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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE - ICA PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU ESPECIALIZAÇÃO EM SEMIÓTICA E CULTURA VISUAL
FERNANDA DE OLIVEIRA MARTINS
LETRAS QUE FLUTUAM O abridor de letra e a tipografia vitoriana
Belém 2008
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FERNANDA DE OLIVEIRA MARTINS
LETRAS QUE FLUTUAM O abridor de letra e a tipografia vitoriana
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Semiótica e Cultura Visual do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista. Orientadora: Profa. Dra. Valzeli Sampaio
Belém 2008
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FERNANDA DE OLIVEIRA MARTINS
LETRAS QUE FLUTUAM O abridor de letra e a tipografia vitoriana
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Semiótica e Cultura Visual do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista. Orientadora: Profa. Dra. Valzeli Figueira Sampaio
Belém, 15 de dezembro de 2008 Conceito Final __________________________
Banca Examinadora:
____________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Valzeli Figueira Sampaio Universidade Federal do Pará
____________________________________________________ Prof. Dr. Orlando Franco Maneschy Universidade Federal do Pará ____________________________________________________ Profa. Dra. Lívia Lopes Barbosa Universidade Federal do Pará
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De repente os olhos s達o palavras. Pablo Neruda
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DEDICATÓRIA
Ao caboclo da Amazônia, ribeirinho, e, em especial, aos Abridores de letras que me permitiram navegar em seu universo.
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AGRADECIMENTOS
Ao João Meirelles, sempre companheiro. À Harumi e Yuri, que me tornaram uma pessoa melhor. À todos os que, direta ou indiretamente, acompanharam-me nesta aventura. Em especial à Edna e à Lívia, que muito me apoiaram, seja com seu carinho ou leitura atenta. À minha orientadora, Profª. Valzeli Sampaio.
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SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO ..................................................................................................
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1 DE VOLTA AO COMEÇO 1.1 Nota histórica sobre tipografia ..................................................................... 1.2 O desenvolvimento das letras romanas ...................................................... 1.3 O desenvolvimento do livro ......................................................................... 1.4 A tradição humanista ! evolução da estrutura das letras romanas ............. 1.5 Sobre nomenclatura ! as partes da letra .................................................... 1.6 A tipografia vitoriana ! a vontade de falar mais alto .................................... 1.7 Análise formal do tipo decorativo vitoriano ..................................................
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2 A LETRA DECORATIVA AMAZÔNICA - DE ONDE VEIO? 2.1 Exemplos similares em outros países ......................................................... 2.2 Panorama do século XIX na Amazônia ....................................................... 2.3 Leitura e visualidade .................................................................................... 2.4 A fonte digital ............................................................................................... 2.5 Procedimentos para a criação de uma fonte digital ....................................
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3 LETRAS QUE FLUTUAM 3.1 Os barcos, as letras e os abridores de letras – análise formal..................... 3.2 Análise do material coletado ........................................................................
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CONCLUSÃO .................................................................................................... BIBLIOGRAFIA .................................................................................................
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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Exemplo de punção que gera o molde tipográfico................................................. 19 Figura 2 - Modelo da prensa de Gutenberg............................................................................ 20 Figura 4 - Desenvolvimento das minúsculas - as minúsculas carolingeas............................ 24 Figure 5 - Estilos caligráficos da Idade média......................................................................... 26 Figura 6 - Detalhe da evolução formal das letras.................................................................... 29 Figura 7 - Garamond, 1530 (baseada em Janson) ................................................................. 30 Figura 8 - A fonte Caslon, 1722 ............................................................................................... 31 Figura 9 - Fournier.................................................................................................................... 32 Figura 10 - A fonte Baskerville ................................................................................................. 32 Figura 11 - A fonte Bodoni ....................................................................................................... 33 Figura 12 - As partes das letras............................................................................................... 34 Figura 13 - Evolução das serifas. ............................................................................................ 35 Figura 14 - Bodoni, fat face e Egípcia, de cima para baixo. ................................................... 36 Figura 15 - As formas evoluem a partir da Bodoni para Fat face ........................................... 37 Figura 16 - De Fat face surgem as serifa quadradas exageradas.......................................... 38 Figura 17 - e na seqüência... começam as sombras .............................................................. 38 Figura 18 - Exemplos de tipos decorativos vitorianos............................................................. 40 Figura 19 - Cartaz de teatro, 1915........................................................................................... 41 Figura 20 - Evolução das serifas, das serifas egípicias para as serifas toscanas ................ 43 Figura 21 - Bodega em Vila dos Palmares, Pará, 2007 .......................................................... 45 Figura 22 - Estância em Outeiro, Belém, Pará ........................................................................ 46 Figura 23 - Fileteado argentino ................................................................................................ 46 Figura 24 - Chivas, ônibus populares na Colômbia, circulam pelo interior............................. 47 Figura 25 - Barcos a vapor , foto de Hubner. .......................................................................... 49 Figura 26 - Folha de rosto do Album do Estado do Pará de 1898.......................................... 51 Figura 27 - Nota de mil réis...................................................................................................... 52 Figura 28 - Álbum do Pará - 1908, impresso em Paris ........................................................... 53 Figura 29 - O Guarani - Ópera de Carlos Gomes ................................................................... 54 Figura 30 - Rótulo de fumo ...................................................................................................... 55 Figura 31 - Barcos do Mississipi .............................................................................................. 55 Figura 32 - Curuça, 2006, foto da autora................................................................................. 56 Figura 33 - Soure, 2007. Foto Sâmia Batista .......................................................................... 57
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Figura 34 - Belém 2005, foto Fernanda Martins...................................................................... 57 Figura 35 - Legibilidade: letra amarela sobre branco.............................................................. 61 Figure 36 – exemplos do caracteres da fonte digital.............................................................. 64 Figura 37 - mapa das localidades pesquisadas ...................................................................... 67 Figura 38 - nomenclatura das partes das letras, utilizada pelo abridor de letra ..................... 69 Figura 39 - Sem serifa.............................................................................................................. 71 Figura 40 - serifa quadrada superior e inferior ........................................................................ 71 Figura 41 - Serifa quadrada superior e toscana inferior.......................................................... 71 Figura 42 - Serifas toscanas .................................................................................................... 72 Figura 43 - Sombra inferior à direita ........................................................................................ 72 Figura 44 - Sombra inferior à esquerda ................................................................................... 72 Figura 45 - Sombra superior à direita ...................................................................................... 73 Figura 46- Sombra superior à esquerda .................................................................................. 73 Figura 47 - Exemplo de letra cursiva ....................................................................................... 73 Figura 48 - Cores ..................................................................................................................... 74 Figura 49 - Exemplos de enfeites ............................................................................................ 75 Figura 50 - Exemplos considerados os mais relevantes......................................................... 76 Figura 51 - Direção das sombras............................................................................................. 77 Figure 52 - Exemplos de cores ................................................................................................ 78 Figura 53 - Caracteres apresentam a mesma extensão comparado ao modelo ................... 79 Figura 54 - Letra U invertida .................................................................................................... 80 Figura 55 - M não chega a linha de base ................................................................................ 80 Figura 56 - Exemplos de vista de ambos os lados das embarcações.................................... 82 Figura 57 - Exemplo encontrado no Igarapé das mulheres - Macapá.................................... 84
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RESUMO Considerando que, dentre as diversas manifestações da cultura amazônica, está a tradição popular de pintar os nomes nos barcos de uma maneira particular, o presente trabalho se propõe realizar um primeiro registro da tipografia desses barcos, com o objetivo de conhecer a sua origem, a sua área de abrangência e os métodos
empregados
pelas
pessoas
que
se
dedicam
a
esta
atividade
profissionalmente. Busca confirmar a existência de semelhanças entre a tipografia clássica e a tipografia decorativa dos barcos amazônicos e compreender a influência da primeira sobre a última, através de análise formal desta manifestação popular sob a ótica da tipografia clássica. Visa, ainda, identificar e analisar a influência do computador nesta atividade. Para alcançar tais objetivos, este estudo faz análise comparativa entre o material obtido através de pesquisas de campo e registros fotográficos e os estilos levantados da tipografia clássica. Detecta paralelos entre ambos, identificando tipografismos, conceito de Manuel Sesma que trata da plasticidade da letra. Esta análise conclui pelo entendimento de que há relação formal entre as letras decorativas vitorianas do século XIX e o estilo encontrado nas embarcações ribeirinhas da Amazônia. Conclui ainda que, a partir de apropriação deste estilo, se desenvolveu um estilo próprio regional que é parte do fazer tradicional amazônico.
Palavras-chaves: Barcos amazônicos, tipografia popular, tipografia vitoriana, tipografismo
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ABSTRACT Among Amazon cultural manifestations is the popular tradition to paint boat names. Names are painted in boats in a very particular way. The present study aims at producing a first account on boat typography. The intention is to learn from where this letter style originates, its geographic area, who are professionally dedicated to the activity among other issues. This work also formally analyzes this popular manifestation through the eyes of classical typography. The intention is to find out the similarities between classical lettering and the Amazon boats! decorative typography. For that, we made field research expeditions and photographic studies followed by comparative analysis. This paper also study and analyze the influence of the computer age in the boat typography. There is strong evidence that there is a parallelism between classic typography styles and the Amazon boat typography. Amazon boat typography can be interpreted as typographism, a concept created by Manuel Sesma that considers letter!s plasticity. The conclusion is that there is a formal correlation between XIX Century Victorian Decorative Letters and the style observed in the Amazon traditional boat lettering. By appropriating Victorian Age style, the Amazon River boat letter painters developed their own unique style. This style now can be considered as part of the Amazon local tradition.
Keywords: Amazonian boats, typography, popular typography, vitorian typography, tipografism.
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INTRODUÇÃO Uma semana depois de chegar a Belém, pela primeira vez, do incerto trapiche do Porto da Palha, atravessei o rio Guamá, acompanhando um grupo em demanda à comunidade de Boa Vista do Acará. Viagem curta. Corriqueira, para quem não é um viajante. Enfadonha, para quem vem buscar seu pão-de-cada-dia na Belém metrópole. Surpreendente, para uma forasteira, para quem urubus, marés, paneiros de açaí, uxi, caranguejos, montanhas de matapis e fardos de patchuli apresentam novas palavras, frases construídas de maneira diversa, onde o tu, corretamente empregado, impõe-se na nova geografia.
Belém, o único lugar do Planeta onde o roxo é vida – lá fora é companhia segura da morte – onde o roxo freqüenta as todas refeições ao lado do amarelo da farinha e do branco da tapioca. Ao mesmo tempo, Belém explode nas cores, no excesso de luz e de umidade, no excesso de novas palavras, a Belém de todas as letras é estranha, suja, cheira, provoca, incomoda, instiga.
Aos poucos, a viajante que sou copia os ritmos, as marés, distingue a Amazônia ribeirinha – da cultura popular, que tem seus próprios caminhos, suas próprias linguagens, seus próprios alfabetos – daquela que copia, recopia e mal-copia, que corre atrás das metrópoles alheias a sua geografia.
Este estudo é resultado deste embate, deste estranhamento, do olhar viajante. De quem busca novas referências, de quem procura compreender o que é ser um habitante local sem o preconceito, sem o exótico, sem o estranhamento. Reconhecer as pessoas e seus tempos, as lides das marés, o que é comum, o que é tradicional, o que é banal, o que é goma, o que é farinha, o que é manicuera e o que vira tucupi.
Da mirada de quem chega à Amazônia pela primeira vez imprimem-se novos códigos, as linhas flutuam, os sotaques tornam as palavras outras. Aprende-se rápido que o Estuário do Amazonas, do Tocantins e Araguaia, do Guamá, do Acará, do Moju e de tantos caminhos escrevem paisagens a cada maré. São terras caídas.
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São terras conquistadas. São repaisagens repaginadas, onde as cartas náuticas são histórias em quadrinhos, que precisam ser reescritas e revistas a cada novo ciclo.
Nesta viagem pelo primeiro grande rio, o Guamá, que pequeno é diante de um Xingu ou um Madeira ou um Negro, a primeira emoção ao ver o primeiro pó-pó-pó, ostentando uma letra nova, um chamado novo, um novo código que eu não sabia existir.
Deste momento em diante, de maneira sistemática, a viajante que fui, ou que sou, pois viajar é estado de espírito e não estado de lugar ou de tempo, percebi que o olhar estrangeiro permite vislumbram novas letras, novos códigos, e persegui, no cais do Ver-o-Peso, no Igarapé das Mulheres, na escadinha, no trapiche de Icoaraci, no Flutuante de Manaus e em tantas outros encontros de águas e terras, um novo alfabeto amazônico, tão genuíno e endêmico como suas espécies vegetais e animais. Este novo alfabeto, fruto de embates culturais que me fez decidir pela viagem para procurar seus significados, origens e sabedorias.
As letras abriram-me novas páginas da Amazônia. Máquina fotográfica em punho, caderno de notas, tornei-me pescadora de letras. Volta e meia, parentes e amigos passaram diante de letras que me chamam pelo nome, e me enviam, igualmente, as letras que encontram, troféus atracados nos trapiches da região.
Aos poucos, pude perceber que esta seria manifestação popular genuína, provavelmente originária de uma tipografia mais elaborada. Ainda que João de Jesus Paes Loureiro, ao tratar da poética amazônica, rapidamente discorresse sobre as embarcações amazônicas, falando, inclusive, sobre as letras de barco, ao buscar referências na literatura, nada encontrei; ao que o próprio João Jesus confirmou ser de grande interesse estudar o tema. Aliás, foi este estudioso da Amazônia quem primeiro me falou dos abridores de letras, os mestres que pintam os alfabetos ribeirinhos.
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Este estudo pretende registrar e documentar a tipografia das embarcações ribeirinhas da Amazônia. Compreenda-se tipografia como o conjunto de sinais alfabéticos. Claramente, por seu caráter manual, manuscrito, não escolar, deveria ser alcunhado tecnicamente de caligrafia ou de lettering. Nos limites deste estudo deve ser compreendido como o resultado da poética das letras, do emprego do alfabeto, enquanto código para comunicar, o que outros denominam de tipografia vernacular. Paulo Vaz, prefaciando o livro Tipografia Popular (MARTINS, 2007, pg. X), sugere um termo para esta arte popular, tipografia poética.
A bibliografia da área, bastante restrita e recente, ainda não logrou definir terminologia adequada para descrever esta realidade e, aqui, esta não é a preocupação. Talvez seja este um caminho possível de estudo teórico, e que deverá receber maior atenção futuramente. No nosso caso, optamos por empregar o conceito mais amplo, qual seja, o de tipografia.
Definiremos [...] tipografia como um conjunto de práticas subjacentes à criação e utilização de símbolos visíveis relacionados aos caracteres ortográficos (letras) e para-ortográficos (tais como números e sinais de pontuação) para fins de reprodução, independentemente do modo como foram criados (a mão livre, por meios mecânicos) ou reproduzidos. (FARIAS, 1998, p. 11-12).
O objetivo geral é resgatar a tradição ribeirinha de pinturas dos nomes de barcos da Amazônia. A intenção é realizar um primeiro registro que procure conhecer a sua origem, a sua área geográfica, seus componentes formais, buscando compreender, igualmente, os métodos empregados pelas pessoas que se dedicam a esta atividade profissionalmente.
A importância deste estudo resulta da ameaça de desaparecimento desta tradição, que merece registro no cenário da tipografia brasileira. Igualmente, este estudo pretende verificar se há relação entre esta manifestação popular e a tipografia clássica e, se há alguma relação histórica entre estas. Pretende, da mesma maneira, verificar se existe e, quais são, as relações entre a Tipografia Vitoriana do século
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XIX e o letreiro dos barcos. Neste caso, a proposta é realizar a análise formal das letras encontradas frente à tradição tipográfica.
De igual maneira, busca documentar fotograficamente esta manifestação tradicional, bem como, compreender como se dá o fazer dos profissionais envolvidos na tipografia dos barcos, os Abridores de letras, homens, todos homens.
O estudo se propõe a realizar o levantamento de alguns dos centros urbanos servidos por via fluvial do vale do Amazonas, onde ainda se manifesta esta tradição. Mais especificamente, trabalharemos em algumas das cidades ribeirinhas da calha do Rio Amazonas. Primeiramente, nas três capitais do eixo central do rio Amazonas, Belém, no Estado do Pará; e Macapá, no Estado no Amapá, nas extremidades de seu estuário; e Manaus, no Estado do Amazonas, na barra do rio Negro e o Solimões, onde o rio Amazonas recebe seu nome definitivo. Posteriormente, trataremos de núcleos urbanos de menor porte, como os três centros no entorno de Belém, a saber, Curuçá e Marudá (município de Marapanim), no Nordeste Paraense e Abaetetuba, no baixo Tocantins e rio Pará.
Esta monografia visa, ainda, verificar, dentre os estilos surgidos após a sistematização da tipografia, se existe um determinado estilo que apresente características formais que se relacione com o estilo das letras decorativas dos ribeirinhos amazônidas. Este trabalho será complementado pela análise, sob a ótica da estrutura tipográfica, do peso, da largura, da extensão e, igualmente, de outros aspectos apresentados, tais como a forma, os ornamentos e o emprego das cores.
Para realizar estes objetivos será necessário fotografar, selecionar e organizar o resultado da pesquisa de campo. Como pesquisa primária, serão feitas entrevistas com profissionais dedicados a abrir letra de barcos. Ao mesmo tempo, será revisada a bibliografia sobre o tema e sobre casos semelhantes no mundo. Este material será analisado à luz dos estilos clássicos. Para esta pesquisa, este trabalho apoiou-se, dentre outros autores, principalmente, nos estudos de Adrian Frutiger, sobre o desenvolvimento das formas do alfabeto, Nicolete Gray, em seu trabalho sobre
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tipografia ornamental e Lawson e Tracy, no que diz respeito à tipografia, sobretudo a do período vitoriano. Este estudo contou, ainda, com o concurso de Sesma sobre o Tipografismo e de João Meirelles Filho sobre o universo amazônico .
Acreditamos, assim, que será possível, contribuir para a valorização e o resgate de uma tradição popular ribeirinha em desaparecimento. O modo de vida dos ribeirinhos, habitantes do vale do Amazonas é determinado pelo ritmo das águas, seja das estações de cheia e seca, respectivamente inverno e verão, seja as marés cotidianas e as correntes fluviais. O rio é sua estrada, sua rua, como propunha Leandro Tocantins, seu canal de comunicação, sua ligação com o mundo, e o barco, é o meio que propicia a comunicação.
O ribeirinho vive em relação constante com a natureza, aprendeu a sobreviver em meio hostil. Desta relação com as águas e as matas desenvolve uma cultura única, plena de significados, herdeira das matrizes atemporais, mito-poéticas e ágrafas das culturas da floresta tropical. Deste caldeirão de línguas, que deixa Babel sem fala, onde ainda resistem representantes de 400 Nações de falares e saberes distintos, carregando os 100 séculos de ocupação humana no vale amazônico, é que amolda a tabatinga ribeirinha, o barro primeiro, que animou o mineral. É neste contexto, das manifestações da cultura popular amazônica, da tradição de pintar nomes em barcos de maneira tão peculiar, para que flutuem e levem e tragam, que esta obra deve ser compreendida.
Nossa pesquisa concluiu que os exemplares mais preservados e, quiçá, mais elaborados desta tradição, estariam em Macapá, tendo como epicentros os trapiches irrequietos e inconstantes de igarapés urbanizados, o Igarapé das Mulheres e o Igarapé Fortaleza, este último divisando Santana e Macapá. Igarapé, palavra de origem Tupi, Y – (G)ara – Pé – o caminho da canoa – , é o ideograma de água fresca, ensombrada, limpa, sinônimo de pequeno curso d!água. Em geral se refere ao trecho de um rio de sua nascente até o ponto em que se apresenta em maior volume, onde só as canoas, os casquinhos podem navegar. Nas margens do
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Amazonas e dos grandes rios o igarapé é sinal de porto seguro, de águas calmas, de dormitório para barcos que enfrentam o rio-mar.
Segundo João Meirelles Filho, em seu Livro de Ouro da Amazônia, Ediouro, 2007, 5a Edição, navegam na Amazônia cerca de cem mil barcos, em sua maioria embarcações acanhadas, de pequeno porte, construídos artesanalmente para o uso familiar, do perto. Dentre estes encontram-se desde barcos de madeira, confeccionados por estaleiros familiares e de modestas dimensões, tradição de pai pra filho, tal qual o de abridores de letras, até embarcações mais modernas, construídas em metal, em estaleiros industriais. Os barcos populares de madeira constituem-se, provavelmente, em mais de dois terços da frota amazônica. São estes os que mais se utilizam desta tradição tipográfica. São embarcações a motor, ou a remo,
lanchas, pesqueiras, traineiras, boiadeiros, regatões; simples
casquinhos, ubás, catraias, chalupas, saveiros, escunas e igarités até os grandes
barcos regionais, como são conhecidos os barcos de maior porte, que realizam o papel equivalente ao de ônibus (em sua acepção da palavra em latim – omnibus –
para todos).
Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos, assim distribuídos: no capítulo primeiro trataremos da história da tipografia, principalmente sob a ótica do desenvolvimento das formas das letras. O segundo capítulo dedica-se a compreender o contexto em que se insere a tipografia dos barcos e, de que maneira, conecta-se com a tipografia vitoriana e, finalmente, no terceiro capítulo procederemos à análise formal do material pesquisado.
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De volta ao começo 1.1 Nota histórica sobre tipografia
Neste capítulo apresentamos breve histórico sobre a evolução da tipografia, desde sua invenção no Renascimento, até o século XIX. Neste período, a tipografia possibilitou a difusão do conhecimento ao permitir a impressão de maior quantidade de livros em menor tempo do que os escribas do Século XV poderiam lograr. Para compreender a manifestação encontrada nos barcos da Amazônia e sua relação com a Tipografia Vitoriana há que se entender não somente a importância da Tipografia enquanto técnica de impressão mas também a Tipografia entendida como evolução formal das letras, e como esta evolução se inseriu neste processo técnico.
A rápida evolução da técnica tipográfica fez com que o livro impresso amadurecesse, criando características próprias e se distanciando do livro manuscrito. O século XIX, com suas transformações sociais e tecnológicas, também influenciou a tipografia, resultando em grande ruptura. Esta adquire novo papel, seja com a industrialização e a publicidade, seja com o novo estilo, denominado de Vitoriano. Acreditamos que a tipografia vitoriana é aquela que maior influência exerce sobre os letreiros estudados.
A tipografia, entendida como a técnica de impressão em tipos móveis, tal qual a conhecemos, é fruto da habilidade de Johannes Gutenberg. Este, ao perceber a crescente necessidade de produzir mais livros, reuniu diversas técnicas de seu tempo em um novo produto. Contemporâneo dos escribas, que produziam livros únicos, elaborados manualmente, o sistema de impressão com tipos móveis desenvolvido por Gutenberg era capaz de produzir um maior número de exemplares de um mesmo título, em menor tempo que as oficinas dos escribas de sua época.
Não se pode dizer, no entanto, que Gutenberg tenha inventado a imprensa. Os chineses já imprimiam mais de sete séculos antes, em 853 d.C., por meio de placas de argila cozida, que continham muitos caracteres. Em 1040 d.C., Pi Sheng
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introduziu a impressão em unidades móveis, realizando incisões em blocos de argila úmida e depois cozidos. O princípio logo foi aprimorado ao se utilizarem blocos de madeira. Posteriormente empregou-se o bronze, que depois de esculpidos, eram entintados e pressionados em papel macio. (MAN, 2004, p. 114 - 115)
A noção de que imagens avulsas, sinais e letras podiam ser impressos em papel com um carimbo parece ter ocorrido no primeiro ano do século V. No século VIII, China, Japão e Coréia estavam todos imprimindo livros feitos de tacos de madeiras ou pedra entalhados, que através dos séculos levou à assombrosa aventura da impressão. (MAN, 2004, p. 114 - 115)
O mérito de Gutenberg estaria em unir diversas técnicas de seu tempo em um único sistema de produção. Ele se apropriou de técnicas da ourivesaria para esculpir punções de metal. Estas punções seriam utilizadas na cunhagem de matrizes de letras. Cada matriz, por sua vez, era colocada em um molde, que daria origem a diversas unidades idênticas de uma mesma letra. Depois de fundidos, os conjuntos de letras, os tipos, seriam agrupados em linhas e, a seguir, em conjuntos de linhas, formando um determinado texto. A grande vantagem do sistema de Gutenberg, distintamente do sistema chinês, é que estes tipos, após utilizados, poderiam ser desmontados e reempregados em novos textos. Assim, tratar-se-ia de um sistema mais eficiente e barato, facilitado pelo alfabeto romano, que diferentemente do chinês, possui apenas 26 caracteres básicos.
Figura 1 - Exemplo de punção que gera o molde tipográfico.
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Outro aspecto de seu sistema de impressão foi o desenvolvimento de uma tinta com as qualidades físico-químicas adequadas para entintar os conjuntos de tipos móveis e, transferir a imagem destes para uma página de papel. Para que isto ocorresse, de uma forma mais prática e rápida, Gutenberg usou uma prensa de vinhos adaptada para esta função, também adaptada por ele. Este sistema foi elaborado durante o período de 10 anos, entre tentativas e erros.
Figura 2 - modelo da prensa de Gutenberg
É importante ressaltar que Gutenberg também pensou como estas unidades (os tipos) se organizariam espacialmente no papel, assim como, considerou o espaço destinado a cada caractere, que deveria estar contido na unidade física do tipo de metal (este espaço é o que chamamos entreletra). O impressor levou em conta, ainda, a maneira pela qual as letras se organizariam em linhas e entrelinhas, elementos necessários para a plena realização da leitura de um texto.
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Curioso lembrar que, à parte da evolução técnica da mecânica da impressão, poucas modificações ocorreram nos últimos quinhentos anos, na base do sistema tipográfico. Apesar da introdução das máquinas rotativas, dos computadores e do CTP (Computer–to-plate, tecnologias que permitem que o arquivo finalizado do designer seja enviado digitalmente e impressione a chapa de impressão), ainda tratamos a profissão com a mesma nomenclatura de Gutenberg – são os corpos, as entreletras, as entrelinhas. Da mesma maneira, os programas digitais utilizam a mesma nomenclatura e princípios de 1450: o tamanho do corpo de um caractere ainda inclui, além da linha de base, altura de x, ascendente e descendente, o espaço real (físico) da entrelinha, detalhe este desnecessário no mundo virtual.
É conhecida a história de como Gutenberg se endividou e praticamente foi à falência em conseqüência deste projeto, sendo obrigado a transferir aos seus credores todo o resultado de suas pesquisas. Trabalhou por vários anos em sigilo absoluto e, desta maneira, conseguiu imprimir uma edição da Bíblia, (chamada de 42 linhas, porque cada coluna continha 42 linhas de texto), entre 1444 e 1445. A Bíblia, impressa em Mainz, atual Alemanha, exigiu dois anos de trabalho de seis homens. Esta é a primeira grande obra da tipografia, levada a cabo com esta nova tecnologia tal qual a conhecemos. (FRUTIGER, 2001 p17)
Para aperfeiçoar seu invento e, por questões econômicas, durante os quase 10 anos de pesquisas, Gutenberg foi obrigado a pedir empréstimos. Para poder pagá-los, imprimia pequenos livros e vendia-os em feiras populares. No entanto, incapaz de saldar suas dívidas, foi processado por seu sócio capitalista, Fust, e teve que entregar suas máquinas e tudo o que havia produzido como forma de pagamento.
Segundo Man (2004, p.189-213), Gutenberg foi obrigado a sair de Mainz. Mudou-se para Eltville onde sua família tinha raízes, e ali faleceu em 1468. Ainda conseguiu manter uma prensa simples e seria contemplado com um pensão, permitindo-lhe viver com algum conforto. Seu feito foi, por muitos anos, atribuído a Fust e a seu genro, Schoeffer.
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Os livros impressos por Gutenberg apenas pareciam com os livros manuscritos e não teriam o mesmo valor daqueles; a vantagem residia na tiragem. Gutenberg era capaz de produzir uma grande quantidade de exemplares para época, cerca de 200, e em menor espaço de tempo, o que compensaria o menor valor.
Segundo Frutiger (2002 p.16), quando, em 1440, Johannes Gutenberg criou seus caracteres, à semelhança das escrituras góticas utilizadas nos paises germânicos, foi para reproduzir o tamanho dos livros manuscritos. Os livros do tempo anterior a Gutenberg eram feitos à mão, como resultado do trabalho de diversos profissionais ligados aos Mosteiros, os copistas, os iluminadores, os ilustradores. Depois do século XIII, já ao final da Idade Média, os escribas saíram dos conventos, foram para as cidades e universidades, trabalhando em oficinas especializadas.
O surgimento das universidades e uma nova classe social dependente da leitura, criou um público leitor ávido por livros. Estes manuscritos tinham uma estética própria, letras apertadas, cheios de ligaduras e abreviações, entrelinhas justas para economizar papel ou pergaminho, ambos raros e caros. O trabalho dos escribas era feito em uma espécie de linha de produção. Havia os que preparavam o pergaminho, alguns riscavam as páginas, outros escreviam os textos, depois vinham as iluminuras – ilustrações e ornamentos feitos à mão e coloridas, que ocupavam margens e espaços entre colunas. Era costume que os iluminadores também ornamentassem as letras iniciais de cada capítulo, as capitulares. Outros artesãos ainda viriam, para acabamentos, como costura e encadernação.
Ao desenvolver o primeiro livro impresso, Gutenberg não se arriscou a criar algo totalmente novo, que fosse rejeitado pelo público leitor. Fez um livro que, em tudo, assemelhava-se ao manuscrito, em aparência, em tamanho, no tipo de letra, nas colunas margens. Da mesma forma, deixou os espaços reservados para as iluminuras e gravuras, tinham o mesmo acabamento. Entretanto, em menos de 50 anos houve grande evolução na técnica e a tipografia mudou a feição desta época.
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1.2 O desenvolvimento das letras romanas
A letra romana, usada no mundo ocidental, tem sua forma e estrutura baseada nas letras monumentais romanas, inscritas nos monumentos de mármore e chamadas
Capitalis Monumentalis. Usadas somente em maiúsculas, sua forma desenvolveu-se em razão das ferramentas utilizadas para gravá-las. Primeiro se desenhavam as letras com um pincel chato, para que depois fossem cortadas com cinzel. Seu exemplo mais famoso, pela excelência nas estrutura das letras, é a Coluna de Trajano, do século III, localizada em Roma. (Figura 3)
Os romanos, diferentemente das culturas que dominaram o mundo anteriormente, difundiram a escrita e a usaram como forma de expansão e manutenção de seu império. Havia por todos os cantos do Império monumentos, atestando a
sua
grandiosidade. Saber ler não era mais um privilégio de reis e escribas, como anteriormente. O latim era falado por um número maior de pessoas, inclusive por representantes de povos ocupados. A leitura foi difundida e a cultura clássica era valorizada. Desta forma, o povo estava ciente da força e inteligência romana através de seus monumentos e da difusão de sua cultura. Além de textos em monumentos informes, e de leis, o equivalente a um periódico, ou jornal, eram divulgados em murais nas paredes das cidades.
Figura 3 - Detalhe da coluna de Trajano
Este uso cotidiano da comunicação escrita gerou um volume cada vez maior de documentos e, por conseqüência, o que modificou-se ao longo do tempo, novos
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estilos de letras. A rústica, escrita mais fluída, mais rápida e mais adaptada aos instrumentos usados nestas superfícies – pincel e pena – era empregada nos murais e documentos.
Figura 4 - Desenvolvimento das minúsculas - as minúsculas carolingeas
Se no apogeu do Império Romano escrevia-se somente com letras maiúsculas, a sua forma foi se alterando lentamente ao longo dos séculos, por necessidade de fluidez e velocidade, até surgirem propriamente letras minúsculas. As minúsculas somente assumiram sua verdadeira forma por volta do Século VII, à época do Imperador Carlos Magno.
Dentre seus feitos, Carlos Magno realizou uma reforma na educação para unificar e fortificar seu império. Ao cargo desta função estava o monge Alcuin, de York, atual Inglaterra. Alcuin, a partir dos estilos existentes, chamados de unciais e semi-
unciais, desenvolveu um estilo de letra próprio para identificar os documentos de Carlos Magno. Este estilo de letra foi importante, porque criou minúsculas com identidade própria, diferenciando-as das maiúsculas, representando uma evolução formal, e por esta razão, chamadas de minúsculas carolíngias.
“As escritas góticas sucederam às Carolíngias. As pré-góticas surgiram por volta do século XI, ainda arredondadas, e se espalharam por toda a Europa do Norte e Central onde se desenvolveram e diversificaram em função das culturas e época que foram utilizadas. Os hábitos de leitura fizeram que a
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Textura, que é uma gótica de fôrma, se convertesse na grafia tradicional dos livros religiosos e litúrgicos, a Bastarda a do comércio e a Cursiva, a das atas notariais e administrativas, ainda que não exclusivamente”. (FRUTIGER, 2002, p.16)
A estrutura e a forma das letras de um alfabeto, entendido aqui como sistema gráfico de representação, independentemente da cultura a que pertence, maiúsculas ou minúsculas, romanas ou arábicas, sempre esteve ligada a instrumentos utilizados na escrita e, ao suporte onde se realizavam. Suportes e instrumentos, da mesma maneira, estão relacionados à disponibilidade de material em determinado local geográfico. Por exemplo, no deserto da Mesopotâmia, o material para a escrita mais fácil de se encontrar era a argila, suporte da escrita cuneiforme. No Egito, onde o Nilo possuía margens alagáveis, existia grande quantidade de junco, planta da qual se retira o papiro.
A estrutura da letras latinas também foi influenciada pelos suportes e instrumentos utilizados.
Os
romanos
escreviam
esculpindo
em
pedra
com
cinzéis
e,
posteriormente, em papiro com pincéis e penas de ganso. A pedra levou à predominância dos traços verticais e horizontais nas maiúsculas. A inclinação de 15 graus da pena cria contraste entre as hastes, gerando barras horizontais finas e hastes verticais grossas. A evolução da escrita posterior aos romanos seguiu este padrão por séculos. Desta maneira, a tipografia será influenciada pela caligrafia.
Devido ao relativo isolamento entre os centros de cultura e poder da época medieval, muitos estilos de caligrafia se desenvolveram em diferentes centros. França, Inglaterra, Itália possuíam estilos de caligrafia próprios.
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Figure 5 - Estilo caligráficos da Idade média
Entre os estilos de letra mais utilizados em 1450, estava o gótico Textura, utilizado nos paises germânicos, o modelo utilizado por Gutenberg nos primeiros livros impressos. Havia outros, ainda, como Bastarda, Fraktur, Rotunda.
As escrituras góticas sucedem a Carolíngia. As pré-góticas, ainda bem arredondadas, apareceram na Normandia ao final do século XI, depois da conquista da Inglaterra por William, o Conquistador (1066). Mas tarde se estenderam, principalmente na Europa do norte e Europa central, onde evoluíram e se diversificaram em função das culturas que as utilizavam e das épocas. Os hábitos de leitura fizeram que a gótica de forma (Textura) se convertesse na grafia tradicional dos livros religiosos e litúrgicos; a Bastarda, na de comercio; e a Cursiva, a das atas notariais e administrativas (se bem que não exclusivamente). Quando, em 1440, Johannes Gutenberg inventou a tipografia (quer dizer, a impressão mediante tipos metálicos, móveis e reutilizáveis), cirou seus caracteres a semelhança das escrituras góticas utilizadas nos paises germânicos para reproduzir os livros manuscritos. (FRUTIGER, 2001, p.1617) (Tradução da autora, grifos do autor).
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Na Itália, durante o Renascimento, por sua vez, os documentos eram escritos em um estilo chamado Cancelaresco ou Chancelaresco. Este era o estilo usado nos documentos oficiais da diplomacia Papal, derivado de chancelaria. Os escrivãos aprendiam, e deveriam usar de forma unificada, uma caligrafia padrão, que caracterizava os documentos, bulas, cartas das autoridades da Igreja para governos ou diferentes sedes da Igreja.
1.3 O desenvolvimento do livro
Segundo Lawson (2005, p. 370), desde o momento em que se deu forma às letra as pessoas raramente se contentavam em permitir que suas criações permanecessem em sua forma pura. A necessidade do embelezamento personalizado é irresistível.
Os livros produzidos na era medieval são testemunhas da capacidade dos escribas, rubricadores e iluminadores em pintar, ornamentar e enriquecer as letras, segundo as maiores possibilidades estéticas que suas habilidades permitiam. A sobrevivência de muitos textos antigos se deve muito mais aos apelos decorativos, que a seu conteúdo. Com a invenção do livro impresso estas práticas continuaram de uma forma menos pessoal e em ritmo e decrescente. Durante o período dos Incunabula – 1455 até 1500 – os impressores ainda reservavam espaço em suas páginas para os iluminadores as decorarem e as embelezarem. Quando este costume foi descontinuado, no século XVI, os impressores
forneceram seus próprios,
elementos decorativos, na forma de letras iniciais (capitulares), bordas, fios, filetes e florões, perpetuando a tradição de ornamentação da página.
O primeiros livros impressos mimetizaram os livros manuscritos, impondo poucas mudanças ao que se conhecia. Havia uma demanda crescente de livros, o que levou à impressão com tipos móveis a espalhar-se pela Europa como rastilho de pólvora. Aprendizes eram enviados às tipografias, e depois de alguns anos viajavam para outros locais e abriam suas oficinas. Desta forma, em menos de cinqüenta anos, as oficinas de impressão se expandiram por boa parte da Europa. Por volta de 1500
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haviam sido impressos mais de 27.000 edições, o que representaria mais de dez milhões de livros. Os livros impressos durante este período inicial, entre 1450 e 1500, são denominados de incunábula, derivado do latim do berço.
Neste período, aperfeiçoaram-se as técnicas de impressão e, rapidamente, os impressores tiraram partido das vantagens que a técnica oferecia. O livro impresso se distancia do manuscrito e assume identidade própria. Esta nova personalidade surge em função da possibilidade de inserir notas de rodapé, páginas de rosto, numeração de páginas e, por conseqüência, índices e referências cruzadas.
Desde que se tornara possível reproduzir textos página a página, e numerar as páginas, também se tornou possível oferecer aos leitores uma rápida visualização do texto, tanto nas folhas de rosto (que também permitiu ao impressor divulgar sua própria criação) quanto em índices. Um índice não é um mero recurso; pode ser a epítome de um livro, sua essência, exisbindo o processo mental, o julgamento, mesmo a criatividade (pois o indexador pode decidir sobre categorias e subcategorias, e fazer referências cruzadas). A imprensa foi a responsável por este avanço. (MAN, 2004, p. 259-260).
É importante lembrar que, não apenas a estrutura do livro muda, bem como as letras também evoluem. Se no início estas mimetizam o estilo gótico, com o tempo buscam formas mais eficientes, tanto para a economia do papel, como para garantir maior legibilidade. Nicolas Jenson, em 1476, já fundia em metal letras com aspectos totalmente diversos dos primeiros tipos. Estas eram influenciadas pelas letras dos calígrafos, com aspecto similar àquelas que conhecemos hoje. Estes novos estilos de letras são denominados de humanistas. São assim denominadas uma vez que são inspiradas no estilo cursivo, empregado pelos letrados do Renascimento italiano que, curiosamente, por sua vez, inspiravam-se no estilo carolíngio dos séculos X e XI.
É fato que a impressão com tipos móveis permitiu a ampliação do acesso à cultura. O surgimento da imprensa cria, pela primeira vez, a noção de público consumidor, ou seja, de um conjunto de indivíduos com os mesmos anseios de aquisição ou fruição de bens. Ainda que não se possa chamar este fenômeno de massificação, uma vez não pode ser comparado aos bilhões de indivíduos, expostos aos meios de
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comunicação de massa da atualidade, podemos afirmar que este é seu prenúncio. Muitos autores acreditam que o invento de Gutenberg gerou a primeira revolução tecnológica do mundo ocidental e que, a partir da tipografia e da disseminação do conhecimento que esta possibilitou, nunca mais a cultura será a mesmo.
1.4 A tradição humanista - evolução da estrutura das letras romanas
A estrutura formal das letras romanas sempre esteve ligada à caligrafia. As mudanças formais têm estreita relação com a evolução da técnica de cunhar os tipos. À medida que o desenvolvimento da tecnologia permite traços mais finos, o desenho das letras se modifica. Isto sem esquecermos os demais aspectos técnicos que, igualmente, evoluíram com o passar do tempo, tais como melhorias na qualidade da tinta, na qualidade do papel e nas prensas de impressão.
Figura 6 - Detalhe da evolução formal das letras
Assim, Jenson, utilizou em 1470 uma estrutura formal próxima à que conhecemos hoje. Trinta anos mais tarde, em 1501, Aldus Manutius e Francesco Griffo, inspirados na escrita cursiva da época, criaram e imprimiram livros com um tipo mais inclinado. Tratava-se de outra estrutura de letras, diferente das anteriores, com formas que se acomodam mais próximas uma às outras. Os tipos criados por Griffo, projetadas para economizar espaço, resultam em livros menores e mais baratos, e são denominados de grifados ou itálicos.
Em 1530 Claude Garamond, contratado por Robert Estienne, aperfeiçoa e inicia o processo de dissociar o desenho dos tipos da dependência caligráfica. Foi o primeiro gravador de tipos (punchcutter) a trabalhar independentemente das editoras. Nesta época haviam tipos romanos e tipos itálicos, pertencentes a uma mesma família,
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mas de alfabetos independentes, não projetados para atuar em conjunto. Cada gravador criava seu próprio tipo, em um tamanho específico, resultando que cada tipo vinha em seu próprio tamanho, dificilmente harmonizando com outros tipos. Atualmente, o estilo do tipos criados por Garamond (fig 5) é o mais usado em livros no Ocidente.
Figura 7 – Garamond, 1530 (baseada em Janson)
A primeira sistematização do fazer tipográfico que se teve notícia foi a de Geoffroy Tory. Este publicou o primeiro manual, que tornava a tipografia compreensível e reprodutível para outros impressores e escultores de letras, a Champ Fleury. Fez uma normatização tipográfica da língua francesa, dos usos de acentos, cedilha e apóstrofes. Relatou a história da tipografia e das proporções das letras romanas baseadas na figura humana.
No final do Séc. XVII Grandjean recebeu a encomenda para a criação da família Romana do Rei, Roman du Roi, desenhada a partir dos princípios científicos definidos por uma comissão da Academia de Ciências da França e reservada para o uso exclusivo da Imprensa Real. A primeira obra que utilizou a letra Romana do Rei denominava-se As Condecorações, publicada pela primeira vez em 1702.
Grandjean recebeu os estudos apresentados em grandes pranchas gravadas em cobre, contendo os quadriculados onde cada letra se inscrevia subdivididos em 2314
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partes. O gravador se esforçou para adaptar o desenho para o diminuto tamanho dos tipos de imprensa e manteve o essencial proposto: caracteres com eixo vertical com serifas horizontais, solenes. Suas itálicas rompem definitivamente com itálicas humanísticas de Grifo. (Mandel, 2006, p 121-125). Na Inglaterra Caslon, em 1722 (fig 6), fundiu os primeiros tipos ingleses para impressão de textos em inglês, tipos ainda formalmente próximos das Garamonds. Note-se que, até então, os livros eram impressos em latim.
Figura 8 - A fonte Caslon, 1722
Segundo Lawson (2005, p.371-372) foi apenas no final do século XVII que o conceito de embelezar as iniciais em letras romanas começou a ser investigado pelas empresas fundidoras de tipos de metal
(typefoundries). As letras
ornamentadas se tornaram comuns apenas na metade do século XVIII, principalmente devido ao fundidor francês Pierre Simon Fournier.
Seu Manuel
Tipographique, de 1764, exibe uma variedade de letras ornamentais que parecem parcialmente inspiradas por sua preocupação com os numerosos florões e bordas que desenhou.
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Figura 9 - Fournier
O inglês John Baskerville humanizou Granjean, em 1754. Com requinte acentuou a diferenças entre hastes finas e grossas alterando o eixo para quase vertical, diferente do estilo anterior, as serifas começam mais grossas e afinam, se libertando dos resquícios da pena. Sua itálica influenciada pelas cursiva comercial apresenta grande distinção, são chamados os tipos transicionais
Figura 10 - A fonte Baskerville
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Bodoni – A tipografia moderna do século XIX
A partir do século XVIII com o desenvolvimento da gravura em cobre, as letras manuscritas começaram a ser impressas em chapas de cobre. Este procedimento permitia um resultado de grande requinte. Este fato acabou influenciando os criadores e gravadores de tipos que inspirados pelas formas de letras gravadas em buril nas chapas que possuíam traços finos e delicados.
Por volta de 1798 o italiano Gianbattista Bodoni desenha e publica um tipo inovador, com grande controle em seus traços, remates finos e que significou uma revolução para a comunidade tipográfica. Na França, os Didots, uma família com grande tradição tipográfica criam letra semelhante, que se converte letra padrão para a literatura clássica do século XIX. Apresenta o maior contraste já existente em um tipo de metal, isto é, uma grande diferença de espessura entre as hastes verticais e horizontais, o eixo agora é vertical sem nenhuma lembrança do traçado da pena, da caligrafia. Sua maior característica são as serifas extremamente finas. O estilo de tipos criado por Bodoni ou Didot, foi o ponto de partida, o modelo de onde se basearam as mudanças nos tipos do século XIX. Frutiger (2002, p.28)
Bodoni ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890 Figura 11 - A fonte Bodoni
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1.5 Sobre nomenclatura – as partes da letra Para um bom entendimento do desenvolvimento das descrições formais é preciso ter clareza sobre o que discorreremos. Para descrever os tipos decorativos do século XIX é importante que fiquem claros alguns conceitos e terminologias tipográficas. A característica mais importante dos tipos decorativos é a mudança de proporção na relação de espessura entre as hastes (traços verticais) e as traves (traços horizontais), a alteração das serifas e finalmente a introdução de enfeites. Hastes são os traços verticais dos caracteres. Não importa se na altura da minúscula, chamada altura de x, na descendente ou ascendente. Os caracteres estão sempre apoiados em uma linha imaginária, a linha de base, como a letra “x” (minúscula) é uma das únicas a ser totalmente reta, sem projeções, é tomada com referência para identificar a altura das minúscula. As hastes descendentes são as partes da letra que se projetam abaixo desta linha imaginária e ascendentes as que se projetam acima da altura de x (fig.9) .
Figura 12 - As partes das letras
O que são as serifas? Serifas são os remates, a terminação dos traços das letras. Segundo Edward Catich, em seu livro The Origin of the Serifs, 1941, sua origem está relacionada às letras monumentais romanas e ao fato destas letras serem primeiro pintadas e depois cortadas na pedra. O primeiro profissional desenha a letra com o pincel chato e dá o acabamento com um traço horizontal, que geraria um corte onde o pincel havia feito a terminação da letra. (JEAN, 2000, p.66) Há uma segunda teoria que reza que o corte em 45º e a terminação seriam para evitar a concentração de água congelada no inverno que causaria o rompimento das
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paredes das letras nos monumentos. Inicialmente ligada à tradição da letra monumental e da caligrafia, sua forma foi sendo alterada ao longo do tempo paralelamente à evolução do domínio da técnica de cunhar e fundir tipos de metal. De acabamentos mais imprecisos e grosseiros, como o alfabeto Jenson antes de 1500, evolui para remates finos e delicados à época de Bodoni no século XIX, já liberados porém da camisa de força da tradição caligráfica.
Figura 13 - evolução das serifas.
Muito cedo, no século XIX, a partir das grandes mudanças que ocorreram a partir das revoluções francesa em 1789 e industrial por volta de 1848, um novo cenário econômico se apresentou gerando novas necessidades. O surgimento das indústrias movidas a vapor, as cidades, o consumo, a propaganda. Este momento levou os fundidores de tipos ingleses a produzir novos modelos de tipos criados para enfatizar suas características exclusivas, com o único propósito de atrair atenção. Os antigos modelos não eram exuberantes o suficiente para as novas exigências de apresentação da propaganda e surgiram fontes encorpadas, com serifas quadradas chamadas egípcias e posteriormente as sem serifa, chamadas de grotescas.
Também se alteram o tamanho e a espessura das serifas, e a relação entre a largura da haste e a largura do tipo. A mudança nesta relação, que significa o rompimento
definitivo
da
tipografia
com
a
caligrafia,
cria
primeiro
tipos
exageradamente estendidos e depois, na ânsia de inovações, muito condensados. As hastes mais grossas tem uma área maior e por esta razão
propiciam o
surgimento de enfeites aplicados dentro das mesmas. Está aberto o caminho para os tipos decorativos, ou Vitorianos.
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Figura 14 - Bodoni, fat face e Egípcia, de cima para baixo.
1.6 A Tipografia Vitoriana – Tipografia comercial, a vontade de falar mais alto.
Até o início do século XIX o fazer tipográfico sempre esteve voltado para a produção de livros. O processo tipográfico era um processo pré-industrial, com diferentes profissionais se ocupando de diversas fases da produção. A revolução industrial influenciou e transformou ainda mais este processo, surgindo o que chamamos a impressão comercial, job printing ou commercial printing. Os fundidores de tipos descobriram que virtualmente qualquer design incomum poderia ser comprado por tipógrafos para serem usados em anúncios, cartazes, folhetos e embalagens. No início eram versões que se desenvolveram a partir dos estilos da Didot e Bodoni, em segundo momentos surgiram as fontes egípcias, mas os designers logo deixaram de alterar as fontes existentes e passaram a criar tipos mais singulares e bizarros.
A necessidade de difusão das notícias expandiu a intensidade e velocidade dos jornais e periódicos. A excelência e tradição foram deixados de lado em favor da diferenciação, da novidade, do impacto. Se antes os fundidores eram procurados por sua excelência em cunhar tipos romanos com estética impecável, a revolução industrial gerou uma nova era onde clientes buscavam impacto, força, e novidade a uma velocidade cada vez maior para que preenchesse as necessidades da propaganda emergente. Embora os tipógrafos tradicionais evitassem o ornamento,
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uma nova extirpe de profissionais não vinculados ao ofício da tipografia, á época chamados de “artistas comerciais” um sucedâneo do que seriam os designers de hoje, criava frequentemente exemplares únicos, feitos à mão, para uso em uma grande variedade de material impresso.
Inicialmente os impressores usaram os tipos existentes para cumprir esta função mas estavam limitados pelo tamanho e falta de impacto dos alfabetos existentes, mais voltados para a impressão de livros. Ainda assim misturavam muitos tipos diferentes, usavam corpos exageradamente grandes e pesados. Surge uma nova textura de página.
Figura 15 – As formas evoluem a partir da Bodoni para Fat face
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Figura 16 – De Fat face surgem as serifa quadradas exageradas
Figura 17 - e na seqüência... começam as sombras
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É nesta época que surge a máquina de impressão à vapor e o papel em bobina, que possibilitarão a impressão de grandes tiragens, de jornais diários. O jornalismo e a publicidade se expandem, aliados ás feiras internacionais, tudo muda rapidamente.
Os primeiros tipos criados para suprir esta necessidade apresentam um grande contraste entre haste horizontal e vertical e serifas finas. Por exagerar a espessura das hastes verticais estes novos tipos foram chamados “Fat face”. A tipografia Bodoni (criada por Gianfrancesco Bodoni em 1798), havia rompido com a tradição tipográfica ao propor tipos com serifas lineares extremamente finas e um contraste extremo, isto é, traves horizontais final e hastes verticais grossas num eixo totalmente vertical, desatrelando definitivamente a tipografia da tradição manuscrita. Eixo é a diferença entre as horizontais e verticais de uma letra, causada na caligrafia pelo ângulo da pena. O girar da pena para um angulo horizontal (0º) leva a traços verticais grossos e horizontais finos. Esta relação de espessura se mantinha na tipografia apesar de não mais existir um instrumento físico que gerasse esta relação de proporções.
Seu uso por si só já indica um manifesto à liberdade tipográfica. Assim as “Fat Faces” eram uma nova variedade de tipos usados com o objetivo de serem mais expressivos, mais marcantes. Compostos inicialmente de letras grossas com serifas exageradamente grandes ou exageradamente grossas, e posteriormente sem serifas, foram criados especificamente para a impressão comercial e não para livros. “A partir deste momento o tipo de impressão se libertou da tradição e se tornou um seguidor da moda” (ROMERO, 2005, p.4).
Depois das “Fat Faces” surge, entre 1810 e 1815, um novo estilo as “slab serif” (linha inferior da figura 6 na página anterior) ou serifas quadradas. Também chamadas Egípcias, provavelmente pelo fato do Egito estar na moda, após os descobrimentos dos tesouros arqueológicos durante a conquista do Egito por Napoleão. Elas se caracterizam por apresentar espessura semelhante entre a hastes verticais e horizontais e por suas serifas retangulares. Segundo Nicolete Gray
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(1977, p11) as egípcias são a invenção mais brilhante deste século e talvez a mais completa e concisa expressão da cultura dominante deste curto período.
Mas revolução na forma e estrutura continua pois há um mercado que demanda novidades. As empresas de impressão comercial precisam de novos modelos em um ritmo cada vez mais rápido. As empresas que fornecem tipos, as type foundries ou fundidoras de tipos criam internamente centenas de novos tipos para este mercado. Se antes desenhistas especializados desenvolviam os tipos, agora são funcionários da empresa, muitas vezes sem a formação adequada, que criam e produzem estes estilos. As alterações, seja nas estruturas das letras como na relação entre as espessura das hastes, no eixo, no peso, no tamanho das serifas, continuaram. Inúmeros estilos novos de serifas são criados.
Figura 18 - exemplos de tipos decorativos vitorianos
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O fato das hastes terem se tornado mais largas abriu espaço para o surgimento de enfeites e decorações dentro da letra. A pressão do mercado consumidor incentivou a criatividade na elaborações destes enfeites e decorações, cada vez mais exagerados. Contrastes, sombras que se projetam, outlines, tudo era bem-vindo. A estrutura tradicional da letra romana é algo do passado, agora quanto mais decorativo melhor.
Esta foi uma época de grandes lucros para as casas fundidoras de tipos, que criavam e vendiam tipos de impressão para clientes ávidos por novidades. As fontes deste período, quase um século entre 1810 e 1900 é chamado de
tipografia
vitoriana. No exemplo abaixo podemos notar como se configua um impresso típico da época, a mistura de diferentes estilios de tipos utiizados. O titulo “MISS CAVELL” está composto em uma Fat face, porém sem serifa, também chamada grotesca.
Figura 19 - Cartaz de teatro, 1915.
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Até então tipografia era a arte de imprimir livros. A partir deste momento surge a chamada Tipografia Comercial (comercial printing) que segue paralela á impressão de livros até hoje. 1.7 Análise formal do tipo decorativo vitoriano
O estilo decorativo que chamamos aqui de tipografia vitoriana, é assim denominado por ter sido contemporâneo do reinado da Rainha Vitória, que durou 63 anos, entre 1837 e 1901. Além de ter sido o mais longo de um monarca britânico, este período representa a estética dominante no século XIX, época da revolução industrial, do florescimento do comércio global e do surgimento da publicidade.
Steven Heller (2004, p.370-371) em
Linguagens do Design: Compreendendo o
Design Gráfico mostra o papel e o caráter comercial dos anúncios: A tipografia decorativa, ornamentada ou inovadora remonta ao início do século XIX e da Revolução Industrial. O comércio estava expandindo suas fronteiras. Uma forma primitiva de anúncio impresso substituiu o comerciante como vendedor ambulante primário de mercadorias
Segundo Alexander Lawson em Anatomy of a Typeface, Após 1800, os ingleses adotaram as letras ornamentais que lhes pareciam a expressão ideal da industrialização transformando o tradicional ofício da impressão em um atraente moderno negócio. Por volta de 1850 as fundições do resto da Europa e dos Estados Unidos distribuíam com vigor tipos decorativos, mas em função da enorme concorrência as formas dos tipos se degeneraram, perdendo sua relação com os modelos clássicos que sobreviveram até esta época. Durante a segunda metade do século XIX as fundidoras americanas lideraram a produção de tipos displays ornamentais. Desta forma, conforme indicado, devido ao comercialismo galopante da imprensa comercial de publicações efêmeras do século XIX as letras ornamentais romperam radicalmente com o charme dos estilos do século XVIII. (LAWSON, 1990, p.371-373) (Trad. da autora deste trabalho)
É o rompimento definitivo com as regras clássicas da tipografia e a liberação da criatividade na manipulação das estruturas formais das letras. Muda a relação entre a espessura das hastes verticais e horizontais, o contraste. Muda a extensão das letras, mudam as serifas e no espaço oferecido pela hastes mais grossas começam a aparecer desenhos, decorações cada vez mais exageradas.
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Existem algumas principais características no tipo decorativo, a primeira dela é o uso intensivo das maiúsculas, principalmente porque somente elas oferecem área para decoração sem comprometer a legibilidade, a segunda é a espessuras de hastes nunca imaginadas anteriormente. São extremamente grossas, “bolds”, pela mesma razão, é o espaço onde ocorrem as decorações. O elemento decorativo é a característica mas importante e por esta razão chamado de vitoriano.
Ainda encontramos letras divididas em duas partes, o surgimento de serifas diferenciadas, o uso da sombra e da linha de contorno. As serifas, antes pequenas terminações nas letras que favoreciam a leitura, tornam-se retas e grandes, chamadas egípcias, com grande variação de espessuras. A conexão, a passagem da haste horizontal para a serifa, antes suave e delicada, se torna abrupta, seca. A partir daí surgem variações nas serifas como pontas e bicos, como demonstra a figura 19.
Figura 20 – Evolução das serifas egípicias para as toscanas
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O estilo vitoriano foi considerado a ovelha negra da história da tipografia, ignorada pelos livros assim como são os milhares de tipos digitais criados após o surgimento do computador. O exagero estilístico e o desapego á tradição clássica da tipografia faz com que os estudiosos ignorem os produtos desta época, fato que explica a razão de existir pouca literatura sobre o tema e a dificuldade para seu estudo aprofundado. Durante a metade do século XIX a prática emergente de fabricar matrizes a partir de eletrólise, invenção que propiciou uma onda de plagiarismo, elevou o descrédito das "fat faces”; percebeu-se que as “fat faces”, as grotescas e as “serifas quadradas ou egípcias” facilmente se prestavam ao embelezamento e portanto estes estilos foram rapidamente modificados e decorados, uma vez que como já mencionado, tipos em negrito, pesados, grossos possuíam uma grande área que favorece a decoração.
“Se o reino dos tipos decorados não tivesse sido invadido pelo excessivo demanda comercial da nova classe de empreendedores industriais é possível que os tipos ornamentais pudessem ter se desenvolvidos dentro da tradição do livro. Mas a pressão da competição entre as várias fundidoras levou aos exageros no design das letras, o que contribuiu para a baixa estima que este gêneros possui este entre os historiadores da tipografia.” (LAWSON, 1990, p. 375-376. Trad. da autora deste trabalho)
Ao nos depararmos com os barcos ribeirinhos da Amazônia não foi possível deixar de cogitar a influência do estilo decorativo vitoriano. O estilo de pintura de letras encontrado nas embarcações amazônicas apresenta característica muito próximas, como a utilização de tipos com hastes espessas, similares as Fat faces, serifas quadradas, sombras, utilizam de decoração no miolo da letra e por esta razão parece ter paralelos com estilo decorativo vitoriano descrito neste capítulo. Apresenta, por outro lado, características que nos parecem ter sido desenvolvidas na região. Seriam os alfabetos ribeirinhos uma apropriação do estilo vitoriano? Como poderiam ter migrado do meio gráfico para o barco? Há evidências de fatos históricos ou mesmo materiais que nos possibilitem fazer esta relação? A contemporaneidade entre a tipografia vitoriana e o ciclo da borracha e a Belle
Époque no faz crer que estariam relacionados e nos levou a esta pesquisa.
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2.1 A letra decorativa amazônica - de onde veio?
O presente levantamento foi realizado a partir de viagens realizadas entre 2004 e 2007 e portanto foi limitada aos destinos viajados. Foi possível encontrar exemplos de pinturas de barcos com referências formais ligadas a Tipografia Vitoriana por toda a calha do rio Amazonas, Manaus, Amapá e Pará (Belém, Abaetetuba, Cotijuba, Curuçá, Marudá/Algodoal, Santarém, Juruti), porém em busca nos portos de São Luís e Fortaleza não foi possível encontrar exemplares similares nos levando a concluir que este estilo que pode ser considerado como uma expressão pertencente à cultura amazônica. É importante citar que exemplos também são encontrados nas cidades, em fachadas de lojas populares.
Figura 21 - Bodega em Vila dos Palmares, Pará, 2007
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Figura 22 - Estância em Outeiro, Belém, Pará
2.4 Exemplos similares em outros países
Há exemplos de estilos de pinturas com influências da época vitoriana, similares ao encontrado na Amazônia, na Colômbia, nas Chivas, ônibus populares interurbanos e também na Argentina, no fileteado.
Figura 23 - Fileteado argentino
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Figura 24 - Chivas, ônibus populares na Colômbia, circulam pelo interior.
Estes dois estilos de pintura, entretanto, não se restringem às pinturas de letras e sim a todo um código visual ornamental, que tem como maior característica a de cobrir com fios, ornamentos, letras e imagens todo o veículo e não apenas identificálo. Há também no Brasil a tradição de enfeitar a carroceria do caminhão, que usa o
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pincel chato como no Fileteado argentino. Este surgiu na Argentina com a imigração italiana no início do século XX, na pintura de caminhões e posteriormente dos ônibus. Interessante notar que todos estes estilos são utilizados em meios de transporte populares, entendendo que o barco é a forma principal de transporte na Amazônia.
Através da pesquisa, foi possível verificar que abridor de letra dos barcos da Amazônia possui um código simbólico comum encontrado em toda região. Apesar destes autores clamarem por estilos próprios, é possível concluir que estes elementos não são individuais e fazem parte um universo maior, de uma cultura local. A partir da apropriação de um modelo pertencente a uma época, a dos tipos decorativos do século XIX, desenvolveu-se um sistema de signos locais pertencente a este grupo, conectado regionalmente através do rio. Dentre os elementos deste sistema de códigos podemos citar o uso exclusivo das letras maiúsculas, a divisão do miolo dos caracteres, separados em sua metade superior e inferior e coloridos em tons diferentes, uso de sombras, fios, paleta de cores e principalmente o usos da decoração do miolo das letras criando um conjunto harmônico.
2.2 Panorama do século XIX na Amazônia
Os portos do Brasil foram abertos em 1808 com a vinda de D.João VI e sua corte para o Brasil. Particularmente na Amazônia, a navegação foi liberada após 1867. A primeira companhia de navegação da Amazônia foi fundada pelo Visconde de Mauá com a abertura do Rio Amazonas ao comércio mundial, após um longo período de pressões internacionais.
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Figura 25 - Barcos a vapor , foto de Hubner.
Segundo Márcio de Souza, uma viagem do Rio de Janeiro para Lisboa em 1790 durava noventa dias; uma entre Belém e Lisboa na mesma época durava trinta dias; já outra entre o Rio de Janeiro e Belém podia durar até cinco meses. naqueles tempos de navegação a vela, a transposição do cabo Branco era praticamente impossível e perigoso. Assim, para os que vinham do Atlântico Norte, as rotas mais propícias eram aquelas que, seguindo as correntes, levavam diretamente ao Atlântico Sul e ao litoral do Brasil, ou as que levavam ao Caribe e ao estuário do rio Amazonas. (SOUZA,2005, p.53)
Em 11 de janeiro de1853, foi inaugurada a linha fluvial entre Belém e São José do Rio Negro (hoje, Manaus), pelo primeiro vapor que pertenceu a Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, ampliando o comércio e fazendo surgir na orla vários trapiches. Em 1866, é criada a Companhia Fluvial do Alto Amazonas. No ano seguinte, surge a Fluvial Paraense. Em 1874, ocorreu a fusão da Companhia de Comércio e Navegação, com a Companhia Fluvial do Alto Amazonas, surgindo assim, a Amazon Steam Navigation Company.
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Quanto ao movimento de embarcações e cargas durante os meados do século XIX, a área portuária de Belém apresentou significativo crescimento em suas atividades, de 78 embarcações em 1840 para 292 em 1880. Em 1889 seu cais era nada mais que uma série de trapiches pertencentes a várias Companhias de navegação. Á partir de 1870 o ciclo da borracha se intensifica chegando a seu auge na primeira década de 1900. A borracha chega a representar 25% das exportações brasileiras. (MEIRELLES FILHO, 2004, p.124) Este período de florescimento econômico é chamado de “Belle époque”.
Sobre o ciclo da borracha e a “Belle époque”, João Meirelles Filho em seu Livro de
Ouro da Amazônia diz : Um dos poucos resultados que permanecem para a região é o aparelhamento de Belém e Manaus como cidades modernas, como jamais se vira no Brasil. As cidades recebem calçamento, paisagismo, luz elétrica, bondes. Alguns destes serviços chegam a estas cidades antes que a capital do país, o Rio de Janeiro. Manaus guarda como lembrança edifícios públicos como o Teatro Amazonas, o Palácio do Governo, o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega. Belém moderniza seu porto, constrói o Teatro da Paz e diversos prédios públicos. Nas duas cidades famílias abastadas constroem palacetes. Durante algumas poucas décadas Manaus e Belém conhecem o luxo e a extravagância de uma elite, ao lado da miséria generalizada. (MEIRELLES FILHO, 2004, p.125-126)
As elites da Amazônia do final do século XIX, enriquecidas, vivem em casas luxuosas, vestem roupas vindas de Paris, eram influenciadas pelos padrões culturais europeus que promoveu há um grande fluxo de mercadorias vindas da Europa.
Em função desta agitação cultural podemos influir a existência de grande afluência de material gráfico vinda da Europa para o Brasil. Se estabelece em Belém o fotógrafo Augusto Fidanza,em 1867, à época das solenidades que marcaram a abertura dos portos da Amazônia ao comércio exterior (SCHOEPP, 2005 p 39). Fidanza realiza vários álbuns publicitários para o governo Paraense, impressos na Europa.
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Figura 26 - Folha de rosto do Album do Estado do Pará de 1898
Estes álbuns, (fig 26), introduzidos por italianos ligados a Cia. de Navegação Ligure Brasiliana, Arhur Caccavoni em Belém e Arturo Luciani em Manaus, são exemplos da expansão da publicidade e disseminação da informação que vive a Amazônia deste momento, onde a prosperidade se faz sentir em todos os setores da economia. Assim como os livretos publicados pelas companhias de navegação, os anúncios das casas aviadoras, bancos, empresas de importação e exportação, impressos na Europa são exemplos de uso da tipografia decorativa (SCHOEPP, 2005 p 36). Em Manaus também se estabelece outro fotógrafo, Hubner&Amaral. Hubner compraria o estabelecimento de Fidanza em Belém, após do falecimento do mesmo.
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O Ciclo da borracha trouxe como conseqüência o povoamento da Amazônia, o florescimento de uma elite cultural e o desenvolvimento dos transportes fluviais da região. (ARRUDA, 2003, p. 70). É importante notar que esta grande movimentação econômica
e
efervescência
cultural
é
contemporânea
ao
surgimento
e
desenvolvimento da tipografia vitoriana na Europa e Estados Unidos, este estilo rapidamente
tomou conta do cenário internacional e seguramente aportou na
Amazônia.
Figura 27 - Nota de mil réis
Portanto podemos levantar algumas hipóteses de pontos de contato entre os Abridores de Letras e as letras decorativas do período Vitoriano.
A força da tipografia local e a influência da arte tipográfica européia e americana através de jornais, publicidade, embalagens de produtos e cartazes. Há registros de fotos de fachadas dos estabelecimentos comerciais onde pode se observar letras com sombras.
O Pará foi um dos primeiros estados a possuir uma tipografia, que funcionou no Estado em 1818, executando trabalhos de impressão de documentos oficiais. Era de propriedade particular, montada com dificuldades por João Francisco de Madureira, (que mais tarde juntou o apelido Pará ao de Madureira) nascido na vila do Acará, hoje município paraense. Os trabalhos gráficos eram executados com tipos de
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madeira, produzidos pelo próprio Madureira Pará como era apelidado, sem que o mesmo tivesse obtido a mais simples lição sobre essa profissão. (Rizzini, 1977 e HALLEWELL,2005, p.191).
Depois de Madureira, Felipe Patroni imprimiu pela
Imprensa Liberal, em 1822, “O Paraense” o primeiro jornal do Pará em 1822, o quinto jornal do país.
Figura 28 - Álbum do Pará - 1908 impresso em Paris
A influência dos impressos culturais, impressos na Europa e Estados Unidos vindos para a região em função da efervescência cultural reinante, sobretudo os cartazes de óperas (figura 29) e os Álbuns do Governo, (figura 28).
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Figura 29 - O Guarani - Opera de Carlos Gomes
Com o avanço da circulação e comercialização de produtos embalados colocou a população em contato com modelos de letras do estilo vitoriano. A permissão da instalação das tecnologias de impressão no Brasil apos 1808 posteriormente o desenvolvimento da litografia, possibilitou a impressão de rótulos de mercadorias altamente atrativos aos consumidores com o uso de ilustrações e diversos estilos de letras comuns à época. Em O Design Brasileiro antes do design, (CARDOSO, 2005. p.41) encontramos a seguinte descrição:
Uma das principais características dos impressos deste momento é a profusão de desenhos de letras numa peça. [...] No rótulo de fumo Ramon Anido os textos foram escritos em diversos estilos típicos da época: o toscano (presente nos dizeres Superior Fumo de Minas, Importados do Rio de Janeiro e Garantido por, Especialidade e Rio de Janeiro), o sem-serifa (em Ramon Anido e nos textos laterais) e o tridimensional (em Artigas). (obs. Itálicos da autora citada)
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Figura 30 - Rótulo de fumo
O contato e passagem de barcos a vapor americanos, especialmente os do Mississipi que possuem a tradição de usar letras decorativas como identificação
Figura 31 - Barcos do Mississipi
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É
importante salientar que a cultura da letra pintada à mão, informal, ainda é
passível de ser encontrada com freqüência nas ruas de Belém, e das outras capitais. Letreiros pintados pelos abridores ainda prevalecem em relação aos luminosos industriais, principalmente na periferia das cidades. Entretanto já é possível identificar nestes locais uma forte influência das imagens geradas pelo computador, é mais fácil identificar letras similares à fontes digitais incluídas nos sistemas operacionais.
Nota-se que é uma tradição, uma manifestação cultural. Difícil mesmo é compreender qual o caminho percorrido, se as letras das fachadas, dos impressos se bandearam para os barcos ou vice-versa.
Figura 32 - Curuça, 2006, foto da autora
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Figura 33 - Soure, 2007. Foto Sâmia Batista
Figura 34 - BelĂŠm 2005, foto Fernanda Martins
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2.3 Leitura e visualidade
A riqueza visual da tipografia decorativa vitoriana pode ser comprovada pelos recursos utilizados pelos seus criadores. As letras decorativas do século XIX, sempre maiúsculas, grossas, passam a apresentam fios de contorno, o que permite inúmeros enfeites em suas hastes. As serifas cresceram a ponto de se tornar mais grossas que as hastes, ou se diversificaram com inúmeros remates: duplos, triplos, as serifas toscanas. Uma das técnicas mais populares foi a simulação da tridimensionalidade através de sombras. Os letreiros dos barcos apresentam estas mesmas características acrescidas do uso de um código cromático específico e a predominância da divisão das letras em duas partes.
Beatrice Warde (in HELLER, 1999, pg 56), em seu famoso manifesto sobre a clareza e a legibilidade na tipografia, diz “a tipografia deve transparente como uma taça de cristal”. Peço que imaginem perante vocês uma garrafa de vinho e duas taças – uma de ouro maciço, lavrada com a filigrana mais requintada e outra de cristal, do mais fino e transparente- os verdadeiros apreciadores de vinho escolherão, a meu ver, a taça de cristal, porque nela tudo esta pensado para revelar, e não esconder, a beleza de seu conteúdo.
Ela sugere que a tipografia deve ser isenta, apenas o suporte para o conteúdo. Para ela, o profissional que compõe o texto deve faze-lo de forma a auxiliar a leitura, não deve portanto criar interferências, enfeites, ruídos na leitura. Esta definição, entretanto, não se aplica aos Abridores de letras que dão mais valor ao resultado visual
através das interferências que impõem às letras que pintam nas
embarcações. Ao estilo do Abridor de letra tampouco se aplicam as clássicas discussões da Tipografia tradicional, sobre legibilidade e leiturabilidade do texto. Legibilidade é o termo usado quando discutimos a clareza de cada caractere. Para os estudos da tipografia, legibilidade é a qualidade que permite identificar e reconhecer caracteres. A legibilidade de uma determinada letra diz respeito ao seu desenho a à habilidade do leitor em identifica-la. Sendo assim é a velocidade de reconhecimento do caractere que define seu grau de legibilidade. Já a leiturabilidade é estabelecida de acordo com a duração da leitura. Se um texto é diagramado em um livro pode ser lido sem dificuldade ou sobressaltos, pode-se dizer que sua tipografia tem boa leiturabilidade. (MARTINS, 2007, p.32)
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Estes conceitos se referem à percepção, reconhecimento e compreensão dos signos. Uma letra deve ser legível, porém mesmo uma letra legível pode ser utilizada em condições que afetem sua leitura. Como exemplo de condições que devem ser levadas em conta podemos citar a falta de contraste entre a letra e o papel, o tamanho de letra selecionado para um determinado texto, a entreletra, a entrelinha, o comprimento da linha. O estilo dos abridores, onde predomina o exagero de enfeites, cores, fios e sombras afeta a legibilidade e leiturabilidade do texto. Este aspecto nos permite concluir que a função semântica dos letreiros dos barcos é menos importante que a função visual, que a identificação da imagem surge em primeiro lugar e apenas em segundo momento a leitura enquanto significado do texto.
Segundo Paes Loureiro, (2000, p. 174) os letreiros dos barcos amazônicos possuem tanto a função comunicante como a função estética em si.
Se nos barcos o pintor não se reconhece artista produtor de beleza e não assume a autoria de seu trabalho, o mesmo não acontece com o pintor de letras. O "abridor de letras", como gostam de se auto-intitular. São especialistas em escrever nomes nas embarcações, nas casas comerciais, nas tabuletas do comércio, trabalhando para um mercado e apresentando intuitiva marca publicitária. Dele a letra nasce como "poiesis", como mundo re-feito. São signos que mantêm uma configuração significante própria em que a letra é letra como unidade de um letreiro, e é objeto estético autônomo, no sentido em que, exibindo-se como signo múltiplo e aberto, condensa sobre si mesmo as atenções do receptor. São letras-telas que, feito espaço pictórico mítico podem conter dentro deste, tanto um adorno geometrizante, como uma paisagem desenhada. Assim, tanto remetem ao contexto frasal em que se vêem inseridas em uma função comunicantemente, como retêm a mensagem em si mesma. É a letra-signo-objeto, em uma verdadeira epifania. Letra que pode ser tela, cenário, guardiã da natureza, suporte plástico do mundo. A letra como alegoria. A letra como mito. Diminuta catedral barroca e letra beira o kitsch. Mas não resvala. Vocabulário para os olhos, seu sentido é o da praxis informativa. Mas uma praxis também poética. Como nítida metáfora do barco, a letra leva em seus tombadilhos e porões uma densa carga de figuras, signos, paisagens. Os sinais do mundo. A função comunicativa alterna-se com a função poética, tanto é capaz de passar adiante como reter em si a mensagem. Letra que é passagem para o outro e letra narcísica. Desejo de comunicar e objeto de contemplação. Corpo de tatuagens. Celebração do imaginário. Fulguração. Não é propriamente letra
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de escrever, mas letra em que se escreve. Letra desalfabetizada na função não discursiva de suporte de cores.
O objetivo maior da criação dos abridores não é a leitura mas o reconhecimento, a palavra/imagem. A partir da apropriação de um sistema existente, a tipografia formal em seu estilo vitoriano, o caboclo amazônico cria um código próprio pertencente à região onde vive e resultado da sua relação com este meio. A materialidade da letra, a identidade é que está em jogo.
É importante ressaltar o aspecto da apropriação e autoria, uma vez que tanto no estilo criado no século XIX quanto no estilo das imagens encontradas nos barcos não há um autor único identificável, mas os artistas são participantes de uma obra coletiva fruto da troca de experiências .
As letras pintadas pelos abridores no barcos possuem uma semelhança com as estruturas regulares da tipografia formal, mas não se restringem a elas. São uma simplificação do estilo vitoriano, apresentam algumas características comuns como a divisão da letra em duas partes, os fios de contorno, as serifas toscanas, as sombras e os enfeites, na região Norte chamados de “caqueado”. Neste caso, em similaridade com o desenvolvimento da estrutura e forma dos caracteres tipográficos em função do suporte e ferramenta citados no primeiro capítulo, nota-se que o próprio suporte (o barco) levou ao desenvolvimento um estilo próprio, as letras decorativas ribeirinhas, totalmente adaptado a ele a às ferramentas de trabalho.
No caso dos barcos, a textualidade da leitura perde sua importância para a imagem. As palavras deixam de ser lidas e interpretadas, o reconhecimento se dá pelo conjunto visual, forma, cor, linhas, uma vez que a legibilidade dos caracteres é comprometida pelos ornamentos. Conclui-se então a importância do “Ver” neste processo. A função de identificação do barco a distância é mais importante que o conteúdo do texto. Isto pode ser comprovado pelas proporções das letras que mudam em função da relação entre espaço disponível para a pintura no barco e o
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numero de letras a ser pintado, as letras crescem ou são condensadas em função da necessidade, a visualidade é mais importante.
Figura 35 - Legibilidade: letra amarela sobre branco
Há um deslocamento da função inicial do código escrito para a Palavra/imagem, para a visualidade. Ao se apropriar de uma estética formal de uma época, o abridor de letra recria um novo espaço comunicação, próprio que o identifica e identifica seus pares. Os receptores, seja o dono do barco os usuários ou ele mesmo, comungam um código simbólico que os unem em uma comunidade.
Há uma intenção expressiva no uso da tipografia. É possível que a letra tenha uma função plástica além daquela original que é transmitir uma mensagem, um conteúdo e também a predominância da expressividade frente a legibilidade. A letra possui um potencial semântico. A Tipografia, entendida como normatização e sistematização da escrita, também pode conter possibilidades simbólicas associativas e expressivas. Não existe tipo – nem sequer as ortodoxas Helvetica ou Univers- que careça de conotações, que não tenha referentes históricos ou estéticos, o que não
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produza algum efeito invocador, sentimental, emocional, alegórico ou de qualquer outro tipo possível. Existem tipos que simbolizam filosofias e ideologias, outros representam instituições, nações e cultos, e muitas possuem significado próprio. É precisamente o preceito em que se baseia o Tipografismo (SESMA, 2004, p.23)
Estilos de letras são reflexos de sua época, refletem seu momento histórico, assim foi com Gutenberg, com Garamond, com Bodoni, com os artistas anônimos do estilo Vitoriano. Gutenberg ao elaborar o sistema de impressão com tipos móveis criou o livro impresso à semelhança dos livros manuscritos de sua época. Da mesma forma Bodoni valeu-se da tecnologia disponível para criar tipos com serifas muito finas e eixo racionalista (contraste extremo entre os traços verticais e horizontais). Segundo Bringhurst (2005, p.146) o contraste dramático é essencial para boa parte da música e pintura românicas e também e também para o desenho de tipos românticos como Bodoni. As escolhas tipográficas, por si só, refletem uma tomada de posição, tornando aquele que escolhe narrador de seu tempo. Segundo Gray, (1976, p.1) os tipos ornamentais do século XIX e a impressão comercial são uma das artes populares da primitiva sociedade industrial e refletem aspectos de sua cultura de uma maneira historicamente elucidativa.
2.4 A fonte digital
A partir da pesquisa, tentamos identificar algumas características comuns a todos os exemplos encontrados para criar uma fonte digital. Uma fonte digital é um software que contém as informações necessárias para que o computador renderize (isto é, transforme informação digital em imagem na tela) os caracteres na tela da forma como aparecerão impressos no texto.
Para gerar uma fonte digital é necessário desenhar os caracteres da fonte, um a um. Depois de desenhados os caracteres são inseridos em um programa específico, é feito o espaçamento dos mesmos e em seguida resolvem-se os problema de kerning. O kerning é o espaçamento específico entre duas letras. Criar uma fonte é um processo lento e demorado que demanda um rigor projetual.
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E no caso da fonte do abridor de letra desenhamos todas as letras acompanhando o estilo que verificamos ser predominante, com serifas quadradas, para serem a base de transformação de cada variação. Depois para cada estilo que se criar, será necessário criar 3 ou 4 fontes, dependendo do resultado desejado. Isto ocorre por que cada fonte aparece a uma cor, a fonte do Abridor tem 3 ou 4 cores e para que seja possível usa-la colorida, à maneira como aparece nos barcos seria necessário criar fontes combinadas.
Fizemos
um
levantamento
de
todos
os
caracteres
encontrados
e
suas
manifestações. Não encontramos “W” nem “X”, estes foram criados a partir das formas de letras similares. Percebemos que a estrutura tradicional dos caracteres, apesar de referencial, não restringe a criação dos abridores, isto é partem de modelos formais ligados à tipografia porém não se prendem à eles, adaptam o desenho às suas necessidades. Alguns detalhes foram marcantes, para cada caractere foi feita uma escolha, sempre baseada nos detalhes das amostras. Uma vez que a extensão/condensação das letras não é fixa e sim determinada pelo tipo do barco e número de caracteres, optou-se por criar uma fonte baseada na média dos exemplos estudados, regular em extensão e bold. Futuramente poderá ser adicionada de uma versão condensada e uma estendida alterando as relações entre a altura da letra e sua largura. Algumas inconsistências de proporção, mesmo que fora dos padrões da tipografia clássica, foram mantidas. Em relação às serifas, mais
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uma vez fizemos uma opção e desenvolvemos apenas uma variação, ainda que poderão ser adicionadas várias alternativas baseadas nos modelos encontrados conforme citado. O M curto foi mantido e a proporção média também.
Figure 36 – exemplos do caracteres da fonte digital
A transformação do estilo dos abridores em fonte digital implica uma tradução da manifestação cultural e sua adaptação ao novo meio. Não há como manter a autenticidade do traço do autor nem a espontaneidade do momento da criação/execução. É um novo processo de apropriação, em ciclo permanente de mutação, agora em novos suportes, possibilitando novas relações simbólicas. E não há como determinar a autoria deste produto pois esta se dilui no processo. Por esta razão, o produto deste trabalho, agora digital, será disponibilizado aos interessados, dentro do espírito colaborativo das novas mídias.
A transformação do produto da cultura popular em produto digital permite que o mesmo seja distribuído e possibilita que se torne uma ferramenta de divulgação deste aspecto de uma cultura em desaparecimento. Por outro lado, a fonte digital é aberta: permite que cada usuário, por sua vez, seja novamente autor, que a modifique, abrindo assim novas possibilidades criativas. A fonte digital é um
software, um programa, um conjunto de informações que são informadas ao computador e desenhadas na tela do usuário. O sistema digital permite que este, manipule as formas, seja em programas de texto seja em programas de desenho, chamados vetoriais. Se nestes últimos é possível transformar a fonte em desenho (vetor) e alterar qualquer característica que desejar, nos primeiros há controles que
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alteram a relação altura/largura e mesmo que transformam letras regulares em bolds ou itálicas. Por outro lado, a digitalização -a transformação de informações, seja em dados, seja em forma sonora ou visual, em bits que são codificados e decodificados em qualquer tempo e lugar- permite, também, a maior difusão do produto cultural. A mesma forma pode ser reproduzida sempre, tornando-se a digitalização o “esperanto das máquinas”, segundo Santaella. (2003, p.84)
2.5 Procedimentos para a criação da fonte digital Para se criar um fonte digital são necessárias várias etapas. Algumas delas podem ser executadas diferentemente dependendo do autor. A finalização deve ser executada em um programa específico para geração de fontes.
Primeiramente é preciso escolher o modelo, conceituar o que se deseja produzir, há fontes que se utilizam de modelos reais, pré-existentes e outras que surgem inteiramente do projeto e conceito. Em nosso caso, partimos da pesquisa realizada em cidades ribeirinhas da Amazônia.
O desenho das letras deve ser digitalizado, isto é deve ser transformado em dados digitais no computador. Pode-se usar um scanner caso o modelo seja físico ou desenhado a mão, pode-se desenhar diretamente em programas vetoriais, como Coreldraw ou Illustrator e há que desenhe diretamente nos programas que geram fontes. Uma fonte, um set tipográfico, é um conjunto de letras que apesar de serem unidades em si e portanto diferentes umas das outras, devem possuir características comuns para que funcionem como conjunto. Ao desenhar é preciso manter estas diferenças e semelhanças sob controle, quer dizer que se a fonte é bold, negrita, todos os caracteres que a compõe devem apresentar esta qualidade.
Um set de fonte deve possuir as 26 letras maiúscula, 26 minúsculas, os numerais, os caracteres acentuados (em diversas línguas), os diacríticos e os símbolos, num total de 256 caracteres. Os caracteres após desenhados devem ser levados a um progama de geração de fontes, FontLab ou Fontographer são os mais conhecidos.
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Desenhados e importados todos os elementos eles devem ser espacejados, por exemplo ao ler estas linhas, percebe-se grupos de letras que estão próximas uma das outras e são compostas por espaços visualmente semelhantes. Visualmente porque o espacejamento busca resultado visual e não o resultado geométrico. Sem espacejamento a leitura fica prejudicada pois não é possível diferenciar as palavras umas das outras.
Depois do espacejamento entre letras e palavras é preciso, ainda, resolver o problemas de encontros de letras específicas, por exemplo A e V ou T (maiúsculo) com as minúsculas: Ta, Te, Ti, etc. No caso do T, poe exemplo, sem o kerning o distanciamento resultante entre as duas letras implicaria em brancos no T exto pois apesar do ambiente digital, o espaço de cada caractere se encerra em um retângulo. É preciso criar um espaço negativo para que as mesma se aproximem. É um trabalho lento e requer muita concentração, alguns designers dizem que 500 pares são o ideal, há fontes com 3000 pares.
A fonte deve ser testada em diversos programas de diferentes sistemas operacionais antes de ser distribuída.
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3. Letras que flutuam 3.1 Os barcos, as letras e os abridores de letras - Análise formal do material pesquisado
Foram feitos levantamentos fotográficos das pinturas dos barcos em diversas viagens pelos Estados do Pará, Amazonas e Amapá. No Pará pesquisou-se nas cidades de Belém, Curuçá e Abaetetuba, Cotijuba e Mosqueiro, Santarém e Monte Alegre. Em Belém fomos ao Ver o Peso, ao Porto do Sal e ao Porto da Palha. No Estado do Amazonas, registramos vários barcos em Manaus no porto flutuante em frente ao Mercado Municipal. No Amapá pesquisamos nas cidades de Macapá e Santana. Estivemos por duas vezes no Igarapé das mulheres e duas vezes no Igarapé Fortaleza, que fica na divisa entre Santana e Macapá.
Para verificar a extensão desta prática estivemos em Fortaleza, no Ceará e em São Luís, no Maranhão, onde não encontramos nada semelhante nos barcos destas regiões.
Figura 37 - mapa das localidades pesquisadas
O período da pesquisa se iniciou em 2004, para efeito deste estudo analisamos imagens até dezembro de 2007. O material levantado foi catalogado por suas características e analisado. Através deste processo pode-se perceber que o estilo formal das letras dos barcos segue os padrões das letras decorativas do estilo
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Vitoriano, tanto pelo uso da letra de serifa quadrada, grossa, como também pelo uso de sombras e decorações no miolo da letra, apesar de simplificadas e adaptadas ao meio em que são usadas e a forma com que são executadas.
O profissional que pinta as letras dos barcos é chamado “Abridor de letra”. Entrevistamos dois deles, o Zé Gato do Porto de Santana, Amapá em janeiro 2007 e Manoel Correia Pantoja, o Soquete, em junho de 2007, em Abaetetuba, Pará. Foram tiradas 270 fotos, e analisados 130 barcos.
Ambos artistas relataram não tem uma formação específica, aprenderam com outros profissionais, mais experientes, apenas olhando. O valor pago pelos clientes é influênciado pela quantidade de letras pintadas, por quantidade de cores e pela dificuldade do desenho solicitado. O valor do serviço depende da complexidade também. Segundo os mesmos, a letra pode ser simples ou letra com caqueado (enfeite), segundo o Zé Gato, de Santana em Macapá. O nome do barco é fornecido pelo cliente que, na maioria dos casos, deixa a critério do pintor o estilo a ser usado.
Assistimos o Zé Gato trabalhando. O pintor inicia seu trabalho medindo e preparando a área a ser pintada. Ele calcula a proporção das letras em função no número de letras e da extensão e largura do espaço disponível no barco a ser pintado. Ele risca a altura das letras à lápis, traz um esboço feito anteriormente de casa que é repassado e riscado no barco.(observação: este esboço é essencialmente o cálculo da proporção da letra, em função do espaço e do número de letras ela será mais estendida ou condensada).
Após esta etapa, pincéis na mão, inicia a pintura. Primeiro faz o fundo, o corpo da letra, já deixa reservado o espaço do contorno que poderá ser branco ou com um fio preto. A sombra vem em seguida, na maioria das vezes em uma cor, ou em duas. Dependendo da necessidade ou do pedido, faz o “matizado” para dar a impressão de volume, luz e sombra. O “matizado”, degrade, é feito na hora, adicionando à tinta que esta sendo usada branco ou outra cor, mais clara ou mais escura. Por último faz-se
o contorno e o “caqueado”,
o enfeite, quando há. As letras são
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sempre maiúsculas. Segundo ele as cores que usa são vermelho, amarelo, azul e preto. (obs. não considerou o branco que cria o “matizado” uma cor). (fig 38)
Figura 38 - nomenclatura das partes das letras, utilizada pelo abridor de letra
O Sr. Zé Gato que assina J.Machado é nascido em 1960 pinta desde pequeno e aprendeu olhando. O mestre que mais admira, com quem trabalhou, foi o Sr. Raimundo Siqueira Querido, em Santana mesmo. Zé Gato diz que não existem dois barcos iguais e portanto não existem duas letras iguais. Cada trabalho pede um desenho novo apesar de cada “abridor” ter seu estilo, que pode ser identificado. O barco, diz, é feito de madeira dura, Itaúba ou Piquiá. Depois de construído hoje se passa “ massa crê (?) com óleo de linhaça” porém antes usava-se o Breu. Zé Gato abre letras em qualquer embarcação: catraia, lancha, barco a motor e nos ensina
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que as duas letras, B/M, L/M, que aparecem antes do nome do barco se referem a esta classificação.
Em 8 de junho de 2007 em Abaetetuba, Pará, entrevistamos o Sr. Manoel Correia Pantoja, o Soquete. Ele tem 40 anos e nasceu em Igarapé-Miri. Aprendeu a pintar com seu cunhado, o Sr. Florisvaldo. que por sua vez, aprendeu com seu pai. Soquete nos conta que abre muitas letras, ainda hoje. Ao ser perguntado como o cliente contatava o serviço relata que as escolhas acabem sendo determinadas pelo valor, quanto mais desenhada a letra, mais caro o serviço. Assim como o Zé Gato, Soquete mede a área disponível no barco, faz um estudo no papel e leva para pintar. Soquete usa as mesmas terminologias que o pintor do Amapá, não levantamos diferenças. Não foi possível acompanhar Soquete trabalhando pois naquele momento não havia nenhuma encomenda.
Perguntamos sobre as proporções das letras, soquete nos explicou que o I é menor e o M é a maior letra. Em nenhum dos dois pintores foi notada a influência direta das novas tecnologias, como letras criadas por computador. Ambos vivem em lugares muito simples, à beira do rio, têm televisão e rádio mas não acessam computadores.
3. 2 Análise do material coletado Serifas Catalogamos e analisamos os estilos de letras encontrados nos nomes dos barcos segundo os seguintes critérios: estilo, existência de serifas, existência de sombras, sentido da sombra, número de cores e existência de enfeite. Entre as serifadas anotamos a serifa superior e inferior. Para uma visão geral mais completa, foi elaborado um anexo com todas as embarcações registradas.
Em relação as serifas, entre os 131 barcos registrados, 34 eram com letras sem serifa e 96 apresentavam serifas, portanto a maioria. Dentre esta maioria, apresentavam serifas toscanas. Serifas quadradas em 30.
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Figura 39 - Sem serifa
Figura 40 - serifa quadrada superior e inferior
Percebemos que existem letras somente com serifas quadradas (egĂpcias) e outras somente com serifas toscanas. Encontramos tambĂŠm, dentre as serifadas, as que usam metade da letra com serifa quadrada e a outra metade com serifas toscanas.
Figura 41 - Serifa quadrada superior e toscana inferior
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Figura 42 - Serifas toscanas
Sombras Em relação à sombra apenas 12 são letras sem sombra e 119 com sombra. Com relação ao sentido da sombra, dentre as amostras de letras com sombra, 90 usaram a sombra projetada de baixo para cima dentre estes a maioria projeta para a direita, 88 e apenas 2 para esquerda. Entre os que projetam a sombra de cima para baixo, totalizando 29, 9 são para a esquerda e 20 para a direita.
Figura 43 - Sombra inferior à direita
Figura 44 - Sombra inferior à esquerda
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Figura 45 - Sombra superior à direita
Figura 46- Sombra superior à esquerda
Estilos Enquanto estilo das letras, com poucas exceções, são romanas, verticais, com um peso que varia entre Bold e semi-bold, Apenas 2 exemplos registrados usavam letras negativas (onde a letra esta escrita em branco sobre um fundo escuro) e 5 scripts, isto é, letras cursivas conectadas. (fig 47).
Figura 47 - Exemplo de letra cursiva
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Cores Em relação às cores, a maioria usa 3 ou 4 cores sempre primárias – amarelo azul, vermelho– e o verde, sem incluir o fio, geralmente preto. Dentre as que usavam mais que 3 cores, foram encontradas 92 embarcações, apenas 24 usaram 2 cores. O corpo da letra em geral é dividido em duas partes e apenas 26 apresentaram miolo sem divisão e com 1 cor apenas.
Figura 48 - Cores
Enfeite Enfeite, característica importante no estilo vitoriano foi encontrado apenas em 28 barcos, percebe-se que letras enfeitadas são a minoria, talvez em função do custo que leva os proprietários dos barcos a escolher letras simples. Por outro lado as letras mais elaboradas também apresentam mais cores, matizados, fios.
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Figura 49 - Exemplos de enfeites
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Quadro analĂtico - Tipos de Serifas
Figura 50 - Exemplos considerados os mais relevantes.
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Sombras
Figura 51 - Direção das sombras
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Tipos de Cores
Figure 52 - Exemplos de cores
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Entre os exemplos coletados, nota-se que os artistas inseridos no cotidiano da cultura de massas, através das medias impressas, outdoors e televisão os modelos acabam por serem influenciados, porém, uma observação atenta de nossa parte levantou a apropriação destes modelos se dá de maneira relativa percebidas através de alguns detalhes interessantes: - a proporção tradicional “clássica” (entendida pelas proporções de construção tradicional da estrutura das letras) nem sempre é mantida – considerando que há um padrão formal nas proporções de cada caractere, baseado nas proporções “ideais” cujo exemplo mais famoso é a Coluna de Trajano, estas proporções nem sempre são respeitadas, sendo mais importante para o Abridor o espaço disponível no barco.
Figura 53 – Caracteres apresentam a mesma extensão comparado ao modelo
- É comum a inversão da letra – A
estrutura formal da letra serifada, que é
influenciada pela tradição caligráfica e portanto pelo resultado visual do angulo de
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aproximadamente 13º da pena (algo como o que representamos aqui com esta barra inclinada / ) apresenta hastes diagonais diferentes. Por exemplo, no caractere “A” a haste da esquerda é traçada do topo ao pé da letra e para trás o que resulta em um traço mais fino que o da direita, que é traçado do topo ao pé mas no sentido da direita, para frente, resultando mais grosso. Podemos comparar com os caracteres “A” da figura 53 para verificar que o mesmo foi pintado invertido. O mesmo acontece com a letra “U” da figura 54.
Figura 54 - Letra U invertida
M que não toca a linha de base – uma das características mais comuns é o encontro das hastes diagonais do “M” não tocarem a linha de base. Isto ocorre porque há a tentativa de desenhar todas as letras com a mesma extensão, o M possui muitos traços e não é oferecido espaço suficiente para que se encontrem na linha de base, isto eliminaria todo o espaço branco, todo o vazio da letra fundamental para sua leitura.
Figura 55 - M não chega a linha de base
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Verificamos também o posicionamento das sombras em relação ao lado do barco. Há um sentido, que é influênciado pelo movimento do barco? Qual a intenção no uso da sombra?
Foi possível verificar que todos os barcos pesquisados possuem o mesmo desenho nos dois lados. Desta forma se a impressão é que a sombra segue o movimento, no outro lafo do barco ela estaria contra o movimento. O pintor cria um modelo para ser aplicado na embarcação e o mesmo é aplicado dos dois lados. Por outro lado a relação entre o tamanho da palavra e o espaço permitido pela lateral do barco exerce significativa influência sobre o resultado formal. Como a área é pequena as letras são condensadas, isto é, em sua relação altura versus largura são mais altas que largas.
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Figura 56 - Exemplos de vista de ambos os lados das embarcaçþes
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Este fato reforça ainda mais a idéia da importância da visualidade da palavra. Em uma região onde encontramos alto índices da analfabetismo o significado do texto é menos importante que o resultado gráfico, a expressividade da imagem é mais importante que o conteúdo do texto ou seja, que o significado dos símbolos alfabéticos usados. É a materialidade da figura formada pelas letras, o conjunto visual que importa.
Neste sentido concordamos com Manuel Sesma, em Tipografismo, quando trata da potencialidade expressiva da letra. Ao analisar o significado da função simbólica da letra, que denomina como Tipografismo, conclui que não se trata de analisar experimentos
tipográficos
de
caráter
artísticos,
e
sim,
de
outras
tantas
manifestações visuais, em que há intervenção da letra; e onde, em maior ou menor medida, a plasticidiade se impõe sobre a comunicabilidade, o significante frente ao significado. (SESMA, 2004, p.18). Ainda no mesmo texto Sesma trata do significado de um mesmo tipo de letra em cada contexto histórico e cultural que aparece. A significação tipográfica universal que se pretendia na Modernidade se mostrou inviável e se viu que o siignificado de um mesmo tipo de letra muda a cada contexto histórico em que aparece. Isto nos sugere que a interpretação de um tipografismo determinado deve ser contextualizada e que a escrita é um fenômeno cultural. Cada contexto gera seu prórpio sistema de signos e cada sistema se signos gera seus estilos. Portanto não podemos falar de comunicação sem estilo já que a comunicação neutra não existe. Isto não quer dizer que qualquer estilo não se possa justificar em termos comunicativos, nem tampouco que qualquer estilo promova a comunicação. É importante lembrar que o conteúdo das formas depende em grande medida do contexto. (SESMA, 2004, p.36)
Foi possível, ao longo deste trabalho, reunir características suficientes para identificarmos um estilo regional de letras decorativas em barcos criado a partir da influência e da apropriação de um estilo tipográfico predominante em um dado momento, a Tipografia Vitoriana. Percebeu-se que esta manifestação se apresenta de forma regular na região Amazônica sempre no mesmo contexto e função. Este resultado vem de encontro com o que afirma Amarílis Tupiassu sobre o caráter multicultural da cultura amazônica, em seu texto Ver-O-Peso: O empório índio do rio
e da floresta onde afirma ser o mercado o representante mais fiel, reflexo deste amálgama de culturas.
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É a partir da enormidade, do entrincado, do multivariado, do dinamismo cíclico que se deverá focalizar a feira do Ver-O-Peso como uma expressão da cultura indígena cujo interesse extrapola o espaço limitado da feira. Como exposição que remete a um saber primordial, como exposição daquilo que se gera nas entranha da maior floresta do mundo, o Ver-O-Peso excede o seu reduto de movimentação. É um espaço por onde ressoam ainda tantos gestos índios. Por mais que tenham sido muitos os cuidados dos portugueses na fixação de um padrão seu na língua, na arquitetura, na culinária paraense, caldeavam-se sempre os elementos postos em conjunção. De um modo geral o Pará é muito lusitano, muito europeu, mormente na arquitetura dos primeiros séculos, Mas o Pará é muito, muitíssimo índio, mormente no Ver-O-Peso. Ali se sobrelevam os valores nativos apesar das linhas européias impressas no talhe maior e nos detalhes das edificações que abrigam o comércio. Prédios de ferro, líricas quator torres levíssimas apesar da rigidez do ferro. (TUPIASSU, 2000, p.5860) ..... É preciso ver a feira a partir do encontro de opostos que a individualiza como um dos locais mais extraordinários do mundo justamente pelo sim e pelo não, pelo tudo e pelo nada, por abrigar um recanto cherosíssimo repleto do redundante cheiro-cheiroso e de patchuli, catinga-de-mulata. alecrim, mangerona, macaca-poranga, pataqueira e outros cheiros cheirosos que brotam do imo das águas. (TUPIASSU, 2000, p.65)
É importante ressaltar que o este trabalho esteve voltado para compreender a tipografia dos barcos com exemplos representativos de letras decoradas. Há um sem número de barcos que foram pintados de uma maneira mais simples e por outro lado nota-se também que há, em outros exemplos um início da influência do computador, com suas formas prontas e acabadas. As formas prontas ainda não são uma maioria relevante. Talvez o custo e a dificuldade de acesso aos equipamentos eletrônicos ainda mantenha esta tradição pouco alterada. Porém é nítido que os resultados mais ricos estão sumindo, em Belém já existem poucos. Os exemplares mais elaborados, tanto em harmonia quanto em enfeites, como o da figura abaixo, foram encontrados em Macapá.
Figura 57 - Exemplo encontrado no Igarapé das mulheres - Macapá
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IV CONCLUSÃO Este trabalho realizou o que parece ser um primeiro registro da tipografia dos barcos com o objetivo de conhecer a sua origem, a sua área geográfica, buscando compreender, igualmente, metodologia utilizada pelas pessoas que abraçam esta atividade Para isso, registrou e documentou as pinturas dos nomes dos barcos ribeirinhos da Amazônia, verificando se haveria alguma relação, formal ou histórica, entre esta manifestação popular e a tipografia clássica. Foram tiradas 230 fotos de embarcações nos Estados do Pará, Amazonas e Amapá. Esta abrangência geográfica nos permitiu inferir a importância do Rio Amazonas como elemento de conexão e fluxo de informações entre os ribeirinhos.
Foram realizadas entrevistas com os profissionais, os abridores de letras, para desvendar um pouco de seu universo: onde aprenderam o ofício, o seu fazer. Ele se considera um “artista” e seu estilo único, porém a pesquisa mostrou que o estilo permeia todos os locais visitados e que onde o computador ainda não prevalece, o estilo ainda vigora em toda sua plenitude. O Abridor é um legítimo amazônida que se realiza nas letras, na tipografia. Através delas há um código comum a todos, sejam abridores, donos de barcos ! que fazem a encomenda !, ou usuários: as sombras, os fios, a divisão da letra, o uso das cores, o caqueado.
O conjunto de barcos com letras mais ricas foi encontrado no Amapá onde, curiosamente, existem dificuldades de acesso à internet de banda larga na região. Desse modo, a influência digital não é percebida facilmente e pode-se deduzir que o desenvolvimento
econômico
ainda
não
acabou
com
as
tradições
locais,
encontrando-se ali um fazer verdadeiro, rico em detalhes. Nos lugares onde a informática já influencia os resultados, percebe-se claramente a falta de graça, a padronização, a impessoalidade.
Analisou-se o material recolhido em número de cores, estilos, ornamentação e comparou-se com os estilos clássicos da tipografia. Pesquisaram-se em bibliografia da área da tipografia os estilos surgidos a partir de sua sistematização e como a evolução destes estilos se deu a partir de influências tanto do progresso técnico
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como do contexto histórico. Uma vez detectadas semelhanças entre a tipografia vitoriana e a tipografia dos barcos, foram traçados paralelos entre ambos.
Após a confirmação de que existe uma relação entre a Tipografia Vitoriana do século XIX e o letreiro dos barcos e a análise formal das letras encontradas frente a esta tradição tipográfica, buscaram-se hipóteses sobre como esta influência poderia ter acontecido. Há, na história da Amazônia, elementos que nos permitem levantar estas hipóteses, que podem ser sugeridas, embora não possam ser plenamente confirmadas.
À luz da proposta de Manuel Sesma, o Tipografismo, que estuda a plasticidade das letras, percebe-se um novo caminho ainda a percorrer em relação ao entendimento da Tipografia do barcos ribeirinhos da Amazônia, A rica tradição dos abridores de letras ainda não desapareceu totalmente, mas está fadada a desaparecer caso não exista um movimento de valorização deste saber popular. A velocidade das mudanças, o fluxo das informações, a necessidade de se adaptar ao mundo moderno, mutante, faz com que as pessoas deixem de valorizar seus fazeres tradicionais e assumam como melhor o que vem de fora, o que acham ser mais moderno. A sedução da informática, a TV, o computador, a internet, tudo leva à globalização das idéias e à pasteurização das imagens. O artesanal não é mais valorizado. Ao criarmos a fonte digital proposta neste estudo ! a reapropriação do estilo dos abridores de letras, que, por sua vez, também haviam se apropriado da tipografia vitoriana – esta se torna, assim, um novo produto. O meio digital facilitará a difusão do estilo decorativo amazônico e também futuras apropriações. Sua autoria entretanto, permanece comum a todos os que engendraram este processo: os profissionais das tipografias vitorianas, os abridores de letra, a criadora da fonte digital e os seus eventuais futuros (re)criadores. O que fica ora registrado é a tentativa de resgate de uma tradição popular ainda pouco comentada, ribeirinha, a tradição das pinturas dos nomes de barcos da Amazônia que, nos parece, está perdendo lugar para o mundo moderno.
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