[Entre] realidades: A borda de Paraisópolis e a arte como tática do encontro e da emancipação

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[Entre] realidades: a borda de Paraisรณpolis e a arte como tรกtica do encontro

FERNANDA DE OLIVEIRA MELO Sรฃo Paulo 2015


MELO, Fernanda de Oliveira ‘Entre’ realidades: a borda de Paraisópolis e a arte como tática do encontro e da emancipação/ Fernanda de Oliveira Melo - 2015. f. : il., Trabalho Final de Graduação (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Orientadora: Prof- Dra. Maria Isabel Villac Bibliografia: f. 1. Paraisópolis. 2. Borda. 3. Arte. 4.Emancipação. I. Título.


AGRADECIMENTOS

À minha mãe Neusa, a fortaleza sem a qual eu não seria possível e ao meu pai Messias pelo apoio e incentivo; Ao meu mim e

irmão Gustavo por ser parte de meu companheiro para a vida;

Às minhas amigas da faculdade pelo companheirismo e amizade, sem vocês esses anos não seriam possíveis; Aos outros poucos, mas valiosos, amigos que a vida me deu e que me incentivaram e me motivaram durante os anos em que estão em meu caminho; À professora Maria Isabel pela liberdade e por mostrar um outro olhar sobre a Arquitetura.



“ Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. “ (RIO, João do, 2008, p. 28)


SUMÁRIO

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Apresentação PARTE I - Das impressões físicas e cotidianas

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Enclaves Fortificados e o Panóptico Contemporâneo: O Entorno de Paraisópolis

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A Formação e as Relações das Favelas: A Criação de Situações como Estímulo à Participação

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Invenções do Cotidiano e Máquinas de Guerra x Aparelhos de Captura Intervenções


PARTE II - Dos ideais às propostas 51

Arte e Educação como Estratégias de Emancipação do Indivíduo

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O Centro Artístico como Ponto Nodal de Encontro, Emancipação e Conexão

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Considerações Finais

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Bibliografia/ Créditos Iconográficos



Apresentação



Escolher a favela como objeto de estudo não é

apenas apresentar um histórico, dados e índices que mostrem o nível de segregação física e social melhor estudada pelos geógrafos e sociólogos, nem buscar formas de extingui-la ou transformá-la no modelo de cidade formal. O objetivo é fazer abandonar estereótipos e visões preconceituosas e enxergar a favela sob uma outra ótica, cultural e social, a fim de expor suas potencialidades, principalmente trantando-se do uso dos espaços residuais para manifestação da vida pública criada pelos diversos comércios e serviços e pelo uso da rua como forma de lazer, além da produção coletiva do espaço. Escolher tal tema partiu da observação e do constante questionamento de como a rua é utilizada na periferia e nas favelas e das relações interpessoais aí presentes e do modo como esses espaços e o contato com o outro são quase, senão ausentes, nos condomínios fechados e em todo seu entorno muitas vezes segregatório. A busca do trabalho é tentar compreender os dois extremos tratandose tanto do espaço físico quanto cultural e como voltar a energia da coletividade presente nas favelas a partir do estudo e da produção de arte para o 11

desenvolvimento e emancipação do indivíduo a fim de ir contra a alienação e a favor da apropriação do espaço urbano cada vez mais nas mãos das grandes corporações. A monografia está dividida em duas partes. Na primeira Paraisópolis será apresentada de acordo com sua localização física, mas também a partir do estudo do entorno onde se insere, o Morumbi, bairro predominantemente composto por edifícios residenciais de classe média alta, verdadeiros “enclaves fortificados”, termo utilizado por Teresa Caldeira em “Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo” ao se referir aos condomínios- clube murados e dotados de alarmes e seguranças a fim de afastar quem difere de sua realidade e de seus serviços, espaços de lazer, cultura e educação. Esses espaços fechados, limitados e carentes de vida pública diferem do espaço da favela, aberto, contínuo e de diversas possibilidades e fluxos, podendo ser exemplificado com o conceito de rizoma, termo utilizado por Paola Jacques em “Estética da Ginga” da filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guatarri em “Mil Platôs- vol. 1” ao se tratar de um sistema de pensamento múltiplo, instável, sem modelo ou imagem precisa, importando mais seu


processo, seu desenvolvimento, sua relação com os envolvidos, e não seu produto final, assim como o espaço físico da favela. Suas construções espontâneas fazem com que os vazios contruídos, as ruas e vielas, assim também o sejam, possibilitando diversas apropriações e situações; de acordo com o discurso dos Situacionistas na Internacional Situacionista de 1958 em texto organizado por Paola Jacques em “Apologia da Deriva: Escritos Situacionistas sobre a cidade”, essa participação ativa, se voltada à produção artística, é capaz de desenvolver, engajar e assim transformar o espaço em que um indivíduo vive. De acordo com David Harvey em “Cidades Rebeldes: Do direito à Cidade à Revolução Urbana”, entre as possibilidades de apropriação do espaço público está a participação ativa da população para reinvindicar suas necessidades básicas como saúde, lazer e educação, além de criar e manter os espaços já existentes; em Paraisópolis, o principal agente ativo de representação dos moradores é a União de Moradores de Paraisópolis, fundada em 1983. Serão analisadas algumas intervenções no espaço construído da favela que propoem a continuidade de seus processos dinâmicos de modificação e de suas

relações a partir da compreensão do cotidiano e da filosofia que existe no modo de vida e de construção da favela. O processo de bricolagem do espaço físico da favela pode associar-se também à cultura do lugar, não só em relação à produção artística, mas também ao modo de viver do indivíduo que lá habita, à sua forma de sobrevivência a partir de suas próprias experiências e sua recusa à dominação, adaptando o que lhes é imposto de acordo com seus interesses e às suas próprias regras, a “arte do fazer” para Michel de Certeau em “A invenção do cotidiano”. A partir dessa invenção do cotidiano criam-se máquinas de guerra como aparatos a fim de conquistar o espaço urbano, obtendo suas táticas a partir das estratégias do outro, buscando a sobrevivência como objetivo e recusando os meios de dominação impostos pelo aparelho do Estado. Após o estudo do espaço físico e cultural de sua paisagem e da que Paraisópolis se insere, na segunda parte do trabalho será analisada a importância da educação pela arte e dos meios de expressão a fim de combater a alienação e a consequente reificação do homem como analisado por Milton Santos em “O espaço da cidadania e outras reflexões”. 12


Concentrando a energia da produção coletiva do espaço e das relações existentes na favela para a produção artística, seria possível desenvolver a consciência social a partir de novas formas de ver, pensar e expressar de acordo com a singularidade de cada indivíduo. Assim, será apresentado o projeto de um Centro Artístico para Paraisópolis como forma de experimentação não só do ensino da arte, mas também da tentativa de criar possibilidades de contato entre populações de vivências e culturas distintas, já que o terreno escolhido encontra-se numa borda entre a favela e a avenida Giovanni Gronchi e seus condomínios clube, a fim de criar uma “fronteira viva”, expressão utilizada por Rachel Coutinho Marques da Silva em “A Cidade pelo Avesso: Desafios do Urbanismo Contemporâneo” para descrever um território capaz gerar uma nova cultura e um novo espaço e ir contra as “fronteiras faixas”, espaços murados cada vez mais reforçados na cidade.

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PARTE I

Das impressões físicas e cotidianas


I. 02


Enclaves Fortificados e o Panóptico Contemporâneo: O Entorno de Paraisópolis

“[...] Aqueles que acreditam que não existe nada a fazer se cercam de alarmes e cercas. O que eles procuram é equivalente ao abrigo nuclear pessoal. A este abrigo chamam de comunidade. A comunidade que procuram é um ambiente seguro sem ladrões e à prova de intrusos. Comunidade hoje em dia quer dizer construir barreiras, limites, controlar os intrusos. Quer dizer isolamento, separação, muros protetores e portões vigiados.” (SILVA, Rachel Coutinho Marques da, 2006, p. 31)



A

segregação, segundo Henri Lefebvre em “O direito à cidade” pode ser vista sob três aspectos: espontâneos, quando não se tem domínio nem escolha sobre suas localizações; voluntários, em que se pode escolher onde e como viver como, por exemplo, os condomínios clube; e programados, quando algum plano é previsto (LEFEBVRE, 2010, p. 97). Focando nos dois primeiros, a segregação, seja ela voluntária ou involuntária, influencia na formação do espaço e, consequentemente, na criação de barreiras físicas e sociais como, por exemplo, os condomínios fechados autosegregados e a formação de favelas em espaços ociosos para a cidade, em que os moradores não podem escolher a localização de suas residências, empregos e dos equipamentos de lazer e educação. Paraisópolis está numa das regiões mais ricas da cidade de São Paulo, o bairro do Morumbi, inserindose num cenário rodeado por empreendimentos de alta renda, característica que a difere das outras favelas; mesmo que limitados e informais, ainda possui um estrutura de serviços e assistências, assim como oferta de emprego, ações públicas e comunitárias; porém, ainda possui deficiências

I. 03. Paraisópolis e os condomínios do Morumbi. Sua ocupação começa por volta dos anos 1950 com pequenas chácaras e, em 1970 começa a ser ocupada por barracos de madeira I. 04

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na educação, saúde, desemprego e moradia, já que a oferta de serviços públicos não aumenta no mesmo ritmo que seu crescimento populacional. O entorno de Paraisópolis é formado por mansões, condomínios, shoppings, colégios particulares e o estádio do São Paulo Futebol Clube; porém, espaços inacessíveis aos moradores, obrigados a buscar outras formas de lazer e cultura seja na rua e nos estabelecimentos da própria favela ou em bairros mais distantes, como o Largo da Batata e o centro de Santo Amaro (MARQUES, TORRES, 2004). O lazer e a cultura na cidade tornaram-se bens de consumo e quem fica excluído é aquele que não pode pagar por esses “serviços” que deveria ser de acesso público.

Formação O Morumbi, pertencente à subprefeitura do Butantã junto dos bairros Butantã, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Vila Sônia e Jaguaré, é resultado do loteamento de chácaras e pequenas fazendas urbanizados pelo engenheiro Oscar Americano a partir do crescimento da cidade para Sudoeste no anos 1940, com o objetivo de criar futuros bairros- jardins ocupados posteriormente por muitas das famílias ricas paulistanas. Já a área onde hoje se situa a favela de Paraisópolis é resultante da divisão de lotes, porém sem infraestrutura completamente implantada; muitos dos que ocuparam a região nunca tomaram posse efetiva e, por volta de 1950, principalemte japoneses que transformaram a área em chácaras. O interesse na região aumentou a partir da década de 1970 quando houve saturação nos bairros do Itaim Bibi, Campo Belo, Moema e Pinheiros, aumentando o número de empreendimentos, comércios e serviços da área, como o Colégio Visconde de Porto Seguro e o Hospital Albert Einstein; é nessa época em que há o aumento da ocupação de Paraisópolis, principalmente de migrantes nordestinos vindos para trabalharem na construção civil, mantendo-se 20


na região por conta do boom na construção civil nas décadas de 1970 e 1980 e onde hoje ainda permanecem com suas famílias, encontrando empregos como porteiros e faxineiros nos edifícios. Hoje, essa parte antes ocupada por casarões representa apenas uma pequena parcela do bairro e ainda sim está descaracterizada e dando lugar a condomínios horizontais de luxo; o bairro do Morumbi atualmente vai além dos limites do bairro original, incorporando também o distrito da Vila Andrade, com grandes lançamentos imobiliários e serviços sofisticados existentes apenas em bairros nobres. “O Morumbi e a Vila Andrade tiveram um significativo crescimento populacional nos anos 80. Apesar do Morumbi ser um bairro de classe alta há pelo menos 30 anos, ele mudou radicalmente depois do início da década de 80. O que era um bairro de enormes mansões, terrenos vazios e áreas verdes, foi transformado, depois de uma década de construção frenética, num distrito de edifícios. No final dos anos 70, ele foi “descoberto” por incorporadores imobiliários que decidiram aproveitar o baixo custo dos terrenos e o código de zoneamento favorável e o transformaram no bairro com o mais alto número de novos empreendimentos imobiliários da cidade durante os anos 80 e 90. [...] a novidade no Morumbi e na Vila Andrade não é só o volume de construção, mas também o tipo de construção: os conjuntos habitacionais murados.” (CALDEIRA, 2000, p. 244-245)

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I. 05. Construção de condomínios no bairro do Morumbi (1986) I. 06. Ocupação de Paraisópolis vizinha aos edifícios (2015)

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O bairro do Morumbi ilustra os “enclaves fortificados” de Teresa Caldeira1 (CALDEIRA, 2003), a atual forma de separar grupos sociais através de muros e de novas tecnnologias como meio de combater e afastar a violência. Na verdade essas medidas apenas bloqueiam a livre circulação na cidade, assim como a participação dos cidadãos no uso e na construção do espaço público, separando grupos sociais para que cada um viva isolado com seus semelhantes; o espaço murado e supostamente seguro torna-se privado, não no sentido de ser particular, pessoal e íntimo como descrito no dicionário, mas sim privado de vida pública. O uso público da rua e das praças como áreas de permanência e de lazer é trazido para dentro dos muros e para novos ambientes fechados e climatizados; o caminhar pela cidade é substituído pela velocidade dos automóveis a fim de deslocar-se de um ponto a outro em busca de abrigo, fungindo do caos urbano e buscando segurança e conforto. A questão dos muros perdura desde os burgos medievais em que, no espaço intramuros, o castelo e as casas de classe alta localizavam-se no centro

junto à igreja e a classe pobre junto às muralhas. O foco das fortificações e fossos era afastar os inimigos de guerra; porém, com o êxodo rural e o aumento desenfreado da população nas cidades, o foco passou no “inimigo externo” para o “interno”. O objetivo passou então a ser o afastamento das doenças, dos pobres, do crime, da “desordem” física e social sob o prextexto de segurança; estratégia dos muros passa a ser organizar, isolar e vigiar.

1 Professora do departamento de antropologia da Universidade da Califórnia, Irvine; foi pesquisadora do Cebrap e professora da Unicamp

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I.07. Mapeamento dos enclaves fortificados no entorno pr贸ximo do terreno escolhido para projeto (em vermelho); tracejado delimitando Parais贸polis (base Google Maps)


No século XVIII, período em que a burguesia torna-se a classe social dominante, surge o projeto do panóptipo2 de Jeremy Bentham3 com o objetivo primeiro de controlar os encarcerados por meio da vigilância contínua sem a intervenção humana direta; apenas com a tensão de ser observado sem saber por quem e por onde, seria possível alterar o comportamento de um grupo; combatia-se a violência física através da ordem psicológica. O conceito de panóptico foi utilizado durante a história não só para as prisões mas também escolas, áreas industriais e hospitais; porém será aqui aplicado ao entorno de Paraisópolis, à paisagem dos enclaves fortificados do bairro do Morumbi. Uma das características do condomínio fechado é proteger-se da violência externa e de ostentar os bens materiais internos quanto maior o valor de mercado dos imóveis; as câmeras que dão para fora e para dentro passam desapercebidas, os espaços comuns voltam-se uns para os outros para que os usuários possam observar-se; um modelo de aparelho de captura utilizado para ordenar o espaço físico e o cotidiano dos usuários, uma espécie de liberdade controlada, de modo que aqueles que habitam sintam-se obrigados a adotar um tipo de comportamento “civilizado” a fim de construir um espaço ético e moral definido como necessario. A lógica desse espaço fechado é construir um mundo a parte e criar um ambiente feliz capaz de atender às necessidades buscadas pelos moradores.

2 Posição central de vigilância onde pode observar-se o todo a partir de pequenas aberturas. Conceito estudado por Foucault e já utilizado por Jeremy Bentham no século XVIII com o objetivo de vigiar um indivíduo sem que este saiba por onde e por quem está sendo observado; em algumas cidades da Europa tal procedimento teve a finalidade de evitar a disseminação da peste negra. 3 Filósofo e jurista criador da filosofia política conhecida como utilitarismo e um dos últimos iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral.

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“ O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder ” (FOUCAULT, 1987, p. 167)

I. 08. Eastern State Penitentiary, Estados Unidos (John Haviland, 1829)

I. 09. Prisão de Petite Roquette, Paris (1836)

I. 10. O panóptico contemporâneo

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I. 11 e I. 12. Condomínios de apartamento na Av. Giovanni Gronchi

Morar nesse espaço murado que garante “segurança, isolamento, homogeneidade social, equipamentos e serviços” garante “um ambiente seguro no qual alguém pode usar vários equipamentos e serviços e viver só com pessoas percebidas como iguais é a imagem mais sedutora e que confere o maior status” (CALDEIRA, 2000, p. 265). A organização interna dos condomínios contribui para que seus usuários possam desfrutar da ordem e do conforto dos anúncios publicitários de venda. Dessa discussão surge uma questão: seria válido, então, acusar essa alienação consciente ao buscar-

se uma forma de vida diferenteciada ou a parte economicamente mais forte de uma sociedade é também vítima de sua própria estrutura política e econômica e da manipulação de seus interesses ?

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I. 13. Parais贸polis- imagem sat茅lite


A Formação e as Relações das Favelas: A Criação de Situações como Estímulo à Participação

“O espaço- movimento não está ligado a projetos, mas ao dia-a-dia urbano. O cotidiano pode ser a base de intensificação tanto da participação quanto da alienação da sociedade, e a construção do espaço urbano tem responsabilidade determinante nessa escolha .” (JACQUES, Paola Beresteins, 2001, p. 152)



Na cidade contemporânea, a forma da cidade

caracteriza-se por ser um pensamento múltiplo, de cultura instável, sem modelo ou imagem precisa, importando mais seu processo, seu desenvolvimento, sua relação com os envolvidos, e não seu produto final. É uma estrutura de passagens como um labirinto6 , sem centro ou periferia, local onde podem ocorrer imprevisibilidades a partir de apropriações criativas diversas e múltiplas (DELEUZE, GUATARRI, 2000, p. 10- 37). Para conhecer seus caminhos, é preciso perder-se, andar sem destino certo e levarse pela dúvida, pela incerteza do caminho e de suas diversas possibilidades. É como o “acaso objetivo” dos surrealistas ou a “deriva” dos situacionistas com o objetivo de perder-se na cidade, vaga-la ao acaso e perder-se, encarando-a como um espaço de jogo; é como o flâneur de Walter Benjamin , inspirado em

tradicional dá espaço a uma paisagem múltipla; a cidade deixa de ser um recinto limitado e passa a ser uma combinação de retalhos, múltipla e fragmentada, um patchwork4 de realidades entrelaçadas, de conflitos, tensões, belezas e atrações, graças à mobilidade, ao deslocamento e à troca. Convertido num conjunto de fragmentos individuais sem conexão aparente, sem uma forma referencial e cuja continuidade se baseia nas redes que os articulam e no fundo que os rodeia, numa sucessão de espaços vazios e malhas reticulares; sua estrutura aberta e inacabada exemplifica-se na combinação entre edificação, paisagem e infraestrutura. Trata-se de um sistema aberto, não- confinado, indeterminado, incompleto, inacabado, alterável e contaminável; não limita nem é limitado, são sistemas flexíveis e dinâmicos, semelhante ao sistema- rizoma de pensamento da filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guatarri. O sistema-rizoma5 é oposto ao sistema-raiz e

se e crescer em qualquer ponto horizontalmente, como os caules dos tubérculos e das samambaias, capazes de realizar trocas estreitas com o solo circundante. 6 Conceito de ‘labirinto’ marcado por características diferentes da história ocidental em que existe um começo e um fim; nesse caso, não existe o ‘fio de Ariadne’ como no labirinto de Cnossos, capaz de conduzir o percurso do início ao fim, mas sim uma estrutura de passagens disposta em linhas confusas podendo até mesmo levar a outros labirintos, num sistema de atalhos e desvios, sem linhas retas e diretas.

4 Patchwork: do inglês, “cidade de retalhos”; patchwork, trabalho em que se unem recortes para formar um todo. 5 O conceito de “rizoma” é também proveniente da botânica, uma espécie de caule subterrâneo que pode ramificar-

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Paola Jacques utiliza-se do conceito de rizoma para entender a formação das favelas e sua relação com os espaços construídos e os vazios deixados pelas construções espontâneas das moradias conformando as vielas. Aliando esse construir espontâneo e o consequente espaço-labirinto deixado nos vazios das áreas construídas, nasce a possibilidade de ações imprevistas, capazes de gerar diversas possibilidades de relação, de encontros e de acontecimentos; a

Charles Baudelaire7 , um caminhante sem destino que se apropria dos objetos e das impressões e sensações que absorve pela rua adquirindo, com isso, experiência. (BENJAMIN, 1989, p. 33-62)

7 Charles Baudelaire (1821-1867): poeta e teórico da arte francesa; considerado um dos precursores do simbolismo; suas obras têm grande influência nas artes plásticas do século XIX

I. 15. Partitura usada na introdução de de “Mil Platôs” de Gilles Deleuze e Félix Guattari para ilustrar o conceito rizoma; um corpo aberto, irregular e indeterminado

I. 14. Sistema rizomático

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“A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o princípio característico do espetáulo: a não-participação. Ao contrário, percebe-se como as melhores pesquisas revolucionárias na cultura tentaram romper a identificação psicológica do espectador com o heroi, a fim de estimular esse espectador a agir... A situação é feita de modo a ser vivida por seus contrutores. O papel do público, senão passivo pelo menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o número dos que já não serão chamados atores mas, num sentido novo do termo, ‘vivenciadores’.” (DEBORD, Guy. Relatório sobre a contrução de situações e sobre as condições de organização e de ação da tendência situacionista internacional - Internacional Situacionista IS n- 1, junho de 1958 in JACQUES, 2003)

participação e a relação dos moradores da favela com esses espaços é sempre ativa, constante, participacionista. (JACQUES, 2001, p. 149- 155). O estigma de caos e conflito dado às favelas esconde um habitar específico, de organização própria, coletiva e criativa, paralelo aos interesses do mercado e do Estado, transformando esse território em espaço público e de apropriação. A partir de um cenário é possível criar situações, dependendo de gestos para se tornar possível, de maneira espontânea ou consciente, e assim criar novos gestos e cenários. A partir do conceito de “situação construída” é possível realizar uma analogia a fim de compreender a formação das favelas sob a ótica situacionista onde, de forma instintiva e inconsciente, a participação coletiva constroi ambiências variadas, passíveis de acontecimentos espontâneos, de situações variadas.

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I. 16 e 17. Organização da tribo Dogon - Malí (África)

A forma espontânea e flexível de implantação, apropriação e adaptação de situações para a construção de abrigos já esteve e está presente na organização de tribos primitivas como a tribo Dogon (aqui utilizada como exemplo apenas em sua ocupação sem abordar toda a peculiaridade de sua cultura e crenças religiosas). A tribo Dogon constroi seus próprios abrigos num sistema flexível, passível de modificações sem transgredir sua essência, adaptam-se a um tecido complicado e limitado, sem seguir uma forma totalmente rígida. Está presente também a forte ligação da tribo com o lugar onde habitam, suas casas, seu povoado e sua região 34


Estado facilitando as relações entre o poder público e privado e possibilitando a implantação de programas sociais. Paola Jacques propõe que as novas intervenções inseridas nas favelas devam ser continuidade de seus processos dinâmicos de modificação e de suas relações:

A participação ativa dos usuários vai contra a sociedade do espetáculo, alienante e produtora de uma sociedade passiva, já criticada pelos Situacionistas, e permite novas formas formas de integração a fim de combater a monotonia. Tal espetacularização já estaria presente na produção da cidade contemporânea, tanto pelo congelamento da cidade (“cidade-espetáculo”), como por exemplo as “cidades-museu” europeias e as “cidades-parquestemáticos” surgidas nos Estados Unidos, quanto pela urbanização generalizada (“cidade genérica”). Tendo o espaço urbano infinitas possibilidades de uso e apropriação, uma delas é a luta pelos desejos, necessidades e pelo acesso ao espaço público, podendo emponderar o cidadão a também criar novos espaços públicos capaz de gerar urbanidade, usos e apropriações flexíveis. Muitos bens públicos são supridos a partir de conflitos de classe que, mesmo suprindo as necessidades de habitação, saúde e educação, ainda precisam que a população esteja ativa politicamente para a manutenção e uso desses espaços (HARVEY, 2014). A União de Moradores de Paraisópolis, fundada em 1983, é o principal agente ativo de contato direto com o

“Os arquitetos e urbanistas no momento de urbanizar as favelas deveriam seguir os movimentos já começados pelos moradores, para ao invés de se fixar os espaços criando enfadonhos bairros formais ordinários, se possa conservar o movimento existente, ou seja, a própria vida das favelas (que é quase sempre muito mais intensa e comunitária do que nos bairros formais)” 8 (JACQUES, 2001)

A questão não é preservar as construções ou as vielas, mas o movimento e a participação dos moradores que existe nas favelas, ou seja, devese preservar a união do espaço estático construído com o movimento do percorrer os meandros das vielas, os chamados “espaços-movimento”. Utilizase o termo ‘urbanização’ como forma de resolver os 8 Texto parcialmente publicado em inglês: “The Aesthetics of the favela: the case of an extreme”, in “Transforming cities, design in the favelas of Rio de Janeiro”, Londres, AA Publications, 2001

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I. 18


problemas do território informal, sob uma ótica racionalista e impositiva, com o objetivo de eliminá-lo. É preciso, porém, compreender a partir de certa sensibilidade o cotidiano e a filosofia que existe no modo de vida e de construção da favela a partir de alianças e projetos multidiscuplinares que surjam em união com os moradores; é preciso também reconhecer as relações sociais estabelecidas e o uso intenso da rua que possibilitam a criação de uma identidade com o lugar, um sentimento de ‘pertencer’ que não existe nos condomínios fechados. O objetivo aqui não é anular as problemáticas da favela, mas sim expor que tais condições e potencialidades devam ser tomadas como partido nas intervenções realizadas a fim de melhorar os problemas de infraestrutura, saneamento e na construção de espaços públicos de qualidade. O projeto de Vigliecca para o Morro do S4 não tem o objetivo de substituir as condições pré-existentes, mas mesclar uma nova estrutura urbana com a existente a partir da costura do território através da conexão dos dois lados do córrego e da geração de novas centralidades que combinam usos diversos a fim de gerar urbanidade e continuidade e a criação de vazios internos às quadras valorizando o percurso das vielas. Cria-se um novo modelo a partir da observação das dinâmicas do terrtório sem a imposição de um modelo preestabelecido.

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I. 19 e 20. Concurso Renova SP- Perímetro de Ação Integrado Morro do S4Hector Vigliecca

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Outro projeto em que o objetivo é recuperar e conectar áreas é a Fábrica de Cultura do Grotão, em Paraisópolis, projeto do escritório Urban Think Tank. A partir de usos como aulas de música e dança, apoio físico à cultura já existente no local, a proposta é criar também um espaço com quadras e hortas comunitárias nos taludes aproveitando-se da topografia acidentada, além de criar neles rampas e escadarias que se conectam às vielas existentes. Criando um vazio em meio à densidade construída de Paraisópolis, o projeto deixa de ser apenas um edifício cultural e passa a ser também um espaço de convivência e infraestrutura urbana; seu conteúdo programático não é só cultural e educacional, mas também social.

I. 21

I. 22. Diagrama de acessos e conexões

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I. 23


As Invenções do Cotidiano e as Máquinas de Guerra x Aparelhos de captura



Além do processo contínuo e das transformações

“ Há bastante tempo que se tem estudado que equívoco rachava, por dentro, o “sucesso” dos colonizadores espanhóis entre as etnias indígenas: submetidos e mesmo consentindo na dominação, muitas vezes esses indígenas faziam das ações rituais, representações ou leis que lhes eram impostas outra coisa que não aquela que o conquistador julgava obter por elas. Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-as diretamente ou modificando-as, mas pela sua maneira de usá-las para fins e em função de referências estranhas ao sistema do qual não podiam fugir. Elas eram outros, mesmo no seio da colonização que os “assimilava” exteriormente; seu modo de usar a ordem dominante exercia o seu poder, que não tinham meios para recusar; a esse poder escapavam, sem deixá-lo. A força de sua diferença se mantinha nos procedimentos de “consumo”. Em grau menor, um equívoco semelhante se insinua em nossas sociedades com o uso que os meios “populares” fazem das culturas difundidas e impostas pelas “elites” produtoras de linguagem. “ (CERTEAU, 1999, p. 39- 40)

que compõem o espaço físico da favela, esse processo de bricolagem pode também assemelharse à produção da cultura popular que, segundo Michel de Certeau, segue uma lógica do avesso por recusar a dominação, informal por se utilizar de táticas alheias e instável por buscar apenas a sobrevivência; segue a lógica da “arte do fazer” a partir das experiências do indivíduo. Essa lógica pode ser ilustrada pela natureza, na camuflagem dos insetos e nos disfarces dos peixes, e até mesmo na figura de Carlitos interpretada por Charles Chaplin, resistindo ao previsível e às situações opressivas não aderindo aos acontecimentos. A partir de uma lei pré-estabelecida os “usuários”, e não mais chamados de “consumidores”, se utilizam de metamorfoses do que lhes é imposto a fim de adaptá-las aos seus interesses e às suas próprias regras, à maneira dos povos indígenas como exemplificados por Certeau.

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A partir da critividade da invenção do cotidiano já tratada por Certeau e de sua lógica informal, instável e contrária, criam-se máquinas de guerra como aparatos a fim de conquistar o espaço urbano, obtendo suas táticas a partir das estratégias do outro, buscando a sobrevivência como objetivo e recusando os meios de dominação impostos. As máquinas de guerra, informais e clandestinas, convivem em meio aos enclaves forticados como forma de sobrevivência, contrárias às expectativas do Estado e do mercado, gerando novas condições urbanas. São as ocupações de edifícios e terrenos, os comércios irregulares espalhados por centros comerciais, novas formas de ocupar o espaço urbano pelo deslocamento, gerando espaços abertos e indefinidos, num movimento contínuo e não linear, espaços lisos compostos por conexões, um modo fluido de ocupação dos espaços vagos liberados pela cidade. O nômade não possui uma estratégia de ocupação, mas sim procedimentos táticos a partir de suas necessidades de sobrevivência dispondo apenas de suas experiências; são suas armas, seus dispositivos de guerra contra os aparelhos autoritários e suas estratégias de dominação.

As máquinas de guerra, assim como o líquido, ocupam os vazios e interstícios deixados pelas infraestruturas e incorporam os equipamentos urbanos às suas moradias, comércios, ao seu cotidiano, ou seja, os equipamentos urbanos passam a ter outros usos quando incorporados aos seus aparatos de guerra; convivem na cidade com enclaves modernizados, shoppings, condomínios e torres corporativas, suas cercas, muros, alarmes e as remoções de áreas invadidas contra o que ameaça desestruturar o espaço, ou seja, aparelhos de captura com o objetivo de estriar o espaço e combater o que vem a desestruturá-lo. A cidade é então palco do embate entre máquinas de guerra e aparelhos de captura, os dois lados lutando por direitos no espaço urbano; surgem novas formas de poder e operações políticas, culturais e econômicas, fora dos sistemas formais que se potencializam quanto mais o capital produz e controla.

I. 24

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Enquanto as máquinas de guerra não possuem uma linha de combate e tem por finalidade a ocupação do espaço sem partida e chegada, o aparelho do Estado é institucionalizado, regrado e ocupa um espaço limitado, de um ponto a outro; segundo Deleuze e Guatarri, o espaço liso contra o estriado (DELEUZE, GUATARRI, 1997) Muitas regiões de São Paulo possuem populações desiguais habitando próximas entre si, “exigindo” aparelhos de captura ainda maiores, representados principalmente pela arquitetura que visa barrar o acesso e o encontro dessas diferentes populações não só com o uso de muros, alarmes e cercas, mas também da própria implantação da infraestrutura urbana, uma estratégia para focar em outras área de interesse de investimento da cidade em função das novas áreas corporativas, não estando ligada apenas às necessidades de uma região. Os aparelhos de captura aparecem na cidade também em forma de gadgets9 , objetos produzidos pelo capitalismo podendo caracterizar também indivíduos sujeitados à essa lógica.

“Além de oferecerem um cardápio de utilidades prontas-para-uso, também são sinônimos de status social, quando surgem com o propósito de serem equipamentos seletivos, responsáveis por uma diferenciação social, pois, muitas vezes, são ostensivamente requintados e pouco acessíveis. Os gadgets, excessos tornados indispensáveis, são dispositivos que chegam para interferir na dinâmica de formação de subjetividades sociais.” (GUATELLI, 2013, p. 153) Segundo Igor Guatelli10 , os gadgets urbanos aparecem como arquiteturas desejáveis que seguem a lógica dos investimentos capitalistas e aparecem na paisagem de modo impositivo; são espaços a serem consumidos, de conteúdeo programático diverso e de fluxos pré-definidos, grandes peças compositivas da máquina do capital. As interações que acontecem nesses espaços são artificiais e seus usuários perdem o papel de atores e participantes dando lugar ao de meros consumidores. Será possível propor, então, máquinas contrárias à 10 Professor FAU-Mackenzie e Universidade Paulista (Unip). Doutor pela FFLCH-USP e pós-doutor pelo Gerphau-Ensa Paris-La Villette, onde é pesquisador associado e professor colaborador

9 Termo utilizado por Jacques Lacan na segunda metado do século XX para de referir aos objetos de desejo e de consumo

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I. 25


lógica dominante se utilizando dos espaços residuais por ela deixados ou serão esses acontecimentos espontâneos, táticas subversivas criadas pela coletividade como forma de sobrevivência e de apropriação do espaço?

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PARTE II

Dos ideais Ă s propostas



Arte e Educação como Estratégias de Emancipação do Indivíduo


I.26


O ser humano necessita de educação, de cultura e

individualidade do ser humano é desconsiderada quando sua sensibilidade é destruída e a essência das coisas é perdida, levando ao processo de reificação do ser humano. A razão, tida como promessa de esclarecimento e de autoconservação, afasta o homem de sua natureza; tal fato é levantado por Adorno ao se questionar como uma sociedade esclarecida pôde gerar acontecimentos crueis ao mundo e tornarse uma sociedade administrada, impedindo-a de ser emancipada. A partir da autenticidade da arte, possível quando autônoma e crítica, pode-se gerar um pensamento crítico em meio à sociedade administrada e criar uma relação alternativa entre sujeito e objeto diferente das relações de dominação; a existência de uma arte autônoma que se nega a aceitar e se acomodar com os acontecimentos pode ser crítica apenas por sua existência e assim possuir mais chances de chegar à mudanças. Segundo Santos, o homem não pode ser considerado como coisa e objeto imutável já que as relações humanas e do homem com ele mesmo são dinâmicas; sendo assim, o processo de alienação pode ser revertido já que o homem é um ser em constante mutação (social, política e ideologia). A busca pela essência no lugar

de trabalho para que possa desenvolver a si mesmo e o espaço em que vive. O termo ‘trabalho’ é aqui utilizado não no sentido puro de sua etimologia (do latim tripalium, instrumento de tortura com trêstri- pedaços de madeira- palum) nem alienante ou repetitivo, com fim único financeiro, mas um trabalho intelectual e que retorne ao próprio indivíduo; a busca da emancipação através do esclarecimento. Vivemos um período intensificado de consumo principalmente ao que se refere à cultura e ao lazer tornando a sociedade cada vez mais acrítica e de satisfação efêmera. Para Theodor Adorno (ADORNO, 2002), ao tratar do século XX pós revoluções industriais e o fortalecimento do capitalismo, é assim que age a indústria cultural que domina e dissemina uma cultura que impede a mobilização crítica sobre o mundo, um dos principais papeis da arte; é voltada apenas para a criação de um modelo de fácil disseminação cujo objetivo final é o consumo, a comercialização, levando o homem a um estado de alienação, conceito entendido por Milton Santos como a privação do homem de sua decisão autônoma e a sua distorção da realidade humana; com isso a 53


da aparência é capaz de transformar o homem, ou seja, através da conscientização de sua condição, o ser humano é capaz de se tornar ativo e transformar sua própria condição. (SANTOS, 2013) Mesmo sendo um modelo inerente à sociedade do qual é quase impossível se desligar, é necessário buscar formas alternativas de arte e cultura capazes de gerar indivíduos críticos e conscientes. É preciso emancipar o indivíduo através do trabalho, do desenvolvimento cultural e intelectual, principalmente aquele que vive segregado, dependente de políticas públicas para sua sobrevivência e cujo acesso à cultura e à educação é restrito; é necessário buscar a autonomia das opressões que restringem ou retiram a liberdade de determinação de uma vontade imposta por terceiros, ou seja, é ir contra a heteronomia, conceito criado por Immanuel Kant11 e entendida por Theodor Adorno 12 como “um tornar-se dependente de mandamentos, de normas que não são assumidas pela razão própria do indivíduo” (ADORNO, 1995, p. 124)

Segundo Herbert Read, a educação busca desenvolver a consciência social, impedir a formação dos impulsos egoístas e anti-sociais além de desenvolver a singularidade do indivíduo, com suas formas particulares de ver, pensar, expressar e criar, tão importantes para a variedade da vida. A partir da educação estética, onde se encontram os meios de autoexpressão, pode-se educar os sentidos do indivíduo, base da consciência, da inteligência e do julgamento, tendo a liberdade como seu princípio orientador. A relação entre os sentidos com o mundo externo é capaz de gerar uma “personalidade integrada”, ou seja, impede o surgimento da arbitragem, do dogmatismo e do racionalismo como sistemas de pensamento. (READ, 2001; pgs. 7 e 8) Read elenca aspectos da educação estética a partir dos sentidos e que aqui foram comparados às sete categorias artísticas até hoje estabelecidas. Como uma categoria pode sobrepor-se à outra, Read as reagrupa de acordo com as quatro principais funções mentais: Sensação (visual), Intuição (musical e cinética), Sentimento (verbal) e Pensamento (contrutiva). O objetivo dessa descrição é mostrar que a educação pela arte é capaz de preservar no indivíduo a percepção, a sensação e a relação destas

11 Immanuel Kant (1724-1804): Filósofo prussiano que lançou as bases da ética moderna 12 Theodor Adorno (1903-1969): filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão; um dos expoentes da Escola de Chicago

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com o mundo exterior, formas de tornar comunicáveis a expressão dos sentimentos e dos pensamentos, já que a criatividade é um processo inerente ao homem. De acordo com Read, as formas de expressão apresentadas na infância são modos de acesso ao mundo externo e uma forma de ajustar-se à ele. Na adolescência, o indivíduo passa por transformações psicológicas e é obrigado a deixar de lado a expressão estética, que tende a desaparecer, para dar lugar ao pensamento lógico; é a este processo que a educação deveria se opor, buscando preservar as funções da imaginação, da união do homem consigo mesmo e com a natureza.

O preço que pagamos pela distorção da mente adolescente é altíssimo: uma civilização de objetos hediondos e seres humanos disformes, de mentes doentes e lares infelizes, de sociedades divididas e equipadas com armas de destruição em massa.” (READ, 2001, p. 185)

T. 01

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Não basta, porém, apenas expor a arte em seu campo intelectual e conceitual; esta também deve possibilitar a criação vivencial, ou seja, abrir a possibilidade de experimentação e participação daquelas que com ela se deparam; o usuário passa a ser participante. A participação coletiva na construção do espaço físico da favela e de suas relações, se voltada à produção criativa e à criação artística, pode influenciar diretamente no desenvolvimento e no engajamento individual, refletindo consequentemente no conjunto social em que está inserido e como mais uma tática de luta contra os aparelhos de captura e seus meios de dominação. O criador, não deve restringir sua arte apenas ao seu ambiente de criação ou exposição, mas também torná-la célula, capaz de se espalhar e interagir pela cidade, não só como arte, mas como forma de expor que um indivíduo, antes no anonimato, é capaz de se expressar e de criar para si e para a sociedade. A criação deve ser espontânea, sem a necessidade obrigatória de um pensamento intelectual anterior e ser capaz de gerar novas vivências e possibilitar o convívio de diferentes comportamentos; deve estar aliada ao lazer e ao prazer, o que Hélio Oiticica chamaria de “crelazer” (JACQUES, 2001, p. 117- 119),

proposta vista em seu “Éden”, com nichos, percursos e tendas que propoem experiências sensoriais diferentes.

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I. 27 e 28. Éden, Hélio Oiticica

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_O percurso e a percepção da paisagem


O Centro Artístico como Ponto Nodal de Encontro, Emancipação e Conexão



As ações políticas podem ser encaradas como formas ordenadoras do espaço, como modo de barrar o

nomadismo e assim controlar a ocupação e a propriedade do espaço urbano seguindo uma lógica de mercado. Para que as propostas de intervenção na cidade sejam possÍveis, principalmente em áreas segregadas, devem utilizar-se das condições propostas pelas ações públicas como ponto de partida inicial e assim lançar ideias a partir da criação de situações que possibilitem o desenvolvimento das condições sociais e culturais dos usuários de um território, seu acesso ao espaço urbano e suas relações com o outro. As propostas atuais do Plano Diretor aprovado em 2014 que interferem em Paraisópolis apontam principamente para a criação de novos eixos de mobilidade conectados, como o monotrilho e suas estações Flávio Américo Maurano e Paraisópolis interligado ao corredor de ônibus e à nova linha de metrô.

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A experimentação projetual a ser apresentada busca ser apenas uma célula a multiplicar-se, seja como condição programática seja como difusão das ideias apresentadas e criadas em seu espaço físico. Paraisópolis possui atualmente projetos de intervenção, seja através de concursos ou por meio de propostas do Plano Diretor de 2014; unindo todas as propostas como pequenas intervenções pontuais que impactarão todo o entorno, o projeto apresentado busca ser mais um fragmento a ser incorporado ao território como tentativa de emancipação do indivíduo segregado. Para isso utiliza-se os projetos, assim como o equipamento cultural e educacional aqui proposto (1), como principais nós de amarração dos planos de costura já existentes aos aqui propostos, como a continuação de ciclovias e sua penetração em Paraisópolis e a abertura de vielas, de vazios necessários em meio à densidade da favela como pontos de conexão e de encontro (2), (3), (4).

I. 29. Mapa de projetos e intervenções atuais e aqui propostas

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Vimos que a arquitetura pode ser um aparelho de

artísticas, mas também testar possibilidades, gerar apropriações produtivas e desenvolver a criatividade dos usuários. Assim como a formação das favelas e seu ‘sistema-rizoma’, o projeto deve permitir a interação coletiva, permitindo a participação, a interação e o compartilhamento de experiências e ideias, através dos livros, dos filmes, de cursos e oficinas que auxiliem em seu desenvolvimento intelectual e que capacite os moradores a também transformar seu próprio espaço. A participação ativa dos usuários vai contra a sociedade do espetáculo, alienante e produtora de uma sociedade passiva, permitindo novas formas de integração a fim de combater a monotonia.

captura, uma maneira de controlar fluxos, limitar velocidades e movimentos a fim de ir contra o nomadismo das máquinas de guerra, controlar tudo o que ameaça desestabilizar o espaço, característica muito presente no entorno do bairro do Morumbi que rodeia a favela de Paraisópolis. A proposta aqui apresentada é, porém, muito mais que organizar um espaço; é a tentativa de possibilitar encontros, choques culturais e apropriações que vão além do espaço construído e além do que propoem os aparelhos de captura; importam mais os atos e as táticas que o objeto utilizado para tal assim como o fazem as máquinas de guerra. O armamento principal para que isso seja possível junto da força coletiva presente na favela é a possibilidade de expressão de um indivíduo através da arte a fim de emancipá-lo e torna-lo ativo na cidade, uma alternativa para buscar ir contra a indústria cultural, contra o conformismo do oprimido e a favor da autonomia capaz de gerar indivíduos criativos e críticos. O projeto apresentado é apenas mais uma experimentação a fim de propor a continuidade do espaço urbano onde se possa não só ensinar práticas

_A proposta é criar um espaço ‘entre’ que possibilite, a partir do encontro de experiências e cotidianos diferentes, a criação de um terceiro produto; um nova cultura, um novo espaço

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O terreno escolhido localiza-se numa borda entre realidades físicas e sociais distintas entre si, um local que possui a potencialidade de gerar encontros e choques entre diferentes realidades a partir de espaços permeáveis; para Rachel Silva esses locais na cidade devem ser transformados em “fronteiras vivas”, capazes de, a partir do encontro de culturas distintas, gerarem uma nova cultura e um novo espaço e ir contra as “fronteiras faixas”, espaços murados cada vez mais reforçados na cidade (SILVA, 2006, p. 25). O ponto mais alto do terreno é na Avenida Giovanni Gronchi bastante movimentada em se tratando de veículos; porém, nesse trecho escolhido, existem condomínios de apartamentos murados e poucos serviços e comércios que possibilitem a permeabilidade urbana, o percurso e a permanência de pedestres tanto nas ruas quanto nas quadras. A rua Major José Mariotto Ferreira, ligação entre a avenida e Paraisópolis, possui residências de baixo gabarito construídas informal e espontaneamente, com alguns pequenos comércios que servem aos moradores; aqui a passagem de pedestres e o uso da rua é muito mais visível e constante e a permeabilidade das quadras, ainda que precárias, se dá pelo uso constante das vielas como percurso. Fica visível aqui mais um contraste de realidades diferentes em se tratando do espaço físico construído e não construído, dos cheios e vazios das chamadas cidade formal e informal, dos percursos utilizados e dos espaços de abrigo. A experimentação realizada em projeto, além de criar um equipamento cultural e social capaz de emancipar os usuários para que desenvolvam suas capacidades intelectuais e criativas baseadas na cultura e na constante produção de seu próprio espaço de morar e estar, é também a tentativa de criar uma fronteira viva a partir de um espaço permeável e que possibilite a interação entre as pessoas a partir da arte. O objetivo é também estabelecer o contato mais próximo e criar relações mais profundas entre grupos diferentes já que, como foi estudado, coexistir num mesmo espaço não significa coesão social. Essa troca cultural proposta é uma tentativa de combater a exclusão social muito mais expressiva que a exclusão física que, a partir de tentativas de interelações pode ser amenizada.

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I. 30. Projeto para a sede da União dos Moradores de Paraisópolis – Franklin Lee (2009)

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O terreno do projeto de Franklin Lee também é uma borda em Paraisópolis, conectado à avenida Giovanni Gronchi por um escadão. Além da adaptação do terreno para o projeto, o arquiteto teve como objetivo a integração dos moradores por meio dos espaços livres de convivência além das salas de aula, quadra e horta previstas pelo programa. O projeto mudou de terreno e irá localizar-se próximo à Avenida Hebe Camargo; apesar de ainda não foi contruído e de agora estar mais distante da conexão MorumbiParaisópolis, a proposta ainda conecta a favela ao sistema de transporte e ao Parque Paraisópolis ainda em projeto. A criação de uma escadaria como infraestrutura pode ter outros objetivos além de apenas conectar a parte mais baixa com a avenida. Além de uma conexão, pode ser um espaço para áreas de recreação e espaço de convivência, além da participação da população na construção da identidade do local e possibilitar trocas econômicas e sociais entre a cidade formal e informal. Um exemplo é a Escadaria Manuel Antônio Pinto, a mesma apresentada no projeto de Franklin Lee, conecta a favela à avenida, onde artistas grafiteiros e crianças participaram de sua construção. O objetivo é também criar conexões e circulações

que dependam do uso ativo dos moradores, sendo a arquitetura como acontecimento, capaz de criar novas possibilidades que amenizem a segregação.

I. 31 e 32. Escadaria Manuel Antônio Pinto atualmente

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A Proposta


I. 33. Mapa de localização do terreno e dos principais eixos de mobilidade




O edifício aqui proposto, além de um suporte

para o deslocamento físico vencendo o desnível da região, busca ser também um suporte para o ensino da prática artística e um local de expressão e divulgação, uma célula que deve multiplicar-se. O térreo funciona como portal do projeto, um espaço de conexão, troca e choque entre realidades a fim de criar uma “fronteira viva”, capaz gerar uma nova cultura e um novo espaço e ir contra as “fronteiras faixas”, cada vez mais presentes na cidade. Para isso, cria-se uma praça no nível da avenida Giovanni Gronchi a fim de torná-la permeável e possibilitar espaços de permanência e assim aproximar a arte do pedestre que passa ou que ali descansa. A proposta é então criar um espaço contemplativo e que desperte a curiosidade na tentativa de criar nesse térreo um suporte para a geração de encontros e trocas que se dá a partir das relações entre usuários ou da relação

_Croqui do partido: permeabilidade no térreo e conexão vertical pública _Diagrama de circulações públicas: escadaria conectando os dois níveis do terreno e dando acesso ao edifício (azul), circulação vertical com elevador e escada de uso público (vermelho), escadaria ligando o térreo ao pavimento inferior (laranja), áreas de jardim (verde)

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01. Área de exposições_02. Circulação vertical e banheiros_03. Café_04. Cozinha_05. Biblioteca


entre estes e a pesquisa representada pela biblioteca. A partir desse espaço contemplativo tanto da paisagem quanto da arte, criam-se espaços de aprendizado e produção artística nos pavimentos acima do térreo com usos como oficinas artesanais, de dança e de mídias como forma de dar voz e expressão aos usuários a fim de divulgar também as necessidades locais, proporcionando também espaços flexíveis e livres para apropriação como o terraço acessado pelo mezanino das oficinas. As oficinas capacitam o usuário a aprender um ofício que, além de poder estimular a criatividade e a expressão, pode também tornar-se um trabalho, não repetitivo e alienante, mas sim intelectual e que retorne ao próprio indivíduo tanto no seu desenvolvimento

_Diagrama de usos e circulação vertical (escadas e elevadores)

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como ser humano quanto no auxílio em sua renda. O bloco térreo foi assim proposto com o objetivo de recuar-se em relação ao bloco superior possibilitando espaços sombreados e a criação de pequenas praças e espaços de permanência visíveis para quem está no interior do edifício. Nesse nível estão os programas de caráter mais público, de exibição e troca cultural que é o espaço de exposições, o café e a biblioteca, que permitem sua ocupação de modos variados, sem a necessidade de inscrição como no caso das oficinas e salas de aula localizadas nos blocos superiores e inferiores. Para o bloco elevado, o partido adotado propõe a multiplicação das áreas de fachada para visuais do entorno e das atividades que acontecem no próprio edifício, além de avançar sobre o térreo criando áreas sombreadas tanto no acesso ao edifício à esquerda, pela avenida, quanto nas áreas de maior permanência (bilbioteca e café) à direita.

_Implantação do térreo sob bloco elevado; criação de praças: vazio para a avenida (1); praça no vão central, maior visual para o edifício (2); circulação horizontal

_Multiplicação das áreas de fachada no bloco elevado

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Planta nível 830,27 02. Circulação vertical e banheiros_05. Biblioteca_06. Área administrativa

Planta nível 833,87

_ 07. Área infantil_08. Gibiteca_09. Totens de consulta ao acervo audiovisual_10. Laboratório e rádio comunitária_11. Laboratório e estúdio de vídeo_12. Edição de revistas

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_Área de exposições (nível 826,67)

_Vista para gibiteca (nível 833,87)

_02. Circulação vertical e banheiros_13. Oficinas:cerâmica, pintura e desenho, estêncil e estamparia, têxtil_14. Atividades circenses_15. Aulas de dança_16. Aulas de dança

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_02. Circulação vertical e banheiros_13. Oficinas: gravura e artesanato_17. Terraço

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As aulas de música, fotografia e informática propostas continuam nos pavimentos abaixo do térreo. Assim como a permeabilidade presente no nível da avenida Giovanni Gronchi, esses pavimentos também podem ser acessados pela rua e também buscam a tentativa de gerar encontros e trocas a partir dos eventos realizados no auditório e de seu foyer, espaço de pausa para contemplação de arte e para o compartilhamento de ideias e visões. O nível 820,37 logo abaixo do térreo, tem acesso não só pelos elevadores, escada social e escada de emergência, mas também pelo patamar da escadaria externa e pela outra escadaria que vem do térreo e que pode também funcionar como área de apresentação. Nesse nível estão as salas de música, o laboratório de fotografia e de informática, o foyer e a entrada do auditório com 154 lugares. O nível 814,07 também dá acesso ao edifício pela rua Major José Mariotto Ferreira. Nesse pavimento está o outro acesso ao auditório e às suas salas de apoio, foyer, salas de teatro e café. O jardim proposto pode ser visualizado tanto para _Corte e elevação setorial da quem está dentro do edifício quanto para quem fachada (ver detalhe 1) usa a o bloco externo de circulação vertical. 82


Planta nível 820,37 _02. Circulação vertical e banheiros_18. Foyer_19. Auditório_20. Recepção_21. Aulas de música_22. Laboratórios de informática e fotografia

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_02. Circulação vertical e banheiros_03. Café_18. Foyer_19. Auditório_20. Recepção_23. Aulas de teatro_24. Camarins

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_Detalhe 01


_Detalhe 02



Consideraçþes finais



Escolher um território tão díspar e contraditório na

públicos e para o isolamento de grupos homogêneos, reforçando assim a segregação e impossibilitando as trocas sociais e culturais. A interação entre cidade formal e informal existe, ainda que fraca e segregatória; a tentativa é, a partir da arte, potencializar essa relação através de contatos e associações sociais imprevistas numa área de transição que é a borda a fim de diminuir ou anular o afastamento entre classes sociais. Utilizar-se dos resíduos ainda não apropriados pelo capital na cidade e buscar a emancipação do indivíduo através da arte sem que haja consumo envolvido é uma tentativa de produzir desejos e finalidades diferentes da lógica capitalista. Procura-se criar um espaço público que não busque ser uma coisa ou outra, mas estar entre, assim como o conceito de borda; um espaço democrático, de transição, de choques, de encontros que gere um novo produto e o pretexto principal para que isso aconteça é a arte, já que tem a possibilidade emancipatória do indivíduo. Caminhar pelo lugar e captar dele suas principais características e pontos de tensão junto das leituras e oficinas sobre o percorrer, levantaram anseios sobre olhar a cidade sob uma outra ótica, a do vivenciar a rua e a cidade sem necessariamente estabelecer

cidade fez ver a complexidade de de uma problemática que não tem como ser abordada em apenas um ano. O trabalho aqui apresentado mostra apenas uma visão, um fragmento de um tema que não deve parar aqui; Paraisópolis, assim como o outras favelas e periferias, necessitam de um estudo aprofundado e multidisciplinar sobre as intervenções necessárias em se tratando dos acessos básicos à moradia, à infraestrutura, ao espaço público e, principalmente, em se tratando do indivíduo como ser singular na cidade e em sua capacidade intelectual. A paisagem peculiar entre Paraisópolis envolvida pelo bairro do Morumbi destaca claramente seus contrastes, sejam eles sociais, físicos, em se tratando dos espaços habitáveis e de comércios e serviços e na apropriação que ambas realidades fazem da rua, utilizando-a (ou não) como local de permanência, lazer e fluxo. É um ambiente onde se lê claramente máquinas de guerra lutando pelo espaço urbano coabitando com aparelhos de captura e enclaves fortificados que buscam a ordenação do espaço físico e a homogeneidade social. Murar e isolar os espaços contribui para o esvaziamento dos espaços 93


pontos de chegada e de partida; utilizar-se da deriva urbana dos situacionistas. Esse percorrer pela área de estudo e suas imediações fez com que outras tantas aspirações surgissem, não só sobre a segregação física e social dos territórios informais, mas também sobre as barreiras sociais invisíveis de alguns espaços ditos públicos hoje presentes na cidade, podendo ser abertos, porém não partilhados, levantando um sentimento de não pertencimento ao lugar. Em meio a tantas indagações que levaram à proposta deste trabalho e às outras que a partir dele foram levantadas, fica ainda a questão principal sobre como a arquitetura pode ser um aparato subversivo em meio à lógica capitalista e propor espaços não impositivos, não consumíveis e como a arte pode apresentar-se acessível, emancipatória e ir contra a indústria cultural. As considerações aqui colocadas não servem como o fim de um trabalho, mas como o início da investigação de outras indagações por ele levantadas não só por mim, mas por quem também sentir-se instigado com as questões aqui abordadas e com as outras tantas aqui possíveis.

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I. 31. Mapa de localização do terreno e dos principais eixos de mobilidade. Autoria própria com base no Google Maps. _As imagens não numeradas são de autoria própria.

TABELAS T. 01. Autoria própria de acordo com informações do livro: READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.





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