autogestão e construção ecológica: amparando a luta pela reforma agrária através da habitação de interesse social rural
trabalho final de graduação universidade presbiteriana mackenzie faculdade de arquitetura e urbanismo são paulo, 2022
autogestão e construção ecológica amparando a luta pela reforma agrária através da habitação de interesse social rural
Fernanda Silva do Nascimento
orientadores: Prof. Dr. Paulo Emilio Buarque Ferreira Prof. Me. Ângelo Cecco Prof. Dr. Alexandre Augusto Martins
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“É preciso dizer então como habitamos nosso espaço vital de acordo com todas as dialéticas da vida, como nos enraízamos, dia a dia, num “canto do mundo”. Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo. Até a mais modesta habitação, vista intimamente, é bela.” A Poética do Espaço Bachelard, 1978
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agradeço à minha mãe, exemplo de força e luta em meio às dificuldades, é migrante nordestina e construiu junto à família a própria casa no sertão pernambucano. À quem também dedico este trabalho; aos amigos com quem compartilhei as dores e delícias dos cinco anos de graduação e que reforçamos nossos laços em tempos pandêmicos, obrigada Angel, Bob, Brubs, Cla, Fe Casal, Fe, Gui, Lai, Ju, Lu, Ste, Vi e todos amigos queridos dentro e fora da universidade; ao meu companheiro de vida, Tomás, com quem divido os sonhos de diferentes possibilidades de mundo; aos orientadores Alexandre Martins, Angelo Cecco e Paulo Emilio Buarque pela paciência e amparo no processo deste fechamento de ciclo; aos colegas e professores do Escritório Modelo Mosaico, Lizete e Antônio, bem como Eunice e Osmar do Assentamento Milton Santos que foram base essencial da minha formação; ao Programa Universidade para Todos que viabilizou minha graduação, graças ao programa sou a primeira geração da minha família a chegar ao ensino superior; aos povos campesinos, agricultores familiares, comunidades quilombolas e indígenas que seguem resistindo, nutrindo suas tradições e compartilhando suas sabedorias que têm reflexo direto na manutenção da biodiversidade brasileira.
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sumário 10
apresentação
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capítulo 01: território: habitat rural
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modos de morar
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programas sociais de habitação rural e incentivos
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autoconstrução: arquitetura possível ou necessária?
38
capítulo 02: sujeitos da luta
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MST: agricultura familiar e reforma agrária popular
48
movimento social e arquitetura: o caso da Usina CTAH
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capítulo 03: ensaio projetual
56
Vale do Ribeira e o Assentamento Luiz Macedo
68
partido e diretrizes
78
protótipo de habitação rural autoconstruída
110
considerações finais
112
bibliografia
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Apresentação
O desejo de explorar o tema deste
ser desenvolvido neste trabalho final da
trabalho a seguir é fruto de experiências
graduação. Estivemos atuando conjun-
com o que me atraiu ao curso de arqui- tamente com o Grupo TERRA (Territórios tetura: a possibilidade de contribuir para Rurais e Reforma Agrária) da Esalq-USP uma grande parcela da população que
no Assentamento Milton Santos do MST
não tem acesso à arquitetura. O primeiro
na zona rural da cidade de Americana, re-
contato com movimentos de luta pela mo- gião metropolitana de Campinas. Foi uma radia se deu no 2º semestre da graduação experiência muito importante para minha nas aulas de urbanismo e com ele surgiu
formação, conhecer o assentamento e sua
um encantamento pela força do fazer co-
história de luta, além de conhecer a pró-
letivo. Logo me aproximei do Mosaico, o pria história de vida de alguns assentaEscritório Modelo da Faculdade de Arqui-
dos.
tetura que me apresentou pessoas que se
A partir do contato com o Assenta-
tornaram muito queridas, professores e
mento Milton Santos pude de certa forma
grupos com experiências inspiradoras, e
ressignificar minha relação com o habitat
foi onde além de conhecer, pude também
rural que cresci em Araçoiaba da Serra, na
me colocar em contato direto com grupos região de Sorocaba. A experiência despere coletivos que atuam em ocupações na
tou a vontade de saber mais sobre iniciati-
cidade de São Paulo onde aprendi a im-
vas nesse meio relacionadas à arquitetu-
portância de me aproximar verdadeira-
ra, quando em 2020, durante as limitações
mente das pessoas e valorizar o laço que impostas pela pandemia, pude participar se cria.
de uma formação virtual em ATHIS rural
Em 2019, atuando como colabora-
promovida pela Peabiru TCA. A formação
dora no segundo grupo de trabalho den-
foi um importante aprofundamento dos
tro do Mosaico, tive a experiência que
exemplos e práticas da assistência técni-
me aproximou ainda mais do que viria a
ca, além de auxiliar na construção do re-
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ferencial teórico deste trabalho.
pondo uma alternativa possível de cons-
Com a chegada ao TFG havia a cer- trução, replicável e adaptável à contextos teza da inclinação para explorar processos
rurais parecidos.
colaborativos, contudo, os desdobramen-
As páginas a seguir buscam, ini-
tos da pandemia refletiram em limitações
cialmente, explorar os modos de viver e
dessa proposição, que apesar da inten-
construir no contexto rural, além de ex-
ção, não pôde se aproximar completa-
por a situação das políticas públicas que
mente desta dinâmica de atuação ou de
amparam a habitação de interesse social
uma demanda real. Entendeu-se então, a
no campo. Em seguida, abordando o sur-
necessidade de leitura e experimentação
gimento e a evolução do Movimento dos
em um contexto de exemplo, como forma
Trabalhadores Sem Terra como forma de
de lidar com desafios e limitações próxi-
transmitir a importância de sua atuação,
mas à realidade.
bem como da evolução de suas pautas.
Desde o início havia a compreenção
Além disso, buscou-se entender a cola-
da importância de pensar a habitação de
boração de assessorias técnicas junto ao
interesse social e do distanciamente des-
movimento e como se dão os processos
sa pauta quanto ao contexto rural. Com o de construção dessa relação, para isso foi objetivo então de amparar a luta de mo-
feita pesquisa da atuação da Usina CTAH.
vimentos e coletivos pelo acesso à terra, Para finalizar, a aproximação do território buscando entender estratégias para via-
do Vale do Ribeira através de suas carac-
bilizar a permanência dos assentados na terísticas socioeconômicas e ambientais, terra por meio da autogestão. Junto à isso
e que se encaminha para o desenvolvi-
soma-se o desejo de explorar materialida-
mento do ensaio projetual deste trabalho.
des diferentes das trabalhadas ao longo da graduação, de forma que se adaptasse à escala e contexto da proposição. Com-
11
12
Capítulo 01:
território: habitat rural
13
O meio rural há muito tempo é
a dinâmica presente nas cidades brasilei-
marcado pela dicotomia presente na rela- ras, onde a população segue construindo ção entre urbano e rural, que é fruto de em ocupações informais, em periferias e diretrizes que regem o processo de de-
locais de difícil acesso.
senvolvimento do Brasil através de uma
De acordo com Abramovay (2000,
economia agroexportadora, marcada pelo
apud SARACENO, 1996) existe um vício na
processo de industrialização e pelo êxodo definição das áreas rurais no Brasil que rural ocorrido no século 20, que estabele-
contribui para que essas sejam sinônimo
ceu aquilo que é urbano como prioridade
de atraso, carência de serviços e falta de
do Estado, promovendo um desenvolvi- cidadania quando classificadas por uma mento das políticas públicas referenciado
“natureza residual”, essas áreas são em
no contexto das cidades que depois se-
suma aquelas fora dos limites das cida-
riam reproduzidas no território rural.
des, continua:
A lógica do capitalismo industrial
O acesso a infraestruturas e ser-
que molda a estrutura de formação das
viços básicos e um mínimo de
cidades caracteriza as raízes da segrega-
adensamento são suficientes para
ção espacial, que “tende a ampliar-se de
que a população se torne “urba-
forma desigual e combinada no tempo e
na”. Com isso, o meio rural corres-
espaço, [...] sem perder a essência da de-
ponde aos remanescentes ainda
sigualdade social, lida nas diversas for-
não atingidos pelas cidades e sua
mas de moradia” (SOUZA, 2008), expondo
emancipação social passa a ser
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Criança indígena da Aldeia Pindoty em Pariquera-Açu na Região do Vale do Ribeira. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli, 2018
vista — de maneira distorcida —
(MELO, 2020). Este lema aponta para a re-
como “urbanização do campo”
lação inseparável e de interdependência entre campo e cidade, como territórios
Percebe-se então uma relação am-
que promovem vida e dignidade humana,
bígua entre o fato de um país de dimen-
afirma Mylena Melo, jornalista do “O Joio
sões continentais que buscou a indus-
E O Trigo”, portal que aborda o jornalismo
trialização, mas ainda é onde a produção
investigativo sobre alimentação, saúde e
agropecuária de commodities está no poder. âmago do desenvolvimento econômico; e
Cabe, então, explorar as caracte-
a constante desvalorização do meio rural,
rísticas da vida rural, valorizando seus
combinada com a incapacidade de explo- aspectos culturais e sociais, bem como rar as potencialidades que o desenvol-
meios de preservar a biodiversidade pre-
vimento pode trazer apontam para uma
sente nesse contexto, de forma a apontar
lógica que define as áreas rurais como es-
alternativas ao sistema reprodutor de de-
toque de áreas a serem urbanizadas.
sigualdades que avança e reprime povos
“Se o campo não planta, a cidade tradicionais, muitas vezes imposto pelo não janta” é um lema dos trabalhadores
Estado que promove a segregação e reti-
e trabalhadoras do campo, que busca ex-
rada desses grupos de seu habitat.
plicitar o crucial papel da agricultura familiar para o abastecimento das cidades com a produção de comida de verdade
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Modos de morar
ocorre pois “a casa-grande expressa com maior nitidez às características arquitetônicas marcadas pelo tempo de suas edificações, a dinâmica da estratificação social da economia dominante e a memória da cultura herdada dos tempos coloniais”.
A maioria dos estudos sobre a moradia rural se limitou ao Brasil colonial, abordando especialmente a casa-grande das fazendas de café, engenhos de açúcar e centenas de cabeças de gado. Infelizmente os modos de morar das famílias simples do campo não tiveram destaque na bibliografia científica. Segundo Almeida (2008 apud, Rodriguez, 2016), isso
Em “Habitação Rural: uma luta por cidadania” Cecília Silva define o conceito da moradia no meio rural para além do viés econômico, definição essa que rege os caminhos desse trabalho: A moradia rural é um elemento de fixação do homem à terra, é sua residência. Mas mais do que uma mercadoria, a moradia rural é uma prática familiar. Enquanto no ur-
Sítio Querubim São Roque-SP, foi construído por volta de 1680, em taipa de pilão e pau a pique. Fonte: acervo digital do Iphan.
16
bano os locais de trabalho e de
nas ao entorno imediato da moradia, mas
moradia quase sempre se consti-
revestindo-se de características subjeti-
tuem em espaços físicos distintos,
vas inerentes à relação que se estabelece
no mundo rural, esses espaços se
entre o morador e o ambiente físico que
constituem em uma unidade física
o recebe. Ainda segundo Villa e Ornstein
e espacial única – o lote ou o sítio,
(2013) existem algumas fontes que con-
onde diversas escalas de trabalho,
tribuem para a definição da identidade do
lazer e de interação comunitária e
indivíduo e da família através da leitura
social acontecem. Nessa perspec-
da habitação rural quando compreendida
tiva, a moradia rural se torna ele-
como uma entidade que conecta pessoas
mento fundamental dos territórios
(tanto indivíduos como suas gerações),
rurais. (SILVA, 2014)
tempos (passado e suas memórias, bem como o futuro dos ocupantes) e vários
Mostra-se importante um mape- elementos do contexto socioambiental amento dos aspectos característicos da em que está inserida. habitação do trabalhador rural e suas
Dentre muitos fatores, a habitação
influências, estabelecendo como recor-
em zona rural se torna diferente do que
te o estado de São Paulo. Essa definição
acontece no meio urbano, pois como já
é importante, pois, as características da
mencionado por Silva (2014) além de ser
moradia rural são distintas conforme a
elemento de fixação na terra, se tornan-
região do país, e dada suas dimensões e
do indispensável às atividades do traba-
tamanha diversidade observa-se aspec-
lhador rural, sua habitação desde então
tos variados, e como veremos a seguir,
permanece profundamente ligada à ter-
são resultantes de múltiplos fatores que ra e seus moradores, como define Peres influenciaram essas características.
(2003) sobretudo quando este contribui
Em “Vivienda rural, territorio y sus-
com seu próprio esforço e responsabili-
tentabilidad” Tena (1999) define a habita-
dade para construção - característica co-
ção rural como um “fenômeno sócio espa- mum do modo de construir que veremos cial”, uma vez que a conceituação desse
no final deste capítulo.
território envolve o entendimento de
Percebe-se então a natureza cen-
elementos de ordem biológica, histórica,
tral da moradia nesse contexto, configu-
cultural, econômica, ideológica e política.
rando-a como o próprio eixo do habitat
Esse ponto é reforçado por Villa e Ornstein camponês, que além de abrigo desenvol(2013) afirmando que uma análise pos-
veu funções diversas que abrangem des-
sível da moradia rural deve extrapolar o
de a armazenagem da produção até o seu
objeto edificado, expandindo-se não ape-
beneficiamento, essas funções da casa
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rural estão diretamente ligadas ao modo socioculturais bem como suas heranças e de vida de quem a habita, como aborda
tradições, e que diferente do que se ima-
Peres:
gina, está menos ligada a fatores como o clima, o sítio físico, os saberes construParticularmente no meio rural, o
tivos da época e à tecnologia disponível,
uso da habitação transcende os li-
pois estes configuram “fatores de mudan-
mites da casa, e é mais pertinente
ça”.
concebê-la em relação ao uso do
Nesse sentido, existe uma dificul-
espaço. Além disso, há que levar
dade em estabelecer um padrão universal
em conta que a habitação reflete
para habitação rural, Peres (2003) aponta
o modo de vida da população em
para características e partidos arquite-
sua implantação, forma, mate-
tônicos comuns ou antagônicos que vão
riais, distribuição de ambientes,
sendo apropriados conforme cada reali-
construção do espaço periférico
dade. A autora aponta para duas grandes
uma vez que sobre esses aspectos
categorias que são retratos da estratifi-
exercem influência direta a com-
cação social: uma tem linguagem própria,
posição da família, o tipo de tra-
com soluções simples e funcionais, cons-
balho, a organização comunitária,
truídas com o que se tem disponível, uti-
a cultura construtiva e as condi-
lizadas para melhorar os efeitos do clima,
ções do meio ambiente. (PERES,
como paredes de feita de pau-a-pique; a
2003)
segunda se caracteriza por projetos residenciais destinadas às classes média e
Quanto à sua forma, especificamen-
alta, as quais rejeitam os elementos da
te, pode apresentar diferentes qualidades
arquitetura vernacular locais, como forma
derivadas do trabalho individual, junto
de diferenciação social, inclinadas a ado-
à família ou coletivo, dos recursos exis- tar um repertório modernista ou modistentes e dos conhecimentos construtivos,
mos (ARAÚJO, DINIZ, 2008 apud RODRI-
geralmente não formais, mas adquiridos
GUEZ).
empiricamente ou passados de geração
Historicamente, a habitação rural
para geração. O arquiteto polonês, Amos
teve influência da tradição arquitetônica
Rapoport em seu livro “House Form and
colonial, contudo, devido às diferentes
Culture” (1969) obra em que defende as
culturas, costumes, aspectos da geografia
raízes culturais da forma arquitetônica;
e do clima presentes no Brasil, originou-
aborda através do estudo de sociedades -se arquitetura residencial com diferentes primitivas e vernaculares a relação intrín-
características, que se desenvolveu com
seca entre a forma da habitação e fatores referências às vezes ligadas aos povos
18
nativos, como os indígenas, mas também próximas dos colonizadores e imigrantes, como os já citados colonizadores portugueses num âmbito mais geral do território, como também dos alemães, por exemplo, na região sul do Brasil. Quanto
Casa no Quilombo João Surá em Adrianópolis na Região do Vale do Ribeira. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli, 2018
ampla gama de atividades e interações sociais, mostrando como o sentido de
às influências da população nativa, e em
morar no campo, não está ligado somen-
priação da cobertura das casas com a pa-
o trabalho ao lazer, acontecem no exterior
decorrência dos primeiros missionários te à casa propriamente dita, uma vez que jesuítas, tem-se, por exemplo, uma apro- grande parte das atividades rurais, desde lha e a estrutura da armação de madeira que definiu a planta retangular das casas bandeiristas (LEMOS, 1999).
da unidade habitacional. Comumente, a entrada do lote é formada pelo jardim, que é parte do ter-
Rodriguez (2016) discorre sobre
reiro (área ao redor da casa normalmente
paço exterior da habitação que é conce-
é também onde os animais criados sol-
elementos espaciais que compõem a mo- em terra batida) muitas vezes é formado radia tradicional rural, a começar pelo es- por canteiros de plantas ornamentais, bido como lugar onde se desenvolve uma
tos ficam. Localizada nos fundos da casa
19
acima: Sítio Querubim em São Roque, construído por volta de 1680 em taipa de pilão e pau-a-pique. ao lado: Casa do Sítio do Padre Inácio em Cotia, construída em fins do século XVII. Fontes: site do Professor Dr. Silvio Colin.
configurando um espaço fresco e protegido do sol e da chuva, que promove grande permanência dos moradores e assim, a sociabilidade nesse ambiente. (Rodriguez, 2016). as plantações para própria subsistência eram compostas por pomar e horta que tem proximidade estratégica à cozinha; essa área nos fundos também era destinada aos animais de criação que tinham espaço cercado apropriado. A varanda, também chamada de alpendre, é considerada como um dos elementos mais importantes da casa rural. Estas são áreas de convívio, reunião, conversas e até mesmo descanso nas redes postas à noite. Além do alpendre nos fundos, “em muitas casas está presente também a cobertura de telhado prolongada, apoiada sobre pilares e um muro baixo”,
20
Quanto às tipologias, nota-se a conservação de alguns padrões portugueses da casa colonial - que se expressam depois na casa bandeirista - a exemplo da disposição dos espaços internos, como aponta Rodriguez: Habitualmente, nas casas de fazenda, havia um alpendre na fachada frontal, com janelas e portas de acesso à casa, por vezes, junto ao alpendre, no interior, havia duas salas, uma para homens e outra destinada às mulheres. A partir daí um corredor central permitia o acesso aos quartos de
dormir, também destinados para
dos moradores na casa rural e descrevem
homens e casais (que ficavam na
este espaço como muito amplo, onde além
frente, com janelas), e os quartos
de cozinhar e de se realizar outros traba-
das mulheres (sem janelas). A or-
lhos, também se faziam refeições eventu-
ganização dos cômodos de dormir
ais. Segundo Lemos (1989), inicialmente,
expressava o tratamento que a
a cozinha ficava próxima aos dormitórios,
sociedade patriarcal concedia às
“devido ao costume trazido pelo branco
mulheres, destinando a elas os cô-
europeu que tinha como centro da casa o
modos mais protegidos, longe de
fogão (com a finalidade de manter a famí-
todo o contato exterior e da socia-
lia aquecida)”, com o clima brasileiro, este
bilidade masculina, tornando-se
cômodo deixou de integrar a parte interna
símbolo da sociedade colonizado-
da casa e passou a ser construído do lado
ra e patriarcal, tradicional e soli-
de fora.
damente assentada em seus direi-
A evolução da casa rural sofreu
tos de herança e poder (ARAÚJO,
grande influência de questões como o
DINIZ, 2008, apud RODRIGUEZ)
acesso à energia e água encanada, a ser-
Araújo e Diniz (2008) apontam ainda que a cozinha é também um dos principais locais de permanência e interação
Convivência no quintal de casa da Aldeia Takuari em Eldorado na Região do Vale do Ribeira. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli, 2018
21
Ocupação da casa e seus cômodos. Fonte: Ferreira (2007)
viços e aos bens de consumo, como ele-
forme Rapoport (1969), algumas formas
trodomésticos e mobiliários, tendo por
construtivas são aceitas e resistem forte-
vezes a cidade como sinônimo de ascen-
mente às mudanças, devido à importância
são social.
dada às tradições.
Da mesma forma que o meio rural
Em “Dos sonhos de uma casa a
suporta uma enorme carga de tra-
casa dos sonhos: moradia e qualidade de
dição, é importante compreender
vida na comunidade Terra Livre” Ferreira
também, que esses espaços não
(2007) aborda como as relações entre os
são
particularmente
moradores e esses espaços ainda repro-
hoje com o acesso da população
duzem padrões relacionados ao gênero e
rural a bens e serviços produzidos
hierarquia nas funções e tarefas da vida
na cidade e da apropriação de al-
rural, também estuda sobre o grau de uso
guns aspectos da cultura urbana,
dos espaços, apontando para uma con-
como os principais fatores de mu-
servação de alguns hábitos da vida rural
danças nos padrões e modos de
descritas há pouco, e que são perceptíveis
morar. (RODRIGUEZ, 2016)
pela alta permanência que ainda elencam
estáticos,
a varanda e cozinha como espaços princiEntretanto, apesar destas trans- pais da casa por conta de suas várias funformações, percebe-se a persistência de
ções e sociabilidade promovidas, confor-
características e formas de morar que se
me gráfico no topo da página.
mantinham no decorrer dos anos, con-
22
23
Programas sociais de habitação rural e incentivos Conforme dados do último censo
surgir e estar ligadas ao contexto urbano,
demográfico brasileiro elaborado pelo
merece destaque a ascensão da atuação
Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
dos movimentos socioterritoriais de luta
tística (IBGE), no ano de 2010, o Brasil pela terra. A partir dessa atuação, o Espossuía 190 milhões de habitantes, dos
tado brasileiro avança no desenvolvimen-
quais 15,64% viviam em áreas rurais. Con- to legislativo de políticas afirmativas que siderando essa porcentagem e as proje-
visam a reparação de grande parte dessa
ções da população total feita pela mesma população por muito tempo invisibilizainstituição no ano de 2021, a população da (OLIVEIRA, 2019), contudo, sempre à em áreas rurais atualmente passa de reboque das iniciativas dos movimentos 33,3 milhões. Em 2021, a Fundação João
através protestos, ocupações e pressões
Pinheiro divulgou pesquisa referente ao
populares
ano de 2019 que aponta o déficit habita-
Os principais marcos das lutas des-
cional em torno de 5,88 milhões de unida-
sa época são o Estatuto da Terra de 1964,
des habitacionais no Brasil, dos quais 832 promulgado na vigência do primeiro gomil unidades estão em área rural.
verno militar e, posteriormente, o I Plano
Entre os anos de 1960 e 1970 se ob- Nacional da Reforma Agrária, lançado em serva um momento de inflexão da popula-
1985, que promoveu a produção de assen-
ção rural para urbana (vide gráfico da taxa
tamentos da reforma agrária junto às ha-
de urbanização brasileira ao lado) e com o bitações. O maior número foi implantado aumento demográfico nas cidades, quan-
na década de 1990, durante o Governo de
do as políticas habitacionais começam a Fernando Henrique Cardoso, sob o efeito Distribuição do deficit habitacional por situação de domínio segundo regiões geográficas no Brasil, 2019. Dados de base: IBGE. Fonte: Fundação João Pinheiro
24
Gráfico da taxa de urbanização brasileira. Fonte: Censos 1941 à 2010.
das pressões dos movimentos (WANDER-
Como afirma Norder (1997), as po-
LEY, 2014), em especial, do Movimento líticas de habitação são projetos criados dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que
exclusivamente para resolver situações
há pouco havia se formado, como símbolo
de conflitos localizados e não situações
da unificação das lutas pela terra.
de pobreza e exclusão social, ou mesmo
Iniciativas de universidades e mo- para resgatar o potencial produtivo da vimentos sociais tentavam dar conta das agricultura familiar. Ponto também destademandas por moradia rural, operando
cado no contexto da reforma agrária atra-
programas urbanos já existentes, adap-
vés das palavras do economista e cofun-
tados à realidade rural (SILVA, 2014). É o
dador do MST, João Pedro Stédile em seu
caso do Programa de Subsídio à Habita-
livro “Experiências históricas de reforma
ção (PSH) existente desde 1999, adaptado
agrária no mundo – vol.I” (2020):
do modelo urbano para o rural, em 2003.
“São aqueles programas de gover-
Com sua implementação e como resulta-
no que procuram distribuir terras a
do da articulação entre o Instituto Na-
famílias de camponeses, utilizan-
cional de Colonização e Reforma Agrária
do-se da desapropriação ou com-
(INCRA), a Caixa Econômica Federal (CEF)
pra da terra dos fazendeiros. São,
e o MST, firmou-se um convênio entre o
porém, limitados na abrangência e
Ministério das Cidades (MCID) e o Minis-
não afetam a estrutura da proprie-
tério de Desenvolvimento Agrário (MDA)
dade da terra. São políticas par-
para o financiamento e subsídio habita-
ciais, que atendem aos campone-
cional destinado aos trabalhadores rurais
ses, mas não são massivas, e por
sem terra e pequenos agricultores, além
isso funcionam mais para resolver
de permitir a articulação de diversas po-
problemas sociais localizados ou
líticas e programas para o público rural
atender populações mobilizadas
como, por exemplo, o programa de cister-
que pressionam politicamente o
nas rurais.
governo. O governo dos Estados
25
Unidos, principalmente, tem es-
tância como visto no início do capítulo;
timulado essa política em muitos
também porque a maioria dessas áreas
países, mediante ações e recursos
está degradada ambientalmente, por de-
do Banco Mundial, que ajudam a
corrência da exploração intensiva feita
financiar a compra de terra dos fa-
pelos antigos latifundiários.
zendeiros. Os programas do Banco
Rolnik e Nakano (2009) criticam,
Mundial ficaram conhecidos como
nesse contexto, a ausência de uma orga-
crédito fundiário, Banco da Terra
nização que provesse projetos de urbani-
etc. e foram aplicados nos países
zação e uma assistência técnica que visas-
de maior tensão na disputa pela
se a qualidade e segurança habitacional.
terra, como Brasil, Filipinas, África
Segundo os autores “tradicionalmente, a
do Sul, Guatemala, Colômbia e In-
política habitacional brasileira baseou-se
donésia.” (STÉDILE, p.26)
na oferta de subsídios e créditos individualizados para a obtenção da proprieda-
Segundo Kawakami (2010), na situ-
de privada” e, quando aprimoradas para
ação atual, muitas vezes essas áreas que
atingir classes mais baixas, os créditos
são destinadas à Reforma Agrária não são em grande parte utilizados no custeio conseguem se desenvolver nos âmbitos,
da autoconstrução com a compra de ma-
sociais, ecológicos, culturais e econômi-
teriais.
cos por ineficácia das políticas públicas,
Previsto na Política Nacional de Ha-
que deixam de levar em conta as deman- bitação (PNH) de 2004, que visava garandas, a cultura e as especificidades dessas
tir um padrão mínimo de habitabilidade e
comunidades, ações de extrema impor- acesso a equipamentos e infraestrutura
Casas do Programa Minha Casa Minha Vida em Imperatriz (MA), são 3.920 unidades habitacionais. Fonte; site oficial da prefeitura de Imperatriz.
26
urbana, tais como transporte, educação,
diferentes olhares para cada seg-
saúde, saneamento, entre outros; o Plano
mento social. (BONDUKI, 2014)
Nacional de Habitação (PlanHab), foi um
Em resposta à crise econômica
esforço realizado pela Secretaria Nacional mundial de 2008 e seus efeitos no país, de Habitação em propor um plano estra- é lançado em 2009 o Programa Minha tégico para o equacionamento das neces-
Casa Minha Vida (PMCMV), que foi proje-
sidades habitacionais do país no período tado como um “ambicioso programa para de 15 anos. O Planhab foi lançado em 2008 aquecer ainda mais o setor da construção com horizonte para 2023, Bonduki reforça
civil, potencialmente capaz de dinamizar a
a importância desse plano nos seguintes economia nacional face à ameaça da crise [...] não poderia se considerar apenas um
termos: Um dos grandes avanços do
programa de provisão de moradias, pois
PlanHab foi reconhecer e incorpo-
fica evidente seu caráter econômico, de
rar a diversidade da rede urbana
grande importância para o setor privado,
brasileira, além de incorporar as
que passa a ser o principal agente pro-
particularidades da zona rural,
motor da política habitacional” Rodríguez
superando a homogeneidade com
(2016). Tendo a Caixa Econômica Federal
que a questão habitacional, em ní-
como agente financeiro e gestor opera-
vel nacional, foi tratada no passa-
cional e a partir das diretrizes do Progra-
do. Assim, suas propostas, estra-
ma de Aceleração de Crescimento (PAC),
tégias, ações e metas levaram em
se subdividiu em Programa Nacional de
conta a diversidade do problema
Habitação Urbana (PNHU) e Programa
em todas as suas variáveis, as di-
Nacional de Habitação Rural (PNHR). Com
ferentes categorias de municípios,
vistas a instituir modalidades para famí-
as especificidades regionais e os
lias com renda de até três salários mínimos, de três a dez salários mínimos e a
Subsídios do PNHR/PMCMV oferecidos às famílias beneficiadas pela reforma agrária. Fonte: cartilha do PNHR, Ministério das Cidades, 2013.
modalidade entidades. Um aspecto positivo do programa é a quantidade de recursos financeiros des-
27
tinados ao atendimento das famílias mais
Para entender melhor quanto os
pobres, porém, o PMCMV recebeu diver- benefícios do programa podem favorecer sas críticas, principalmente, com respeito
a construção de uma nova casa, cabe con-
à qualidade dos projetos (em suas dife-
siderar o cálculo elaborado por Ferreira e
rentes escalas) como segregação sócio
Perrin (2016) que considera o Custo Uni-
espacial dos empreendimentos, a espe-
tário Básico (CUB) indicador de custos do
culação imobiliária; e como o programa
setor da construção civil, usado para esti-
está longe de ser uma política de caráter pular o gasto completo de uma obra: público e mais de mercado, situação, que
Partindo do custo médio por m² de
envolve uma trama complexa de interes-
construção (CUB) referente ao pa-
ses. O grande aporte financeiro também
drão de interesse social (padrão
é alvo de críticas pois refere-se especial-
mais baixo indicado), estimado
mente à produção de novas habitações
em R$ 778,76 reais, com o montan-
– desarticulado, portanto, da estratégia
te de R$ 28.500,00 reais poderiam
prevista no PlanHab e desperdiçando
ser construídas novas habitações
a oportunidade de equacionamento da
com cerca de 36 m². [...] Este cál-
questão habitacional através da redução
culo embora não inclua os custos
significativa do déficit no que diz respeito
indiretos existentes na produção
às moradias passíveis de reformas para
dos canteiros de obras e inclua
tornarem-se aptas à moradia, uma vez
um valor de mão de obra um pou-
que estas compõe a maioria do déficit.
co maior (40%) do que o valor au-
Com relação às políticas públicas
torizado pelo financiamento serve
direcionadas às construções em regiões
para indicar, de maneira global, o
rurais, estas estão ligadas ao Programa
quadro habitacional estabelecido
Nacional de Habitação Rural (PNHR), e
pelos programas de governo para
tendo como agente financeiro também a
os assentamentos rurais de refor-
Caixa Econômica Federal, se destina ex-
ma agrária. Como resultado, são
clusivamente aos moradores rurais como
frequentes as casas de baixa qua-
os agricultores familiares, trabalhadores
lidade, geralmente pequenas para
rurais e comunidades tradicionais. O be-
o tamanho das famílias ou ainda
nefício se destina às famílias com renda
com maiores dimensões, mas in-
anual de R$15.000,00, e prevê o valor de
terrompidas antes do término, de-
R$ 28.500,00 para novas construções e
vido à falta de recursos financei-
R$17.200,00 reais para a reformas, desses
ros (FERREIRA E PERRIN, 2016).
valores até 35% podem ser destinados à mão de obra.
28
Com objetivo de garantir a quali-
Casas do Programa Minha Casa Minha Vida em Linhares, no Espírito Santo. Foto: Secundo Rezende
dade na produção de habitação rural, o
tradições, costumes e valores lo-
PNHR/PMCMV estabelece como respon-
cais que expressem a diversidade
sável o Ministério das Cidades (MCID), o
cultural existente e assegurando a
qual regulamenta as diretrizes e condi-
interlocução com os agentes en-
ções gerais de operação, gestão, acompa-
carregados das políticas públicas
nhamento, controle e avaliação do PNHR.
voltadas para esses segmentos
Estabelece assim, várias diretrizes das
populacionais [...] (MCID, 2013).
quais cabe destacar: “os projetos arquitetônicos deverão apresentar compatibi-
Contudo, os possíveis benefícios
lidade com as características regionais,
dessas determinações são inviabilizados,
locais, climáticas e culturais da localida- muitas vezes, por quem realiza a consde, e ainda prever a ampliação futura da
trução desses empreendimentos, como
unidade habitacional” (MCID, 2013). Além aponta o livro “Minha casa... e a cidade? disso, estabelece especificações sobre o
Avaliação do Programa Minha Casa Minha
projeto do trabalho social e do seu desen- Vida em seis estados brasileiros” onde as volvimento: Os Projetos de Trabalho Social
autoras abordam a dinâmica das construtoras:
em empreendimentos voltados ao
O poder das grandes construto-
atendimento de comunidades qui-
ras, ou seja, a capacidade destas
lombolas, pescadores artesanais,
de impor as suas especificações
ribeirinhos, indígenas e demais
e padrões técnicos, tem se mani-
comunidades tradicionais deve-
festado de forma mais expressiva
rão considerar as peculiaridades
diante da incapacidade dos pos-
de cada contexto, respeitando as
síveis entes reguladores (como a
29
Prefeitura e a Caixa) em propor e
do inserir áreas precárias no mercado e no
realizar modificações de projeto
crédito imobiliário (GUERREIRO; ROLNIK,
que possam adequar-se melhor à
2020; OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES,
experiência de moradia das famí-
2020).
lias. O poder das grandes empre-
Faz pouco mais de três décadas que
sas dentro do sistema é reconhe-
as autoridades governamentais reconhe-
cido pela Caixa (AMORE, SHIMBO
ceram o dever de fazer reforma agrária a
e RUFINO, 2015).
partir da política de assentamentos rurais e vinculada à habitação de interesse so-
A mais recente atualização a res- cial. Como já destacado, essa política não peito das políticas públicas em habita-
pode ser elaborada isoladamente, mas
ção de interesse social é o lançamento, sim associada e referenciada por uma posubstituindo a política anterior, do Pro- lítica de desenvolvimento territorial rural. grama Casa Verde e Amarela, instituído Programas de habitação rural não devem em 2020, durante o governo de Jair Bol- se limitar à provisão habitacional, mas sonaro. A proposta segue os moldes do
devem se articular com políticas fundiá-
PMCMV mantendo o PNHR, com poucas rias, de saneamento ambiental, de geraalterações sendo a principal delas a in- ção de trabalho e renda, etc (SILVA, 2014). clusão em seu escopo do apoio a regula-
Assim, a habitação rural se configura não
rização fundiária, melhorias habitacionais só como direito fundamental humano, através de assistência técnica, opção de
mas como promotora do desenvolvimen-
financiamento para a faixa de renda mais
to do campo, e consequentemente, do de-
baixa que passa a ser incluída na cobran-
senvolvimento do país.
ça de juros (MELO, 2021).
Para concluir, Ferreira e Perrin
Entretanto, ainda que recente, o (2016) aponta para importância de uma programa já vem sofrendo críticas quan-
aproximação das dinâmicas e realidades
to às suas propostas que se baseiam na sociais de um assentamento rural, como repetição de erros anteriores. Estão entre
forma de enviesar as propostas de proje-
elas a não priorização do grupo de menor to, essa aproximação se dá pela leitura de renda, onde se concentra a maior neces-
“características, valores, condições, pro-
sidade para acesso ao subsídio, a atuação
cessos históricos, entre outros elemen-
em melhoria habitacional apenas com in- tos, presentes neste mundo rural, e em tervenções pequenas que não consideram suas relações com o mundo urbano”. problemas estruturais e a ideia de regularização fundiária desprendida de investimentos públicos em infraestrutura, visan-
30
Deve-se atentar para o fato das condições, regras, normas e padrões impostos no acesso à moradia revelarem as contradições existentes entre o direito a habitar e a dificuldade em fazê-lo. A produção do habitat se afasta cada vez mais de sua realização enquanto fruto das disponibilidades dos materiais locais, prioridades, desejos e valores familiares, alinhados às características culturais dos grupos sociais, e passam a ser rigorosamente pautadas por formas heterônomas de satisfação das necessidades, bali-
Casas populares na Região do Vale do Ribeira. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli, 2018
zadas por custos operacionais e por interesses financeiros. (FERREIRA E PERRIN, 2016).
31
Autoconstrução: arquitetura possível ou necessária? Como visto, alguns incentivos aca-
A autoconstrução, o mutirão, a
bam por promover a autoconstrução.
auto-ajuda, a ajuda mútua são
Essa prática está ligada às classes mais
termos usados para designar um
baixas, logo, à maioria das construções e
processo de trabalho calcado na
reformas no país. Estas construções estão
cooperação entre as pessoas, na
sempre em modificação, desprendendo
troca de favores, nos compromis-
um alto investimento ao longo do tempo e
sos familiares, diferenciando-se
revelando insatisfações contínuas e pos-
portanto das relações capitalistas
sivelmente, má qualidade habitacional. A
de comprar e venda da força de
continuidade da aderência a essa prática
trabalho. Seja para a construção
hoje decorre de aspectos como o territó-
de casas, seja para o tratamento
rio, a renda, cultura e técnica construtiva
da colheita, no meio rural, o mu-
dominada pelo autoconstrutor. No livro “A
tirão, tradição de se extingue gra-
produção capitalista da casa (e da cida-
dativamente, implicou frequen-
de) no Brasil industrial” Ermínia Maricato
temente em festas com danças e
aponta as bases dessa prática:
bebidas, num acontecimento que coroava o fim do dia, quando da
Cenas do documentário Fim de Semana, de Renato Tapajós e Erminía Maricato, 1976.
32
convocação de um novo mutirão.
Através dele firma-se um compro-
detalhes da própria habitação, Maricato
misso de troca de favores, em ba-
crítica aspectos normalmente romantiza-
ses batente espontâneas, apesar
dos, como a própria solidariedade:
de ser ditado pela necessidade.
É principalmente através da auto-
(MARICATO, 1982)
construção que a maioria da população trabalhadora resolve o pro-
Sem assistência técnica e geral-
blema da habitação, trabalhando
mente para uso familiar é como pode ser
nos fins de semana, ou nas horas
caracterizado o processo de construção
de folga, contando com a ajuda
ou modificação, onde os futuros morado-
de amigos ou parentes, ou con-
res são responsáveis por todas as deci-
tando apenas com a própria força
sões tanto projetuais quanto no canteiro
de trabalho (marido, mulher e fi-
de obras, “definindo materiais de constru-
lhos). [...] A solidariedade, quando
ção, arranjo funcional, acabamentos e até
existe, é uma determinante para
a mão de obra a ser empregada, podendo
a sobrevivência. O contato direto
esta ser dos próprios moradores, pessoas
com a produção da casa também.
conhecidas ou de profissionais liberais”
Não há outra escolha possível, as-
(SOUZA, 2017). A moradia quando constru-
sim como não há outra arquitetu-
ída pelos próprios trabalhadores rurais,
ra possível para substituir aquele
se adequam ao meio geográfico em que
que caracteriza o espaço de resi-
habita e, segundo Costa; Mesquita (1978
dência da classe trabalhadora [...].
apud RODRIGUEZ, 2016), “ao construir a
(MARICATO, 1982)
habitação, lhe imprime o próprio padrão econômico e sua condição sociocultural,
Infelizmente este cenário se dá há
utilizando, geralmente, o material forne- muitas décadas por conta de condições cido pela natureza que o cerca, de acordo impostas pelo estágio de desenvolvimencom as técnicas que ele domina”.
to do capitalismo, “seja pelo baixo poder
Apesar de destacar a solidariedade aquisitivo dos salários, seja porque as como aspecto positivo, abordando tam- políticas oficiais estatais não suprem esbém como vantagem do mutirão a “possi- sas demandas e/ou tratam a infraestrubilidade de um maior contato do morador tura e equipamentos, coletivos ou não, produtor com a habitação produto, permi-
como mercadorias” (MARICATO, 1982).
tindo-lhe uma visão integrada de proces- Ainda citando Maricato, essa dinâmica faz so produtivo e portando um contato desa- com que a parcela populacional menos lienante com o produto”, já que o morador afortunada seja responsável não só pela acompanha, decide e executa os mínimos autoconstrução de suas casas, mas tam-
33
bém de parte das cidades, na medida em relaciona também à escolaridade e renda, que desamparadas pelo poder público se estando nas classes A e B a maior porcenveem obrigadas a suprir suas próprias necessidades dentro de suas condições.
tagem. No contexto dos movimentos de
Ao explorar pesquisas quantitati-
luta pela terra, há um iminente embate
vas acerca do assunto, principalmente as
político e conflituoso por moradia que se
de autoria da ABRAMAT, ANAMACO e Poli
dá pela apropriação de terrenos, tem-se
USP¹ observa-se a expressiva realidade
um processo prioritariamente ligado à
da autoconstrução no Brasil. Respectiva-
sobrevivência imediata. Segundo Nasci-
mente às fontes citadas, 77% das cons-
mento (2015), a urgência em se erguer a
truções e reformas no país são realizadas moradia visa a consolidação do assentasegundo a prática em questão, compondo
mento, porém dá origem a construções
um total de 84% das vendas dos mate-
frágeis, improvisadas e repletas de pro-
riais de construções; bem como do total blemas patológicos que só vão se consode 77% das pessoas em amostra que pos- lidar ao longo do tempo. suem demandas para realização de obras,
A atuação de arquitetos junto à co-
82% pertencem às classes D e E; e con- letivos e movimentos que promovem a sequentemente, o fluxo financeiro gerado
autoconstrução será abordada melhor no
pela construção civil aponta a ligação di-
capítulo adiante, por hora, cabe mencio-
reta das classes mais baixas à autocons-
nar a evidente necessidade de uma mu-
trução (NASCIMENTO, 2011). Segundo pesquisa realizada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) junto ao Instituto Datafolha em 2015, 54% da população classificada como economicamente ativa já construiu ou reformou imóveis residenciais, sendo que 85% desse número não contou com assistência técnica. O mesmo estudo também revela que a contratação desse serviço se
¹ Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (ABRAMAT, 2005); Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (ANAMACO, 2008) e Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (MDIC/EPUSP, 2003).
34
Como o brasileiro constrói, pesquisa Datafolha e CAU/BR, 2015
dança da lógica de atuação e produção
Do ponto de vista prático, a autono-
formal da arquitetura para que se possa
mia do sujeito pode ser favorecida atra-
pensar na intersecção com a autoconstru-
vés da autoconstrução, pois se configura
ção, de forma a não reproduzir uma lógica
mais democrática ao contrário do que se-
de produção mercadológica e capitalista ria a imposição de um modo de morar ideno canteiro, seguindo a ideia de Sérgio alizado e executado por terceiros, como Ferro (1979) em que o desenho de arqui- acontece nas produções promovidas pelo tetura, bem como o exercício da profissão
Estado que dificilmente se adaptam às
com a detenção do saber e imposição hie- necessidades de todas as famílias e por rárquica, favorecem essa reprodução.
isso, “apesar de todas as dificuldades, a
Deve-se manter a atenção e cuida- autoprodução ainda gera soluções que do para que a autoconstrução não propicie
atendem melhor à vida cotidiana e do-
uma superexploração da força de trabalho méstica dos usuários” Kapp e Nascimento não remunerada, essa análise é discuti- (2007). da por Ferro (que ao apontar essa situ-
Por fim, cabe reconhecer a realida-
ação, deixa claro se tratar de hipóteses)
de dessa prática e jogar luz para a urgên-
e o sociólogo Francisco de Oliveira, mas
cia de uma atuação junto a esse contexto,
também reiterada por Maricato (1982). que procure promover o acesso à técnica, Contudo, para Ferro (2006), embora não
mas respeite o conhecimento e realidade
concorde com a autoconstrução, afirma
das famílas, visando a melhoria da qua-
que este seria um modo de o trabalhador
lidade de vida nas autoconstruções e in-
se aproximar de sua própria mais-valia.
centivando a autonomia dos sujeitos.
Cenas do documentário Fim de Semana, de Renato Tapajós e Erminía Maricato, 1976.
35
36
Capítulo 02:
sujeitos da luta
37
Marcha Nacional pela Reforma Agrária em Brasília, 2005. Foto: João Zinclar
A importância da atuação dos mo-
luta pela terra avança alheia à existência
vimentos socioterritoriais que, ao se or- ou não de um plano de reforma agrária” ganizar, promovem ação direta quanto à (CARTER, 2010), considerando a atuação democratização do acesso à terra, torna- do Estado que age apenas à reboque des-se evidente ao analisar dados sobre a sa mobilização como visto no capítulo anconcentração de terras rurais onde mais terior. da metade das terras pertencem a 1% dos
A dinâmica política que favorece a
proprietários, além disso, mais da metade contínua existência de grandes latifúndas terras agricultáveis estão em latifún- dios remonta ao passado colonial do país, dios que formam apenas 3% do total de a divisão das antigas capitanias hereditápropriedades rurais (INCRA). “No Brasil, a rias passando pelas sesmarias instituídas
38
pelo domínio português, que promoveu, ainda após a independência, figuras co-
Produtoras rurais no Assentamento Milton Santos. Foto: João Zinclar
nhecidas como “coronéis latifundiários” com seus interesses, compondo a bancaque detinham grande poder capital e in- da do Congresso Nacional e tendo apoio fluência política. Essas figuras seguiram crescendo mesmo depois da Lei de Terras (1850) e do Estatuto da Terra (1964), o primeiro documento oficial sobre a refor-
direto do atual governo. Jair Bolsonaro já prometia em campanha facilitar o acesso a armamento pesado para que todo latifundiário possa combater os sem terra,
ma agrária no Brasil e debilitada pela di- além de prometer acabar com todo ativistadura que se iniciava no mesmo ano. Ain- mo e tipificar como terrorismo os protesda assim, como já citado na primeira parte deste trabalho, este foi um dos primeiros marcos das lutas camponesas no início dos anos 60, “que reinscrevem no debate da sociedade, a atualidade da questão
tos pela terra e moradia. Dentre as primeiras medidas de seu governo, transferiu o INCRA para o Ministério da Agricultura, liderado por ruralistas, além de publicar decreto facilitando a aquisição de armas.
fundiária e a pertinência das lutas pela Segundo Alexandre Conceição, da direção terra pelos camponeses expropriados ou do Movimento dos Trabalhadores Rurais com pouca terra” (WANDERLEY, 2014).
Hoje, os novos latifundiários seguem influenciando a política de acordo
Sem Terra (MST), o governo vem demonstrando grande descaso com as políticas agrárias:
39
Quando ele criou a Secretaria de
Foto de André Vilaron mostra mulheres integrantes do MST. Fonte: Brasil de Fato
Regularização Fundiária e entregou à UDR (União Democrática Ruralista), deixou claro que irá fazer uma política de concentração de terra, uma política de não desapropriação e uma política contra a reforma agrária. Eles ficam criando essas notícias para iludir e tirar o foco dos movimentos e da luta política pela terra. [...] Sabemos que é tudo uma tentativa de nos enrolar. Sabemos que é um governo que, com a bancada latifundiária, veio para não fazer reforma agrária.
Além da concentração de terras, o Censo Agropecuário (IBGE, 2017) também
40
comprova concentração de renda do agronegócio brasileiro que teve crescimento da receita total de 69%, enquanto nos estabelecimentos da agricultura familiar esse crescimento foi de 16% desde o último censo em 2006. O mais recente censo revela também que o agronegócio brasileiro avança sobre o norte e o centro-oeste do país, em biomas como o amazônico e o cerrado – o que colabora para o conflito pela terras, para a violência no campo e para a destruição do meio ambiente. Enquanto o agronegócio avança e concentra maior renda, o campo perde postos de trabalho. Segundo o IBGE, houve redução de 1,4 milhão de vagas de trabalho no campo entre os dois censos
— atualmente o Brasil possui 15,1 milhões
Art. 184: Compete à União desa-
de trabalhadores rurais (Repórter Bra-
propriar por interesse social, para
sil, 2019). A agricultura familiar emprega
fins de reforma agrária, o imóvel
67% do total do pessoal ocupado e teve
rural que não esteja cumprindo
o maior impacto, com a perda de 2,2 mi-
sua função social, mediante pré-
lhões de postos de trabalho por conta
via e justa indenização em títulos
da concentração de terras e da crescente
da dívida agrária. [...]
mecanização no campo.
Art. 186: A função social é cum-
Além da violência apontada pela
prida quando a propriedade rural
Comissão Pastoral da Terra em levanta-
atende, simultaneamente, segun-
mento divulgado em 2019, que revelou
do critérios e graus de exigência
dados sobre os conflitos de terra entre
estabelecidos em lei, aos seguin-
1985 e 2018 quando foi registrado 1.468
tes requisitos:
casos de vítimas fatais, dos quais apenas
I - aproveitamento racional e ade-
117 casos foram avaliados por um juiz em
quado;
alguma instância; os dados do DataSUS,
II - utilização adequada dos recur-
que reúnem informações da rede públi-
sos naturais disponíveis e preser-
ca de saúde, mostram que, entre 2008 e
vação do meio ambiente;
2017, o contato com pesticidas e agrotóxi-
III - observância das disposições
cos foi responsável direto por 7.267 mor-
que regulam as relações de traba-
tes no Brasil.
lho;
O maior inimigo dos trabalhadores
IV - exploração que favoreça o
é o modelo de desenvolvimento econômi-
bem-estar dos proprietários e dos
co, calcado apenas nos interesses dos la-
trabalhadores.
tifundiários, grileiros e grandes empresários. Mostra-se cada dia mais necessária a luta pelo acesso e permanência na terra para superação da concentração de terras no campo e na cidade. Além de exigir o direito da população e dever do Estado já previsto na Constituição de 1988, afirmando que toda propriedade deve cumprir sua função social, segundo o artigos 184 e 186 da Constituição:
41
MST: agricultura familiar e reforma agrária popular Com a gradual redemocratização
to de uma maior articulação e solidarie-
do país, a partir do fim dos anos 1970 e
dade entre os movimentos, além da reali-
início dos anos 1980, verificou-se o tan-
zação de encontros estaduais e regionais,
to a volta como surgimento de diversos
representando a união de intelectuais,
movimentos sociais, religiosos, sindicais operários, indígenas e trabalhadores rue partidários que recolocaram a reforma
rais em torno da formação de um movi-
agrária na agenda pública nacional. A
mento voltado à unificação das lutas dos
partir de 1981, a CPT começou a promover
sem terra em âmbito nacional.
debates entre diversas lideranças da luta
O Movimento dos Trabalhadores
pela terra no país, “os principais do perí- Rurais Sem Terra (MST) foi fundado em odo, ligados à formação do MST, foram o janeiro de 1984, durante 1º Congresso Encontro Regional do Sul e o seminário de
Nacional dos Sem Terra em Cascavel no
Goiânia, que constituíram as bases do 1º Paraná, formado por representantes de Encontro Nacional dos Sem Terra” (MO-
trabalhadores rurais de 12 estados, com
RISSAWA, 2001). Nesses encontros, entre
apoio dos sindicatos, da Associação Bra-
outras decisões, elencaram como parte da sileira de Reforma Agrária (ABRA), Central organização necessária o desenvolvimen-
Única dos Trabalhadores (CUT), Pastoral
Sem Terras pela lente de Sebastião Salgado em parte da produção do fotógrafo, principalmente entre os anos 1980 e 1990, quando ele acompanhou a luta dos trabalhadores rurais para o livro Terra. Fonte: site oficial do MST
42
Trabalhadores sem terra reunidos em Cascavel, no Paraná em 1984. Arquivo do MST.
Operária, da Comissão Pastoral da Terra
MST concentra a luta pela terra
(CPT) e da Comissão Indigenista Missio-
na defesa de um modelo clássico
nária (CIMI) (MORISSAWA, 2001). Com a
de Reforma Agrária no País. Nes-
palavra de ordem “Ocupar é a única so-
te projeto de Reforma Agrária o
lução” e entendendo que a luta do Movi-
Movimento exigia mudanças es-
mento é uma luta pela reforma agrária,
truturais em relação à concentra-
e por isso tinha que necessariamente se
ção fundiária e mudanças sociais
estender por todo o território nacional, o
para o estabelecimento de uma
MST já estava organizado em 23 estados
sociedade mais justa e igualitária,
no final da década de 1990.
centrado na inclusão do campo-
Além do processo de democratiza-
nês assentado no mercado e no
ção da terra, pauta central do Movimento,
sistema capitalista de produção.
desde a sua criação também experimen-
Assim, após a conquista da terra,
tou e se adaptou com o passar dos anos
pelos trabalhadores Sem Terra, o
conforme os desafios das experiências
território dos assentamentos se
e necessidades identificadas nos deba-
transforma em espaço de demo-
tes durante os Congressos Nacionais dos
cratização da terra, efetivando o
Sem Terra. Solange Engelmann, doutora
caminho inverso do êxodo rural e o
em Comunicação e Informação pela Uni-
combate ao latifúndio, bem como
versidade Federal do Rio Grande do Sul e
local de vivência social e produção
membra da coordenação nacional do MST,
agrícola para a subsistência das
aponta para o que foi a postura inicial do
famílias camponesas e o fortale-
movimento:
cimento do mercado interno na-
Após a sua fundação, em 1984, o
cional. Visando o fornecimento de
43
Mural do 3º Congresso Nacional do MST em 1995. Foto; Arquivo e Memória do MST.
matéria prima para a indústria e, a
brasileiro, indo além do processo de de-
consequente industrialização dos
mocratização da terra, propondo também
centros
um sistema de produção de alimentos
urbanos
(ENGELMANN,
2016).
saudáveis e respeito à biodiversidade baseado em uma matriz agroecológica, em
Contudo, pouco depois da sua for- contraposição ao agronegócio; surge enmação, a partir do final da década de 1990,
tão o projeto de Reforma Agrária Popular
viu-se o crescente fortalecimento do
(ENGELMANN, 2016).
agronegócio com a produção de commo-
Em entrevista intitulada “Desafio
dities para exportação. Notou-se o avanço
para Reforma Agrária é democratizar Es-
do capital na agricultura brasileira, com
tado e mudar política” (2014), publicada
isso, o aumento do uso de agrotóxicos, do
pelo portal do MST, João Pedro Stédile
desrespeito aos direitos trabalhistas e o
afirma que, uma vez conquistada a terra,
aumento do trabalho escravo no campo,
o Movimento não deseja que os agricul-
compondo um cenário de abandono e su-
tores assentados imitem o modelo dos
cateamento da agricultura familiar cam-
fazendeiros, de arrendar terra, “colocar
ponesa e, inclusive, diminuindo o número peão pra trabalhar”. Segundo ele, o MST de famílias assentadas. Percebia-se que
defende que se desenvolvam técnicas de
os rumos do desenvolvimento não pode-
produção no sentido da transição agro-
riam reproduzir o modelo excludente.
ecológica, que incorpore a mão de obra
A partir de 2007, o MST passa a de-
camponesa e com capacidade para pro-
fender a necessidade da construção de duzir sem agrotóxicos. um novo modelo agrícola para o campo
44
O Movimento começa a organizar a
produção nacional com foco na produção
de justiça social, sustentabilidade
de alimentos saudáveis, livres de agrotó-
ambiental e soberania alimentar,
xicos e organismos geneticamente modi-
assumindo compromisso político
ficados (transgênicos) para a população,
com a democratização do direito
aplicando assim, o princípio da sobera-
à terra, à água, aos recursos na-
nia alimentar (MST, 2021). Substituindo
turais e às próprias estruturas de
a ideia da reforma agrária clássica, “que
produção do conhecimento (LON-
democratiza a terra através de um acor-
DRES, MONTEIRO, PACHECO E
do entre o campesinato e a burguesia”
SCHMITT, 2018).
(STÉDILE, 2013) pelo conceito da reforma agrária popular. Nela, a necessidade de
Há 21 anos atrás, famílias da região
produzir alimentos saudáveis para a toda
sul mudaram a produção de sementes de
população, adquirindo o caráter popular
hortaliças em seu assentamento, aban-
da reforma agrária.
donando o sistema convencional e ado-
Hoje, o novo programa de reforma tando a agroecologia quando ainda não agrária do MST apresenta 7 pontos-cha-
se tratava da definição política central do
ve que estão intrinsecamente ligados à movimento (ZARREF, 2018). Hoje formam agroecologia, e assim, aos conceitos que a engenheira agrônoma austríaca Ana Maria Primavesi, que foi pioneira no Brasil do manejo ecológico do solo, publicando
Diálogos e convergências: dimensões que integarem com a agroecologia. Fonte: Fundação Heirich Böll Stiftung, 2018
o livro “A Microbiologia do Solo” em 1965. A agroecologia pode ser considerada uma intersecção do conhecimento popular e o conhecimento gerado pela academia, e está vinculada a um amplo projeto de transformação dos modos de produção, processamento e consumo. Sobre suas práticas e bases temos: Seus princípios e práticas possuem uma longa trajetória de enraizamento nos modos de vida dos camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais nas mais diferentes partes do mundo. Suas bases seguem os princípios
45
a Bionatur, a pioneira da agroecologia no
vés da formação dos produtores, explica
MST, rede de sementes agroecológicas
Luiz Zarref, integrante do setor de produ-
formada por uma cooperativa de agri- ção do MST: cultores e agricultoras assentados pela Reforma Agrária, produtores de semen-
Para chegar a esse nível de de-
tes de diversas espécies para sistemas
senvolvimento, organização e ca-
de produção de base agroecológica que
pilaridade da agroecologia, um
atualmente envolve mais de 350 famílias,
elemento fundamental foi a for-
nos estados do Rio Grande do Sul e Minas
mação. Muitas atividades e ações
Gerais.
foram desenvolvidas nos acampa-
Segundo estimativas internas do
mentos, assentamentos e centros
Setor de Produção, Cooperação e Meio
de formação para transformar a
Ambiente do Movimento, são mais de 50
agroecologia de acordo com cada
mil famílias produzindo agroecologica-
realidade. Mas a ação mais ousa-
mente em assentamentos (ZARREF, 2018).
da foi a implementação dos cursos
Formando agroflorestas, que têm em São
técnicos, tecnólogos, de gradua-
Paulo, Bahia, Paraná, Pará e Rondônia
ção, especialização e mestrado em
suas experiências mais consolidadas. A
agroecologia. Esses cursos foram
implementação de uma nova lógica de
construídos pelo MST em parceria
produção só pôde ser implementada atra-
com várias universidades e institutos federais, voltados para as
Ao lado e abaixo: 1° Feira Nacional da Reforma Agrária no Parque da Água Branca, Durante os quatro dias foram comercializados mais de 200 toneladas de alimentos, com cerca de 800 variedades de produtos das áreas de assentamentos da Reforma Agrária. Foto: Joka Madruga, 2015
46
famílias assentadas. O objetivo é claro: construir um corpo de técnicos populares que dominem a práxis agroecológica e a construa em
seus territórios de atuação. A forma mais consolidada dessa iniciativa foi a rede de Institutos Latino Americanos de Agroecologia – IALAs – sendo a primeira experiência a Escola Latinoamericana de Agroecologia (ELAA), criada em 2005, no Paraná, com o curso de Tecnólogo em Agroecologia. Desde então uma diversidade de mais de 40 cursos formais ocorreram nas várias regiões do país, formando mais de 2.000 técnicos.
Zarref aponta ainda que o diálogo com as famílias da cidade também foi importante nesse processo. Hoje, por meio das feiras menores que acontecem nos municípios onde existem assentamentos, das feiras nacionais e estaduais da refor-
Livro lançado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra durante a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária de 2015
ma agrária, por onde em cada edição passam 200 mil pessoas, além da mais recente estratégia: a criação dos Armazéns do Campo, que comercializam a produção de alimentos tanto in natura como já beneficiados em capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Podemos seguramente afirmar
ra, onde as famílias camponesas
que hoje o MST está em uma mar-
e trabalhadoras retomam a sobe-
cha histórica – e sem volta – rumo
rania sobre seus territórios, sua
à transição agroecológica em to-
alimentação, sua capacidade pro-
dos seus territórios. Esse não será
dutiva e, com isso, estabelecem
um processo simples, rápido e sem
uma nova relação com a natureza,
contradições. Mas, sem dúvidas, é
baseada no trabalho e na compre-
a tarefa que a história nos colo-
ensão das dinâmicas ecológicas.
cou nesse momento: reconstruir o
(ZARREF, 2018)
projeto para a sociedade brasilei-
47
Movimento social e arquitetura: o caso da Usina CTAH Parte importante das assessorias
A organização em assembleias é
técnicas se formaram nos anos 90 por
habitualmente utilizada pelos movimen-
arquitetos-militantes que em suas dire-
tos como estratégia de gestão coletiva
trizes promovem a articulação da práti-
e é por onde se inicia a articulação en-
ca de projeto junto à investigação social
tre assessoria e movimento. No caso da
profunda, e como muitos movimentos Usina, além do arquiteto, existe a figura sociais, também exploram a autogestão do educador social integrante da assescomo forma de se organizar internamen- soria, que juntos realizam o contato com te. É o caso da Usina Centro de Trabalhos
as famílias organizadas dos movimentos.
para o Ambiente Habitado, fundada em
Através da metodologia freiriana, o gru-
junho de 1990 em São Paulo, por profis-
po de assistência técnica cria estratégias
sionais de diversos campos de atuação como uma assessoria técnica a movimentos populares. Em linhas gerais, “[A Usina] busca problematizar o projeto arquitetônico nos contextos de luta dos movimentos sociais, quando questões como autogestão, participação, direito à cidade e tecnologia entram em cena como um único processo”(USINA, 2014). Tanto a Usina como outros grupos de assessorias em São Paulo, apresentam como referência o modelo da Federação Uruguaia das Cooperativas de Ajuda Mútua (FUCVAM), pondo em prática a ajuda mútua, a autogestão e a propriedade coletiva (BARAVELLI, 2006). Discussão do projeto juntos aos assentados do Ireno Alves. Fonte: livro Usina: Entre Projeto e o Canteiro
48
de registos fotográficos do Arquivo da Usina CTAH, constatei que há um longo processo participativo entre arquitectos e mutirantes durante o projeto - um processo que dura vários meses, e em que os arquitetos sugerem soluções espaciais em maquetes com móveis, para que a percepção de espaço seja menos abstrata e mais interativa. As decisões finais são sempre tomadas em assembleias. O sistema construtivo é depois estudado em função do tipo de estaleiro, que é parcialmente em autoconstrução, por ajuda mútua. A Usina desenvolveu várias soluções construtivas e materiais no Escadas usadas como andaime no canteiro do Mutirão Juta Nova Esperança em São Mateus, 1994. Fonte: livro Usina: Entre Projeto e o Canteiro
de negociação, mediação de conflitos, entendimento das necessidades e processos coletivos de decisão. Amaral (2020) indica a importância desses métodos: “as particularidades da pedagogia de Freire, dos princípios da autogestão e do modelo de
sentido da racionalização construtiva e econômica, considerando igualmente a facilidade de execução pelos mutirantes. É o caso do bloco de cimento estrutural ou as escadas metálicas pré-fabricadas que funcionam como andaime, realizadas pela primeira vez no bairro COPROMO (AMARAL, 2020).
Para além do cuidado na escolha
assembléias são determinantes na práti-
de materiais de fácil manutenção, como o
projetuais:
ravelmente superiores quando compa-
ca dos mutirões autogeridos” e completa tijolo estrutural aparente, o tamanho das sobre como isso influencia as decisões áreas de cada apartamento são consideAtravés de entrevistas a mutirantes, lideranças de movimentos, assessores técnicos, e da consulta
rados com a habitação social promovida pelo Estado, a exemplo das casas do programa Minha Casa Minha Vida ou os bair-
49
mas sobretudo, como forma de apropriação coletiva dos meios de produção e de autodeterminação dos mutirantes”(AMARAL, 2020). Portanto, por se constituírem como parte do coletivo, a assessoria tem as ideias discutidas conjuntamente durante as assembleias, e não têm por objeto apenas projetar os desejos de quem destina o produto desse processo. Usina e grupo se fundem sem perder sua diferença, é abrir-se ao imprevisto inevitável que particulariza cada nova experiência. Trata-se sobretudo de alimentar a imaginação e o reconhecimento de suas reais necessidades [o que] é o primeiro passo para um procesReprodução da cartilha distribuída aos assentados do Ireno Alves. Fonte USINA CTAH.
so autogestionário cujo fim seja em alguma medida emancipador e não a reiteração das opressões.
ros da Companhia Metropolitana de Ha-
Conteúdo isolável de sua expres-
bitação (COHAB). Isto é apenas possível
são formal é também outro efeito
devido “ao livre arbítrio dos moradores na
e defeito da prática do capital: a
gestão do orçamento que dispunham e na
Usina não pode limitar-se a dar
participação de um trabalhador coletivo
forma de fora ao desejo imediato
desde o início da luta pelo terreno e que
dos mutirantes, pois, se fosse as-
acompanha o projeto até à conclusão da
sim, permaneceria à margem do
obra”(AMARAL, 2020).
coletivo de produção e sua atua-
A atuação desses coletivos consideram as propostas de Sérgio Ferro para
ção seria meramente assistencial. (FERRO, 2015)
superar as contradições entre desenho e canteiro, implicando na transformação
Uma das experiências notórias da
das relações de produção, “perspectivan- Usina junto ao MST aconteceu em 1996 no do uma distribuição equilibrada de poder e interior do Paraná, e com a luta das 15 mil de saber entre projetistas e construtores, pessoas durante a ocupação da Fazenda
50
Giacomet, 27 dos 84 mil hectares do lati-
das famílias a serem assentadas tinham
fúndio se transformaram no Assentamen- origem estritamente rural, seria necesto da Reforma Agrária Ireno Alves dos
sário dar luz a algum tipo de urbanidade”
Santos, tornando-se apto a abrigar 1,5 mil
(THIESEN e IASI, 2015), e não bastaria
famílias de agricultoras e agricultores. O
simplesmente estabelecer um tipo qual-
MST convidou a Usina para participar do
quer de urbanidade: abria-se a possibili-
processo de concepção de uma “Cidade da
dade de se construir uma cidade diferente
Reforma Agrária”, que desde a época, se
e, mais do que isso, uma cidade contra-
tratava do maior assentamento da Améri-
posta à cidade segregadora, desigual e
ca Latina e nas palavras das lideranças do
injusta construída pelo capitalismo.
MST na época, buscava-se construir um
Como forma de promover um pro-
assentamento com “visão de futuro e de
cesso participativo que compreende um
vanguarda”.
programa que abrangesse desde a cul-
As dimensões do então novo as- tura construtiva local até o cotidiano do sentamento em Rio Bonito do Iguaçu,
uso da moradia e o da produção agrícola,
que abrigava uma população de mais ou
começaram as conversas com as famílias
menos 9 mil pessoas, quase 1,5 vezes a
acampadas, visando destituir as referên-
população do município que lhe constitui território; levaram o próprio movimento a “repensar a melhor forma de ocupar aquele espaço: mesmo partindo de um contexto em que aproximadamente 90%
A ocupação pelos camponeses sem terra da antiga Fazenda Giacomet, onde viria a se tornar o Assentamento Ireno Alves, Paraná, 1996. Foto: Sebastião Salgado. Fonte: site oficial do MST
51
cias formais e, nas palavras do arquiteto
O confronto entre a cidade brasi-
João Marcos de Almeida Lopes, dar vazão
leira e a possibilidade de uma ou-
à espacialização da “’cultura do morar’
tra forma de produzir e viver onde
praticada por aquele interlocutor, valo-
em algum grau, a vida coletiva
rizando mais os referenciais estabeleci-
ainda é possível e ainda é passí-
dos pelo tempo – a história das relações
vel de reinvenção autônoma; e o
do morador com o espaço – que aqueles
enfrentamento das dimensões do
enunciados pelo espaço – a forma como
conflito, enfrentamento cotidiano
ordenadora de relações no tempo” (LO-
e como acontecimentos de grande
PES, 2002).
porte, enfrentamentos que reque-
No trecho do texto de Joana Bar-
rem que se restaure dentro e fora
ros e Pedro Fiori Arantes, integrantes da
da ordem institucional, a possi-
assessoria e Cibele Rizek, sobre a experi-
bilidade da política. Cabe ainda
ência da USINA no Assentamento Ireno
mencionar o grau de indetermina-
Alves dos Santos traz a importância da
ção dos projetos e processos futu-
presença e visibilidade dos conflitos que
ros. É bastante provável que esta
demarcam um território em que o velho e
indeterminação seja resultante da
o novo se confrontam, em que as dimen-
imersão angustiante em um des-
sões da carência e pobreza, da precarie-
tino que ainda se encontra por
dade da vida e da própria condição limi-
fazer. território, campo ou cidade,
tada dos assentados ganham contornos
campo urbanizado, necessidades,
cada vez mais nítidos:
vulnerabilidades, carências e sua superação, intervenção no espaço mesmo dos conflitos, compõe uma cena inusitada, levanta questões importantes e aponta horizontes de um debate interminável, próprio da reflexão e da crítica que acompanham
necessariamente
as práticas de assessoria comprometidas com os horizontes e os espaços de emancipação e de democratização. (RIZEK, BARROS e ARANTES, 2000)
52
Projeto do Usina CTAH para Assentamento Ireno Alves. Fonte: livro Usina: Entre Projeto e o Canteiro
53
54
Capítulo 03:
ensaio projetual
55
Vale do Ribeira e o Assentamento Luiz Macedo O Vale do Ribeira desde 1999 é tido mais carente do estado, além de ter seus pela Unesco como Patrimônio Natural, Socioambiental e Cultural da Humanidade
recursos naturais ainda em disputa. Segundo o livro “Vale do Ribeira:
por sua natureza remanescente da Mata Um ensaio para o desenvolvimento das Atlântica, além da diversidade biológica,
Comunidades Rurais” (ROMÃO, 2006) a
sua população e cultura também é diver- característica demográfica que diferencia sa, composta por agricultores familiares,
o Vale é a alta concentração da população
pescadores artesanais, ribeirinhos e cai-
vivendo na zona rural, “em 2000, de cada
çaras descendentes dos indígenas Carijós,
dez habitantes do Estado de São Paulo,
assentados da reforma agrária, dezenas
9,3 moravam nas zonas urbanas, enquan-
de comunidades tradicionais quilombo-
to no Vale do Ribeira esta proporção cai
las, povos indígenas como os Guaranis Mbyá e Ñandeva, entre outros. Contudo, essa região sofre com o estigma de região
56
Quilombo São Pedro em Eldorado, tem registros de sua formação no começo do século 19. Foto: Karime Xavier, Folhapress
para 6,5 habitantes, ou seja, 35% das pessoas ainda moravam na zona rural” (ROMÃO, 2006). Metade dos municípios apre-
Cultivo de banana na região do Vale. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli, 2018.
sentaram taxas de urbanização abaixo da
turístico da região que tem atualmente
média da região, que foi de 65,3%.
duas áreas de intensa atração turística:
Romão (2006) aponta ainda para
o Alto Ribeira, “onde se localiza uma das
outro aspecto em destaque é o potencial
maiores concentrações de cavernas do
Estado de São Paulo com destaque na região do Vale do Ribeira e ampliação dos municípios que a compõe.
país, e o Lagamar, que vai da Estação Ecológica da Juréia, passando pela Ilha do Cardoso, até Antonina no Paraná e representa importante patrimônio nacional, em decorrência de sua diversidade biológica, marinha e terrestre” Romão (2006). O organizador aborda também como a cultura caiçara, que guarda as características centenárias da colonização no entorno das primeiras vilas brasileiras de Iguape e Cananéia, constitui-se em patrimônio histórico e cultural altamente referen-
57
dado pelos órgãos competentes. Contu-
Vale do Ribeira tem muita diversidade de
do, estas culturas têm sido classificadas
substâncias, além da grande quantidade
como atrações turísticas, inclusive com a
de minério, que tivaram impacto na for-
colocação de placas de trânsito sinalizan-
mação dos municípios como por exem-
do-as pelas estradas, sem que houvesse plo ”Registro (que) recebeu esse nome nenhuma consulta ou diálogo com as co- por ser o local onde se fazia o registro e munidades sobre isso, de forma que a co- a coleta de impostos do ouro vindo de Elmunidade fica estrangeira de seu próprio
dorado ou Iporanga. Já Sete Barras rece-
território (Brasil de Fato, 2022).
beu esta denominação por conta de uma
Sobre a produção na região pode- lenda relacionada ao período em que se -se perceber uma diferenciação por regi- extraía ouro na região. Atualmente, é de ões do próprio Vale, a produção do Médio
Cajati que sai a maior produção de fosfa-
Vale caracteriza-se pela predominância to bicálcico da América Latina, utilizado, da bananicultura, adaptada às áreas de principalmente, para a produção de ração várzeas e encostas dos morros e serras, animal.” que divide seu espaço com o chá, a horti-
Ainda segundo o Instituto Socio-
cultura e a floricultura, já no baixo curso
ambiental (2013), os quilombos de Can-
do Ribeira (ROMÃO, 2006).
gume, Porto Velho e Praia Grande, loca-
A mineração também compõe o quadro econômico da região, segundo a ONG Instituto Socioambiental (2013), o
58
Aldeia Pindoty em Pariquera-Açu Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli.
Remanescentes florestais da Mata Atlântica, 2015/2016. Fonte: SOS Mata Atlântica
lizados em Iporanga, tem de 92% a 99% onde existem processos no Departamende seus territórios incluídos em pedidos
to Nacional de Produção Mineral (DNPM)
para extração de algum tipo de minério,
que têm apresentado restrições aos pe-
com destaque para calcário, minério de didos feitos em unidades de conservação cobre, de chumbo e de ouro. Somente e em terras indígenas, mas o mesmo não do lado paulista do Ribeira, 16 territórios ocorre nos territórios quilombolas (Instiquilombolas têm sobreposição com áreas
tuto Socioambiental, 2013). Segundo Romão (2006) “um impulso à economia na região do Vale do Ribeira“ contribuiu para a implantação das rodovias Raposo Tavares (SP-270), inaugurada em 1937, e Regis Bittencourt (BR116), inaugurada em 1961, estas contribuíram para a implantação de indústrias e, consequentemente, para o estabelecimento da rede de comércio e serviços, no entanto, as condições precárias de Participação do Vale do Ribeira na produção agropecuários selecionados do estado de São Paulo. Fonte: IBGE 2019 e Instituto da Pesca 2019. Elaborado pela Secretaria da Agricultura e Abastecicimento junto ao Programa Vale do Futuro
59
manutenção da rodovia e das estradas
oficial do programa. Contudo, a principal
estaduais e vicinais de acesso à BR-116
frente deste projeto de desenvolvimento
comprometeram e ainda comprometem
tem sido a “abertura da região para a mi-
o escoamento dos produtos regionais,
neração, enquanto toda a região de Ipo-
“atravancando o seu dinamismo econô-
ranga, inclusive a área do PETAR, já foi
mico”(ROMÃO, 2006). Por outro lado, a
explorada pela mineração em outros mo-
grande rodovia, responsável por boa par- mentos” (Brasil de Fato, 2022). te do fluxo de mercadorias da região su-
O próprio site também reúne in-
deste, que cruza a maioria dos municípios formações sobre a situação socioeconôdo Vale do Ribeira, a BR-116 é um ícone mica do Vale, como o Índice de Pobreza da história do apagamento dos caminhos
que mede o percentual da população de
feitos pelas comunidades tradicionais
determinado território que vive abaixo da
para construção de caminhos que privile-
linha de pobreza (Linha de pobreza consi-
giam o fluxo do capital.
derada de R$140, em 2010, o equivalente
O programa “Vale do Futuro”, inicia-
a 27% do salário mínimo da época). Nos
tiva do Governo do Estado de São Paulo 22 municípios da região foram superiores lançado em 2019, visa atuar em ações de
à média do estado (4,7%) em 2010, va-
curto, médio e longo prazo para o desen- riando de 10,2%, em Registro, a 35,1%, em volvimento social e econômico da região, Itapirapuã Paulista. abrangendo os 22 municípios. Através de
Já a renda domiciliar per capita,
investimentos de R$1 bi na região, prome-
que é um indicador resultante da soma
te ampliar o acesso ao saneamento bási-
de todos os rendimentos mensais dos in-
co, melhorar a qualidade das estradas lo-
tegrantes de um domicílio dividida pelo
cais, a construção de escolas e hospitais e entre outras ações, “acelerar a regularização fundiária e o acesso a condições adequadas de habitação” segundo o site
60
Ao lado: percentual de probreza. Abaixo: renda domiciliar per capita. Fonte: Censo 2010 e elaborado pelo Programa Vale do Futuro.
Dona Laudelina de Oliveira, moradora do quilombo São Pedro, Eldorado; é uma dos 1290 cooperados da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira. Foto: Karime Xavier, Folhapress
Itariri, Pedro de Toledo, São Lourenço da Serra, Sete Barras e Tapiraí apresentam 50% ou mais da população nessa categoria. É alta também a média regional para a população na classe 7, de alta vulnera-
número total desses moradores; no Vale
bilidade para as áreas rurais, abrangen-
do Ribeira, a renda média domiciliar per
do mais de 33% da população. Nesse as-
capita varia consideravelmente nos muni-
pecto, os municípios de Barra do Chapéu,
cípios. O menor valor médio foi registrado
Barra do Turvo, Eldorado, Itaóca, Itapira-
em Itapirapuã Paulista, com renda domi-
puã Paulista, Miracatu e Ribeira possuem
ciliar per capita de R$ 323,42, enquanto o
mais de 45% da população exposta à alta
maior valor médio foi verificado em Re-
vulnerabilidade nas áreas rurais (SEADE,
gistro, com renda de R$ 699,41.
2010). Esses dados indicam que a exposi-
Através da análise de índices de ção das famílias à vulnerabilidade social é análise social como o Índice Paulista de uma característica marcante para muitas Vulnerabilidade Social (IPVS) pode-se famílias dos municípios da região e que notar como todos os municípios apresen-
nas áreas rurais da região do Alto Vale do
tam no mínimo 20% de sua população en-
Ribeira é ainda mais grave.
contra-se na classe 4, de vulnerabilidade
A intensa degradação da biodi-
média. Os municípios de Iporanga, Itaóca,
versidade da região é também um ponto
61
que merece destaque, Segundo Campanili
que é fundamental para a proteção de
e Schaffer (2010), o Estado de São Pau-
diversas espécies de animais que se en-
lo no ano de 1500 era ocupado com 70% contram ameaçadas de extinção, concende Mata atlântica e com mais de quatro
trando 40% das unidades de conservação
séculos de exploração econômica, princi- do estado de São Paulo (Romão, 2006), palmente pela monocultura de café; ain- e que hoje são divididas em 11 Unidades da em 1920 mais da metade do território
de Conservação de Proteção Integral e 14
estava coberto por florestas nativas. Até
Unidades de Conservação de Uso Susten-
o ano de 2006, restavam 23,35% de re- tável, as quais somam uma área total de manescentes ou em diversos estágios
10.998 km².
de regeneração em todas as fisionomias,
No primeiro tipo, das Unidades de
segundo o “Levantamento da Cobertura
Conservação de Proteção Integral, o obje-
Vegetal Nativa do Bioma Mata Atlântica” tivo de criação da Unidade é a preservado Ministério do Meio Ambiente/PROBIO
ção da natureza, sendo permitido apenas
realizado em 2006.
o uso indireto dos seus recursos naturais,
Contudo, o zoneamento ecológico- ou seja, aquele que não envolve consu-econômico do setor costeiro do Vale do
mo, coleta, dano ou destruição dos recur-
Ribeira de 2014 aponta que o Vale ainda
sos naturais. Por outro lado, o objetivo da
detém os maiores remanescentes de ve- criação das Unidades de Uso Sustentável getação nativa preservados do Bioma
é compatibilizar a conservação da nature-
Mata Atlântica. A relação e a defesa da
za com o uso sustentável dos seus recur-
floresta praticada pelas comunidades da
sos naturais.
região contribuiu para sua manutenção,
Mapa das unidades de conservação e outras áreas protegidas. Fonte: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
62
Por ser amplamente abrangido por
decretos de proteção ambiental, aponta
O Parque Estadual do Alto Ribeira,
Romão (2006), cerca de 1,5 milhão de hec-
(PETAR) com 37.712 mil hectares, foi cria-
tare encontra-se juridicamente pendente do em 1958, cobrindo parte dos municíem processos de regularização de terras,
pios de Apiaí e Iporanga; em 1988 passou
o que chega a representar 40% do territó- à administração do Instituto Florestal. Foi rio. Aponta ainda como as condições im-
implantado com o objetivo de proteger
postas às comunidades tradicionais que
paisagens e grutas, bem como permitir a
“passaram a sofrer diversas restrições
formação de um refúgio para a defesa da
para sobreviver das terras que ocupam,
fauna e flora (DIEGUES, 2007).
pois tornaram-se moradores, sem muita
No artigo para Brasil de Fato este
autonomia, em Unidades de Conservação
ano, Natália Lobo e Miriam Nobre, repre-
Ambiental, ou no entorno destas” (RO-
sentantes do Movimento Petar sem Con-
MÃO, 2006).
cessão apontam que ao mesmo tempo que A relevância das questões so-
o projeto “Vale do Futuro” avança no Vale
cioambientais e fundiárias no Vale
do Ribeira, as comunidades locais enfren-
do Ribeira reportam à necessidade
tam uma nova ofensiva sobre o territó-
da regularização fundiária. A eli-
rio, o que também levanta dúvidas sobre
minação desse gargalo tão restri-
como a forma de exploração do território
tivo ao desenvolvimento da região
pode se dar. O governo do Estado de São
requer a demarcação de terras, já
Paulo no final de 2021 abriu uma chama-
discriminadas, de posseiros, a titu-
da internacional para concessão de uma
lação dos quilombolas e a demar-
área do PETAR – onde estão concentrados
cação das terras indígenas. Para
os principais atrativos turísticos – por um
os agricultores que vivem nas Uni-
período de 30 anos (Brasil de Fato, 2022).
dades de Conservação Ambiental,
Com isso, formou-se com a organização
ou em seu entorno, a implantação
dos moradores, povos e comunidades,
de projetos de desenvolvimento
pesquisadores e militantes um movimen-
sustentável que inclua o manejo
to de resistência contra a concessão .
agroflorestal, o ecoturismo, o turismo rural, o manejo sustentável
O projeto de concessão do PE-
de recursos naturais nos parques
TAR foi retomado em julho de 2021
e estações ecológicas, limitando
a toque de caixa, sem transparên-
entradas posteriores de popula-
cia, sem disponibilização do ma-
ção para ocupação. (Romão, 2006)
terial de estudos de viabilidade econômica, sem participação e inclusão da comunidade, e foi rea-
63
lizado durante a pandemia, sem a
dessas comunidades e da construção de
manifestação prévia do Conselho
alternativas econômicas.
Gestor do Parque. Solicitamos ao
A concessão beneficia grandes
Governo de Estado de São Paulo
empresas e ameaça a rede econô-
a suspensão do processo de con-
mica do turismo local, principal-
cessão do PETAR porque acredi-
mente o pequeno empreendedor
tamos em modelos integrados
e monitor autônomo. O processo
que priorizem o bem estar social,
chega a conceder à empresa ven-
valorizando a nossa cultura local
cedora os direitos sobre o uso do
e promovendo sobretudo um de-
nome PETAR. Dessa forma, até
senvolvimento equitativo de nos-
mesmo os trabalhadores locais,
sas
tradicionais,
que atuam há anos na região, te-
monitores ambientais e toda a po-
rão que pagar pela utilização da
pulação. (Ana Beatriz Nestlehner,
sigla. A proposta também ameaça
Arquiteta Urbanista e integrante
a biodiversidade local, pois não
do Movimento PETAR Sem Conces-
exige que as empresas interessa-
são.)
das tenham experiência com con-
comunidades
servação e preservação ambiental
Diferente do que se alega para a
(Priscila Leal, diretora do SINTPq e
implementação da concessão, a promo-
pesquisadora do IPT)
ção da melhoria na qualidade de vida das comunidades não tem sido a preocupação
Nas proximidades do PETAR está
do Estado, questões como a regularização
situado Assentamento Prof. Luiz D. Mace-
fundiária seguem sendo negligenciadas. do, que será melhor descrito mais à frente Segundo o artigo para a Brasil de Fato, as para apresentação da proposta projetual autoras apontam que apesar de terem o
deste trabalho, a princípio, cabe pontuar
parque como uma imposição, as comuni- informações sobre a cidade onde está indades locais se adaptaram e se apropria- serido. ram como puderam ao longo dos anos,
Segundo dados oficiais da Pre-
e que hoje uma das principais fontes de feitura municipal de Apiaí, a cidade foi renda provém do turismo de base comu-
fundada em 1771 por Francisco Xavier da
nitária organizado de forma autônoma, Rocha, fugitivo por crimes do Estado de no trabalho como monitores ambientais Minas Gerais, onde foi Capitão-Mor, veio (Brasil de Fato, 2022). Como efeito, as co- para região com 150 escravos, fundando munidades são empurradas para perife- um pequeno povoado. Ao chegar descorias das grandes cidades do entorno, pro-
briu a existência de ouro nas nascentes
movendo reação contrária da valorização do Rio Apiaí (Rio Menino em Tupi Gua-
64
rani). Hoje, o município de Apiaí possui cerca de 27.136 habitantes e seu território
Cultivo realizado pelas comunidades imigrantes japonesas. Exposição Retratos do Ribeira, fotos de Paulo Jolkesky e Ricardo Martinelli.
possui uma extensão de 1005,73 Km². E conforme a estrutura fundiária do muni-
50,90 %, onde há a presença da produção
cípio, Apiaí possui cerca de 88,56 % de silvicultural de pinus, eucalipto e araucáunidades produtivas com menos de 100 ria. A produção agrícola da região é deshectares que correspondem a 31,17 % das tinada quase que na totalidade aos muniterras ocupadas, conforme dados da Se- cípios de São Paulo e Curitiba através de cretaria de Agricultura e Abastecimento. De acordo com a tabela abaixo no-
atravessadores. (KAWAKAMI, 2010) Há na cidade duas Unidades de
ta-se que a utilização de culturas perma- Conservação: o Parque Municipal do Mornentes e temporárias, principalmente de ro do Ouro, e o já mencionado PETAR. O milho, cana e tomate na cidade de Apiaí primeiro é resultado da transformação representa apenas 6,8%, predominan- da mina de ouro abandonada, que possui do as vegetações naturais e plantadas, área de 560 ha, o qual faz fronteira com Utilização das terras no município de Apiaí. Fonte; Secretaria de Agricultura e Abastecimento, 2007/2008
65
Famílias Sem Terra do Acampamento Ilda Martins e Assentamento Prof. Luiz David Macedo doaram 800kg de alimentos no começo de 2020 nas ações do MST em meio a pandemia: Fonte: Mídia Ninja
chegando a 120 famílias acampadas. Em 2007 ocorre a divisão dos lotes, onde 82 famílias são assentadas. A gleba pertencia à massa falida do Banco Sudameris, e parte dos lotes já foram homologados.” (PEABIRU, 2021). Hoje, apenas uma parte dos lotes foi homologada, as famílias que entraram a partir de 2011 ainda estão em processo de homologação. O Assentamento Luiz Macedo foi uns dos primeiros Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS do estado (PEABIRU, 2021), esse tipo de projeto visa promover um novo modelo de reforma agrária, direcionado ao uso consciente e o Assentamento Luiz D. Macedo. Possui adequado dos recursos da floresta, base16 anos de existência como unidade de ado no modelo cooperativista (BELTRÃO, conservação, esteve até 2002 abandona-
CARVALHO E FARIAS, 2020). Isso se deu
do quando se iniciou a criação do parque por conta da localização do assentamento pela necessidade de preservar a área de
em relação ao PETAR e ao Parque Natural
mananciais da cidade, formada pelo con-
Municipal Morro do Ouro.
junto das drenagens do Morro do Ouro,
A área total do assentamento é de
mas já visando a geração de renda atra-
8.765 ha dos quais são 87% de reserva
vés do turismo.
de Mata Atlântica, totalizando 7.626 ha e
Segundo informações do Caderno restando pouco mais de 1.100 ha para os Síntese do Curso de ATHIS Rural promovi-
assentados usufruírem. O parcelamento
do pela assessoria técnica Peabiru, o As- atual dos lotes segue o modelo “ilhas de sentamento Luiz Macedo começa em 2003,
moradia” de forma a concentrar as áreas
através do trabalho de base desenvolvido de moradia com cerca de 4 a 11 famílias, pelo MST na região do Vale do Ribeira. onde cada uma tem de 9 a 16 ha. Exis“A ocupação ocorreu entre 2004 e 2006,
66
tem limitações quanto ao acesso à água e
energia, “o assentamento ainda não pos-
parcelas de 2.400 reais (PEABIRU,
sui sistema de abastecimento de água,
2021).
que eles captam a partir de uma mina e
Os assentados tiveram a comer-
distribuem por gravidade, e o sistema de
cialização da produção facilitada através
distribuição de energia elétrica não aten-
do Programa de Aquisição de Alimentos -
de a totalidade dos lotes.”(PEABIRU, 2021) PAA, contudo, sofrem dificuldades desde A condição das casas é bastante variada, o fim do programa. Hoje a produção está principalmente devido ao momento que voltada principalmente para leite, mel, as famílias entraram para o assentamen- hortaliças e frutas, que são comercialito. Quanto à materialidade vê-se tanto
zadas em feiras na cidade e na CEAGESP,
casas de alvenaria, que acessaram crédito formas que são pouco rentáveis e ainda instalação do INCRA, quanto casas cons- geram custos com embalagem e frete. truídas em madeira e pau a pique. Segundo levantamento da Peabiru:
Anos depois da formação do Assentamento Luiz Macedo se constituiu ao
Foram créditos de 7.000 reais para
lado o Acampamento Ilda Martins, tam-
a compra de material de constru-
bém se formou na ocupação de uma gleba
ção, e um segundo fomento de
de banco em 2015. Com a maioria das fa-
7.000 reais para acabamentos e
mílias vindas de Apiaí, contam com 23 fa-
ampliações. Não tiveram assis-
mílias acampadas e 60 ha para produção.
tência técnica para as obras, e fo-
(PEABIRU, 2021)
ram relatadas muitas dificuldades no processo de construção, como aquisição de materiais de qualidade e desperdício de material. Além destes, as famílias do início do assentamento também acessaram o crédito instalação em duas
Uma das casas do Assentamento Prof. Luiz Macedo. Fonte: Caderno Síntese do Curso de ATHIS Rural, Peabiru, 2021.
67
Ensaio projetual
O ensaio projetual desenvolvido ao
que a maior parcela da população brasi-
longo do processo de conclusão do curso
leira tem renda baixa e é responsável pela
trata-se de um projeto preliminar envol- construção de suas casas, junto a isso vendo a sistematização da ocupação do
soma-se o fato da defasagem dos progra-
território de um assentamento produti-
mas de auxílio à habitação que apresen-
vo, associado a um protótipo de habita- tam inúmeras limitações que não se adeção social rural sustentável destinado a quam aos modos de vida da população agricultores familiares. Estruturado em rural. uma intervenção dividida em 3 escalas
As inconstantes políticas de
distintas, são elas: o assentamento rural,
habitação brasileiras têm-se mos-
assumindo a escala próxima a um bairro;
trado incapazes de garantir o
o agrupamento dos lotes na formação das
acesso à moradia adequada para
vilas, onde se exploram as relações de vi-
a população com baixos salários
zinhança; e o próprio lote junto à unidade
no Brasil (renda entre 0 e 3 sa-
de habitação.
lários mínimos). Sendo assim, a
Como visto, a habitação rural se
própria população tem procurado
caracteriza por uma relação quase indis-
resolver esta situação a partir de
sociável entre o doméstico, lazer e pro-
algumas alternativas, entre elas
dução, que só pode ser analisada consi-
as ocupações irregulares. Dada a
derando diferentes escalas de interação
limitação financeira da população
entre homem e o meio. Além disso, uma
e a incerteza quanto à permanên-
intervenção deve ser pensada a partir de
cia na terra, e a dinâmica familiar,
uma leitura dos modos de vida que com-
as habitações são construídas
preende a identidade da família, seus va-
progressivamente, com parciais
lores e tradições.
reformas e ampliações ao longo
O interesse em explorar processos
dos anos, sendo sua materializa-
autônomos vai de encontro à necessida-
ção o resultado da confluência de
de de adaptação/superação do sistema
esforços empregados nos proces-
hegemônico de produção da casa própria.
sos de autoconstrução e autoges-
Ao longo deste trabalho pôde-se observar
tão. (Mororó, Pequeno e Cardoso, p. 77, 2015)
68
Partido
Este estudo se baseou no Assen- de reintegração de posses quando as fatamento Luiz Macedo, inserido em um
mílias não conseguem seu direito à terra,
contexto específico no sul do estado de
pode desmontar seus componentes e se-
São Paulo que concentra a maior parte
rem transportados para outro local.
das famílias agricultoras do estado, além
A viabilidade e permanência em um
de apresentar grande fragilidade socioe-
assentamento está diretamente ligada à
conômica em meio a condições físicas e capacidade de autogestão de seus assennaturais que compõem a importante bio-
tados. Percebe-se então a necessidade de
diversidade ambiental do Vale do Ribeira.
incentivar a soberania e autossuficiên-
A proposta considerou as especificidades
cia destes, que são peças chave de suas
deste local, entendendo que podem servir transformações tanto individual como code exemplo para desafios parecidos em
letivamente. A preferência por materiais
diferentes contextos. Considerando que o locais, naturais e/ou reutilizados que geque existe hoje no Assentamento é certa-
ram uma menor “pegada ecológica”, esti-
mente fruto de muita luta e por isso rea-
mula a autossuficiência e compõem uma
lizado diante de diversas limitações que
arquitetura vernacular que se adapta ao
cercearam o possível proveito máximo do próprio contexto, além de estar alinhada à solo, mais recíproco com o natureza e que
atuação do movimento e a guinada agro-
promovesse maior integração entre a pro-
ecológica que este teve.
dução e o convívio em conjunto. A proposta desenvolvida se deu
Cabe apresentar a proposta partindo da maior escala de intervenção: o
através do estudo da sistematização do zoneamento do assentamento se deu por uso do solo para assentamentos, bem
meio da análise do solo do Assentamen-
como condições que viabilizem a perma-
to, suas condições físicas, a topografia e
nência dos assentados na terra. Contudo, hidrografia; a sua posição em relação ao se adequando ao contexto de incerteza
núcleo urbano e a relação com a rodovia.
que envolve acampamentos e assenta-
Devido à grande proporção de áreas de
mentos, uma vez que umas das escalas reserva do Assentamento, foi necessária de intervenção se propoe a pensar uma
uma leitura minuciosa das áreas desocu-
habitação que, se necessário, em casos padas e descampadas através de imagens
69
de satélite, onde pôde-se elencar possí- agroflorestais, de forma a preservar os veis áreas de intervenção para o estudo. caminhos d’água sem perder o potencial Com os “vazios” definidos e mensurados
produtivo dessas áreas. Além disso, os
começa-se a pensar na distribuição das trechos vazios mais distantes do centro áreas de interesse para moradia e plantio.
do Assentamento foram também inclu-
Com a leitura da hidrografia do As-
ídos para reflorestamento, uma vez que
sentamento, se viu a grande necessidade não estão próximos das vias e por se prede resguardo dessas áreas, para isso foi
tender causar o menor impacto possível
concentrada no seu envoltório as áreas
nas áreas de reserva.
de reflorestamento associado à práticas
Foi priorizada a alocação das áre-
PETAR MORRO DO OURO
N
0,6 1,2
ASSENTAMENTO PROF. LUIZ DAVID MACEDO INSERÇÃO EM RELAÇÃO À MANCHA URBANA ESCALA GRÁFICA FOTO DE SATÉLITE GOOGLE EARTH COM MODIFICAÇÕES DA AUTORA
70
3km
as de moradia nas maiores parcelas li- de do acesso cotidiano, mas também em vres, formando 4 núcleos de moradia que momentos de emergência onde ambulânconstituem as vilas, onde as 82 famílias
cias ou bombeiros poderiam acessar com
poderiam ser distribuídas em grupos me- facilidade as áreas de moradia. As vias nores e maiores de acordo com a capaci-
não foram modificadas pois se entende
dade de divisão igualitária da área total
que são resultado da apropriação mais
de cada núcleo. Todos os núcleos estão cômoda da topografia acidentada natural posicionados com acesso às vias internas do Assentamento. do Assentamento, pensando na praticidacontinua na pág. 75
limites Assentamento caminhos d’água Rodovia Sebastião Ferraz de Camargo Penteado viário interno do assentamento
N
0,6 1,2
3km
ASSENTAMENTO PROF. LUIZ DAVID MACEDO RELEVO E HIDROGRAFIA ESCALA GRÁFICA GOOGLE EARTH COM MODIFICAÇÕES DA AUTORA
71
km
km
4
km
2
1
PE
8
MORRO DO OURO
ZONEAMENTO DO ASSENTAMENTO
N
0,4 0,8
ESCALA GRÁFICA PROPOSTA DO ENSAIO PROJETUAL FOTO DE SATÉLITE DO GOOGLE EARTH COM MODIFICAÇÕES DA AUTORA
72
2km
ASSENTAMENTO PROF. LUIZ DAVID MACEDO
reserva Mata Atlântica reflorestamento + agrofloresta plantio compartilhado vilas de moradia equipamentos coletivos acampamento Ilda Martins
Rodovia Sebastião Ferraz de Camargo Penteado viário interno do assentamento caminhos d’água vila de moradia a ser detalhada marcenaria + serraria e central de recicláveis e não reciclaveis cozinha coletiva / refeitório posto de saúde educandário centro comunitário
km
ETAR
Zoneamento
área total do assentamento: 8.765 ha 87% reserva de Mata Atlântica: 7.626 ha 13% disponível / agricultável: 1.139 ha 20% para moradia: 227 ha / 82 famílias = 2,8 ha por família 80% = 551 ha plantio compartilhado 361 ha reflorestamento associado à agrofloresta
73
PARCELAMENTO VILA DE MORADIA
N
ESCALA GRÁFICA
jardins filtrantes moradias cozinha coletiva / refeitório
PROPOSTA DO ENSAIO PROJETUAL
limite do lote
FOTO DE SATÉLITE GOOGLE EARTH COM MODIFICAÇÕES DA AUTORA
74
0 20 40 100m
viário
Em seguida, as áreas destinadas ao
ligado à prática de beneficiamento da pro-
plantio aberto (aquele que não pode ser dução do próprio Assentamento, onde os associado à agrofloresta devido à neces-
alimentos podem ter maior valor agrega-
sidade de maior insolação) foram estabe- do, muitas vezes prolongando a vida útil lecidas nos trechos de mais fácil acesso destes, promovendo até a estabilidade da por meio das vias internas, pensando na
produção.
praticidade de transporte da produção.
- marcenaria + serraria: como mensio-
Essas áreas foram pensadas para plantio
nado, esta infraestrutura permite a via-
coletivo, onde os agricultores poderiam bilidade da construção das habitações, atuar juntos organizando e dividindo as
permitindo maior autonomia na produ-
produções principais do assentamento.
ção destas. Devido à poluição sonora que
Percebendo a dimensão do assen-
pode causar foi posicionada fora das vi-
tamento e a defasagem dos serviços e las, dessa forma também obteve mais fáequipamentos públicos locais, se acres- cil acesso da chegada de materiais por ter centou à proposta equipamentos cole-
acesso direto pela rodovia.
tivos posicionados estrategicamente ao centro de cada vila, de forma a criar estas centralidades propriamente dita, que conjuntamente à uma praça promovem
Proposta elaborada pelos pré-assentados do Assentamento Canudos-GO, 2002. Fonte: Karla Emmanuela Ribeiro Hora
encontros e ativações diversas em cada uma das vilas, além de construir a socialização desses serviços. Os 5 equipamentos propostos são: - centro comunitário: espaço para as assembleias e reuniões variadas, eventos e atividades de convivência; - educandário: serviço não institucionalizado que promove a recreação de crianças e jovens das 82 famílias; - posto de saúde: com o intuito de dar assitência também ao Acampamento Ilda Martins e aos bairros vizinhos, foi posicionado próximo da rodovia; - cozinha coletiva e refeitório: além da possibilidade de receber também eventos e comemorações, o papel da cozinha está
75
Ampliando a escala de maneira a se aproximar das vilas propostas, bem como o parcelamento destas, observa-se que também se deu de forma sistemática. O método de parcelamento proposto se baseia no modelo conhecido como “raio de sol” ou “roda de carroça”, esse modelo prevê a aproximação das moradias, combinado à alocação de equipamentos coletivos que promovem a socialização das famílias, como já mencionado. Cada lote possui uma relação com o lote vizinho, onde certos sistemas foram pensados e dimensionados para servir à duas habitações, de forma a poupar recusos com a construção/instalação. Os lotes também tiveram uma proposta de
Ilustração das zonas na permacultura. Autor: Felix Muller
zoneamento seguindo bases permaculturais onde cada zona apresenta um grau de atenção quanto ao seu cuidado relacio-
área domiciliar
nado principalmente ao tipo de cultivo e
hortas e jardins produtivos
manejo.
pomares e animais pequenos plantios de maior escala
EXEMPLO DE IMPLANTAÇÃO E ZONEAMENTO DOS LOTES PROPOSTA DO ENSAIO PROJETUAL ESCALA GRÁFICA
76
N
0 10 20
50m
ISOMÉTRICA DA RELAÇÃO ENTRE LOTES SEM ESCALA
AMPLIAÇÃO DOS LOTES ESCALA GRÁFICA
1. Moradia 2. Tratamento águas negras
1
3. Tratamento águas cinzas 4. Paineis
2
solares 5. Árvores quebra-vento
3
4
5
N
0 5
10
20m
77
Protótipo de habitação autoconstruída
cia energética e o tratamento local de efluentes; - dimensão cultural: integrando conhecimentos populares e acadêmicos, explorando a autoconstrução como processo autogestionário; - dimensão socioeconômica: sem exploração da força de trabalho para ge-
Certos conceitos foram explorados
ração de mais valia, com bases democrá-
ao longo dos semestres do TFG visando ticas participativas. nortear a intervenção proposta, são eles:
Como já abordado, os pequenos
a construção agroecológica, a habitação
agricultores familiares que lutam pela
progressiva e o desenho para desmonta-
terra estão em constante movimento pela
gem, e serão melhor detalhados adiante.
conquista dos próprios direitos, portan-
Como visto, a Agroecologia tem
to, estes cotidianos de resistência sofrem
abrangência em diferentes esferas do com o contexto de instabilidade de acamdesenvolvimento social e sempre em pamentos e mesmo em assentamentos consonância com a natureza. Acerca dos regularizados onde os assentados não princípios agroecológicos no contexto da são donos da terra: têm o direito de uso, construção civil se tem a reflexão dos mo-
mas não podem comercializá-la. Buscan-
dos de construir, priorizando processos
do modos de agir em meio à esse contex-
autogestionários que estimulam o coo-
to, se considerou a possibilidade de des-
perativismo existente nas comunidades montagem da habitação, de forma a gerar e, além do cuidado em escolher materiais locais, também se preocupa com o cuidado dos recursos naturais. Alguns autores apontam para as di-
mais segurança para estas famílias. A estratégia de desmontagem de edifícios para recuperação de materiais e componentes para sua reutilização fu-
ferentes dimensões de inserção da agro- tura, apresenta benefícios ambientais ecologia, Guhur e Toná (2012) identificam
como redução do desperdício de material
as dimensões ambiental, socioeconômica e a redução do consumo de energia para e cultural como indissociáveis. Procuran- produção de novos materiais. No artigo do estabelecer essas dimensões dentro
“Design for Disassembly – Themes and
do projeto desenvolvido tem-se:
Principles”(2005), Philip Crowther critica a visão do mercado da construção que se
taipa leve constituído de solo cimento e
mostra unidirecional, considerando ape-
serragem, promoção da autossuficiên-
nas a forma final de um projeto pronto,
78
- dimensão ambiental: painéis em
aponta ainda como as considerações para tornar um projeto passível da reutilização dos materiais não devem começar quando
Aulas de bioconstrução na Unidade Pedagógica de Agroecologia do Acampamento Edson Nogueira, em Macaé (RJ). Foto: Coletivo de Comunicação MST-RJ
já está construído mas durante seu pro- interessam à esse trabalho estão: jeto “uma visão mais cíclica do ambiente
- uso de materiais reciclados e reci-
construído e dos materiais nele contidos, cláveis; reconhece a necessidade de considerar, até a fase de concepção de um projeto,
- minimizar o número de tipos diferentes de materiais e componentes;
tanto o processo de desmontagem quan-
- desenho modular;
to o processo construtivo” (CROWTER,
- usar o mínimo de conectores e o
2005). Em seu artigo, Crowther aborda as
mínimo de tipos diferentes de conectores; -componentes dimensionados para
diferentes motivações que podem ser be- se adequar aos meios de manuseio; neficiadas pela desmontagem, entre elas
- uso tecnologias de construção
estão a realocação completa da constru- que sejam compatíveis com práticas de ção, o uso dos componentes para um novo
construção padrão, simples e de “baixa
projeto diferente ou a simples necessi-
tecnologia” assim como ferramentas co-
dade de reciclagem desses materiais. O
muns; (CROWTER, 2005)
autor também aponta para os princípios
No projeto desenvolvido esse con-
da desmontagem mostrando como esse ceito favoreceu duas demandas: a posprocesso se torna possível para cada fi-
sível desmontagem para montagem em
nalidade de desmontagem, entre os que
lugar diferente, dando mais flexibilidade
79
Perspectiva explodida do protótipo de habitação autoconstruída. Sem escala.
ao contexto de insegurança quanto à per- graças à posição estratégica da varanda manência na terra; e a possibilidade de
que contempla essa expansão.
expansão da habitação, de forma a com-
A possibilidade de expansão da
portar famílias que crescem com o passar
casa é percebida como uma solução aos
do tempo, para isso se desmonta uma das
“puxadinhos” comumente encontrados
faces da casa e ao inserir painéis adicio-
nas regiões rurais, pois é natural que se
nais tem-se a formação de novos espaços construa inicialmente casas pequenas
80
que suprem a demanda imediata devido
A progressividade de uma habita-
às limitações financeiras, contudo é tam-
ção é também tema de interesse deste
bém natural que as próprias famílias se trabalho, “esse processo progressivo de expandam com as novas gerações. Essa construção confere à edificação um senestratégia já se mostra muito comum tido de organismo vivo, que cresce, regeconsiderando a grande valorização que o
nera-se e perdura por longos anos, tes-
quintal têm:
temunhando as mudanças domésticas e
É interessante observar que a
a vida dos usuários que nela intervêm”
questão do quintal tem duas di-
(Habraken, 2000 apud Mororó, Peque-
mensões. De um lado, aquela do
no e Cardoso, 2015) e na arquitetura vem
espaço em si, da existência de
sendo explorado como intenção projetual
uma área externa onde se possa
em grandes projetos de habitação social
descansar, pendurar roupa, onde
em exemplos conhecidos e mais recen-
as crianças possam brincar, uma
tes como a Quinta Monroy, de Alejandro
área para atividades que não se
Aravena (2003), mas tem suas bases em
podem realizar dentro do aparta-
projetos como o PREVI (Proyecto Experi-
mento. Mas ainda há outra dimen-
mental de Vivienda) idealizado em 1966
são importantíssima do quintal:
no Peru pelo presidente e também arqui-
ele representa a possibilidade de
teto Fernando Belaúnde Terry, o projeto
expansão da residência. Nele se
se tornou um marco no debate de moradia
poderia construir o cômodo ex-
popular na América Latina.
tra que se faça necessário, fazer
Nesta época já se discutia sobre
o “puxadinho” caso a família au-
um novo conceito de moradia, não estáti-
mente, ou para vender alguma
ca e adaptável à necessidade das famílias,
coisa, prestar algum serviço. Logo,
“para isso, era necessário que as moradias
ele representa também a possi-
fossem desenvolvidas a partir de um sis-
bilidade de expansão da família
tema modular e que apresentassem solu-
e de se estabelecer uma unidade
ções tecnológicas e procedimentos cons-
produtiva geradora de renda. Essa
trutivos adequados baseados no conceito
última possibilidade é muito rele-
de flexibilidade e crescimento progressi-
vante, considerando-se que histo-
vo horizontal e/ou vertical (Ministerio de
ricamente as habitações das fa-
Vivienda del Perú/ Instituto de Investiga-
mílias de baixa renda nas cidades
ción y Normalización de la Vivienda, 1979,
servem não apenas como lugar de
apud VIERA, 2020)
residência, mas também como espaço de trabalho (AMORE, SHIMBO e RUFINO, 2015).
81
0,70m
2,70m
2,70m
1. Var
3,40m
2. Coz
3. Sal
2,70m
4
5
2,70m
3
2
1
N
PLANTA NÚCLEO ZERO ESCALA 1:75
PERSPECTIVA NÚCLEO ZERO SEM ESCALA
82
2,70m
4
2,70m
4. Qua
5. Ban
randa
0,70m
2,70m
2,70m
2,70m
0,70m
zinha
la
arto 2,70m
nheiro 4
2,70m
2,70m
2,70m
4
4
3
5
2
1
N
PLANTA EXPANSÃO ESCALA 1:75
PERSPECTIVA EXPANSÃO SEM ESCALA
83
CORTE LONGITUDINAL
2,70m
1,30m
SEM ESCALA
0,36m
1
1. Varanda 2. Cozinha 3. Sala 4. Quarto
84
2
telhas de fibrocimento forro de esteiras de fibra natural tela mosquiteira tesouras de madeira barrotes de ligação entre tesouras
3
4
paineis internos piso em
ripas de eucalipto paineis externos paineis de piso gabião tipo colchão
85
CORTE TRANSVERSAL
0,36m
2,70m
1,30m
SEM ESCALA
1. Banheiro 2. Cozinha 3. Varanda
86
1
2
telhas de fibrocimento tela mosquiteira tesouras de madeira caibros forro de esteiras de fibra natural
3
gabião tipo colchão paineis de piso piso em
ripas de eucalipto
paineis externos
87
Referências projetuais Protótipo pós terremoto - Habitação Rural Al Borde | Equador | 2017 Aspectos de interesse: - leitura e assimilação de padrões construtivos locais; - utiliza materiais industrializados mais baratos, comuns e acessíveis do local; - propõe a consolidação da casa através dos acabamentos permitindo o uso de qualquer material sem comprometer a estrutura; - explora o uso de chapas de compensado que quando cortadas solucionam a maioria dos componentes da habitação, como as vigas, pilares e caibramento.
A Casa de 100 anos Rural Studio | EUA | 2020 Aspectos de interesse: - propõe a expansibilidade da habitação, visando uma maior durabilidade e considera de orçamentos limitados; - entende que a habitação quando pensada para esse fim pode gerar investimentos mais altos inicialmente, contudo gera muita ecônomia no futuro ao mesmo tempo que valoriza o resultado final; - basicamento propõe uma grande laje com um grande telhado independente que permite a expançao abaixo deste.
88
Fonte: site oficial Al Borde.
Fonte: site oficial Rural Studio.
89
Fases
montagem da estrutura do telhado
escavação para fundação
montagem do piso
disposição dos paineis externos e internos
expansão/desmontagem
90
Processo
Primeiros estudos da proposta de painel, 2021
OSB
LÃ DE PET
PLACAS ECOTOP
Através do estudo de diversas re- derando a mão de obra autoconstrutora, ferências projetuais, elencadas ao longo
ou seja, vê-se a necessidade de adaptar
deste capítulo, foi possível identificar as-
a escala destes painéis para a facilitação
pectos de interesse em projetos que pro-
do manuseio em até duas pessoas e sem
punham sistemas construtivos compos-
a necessidade de maquinários. Esse tipo
tos por painéis modulares, muitos deles
de construção também pode facilitar os
exploram a rapidez gerada para uma obra, processos de desmontagem e a possível considerando a possibilidade da pré fa-
expansão da habitação, uma vez que atra-
bricação que permite uma dinâmica onde
vés da modulação torna-se mais prático a
as fases da obra podem ser independen- separação dos componentes, além do cartes.
regamento e transportes desdes. Ao relacionar os conceitos expostos
O dimensionamento levou em con-
inicialmente, se percebeu os benefícios
sideração além do fácil manuseio, a defi-
que este sistema construtivo em painéis nição do pé direito mínimo da habitação pode promover. A começar pela facilida-
e a viabilidade do aproveitamento dos
de no processo de construção, uma vez vãos, de forma a corresponder com a larque os painéis são dimensionados consi- gura das portas e janelas, dessa forma
91
ficou definida a modulação dos painéis com 90cm largura e altura de 2,70. Outras decisões influenciam e viabilidade do uso dos painéis estão ligadas a composição destes, os materiais empregados visam a leveza, mas também a rigidez, além da desejável origem sustentável. Ao longo do processo deste trabalho final, experimentou-se diferentes possibilidades, inicialmente foi explorada a estruturação dos painéis com segmentos de chapas de OSB, considerando seu baixo custo e se apropriando da referência da Vila Taguaí, projeto de Cristina Xavier em parceria com Hélio Olga que consistiu em desenvolver um sistema construtivo de painéis de madeira para paredes, lajes e cobertura baseado no aproveitamento das sobras de peças de madeira da ITA Croquis de Tomaz Lofuto, 2002. Painéis de paredes e lajes da Vila Taguaí, projeto de Cristina Xavier, 2007.
92
Construtora. A composição inicial dos painéis propostos buscava implementar materiais reaproveitados ou já reciclados, a exemplo das chapas de OSB, compostas basi-
camente por fragmentos de madeira e resina. As vedações dos painéis externos se davam através da associação de diferentes materiais, compondo um “sanduíche” de placas de tetra pak, lã de pet fazendo o
Construção e barreamento dos paineis de taipa leve da Base de Apoio da REBIO Piratuba, projeto do Margem Arquitetura, 2011
isolamento e uma chapa OSB para reforço. Percebeu então um anseio por propor o uso de produtos ainda que sustentáveis são produzidos industrialmente, se distanciando do contexto ao qual se destina a proposta: o habitat rural. Devido à essa tomada de consciência ao longo do processo, buscou-se explorar referências mais próximas desse meio e explorar materiais que promovessem maior autonomia aos futuros moradores. Nesse momento se deu a aproximação do conceito da construção agroecológica, que promove a incorporação de maneiras ancestrais de construção junto à já mencionada reflexão dos modos de produzir atuais.
93
ISOMÉTRICA DOS PAINEIS COMPONENTES DO PROTÓTIPO SEM ESCALA bandeira fixa em vidro iluminação permanente
PAINEL PORTA
veneziana ventilação permanente
PAINEL EXTERNO DE TAIPA LEVE
pintura hidrofuga ou verniz
PAINEL PARA ÁREAS ÚMIDAS
tábuas de eucalipto
PAINEL DIVISÓRIA INTERNA
PAINEL DE PISO estrutura dos paineis: tamanhos comerciais de eucalipto aparelhado
Novas referências projetuais foram
da terra para construção, compreendendo
importantes nessa busca. O simples esbo-
a abundância do material, o baixo impac-
ço do arquiteto e permacultor Tomaz Lo- to ambiental devido ao reduzido procestufo em suas redes sociais apontou para
samento e a potencialidade de gerar au-
a possibilidade de associar a tecnologia
tosuficiência às pessoas. Nesse caminho
da pré fabricação dos painéis com sabe- projetos como o do Margem Arquitetura res construtivos que se baseiam no uso
94
deram o embasamento necessário para
SOLUÇÕES PARA PAINEL EXTERNO SEM ESCALA
PAINEL DE TAIPA LEVE
tela de galinheiro ou tela de arame recozido
mistura solo cimento e serragem
aderir ao painel de taipa leve à proposta.
PAINEL RIPADO
ripas de eucalipto compondo 2 camadas com vão entre estas
cial de eucalipto aparelhado foram inse-
A estrutura dos painéis também foi ridas em substituição as chapas de OSB, revisada, e adaptada ao contexto do lo-
e incorporadas à maior parte dos compo-
cal de inserção da proposta, a cidade de
nentes da habitação.
Apiaí, e como mencionado no começo do capítulo, é produtora de eucalipto. Dessa forma, peças de tamanho padrão comer-
95
TESOURA EM EUCALIPTO
elemento de união em chapa de compensado
pilar duplo eucalipto
CHEGADA DA TESOURA NO PILAR
96
CHEGADA DO PILAR AO SOLO COM FUNDAÇÃO EM CONCRETO
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JUNÇÃO DOS PAINEIS EXTERNOS COM ARREMATE DE QUINA
ESTRUTURA PARA MONTAGEM E BARREAMENTO
98
espera para o painel
FIXAÇÃO DOS PAINEIS INTERNOS NO PISO FIXAÇÃO DOS PAINEIS INTERNOS NO PISO
99
DIAGRAMA CAMINHO DAS ÁGUAS SEM ESCALA
6
5
1. Captação de águas pluviais 2. Filtragem águas pluviais 3. Tratamento de águas cinzas - jardins filtrantes 4. Reservatório de água para limpeza e irrigação 5. Tratamento de águas negras - fossa séptica biodigestora 6. Reservatório de adubo resultante da fermentação
100
1
3
2
4
101
fossa séptica biodigestora foto: Joana Silva Portal Embrapa
Algumas soluções desenvolvidas
Segundo o livro “Saneamento
pela Embrapa especialmente destinadas
Básico Rural” da Embrapa, a fossa sép-
ao tratamento de efluentes em áreas
tica biodigestora é uma solução para o
rurais foram empregadas na proposta de
tratamento de águas negras (esgoto do
maneira a se inspirar na dinâmica cíclica
vaso sanitário), com a decomposição
presente na natureza como forma de re-
anaeróbia da matéria orgânica feita pelas
pensar a maneira que se cuida dos resí-
bactérias resultando em adubo orgânico
duos domésticos, bem como a necessária
líquido que pode ser inserido na produ-
transição energética do Brasil, atreladas
ção dos pequenos agricultores além de
às limitações de comunidades rurais em
ser “rico em nitrogênio, fósforo e potás-
acessar infraestruturas públicas de dis-
sio, pode ser utilizado para aplicação di-
tribuição de água, tratamento de esgoto
reta no solo como adubo orgânico líquido
e até de fornecimento de energia.
(biofertilizante). Essa forma de aplicação
esquema de montagem da fossa séptica biodigestora autor: Valentim Monzane Portal Embrapa
102
é de comprovada eficácia e segurança e traz economia para o produtor rural” (SILVA, 2014).
jardim filtrante foto: Pedro Hernandes Portal Embrapa
Para uma casa com até cinco mo-
a irrigação de lavouras e limpeza geral.
radores, o sistema é basicamente com-
Este sistema é composto por uma caixa
posto por 3 caixas de 1000 litros semi
de decantação (50 a 100 litros), caixa de
enterradas, interligadas e conectadas
gordura e por um pequeno lago que filtra
aos sanitários. Podendo crescer propor-
a água através das pedras, areia e plan-
cionalmente ao número de moradores,
tas aquáticas. A construção começa pela
onde uma casa de 10 pessoas pode usar
cova no lugar selecionado, com 50cm de
tanto 6 caixas de 1000 litros ou 3 de
profundidade e com 2m² para cada mo-
2000 litros. Utiliza materiais e ferramen-
rador, no caso da proposta desenvolvida
tas de fácil acesso em lojas de materiais
cabe o dimensionamento para o total de
de construção (SILVA, 2014).
moradores pretendido inicialmente, e
Para as águas cinzas, provenien-
com a expansão pode-se construir novos
tes das pias e ralos é possível tratá-las
tanques interligados aos primeiros (SIL-
através de jardins filtrantes, que tornam
VA, 2014).
essas águas aptas à reutilização para
esquema de montagem do jardim filtrante autor: Valentim Monzane Portal Embrapa
103
104
Ao lado: perspetiva externa, visão geral da habitação. Abaixo: vista interna da varanda e acesso.
105
106
Ao lado: vista interna da cozinha e relação com a varanda Abaixo: visão geral estar e cozinha
107
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Ao lado: vista da sala e acesso ao dormitório Abaixo: vista interna domitório
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Considerações finais
“Seres humanos devem aproveitar os recursos e riquezas do meio ambiente em um novo contexto, em que tal apropriação deve servir e “garantir” o Bem Estar. (...) Não se pretende uma natureza intocada, mas se exige que esse aproveitamento esteja especificamente orientado a resolver necessida-
A necessidade de pensar alternati-
des-chave, combater o consumo
vas para viver e produzir em consonância
de luxo e a acumulação do capital
com os ciclos da natureza vai de encontro
gerada pela exploração dos recur-
às imposições geradas pelo capitalismo e
sos naturais.” (GUDYNAS, 2019)
sua consequência mais latente: o aquecimento global. Felizmente, o desenvol-
Este trabalho buscou contribuir
vimento sustentável tem sido cada vez para o debate sobre a necessária revisão mais discutido, inclusive por governos de das estruturas de exploração do trabalho alguns países, a exemplo do conceito de e da natureza, bem como ferramentas de Bem Viver ou Sumak Kawsay no Equador.
afirmação dos direitos de todos. Buscou
Em “Direitos da natureza: ética bio- também amparar comunidades de pequecêntrica e políticas ambientais”, Gudynas nos produtores rurais que são cruciais discorre sobre a necessidade de avançar para a alimentação de milhares de famírumo a uma economia pós-material, se lias e pela regeneração do meio ambiendeter a aproveitar os recursos naturais te, dessa forma, atuando diretamente no para atender às necessidades vitais.
110
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