Tortura e Violência Policial na Ocupação Mais Bela Vista

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Câmara Municipal de Porto

Alegre

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA URBANA

RELATÓRIO SOBRE TORTURA E VIOLÊNCIA POLICIAL NA OCUPAÇÃO MAIS BELA VISTA

PORTO ALEGRE FEVEREIRO DE 2015


SUMÁRIO

I.

Apresentação.....................................................................................03

II.

Denúncia à Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e

Segurança Urbana...........................................................................................06 III.

Narrativa dos fatos..............................................................................07

IV.

Fatos posteriores................................................................................11

V.

Recomendações.................................................................................13

VI.

Anexos................................................................................................15

i.

Anexo I – Imagens................................................................................15

ii.

Anexo II – Íntegra dos Depoimentos.....................................................20

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I.

APRESENTAÇÃO

Este relatório trata de uma situação grave de violação de direitos humanos com emprego de métodos de tortura ocorridos na ocupação Mais Bela Vista, na Zona Norte de Porto Alegre, entre os dias 19 e 20 de fevereiro do corrente ano. A “Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, editada em 1984 pela Organização das Nações Unidas, conceitua a tortura em seu artigo 1, conforme segue: “Para os fins desta Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa, com o fim de se obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissão; de puni-la por um ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir ela ou uma terceira pessoa; ou por qualquer razão baseada em discriminação de qualquer espécie, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas, ou ainda por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência, inerentes ou decorrentes de sanções legítimas.”

Com base nos depoimentos, podemos constatar práticas de tortura às quais jovens da comunidade foram submetidos durante, no mínimo, duas horas. Mais grave ainda é que tal violência foi oriunda de policiais militares, ou seja, funcionários encarregados de garantir o cumprimento da lei e a segurança de toda a população. Tais fatos infelizmente não são isolados em nosso país. No “Relatório 2014/2015 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, lançado pela Anistia Internacional em 25 de fevereiro do corrente ano, é apontada uma verdadeira crise no sistema de segurança pública em nosso país, com altos índices de homicídio, tortura, violência policial, bem como a constatação de falência do sistema prisional. São cerca de 56 mil homicídios ao ano, número maior que países sob guerra civil, dentre os quais a maioria das vítimas são jovens. É inadmissível que uma nova política de segurança pública não esteja na centralidade da agenda governamental. Esta perspectiva deve, necessariamente, passar pela composição de uma agenda que abarque a discussão do círculo completo de 3


segurança, entrada única das polícias, democratização da sua estrutura e desvinculação das polícias ao Exército. O coordenador da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, em recente entrevista para o portal Brasil 247, declarou que: Enquanto prevalecer o discurso de violência e uma espécie de Estado de exceção, que corrobore a percepção de que a vida de uns vale mais do que a de outros, viveremos a barbárie. ‘Bandido bom é bandido morto’ é uma filosofia em que todos saem perdendo. Perde o Estado que coloca a vida de seus agentes de segurança em risco e abre mão de enfrentar o crime com inteligência; e perde a sociedade, brutalizada e acuada pelo medo da violência

Neste círculo vicioso de aumento da criminalidade e de altíssima letalidade das forças de segurança pública, o Brasil tem a polícia que mais mata e mais morre no mundo. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou que, entre 2009 e 2013, foram 11.197 pessoas mortas pela polícia, bem como 1.770 policiais mortos. Estes dois estudos apontam para uma verdadeira falência do atual modelo de segurança, marcado por baixíssimos índices de investigação de crimes contra a vida, violência e seletividade penal.

Sabemos que os direitos humanos, infelizmente, não são assegurados a todas as pessoas em nossa sociedade. Não são todos os indivíduos que usufruem o status de cidadão, com direito a ter direitos. “Nossa história tem sido infelizmente marcada pela exclusão e marginalização de amplos segmentos da população e pela privação, seja dos direitos civis e políticos, em determinados períodos recentes, seja dos direitos econômicos e culturais até o presente”, como afirmou Antônio Augusto Cançado Trindade, na apresentação do Relatório Azul de 1997.

Diante destas exclusões, da falta da consolidação dos direitos consagrados, da redução do Estado Social combinada na mesma medida com o aumento do Estado Penal, as populações da periferia sofrem cotidianamente as mazelas da falta de garantias e da violência policial. Trata-se da chamada criminalização da pobreza, que pode ser exemplificada por casos noticiados recentemente, como o assassinato do pedreiro Amarildo no Rio de Janeiro, torturado e morto por integrantes da Unidade de Polícia Pacificadora; de Cláudia Ferreira, arrastada até morrer por uma viatura policial e DG, dançarino do programa de televisão “Esquenta”. Estes casos foram bastante abordados 4


pela imprensa, mas as estatísticas, movimentos sociais e ONG’s nos mostram que diariamente esta letalidade está presente no cotidiano das periferias brasileiras.

Outro caso emblemático é o da chacina ocorrida em Belém do Pará, nos dias 04 e 05 de novembro de 2014. Após o assassinato do Cabo Figueiredo, postagens em redes sociais na internet alertavam um “acerto de contas”, e dez jovens foram mortos em cinco bairros diferentes, havendo em comum clara característica de execução.

Em Salvador, uma operação policial assassinou doze jovens entre 17 a 25 anos. Os relatos na internet, de testemunhas no Programa Profissão Repórter veiculado no dia 24 de fevereiro e de movimentos sociais mostram clara aparência de execução sumária, inclusive com indícios de que a cena do crime e as roupas dos jovens foram forjadas para “justificar” uma “legítima defesa”. Mais grave ainda é a denúncia de um “kit flagrante” em que objetos (armas, drogas) são colocados para forjar as defesas nos inquéritos relativos a mortes pelas mãos da polícia.

Na mesma edição do supracitado Relatório Azul, sobre a violência policial como uma violação aos direitos humanos é afirmado que tal atitude “não pode ser admitida ou justificada dependendo da situação ou de quem são os atores da cena do crime investigado ou coibido pelo Estado”. Ainda que se levantem motivos para a violência policial, como a necessidade de “mostrar serviço, custe o que custar”, “nada pode justificar a violação de direitos a quem quer que seja, ainda mais por funcionários encarregados do cumprimento da lei, no caso, os policiais” (COMISSÃO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS, 1997, p. 318).

Casos graves como o ocorrido na comunidade Mais Bela Vista não podem ficar sem resposta. É necessária a imediata identificação dos policiais militares envolvidos no caso, do comandante da ação e as devidas punições, sob pena da impunidade ser a retroalimentação de violências, torturas e efetivação das ameaças de morte proferidas pelos agentes, que deveriam ser responsáveis pelo cumprimento da lei.

A violência por parte do Estado não pode ser aceita em hipótese alguma. Desta forma e diante da gravidade da situação sob pena de cada vez mais aumento das violências e penalização do povo pobre que luta pelo direito à moradia digna. Vereadora Fernanda Melchionna 5


II.

DENÚNCIA À COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA URBANA

No dia 20 de fevereiro a vereadora Fernanda Melchionna, presidente da Comissão de Direitos Humanos e o vice-presidente, Alberto Kopittke, tiveram ciência de relatos de violência e tortura ocorridas na comunidade. Em momentos diferentes, os dois vereadores tiveram contato com as vítimas e seus advogados. A partir daí, foi agendado o colhimento dos depoimentos pelos integrantes da Comissão.

A presidente da Comissão imediatamente fez contato telefônico com secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul, César Luís de Araújo Faccioli, para alertar sobre o ocorrido e sobre a dificuldade de registrar Boletim de Ocorrência encontrada na 22ª Delegacia de Polícia, pois, em um primeiro momento, os policiais hesitaram em realizá-lo.

Aos 23 dias do mês de fevereiro de 2015, os vereadores da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (CEDECONDH) começaram a coletar os depoimentos de lideranças da comunidade, testemunhas e vítimas das agressões por parte de policiais militares ocorrido na ocupação Mais Bela Vista no dia 20 de fevereiro.

Na reconstituição dos fatos ficou claro que se tratou de uma ação truculenta, sem a observância de padrões mínimos de procedimentos legais e em dissonância com o princípio da integridade física e dos direitos humanos. Os moradores foram brutalmente agredidos, torturados física e psicologicamente e ainda ameaçados de morte.

Para a produção deste relatório foram colhidos sete depoimentos, quatro na Câmara de Vereadores e três in loco, na comunidade. Na medida em que se instalou um estado constante de medo da comunidade de que haja novos casos de violência, por precaução não serão publicizados os nomes dos depoentes, embora tenha havido tal registro. A partir destes depoimentos foi realizada uma reconstituição dos fatos. Dessa forma, o presente relatório está dividido em quatro partes: um resumo unindo as informações obtidas nos depoimentos, a íntegra dos depoimentos (sem o registro dos nomes), fotos feitas na manhã após as denúncias e as recomendações proferidas pela Comissão. 6


III.

NARRATIVA DOS FATOS

Durante a noite do dia 19 de fevereiro, jovens que estavam ajudando na montagem das casas e descansavam no espaço coletivo de reuniões foram surpreendidos perto das 23 horas pelo barulho de um disparo de arma de fogo. Quando foram averiguar do que se tratava, se depararam com mais de quinze policiais fardados, metade com touca de ninja metade com rosto descoberto. Destes, cerca de quatro eram mulheres. Sem qualquer pedido de identificação, explicação da ação policial ou mandado de reintegração de posse, mandaram que os três jovens se ajoelhassem. Assim que obedeceram a ordem dos policiais os jovens começaram a ser agredidos.

Da mesma forma, foi relatado por testemunha que se encontrava dentro de casa e observou pela janela: “e daqui a pouco deu um barulho de tiro e alguém gritou: é polícia. Só que a gente achou que era frescura, assim, sabe? Quando eu olho pela claridade aqui da lâmpada eu disse: tão brigando dentro daquela casinha lá. E aí a gente olhou pra casa do lado aqui, cheia de brigadiano”. Uma das vítimas relatou a chegada dos agentes de segurança da seguinte forma: A gente tava aguardando chegar um lanche pra nós, que a gente tava fazendo a casa de um dos moradores daqui, né? A gente ficava, que tava desarmando tempo de chuva, então a gente tava esperando trazer a extensão pra gente colocar uma lâmpada e telhar pra gente não ficar na chuva. No então, daí, do nada deu um tiro e no tiro a gente foi se recolher pra onde a gente tava lá fazendo a construção ali. Mas no chegar lá já tinha um pessoal ali já, daí mandou a gente colocar mão na cabeça. FERNANDA: O pessoal da polícia? TESTEMUNHA 7: Da polícia. FERNANDA: Vocês ouviram o tiro e foram pra casa que vocês estavam construindo? TESTEMUNHA 7: Que a gente tava construindo.

Depois de perguntado sobre a quantidade de policiais, se estavam com a cabeça coberta por touca ninja – a íntegra do depoimento pode ser conferida em anexo -, foi questionado sobre a forma como a “abordagem” se realizou, ao que foi respondido o seguinte: FERNANDA: Aí vocês chegaram e aí eles falaram o que pra vocês?

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TESTEMUNHA 7: Mandaram a gente se ajoelhar e colocar a mão na cabeça... FERNANDA: Não pediram nem pra vocês se identificar? TESTEMUNHA 7: Nada, nada. Mandaram só a gente colocar a mão na cabeça e “ajoelhamo”, e nisso já começou a pancadaria e o spray de pimenta também. E o pau pegou.

As primeiras pauladas foram com pedaços de árvores, mais especificamente, um galho de eucalipto registrado em anexo deste relatório. As torturas seguiram com asfixia e colocação de sacos de plástico pretos na cabeça de um dos jovens. Estas agressões foram ouvidas e relatadas por uma das vítimas e uma testemunha ocular.

Foi ordenado aos jovens que um se deitasse sobre o outro e, segundo depoimento de testemunha, a ordem foi dada com o seguinte teor: “deita um em cima do outro pra nós economizar bala” e “nós ‘vamo’ botar fogo em vocês”. No depoimento da vítima: Bateu com o eucalipto. E chute e botava nós um em cima do outro, disse que ia dar um tiro só pra não gastar bala, que nós não merecia bala. E... Sanduíche, um em cima do outro e ia dali... E os saco na cabeça do pessoal.

Aos gritos ainda, deixaram o recado que, ou eles saíam da ocupação até as 18 horas daquele dia, ou morreriam. Ainda, que se denunciassem, morreriam, conforme depoimento da vítima transcrita no trecho abaixo. Se que até 6 horas que se... eles iam voltar e que se a gente abrir o bico, eles iam voltar, pegar um por um. E que até 6 horas da tarde se a gente não desocupasse aqui, se tivesse aqui ainda, ia ficar fosco o negócio.

Ao final, entraram na sede da Associação de Moradores. Depois de quebrarem uma televisão, um videogame e outros bens da associação, picharam a frase “Não voltem” na parede (conforme foto em anexo), seguido pela sigla “DR” e o sinal de uma cruz, encheram de gás de pimenta o local e mandaram que as vítimas ingressassem na sala. Assim que entraram, ficaram intoxicados, tossiram e sentiram os efeitos asfixiantes do gás de pimenta enquanto as luzes de uma lanterna iluminavam o espaço. Conforme depoimento: Ficamos deitado. A gente ficou encurralado dentro da casinha também. Eles, eles intoxicaram a cabana de spray de pimenta e mandaram a gente ficar lá. Isso foi no

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final! A gente ficava lá... Aí eles... e conforme eles iam saindo, eles davam as lanternadinha na lona, aí a gente pensava que eles tava ali, mas aquela lanterna vai longe mesmo. Eles tava indo embora naquela hora daí, eles davam as lanternada pra a gente não sair da casa. E depois de uma hora a gente saiu, eles não tava mais ali. Isso, mais bem no final, no final. Tá ligado?

Foram ouvidos também relatos de invasão da casa de uma moradora. Ao que parece, foram ações paralelas, pois havia um grande número de policiais no local e não se conseguiu precisar o horário desse evento. Esta senhora relata que foi surpreendida com pancadas na porta enquanto estava dormindo. Ao abri-la, verificou que se tratava de três policiais, sendo que dois estavam armados. Mesmo sem mandado judicial, exigiram revistar sua residência. Tal ordem que foi prontamente atendida pela moradora pelo temor de contrariar os policiais. O depoimento na íntegra está em anexo. O horário, horário nem sabia, pois eu estava sem hora, mas nós estávamos todos dormindo, eu, ele e a minha guriazinha, daí nós estávamos dormindo e eu me acordei com aquela batida na porta, “bum, bum, bum” é a polícia, daí eu levantei, olhei assim pelo buraco, tinha três brigadianos na porta, daí eles disseram senhora não se assusta é uma revisão, eles disseram, nós temos revirando tudo, aí eu disse não tem problema pode entrar, abri a porta tudo, aí tinha dois cada um com uma escopeta e um com um pedaço de pau, um pau grosso assim de eucalipto, daí eu olhei assim, daí meu familiar levantou, sentou na beira da cama, daí eles entraram pra dentro e disseram que queriam revirar, se podiam, eu disse não, pode revirar, vocês estão achando que eu estou escondendo alguma coisa, eu não escondo nada. Daí eles pegaram mandaram ele levantar os colchão pra cima assim e um com a arma nas costas dele, mandando ele levantar, daí ele levantou tudo, eles olharam, daí perguntaram ali, ali, ali embaixo da cama, arreda tudo aquilo ali, arreda, daí ele pegou e arredou tudo assim, eles levantaram a cortina do meu roupeirinho, abriram o roupeiro da guria, olharam por dentro tudo.

Além dessas situações, constatou-se a depredação pelos policiais do automóvel de uma das lideranças da comunidade. O automóvel foi fortemente danificado em seu interior, riscada a lataria, furados os pneus, conforme fotos e documentos testemunhais. Segundo uma das vítimas, os policiais militares perguntavam sistematicamente de quem era o carro: Não, mais era bater e... Não sei, parece que as terra era deles! Porque ... todo momento batendo não perguntava nem da onde que a gente vinha o que a gente tava fazendo! Queria saber o dono do carro e queria bater em nós, é isso.

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Conforme a testemunha 2, “estragaram a caminhonete da testemunha 1, furaram os cinco pneus, arriaram os bancos, derramaram esmalte dentro da caminhonete, escreveram barbaridades na volta da caminhonete, riscaram toda a caminhonete". O carro era da testemunha 1, liderança do Fórum de Ocupações Urbanas, que estava ajudando a ocupação e deixou seu carro no local, conforme seu depoimento: Sou proprietário da Caminhonete que foi lá barbarizada. Eu sinceramente, não estava no momento. Eu sou um líder comunitário. Sou líder do Foro das Ocupações, então meu papel dentro das comunidades é ajudar a organizar da qual eu fui chamado nesta mais nova ocupação e lá eu deixei então, quando eu estava trabalhando lá, colocando luz, enfim organizando a ocupação, aí quando fui me retirar da ocupação, na parte da tarde, a minha caminhonete faltou gasolina, então deixei na frente da associação e para minha surpresa, às 5h da manhã, quando me ligaram para mim subir lá, que a caminhonete estava naquela depredada. Aí prontamente levantei, subi até lá e encontrei a caminhonete naquela situação.

Nos depoimentos também foi relatado que a comunidade ficou sob cerco policial. As pessoas que chegavam em direção a sua casa recebiam a informação da polícia de que havia pessoas mortas e que ninguém iria entrar até o final da operação, conforme o seguinte depoimento: Isso, que tinha quatro mortos lá dentro e a comunidade não entrava e não saía, só depois das quatro horas. Eu cheguei lá, fiquei apavorado, sinceramente fiquei apavorado, meu Deus o que sobra pra gente que não tem moradia ali dentro.

Registramos, por fim, que um cavalo ficou machucado, pois foi agredido com o galho de eucaliptos, conforme registro fotográfico e observação feita in loco pelos vereadores Professor Alex Fraga e Fernanda Melchionna.

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IV.

FATOS POSTERIORES

Os moradores da área relataram a dificuldade de registro das denúncias. Ao chegarem na 22ª Delegacia de Polícia, os agentes que lá se encontravam não quiseram fazer o encaminhamento para a realização de exame de corpo de delito, conforme ilustrado no seguinte depoimento: “Eles me disseram que primeiro teríamos que levar o pessoal na corregedoria exatamente para daí lá ser encaminhado para corpo de delito, mas depois retornando lá para pegar uma liberação para resolver isto daí, fizeram lá”.

A Comissão registra que vereadores contataram autoridades da segurança pública questionando sobre esta ilegalidade, uma vez que a Corregedoria é órgão de correição da Brigada Militar, mas qualquer vítima de agressão deve ser imediatamente encaminhada para fazer o exame de corpo de delito.

Após todos estes acontecimentos, mais um fato gravíssimo ocorreu. Na noite do dia 20 de fevereiro, enquanto era realizado o exame de corpo de delito, havendo acompanhamento de advogados, lideranças da ocupação e da vereadora Fernanda Melchionna, o jovem recebeu uma ligação na qual uma voz masculina perguntava se ainda estavam na ocupação. O menino acuado passou o telefone para o líder comunitário identificado como testemunha 3, que respondeu na mesma hora que estavam no Palácio da Polícia, ao que a ligação foi desligada pelo ameaçador.

O advogado do grupo ligou para o número que ficou registrado no celular do jovem que foi atendido pela 4ª Companhia do Batalhão de Operações Especiais. Com as investidas do advogado, o autor da ligação se identificou como soldado Alex Camargo. Além da vereadora Fernanda, o líder comunitário testemunha 3 em seu depoimento registrou o fato:

Então existe uma preocupação muito grande com este menino e o dia que a gente levou este menino para fazer o exame corpo de delito a gente acompanhou ele na delegacia depois encaminharam nós para o exame de corpo e delito, ele saiu de dentro da sala apavorado, dizendo que o brigadiano estava ligando para ele a gente até ali não sabia, então o brigadiano ele marcou o número do telefone dele do brigadiano, no telefone do menino, no telefone da mãe e disse que se eles não atendessem eles iam morrer, isso o menino falou para nós assim como a mãe,

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logo depois tocou o telefone de novo porque ele não tinha atendido, e aí eu atendi o telefone, atendi e disse alô aí ele disse: ‘E aí ferrugem, tu tá ainda aí?’ Eu disse, respondi tentando, tentando trazer eu disse ‘Tá aí aonde?’ Aí ele insistiu: ‘Tá aí ainda’, daí eu disse ‘Eu tô fazendo exame de corpo e delito’, ele desligou o telefone, aí o telefone foi passado para o doutor Onir, para a Fernanda, a Claudia as pessoas todas ouviram e ligaram para o 4º BPM como foi relatado, 4º poe, e lá o soldado se identificou, uma pessoa atendeu antes e passou Dr. Onir insistiu que havia saído uma ligação daquele número e queria falar com o soldado, a pessoa que tinha falado o soldado este atendeu Camargo e aí a gente descobriu que realmente estava vindo de dentro do policiamento, do operações especiais e o cara disse que o telefone tava gravado no telefone do menino porque o menino e a mãe tinham pedido para deixar o número por que se acontecesse alguma coisa pra eles ligarem pro número, quer dizer uma coisa sem sentido.

Este fato mostra a gravidade da situação e o iminente risco que passa a comunidade, uma vez que além de terem sido vítimas de tortura e agressões, ainda seguem recebendo ligações intimidatórias oriundas de telefones de um agente público de segurança.

Cabe ainda registrar mais um importante relato da testemunha 3, também líder do Fórum de Ocupações Urbanas da Região Metropolitana de Porto Alegre que, ao ser questionado sobre a ação da polícia em outras ocupações da região, relatou: "(...) Fazia duas semanas que todos os dias a Brigada estava entrando na ocupação, na Império e pegando quem estivesse na rua, depois das dez e meia, como se fosse toque de recolher, quem estivesse na rua a polícia estava pegando e batendo. Fazia duas semanas já que estava acontecendo isto e um dia antes do acontecido na Bela Vista, a Brigada entrou na Marcus Klasmann, fazendo uma ronda na Marcus Klasmann e também no dia aconteceu de fazer uma ronda na Dois Irmãos, então a Brigada iniciou um movimento articulado. Acabou acontecendo esta primeira ação mais forte dentro da Bela Vista, mas que já havia acontecido na Império fazia duas semanas, só que eles não estavam relatando porque eles tem medo, inclusive o menino que falou comigo ele disse que tentou fazer a denúncia dentro da delegacia e eles debocharam da cara deles"

Dessa forma, deve-se aventar a hipótese de ação articulada de intimidação das pessoas que integram ocupações urbanas como parte de uma luta legítima do direito constitucional de moradia digna. 12


V.

RECOMENDAÇÕES

À SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO GRANDE DO SUL

1. Identificação dos policiais envolvidos nas torturas e do comandante da ação e suas devidas punições. 2. Garantia de proteção ao adolescente e sua família que além de agredido foi ameaçado também por ligação telefônica durante o registro de violência policial. 3. Que todos os policiais estejam devidamente identificados em local visível. 4. Que a Brigada Militar instale equipamento de GPS em todas suas viaturas. 5. Que a Brigada Militar faça filmagens de todas as ações e abordagens policiais. 6. Que cumpra os preceitos constitucionais proibindo que integrantes da corporação entrem na casa das pessoas sem o devido mandado judicial. 7. Que a polícia crie sistema de registros de todas as atividades que utilizem o uso da força e publiquem relatórios permanentes sobre o tema.

AO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

1.

Que o Estado do Rio Grande do Sul crie o Conselho Estadual de Segurança Pública para discutir com os órgãos da sociedade civil as políticas públicas de segurança.

2.

Que o Sr. Governador determine que o Comandante da Brigada Militar adote as medidas necessárias e urgentes para que os policiais militares atuem, em qualquer circunstância de policiamento ostensivo com clara e visível identificação de seu nome e patente.

3.

Que o Sr. Governador crie uma carreira de Corregedoria externa, autônoma e independente que unifique as correições da Brigada Militar, Polícia Civil e SUSEPE com cargos preenchidos mediante concurso público. 13


AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL

1. Que o Órgão Ministerial exerça a responsabilidade do controle externo da atividade policial, publicando na Internet seus relatórios e dando conta das providências que tem tomado e/ou sugerido para que a violência policial e o abuso de autoridade não sigam sendo rotina.

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VI.

ANEXOS

Anexo I – Imagens da comunidade NOVA BELA VISTA (Fotos: Carlos Latuff) Depredação no interior do veículo da testemunha 1.

Bancos do veículo perfurados, segundo moradores, a faca.

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Aparelho de TV da associação de moradores destruído pelos agressores.

Cruz pichada pelos agressores na sede da associação de moradores.

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Sigla não identificada pichada pelos agressores na parede da sede da associação de moradores.

Frase "não voltem" pichada pelos agressores no interior da sede da associação de moradores.

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Pedaço de pau usado pelos agressores.

Cavalo de propriedade de um morador com ferimento no dorso produzido pelos agressores.

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Gaiolas de passarinho de propriedade de um morador destruĂ­das pelos agressores.

VeĂ­culo pertencente a testemunha 1 teve riscado em sua lataria a palavra "puto".

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Anexo II - DEGRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS

VEREADORA FERNANDA MELCHIONNA: No dia 24.02.2015, realizou-se a coleta de depoimentos com a presença do Vereador Alberto Kopittke vice presidente, Vereador Paulinho Motorista, Vereador Alex Fraga e essa Vereadora presidente, para colher o depoimento das lideranças que presenciaram verdadeiras barbáries na comunidade Nova Bela Vista, fato ocorrido no dia 20 de fevereiro do corrente ano, quando na madrugada deste dia, policiais militares fardados entraram na comunidade protagonizando cenas de tortura, de violência, de depredação dos bens, de agressão, com jovens, adolescentes e que nós tomamos conhecimento no mesmo dia, naquele momento, entramos em contato com o Secretário de Justiça e Direitos Humanos, notificando o caso, uma vez que só poderíamos coletar os depoimentos hoje. Vereador Alberto, entrou em contato com o Comandante de Policiamento da Capital e acompanhamos também os registros depois de muitas dificuldades da comunidade em garantir o direito constitucional, que é o direito de denúncia, na 22ª delegacia a comunidade teve o direito de denúncia proibido no primeiro momento, não quiseram encaminhar para o exame de corpo de delito, que é um direito e depois de muita luta da comunidade, o advogado com intervenção nossa, este direito foi garantido. Bom, feito este registro, nós também gostaríamos de registrar outro caso muito grave que aconteceu no dia da violência, no próprio dia 20.02.15, à noite quando já nos últimos exames do corpo de delito um dos adolescentes, um dos menores agredidos por estes policiais militares, recebeu uma ligação intimidatória e que esta vereadora é testemunha. Nós estávamos todos no Palácio de Polícia e depois do adolescente fazer o exame de corpo de delito o telefone do mesmo tocou e ele tentou identificar a pessoa que falava do outro lado, que depois nós conseguimos identificar. Naquele momento o menino não sabia quem era a pessoa, esta tentou intimidar o jovem que prontamente passou o telefone para a liderança que o acompanhava, e este disse ao telefone o que nós estávamos fazendo e após ouvir o que estávamos fazendo, desligou o telefone. O advogado dos denunciantes retornou a ligação no mesmo momento, essa vereadora acompanhou todo o tempo e o telefone que ligou para intimidar o menino era de dentro da 4ª Companhia de Batalhão Especial, em que o soldado Alex Camargo se identificou como o autor da chamada intimidatória e de ameaça ao menino, ou seja, um funcionário público, dentro de um espaço público, usando recursos públicos, para intimidar e ameaçar um menor de idade envolvido em caso de tortura e de violência policial muito grave. Então já deixamos este registro que é um depoimento pessoal e também uma forma de 20


testemunhar este caso da vereadora e prontamente nós vamos ouvir o relato do líder comunitário que teve o carro e os bens quebrados, sobre os fatos que presenciou naquele dia, este é o primeiro de vários depoimentos que nós vamos coletar pela Comissão dos Direitos Humanos para fazer um relatório e entregar nos órgãos competentes.

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Primeiro Depoimento

Testemunha 1: Bom, sou proprietário da Caminhonete que na ocupação Mais Bela Vista foi barbarizada. Eu sinceramente, não estava no momento. Eu sou um líder comunitário. Sou líder do Foro das Ocupações, então meu papel dentro das comunidades é ajudar a organizar as ocupações. Quando eu estava trabalhando lá, colocando luz, enfim organizando a ocupação, quando fui me retirar, na parte da tarde, a minha caminhonete ficou sem gasolina, então a deixei na frente da associação e para minha surpresa, às 5h da manhã, me ligaram para eu ir lá, porque a caminhonete havia sido depredada. Aí prontamente levantei, fui até lá e encontrei a caminhonete naquela situação. O pessoal me falou que os guris estavam machucados. Pela manhã, levamos eles até a delegacia para registrar e enfim encontramos ela fechada, fomos em duas delegacias e encontramos as duas fechadas. Fomos na delegacia do Porto Seco e lá nos disseram que teríamos que ir na Corregedoria. Vereadora Fernanda: Eles não quiseram nem pegar seu depoimento? Testemunha 1: E, na verdade eles não queriam pegar o depoimento dos guris, mas aí chegou o escrivão e a Advogada Claudia, então eles registraram. Resolveram então registrar uma queixa da qual a gente tem o documento. Eu tive que assinar como representante por que estava lá e os guris já tinham ido embora. Os guris que estavam machucados já tinham ido embora. Aí eu assinei a ocorrência, mas eu hoje me sinto lesado e não sei por que estou sendo tão alvejado pela polícia, meu papel, como eu falei é ser um líder comunitário e não vou parar de ser. Esta comunidade me procurou para que eu fosse lá e os ajudasse, então eu tenho esta prática de ajudar o povo, esta boa vontade, me procuraram e eu lá estava marcando a ocupação Mais Bela Vista, enfim organizando, orientando o povo. Na comunidade, tem associação e um presidente que os auxilia, mas também fui chamado para ajudar no que fosse possível e para minha surpresa tomei este baita prejuízo e hoje me sinto amedrontado na verdade, por que não tenho mais a liberdade de trabalhar, de poder, de querer ajudar o povo, este é o meu papel de líder comunitário que sou, como ajudei outras comunidades até na Hípica, que é na Zona Sul e na Alvorada também enfim em outras comunidades, mas me sinto intimidado por que não posso nem de repente nem sair na rua, até para trabalhar, hoje até tenho medo por minha própria família, eu tenho medo mesmo, sinceramente, mas não vou parar, não vou parar, porque este é meu papel, eu sei fazer isto, sei trabalhar pelo pessoal e ajudar o povo então é o que eu quero continuar fazendo e espero que a justiça me dê esta liberdade. Eu não acredito que a nossa polícia, que a gente desembolsa 22


dinheiro para pagar e a própria Brigada queiram nos prejudicar assim. Eu ainda acredito numa justiça digna, numa Brigada que nos ajude enfim, eu espero que a justiça venha nos dar o apoio. Vereadora Fernanda: Testemunha 1, conte para nós como o senhor chegou lá para encontrar seu o carro, que situação estava a comunidade, como é que estava os relatos das pessoas que tinham sido agredidas o senhor foi assim que lhe ligaram às cinco da manhã, não foi? Testemunha 1: Exato. Vereadora Fernanda: Para avisar que tinham destruído seu carro? Testemunha 1: Exato. Vereadora Fernanda: Aí o senhor foi lá, na Mais Bela Vista. Testemunha 1: Exato, fui até lá na ocupação, chegando lá eu encontrei este povo amedrontado, os guris machucados como falei, muito amedrontado o povo, as mulheres, as mães, os parentes me falaram que estavam indo para a ocupação e a Brigada havia dito que eles não podiam entrar porque tinha quatro mortos lá dentro então só entravam depois das quatro. Isto foi o relato do povo lá, da população. A Brigada fechou em volta da ocupação e não deixava ninguém entrar, nem sair. Vereadora Fernanda: Entre uma hora e as quatro horas da manhã? Testemunha 1: É foi neste tempo. Vereadora Fernanda: Então o relato é que eles não deixavam as pessoas subirem? Testemunha 1: Eles não deixavam, isto é o que o povo falava. Vereadora Fernanda: Eles diziam para as pessoas que tinha gente morta e que não podiam andar pela comunidade? Testemunha 1: Isso, que tinha quatro mortos lá dentro e a comunidade não entrava e não saía, só depois das quatro horas. Eu cheguei lá, fiquei apavorado, sinceramente fiquei apavorado, meu Deus o que sobra pra gente que não tem moradia ali dentro, que tem este trabalho de ajudar este povo que é o meu caso, então será que vou ter que deixar, largar, parar de trabalhar, parar de ajudar este povo, não consigo, não me vejo assim. Então o povo estava bastante amedrontado, estavam assustados. Até uma senhora grávida que é moradora do local, estava psicologicamente abalada, até a barriga dela que está de cinco meses baixou. Vereadora Fernanda: Ela foi no hospital? Testemunha 1: Sim, chegou a ir ao hospital, até hoje passei lá e falei com ela ainda está bastante assustada, então a gente teme por este povo. 23


Vereadora Fernanda: Depois que o senhor chegou lá, vocês tentaram duas delegacias, e na do Porto Seco eles disseram que não iam encaminhar para o corpo de delito e deveria ir para a corregedoria, foi isso? Testemunha 1: Eles me disseram que primeiro teríamos que levar o pessoal na corregedoria para daí ser encaminhado para corpo de delito, mas depois fizeram. Vereadora Fernanda: Já com a presença dos advogados? Testemunha 1: Exatamente. Vereadora Fernanda: Depois do nosso contato com o secretário de justiça e direitos humanos? Testemunha 1: Exatamente depois de tudo isso aí foi até mais fácil, nos atenderam melhor. Vereadora Fernanda: Vereador Paulinho alguma pergunta? Vereador Paulinho: O senhor chegou a ver no momento, às cinco horas da manhã estes três jovens agredidos? Testemunha 1: Sim, eu falei com eles, fui eu que levei eles, eu e o presidente da comunidade que levamos eles para fazer a ocorrência. Até no momento eu liguei para o advogado, não consegui falar com ele, mas neste meio tempo até às sete horas da manhã, depois que a gente conseguiu falar com as autoridades, mas eu levei eles para fazer a ocorrência, por que era impossível deixar eles machucados na situação que eu os encontrei, estavam machucados e assustados, a mãe chorando. Foi cruel, a gente passou por esse horror lá, foi assustador e sem tirar que o que está escrito na parede “Não volte”, aquela cruz, aquele emblema lá que não sei o que é aquilo. Tem fotos para comprovar. Vereador Alberto: O senhor tem notícias de outras ações, ouviu falar lá que neste período, de outras ações da Brigada recentemente em relação às invasões? Testemunha 1: Não. Vereador Alberto: De madrugada assim? Testemunha 1: Não tenho, sinceramente não tenho, fiquei abismado, apavorado, de isso ter acontecido e me encontro ainda apavorado. Porque que eu sou tão visado para eles? Porque? Isto é o que eu queria saber e gostaria que eles me falassem. Eu não sou criminoso, não devo nada pra justiça, nada, sou um trabalhador, um profissional. Vereador Alberto: Depois disto o senhor teve algum contato por parte da polícia, alguma coisa? Vereadora Fernanda: Os depoimentos, eles chamaram, intimaram para prestar depoimento? O que aconteceu depois? 24


Testemunha 1: Eles me ligaram, a delegacia me ligou para que eu fosse lá dar o depoimento, aí onde foi a Advogada Claudia comigo chegamos lá na 12ª e daí eles nos mandaram para a 18ª. Hoje chegou a intimação para mim na comunidade, para voltar lá e dar o meu depoimento, enfim. Estou pronto para dar meu depoimento. Vereadora Fernanda: Mais alguma coisa Testemunha 1, que o senhor acha importante? Testemunha 1: O que eu acho importante que eu queria ter paz. Queria trabalhar em paz. Eu me sinto amedrontado na verdade, peço que a justiça até sei lá, a gente pedir segurança, a gente teme a Brigada a gente teme a polícia, onde é que nós vamos encontrar segurança? Onde é que eu vou ver a minha família segura? Como é que eu vou sair para trabalhar? Se eu não devo nada, o que eles querem comigo? Eu que sou um líder comunitário, como está aqui se quiserem filmar, este é o meu trabalho, meu trabalho é organizar as ocupações. O pessoal me chama, eu faço este tipo de trabalho e me retiro sem nenhum vínculo lucrativo, meu vínculo é ver a comunidade colocada, organizada. Vereadora Fernanda: Obrigada Testemunha 1.

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Segundo depoimento

Testemunha 2: Somos 63 moradores e aí como não tinha ninguém para auxiliar eles eu auxiliei e na noite de quinta para sexta feira, por volta das onze horas, meia noite mais ou menos, entrou uma turma de brigadianos em torno de uns vinte brigadianos fazendo barbaridades em tudo, baixando o pau em todo mundo. Pegaram três rapazes e deram um pau neles com um pau de eucalipto. Quebraram a camionete todinha da testemunha 1, rasgaram os bancos, quebraram, furaram os pneus tudo. Pegaram uma criança, um guri de menor de quatorze pra quinze anos, deram um pau nele. Então é isso aí que eu sei, e agora estamos correndo pra polícia registrando parte, fazendo exame de corpo de delito. Vereadora Fernanda: Que horas lhe chamaram, Testemunha 2? No outro dia, telefonaram lá da ocupação? Testemunha 2: Não ligaram não, eu estava lá, estava lá dormindo, só que eu não cheguei a ver, depois de mais ou menos meia hora do acontecido me chamaram, para me relatarem. Que estragaram a caminhonete da testemunha 1, furaram os cinco pneus, arriaram os bancos, derramaram esmalte dentro da caminhonete, escreveram barbaridades na volta da caminhonete, riscaram toda a caminhonete. E também que, segundo no relato dos guri, a polícia disse para eles que iam botar um em cima do outro para matar eles, com um tiro só. Isso foi uma barbaridade total. Vereadora Fernanda: Em caso de denúncia ou por causa da ocupação, eles fizeram alguma ameaça? Testemunha 2: Não, não fizeram denúncia nenhuma, simplesmente chegaram e começaram a quebrar tudo. Vereadora Fernanda: Sim, mas ameaçaram de morte se eles denunciassem? Testemunha 2: Sim. Vereadora Fernanda: Se eles tornassem público? Testemunha 2: Sim, principalmente o menor, foi falado com o menor e pra mãe do menor. Vereadora Fernanda: A associação como é que ficou Testemunha 2? Testemunha 2: Estou dando uma orientação para eles. Vereadora Fernanda: A associação ficou toda pichada, quebrada também? Testemunha 2: Está toda pichada, está escrito lá não volte, e botaram um símbolo lá de dr. Quebraram uma televisão, uma televisão grande desta de plasma, quebraram um som grande, quebraram o som da caminhonete da testemunha 2, fizeram uma destruição total. 26


Terceiro depoimento

Vereadora Fernanda: Agora ouviremos o relato de quem acompanhou todo o encaminhamento nas delegacias, exame de corpo e delito. Presenciando também a ameaça que sofreu o menor, vinda do interior da 4ª companhia de batalhão especial e também esta situação de violência e perseguição na comunidade, Testemunha 3, por favor. Testemunha 3: Bom neste dia, eu recebi uma ligação de uma pessoa ligada à testemunha 1, só que eu estava sem telefone, vi depois e retornei a ligação. Cheguei lá acho que era onze e meia, meio dia mais ou menos neste horário, então isto que a testemunha 1 relatou a gente vivenciou lá. O carro destruído. A pichação na sede da associação. As pessoas que apanharam da polícia, três guris, isto tem foto que mostra. Então houve na verdade um terrorismo muito grande. A Brigada foi lá em torno de 20, 25 homens, deixaram os carros atrás da ocupação e entraram já atirando, pegaram os guris, bateram com pau, colocaram saco na cabeça, ameaçaram, invadiram as casas, pegaram um menor, que inclusive este menor, agora está recolhido, por que existe uma grande ameaça desse guri de ser morto porque já teve um irmão morto há dois anos atrás e coincidentemente pelo que a mãe fala, os brigadianos que mataram o irmão do menino há dois anos atrás, são os mesmos que estavam lá na ocupação. Então existe uma preocupação muito grande com este menino e o dia que a gente levou este menino para fazer o exame de corpo de delito a gente acompanhou ele na delegacia e depois encaminharam para o exame de corpo e delito. Ele saiu de dentro da sala apavorado, dizendo que o brigadiano estava ligando para ele a gente até ali não sabia, o brigadiano marcou o número dele no telefone do menino e no telefone da mãe e disse que se eles não atendessem eles iam morrer. Isso o menino falou para nós assim como a mãe. Logo depois tocou novamente o telefone porque ele não tinha atendido, e aí eu atendi o telefone. Atendi e disse alô, aí ele disse: E aí ferrugem tu tá ainda aí? Eu disse: tá aí aonde? Aí ele insistiu: tá aí ainda? Daí eu disse: eu estou fazendo exame de corpo e delito, ele desligou o telefone. Em seguida o telefone foi passado para o Advogado Onir, e o mesmo ligou para o número que havia ligado e deu na 4º BPM como foi relatado, o BOE, e uma pessoa atendeu o Advogado Onir insistiu que havia saído uma ligação daquele número e queria falar com a pessoa que tinha feito a ligação. O soldado Camargo se identificou e aí a gente descobriu que realmente estava vindo de dentro do policiamento, do operações especiais. O soldado disse que o telefone estava gravado no telefone do menino porque o menino e a mãe tinham pedido para deixar o número por 27


que se acontecesse alguma coisa pra eles ligarem para o número. Quer dizer uma coisa sem sentido. Teve mais pessoas que presenciaram esta ligação. Então a gente acompanhou tudo e o pavor está muito grande. Aquele dia a gente acabou levando o menino para uma outra ocupação e depois foi retirado de lá. Agora está em outro lugar, por que este menino a gente tem muito medo, esta ligação está muito estreita entre a morte do irmão há dois anos atrás e a coincidência de ser o mesmo batalhão e a coincidência de ser o mesmo delegado. Então este menino está correndo risco de vida realmente e mais estes três meninos não querem sair da ocupação, porque estão com muito medo de sair lá de dentro, lá dentro estão se sentindo acolhidos e tem medo de sair pra fora. Existe muito medo, medo por parte das pessoas em relação a Brigada, como disse a testemunha 1, quem é pra cuidar, tá cuidando pra bater. Vereadora Fernanda: Testemunha 3, nos conte com a tua experiência acompanhando bastante o Foro de Ocupações Urbanas, e a luta pela moradia em Porto Alegre, se houve, fora caso de reintegração de posse que nós temos relato, como o caso da Dois Irmãos, que chegou até a câmara, e que nós seguimos denunciando casos de reintegração de posses de áreas que não estão previstas com uma mega operação policial, se houve em outras comunidades atividades ilegais ou clandestinas ou de ameaças aos moradores destas ocupações para que saiam, por integrantes da polícia ou por outras pessoas, recados anônimos coisas que configurem essa perseguição assim sistemática. Testemunha 3: No dia do acontecido lá na Bela Vista, a gente estava na delegacia, na frente tem uma ocupação a Império, e o filho da liderança veio falar conosco e inclusive o Vereador Kopittke, eu comentei com ele, ele estava lá, fazia duas semanas que todos os dias a Brigada estava entrando na ocupação, na Império e pegando quem estivesse na rua, depois das dez e meia, como se fosse toque de recolher, quem estivesse na rua a polícia estava pegando e batendo. Fazia duas semanas já que estava acontecendo isto e um dia antes do acontecido na Bela Vista, a Brigada entrou na Marcus Klasmann, fazendo uma ronda na Marcus Klasmann e também no dia aconteceu de fazer uma ronda na Dois Irmãos, então a Brigada iniciou um movimento articulado. Acabou acontecendo esta primeira ação mais forte dentro da Bela Vista, mas que já havia acontecido na Império fazia duas semanas, só que eles não estavam relatando porque eles tem medo, inclusive o menino que falou comigo ele disse que tentou fazer a denúncia dentro da delegacia e eles debocharam da cara deles. Vereadora Fernanda: Qual delegacia? Testemunha 3: Ali na 22ª, tentaram fazer uma primeira vez e o deboche não avançou, inclusive além da gurizada ser humilhada eles botam medo e aí debocham, então por isso 28


não houve uma denúncia mais formal. Até inclusive a gente queria que depois eles fizessem este relato por que lá também está acontecendo essa coisarada toda já fazia duas semanas, mas não tão forte como aconteceu na Bela Vista. Lá eles estão pegando isoladamente um, dois ou três e batendo mas não fizeram como na Bela Vista de pegar um grupo e invadir as casas e tirar as pessoas para fora das casas. Vereadora Fernanda: Alguma pergunta vereador Alberto, Paulinho, Alex. Obrigado, Testemunha 3.

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Quarto depoimento

Depoimento da testemunha 4 que também acompanhou no dia 20 a Nova Bela Vista, sobre os relatos dos acontecimentos no dia 20 de fevereiro. Testemunha 4: Bom, eu cheguei na ocupação Mais Bela Vista por volta das dez e meia da manhã, eu fui informada do ocorrido por uma moradora da ocupação, nem foi pelos líderes, uma das meninas que é ocupante lá e entrou em contato com um outro amigo meu e depois para mim, me avisou e em seguida ela passou o telefone para a testemunha 1 e eu fiquei sabendo que era uma ocupação da qual eu tinha conhecimento, que conhecia. Imediatamente me desloquei para lá e quando cheguei encontrei uma cena das pessoas muito apavoradas, o carro ainda estava intacto, no mesmo lugar, do jeito que os brigadianos tinham deixado e as pessoas muito inseguras e nervosas. Os meninos que tinham sido violentados não estavam na ocupação naquele momento, tinham saído para prestar depoimento na delegacia. Cerca de uns 40 minutos depois eles retornam da delegacia relatando a dificuldade de conseguir registrar o boletim de ocorrência, visto que eles chegaram na delegacia e eles não quiseram registrar o boletim de ocorrência. Por uma articulação do advogado que acompanhava naquele momento, ligando para a delegacia conseguiu que o rapaz fizesse o boletim de ocorrência, no entanto ele não encaminhou imediatamente para o corpo de delito como deveria ter sido feito naquele momento, isto nos causou certo constrangimento, visto que a violência veio, pelos relatos das pessoas da própria polícia militar. O relato que recebi lá foi de que eles chegaram por volta de umas onze e meia, logo após a novela. Os moradores estavam jogando baralho na frente da associação de moradores, um deles estava dormindo num barraco, o menor que também foi agredido estava dormindo em outro barraco e os demais jogando baralho. Assim que a polícia chegou, cercou a ocupação, então deixou todas aquelas pessoas que estavam lá em cárcere privado, durante um bom tempo, impedindo de entrar e sair e arrastaram os dois meninos que estavam jogando baralho para dentro do barraco onde dormia o outro menino e imediatamente começaram a chuta-lo. Entraram no barraco da mãe do menor, onde estava ela, o menor e mais um filho menor e ele por levantar as mãos no momento que o policial chegou foi o escolhido, digamos assim para se juntar aos demais três e seguir sendo torturado. Eles foram levados para um outro barraco e ficaram lá por algumas horas sendo torturados. Os atos foi de pancadas com paus, sacos plásticos na cabeça sendo asfixiados, puxões de cabelo para propiciar que o spray de pimenta pegasse nos olhos. Situações assim bem constrangedoras. Quando cheguei lá e vi a situação dos meninos imediatamente, pois eles levantaram a camisa e a gente pode 30


ver claramente as lesões corporais que tinham no corpo destes meninos, a primeira atitude que nós tivemos foi imediatamente comunicar a imprensa e tentar dar uma repercussão maior possível para o caso, visto a possibilidade do retorno destes policiais até lá e tendo esta divulgação talvez poderíamos ajudar a protege-los. Como a imprensa estava dizendo que estava chegando ali, nós esperamos mais cerca de duas horas até conseguir que o primeiro veículo chegasse para depois retornar a delegacia. Foi quando o Vereador Kopittke, entrou em contato comigo e eu conversei com ele sobre a questão do impedimento de registrar a ocorrência e a necessidade da gente encaminhar para o corpo de delito. O Vereador também se disponibilizou, esteve na delegacia e através da articulação dele e de mais pessoas, nós conseguimos que fosse encaminhado para o corpo de delito. A partir daí fomos lá fazer o corpo de delito. Eu subi primeiro com as três vítimas que são de maior, fizeram o corpo de delito e saíram imediatamente. A testemunha 3, que havia ficado encarregado de levar o menor para prestar depoimento no deca, onde também foram encaminhados para o corpo de delito, eles chegaram no Palácio da polícia e imediatamente começou o corpo de delito do menino, e eu presenciei o momento em que tocou o telefone do menino e ele efetivamente ficou transtornado com aquele telefone tocando na mão dele e eu fui a pessoa que tirou o telefone da mão dele. Perguntei se era um amigo, ele disse que não, que eram eles e que no momento da tortura eles teriam pego o telefone dele e o da mãe e anotado o número do telefone e feito então esta ameaça de que se eles ligassem e não fosse atendido o telefone eles voltariam para mata-los. Eu gostaria de salientar também o relato da mãe, que tem um caso de um outro filho que há dois anos atrás, sofreu o mesmo tipo de violência, denunciou o ocorrido, denunciou a violência policial contra ele e que depois foi morto na Vila Dique. A Vila Dique é uma comunidade que eu acompanho há algum tempo já e eu sei que esses casos, são casos recorrentes e provavelmente é a mesma corporação, o mesmo grupo de policiais, o grupo que sistematicamente tem violentado, torturado e assassinado jovens nas periferias urbanas de Porto Alegre. Vereadora Fernanda: Que tipo de ameaças eles te relataram, que os policiais falavam enquanto agrediam? Testemunha 4: Eles falaram que procuravam armas, mas não citavam nome de ninguém, a não ser o do menor que chamavam de ferruginha, mas não conheciam, não falavam os nomes das vítimas e no mais palavras ameaçadoras. Vereadora Fernanda: No sentido de não voltarem, de irem embora de largarem a ocupação? Coisas deste tipo eles relataram também? 31


Testemunha 4: Sim, relataram também. E acho que conforme for no momento do trauma é muito comum que as pessoas esqueçam o que acontece por um lapso de tempo, inclusive o menor teve dificuldades de fazer este relato no primeiro momento. Ontem conseguimos a visita de uma psicóloga, então ele conseguiu se abrir ou pouco mais sobre o que estava acontecendo. Este menor efetivamente pelo caso do irmão, ter sido morto, ele é uma vítima hoje. Há uma ameaça e nós estamos todos muito preocupados com a situação desse menino tentando inclusive que seja efetivada a inclusão imediata dele no programa de proteção a testemunhas.

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Quinto Depoimento

Vereadora Fernanda: Pode nos contar como é que foi esta questão da polícia na tua casa, era noite do dia 20 de fevereiro, que horas era? O que estava fazendo? Testemunha 5: O horário não sei, pois eu estava sem hora, mas nós estávamos todos dormindo, eu, e minha família. Daí nós estávamos dormindo e eu me acordei com aquela batida na porta, bum, bum, bum é a polícia! Daí eu levantei, olhei assim pelo buraco, tinha três brigadianos na porta, daí eles disseram: Senhora não se assusta é uma revisão, eles disseram, nós temos revirando tudo. Aí eu disse, não tem problema pode entrar. Abri a porta tudo, aí tinha dois cada um com uma escopeta e um com um pedaço de pau, um pau grosso assim de eucalipto, daí eu olhei assim, meu familiar levantou, sentou na beira da cama, daí eles entraram pra dentro e disseram que queriam revirar, se podiam, Eu disse pode revirar, vocês estão achando que eu estou escondendo alguma coisa? Eu não escondo nada. Daí eles pegaram mandaram levantar o colchão pra cima e um com a arma nas costas do meu familiar, mandando levantar, daí levantou tudo, eles olharam, daí perguntaram ali, ali, ali embaixo da cama, arreda tudo aquilo ali, arreda, daí pegou e arredou tudo assim, eles levantaram a cortina do meu ropeirinho, abriram o roupeiro da guria, olharam por dentro tudo. Vereadora Fernanda: Eles disseram o que estavam procurando? Aliás eles estavam sem mandado, importante registrar no relatório. Testemunha 5: É eles não tinham mandado, não tinham papel nenhum, só entraram, entrando assim, como se entra em qualquer lugar, sem nada, Daí só que eles disseram que se nós não tínhamos escutado dado tiro aqui nos pátios, nós dissemos que não, não escutemos nada, desde o dia que a gente veio morar aqui a gente não escutou nada, é um silêncio, eu falei para eles. Daí eles, mas vocês dormem hein, ficarem dormindo desse jeito. Vocês têm que se cuidar, tem que se cuidar, se cuidar pra que, eu perguntei? E sabia que qualquer bala que der tiroteio aqui, qualquer bala que atravessa a parede, qualquer coisa vocês têm que se jogar no chão? Daí eu disse não, não deu nada, até agora não deu nada. Daí eles ficaram ali e perguntaram pro meu familiar se trabalhava. Daí eu disse, não está trabalhando no momento, trabalhava de reciclagem. Daí eu disse para ele que eu havia saído há pouco tempo do hospital, fiz uma cirurgia, fui operada. Daí abaixei a minha bermuda assim, mostrei pra eles, olha eu até mostro para o senhor minha cirurgia, se o senhor não acredita. Daí ele olhou minha cirurgia e disse assim: Levanta a roupa, nem mostra. Daí eu peguei levantei a roupa assim e daí ele olhou pro lado e viu a minha guriazinha, achou que a gente estava sozinha, aí olhou e disse bem assim: Ah, tem 33


uma guriazinha, quantos anos ela tem? Eu disse: ela tem nove anos. Daí ele bem assim: Ela deve estar bastante assustada, né? Daí eu disse assim, deve ser né. Porque ela estava com a coberta até o rostinho só com os olhinhos de fora. Daí eles pegaram disseram isso e saíram. Saíram pra rua e foram lá para os outros terrenos. Vereadora Fernanda: Eles entraram em outras casas? A senhora viu se eles chegaram a entrar em outras casas? Testemunha 5: Não, eu daquele jeito que eu tava amedrontada, tava com medo. Peguei fechei a porta e tranquei de novo. Tranquei e daí me deitei assim na cama, eu disse vamos deitar e fica quieto, não fala mais nada, que eles continuaram rondando em volta da casa de certo para escutar, vê se a gente ia falar alguma coisa, daí eu disse, fica quieto por que eles estão rondando ainda, eles foram lá para os outros terrenos. Daí peguei fechei a porta e fiquei quieta ali. Daí não vi mais nada. Daí eu peguei no sono e não vi mais nada. Daí só no outro dia que eu vi o tumulto. Daí eu vim e falei com o seu coisa aqui e daí eu disse para eles que eles haviam entrado lá, invadiram, foram bateram na porta tudo, perguntando um monte de coisa lá eu fiquei assustada, eu pensei pra que isto né, sem papel nenhum. Vereadora Fernanda: Eles chegaram a mandar vocês sair? Testemunha 5: Não. Vereadora Fernanda: Sair da ocupação? Testemunha 5: Não, não disseram. Vereadora Fernanda: Só revistaram. Testemunha 5: Só revistaram a casa. Vereadora Fernanda: E no outro dia, conversando com vizinhos, algum outro vizinho teve a casa revistada? Testemunha 5: Não, não vi, depois que eu fui ver que os guris tavam machucados, o carro quebrado tudo. Depois que eu fechei a porta, não vi mais nada. Fiquei com aquele medo de eles voltarem de novo, daí eu tranquei a porta de novo e não vi mais nada. Não abri. Poxa tu fica com aquele medo, porque eles podem voltar e te fazer algum mal, tinha minha família. Eu fiquei assim amedrontada, foi um horror. Tu está dormindo e bum, bum, bum na tua porta. Eu nunca tive isso na minha vida, primeira vez que eu passei por isto.

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Sexto depoimento

Vereadora Fernanda: Contar o que tu tava fazendo? Que horas eram? Testemunha 6: Estava sentado na área em torno da meia noite. Eu não lembro bem, depois da meia noite e dez, era mais ou menos esse horário. Meu marido no notebook e eu no celular. Ele me mostrando os vídeo, eu mostrando os vídeo pra ele. Nós postando foto das criança, coisa que eles tiram durante o dia. E daqui a pouco deu um barulho de tiro e alguém gritou: é polícia. Só que a gente achou que era frescura, assim, sabe? Quando eu olho pela claridade aqui da lâmpada eu disse: tão brigando dentro daquela casinha lá. E aí a gente olhou pra casa do lado aqui, cheia de brigadiano. Vereadora Fernanda: Que é a casa da associação? Testemunha 6: Essa casinha aqui, não sei se é casa da associação, mas é onde eles fazem as reuniões. Tava cheio, devia ter em média uns 10 brigadiano ali, mais caminhando e mais uns 5 ou 6 dando pau nos guri dentro do... porque com as lanterna tu vê a claridade na lona. Vereadora Fernanda: E estavam com rosto coberto? Com rosto descoberto? Testemunha 6: Não, tavam com rosto descoberto. Isso eu vi porque vieram por baixo da árvore e deu pra ver na claridade assim, só que é distante, né? Uma distância da janela pra ti vê. Vereadora Fernanda: E tu... Quando tu viu eles chegaram já batendo nos meninos? Testemunha 6: Já chegaram batendo, não deram ki-suco. Pra usar bem a palavra, não teve... Vereadora Fernanda: Conversa... Testemunha 6: Oi? Não teve nem um oi é: tu ta na frente, tu vai apanhar. Aí depois mandaram, dava pra ouvir direitinho porque eles não falavam baixo “deita um em cima do outro pra nós economizar bala”, “nós vamo botar fogo em vocês” e assim por diante. Vereadora Fernanda: O que mais tu lembra? Eles bateram, botaram um em cima do outro, vamo dá bala... Testemunha 6: Aí quando os guri começavam a gemer, eles iam lá e davam de paulada de novo. Aí eu acho que os guri desmaiavam porque ficavam quieto de novo. Aí por diante. Foi só judiaria, porque os guri nem gemer, gemia. Os guri urravam de dor. E o nervosismo todo é tu não poder sair e não poder fazer nada. Não poder fazer nada. Tu ta trancada ali. É a mesma coisa que ver um filho teu, porque a maioria ali ó, é tudo trabalhador. É tudo trabalhador. Se tem, não tem, é problema de cada um, mas pra que fazer isso? Pra que judiar de um bichinho que tava ali ó... [pausa para choro] Ah, olha, é 35


muito banditismo, muito banditismo. Eu com 33 anos nunca vi isso na minha vida. Nunca vi. Eu nĂŁo consigo sentar e comer um prato de comida mais. E vim fazer isso com as pessoa? Ai, que ĂŠ isso? Eu to precisando dizer que o mundo ta quase acabando mesmo...

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Sétimo depoimento

Vereadora Fernanda: Tu pode nos contar o que tu estava fazendo na noite do dia 20 de fevereiro? Testemunha 7: A gente tava aguardando chegar um lanche pra nós, que a gente fazendo a casa de um dos moradores daqui, né? A gente ficava, que tava desarmando tempo de chuva, então a gente tava esperando trazer a extensão pra a gente colocar uma lâmpada e telhar, pra a gente não ficar na chuva. No então, daí, do nada deu um tiro e no tiro a gente foi se recolher pra onde a gente tava lá fazendo a construção ali. Mas no chegar lá já tinha um pessoal ali já, daí mandou a gente colocar mão na cabeça... Vereadora Fernanda: O pessoal da polícia? Testemunha 7: Da polícia. Vereadora Fernanda: Vocês ouviram o tiro e foram pra casa que vocês estavam construindo? Testemunha 7: Que a gente tava construindo Vereadora Fernanda: Chegando lá já tinha... Testemunha 7: Já tinha gente lá Vereadora Fernanda: Da polícia? Testemunha 7: Da polícia exatamente. Vereadora Fernanda: Quantos eram? Testemunha 7: Ah, não deu pra identificar, mas tinha mais de 15 e 20, tinha. Tinha bastante gente. Vereadora Fernanda: Com a cabeça descoberta, com a cabeça coberta... Testemunha 7: Alguns sim alguns não. Só que n... pra identificar vai ser difícil, tava escuro, mas alguns estavam de toca ninja e outros não, outros tavam fardado e tudo. Vereadora Fernanda: Todos fardados? Os de toca ninja e sem toca ninja Testemunha 7: Colete e tudo. Vereadora Fernanda: E tinham mulheres junto? Testemunha 7: Tinha mulher também. Vereadora Fernanda: Aí vocês chegaram e aí eles falaram o que pra vocês? Testemunha 7: Mandaram a gente se ajoelhar e colocar a mão na cabeça... Vereadora Fernanda: Não pediram nem pra vocês se identificar? Testemunha 7: Nada, nada. Mandaram só a gente colocar a mão na cabeça e ajoelhamo, e nisso já começou a pancadaria e o spray de pimenta também. E o pau pegou. 37


Vereadora Fernanda: Começaram a bater em vocês? Testemunha 7: Começaram a bater... a todo momento. E deitado no chão, eles queriam saber o carro... de quem era o carro que tava aqui... Mas se é pro carro, nada a ver, entra carro e sai carro daqui toda a hora. E eu nem sabia que carro que é, que tava escuro, o carro tava pra cá e nós tava pra lá... “E qual carro?” Eu não sei de carro nenhum. E: “Ah, não sabe? Agora tu vai saber”. E queriam saber de quem era o carro. Todo o momento. Vereadora Fernanda: Aí vocês dizendo que não sabiam e eles seguiam batendo? Batendo com cassetete, com o que que eles batiam em vocês? Testemunha 7: Pedaço de eucalipto Vereadora Fernanda: Pedaço de eucalipto... Todo mundo no chão com a mão na cabeça e eles batendo em vocês Testemunha 7: Isso, batendo. Vereadora Fernanda: Batendo nas costas... Testemunha 7: Exatamente. Vereadora Fernanda: Vocês eram quantos? Testemunha 7:Tava em três Vereadora Fernanda: Três. E, bom, e depois do carro? Vocês não souberam identificar e eles seguiram batendo? Testemunha 7: Seguiram batendo Vereadora Fernanda: Tu chegou a desmaiar? Testemunha 7: Não, não cheguei a desmaiar Vereadora Fernanda: E que coisas que eles falavam pra vocês? Que coisas que eles falavam entre eles ou pra vocês, assim... Testemunha 7: Não, mais era bater e... não sei, parece que as terra era deles! Porque s... todo momento batendo não perguntava nem da onde que a gente vinha o que a gente tava fazendo! Queria saber o dono do carro e queria bater em nós, é isso. Vereadora Fernanda: Eles chegaram a falar pra vocês sair, ir embora daqui? Testemunha 7: Falou. Se que até 6 horas que se... eles iam voltar e que se a gente abrir o bico, eles iam voltar, pegar um por um. E que até 6 horas da tarde se a gente não desocupasse aqui, se tivesse aqui ainda, ia ficar fosco o negócio. Vereadora Fernanda: Eles disseram que iam matar vocês? Testemunha 7: Isso. Disseram que ia matar nós. Vereadora Fernanda: E disseram que iam matar se vocês denunciassem? Testemunha 7: Exatamente. Vereadora Fernanda: E disseram que era pra ir embora senão matava também? 38


Testemunha 7: Também. Vereadora Fernanda: E... Falaram alguma coisa sobre da área assim? Só isso, pra sair? Testemunha 7: Pra sair. Não. Vereadora Fernanda: Não falaram que era de amigo, nada? Testemunha 7: Não. Não. Só disseram que era... que era pra sair daqui. Vereadora Fernanda: E aí foram quantas horas tu acha, quanto tempo Testemunha 7: Ah, mas olha, eu não vou te dizer. Apanhamo uma hora e meia, mais no intervalo que a gente ficou deitado, umas duas horas. Vereadora Fernanda: Ficaram deitados no chão? Ele botou vocês deitados no chão depois? Testemunha 7: Ficamo deitado. A gente ficou encurralado dentro da casinha também. Eles, eles intoxicaram a cabana de spray de pimenta e mandaram a gente ficar lá. Isso foi no final! A gente ficava lá... Aí eles... e conforme eles iam saindo, eles davam as lanternadinha na lona, aí a gente pensava que eles tava ali, mas aquela lanterna vai longe mesmo. Eles tava indo embora naquela hora daí, eles davam as lanternada pra a gente não sair da casa. E depois de umas hora a gente saiu, eles não tava mais ali. Isso, mais bem no final, no final. Tá ligado? Vereadora Fernanda: Então primeiro botou vocês ajoelhado e bateu com o eucalipto... Testemunha 7: Bateu com o eucalipto. E chute e botava nós um em cima do outro, disse que ia dar um tiro só pra não gastar bala, que nós não merecia bala. E... Sanduíche, um em cima do outro e ia dali... E os saco na cabeça do pessoal. Vereadora Fernanda: Botou saco na cabeça de algum dos... E aí no final, depois que botou sanduíche, botou de joelhos, bateram, ameaçaram e no final mandaram entrar na casa e encheram de gás de pimenta. Testemunha 7: Exatamente. Vereadora Fernanda: Que ficou lacrimejando os olhos de vocês. Testemunha 7: Exatamente. Vereadora Fernanda: Que passou mal, faltou ar. Testemunha 7: Bá, ta louco! Muito horrível. Horrível. Todo mundo. Vereadora Fernanda: E aí estavam indo embora. Isso foi para eles irem embora. E aí, tu te lembra se eles se tratavam com algum nome? Tipo quando falavam entre eles, tipo: “Fulaninho traz isso”, “Beltraninho traz aquilo”? Testemunha 7: Não. Mas dava pra saber que era da polícia por causa do rádio. Vereadora Fernanda: Do rádio? Testemunha 7: Do rádio comunicador, que eles... 39


Vereadora Fernanda: Eles se comunicavam com alguém? Testemunha 7: Comunicavam. Vereadora Fernanda: Ah é? Sim, a gente sabe dessa situação de que a gente ta apanhando é difícil lembrar. Mas tu o que ele falava pelo rádio? O que falaram em algum momento? Testemunha 7: Falou do beco.. do beco... “Ah, tô no beco sem saída”. Não sei o que. Essas coisa ele falou. Vereadora Fernanda: Tava falando pra central onde é que ele estava? Testemunha 7: Eu não sei se era com a central, mas falou com alguém: “Ah, ali tem o postinho, daí tem o beco sem saída e não sei o que”. Vereadora Fernanda: E... Testemunha 7: E mais era conversa que não tem nada a ver com o cara, com a nossa apanhação ali. Vereadora Fernanda: Tipo o que? Testemunha 7: Não, mas aí era outras ocorrência de outros lugar. Sei lá. Vereadora Fernanda: Sim, falando de outras ocorrências de outros lugares. E tu te lembra se tinha algum comandante ou algum capitão que eles perguntassem as coisas, assim, algum deles que parecesse o chefe? Mesmo que tu não soubesse, mas parecia que aquele é que mandava. Ele que dava mais ordens. Testemunha 7: Eu nem reparei, eles tudo me batia. Vereadora Fernanda: Tudo batia? Testemunha 7: Tudo batia. Todos eles batia. Vereadora Fernanda: Não deu pra ver se algum...? Testemunha 7: Não deu pra ver. Vereadora Fernanda: ... Comandante? Testemunha 7: Não deu pra ver. Vereador Prof. Alex: Algum tipo de código ou palavra diferente? Testemunha 7: Não. Não. Não. Vereadora Fernanda: Tipo oitenta e oito: “Vamo fazer um oitenta e oito aqui”? Testemunha 7: Ah! Isso aí eles falaram no rádio. Vereadora Fernanda: Oitenta e oito. Falaram no rádio? Publicaram no rádio que estavam fazendo um oitenta e oito aqui? Testemunha 7: Não... Eu não sei se era aq... Eu sei que era... Eu escutei esse negócio de oitenta e oito mesmo, mas eu não me lembro como é que foi. Vereadora Fernanda: E tu ficou muito machucado? 40


Testemunha 7: Ah, fica, né? Mais é o trauma, né? O susto. Apanhar o cara já ta amortecido ali, tinha umas horas que não sentia mais nada. O problema é depois: o cara fica pensando nas ameaça, né? Tá louco. Vereadora Fernanda: Mais alguma coisa aqui? Alex? Claudia? Quer falar alguma coisa, enfim, que tu ache importante? Testemunha 7: Eu quero só minhas terra aqui, não quero brigar com ninguém. Não quero que eles venham bater em nós aqui. Só isso. Deixar nós quieto aqui com nossas terra. Tá louco! Nós não incomoda ninguém. Não tem. Só tem gente de bem aqui, pelo amor de Deus! Se não tivesse casa, paga aluguel não é fácil, né meu? tá louco! Vereadora Fernanda: A gente sabe. Obrigado.

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