois quartos de tamanho igual, com entrada voltada para o pátio e separados por um banheiro compartilhado (HAYDEN, 1978). O design proposto não só eliminava a cozinha e a lavanderia da esfera doméstica, como também extinguiu o uso do corredor, que ao ser substituído pela área comum proporcionou uma circulação mais fluida, que possibilitava uma integração total ou parcial entre as áreas abertas e fechadas. Ao longo do desenvolvimento do projeto a comunidade teve seus recursos financeiros gradualmente reduzidos e, ao final de 1917, já não havia chance de que a cidade fosse construída conforme a idealização de Austin (HAYDEN, 1978). Apesar de seu caráter utópico, com previsão para uma infraestrutura altamente tecnológica e custosa, o projeto faz importantes avanços em termos de desenho arquitetônico. Além de procurar uma forma, ainda que pouco prática, de industrializar as tarefas domésticas, o projeto residencial, se comparado com aqueles previstos para a comunidade de Topolobampo, apresentava importantes reflexões, com dissolução das fronteiras entre as áreas internas e externas, de hierarquização e desespecialização dos espaços, e proposição de um único modelo residencial para todas as classes econômicas. Ainda que a padronização da habitação, presente em ambos os modelos urbanos apresentados, apresente uma série de problemas, dentre os quais o mais latente é a proposta de que esses modelos residenciais poderiam ser vistos como universais ou adequados a qualquer núcleo doméstico, o projeto de Austin, se analisado de maneira isolada, apresenta caminhos interessantes para uma produção de casas mais flexíveis, menos especializadas e mais conectadas com

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o espaço público e áreas externas. Nesse sentido, ainda que a repetição e in-


dustrialização de casas não seja favorável para a livre apropriação de diferentes culturas e estruturas sociais, o design apresentado parece menos rígido, possibilitando uma variedade mais ampla de cotidianos, rotinas e domesticidades. Embora a coletivização das tarefas domésticas, assim como a erradicação da divisão sexual do trabalho, ainda seja uma discussão em andamento, os projetos apresentados não só demonstram que este é um problema comum a diferentes contextos culturais, temporais e geográficos, como também mostram que esta questão transcende a esfera arquitetônica, dependendo de profundas mudanças na estrutura social e econômica do ocidente. Se a arquitetura, isoladamente, não tem a chave para a resolução de uma questão enraizada em nosso modelo social e econômico, os projetos apresentados fornecem reflexões essenciais para a elaboração de um futuro em que as habitações possam ser menos opressoras, conformistas e limitantes.

20.

96 —

Alice Constance Austin em 1917, exibindo uma maquete do projeto para integrantes da colônia.


21.

97 —

Desenhos preliminares da malha urbana proposta por Alice Constance Austin para Llano del Rio.


Flexibilização e desierarquização dos espaços domésticos Vânia Carneiro Carvalho (2008) compara as diferenças materiais entre o sobrado oitocentista e o palacete por meio da análise das transformações comportamentais e culturais associadas a essa mudança tipológica. Além de possibilitar que moradia e trabalho funcionassem juntos, os sobrados se propunham a comportar um maior número de atividades em um mesmo cômodo. A cozinha costumava ser contígua à área de serviço; a sala de jantar, situada logo ao lado, tinha caráter multifuncional, utilizada pelas donas de casa para administrar as tarefas de seus empregados domésticos, costurar, passar roupa e receber visitas íntimas. E a sala de estar ou de visitas, localizada próxima à fachada, era considerada a área mais pública e formal, ocupando apenas uma pequena parcela do espaço da casa. A priorização dos espaços destinados a usos mistos, informais e frequentemente utilizados para os serviços diários da casa é um dos principais aspectos arquitetônicos e culturais que, embora comuns às residências paulistanas até meados do século XX, foi descartado conforme o palacete ganhou espaço como moradia padrão para o modo de vida burguês. O novo arranjo espacial, caracterizado pela criação de novos cômodos e hiper especialização de seus usos, tinha como objetivo melhor acomodar as rotinas e hierarquias atribuídas às famílias da elite. Essa residência “moderna”, que influencia ainda hoje a forma como são projetadas e imaginadas habitações na maior partes das regiões e contextos socioeconômicos do território brasileiro e ocidental, atribuiu ao lar a divisão entre áreas de serviço, íntimas e sociais, assim como ênfases de gênero para

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determinados cômodos. Esses gestos tornaram a casa em um espaço não só


fragmentado, como também hierarquizado, construído a partir da minuciosa previsão de como seria a circulação de cada membro do núcleo doméstico (pertencente a família ou como empregado), quais cômodos cada um utilizaria, e como sua privacidade e aparência poderiam ser melhor preservados. Ainda que gradativamente os núcleos domésticos estejam se tornado cada vez mais variados, compondo relações não monogâmicas, não matrimoniais e não românticas ou familiares, a organização do lar ocidental ainda é fortemente atrelada às práticas e rotinas da família nuclear burguesa do início do século XIX. Uma das formas como essa influência se espacializa ainda hoje é por meio da compartimentação dos ambientes, que são frequentemente fragmentados em função de usos e usuários específicos, e distribuídos conforme uma hierarquia pré determinada. A comparação entre o sobrado e o palacete evidencia que, ainda que hoje o habitar moderno seja tido como padrão ou universal, o conjunto de normas arquitetônicas associadas a ele é uma construção recente e singular, fruto de expressões culturais e comportamentais específicas. Nesse sentido, é importante ressaltar que as preocupações que geraram uma configuração habitacional extremamente compartimentada e especializada, com o uso de corredores, quartos específicos para cada atividade e áreas de serviço isoladas, não necessariamente comportam as demandas e desejos de uma multiplicidade cada vez maior de núcleos domésticos. Objetivando vislumbrar outras configurações do espaço construído e das funções atribuídas a ele, os próximos projetos analisados compreendem experiências habitacionais que, embora particulares de contextos temporais e geográficos distintos, questionaram a configuração dos espaços domésticos que lhes foram impostos, propondo novas formas de habitar. A comuna The Woman’s Commonwealth1, é um projeto que, embora originado em um cenário distante, - em 1860 na cidade de Belton, Texas - aborda temáticas

1.

Este projeto foi detalhadamente apresentado por Gwendolyn Wright no texto “The Woman’s Commonwealth A Nineteenth-Century Experiment”, escrito originalmente para a edição n°11 da revista Heresies, publicada em 1981.

99 —

presentes ainda hoje nas discussões acerca da configura-


ção de novas domesticidades. Fundada por Martha McWhirter, a comuna surgiu em decorrência de um grupo de estudos e oração para mulheres metodistas, que afirmavam ter uma comunicação direta com Deus. Esse posicionamento, extremamente radical considerando o período e contexto geográfico em que estavam sediadas, estava associado também a uma insatisfação destas mulheres com suas vidas domésticas e afetivas. Infelizes com o tédio e isolamento do trabalho doméstico em suas respectivas casas, assim como com as relações de opressão intrínsecas aos seus casamentos, muitas vezes marcados por maridos super controladores, abusivos e alcoólatras, o grupo decidiu adotar um completo celibato e, eventualmente, abandonaram suas casas e maridos para criar uma vida alternativa, em comunidade (WRIGHT, 1981). Constituída por um grupo de cerca de 30 mulheres e algumas crianças, a comuna se sustentava a partir da venda de alimentos, realização de serviços domésticos e, eventualmente, dos lucros de um hotel criado e comandado por elas (LAMANNA e SOKOLOW, 1984). Compreendendo que as residências em que antes viviam encorajavam estilos de vida desagradáveis e relações sociais opressivas, essas mulheres se dedicaram a experimentar com os espaços domésticos. Buscando uma reorganização não só comportamental, a partir de uma vida em celibato, comunista e feminista, como também espacial, elas desenvolveram, ao longo de anos, uma série de construções públicas e privadas em um terreno central da cidade de Belton . Com apenas alguns dias de aprendizado com um construtor local, as mulheres, com a ajuda de seus filhos, desenharam e construíram sua primeira casa em menos de uma semana (LAMANNA e SOKOLOW, 1984). Ao longo dos próximos anos elas continuaram a comprar terras, construir e alugar casas, constituindo uma espaço parcialmente dedicado às suas próprias atividades e parcialmente utilizado como hotel e centro cultural. Além das 14 construções erguidas em seu próprio terreno, a comuna também promoveu a construção de outros edifícios públicos e obras de infraestrutura urbana na cidade.

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O costume de construir aos poucos, conforme a necessidade e sem um projeto final em mente, assim como o desafio de abrigar um grande grupo de


mulheres, crianças e hóspedes, tornou a arquitetura produzida pela comuna em algo distante das habitações unifamiliares criticadas por elas. Ao invés de trabalhar com uma “fórmula” habitacional que sugeria um determinado conjunto de cômodos, assim como posição e metragem ideal para cada um deles, as mulheres da The Woman’s Commonwealth construíam de acordo com a demanda, o que resultava em uma série de construções sem uso específico, de tamanhos variados e com uma completa subversão das hierarquias e regras pré estabelecidas pelos estilos domésticos predominantes no período. De acordo com Gwendolyn Wright (1981), a organização espacial proposta por elas, revela uma preocupação especial com a construção de identidade pessoal e orgulho de suas experiências criando lares para si mesmas. O resultado destas criações eram espaços ambíguos e adaptáveis que serviam para diferentes atividades. Para manter a multifuncionalidade destas construções, elas buscavam adotar estéticas práticas e minimalistas. Ainda que não houvessem regras acerca da decoração que, com o passar do tempo passou a refletir cada vez mais os gostos e hobbies de cada uma, os ambientes eram muitos menos adornados do que era de se esperar de uma arquitetura tida como “feminina”, normalmente associada ao design de interiores e ornamentações. A arquitetura adaptável proposta por elas tinha como objetivo evitar o desperdício de espaço, como muitas vezes acontece com a construção de cômodos que são utilizados esporadicamente e acabam ficando vazios no dia a dia, e fomentar a liberdade para vivenciar a reinterpretar os ambientes conforme o desejo e necessidade individuais de cada uma. Gwendolyn Wright ainda relata os diversos usos de cada espaço. O hall do hotel era utilizado como livraria (a primeira da cidade), área de socialização aos domingos e também abrigava as reuniões gerais da comunidade. A sala de estar era utilizada para as orações, conferências financeiras, visitas familiares e reuniões do dia a dia. Outro salão servia tanto de escola durante as manhãs, como para atividades diversas das mulheres nas tardes, como dentista, sala de costura e reuniões. edifícios construídos por elas era a subversão dos padrões de hierarquização

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Além da desespecialização dos cômodos, outro importante aspectos dos


Rua Pearl

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Rua North

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Rua Battle

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Rua Principal

01. 02. 03. 04. 05. 06. 07. 08. 09. 10. 11. 12.

dormitórios dispensa cozinha área para trabalho sala de jantar sala de estar animais lavanderia pátio dormitórios do hotel salão escritório

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22. Planta térrea do terreno pertencente a The Woman’s Commonwealth em 1986, Belton, Texas. As construções do lado esquerdo do terreno compões as áreas privadas, e a parcela de construções do lado direito era destinada ao Hotel Central. Gwendolyn Wright, ao apresentar esta planta, observa o plano aberto para trabalho comunitário e espaços sociais em ambos os edifícios principais. Já as áreas privadas estavam espalhadas em pequenos aglomerados.


normalmente atribuídos aos ambientes da casa. Considerando que todas contribuíam para a realização das tarefas domésticas, os espaços dedicados às mesmas recebiam especial atenção e implantações privilegiadas. A cozinha que, embora considerada essencial pela arquitetura ocidental, tem se tornado cada vez menor e, por muito tempo, foi colocada em áreas menos nobres e isoladas dos espaços de socialização, ocupava a uma posição central no edifício, com tamanho amplo, grandes aberturas e jardins internos. O mesmo se repetia com os outros espaços de trabalho que, além de serem conso ambiente mais agradável, eram conectados a jardins e pátios socialmente movimentados, o que evitava o isolamento das mulheres que estavam trabalhando.

“O objetivo da Comunidade das Mulheres, em seus edifícios e sua filosofia, não era nem a perfeição final nem uma forma pura e duradoura, mas o envolvimento contínuo no processo. Elas respeitavam o trabalho, o ciclo necessário para fazer um ambiente familiar, uma refeição, um travesseiro ou uma amizade. Em vez de focar apenas na aparência externa - vestido, fachada da casa, aceitabilidade - eles voltaram sua atenção para atender a outras necessidades que estavam em constante mudança2” (WRIGHT, 1981, p.27). Ainda que os espaços construídos pela comuna fossem utilizados para múltiplas atividades, e as fronteiras entre público e privado, social e serviço, fortemente questionadas, as mulheres da The Woman’s Commonwealth buscaram maneiras de garantir a privacidade e individu-

2.

Tradução livre do texto “The Woman’s Commonwealth A Nineteenth-Century Experiment”(1981), escrito originalmente em inglês para a edição n°11 da revista Heresies. Trecho original: “The aim of the Women’s Commonwealth, in their buildings and their philosophy, was neither final perfection nor an enduring pure form, but continuous involvement in process. They respected the work, the cycle that went into making a home environment, a meal, a pillow, or a friendship. Rather than focusing on only the shell of external appearances-dress, house facade, acceptability-they turned their attention to meeting other needs which were constantly changing. This approach allowed them to undergo many changes themselves, and eventually encouraged them to leave their little town, a town that had come to revere this eccentric group of women, to seek new experiences elsewhere.”

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truídos com soluções arquitetônicas que visavam tornar


alidade de cada uma de suas integrantes. Nesse sentido, a solução empregada era que todas teriam direito a quartos individuais e contribuíram com a comunidade trabalhando períodos de apenas 4 horas, podendo dedicar-se a outras atividades, privadas ou compartilhadas, durante o restante do dia. Outra proposta projetual que buscou soluções espaciais para promover um estilo de vida coletivo e, ao mesmo tempo, com direito à privacidade, foi a casa Rietveld Schröder, amplamente analisada por Alice Friedman no livro “Women and the Making of the Modern House” (1998) e assinada por Gerrit Rietveld, arquiteto que até então só havia trabalhado como designer, foi construída em 1924, na cidade de Utrecht, Holanda. Encomendada por Truus Schröder-Schräder, uma viúva e mãe de 3 filhos, a residência foi desenhada de maneira colaborativa pelos dois, tendo como partido projetual a construção de uma casa moderna que se desvencilhasse das convenções sociais do período, proporcionando um ambiente que estimulasse liberdade e autonomia e, ao mesmo tempo, disciplina e uma forma específica de vivenciar a domesticidade e a vida familiar (FRIEDMAN, 1998). Interessada em arte, literatura e ciência política, Schröder compreendia a arquitetura de sua residência como uma importante ferramenta para a educação e transferência de valores e convicções para seus filhos. Encomendou que a casa fosse projetada de preferência sem paredes, procurando maior abertura e socialização entre os membros da família (FRIEDMAN, 1998). Pensada nos mínimos detalhes, com uma conexão clara entre a marcenaria, a decoração e a arquitetura, o projeto era muito moderno para a época e em comparação ao resto da vizinhança, propondo espaços híbridos que se desvencilhavam das normas arquitetônicas do período, caracterizadas por um programa doméstico extremamente engessado. Para Schröder e Rietveld, a casa era não só uma tentativa de reinventar o “lar” como também o “morar”. Com o objetivo de minimizar a hierarquia entre mãe e filhos por meio da dissolução das barreiras sociais e visuais que tradicionalmente os separam, a

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casa propunha, a partir de soluções distintas, maior transparência entre seus habitantes. Nesse sentido, a experiência de Rietveld como designer de móveis


aparece de forma clara na maneira como os espaços foram projetados. Salas amplas podem ser fragmentadas ou unidas conforme o uso de paredes móveis, divisórias dobráveis e portas de correr. Ainda, o uso da mesma paleta de cores em todos os cômodos da casa dissolve a tradicional diferença entre o que é arquitetura e o que é decoração, tornando o mobiliário e a estrutura da residência em elementos completamente interligados. O andar superior, caracterizado por uma composição de retângulos azuis, vermelhos e amarelos tanto no piso quanto nas paredes, formam um espaço amplo, mobiliado de forma minimalista e que, por meio de divisórias retráteis de madeira, pode ser subdividido em cômodos menores, que compunham a área de estar, jantar e os quartos das crianças. Seguindo a mesma lógica de divisão do espaço em quadrantes, as janelas do ambiente são formadas por enormes quadrados de vidro, possibilitando uma ampla conexão entre os espaços internos e externos. Ainda que os ambientes híbridos impulsionem um uso livre do espaço, desprendido das convenções sociais que implicam em determinadas condutas e comportamentos para cada cômodo da casa, a arquitetura proposta por Schröder e Rietveld também funcionava como uma ferramenta para guiar o corpo em direção a determinadas atividades e formas de se relacionar com o entorno. Conforme apontado por Friedman (1998), Schroder enfatizava a necessidade de um lar onde crianças e adultos pudessem se relacionar de forma horizontal, com acesso às mesmas atividades, tarefas domésticas, e tópicos de conversa. Nesse sentido, esperava-se que, uma vez que todos compartilhavam os mesmos espaços, os filhos estariam expostos a todo tipo de situação, inclusive podendo aprender com as discussões sobre arte e política trazidas constantemente pela mãe e seus convidados. Tendo como objetivo vivenciar essa horizontalidade também por meio da arquitetura, o próprio quarto de Schroder, ainda que composto por paredes fixas, era muito menor do que uma suíte de casal tradicional do período. túdio, duas salas de estudo, uma biblioteca e a cozinha, e , no segundo piso os

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Os espaços que compunham a residência eram, no primeiro piso, um es-


quartos, o banheiro e a área utilizada como estar e jantar. Isso não só indica o caráter educativo da construção, que priorizava os espaços de trabalho intelectual para adultos e crianças, como também demonstra uma nova forma de compor e hierarquizar os cômodos da casa. A sala de jantar e de estar compartilhavam o mesmo espaço. Sua localização no andar superior, assim como a área reduzida destinada a mesma, sugerem um caráter de intimidade e uso diário que contrasta bastante com os usos formais tradicionalmente atribuídos a esses ambientes.

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01. 02. 03. 04. 05. 06.

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estúdio área de trabalho dormitório sala de leitura hall cozinha

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23. Planta do piso superior da casa Rietveld Schröder com as paredes amovíveis fechadas e abertas


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varanda dormitórios + estudos hall banheiro dormitório sala de jantar e estar

Planta do piso superior da casa Rietveld Schröder com as paredes amovíveis abertas e fechadas.

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24.


A cozinha, planejada para conter uma mesa, presumia não só que as refeições do dia a dia poderiam ser realizadas de forma informal, como também indicava que tarefas domésticas como o ato de cozinhar, não deveriam ser isoladas, e sim realizadas de forma compartilhada, em um lugar amplamente espaçoso, iluminado e, de forma geral, agradável. O uso da arquitetura como ferramenta para que cada membro da família vivenciasse a experiência doméstica em seus próprios termos, impediu que o projeto se encaixasse nas atividades pré estabelecidas pelos cômodos de uma casa tradicional (escritório, sala de estar, sala de jantar). O desafio de abrigar uma família pouco convencional, que tinha como objetivo redefinir hierarquias de gênero e idade, assim como as responsabilidade atribuídas a cada membro do núcleo doméstico, resultou em um projeto de arquitetura que reflete a aversão dos moradores aos ideais políticos e sociais do período, permitindo o apontamento de novas formas de configurar o espaço residencial e as atividades atribuídas a ele. Ao passo que o projeto para a “The Woman’s Commonwealth” foi realizado por mulheres autodidatas, tanto enquanto designers quanto como construtoras, a Residência Rietveld Schröder foi constituída como uma trabalho conjunto entre uma cliente visionária, com desejos e demandas específicas, e um profissional que buscou soluções que tornassem suas convicções teóricas, políticas e sociais, em soluções materiais. Já o projeto a seguir demonstra o esforço da arquiteta e pesquisadora Susana Torre em ativamente quebrar com as normas arquitetônicas constituídas pela matriz heteropatriarcal, a partir de um conjunto de princípios projetuais desenvolvidos por ela. Compreendendo o lar como um poderoso símbolo cultural, Torre analisa a habitação convencional como uma forma de espacialização de ideologias dominantes. Nesse sentido, ela compreende a arquitetura residencial como uma importante ferramenta para a constituição de padrões de comportamento em concordância com determinadas convicções sociais e políticas. No texto “Space as Matrix” (1981), publicado originalmente na edição n°11 da revista Heresies, a arquiteta discorre sobre alguns

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dos princípios arquitetônicos que empregou em diferentes projetos residenciais para criar espaços menos coniventes com as normas patriarcais e a atual forma simbólica.


A arquiteta se refere à forma simbólica para definir o processo de transformação de uma imagem em parte constitutiva do imaginário comum. Nesse sentido, ela trata do ideal doméstico como uma construção social que é imposta à determinada sociedade graças a uma coincidência de fatores econômicos e culturais, que articulam a formalização de um modelo específico de habitação como padrão e universal. Argumentando que a criação de uma forma simbólica só é possível após sua sucessiva repetição, Torre utiliza um mesmo conjunto de princípios teóricos e materiais para desenhar dois projetos residenciais distintos, buscando apontar caminhos para a produção de uma nova domesticidade que, se atribuída a diversos projetos, poderia contribuir para a reestruturação do imaginário comum de habitação e das relações sociais intrínsecas a ela. Desenhada no início da década de 1970, a House of Meanings não é um projeto específico, mas sim um conjunto de normas denominadas espaço matrix, que visam guiar uma produção de arquitetura que se posicione criticamente à hiper especialização e hierarquização dos espaços domésticos. Atribuindo o uso do corredor e de quartos enclausurados à uma herança escravocrata, a arquiteta coloca o conjunto de princípios que constituem o espaço matrix como uma potencial ferramenta para a dissolução da dicotomia entre público e privado, individual e compartilhado e interno e externo. Ainda que essa solução pareça caminhar em direção a um espaço livre de paredes, sem diferenciação ou hierarquização entre os ambientes da casa, não é a esse tipo de resolução que Torre se refere. Uma habitação compartilhada, quando tem todos os seus ambientes reduzidos a um único espaço, tende a ser integralmente apropriada por aquele com maior autoridade dentro do núcleo doméstico. Assim, o primeiro princípio do espaço matrix visa preservar a autonomia e liberdade de seus usuários, possibilitando que em uma mesma habitação se possa experienciar a domesticidade de formas distintas. Ao invés de propor o uso de paredes para atingir uma hierarquia espacial, a House of Meanings sugere que a habitação seja fragmentada a partir de diferentes níveis, casa seja variável, sem abrir mão de um espaço visualmente contínuo.

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possibilitando que a integração de determinado ambiente com o restante da


“O espaço matrix da House of Meanings visa alcançar tanto a continuidade espacial quanto a hierarquia espacial. Para visualizar esta ideia, deve-se conceber não um plano de nível único, mas planos múltiplos, mostrando como o espaço é dividido em diferentes alturas. Percebe-se então que é possível atingir objetivos aparentemente opostos: aberto / fechado, isolado / conectado, baixo / alto, pequeno / grande, íntimo / monumental3” (TORRE, 1981, p.51). Além da manutenção da hierarquização e continuidade espacial, Susana Torre sugere um segundo princípio projetual que seria a criação de ambientes multifuncionais. Ainda que no cotidiano de um ambiente doméstico os espaços já sejam utilizados para diferentes atividades, em teoria, arquitetos e clientes continuam projetando em função de cômodos destinados a atividades singulares, com dimensões e mobiliário específicos para as mesmas. É o caso de uma sala de jantar inteiramente ocupada por uma mesa e cadeiras, ou de um pequeno escritório que comporta apenas a escrivaninha e as estantes de livros. Se esses espaços pudessem ser unidos e separados conforme a necessidade, a sala de jantar deixaria de se tornar um espaço inutilizado nos horários entre refeições e o escritório, quando não estivesse em uso, poderia se unir a sala tornando o espaço mais amplo, ideal para ser compartilhado.

Por fim, em continuidade às estratégias previamente estabelecidas, o

espaço matrix reforça a importância de que uma habitação seja constituída como um espaço adaptável, que possa se adequar ao crescimento e diminuição de seu número de habitantes, assim como em relação à evolução de suas rotinas e comportamentos. A partir destes princípios, Susana Torre realiza dois projetos residenciais considerando que, embora seu projeto proponha uma primeira

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versão destas casas, elas nunca deverão chegar em um “resultado final”, variando constantemente entre estados de mudança e permanência.


A primeira versão da House of Meanings é uma residência no litoral norte de Porto Rico encomendada por uma escritora que, embora vivesse sozinha, planejava receber família e amigos por longos períodos de tempo. A estrutura principal da casa é composta por uma série de quartos de tamanho proporcional que podem ser conectados uns aos outros, formando um espaço amplo ou fragmentado, conforme a demanda. Os mesmos também podem se abrir completamente para o terreno, diluindo as fronteiras entre áreas internas e externas. Além dessa construção, foram previstos dois pequenos pavilhões que poderiam ser utilizados como quartos para hóspedes e crianças. As construções seriam unidas por um pátio coberto por treliças que a arquiteta define como “quartos externos”, onde poderiam ser colocadas camas e redes. Por fim, ela propõe um cômodo que só pode ser acessado pelo pátio, um quarto com clarabóia e vista para o oceano, sem um uso pré definido. A segunda proposta, localizada em Santo Domingo, visava abrigar um casal, a mãe de uma destas pessoas e sua irmã mais nova. Devido à necessidade de proporcionar tanto espaços compartilhados quanto em cantos opostos, com uma área social que os conectava. O espaço compartilhado por todos os membros da casa, composto por três cômodos multifuncionais, pode ser unido ou fragmentado conforme o uso das portas de correr. Como a área central é diretamente ligada à cozinha, os outros dois cômodos foram utilizados como sala de estar pelos quartos próximos a eles. Essa configuração possibilitou que a casa funcione tanto como duas residências autónomas, que apenas dividem a cozinha central, como enquanto uma grande habitação, com espaço suficiente para festas, eventos e convidados. Além dos ambientes que conformam a área social, o projeto prevê um corredor externo, para o qual se abrem uma das salas de estar, a cozinha e os dormitórios, que

3.

Tradução livre do texto “Space as Matrix” (1981), escrito originalmente em inglês para a edição n°11 da revista Heresies. Trecho original: “The matrix space of the House of Meanings aims to achieve both spatial continuity and spatial hierarchy. To visualize this idea, one must conceive not a single level plan but multiple plans, showing how the space is divided at different heights. One can then see that it is possible to achieve seemingly opposite objectives: open/ enclosed, isolated/connected, low/high, small/large, intimate/monumental.”

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de maior privacidade, os dormitórios foram distribuídos


25.

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podem ser integralmente conectados ao jardim. A garagem e a lavanderia também foram projetados prevendo que, caso a irmã mais nova decida se casar ou ter filhos, estes espaços poderiam ser um ponto de partida para a adição de novos quartos, propondo uma residência que também pode ser unida ou separada ao resto da construção conforme o desejado. Até a década de 1980, momento em que foi publicado o texto “Space as matrix”, a área estava sendo utilizada como ateliê para a mãe, que trabalhava como costureira.

27.

25. Maquete da primeira versão da House of Meanings, em Porto Rico.

26. Maquete da segunda versão da House of Meanings, em Santo Domingo.

Desenho ilustrativo do projeto para a primeira versão da House of Meanings, em Porto Rico.

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Dissolução das fronteiras entre espaço público e privado Ainda hoje, quando tratamos de expressões LGBT no contexto urbano, imediatamente surgem exemplos de cinemões, saunas, boates e outras categorias tipológicas criadas ou reapropriadas pela comunidade gay mas, quando se trata da presença lésbica na cidade, ainda são escassas as referências de bares e centros específicos, assim como a criação de novos programas e tipologias construídas especialmente para acomodá-las. Se aos homens foram atribuídos os espaços públicos e às mulheres o âmbito privado, é pouco surpreendente a contínua invisibilidade feminina, lésbica ou não, nos espaços urbanos. Este cenário ilustra não só o protagonismo dos espaços privados nas narrativas canônicas acerca da figura feminina, como também nos permite presumir que o interior dos lares de mulheres foi cenário para uma série de encontros, reuniões e atividades transgressoras que foram pouco visibilizadas. Ainda que a presença da figura feminina no espaço doméstico seja repetidamente reforçada pela historiografia hegemônica, esta pesquisa tem procurado demonstrar que essa associação nem sempre é conivente com as normas arquitetônicas que espacializam papéis normativos de gênero e sexualidade. Especialmente no caso de mulheres solteiras, lésbicas ou que experienciam suas vidas afetivas e familiares de forma alternativa àquela que lhes foi atribuída, suas expressões de domesticidade tendem a subverter alguns dos padrões dicotômicos tão comuns ao imaginário construído do que é um lar, como a oposição entre espaços íntimos e compartilhados, femininos e masculinos e, de especial importância para este capí-

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tulo, a rígida diferenciação entre os âmbitos público e privado. A partir da análise de casas construídas para núcleos domésticos exclusiva-


mente femininos (lésbicos ou não), a autora Alice Friedman (1998) argumenta que esta característica foi um fator fundamental para que o trabalho conjunto entre as clientes e seus arquitetos resultasse em projetos inovadores. Dentro desta análise, um aspecto comum a muitas das casas apresentadas, é a presença de um programa que extrapola o limite entre o público e o privado. A ausência das normas e amarras impostas pela organização da família nuclear contribuíram para que estas residências buscassem um vínculo maior com seus bairros e comunidades, cumprindo o papel de centros culturais, teatros e bibliotecas. Dentre os lares analisados pela autora, chama especial atenção a Casa Hollyhock. Em 1916, a herdeira norte-americana Aline Barnsdall se mudou da cidade de Chicago para Los Angeles. Planejando utilizar suas economias para construir um centro de artes e teatro, Barnsdall comprou um terreno conhecido como Olive Hill, com área equivalente à de um pequeno parque (FRIEDMAN, 1998). Abertamente feminista e apoiadora de causas sociais, a herdeira contratou o arquiteto Frank Lloyd Wright para projetar não só sua casa, localizada de forma central na cota mais alta da colina, como também toda a infraestrutura necessária para a fundação de uma companhia de teatro que ocuparia o mesmo terreno (FRIEDMAN, 1992). Impactada por sua experiência ao viajar pela Europa, Barnsdall tinha especial interesse em trazer o teatro a céu aberto para os Estados Unidos, considerando que este poderia ser um importante sim, ao comprar o terreno, Barnsdall expressa seu desejo de nele construir não só sua casa, como também uma série de jardins conectados às áreas de ensaio e apresentação, para que o espaço pudesse ser utilizado tanto como um parque público como para a promoção de exposições de arte e produções teatrais. A residência construída por Frank Lloyd Wright, reflete muitas das convicções de sua moradora. Ela era extremamente adepta à filosofia de Emma Goldman1, que compreendia o casamento não como uma demonstração

1.

Emma Goldman foi uma escritora e ativista política nascida em Kaunas, na Lituânia, em 1869. Dedicou grande parte de seus escritos à teoria marxista e feminista. No livro “Marriage and Love”, publicado em 1910, expressa sua compreensão de que o casamento não é sinônimo de amor, mas sim uma institucionalização de amarras sociais e políticas ligadas à perpetuação do patriarcado.

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passo para a promoção da cultura e educação no país. As-


de amor ou afeto, mas como uma institucionalização da serventia e dependência da figura feminina perante seu marido. Assim, a herdeira encomendou uma casa que, apesar de contar com proporções exageradas - incluindo dezessete quartos e sete banheiros - fosse desenhada para abrigar, em tempo integral, apenas a si mesma e sua filha, sem demonstrar interesse em se casar ou morar com um futuro parceiro romântico (FRIEDMAN, 1998). Nesse sentido, a ausência proposital de uma família nuclear torna-se um importante fator para a análise deste projeto e das subversões que ele propõe. A casa desenhada por Frank Lloyd Wright pode ser caracterizada por uma mistura de elementos tradicionalmente norte-americanos e residenciais, com referências a edifícios de caráter público da Europa. Considerando que as demandas e estilo de vida da cliente apontavam em direção a um ambiente pouco ligado à uma vida privada ou familiar, a casa contava não só com os habituais programas domésticos redesenhados para corresponder às proporções grandiosas da residência, como também com uma área externa que parecia remeter à um anfiteatro grego. A vontade de estabelecer uma ampla conexão entre os espaços públicos e privados aparece não só no programa e na escala dos cômodos, que demonstravam que a prioridade máxima eram os espaços para se receber e entreter, como também na ampla conexão entre as áreas internas e externas. Conforme a demanda de Barnsdall de que sua moradia fosse “metade casa, metade jardim 2”, a residência foi organizada ao redor de um pátio interno prevendo, para cada ambiente, acesso a um terraço que, por sua vez, tinha ligação direta com o jardim e o resto do parque. Nos jardins da fachada leste da casa a importância do teatro a céu aberto aparece de forma latente. Uma piscina ornamental em formato circular e envolta por arquibancadas, é implantada exatamente na intersecção dos principais eixos do projeto (FRIEDMAN, 1998). Ainda que não se possa confirmar que houve intenção de realizar apresentações naquele espaço, ele

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claramente remete às construções gregas tão apreciadas por Barnsdall. Sua posição dominante demonstra um desejo, simbólico ou não, de transgredir


a privacidade e reclusão comumente associados ao programa residencial. Ainda que a casa informe muito sobre sua cliente e a forma como ela se propunha a reconfigurar o imaginário doméstico, a análise desta residência depende não só da compreensão do projeto enquanto objeto limitado a si mesmo, como também de sua implantação e entorno. Em uma entrevista, Barnsdall expressa a relação que pretendia estabelecer entre sua casa e a vizinhança:

(LAWRENCE apud. FRIEDMAN, 1998, p.41).

O desejo da cliente de colocar seu lar no ponto central de um parque, sem muros ou barreiras visuais que estabeleçam a fronteira entre os âmbitos públicos e privados é, por si só, uma transgressão de normas arquitetônicas e sociais. Nesse sentido, Wright descrevia Barnsdall como uma mulher pouco feminina, que essencialmente havia substituído seus laços afetivos pelo amor ao teatro (FRIEDMAN, 1998). Ainda que o arquiteto tenha construído a Casa Hollyhock conforme as demandas de sua cliente, o que resultou em um exemplar residencial pouco normativo e, por isso, amplamente reconhecido pela mídia, seus comentários acerca da identidade de gênero de Barnsdall demonstram que, embora sua produção de arquitetura evidencie e, consequentemente, valide, outras formas de domesticidade, este posicionamento não se estende a uma compreensão mais ampla do caráter político e simbólico do morar.

2.

Esta informação foi retirada do site oficial da “Frank Lloyd Wright Foundation”. O texto não é assinado por um autor específico, mas as informações estão disponíveis em: https://franklloydwright. org/site/hollyhock-house/ acessado e foram acessadas em 16 de julho de 2021.

3.

Tradução livre de parte de uma entrevista de Barnsdall para a publicação “Eminence”, escrita originalmente em inglês e reproduzida no livro “Women and the Making of the Modern House” por Alice Friedman. Trecho original:”I propose to keep my garden always open to the public, that this slightly spot may be available to those lovers of the beautiful who come here to view sunsets, dawn on the mountains and others spectacles of the nature, visible in few other places in the heart of the city”.

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“Proponho manter o meu jardim sempre aberto ao público, para que este pequeno recanto fique à disposição dos amantes do belo que aqui vêm ver o pôr-do-sol, o amanhecer nas montanhas e outros espetáculos da natureza, visíveis noutros locais do coração da cidade3”


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serviço berçario dormitório pátio biblioteca sala de estar galeria sala de música entrada

28. Piscina ornamental circular e anfiteatro da Casa Hollyhock, em 1921, fotografada por Julius Shulman. Ao fundo está o pátio interno da casa que, seguindo em linha reta, conecta-se à sala de estar, à galeria e, posteriormente, à outro jardim, com uma piscina ornamental quadrada.

29. Sala de estar da Casa Hollyhock em 1927.

Planta do primeiro piso da Casa Hollyhock. Pode-se perceber a importância do paisagismo assim como a conexão entre os espaços internos e externos.

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cinema chalés com terraço e lojas edifício com apartamentos residência “A” chalé do jardineiro chalé Casa Hollyhock Teatro Casa do diretor do teatro

31. Imagem aérea de Olive Hill com a Casa Hollyhock e a Residência “A”, prontas.

32. Fotografia de Herman J. Schultheis, mostra pessoas disfrutando do parque de Barnsdall, em 1937.

Proposta original de implantação do programa encomendado por Barnsdall em Olive Hill.

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33.


O questionamento de Wright é, em suma, uma afirmação do gênero feminino não só como extremamente limitado à um conjunto de performances, comportamentos e relações afetivas e, portanto, como uma construção social desvinculada de características biológicas, mas também como condenado à uma eterna posição de fraqueza e submissão, que coloca qualquer mulher ligeiramente desviante da norma como sujeita a perder sua identidade de gênero e sexualidade. Conforme Friedman demonstra ao longo de sua pesquisa, a relação entre Barnsdall e Wright, assim como a de Farnsworth e Mies Van der Rohe, tornou-se conflituosa conforme a progressão do projeto. Ainda que o arquiteto, em sua autobiografia, atribua muitas das qualidades da Casa Hollyhock à sua cliente e ao terreno e programa propostos por ela, ele também a caracteriza como uma mulher rica, autoindulgente e irresponsável. Argumentando que o gênero feminino era muito suscetível a opiniões externas, Wright atribuiu a falha na concretização do projeto para Olive Hill ao fato de este ter sido administrado por uma mulher. Ainda que a casa de Barnsdall tenha sido integralmente construída, ao longo do desenvolvimento do projeto tornou-se claro que os outros edifícios que ela havia imaginado, como o teatro principal e uma escola de música e dança para crianças, não seriam concretizados. Talvez pela dificuldade em se comunicar com o arquiteto, ou pela desistência de alguns dos principais artistas envolvidos na empreitada, quando a residência de Barnsdall foi concluída, já não havia esperança de transformá-la no ponto central de uma comunidade artística e cultural. Para ela, a Casa Hollyhock, com suas enormes proporções e design voltado para uma vida compartilhada, perdia o sentido sem estar diretamente ligada a um espaço público efervescente. Por esse motivo, a herdeira decidiu não morar ali e, a partir de 1923, iniciou planos com a prefeitura para que a casa fosse utilizada como uma biblioteca e centro comunitário. Doou parte

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do terreno para a cidade e, com a venda da parcela restante, reverteu os lucros para a realização de outros projetos culturais.


Apesar dos esforços de Wright para a invisibilização das intenções de sua cliente, descrevendo-a como uma mulher mimada que planejava utilizar a infraestrutura proposta para seu próprio divertimento e, ainda que Barnsdall não tenha transformado Olive Hill em seu lar, o terreno, assim como sua casa, foi doado para a cidade em 1926. Conforme solicitado por ela, o parque é, ainda hoje, utilizado extensivamente pela população para fins recreativos e culturais, tornando-se palco para apresentações, exposições e programas educacionais para jovens. A análise desenvolvida por Alice Friedman compreende esta casa, assim como as demais residências construídas por arquitetos canônicos para núcleos domésticos femininos, como importantes vetores para a ampliação do imaginário comum acerca do que é um lar. Nesse sentido, ela reconhece que no contexto de construção dessas residências, a arquitetura moderna foi utilizada como ferramenta para a expansão da definição de casa, resultando em um novo equilíbrio entre as noções de público e privado, lazer e trabalho, e validando ou colocando em evidência famílias e núcleos domésticos até então completamente invisibilizados. Porém, também é preciso pontuar que, apesar de o desenho de arquitetura ter desempenhado um importante papel para a emancipação e construção de identidade de mulheres, a relação entre as clientes e seus arquitetos, frequentemente atravessada por opressões de gênero e sexualidade, nem sempre resultou em processos ou mesmo produtos finais condizentes com seus desejos e demandas. Ainda que a disputa entre Farnsworth e Mies Van der Rohe, ou as críticas de Wright a Barnsdall tenham alterado significativamente o andamento de suas residências, a busca da dançarina Josephine Baker por um lar chama especial atenção acerca da imposição do desejo masculino sobre as demandas femininas, assim como elucida diferentes formas de reconfigurar as fronteiras entre a vida íntima e em comunidade Quando em 1928 a dançarina afro-americana Josephine Baker conheceu uma casa (SLESSOR, 2018). O projeto, amplamente analisado por teóricas

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Adolf Loos em uma boate, o arquiteto rapidamente se propôs a lhe desenhar


feministas como Alice Friedman e Beatriz Colomina, estaria localizado em um terreno de esquina, em uma região abastada da cidade de Paris, e distribuído ao longo de 4 andares, com fachadas ornamentadas com listras horizontais em preto e branco. Seu interior, formado por uma série de salões e espaços para convidados, deixavam de lado quaisquer aspectos que remetessem à domesticidade e à vida familiar. No primeiro piso, a presença de um café em formato circular, indica que o ambiente não foi concebido para o uso privado, evocando a arquitetura de um bar ou espaço de entretenimento (COLOMINA, 1992). Beatriz Colomina aponta que, assim como em outros projetos concebidos por Loos, na casa para Josephine Baker o visitante tem seu olhar direcionado para os ambientes internos, sem uma ampla conexão com a rua ou paisagens exteriores. O que chama a atenção no caso deste projeto é que a visão é direcionada para um ponto específico. A presença de uma piscina com janelas submersas e iluminação zenital posicionada entre o primeiro e o segundo piso proporcionaria não só a entrada de luz para os ambientes a sua volta, como também direcionaria o olhar dos visitantes em direção a água e, consequentemente, ao corpo de Josephine Baker que, supostamente, estaria nadando. Colomina ainda aponta que, por conta do posicionamento das janelas e da entrada de luz, o jogo de olhares tem mão única, ainda que todos possam ver o corpo da nadadora, ela não conseguiria visualizar seus observadores. Talvez por queporque Baker era uma mulher negra, solteira, bissexual e sem filhos, ou por ela ter como principal fonte de renda apresentações artísticas que exibiam seu corpo de forma extremamente sexualizada, o arquiteto transformou o desafio de lhe projetar uma casa em uma oportunidade para exibi-la, como se a residência fosse não um lar, mas um edifício dedicado ao voyeurismo. A ausência de ornamentos contribui para a compreensão de que, no caso deste projeto, a principal decoração seria o corpo de Baker. Nesse sentido, a

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arquitetura da casa remete menos a concretização de um ato sexual, e mais ao olhar e contemplação de um corpo negro, feminino e fetichizado como algo


exótico. Colomina aponta a piscina interna, envolta por janelas submersas, como um exemplo disso. Ainda que o corpo da dançarina pudesse ser completamente exposto, a piscina poderia ser acessada pelo nível superior, e a separação entre ela e seus visitantes estaria rigidamente demarcada por um vidro. Tratava-se de olhar e não de tocar, remetendo a uma relação de primitivismo que coloca a casa como uma espécie de vitrine – ou jaula – onde a dançarina poderia ser exibida como parte do entretenimento e decoração. As listras horizontais em preto e branco na fachada, assim como a criação de diversos espaços em que Baker poderia exibir seu corpo como uma forma de entretenimento privado, contribuem para que o projeto possa ser analisado como uma forma de materialização de fantasias masculinas de superioridade sexual e racial (FRIEDMAN, 1998). A presença da suposta moradora em sua própria residência teria sido completamente ornamental, dedicada a proporcionar prazer visual àqueles que visitassem a casa assinada por Loos. Não surpreende que o projeto nunca tenha sido construído. O processo unilateral, somado a falta de sensibilidade às necessidades da cliente, resultou em uma casa que, embora transgressora pela forma como questionava a domesticidade convencional, a família nuclear e a rígida oposição entre os espaços de encontro e socialização e àqueles destinado à vida íntima e privada, teve como proposta uma materialidade que refletia muito mais os desejos do arquiteto do que aqueles de Baker. Em contraposição à residência projetada por Adolf Loos, é especialmente interessante analisar a verdadeira casa da dançarina, um château do sec. XV que ela adquiriu em 1947. Se o arquiteto havia buscado diluir as fronteiras entre público e privado transformando a casa de sua cliente em uma espécie de boate ou casa de festas, Josephine Baker teve uma visão um pouco mais radical. Assim como Barnsdall, ela imaginava sua casa como o foco de uma comunidade dedicada à arte e educação. Junto com seu marido, adotou 12 crianças de diferentes nacionalidades, apelidadas de “Tribo Arco-íris”, e transformou o Château des Milandes em uma que variava de shows noturnos a convenções antirracismo (FRIEDMAN, 1998).

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combinação de lar, resort e parque temático, somada uma extensa programação


34.

Maquete da casa proposta por Adolf Loos para Josephine Baker

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Imagem de uma reconstrução digital do projeto, mostra o corredor com janelas submersas para a piscina


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01. 02. 03. 04. 05. 06. 07. 08.

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sala de jantar banheiros dormitórios piscina (acessada pelo segundo piso) café salão água pequeno salão

Plantas do 1o e 2o piso da casa proposta por Adolf Loos para Josephine Baker, (os outros dois pisos eram dedicados à áreas de serviço e outros dormitórios). Percebe-se a localização central da piscina, colocada na interecção entre os programas mais públicos da casa: os dois salões e o café.

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37/38. Josephine Baker e seus filhos, a “Tribo Arco-íris” no Chatêau des Milandes na década de 1960.

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39. Outdoor convidando transeuntes a visitarem o Chatêau des Milandes ou Village du Monde: capital da fraternidade


39.

Enfatizando publicamente sua posição contra a injustiça social e racial, ela dedicou diversos aspectos de sua vida a reconfigurar as noções de família, domesticidade e comunidade de forma mais alinhada a suas convicções políticas. Transformando des Milandes em um centro para comunhão mundial dedicado à luta contra o racismo, Baker criou um ambiente que poderia ser desfrutado não só por ela, como também por todas as pessoas ao seu redor. Além da criação de espaços para encontro e entretenimento, Josephine Baker incluiu uma escola em sua propriedade, onde seus filhos e as outras crianças da comunidade puderam estudar juntos. Assim como Truus Schröder-Schräder, a dançarina dedicou especial atenção à juventude, buscando uma relação de horizontalidade entre diferentes gerações e faixas etárias. Objetivando transformar seu lar no “Château do Mundo: a Capital da Fraternidade Universal”, a dançarina compreendeu a coletivização dos espaços em que habitava como uma importante estratégia para a configuração de um ambiente que, embora limitado ao perímetro de sua propriedade, desafiava relações hierárquicas de raça, classe e gênero. lha por um edifício previamente existente, de arquitetura renascentista e origem

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A recusa em aceitar uma habitação de cunho modernista, assim como a esco-


aristocrática, demonstra a lacuna que existe entre um espaço enquanto objeto construído e enquanto objeto vivenciado. Uma arquitetura como a de Loos, caracterizada como avant-garde e progressista, não conseguiu abarcar as necessidades de sua cliente enquanto, uma construção como o Château des Milandes, atravessado por uma história de opressão de gênero, raça e classe, e desenhado para abarcar comportamentos e relações sociais completamente opostas àquelas incentivadas por Josephine Baker, teve seus usos e simbologias completamente ressignificados em função das práticas cotidianas de sua nova moradora. Para desenvolver sua tese de doutorado, a teórica Katarina Bonnevier, reforça que utiliza não só perspectivas queer e feministas, como também teorias de performance e performatividade. O que ela argumenta, por meio da análise de diferentes projetos de arquitetura e da forma como eles foram apropriados por suas moradoras é que, ainda que o espaço desempenhe um importante papel enquanto palco, estimulando determinados comportamentos e relações sociais, ele também está sujeito a ter sua simbologia alterada em função da forma como seus usuários se comportam. Nesse sentido, ela utiliza o termo “encenação” para se referir à maneira como personagens, ações e cenário se misturam e influenciam um ao outro, tornando os aspectos materiais e subjetivos da arquitetura em características indissociáveis. Explorando o conceito de teatralidade em diferentes formas de habitar e vivenciar um espaço, Bonnevier analisa o salão literário organizado de 1909 até meados da década de 1960, na casa da escritora Natalie Barney4 , na cidade de Paris, França. O lar de Barney, localizado na Rue Jacob, n°20, consistia em um pavilhão de dois andares que abrigava um boudoir e dois salões, uma casa adjacente com alguns outros quartos, e um amplo jardim com um pequeno templo dórico nos fundos. O salão, frequentado por importantes figuras da cena literária e artística de Paris, se tratava de um evento e não de um espaço fixo e, por esse motivo, chegou a ocupar todos os edifícios do terreno, se

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movimentando pelo pavimento térreo em função do número de convidados e atividades propostas.


Os edifícios da propriedade eram originários de períodos distintos, de forma que o terreno abrigava tanto um pavilhão do século XX, com fachada de vidro e estrutura de tijolos, como o Templo L’amitié, originalmente construído no século XVIII, possivelmente para ser utilizado por grupos maçons. Por ser um imóvel alugado, ele não havia sido nem projetado especificamente para abrigar as atividades cotidianas da escritora, nem para acomodar as atividades ali realizadas. Nesse sentido, Bonnevier reforça a importância da performatividade para a construção de um espaço, utilizando o salão de Barney para demonstrar que um ambiente pode ser muitas coisas, dependendo da forma como seus usuários se comportam. É possível reconhecer os salões como eventos que não só impulsionaram a participação da figura feminina em agendas sociais e políticas, como também ampararam a criação de um espaço seguro e pulsante para a união de mulheres (BONNEVIER, 2007). O salão de Barney, especificamente, além de impulsionar discussões sobre arte, literatura e política, desempenhou um importante papel como ponto de encontro para uma ampla comunidade lésbica e feminista que, em uma França que criminalizou expressões públicas de homoafetividade até a década de 1980 e ainda hoje reforça o machismo, era completamente invisibilizada nos espaços urbanos. A análise de como Barney e suas parceiras se apropriaram do edifício permite interessante reflexões acerca de como mulheres dissidentes do sistema sexo-gênero utilizaram suas casas para questionar as fronteiras da protinha como único espaço de domínio a casa, mulheres encontraram no âmbito privado uma oportunidade de extrapolar as normas e limites estabelecidas pela tipologia residencial. Nesse sentido, não só a casa de Natalie Barney, como também as de Baker e Barnsdall, foram utilizadas para atividades que ultrapassam os limites da família nuclear e da intimidade, transferindo programas normalmente associados à esfera pública para o âmbito privado.

4.

Natalie Barney (1876-1872) foi uma dramaturga, poetisa e romancista estadunidense que viveu em Paris. É conhecida por seus salões literários e por ter sido abertamente lésbica, celebrando relações homoafetivas entre mulheres nos diferentes eventos que realizou dentro de sua propriedade.

131 —

priedade privada. Em um contexto em que a figura feminina


40.

41.

41. Fachada do do Temple de L’amitié.

132 —

41. Dança neoclássica no jardim de Natalie Barney.


42.

7

1

2 3 4

5

6

01. 02. 03. 04. 05. 06. 07.

Temple de L’amitié

garagem salão ante-câmara gramado pátio boudoir (piso superior)

Planta do terreno de Barney, desenhada por Katarina Bonnevier

133 —

42.


134 —

43. Planta de um salão organizado dentro do Temple de L’amitié, desenhada por Natalie Barney. Mostra a lista de convidadas presentes.


Citando Amy Wells-Lyns 5 , Katarina Bonnevier se refere ao salão de Barney não só como uma reconfiguração do espaço residencial, mas como uma reinvenção da cidade de Paris como um todo. No texto “À margem da arquitetura: corpo, lógica e sexo”, Diana Agrest se refere ao campo da arquitetura como uma disciplina fundamentada por valores machistas e pela invisbilização do corpo feminino. Utilizando a margem como oportunidade para a reconfiguração não só dos espaços construídos, como também da forma como eles são desenhados, erguidos e apropriados, a autora argumenta que o apontamento de caminhos menos opressores para a produção de arquitetura atravessa não só a validação das contribuições femininas para a disciplina, como também uma revisão de todos os seus processos, cânones e produtos. Partindo desta compreensão, é possível perceber que a forma como mulheres utilizaram suas residências para criar utopias privadas, vem de um posicionamento que diz respeito a uma completa rejeição do espaço público, urbano, e de domínio masculino, como ambiente capaz de abrigar relações sociais e afetivas que desafiem as normas vigentes de machismo, racismo e desigualdade. Retomando os questionamentos colocados no início deste capítulo, pode-se compreender que talvez, tipologias como o cinemão, a sauna ou o banheirão, tão associados a comunidade gay, teriam se expressado, no caso das mulheres lésbicas, dentro de um âmbito privado que, somado a um contexto geral de opressão de gênero, permanece ainda hoje invisibilizado pela historiografia canônica.

5.

135 —

Wells-Lynn, Amy. “The Intertextual, Sexually-Coded Rue Jacob: A Geocritical Approach to Djuna Barnes, Natalie Barney, and Radclyffe Hall.” South Central Review, vol. 22, no. 3, 2005.


136 —

Consideração finais Futuros desdobramentos desta pesquisa


A moradia, seus aspectos materiais, localização e as pessoas que a habitam, influencia não só trajetórias pessoais, como também organizações urbanas, sociais e políticas. Embora o último ano de isolamento tenha retomado, para mim, o protagonismo do lar enquanto parte constitutiva de minha identidade, o desenvolvimento deste trabalho evidenciou a relevância do desenho de habitação para uma esfera mais ampla. Ainda que, originalmente, esta pesquisa tenha se proposto a investigar o vínculo entre a figura feminina e os espaços domésticos, esta temática desencadeou uma série de outros questionamentos acerca da acessibilidade da arquitetura como um todo. O exercício de reconhecimento da habitação ocidental não só como insatisfatória, mas também como uma imposição, um aparato para a manutenção de corpos, relações sociais e econômicas, me instigou a procurar lares desviantes, espaços desenhados para abrigar outros vínculos afetivos, expressões de gênero e narrativas. Essa intenção trouxe consigo o desafio de enfrentar uma historiografia que, fundamentalmente, insiste em documentar uma forma singular de construir e habitar. Tendo em vista a invisibilização de corpos não brancos e não masculinos, tanto enquanto clientes como enquanto produtores, e, principalmente, compreendendo que o acesso a um projeto de arquitetura, especialmente àquele que busca acomodar realidades pouco convencionais, é um privilégio ao qual poucas pessoas têm acesso, a dificuldade desta pesquisa em compor um panorama mais amplo de habitações, núcleos domésticos e formas de habitar é, por si só, um dado que precisa ser pontuado. bibliografia a qual eu tive acesso até o momento presente. A investigação ela-

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A análise de projetos presente neste trabalho foi desenvolvida em função da


borada, frequentemente acompanhada de fotografias, desenhos e informações acerca do contexto no qual os projetos foram construídos, só foi possível devido a um interesse prévio, de outras pesquisadoras, em documentar a memória daquelas residências e de suas moradoras. Considerando que a realização de uma análise contra hegemônica e protagonizada por corpos dissidentes inevitavelmente aborda habitações pouco reconhecidas por publicações no campo da arquitetura, seria interessante, em futuros desdobramentos deste trabalho, ampliar a metodologia de pesquisa, possibilitando um levantamento mais amplo e representativo. Nesse sentido, a investigação apresentada até aqui é um convite para que a análise de projetos habitados por núcleos domésticos não convencionais cresça, tornando-se cada vez mais capaz de apontar novos caminhos para uma produção de habitações transgressoras, que desviem do conjunto de normas pré-concebidas acerca de como devemos morar e nos relacionar. A casa construída no filme “Mães do Derick”, ainda que não tenha sido abordada ao longo da pesquisa, evidencia a importância de ampliar a forma como nos aproximamos de projetos de arquitetura e de como os retratamos. O documentário, dirigido por Cássio Kelm e lançado em 2020, acompanha um grupo de 4 mulheres lésbicas, feministas e não monogâmicas, que juntas criam um menino de 9 anos no litoral sul do Brasil. Por meio da autoconstrução, com uma mão de obra completamente feminina, e dentro de um terreno ocupado e em constante ameaça de reintegração de posse, as mães do Derick são retratadas construindo uma casa que se propõe a abrigar não só essa família, como também um centro cultural e um comércio local. Se este projeto não tivesse sido documentado por Kelm, essa casa, apesar de revolucionária por questionar todas as estruturas normalmente associadas a espaços domésticos, ainda hoje permaneceria invisível para o campo da arquitetura. A ausência de um arquiteto, de plantas, cortes ou informações que possibilitem uma investigação mais ampla acerca da materialidade da casa (que

138 —

durante a realização do filme ainda estava em andamento), dificultaram que ela fosse abordada na parte II desta pesquisa.


Essa experiência evidencia a necessidade de, em desdobramentos futuros, ampliar a forma como são analisados projetos de arquitetura, visando abranger habitações que são transgressoras não só por seu programa, como também por seus métodos construtivos e projetuais. Ainda que casas construídas com baixo orçamento, sem o auxílio de profissionais da arquitetura ou da construção civil, sejam pouco reconhecidas pelo campo arquitetônico, acho importante retomar - mais uma vez - a importância de nos voltarmos para a margem, para os projetos que estão sendo desenvolvidos longe dos principais centros urbanos, dos renomados escritórios de arquitetura, e da disciplina como um todo. Também espero que, ainda que de forma preliminar, essa pesquisa contribua para a análise das intersecções entre gênero, sexualidade e habitação, impulsionando novos trabalhos que abordem a arquitetura com base em seus usuários, contestando a suposta neutralidade dos espaços em que habitamos e

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abrangendo não só desenho, como também processo de projeto e construção.


140 —

Anexo: Levantamento de projetos


Apresentação Enquanto eu me familiarizava com a extensa bibliografia que discute gênero e sexualidade nos espaços domésticos, iniciei um levantamento, sem critérios pré estabelecidos, que consistia em um breve registro dos projetos residenciais com os quais esbarrei em livros, filmes e artigos, e que me despertaram interesse. A partir desta seleção inicial pude analisar as principais semelhanças e divergências entre os projetos, identificando como característica comum a trangressão. Todos abordam de alguma forma a reconfiguração das normas e códigos pré estabelecidos que definem o que chamamos de domesticidade hoje. Conforme o levantamento cresceu, foram desenvolvidos critérios de análise baseados nas características já presentes entre os projetos, e nas principais temáticas abordadas pela minha bibliografia. Devido a forma como eles foram encontrados, partindo principalmente de referências bibliográficas estrangeiras, pode-se perceber um desequilíbrio no levantamento. Muitos projetos modernistas, muitos projetos Europeus e Norte Americanos, e poucas habitações recentes e pertencentes ao sul global. Nesse sentido este levantamento ainda está (e sempre estará), em construção, para que consiga abranger de forma mais significativa a multiplicidade de realidades que podem contribuir para essa análise. Ainda que este trabalho não aborde diretamente todas essas habitações, elas retomam muitas das temáticas discutidas nos capítulos anteriores e demonstram que uma forma revolucionária de habitar pode assumir diferentes formas e programas. Partindo do pressuposto de que a casa convencional e padronizada não contempla uma diversidade de corpos, os principais critérios de análise selecionados e apresentados aqui sugerem possíveis vetores para uma revolução na do escolhas projetuais que poderiam gerar espaços menos limitantes.

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forma como compreendemos a domesticidade e o espaço construído, nortean-


Critério de análise núcleos domésticos não convencionais

coletivização das tarefas domésticas

flexibilização e desierarquização dos espaços domésticos dissolução das fronteiras entre espaço público

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e privado


México

Pacific Colony

1886

EUA

Hotel Central

1904

EUA

Casa Dana

1909

França

Salão de Natalie Barney

1915

EUA

Colônia Llano del Rio

1921

EUA

Casa Hollyhock

1922

EUA

Casa Schindler Chace

1923

EUA

Casa Eleanor Raymond

1924

Holanda

Casa Rietveld Schröder

1927

França

Apto. da Charlotte Perriand

1929

Rússia

Narkomfin

1929

França

E. 1027

1931

EUA

Casa Rachel Raymond

1934

EUA

Casa Van Patten

1939

EUA

Azurest South

1945

EUA

Residência Farnworth

1947

França

Les Milandes

1951

Brasil

Casa Lota de Macedo Soares

1951

Brasil

Conjunto“Pedregulho”

1961

França

Chalet Meribel

1972

Porto Rico

The House of Meanings I

1972

Rep. Dominicana

The House of Meanings II

1975

Espanha

Walden 7

2016

Espanha

110 rooms

2016

Brasil

CasaNem

2019

Uganda

Casa de Jajja

2021

Brasil

Casa de Lala

2021

Brasil

Casa das Mães do Derick

143 —

1872


Pacific Colony, 1872 Marie Stevens Howland Albert Kimsey e John J. Deery

Topolobampo, México cidade

Embora nunca construída, os planos para a colônia cooperativa Pacific Colony apresentam interessantes estratégias para a transferênciadas tarefas domésticas para espaço urbano. Howland se apoiou na metodologia dos Familiestérios Fouieristas para propor uma cidade que terceirizava serviços como alimentação, lavanderia e educação, promovendo a emancipação feminina das tarefas de cuidas. Planejou 3 tipologias abitacionais: Hotel residencial, Row Houses e Chalés (HAYDEN, 1978).

Hotel Central, 1886

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The Woman’s Commonwealth The Woman’s Commonwealth O Hotel Central foi majoritariamente construído e projetado pela The Woman’s Commonwealth, um coletivo formado apenas por mulheres em celibato. Funcionava como moradia, hotel e fequentemente também cumpria a função de centro cultural. Além de abrigar um núcleo doméstico pouco convencional, os espaços flexibilizavam os usos tradicionalmente propostos para cada cômodo, assim como subvertiam hierarquias previamente estabelecidas entre as áreas íntimas, sociais e de serviço (WRIGHT, 1981).

Belton, EUA hotel e habitação


Casa Dana, 1904 Frank Lloyd Wright Susan Lawrence Dana

Springfield, EUA casa

Projetada para abrigar a viúva e herdeira Dana, sua mãe sua filha. Além de questionar a hierarquia pré estabelecida para o cômodos de uma casa tradicional (os quartos tinham um pé direito enorme, dando a entender que os espaços em que as moradoras circulavam deveriam ter caráter monumental), a casa Dana brinca com os limites do público e privado, projetada para receber e entreter, a residência era livremente utilizada pela comunidade como um centro cultural e biblioteca (FRIEDMAN, 1998).

Salão de Barney, 1909

O salão de Natalie Barney, realizado em sua residência por mais de 60 anos, é ainda hoje lembrado por ser um espaço que abertamente celebrava relações lésbicas, bissexuais e não monogâmicas. Apesar de ser uma residência privada, o espaço assumiu características normalmente associadas à esfera pública, recebendo regularmente dezenas de convidados e tornando-se amplamente reconhecida. O terreno era composto por um pátio, dois jardins, uma casa, um pavilhão e um pequeno templo. (BONNEVIER, 2007)

Paris, França casa e salão

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Autoria desconhecida Natalie Barney


Llano del Rio, 1915 Alice Constance Austin Job Harriman

Califórnia, EUA cidade

A arquiteta propôs a terceirização das tarefas doméstica por meio de casas sem cozinha e extensos equipamentos urbanos. As casas propostas para a colônia Llano del Rio seriam geminadas, construídas em concreto, e estariam ligadas a tuneis subterrâneos que as conectavam com as cozinhas e lavanderias centrais. A cidade seria majoritariamente autosustentável e, devido ao novos equipamentos urbanos, sem trânsito e com uma malha urbana amplamente arborizada (TORRE, 2020).

Casa Hollyhock, 1921

146 —

Frank Lloyd Wright Aline Barnsdall Encomendada pela herdeira Aline Barnsdall para abrigar a ela e sua filha, a casa estaria implantada na colina “Olive Hill”. O porjeto idelizado por ele propõe que este abrigue não só sua casa, mas também uma série de jardins que serviriam como um parque público e estariam conectados a um teatro a céu aberto, contando com espaço para exposições de arte e áreas para lanches e chá da tarde. Ela ainda se propõe a construir toda a infraestrutura necessária para a companhia de teatro (FRIEDMAN, 1998)

Los Angeles, EUA parque e casa


Casa Schindler Chace, 1922 Rudolph M. Schindler Dois casais

Springfield, EUA casa

Projetada para abrigar dois casais, Rudolph e Pauline Schindler e Clyde e Marian Chace. Para cada morador é projetado um estúdio privado, sem programa definido. O espaço é conectado a um pátio fechado, comum ao casal, que serve como sala de estar. Também é planejado um apartamento de hóspedes afastado do resto da casa com um jardim privativo. A casa propõe espaços híbridos, amplamente conectados com as áreas externas e com pouca privacidade (WILLIAMS, 2013)

Casa Eleanor R. 1923

Projetada para abrigar Eleanor Raymond, sua parceira Ethel Power, sua mãe e sua irmã, a casa foi dividida em três suítes, cada uma com seu próprio quarto, cozinha e sala de estar; uma área comum estava localizada no porão e no jardim. Tanto a cozinha quanto a sala de jantar eram relativamente pequenas, garantindo maior praticidade na limpeza e visando entreter com maior informalidade, já que todas as mulheres trabalhavam e não podiam se dedicar excluivamente ao lar (FRIEDMAN, 1998).

Boston, EUA casa

147 —

Eleanor Raymond Eleanor Raymond


Casa Rietveld Schröder, 1924 Truus Schröder-Schräder Gerrit Rietveld

Utrecht, Holanda casa

A casa foi encomendada para que fosse sem paredes, procurando maior abertura entre a mãe seus filhos. Pensada apartir da conexão entre a marcenaria, a decoração e a arquitetura, o projeto propõe espaços híbridos que fogem de um programa doméstico engessado, possibilitando que cada morador vivencie o espaço livremente, como melhor se encaixar em sua rotina e desejos. Parece uma tentativa de reinventar não só o “lar” mas tambem o “morar” (FRIEDMAN, 1998).

Apt. Charlotte Perriand, 1927

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Charlotte Perriand Charlotte Perriand e seu noivo O pequeno apartamento está localizado na cobetura de um prédio haussmaniano em Paris e foi reformado para abrigar Charlotte Perriand e seu noivo. Seu interior foi inteiramente planejado por Perriand com materiais inovadores para os espaços domésticos na época, como o metal e a borracha considerados elementos masculinos. Na entrada do apartamento havia um bar, na sala de jantar uma mesa extensível com cobertura de borracha e cadeiras giratórias (RUBINO,2017).

Paris, França apartamento


Narkomfin, 1929 Moisei Ginzburg funcionários públicos

Moscou, Rússia conjunto habitacional

O conjunto habitacional é composto por apartamentos duplex de diferentes tamanhos variando entre 1 e 4 quartos. O conjunto contava com uma série de programas comunitários como cozinhas, lavanderias, banheiros e salas de jantar coletivas. Projetado por Ginzburg como uma espécie de manifesto, segue uma lógica modernista de economia e eficiência. Ele propõe uma forma de habitar mais coletiva, que procura se desvencilhar da lógica de moradia constituída pela burguesia (COSTA, 2018).

Casa E.1027, 1929

Embora Grey tenha projetado a casa para sí e seu parceiro Jean Badovici, a divisão pouco nítida entre decoração e arquitetura, interno e externo, íntimo e coletivo, mostram que a casa foi pensada por ela, para ela, como uma casa modelo para o tipo de habitação que ela estava propondo. O espaço mais íntimo da casa tradicional (o boudoir) é transformado na sala mais pública, o limite entre as áreas internas e externas fica confuso devido ao jogo que ela faz com os revestimentos e os vidros (BONNEVIER, 2017).

Roquebrune-Cap-Martin, França casa

149 —

Eileen Gray Eileen Gray e Jean Badovici


Casa Rachel Raymond, 1931 Eleanor Raymond Rachel Raymond e Edith Kingsbury

Belmont, EUA casa

A casa desenhada por Eleanor Raymond foi encomendada para abrigar sua irmã e sua parceira romântica. Apesar de contar com um programa doméstico bastante convencional, a residência, inspirada pela Bauhaus, chama a atenção por ser uma releitura do estilo internacional, que utilliza materiais locais e técnicas vernaculares. Foi a primeira casa da região a adotar um estilo arquitetônico moderno e, nesse sentido, bastante transgressora (FRIEDMAN, 1998).

Casa Van Patten, 1934

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Rudolph M. Schindler Elizabeth Van Patten A casa é constitúida por três estúdios privativos interligados por áreas comunais. Por se tratar de uma casa comissionada para abrigar três mulheres solteiras, gerou um projeto inovador, tanto em seu estilo moderno, como em seu móveis pouco usuais e desenhados específicamente para a casa. Além disso o cuidado em desenhar quartos com varandas privativas e vistas separadas, reforça a idéia de que as mulheres buscavam uma vida compartilhada mas tambem com privacidade e espaços individuais (FRIEDMAN, 1998).

Los Angeles, EUA casa


Azurest South, 1939 Amaza Lee Amaza Lee e Edna M. Colson

Virginia, EUA casa

A casa Azurest South foi projetada por Amaza Lee, uma arquiteta negra, lésbica e autodidata, para abrigar a si e a sua companheira. Por trabalhar como professora universitária e artista plástica, a casa está localizada na Universidade de Virginia e servia a dupla função de habitação e ateliê de artes. Ainda que projetada para um casal, a casa foi desenhada com um dormitório para cada uma das moradoras. Com poucos ornamentos e aberturas discretas, revela pouco de seu interior para os transeuntes (GOODEN, 2014).

Residência Farnsworth, 1945

A casa tem formato alongado e todas as suas fachadas de vidro, sem nenhuma parede ou divisão interna. O programa da casa gira entorno de um núcleo hidráulico contendo banheiro e cozinha que o divide e distribui. . Todos os programas internos da casa podem ser vistos por transeuntes tirando pelo banheiro. Mesmo o closet deixava parte do corpo de Edith a mostra enquanto ela se trocava. A divisão interna, sem paredes e corredores, criando um novo mecanismo de distribuição das áreas internas (FRIEDMAN, 1998).

Illinois, EUA casa

151 —

Mied van der Rohe Edith Farnsworth


Château des Milandes,1947 Autoria desconhecida Josephine Baker

Castelnaud-la-Chapele, França château

O chateau do século 15 era chamado de “Village Du Monde”, um misto de resort, parque temático, espaço para shows a céu aberto e um centro para comunhão mundial dedicado à luta contra o racismo. Baker incluiu tambem uma escola na propriedade, onde seus filhos e as outras crianças da comunidade estudavam. Ela imaginou sua casa como o foco de uma comunidade extensa e visualizava uma vida compartilha entre crianças e adultos (FRIEDMAN, 1998).

Casa Lota M. Soares, 1951

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Sérgio Bernardes e Lota M. Soares Lota M. Soares A casa foi pensada para abrigar uma relação entre mulheres, seja entre Lota e Mary, entre Lota e Bishop ou entre as três. É dividida em alas com uma rampa e uma galeria na partecentral. Devido ao terreno pedregoso e acidentado, o projeto teve que ser pensado considerando que era uma área de difícil acesso tanto para os visitantes quanto para a chegada de materiais construtivos e mão de obra especializada. Por isso, foi em grande parte construído in loco, com mão de obra precária e materiais inusitados (OLIVEIRA, 1995).

Los Angeles, EUA casa


“Pedregulho”, 1951 Reidy e Carmen Portinho Funcionários públicos

Virginia, EUA casa

O projeto tinha como um de seus principais partidos projetuais o estímulo a uma vida compartilhada entre os moradores. Considerando que a habitação poderia influenciar o comportamento e educação das pessoas, o complexo buscou promover diversos serviços dentro do complexo, como escola, berçario, quadras esportivas e posto de saúde. Visando diminuir as horas de trabalho e solidão da dona de casa, foram propostas lavanderia coletivas, que auxiliariam na emancipação dessas mulheres (NASCIMENTO, 2017)

Chalet Meribel, 1961

O chalé é disposto em dois níveis de cerca de 40m2, cada um com sua própria cozinha e banheiro. O objetivo era que um andar fosse ocupado por Charlotte, e o outro por sua filha Pernette. A estrutura é composta por pedras e madeira. Ela incorporou um pouco de arquitetura japonesa no projeto (devido ao seu período trabalhando no Japão) , usando tatamis no piso. O conceito de construir dois lares conectados porem independentes entre si aparece frequentemente em nucleos domésticos femininos (Nicky’s World, 2020).

Illinois, EUA casa

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Charlotte Perriand Charlotte e Pernette Perriand


House of meanings I, 1971 Susanta Torre Uma escritora

norte de Porto Rico casa

A casa fica localizada em uma encosta com vista para o mar. As áreas comuns são compostas por um agrupamento informal de móveis variados, funcionando para diferentes usos. Os quartos individuais foram dimensiondos sem programa pré estabelecido, considerando que poderiam ser utilizados para atividades variadas. Todos tem a possibilidade de se abrir para as áreas comuns ampliando-as. O uso da treliça coberta por trepadeiras na área externa cria cômodos do lado de fora (TORRE, 1972).

House of meanings II, 1971

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Susanta Torre Uma família extendida A casa foi desenhada para abrigar um família extendida composta por um casal, e a mãe e irmã mais nova de um deles. POs três dormitórios foram posicionados em pontos opostos, como um zigue zague, tendo, entre eles, uma cozinha comunitária e outros dois quartos que foram utilizados como salas de estar por cada um dos dois núcleos domésticos presentes. Os fechamentos por meio de portas de correr garantiam isolamento ou comunicação conforme a demanda (TORRE, 1972).

Santo Domingo, Rep. Dominicana casa


Walden 7, 1975 Taller Bofill CEEX 3

Barcelona, Espanha conjunto habitacional

Walden 7 é um edifício de uso misto localizado no terreno de uma antiga fábrica de concreto. É formado pela sobreposição de “células de habitar” planejadas para uma única pessoa. Visualmente o edifício é labiríntico, lembrando um favo de mel. Embora as torres pareçam simétricas ela não são, assim como a organização das células é aleatória, todas tem entradas e formas diferentes entre sí. As células não tem paredes nem prevem a divisão da habitação em cômodos, podem ser unidas ou separadas conforme os moradores (SOLARS, 2021).

110 Rooms, 2016

A planta dos apartamentos não tem corredor, organiza-se como uma série de quartos de dimensões parecidas, sem programa definido, e com a conexão deles por meio do próprios quartos. Os únicos lugares fixos são os banheiros. O prédio é projetado com cerca de 4 apartamentos por andar, mas a ideia é que eles podem ser maiores ou menores conforme a necessidade, utilizando-se de mais ou menos quartos. O térreo é a parte mais “nobre” do edifício, com revestimentos em mármore e espaços amplos (PUIGJANER, 2021).

Barcelona, Espanha prédio residencial

155 —

MAIO Architects Concurso


Casa Nem, 2016 Autoria desconhecida Pessoas LGBTIA+

Rio de Janeiro, Brasil casa de acolhimento

A CasaNem funciona como um lar de acolhimento. Oference também atendimento médico, psicológico e algumas refeições. PreparaNem é a principal atividade vinculada a casa, um cursinho pré-vestibular voltado para pessoas trans. A casa supre não só necessidades físicas como alimentção e espaço para dormir, mas também organiza atividades abertas para o público geral, criando um centro cultural que funciona apenas pelo apoio das moradoras e de doações (INDIANARA, 2020).

Casa de Jajja, 2019

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Mariana Montag Jajja A casa possui dois dormitórios rodeados por alpendres e construídos em tijolos de adobe. A sala e a cozinha podem ser unidas ou separadas conforme paineis pivotantes. O desenho da casa foi feito após uma imersão no vilarejo de Kikajjo em Uganda, partir das trocas com Jajja, a cliente. Um dos objetivos era pensar em um projeto que pudesse ser construído por um mutirão feminino não especializado, transformando o canteiro de obras em uma oficina de capacitação para mulheres(MONTAG, 2019).

Kikajjo, Uganda casa


Casa de Lala, 2021 Patrícia Oliveira Lala

Rio de Janeiro, Brasil casa e salão de beleza

A casa é uma kitnet de 20m2 para uma mulher travesti que vai morar ali sozinha, utilizando o espaço tambem como salão de beleza para gerar uma renda própria. Existe um projeto de futura expansão para um segundo andar. A associação de moradores de manguinhos doou o terreno e a casa está sendo construída conforme a Patrícia (arquiteta e amiga de Lala), consegue doações de materiais e dinheiro. A obra foi realizada inicialmente por mutirão, e posteriormente, pela contratação e favores de profissionais (OLIVEIRA, 2O21).

Mães de Derick, 2021

Há 6 anos as mães do Derick moram no Espaço Sideral, um ponto de cultura e arte independente de empoderamento feminino e resistência lésbica e bi na cidade de Matinhos. Após dois despejos, elas iniciaram uma ocupação e um projeto de autoconstrução por mutirão feminino, buscando retomar essas atividades em um espaço próprio, que sirva tanto de morada quanto para projetos culturais. A casa tem como principal objetivo abrigar Derick, o filho de 9 anos criado por elas em uma relação lésbica e não monogâmica (KELM, 2021).

Matinhos, Brasil casa, cervejaria e centro cultural

157 —

Mães de Derick Mães e Derick


fontes das imagens: 01.

Fotografia de Jack E. Boucher, 1971. Acervo Library of Congress Prints and Photographs, Division Washington, D.C. Disponível em: https://www.loc.gov/pictures/item/il0323.photos.062512p/ Acesso em: 19 de julho de 2021

02.

Acervo Newberry Library, Chicago, Illinois. Disponível em: <https://www. archdaily.com/770612/a-virtual-look-into-mies-van-der-rohes-farnsworth-house> Acesso em: 18 de julho de 2021

03.

Acervo Newberry Library, Chicago, Illinois. Disponível em: https://www. archdaily.com/769632/sex-and-real-estate-reconsidered-what-was-the-true-story-behind-mies-van-der-rohes-farnsworth-house/5597f529e58ece2c830006a5-sex-and-real-estate-reconsidered-what-was-the-true-story-behind-mies-van-der-rohes-farnsworth-house-image Acesso em: 18 de julho de 2021

04.

Fotografia de Alan Irvine, acervo Centre Pompidou, Bibliothèque Kandinsky. Disponível em: https://www.nytimes.com/2013/02/25/arts/design/eileen-gray-freed-from-seclusion.html Acesso em: 18 de julho de 2021

05.

Fotografia publicada na revista l'Architecture Vivantereview em 1929. Disponível em: http://manishtama.blogspot.com/2010/09/eileen-gray-jean-badovicis-e1027.html?q=eileen+gray acesso em: 18 de julho de 2021.

06.

Fotografia publicada na revista l'Architecture Vivantereview em 1929. Disponível em: http://manishtama.blogspot.com/2010/09/eileen-gray-jean-badovicis-e1027.html?q=eileen+gray Acesso em: 18 de julho de 2021.

07. Acervo DHR (Virginia Department of Historic Resources). Disponível em: https://www.google.com/search?q=azurest+south&tbm=isch&ved=2ahUKEwiFss-tyu3xAhVFvJUCHVsVD-EQ2-cCegQIABAA&oq=azurest+south&gs_lcp=CgNpbWcQA zIECCMQ JzIECCMQ JzIECA AQE1DPyxhYz8sY YJ X NGGgAcAB4AIABcIgBcJIBAzAuMZgBAKABAaoBC2d3cy13aXotaW1nwAEB&sclient=img&ei=bZ _0YMXHO8X41sQP26q8iA4&bih=722&biw=1536&rlz=1C1GCEA_enBR788BR789&hl=pt-BR#imgrc=gHkyRjKia6nqNM Acesso em: 18 de julho de 2021.

08.

158 —

Imagem divulgação (BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Blau/ Instituto Bardi, 1999) Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/ drops/19.132/7113 Acesso em: 19 de julho 2021.

09.

Imagem retirada do website ArchDaily, cortesia de Nabil Bonduki. https://


www.archdaily.com.br/br/01-12832/classicos-da-arquitetura-conjunto-residencial-prefeito-mendes-de-moraes-pedregulho-affonso-eduardo-reidy/nabil-bonduki_ 6-copia Acesso em: 19 de julho 2021.

10. Acervo AGCRJ (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro). Disponível em

http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/007-1.pdf Acesso em: 18 de julho de 2021.

11. Fotografia de Robert Byron, 1930. Disponível em: https://socks-studio. com/2016/12/04/the-narkomfin-building-in-moscow-1928-29-a-built-experiment-on-everyday-life/ Acesso em: 19 de julho de 2021.

12.

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13. Fotografia

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