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Política – Tempo Presente
RELAÇÕES SINO-AFEGÃS: IMPACTOS DA RETIRADA DAS TROPAS DA OTAN DO AFEGANISTÃO Por Bernardo Corais e Paulo Pulcherio
Resumo A China recentemente intensificou sua ajuda econômica ao Afeganistão que, junto com investimentos comerciais, são importantes para a estabilidade do país depois de 13 anos de guerra. Este artigo tenta responder o porquê dessa intensificação. A China compartilha uma fronteira com o Afeganistão, de pequena extensão em comparação com seus outros vizinhos. Porém, essa fronteira liga o Afeganistão à Xinjiang, uma parte da China habitada por muçulmanos com os quais o governo chinês tem preocupação que a instabilidade do Afeganistão fomente separatismo, extremismo e terrorismo dentre eles. Este artigo argumenta que a assistência econômica e os investimentos chineses se devem principalmente pelo medo de separatismo. Iremos argumentar também que, com o fim da missão da OTAN no Afeganistão em 2014, a China intensificou sua ajuda para que a saída das tropas ocidentais não abale a frágil estabilidade do país e não possibilite a insurgência de grupos terroristas, ao mesmo tempo em que é uma oportunidade para a China aumentar sua influência na Ásia Central. PALAVRAS-CHAVE: China. Afeganistão. Separatismo. Xinjiang. Cooperação.
G N A R U S | 98 A garantia de estabilidade em um país é motivada por diversos fatores e, ao logo da história, esses
INTRODUÇÃO
fatores variaram dependendo do contexto histórico e
O
dos Estados envolvidos. Na política internacional, as ano de 2001 foi marcado pelo maior
motivações podem envolver tanto motivos idealístico
atentado terrorista sofrido pelos Estados
e morais quanto motivos definidos por interesses de
Unidos. Os atentados de 11 de setembro
poder. “É tão fatal, em política, ignorar o poder
foram seguidos pelo início da guerra ao terror e pela
quanto ignorar a moral” (CARR, 1981, p. 130). Na
invasão
no
história vemos políticas traçadas por Estados que são
Afeganistão. O objetivo era desmantelar a Al-Qaeda
motivadas mais por ideias, às vezes mais por
e destituir o Talibã do governo afegão. Das tropas no
interesses de poder e, finalmente, misturando os dois.
Afeganistão, os Estados Unidos lideravam em
É importante ressaltar, como Carr o faz, que os termos
números: em 2011, apresentavam um contingente de
de poder estão hierarquizados acima de motivações
101,000 soldados no país (LANDLER, 2014). O custo
idealísticas (CARR, 1981). Os distúrbios causados no
semanal referente a manutenção das tropas norte-
Oriente Médio a partir da criação do Estado de Israel
americanas ficava em torno de 2 bilhões de dólares
foram em parte por motivos morais. Países árabes
(BBC, 2011). O presidente norte-americano Barack
como Egito, Síria, Transjordânia, Iraque e Líbano
Obama, em 2011, anunciou um plano para a retirada
ingressaram em uma guerra contra o Estado recém
de tropas norte-americanas do Afeganistão. Ao final
criado visando a libertação da Palestina. No entanto,
de 2014, a missão no Afeganistão estaria oficialmente
nesse contexto, as motivações definidas em termos
acabada e a segurança passaria a ser uma tarefa dos
de poder podem ser encontradas: um novo
oficiais afegãos. No entanto, a retirada de tropas não
competidor no Oriente Médio ameaçaria o equilíbrio
é total: o plano consiste em diminuir gradualmente o
de forças da região. Pode ser inferido que na relação
contingente para que permaneça no país um número
da China com o Afeganistão há a presença dos dois
necessário para proteger a embaixada norte-
tipos de motivações. No caso específico da retirada
americana em Cabul e para ajudar o exército afegão
de tropas da OTAN e de tropas norte-americanas, a
em assuntos de segurança. Até o final de 2014, é
China se vê diante um dilema. Ao mesmo tempo que
pretendido diminuir as tropas de 32,000 para 9,800,
a retirada de tropas ocidentais é um ponto positivo
e em 2015 diminuir para a metade desse número.
para um aumento da influência chinesa na Ásia
Além das tropas norte-americanas, a OTAN planeja a
Central, uma vez que abre uma janela de
retirada total das tropas da ISAF (Força Internacional
oportunidade para o país avançar seus interesses na
de Assistência para Segurança, em inglês) ao fim de
região, essa retirada pode significa um abalo na frágil
2014. É esperado que o Afeganistão consiga manter
estabilidade do Afeganistão. Garantir a estabilidade
a estabilidade do país depois de vários anos de
do Afeganistão tem motivações morais, porém as
guerra.
intenções de garantir a integridade territorial da
liderada
pelos
norte-americanos
China são baseadas em interesses de poder. Não
G N A R U S | 99 podendo mais depender das forças ocidentais para a
econômica e os investimentos da China no
estabilidade necessária para impedir que insurgentes
Afeganistão se dão a partir da análise anterior.
no Afeganistão incitem movimentos separatistas na província de Xinjiang, como será argumentado nesse artigo, a China recentemente intensificou a
RESENHA DE LITERATURA
assistência econômica ao Afeganistão. O presidente
Tomar medidas visando a integridade territorial do
afegão Ashraf Ghani, eleito em setembro de 2014,
território chinês não é uma política nova. Na verdade,
visitou pela primeira vez a China em outubro desde as
a preocupação com a integridade territorial data
eleições para estreitar os laços diplomáticas e assinar
desde 1949, ano da proclamação da República
um acordo no qual a China prover mais de 330
Popular da China. Não só a província de Xinjiang faz
milhões de dólares de assistência econômica nos
parte dessa preocupação, mas também a região do
próximos três anos ao Afeganistão (PANDA, 2014).
Tibete e o Taiwan, que até hoje não é reconhecido
Este artigo argumenta que a intensificação da assistência econômica chinesa ao Afeganistão se dá pelo medo de separatismo do Partido Comunista Chinês em relação a região de Xinjiang. A região é habitada por muçulmanos em sua maioria sunitas da etnia Uigur, e a China teme que insurgentes afegãos causem um efeito spill-over sobre a região, o que intensificaria
movimentos
separatistas
e
atos
terroristas. Este artigo argumenta também que esse medo é intensificado com a aproximação da saída das tropas da OTAN do Afeganistão em 2014. A saída das tropas ocidentais do Afeganistão significa que a manutenção da estabilidade do Afeganistão, que já é frágil, poderá ser prejudicada. À China, que tem muitos investimentos no país que são prejudicados
como independente pelo Partido Comunista Chinês. O realismo de Edward Carr nos proporciona uma maneira de olhar para a assistência e os investimentos promovidos pela China no Afeganistão: ela é movida por motivos morais e também por motivos definidos em termos de poder. E o que é importante nesse olhar é o fato que interesses definidos em termos de poder são privilegiados em detrimento dos motivos morais (CARR, 1981). Por mais que a ajuda chinesa no Afeganistão seja para ajudar um Estado falido a se recompor, os motivos que são privilegiados são aqueles que são relacionados ao poder: o Partido Comunista Chinês quer garantir a estabilidade do Afeganistão para que grupos insurgentes não ameacem a integridade territorial da China.
por atos terroristas e, mais importante, que divide
Promover a estabilidade do Afeganistão não é uma
uma fronteira com o Afeganistão, interessa muito
tarefa tão simples e uma série de outros fatores estão
garantir a estabilidade do seu vizinho.
presentes nessa questão. As relações da China com o
A análise no artigo será estruturada em duas seções. A primeira seção será dedicada a uma discussão sobre como a China, Xinjiang e o Afeganistão se relacionam no contexto de defesa de integridade territorial. Na segunda seção analisaremos como a assistência
Afeganistão têm implicações nas relações da China com o Paquistão, cujo governo apoia os Talibã. A manutenção de uma boa relação com o Paquistão é vantajosa à China, pois o Paquistão exerce um papel de contrapeso à Índia no equilíbrio de forças da Ásia Central. A China, por sua vez, tem uma série de
G N A R U S | 100 disputas de fronteiras com a Índia. Assim, a China se
técnica, e também o apoio de ambos os países ao
vê diante de mais um dilema: ao mesmo tempo que
combate contra o terrorismo, extremismo e
vê como necessária a contenção dos insurgentes no
separatismo (EMBASSY OF THE PEOPLE’S REPUBLIC
Afeganistão para que o país deixe de abrigá-los e
OF CHINA IN THE ISLAMIC REPUBLIC OF
treiná-los ou pelo menos dificulte a ação de
AFGHANISTAN, 2012). Em 2014, a China anunciou
organizações terroristas em seu território, a China
que fornecerá uma ajuda de 330 milhões ao longo
não pode fazê-lo de modo a abalar suas relações com
dos próximos três anos, mais do que a quantidade
Paquistão, pois este é um contrapeso geopolítico à
total de assistência providenciada entre 2001 e 2011,
Índia, devido a sua disputa de fronteiras com ela
mostrando a disposição chinesa a se aproximar do
(Caxemira sendo o exemplo mais marcante).
Afeganistão mais do que somente na retórica.
Complicando mais ainda esse dilema, a China também procura deve manter relações saudáveis com a Índia, uma vez que o país é uma parte importante dos BRICS, parceiro da China na arena global.
primários da China quando se diz respeito ao Afeganistão, que se assemelham à política da China quanto
a
outros
países
da
Ásia
Central.
Primeiramente, a China quer garantir a segurança da
O foco deste artigo, contudo, será a assistência econômica
Michael Clarke escreve sobre três objetivos
chinesa
no
Afeganistão,
província de Xinjiang; em segundo lugar, a China
que
quer garantir o desenvolvimento de maiores laços
recentemente foi intensificada, o que é um marco
econômicos e investir em recursos naturais; em
importante que evidencia a disposição da China em
terceiro lugar, a China tem interesse em combater a
engajar no Afeganistão. A elevação do status das
influência dos Estados Unidos e da Índia na região
relações sino-afegãs para um parceria estratégica e
(CLARKE, 2013). Segundo Zhao Huasheng, o objetivo
cooperativa em 2012 inicia uma nova fase do
primário da China no Afeganistão é de fortalecer a
engajamento chinês no Afeganistão. Esse novo status
cooperação, fornecendo ajuda e investimentos e
das relações sino-afegãs entrou em vigor um ano
ajudando o Afeganistão a se integrar na região da
após o anúncio da retirada de tropas norte-
Ásia Central. Não é a toa que as relações Pequim-
americanas do Afeganistão, quando haverá a entrega
Cabul foram elevadas ao status de parceria
da responsabilidade pela segurança para os oficiais
estratégica e cooperativa em 2012. Além disso, para
afegãos (COOPER e LANDLER, 2011). Em junho de
conseguir esse objetivo, entre 2011 e 2013 a China
2012, após um encontro entre os então presidentes
deu 200 milhões de dólares em ajuda para o
Hu Jintao, da China, e Hamid Karzai, do Afeganistão,
Afeganistão. Ao ajudar o Afeganistão, a China espera
os dois assinaram um joint statement que define a
garantir a estabilidade do país, principalmente na
cooperação política, econômica, militar, cultural e
relação do Talibã com o governo afegão. Apesar da
também no cenário regional e internacional como os
China reconhecer o Talibã como um ator político, é
cinco pilares da relação bilateral sino-afegã. Além
totalmente
disso, o documento deixa clara a intenção de ambos
extremismo (HUASHENG, 2014). De acordo com a
os lados em continuar e expandir a cooperação
análise de Dirk van der Kley, a China não quer que a
contra
terrorismo,
separatismo
e
G N A R U S | 101 instabilidade do Afeganistão e nem o terrorismo
transporte do minério. Segundo Ron Synovitz, muitos
propaguem
Xinjiang,
residentes da região estão felizes com esse
majoritariamente habitada por muçulmanos sunitas
investimento, já que o empreendimento criará vários
da etnia Uighur, e esse é o principal motivo para que
empregos.
a China ajude o Afeganistão (KLEY, 2014).
preocupam com sua segurança. Temem pelo perigo
para
a
província
de
Contudo, Richard Weitz escreve sobre uma visão diferente quanto ao papel da China no Afeganistão. Ele cita que muitos observadores norte-americanos acham que a China está free riding nas costas dos mortos das tropas da OTAN. Ou seja, Os Estados Unidos e seus aliados gastam bilhões para manter suas tropas no Afeganistão, além de ter várias baixas ao longo da missão de derrotar os radicais islâmicos, porém quem se beneficia desse clima mais propício para desenvolvimento e investimento são os chineses, e não os aliados ocidentais. A China investiu em 2007 mais de 3 bilhões de dólares em um acordo feito pela China Metallurgical Group Corporation (CMGC) para explorar enormes jazidas de cobre em Mes Aynak, ao sudeste de Cabul, que dificilmente teria acontecido se as forças ocidentais não estivessem garantindo segurança no país. A China estaria free riding justamente porque se beneficia da segurança das forças ocidentais ao passo que não oferece quase nenhuma ajuda militar direta para as operações no Afeganistão (WEITZ, 2011). O caso do investimento chines nas jazidas de cobre em Mes Aynak nos leva à um outro fator importante a ser considerado na análise sobre a assistência econômica chinesa no Afeganistão: a voz afegã. Apesar de ser estimado que o minério possa valer até 88 bilhões de dólares, o local precisa de infraestrutura. É necessário a construção de uma usina para o fornecimento de energia elétrica para as operações de extração e de uma ferrovia para o
No
entanto,
esses
residentes
se
de gases perigosos devido às explosões necessárias para começar a extração do cobre e temem pela água que pode ser contaminada por toxinas. Também temem principalmente pela corrupção no país que pode
afetar
esse
investimento
porque,
no
empreendimento, milhares de dólares estão em jogo (SYNOVITZ, 2008). Não só sobre problemas ambientais e de saúde são as preocupações quanto ao investimento chines, mas também de teor cultural. Valerie Plesch, do Al Jazeera, escreve que vários arqueólogos estão precupados porque, além do cobre, várias estátuas budistas que datam da época de Alexandre, o Grande, estão enterradas em Mes Aynak. Arqueólogos estão tentando cavar o máximo que podem para salvar esses artefatos, porém dizem que precisariam de no mínimo 25 anos para poderem completar
a
escavação.
O
governo
afegão
dificilmente esperaria esse tempo todo, em vistas do seu acordo com a CMGC para exploração e extração do cobre. Inclusive os chineses já irão tomar conta do local até o final de 2014. Há praticamente uma corrida para terminar a escavação, ao passo que os arqueólogos afegãos lamentam a perda de um importante patrimônio cultural (PLESCH, 2014). No meio de todos esses fatores envolvendo Mes Aynak, ataques terroristas tem seu espaço. O Talibã, segundo Jessica Donati e Mirwais Harooni da Reuteurs UK, tem como uma de suas prioridades bloquear o projeto nas jazidas de Mes Aynak, alegando que todos os governos são corruptos e que os afegãos não iriam ser beneficiados pelo dinheiro vindo do
G N A R U S | 102 investimento chinês. O porta-voz do Talibã inclusive
e integridade territorial, e não permitir que os seus
diz que, se os chineses conseguirem pemissão do
respectivos
grupo, suas vidas podem ser poupadas (DONATI e
quaisquer atividades dirigidas contra o outro lado” e
HAROONI, 2012).
que “os dois lados expressaram forte rejeição a todas
No entanto, apesar de todos os motivos para a China se engajar no Afeganistão, Elizabeth Wishnick escreve que a China, mesmo com interesse em manter a segurança em Xinjiang, tem relutância em cooperar com o Afeganistão em termos de assistência econômica, preferindo focar em investimentos comerciais. Compara que, logo após a elevação do status das relações sino-afegãs para uma parceria estratégica e cooperativa, a China garantiu modestos 1,5 milhões de dólares para o Afeganistão. Alguns dias depois, a China deu ao governo do Tajiquistão 1 bilhão de dólares em ajuda econômica para a construção de uma fábrica de cimento e uma usina (WISHNICK, 2014). Van der Kley escreve que, a partir de 2012, a China começou a ter um papel mais proativo em relação ao Afeganistão, principalmente no campo diplomático, conforme o fim da missão da OTAN no Afeganistão se aproxima. No entanto, concorda com Wishnick sobre a modéstia da assistência chinesa, escrevendo que a ajuda provida pela China para a reconstrução do Afeganistão desde 2001 “tem sido de modestos 250 milhões de dólares” (KLEY, 2014). Apesar da modéstia em relação a assistência econômica, a China de fato começa a ter um papel proativo a partir de 2012. Além da elevação das relações Pequim-Cabul ao status de parceria estratégica e cooperativa em 2012, em um documento que deixa claro que “os dois lados se comprometeram a apoiar firmemente um ao outro nas questões relativas à soberania nacional, unidade
territórios
sejam
utilizados
para
as formas de terrorismo, extremismo, separatismo e crimes organizados” (EMBASSY OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA IN THE ISLAMIC REPUBLIC OF AFGHANISTAN, 2012), o governo sob a presidência de Xi Jinping deixa claro a ênfase na vontade de um Afeganistão estável. Shannon Tiezzi, do The
Diplomat, escreve que a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), uma organização para cooperação regional cujos membros são a China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão, mas que é liderada de facto pela China, tem como uma das suas maiores preocupações os assuntos de segurança, sendo o terrorismo o item mais importante da agenda da organização. A China põe muita enfase na segurança, principalmente em relação a Xinjiang, como evidenciado quando o presidente chines Xi Jinping disse, no encontro da OCX no Tajiquistão no dia 12 de setembro de 2014, que os membros da OCX deviam se esforçar para combater os três maiores males: terrorismo, extremismo e separatismo. O Afeganistão é um dos temas de maior relevância para a OCX, pois os membros temem pela estabilidade do país após a retirada
da
OTAN.
Além
de
segurança,
a
preocupação é grande com assistência econômica, para que se obtenha estabilidade regional, incluindo nisso o Afeganistão (TIEZZI, 2014). Não só em foros multilaterais, Xi Jinping deixa claro sua ênfase também em combater os três maiores males internamente. Em uma sessão de estudos em grupo sobre segurança nacional e estabilidade social do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, em
G N A R U S | 103 abril de 2014, o presidente disse: “(Nós devemos)
líderes chineses e afegãos (o primeiro nível de
fazer terroristas se tornarem como ratos correndo
análise), porque apesar da importância a qual damos
através de uma rua, com todos gritando ‘batam
para os joint statements e para as declarações oficiais
neles!’" (WEN, 2014).
de cada um dos chefes de Estado, a mudança que
Em setembro de 2014, a China garantiu 330 milhões de ajuda para ao Afeganistão ao longo dos próximos três anos. As relações Pequim-Cabul não são torneadas apenas por ajuda econômica, mas também de importantes investimentos comercial. Este artigo tenta resolver a questão quanto aos motivos da recente intensificação da assistência econômica promovida pela China no Afeganistão, que contrasta com a “modéstia” citada por Wishnick e van der Kley.
estamos
analisando
não
é
cronologicamente
correspondente com uma mudança de governo específica. O nível sistêmico (o terceiro nível de análise) também se exclui pois o problema é, de certa forma, limitado geograficamente. A guerra ao terror, claro, é uma política mundial, mas a sua intensificação no pós-2001 não foi o gatilho para o aumento da intervenção chinesa no Afeganistão (à época do Talibã no governo), e a parceria estratégica aconteceu não em função de uma disputa com outra grande potência na região, mas sim da necessidade
METODOLOGIA As
informações
de apoiar um governo que se põe contra o terrorismo contidas
no
artigo
vêm
majoritariamente de artigos científicos, de artigos e
e livra os chineses de arcar com os custos da manutenção da estabilidade na região.
notícias de periódicos, discursos e de documentos
Neste artigo usaremos alguns conceitos que devem
oficiais. Para melhor estudar o nosso objeto de
ser definidos para facilitar a leitura. Um deles é o
pesquisa, usaremos o segundo nível de análise
conceito de spill over que é a ideia de que um
proposto por Waltz em seu livro "O Homem, o Estado
processo pode se espalhar de um país para o outro.
e a Guerra" (WALTZ, 2004). Usaremos o nível do
Não só a cooperação pode sofrer o spill over, mas as
Estado para analisar a relação entre China e
guerras também podem e em especial as guerras
Afeganistão, pois vemos esta como a melhor forma de
irregulares. Outros conceitos importantes são os três
analisar o porquê da mudança das políticas chinesas.
grandes males dos quais a China fala em seus
O objetivo ao usar esse nível de análise é entender as
discursos: o separatismo, terrorismo e extremismo,
condições que levaram a essa mudança e, tendo isso
que estão intimamente ligados. O terrorismo é o
em vista, o segundo nível de Waltz nos fornece a
meio pelo qual os separatistas que têm uma visão
lente que precisamos para olhar para dentro do
extremista do Islã procuram se fazer ouvidos. A
Estado chinês e entender quais os motivos que
estabilidade é um conceito que diz respeito à força
levaram à guinada nas relações sino-afegãs de 2012,
das instituições nacionais, a capacidade delas de
sem deixar de analisar as razões pelas quais Cabul
perpetuarem sua existência sem depender quase que
precisa de Pequim, sobretudo após a retirada da
só de ajuda estrangeira, e a instabilidade é um
maior parte da ISAF ao fim de 2014. Acreditamos que
conceito derivado desse, sendo a incapacidade das
essas razões transcendam a visão de mundo dos
instituições governamentais de um certo país se
G N A R U S | 104 manterem funcionando e provendo os serviços
internacionais com a Mongólia, Rússia, Cazaquistão,
básicos que um governo deve prover à sua população.
Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão e com a região
Outro conceito que a China usa em seus discursos
da Caxemira. É lar da minoria uigur que são em sua
com certa frequência é o peaceful rise ou peaceful
grande maioria muçulmanos sunitas e falam a língua
development, que é o caminho escolhido pelo comitê
uigur. Desde os primórdios da proclamação da
central do Partido Comunista Chinês para consolidar
República Popular da China (RPC), uma das principais
a China como uma grande potência sem entrar em
preocupações
conflito com as já existentes, e sempre buscando
consolidação do território. Xinjiang recebeu uma
cooperar para gerar benefícios para todos. Quando
atenção especial, já que muitos uigures queriam
usamos o termo assistência econômica queremos
autonomia territorial. O interesse na região, além de
dizer quando um país dá uma ajuda de custo a outro
consolidação territorial, também vem dos recursos
sem esperar receber de volta ou quando faz um
minerais. Xinjiang corresponde a um sexto de todo
empréstimo a juros irrisórios e prazo para pagamento
território chinês, possui 38% do carvão nacional e
longo. Esse conceito se difere de investimento na
25% das reservas de petróleo e gás, além de 730
medida em que neste último o governo do país
milhões de toneladas de minério de ferro, fazendo da
provedor ou suas empresas (estatais ou não) investem
província uma importante fonte de recursos minerais
em outro em busca de lucro, um negócio de fato.
dentro da China (CHINA, [s.d.]). Além disso, sempre
Investimentos também trazem benefícios para o país
houve o medo do efeito dominó: se o separatismo
onde se está sendo feito o investimento, como
vencesse em Xinjiang, regiões como o Tibete
fortalecimento da economia e geração de empregos.
poderiam seguir o mesmo rumo.
Também é importante definir free riding, que usamos quando nos referimos à alegada “carona” que a China pega na segurança provida pelas tropas da OTAN. Assim, apesar de ter contribuições muito pequenas à segurança afegã, a China se aproveita dos gastos dos EUA e de seus aliados para desenvolver suas atividades
econômicas
com
segurança
no
Afeganistão.
do
Partido
Comunista
era
a
A relação entre os uigures com a RPC foi marcada pelo ressentimento principalmente devido a dois eventos importantes da história da RPC: o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural, que resultaram na morte de vários uigures e na destruição da cultura uigur. Na era pós-Mao, houve a abertura econômica sob o governo de Deng Xaoping e a criação das Zonas Econômicas
Especiais
(ZEEs).
Essas
reformas
transformaram a vida de muitos chineses, ao passo ANÁLISE Seção 1: As relações entre China, Xinjiang e Afeganistão sob a luz da integridade territorial Xinjiang, oficialmente Região Autônoma Uigur do Xinjiang, é uma região autônoma localizada no noroeste da China. A região tem fronteiras
que a qualidade de vida aumentou. Porém, essas transformações ocorreram somente nas áreas das ZEEs, predominantemente habitadas pela etnia Han, enquanto que as desigualdades sociais entre áreas urbanas e rurais aumentaram. Enquanto o litoral da China se beneficiava da liberalização econômica, o oeste ficava esquecido. No caso de Xinjiang, havia
G N A R U S | 105 grande preocupação por parte do governo de que
seria tolerado. Um exemplo foi após militantes
essa
e
uigures explodirem uma bomba em uma estação de
autodeterminação. O governo então engajou em
trem em Urumqi, capital de Xinjiang, e matar três
políticas de homogeinização, de liberalização
pessoas e ferir 79. O ataque coincidiu com uma visita
econômica e de investimento em infraestrutura para
de Xi Jinping à Xinjiang. O presidente ordenou que as
que a população uigur de Xinjiang ficasse contente
tropas chinesas em Xinjiang dessem um “golpe duro”
devido ao crescimento econômico. O Partido
no terrorismo (BRANIGAN, 2014). No encontro da
Comunista acreditava que, contanto que a população
Organização para Cooperação de Xangai (OCX) no
estivesse contente e se sentisse integrada ao resto da
Tajiquistão, no dia 12 de setembro de 2014, Xi
China, isso inibiria protestos por autodeterminação.
Jinping anunciou que os membros da OCX deveriam
Era a “Marcha para o Oeste” chinesa. De modo
se esforçar para combater os três maiores males:
complementar a essa política doméstica, a China
terrorismo, extremismo e separatismo. O presidente
passou a procurar parceiros econômicos na Ásia
pediu, como escreveu Shannon Tiezzi, do The
Central, com a qual Xinjiang divide grande parte de
Diplomat, para haver foco no combate ao
suas
resultaram
extremismo que envolve religião e que os membros
oleodutos, ferrovias e desenvolvimento econômico
da OCX deveriam se responsabilizar em garantir a
na região antes marcada pela pobreza e o abandono.
segurança regional e a estabilidade. As preocupações
desigualdade
fronteiras.
fomentasse
Dessas
separatismo
parcerias
A partir dos ataques de 11 de setembro, com o início da guerra ao terror e com a invasão liderada pelos norte-americanos no Afeganistão, a China passou a aplicar o discurso de guerra ao terror aos uigures. A questão da autodeterminação começou a ser tratada como uma questão de segurança e o governo passa a chamar separatistas de terroristas, além da repressão ser maior e passar a focar também
com Xinjiang ficam bem evidentes nesse discurso. Outro exemplo foi em uma sessão de estudos em grupo sobre segurança nacional e estabilidade social do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, em abril de 2014 onde Xi Jinping disse: “(Nós devemos) fazer terroristas se tornarem como ratos correndo através de uma rua, com todos gritando ‘batam neles!’".
em elementos do Islã. Desde então, os uigures são
Feita essa primeira análise da relação entre o
vigiados mais cautelosamente e qualquer indício de
governo chinês e Xinjiang, temos que levar em conta
separatismo
combatido
um outro importante ator: o Afeganistão. Com a
violentamente. Por exemplo, no mês do Ramadã de
invasão soviética e com a guerra civil, o Afeganistão
2014, um dos cinco pilares do Islã, o governo chinês
se tornou um covil para vários grupos terroristas,
intensificou uma campanha contra terrorismo e
entre eles o Talibã. Com muito de seus combatentes
separatismo, ao passo que proibia qualquer coisa que
vindos de campos de refugiados das guerras e com
parecesse ser muito conservador, como jejuar e, no
financiamento de países como o Paquistão e a Arábia
caso das mulheres, usar véu (DENYER, 2014). Sob o
Saudita, o Talibã tem uma interpretação rigorosa do
governo de Xi Jinping, em várias ocasiões o
Islã. E essa interpretação extremista é tudo aquilo que
presidente chinês deixou claro que o separatismo não
o governo chinês repudia em suas políticas, ainda
e
terrorismo
é
G N A R U S | 106 mais quando o Talibã oferece guarida para membros
que preocupa mais ainda a China em relação ao MITO
do Movimento Islâmico do Turquestão Oriental
(KECK, 2014).
(MITO), um movimento que quer a independência de Xinjiang, assim como de outras áreas próximas. Contudo, a China reconhece o Talibã como um ator político legítimo, e isso complica a situação, já que, ao mesmo tempo que a China quer manter boas relações com o Paquistão, o governo chinês não quer um spill over de terrorismo do Afeganistão para Xinjiang. Apesar do Talibã ser considerado um ator político legítimo, o MITO não é, sendo na verdade considerado um grupo terrorista, ao qual a China usa o discurso de guerra ao terror. Inclusive, o governo chinês alega que o MITO mantém ligações com a alQaeda (KAIMAN, 2013). Além disso, recentemente a Al-Qaeda e o Estado Islâmico declaram uma jihad contra a China por alegarem que a China ocupa a região de Xinjiang e oprime os muçulmanos dali, o
Diante dessa relação complicada, a China tem muitos motivos para investir e ajudar o Afeganistão. Para a China é essencial manter um Afeganistão estável. Uma guerra civil no país poderia resultar no
spill over do conflito para dentro de Xinjiang, que é um dos maiores medos do Partido Comunista Chinês. Porém, essa ajuda até 2012 era menos intensa quando comparada com as recentes intensificações da assistência econômica chinesa ao Afeganistão. Vimos que a assistência provida por Pequim ao Afeganistão entre 2001 e 2011 é menor do que a quantidade de ajuda que foi prometida para os próximos três anos em pelo menos 80 milhões de dólares. A pergunta é: qual a diferença entre a situação atual e a anterior que leva o governo chinês a mudar sua postura e ser mais proativo no
G N A R U S | 107 Afeganistão? A resposta é o anúncio da saída das
estratégica. Segundo a declaração, “a situação
tropas da OTAN no fim de 2014. A situação do
regional e internacional estava passando por
Afeganistão no começo da década a partir da
mudanças profundas e complexas”. O encontro se
intervenção dos norte-americanos e seus aliados era
deu no dia 8 de junho de 2012, um ano após o anúncio
de um reduto para grupos extremistas, e pode ser
do presidente norte-americano Barack Obama de
comparada com um ninho de vespas que aparece em
que as tropas norte-americanas iriam ser retiradas do
uma casa há muito tempo abandonada e que agora
Afeganistão até 2014, um claro motivo para a China
voltou a ser habitada: derrubar o ninho não é uma
engajar mais no Afeganistão. A declaração diz
tarefa segura ou simples de completar, no entanto
também que essa nova parceria colaboraria para que
alguém precisa resolver o problema. Como a OTAN
houvesse “paz, estabilidade e desenvolvimento na
sentiu a necessidade de resolver o problema, Pequim
região e além”, que “os dois lados se comprometeram
não precisava conter as organizações terroristas
a apoiar firmemente um ao outro nas questões
baseadas no Afeganistão e preferiu ainda se manter
relativas à soberania nacional, unidade e integridade
longe da intervenção militar. Porém, com a saída da
territorial, e não permitir que os seus respectivos
OTAN e o aumento da responsabilidade do governo
territórios sejam utilizados para quaisquer atividades
afegão de lidar com a segurança em relação às
dirigidas contra o outro lado”, que “os dois lados
organizações terroristas baseadas em seu território, a
expressaram forte rejeição de todas as formas de
China se vê impelida a ajudar o governo afegão. Se na
terrorismo, extremismo, separatismo e crimes
primeira década do presente século o governo chinês
organizados”, e que “continuariam a explorar novos
procurou manter uma ajuda modesta ao Afeganistão,
canais e métodos para expandir acordos e
em parte com o objetivo de não chamar a atenção das
investimentos bilaterais e a intensificar a cooperação
organizações terroristas para o seu país, agora essa
econômica”. Em segundo lugar, é importante notar
ajuda passou de modesta para mais ativa.
que também em 2012, na mesma reunião de membros da OCX, o Afeganistão foi admitido como
Seção 2: Um novo patamar para as relações sinoafegãs Identificamos quatro evidências principais que comprovam o engajamento mais proativo da China a partir de 2012. Em primeiro lugar, a elevação do status das relações sino-afegãs foi um dos primeiros passos da postura mais proativa da China em relação ao Afeganistão. Resultado de um encontro bilateral entre os então presidentes Hu Jintao, da China, e Hamid Karzai, do Afeganistão, durante uma reunião de membros da OCX, as relações sino-afegãs foram elevadas para um status de parceria cooperativa e
um membro observador da OCX. A OCX tem o papel principalmente de fortalecer laços econômicos entre seus membros e de ser um contrapeso à influência norte-americana na Ásia Central, além de ter como uma de suas maiores preocupações o tema de segurança. A entrada do Afeganistão como membro observador fortaleceu o contato do país com os demais membros da OCX, em especial com a China, que tem um interesse especial na região. Mais recentemente, o governo sob a presidência de Xi Jinping deixa claro a ênfase na vontade de um Afeganistão estável em uma nova reunião dos
G N A R U S | 108 membros no Tadjiquistão, no dia 12 de setembro de
inclusive, disse que essa seria uma nova era de
2014. Como Shannon Tiezzi, do The Diplomat,
cooperação nas relações sino-afegãs que iria levar o
escreveu, Xi Jinping disse que os membros da OCX
desenvolvimento a novas dimensões. Assim, a China
deviam se esforçar para combater os três maiores
garantiu ajuda de 330 milhões de dólares para os
males: terrorismo, extremismo e separatismo. O
próximos três, que é 80 milhões de dólares a mais de
Afeganistão é um dos temas de maior relevância para
toda a ajuda que a China deu ao Afeganistão de 2001
a OCX, pois os membros temem pela estabilidade do
até 2011. Como Clarke, Huasheng e van der Kley
país após a retirada da OTAN. Em terceiro lugar, o
escrevem, há um consenso quanto ao objetivo
então chefe de segurança chinês Zhou Yongkang fez
primário da China no Afeganistão que envolve,
uma visita histórica à Cabul em setembro de 2012. Era
principalmente, garantir a segurança de Xinjiang. As
a primeira vez que um oficial chinês fazia uma viagem
evidências aqui apresentadas do papel mais proativo
oficial para o Afeganistão em quase meio século.
que a China vem tomando a partir de 2012 com a
Nessa visita, ambas as partes entraram em acordo
aproximação do fim da missão da OTAN no
quanto a China ajudar a treinar a polícia afegã, que
Afeganistão confirmam esse objetivo primário.
iria assumir a segurança do país após a retirada das tropas ocidentais no final de 2014. A ajuda militar indireta é o único tipo de ajuda envolvendo forças militares feita pela China. O governo chinês não interfere
com
seu
exército
diretamente
no
Afeganistão (BBC, 2012). Finalmente, em quarto lugar, uma outra evidência importante é que, se de 2001 até 2011 a assistência econômica chinesa ao Afeganistão havia sido "modesta", como dito por Elizabeth Wishnick, ao comparar uma ajuda de um milhão e meio de dólares logo após a entrada do Afeganistão como membro observador da OCX com os 1 bilhão de dólares que a China deu ao Tajiquestão, o engajamento “modesto” da China passou a ser proativo. Entre 2011 e 2013 a China deu 200 milhões de dólares em ajuda para o Afeganistão, como escreveu Huasheng.
Em 2014, em sua primeira
viagem de Estado como presidente, Ashraf Ghani se encontrou com o presidente chinês Xi Jinping na China. Desse encontro, como escreveu Tom Kutsch, do Al Jazeera, foi anunciado uma cooperação econômica e de segurança mais estreitas. Xi Jinping,
É claro que, além do medo do separatismo em Xinjiang, a China vê outros motivos para ajudar o Afeganistão. A China tem buscado parceiros comerciais em todo o mundo para conseguir os recursos que sua enorme economia demanda para se manter crescendo, e prova disso é o investimento chinês em vários países africanos que possuem reservas pouco exploradas de recursos naturais, sejam de minério de ferro, carvão ou petróleo. Não seria diferente no Afeganistão, tendo em vistas as descobertas, de certa forma recentes, de grandes jazidas de minérios no país. O Afeganistão já era reconhecidamente rico em recursos minerais, e os chineses já haviam fechado um negócio de três bilhões de dólares pelo direito de explorar a reserva de cobre em Mes Aynak, situada a sudeste de Cabul. Porém, até 2010 não se sabia o quão extensas eram essas riquezas até que um time de pesquisadores americanos a serviço do Pentágono descobriram as vastas reservas de minério de ferro, cobre e outros metais raros (RISEN, 2010). Em 2014, foi feita uma estimativa do valor da riqueza mineral afegã posta
G N A R U S | 109 em um trilhão de dólares, sendo assim um grande
corrupção do governo afegão, já que milhões de
atrativo às empresas chinesas de mineração (FARMER
dólares estão em jogo nesse investimento. Não só nas
e SPILLIUS, 2010). Portanto, vemos que a chegada da
jazidas de cobre em Mes Aynak a China tem
China no Afeganistão era apenas uma questão de
investimentos, mas também em relação ao petróleo
tempo. Se por um lado o governo chinês quer a
da bacia do Amu Darya, onde o governo afegão
estabilidade do Afeganistão pelo medo de um efeito
assinou em 2011 com a China um contrato para
spill over de terrorismo e extremismo para Xinjiang,
exploração de petróleo por 25 anos (SHALIZI, 2012).
por outro a China quer tornar o país seguro para que
Assim, a estabilidade do Afeganistão é de grande
seus investimentos não sejam alvo de atos terroristas.
interesse para que os interesses econômicos chineses
No caso das reservas de cobre em Mes Aynak, a China
no Afeganistão se perpetuem. Não só no Afeganistão,
investiu em 2007 mais de 3 bilhões de dólares em um
mas a estabilidade afegã também beneficia a China
acordo feito pela China Metallurgical Group
para ter uma maior influência na Ásia Central.
Corporation (CMGC). No entanto, a exploração não foi para frente. Um dos motivos foi a existência de estátuas
budistas
em
Mes
Aynak
que
são
consideradas patrimônio cultural. Arqueólogos enfrentam uma corrida contra o tempo para escavarem e salvarem o máximo que puderem, mas o ideal seria no mínimo 25 anos. O governo chinês, contudo, pretende tomar conta do local até o fim de 2014. O outro motivo foi a de ataques terroristas, como dos Talibã, que, segundo Donati e Harooni da
Reuters UK, o grupo alega que todos os governos são corruptos e que os afegãos não iriam ser beneficiados pelo dinheiro vindo do investimento chinês, tendo como uma de suas prioridades bloquear o projeto nas jazidas de Mes Aynak. Os próprios afegãos aparecem nessa relação de maneira ambígua. Segundo Ron Synovitz, muitos residentes da região estão felizes
Na visão de de alguns observadores americanos, como diz Richard Weitz, a China estaria se aproveitando da segurança trazida pelos Estados Unidos e pela OTAN para investir o máximo que pode para retirar todos os benefícios possíveis do Afeganistão. Seria uma ação de free riding. No nosso ponto de vista, discordamos com essa visão, pois além da China ter interesse em comum com os Estados Unidos de combater o terrorismo no Afeganistão, os investimentos chineses são, antes de tudo, para tornar possível que o Afeganistão desenvolva melhor sua
economia,
crie
vários
empregos
e
consequentemente torne o governo eficiente o bastante para conseguir manter o Afeganistão estável. A China com certeza quer se beneficiar dos recursos do Afeganistão, mas o combate ao terrorismo, principalmente visando a segurança de
com o investimento do governo chinês, já que
Xinjiang, se destaca mais do que um simples free
empreendimento
riding. A abordagem chinesa em manter a
criará vários
empregos. No
entanto, esses residentes se preocupam com sua segurança, temendo pelo perigo de gases perigosos devido às explosões necessárias para começar a extração do cobre e pela água que pode ser contaminada por toxinas. Além disso, temem pela
estabilidade
do
Afeganistão,
econômica,
financiamento
com de
assistência
projetos
de
desenvolvimento e treinamento de pessoal é uma solução bem adequada a esse problema, pois ao mesmo tempo que fortalece o governo afegão que
G N A R U S | 110 será o novo responsável por manter a segurança no
intensificação da assistência econômica chinesa ao
país após a saída de forças da OTAN, não contribui
Afeganistão, sendo que em 2014 foi prometido 330
para o aumento da tensão entre os muçulmanos
milhões de dólares ao longo dos próximos três anos,
chineses e o governo chinês, além de ser uma forma
que é 80 milhões a mais que toda a ajuda chinesa ao
de abordar a questão que está de acordo com o
Afeganistão de 2001 até 2011.
discurso chinês de peaceful rise e de não intervenção, já que dispensa intervenção militar e não entra em conflito com outros Estados.
Não só o medo de separatismo, terrorismo e extremismo em Xinjiang move os interesses da China no Afeganistão, mas também interesses econômicos. Investimentos realizados por empresas chinesas no
CONCLUSÃO Devido ao Afeganistão servir de covil para vários grupos extremistas muçulmanos, a China tem interesse em manter o Afeganistão estável. A estabilidade é essencial porque o país faz fronteira com a região autônoma da Xinjiang, na China, que é lar dos uigures, predominantemente muçulmanos sunitas e que tem um histórico de quererem autodeterminação. A China tem medo de que haja um efeito spill-over do Afeganistão para Xinjiang que fomente o separatismo mais ainda na região. A China deu assistência econômica ao Afeganistão para ajudar o país a ficar estável desde a invasão dos norteamericanos e seus aliados em 2001. Porém, o que era uma ajuda menos intensa se intensificou a partir de 2012, pois foi anunciado o fim da ISAF e a retirada das tropas da OTAN, o que inclui os Estados Unidos, do Afeganistão ao fim de 2014. Quatro evidências sustentam a hipótese de que a ajuda chinesa ao Afeganistão foi intensificada. (1) A elevação do status das relações sino-afegãs, que passaram a ser uma parceria cooperativa e estratégica, (2) a admissão do Afeganistão como membro observador da OCX, (3) a visita do oficial de segurança Zhou Yongkang, a primeira em mais de 50 anos de um oficial chinês ao Afeganistão e (4) a
Afeganistão como nas jazidas de cobre em Mes Aynak e nas reservas de petróleo na bacia do Amu Darya dependem da estabilidade do Afeganistão para não serem alvos de atos terroristas. Então, apesar da prioridade ser garantir a segurança de Xinjiang, o governo chinês também quer garantir a segurança de seus investimentos. O termo free riding para caracterizar a China em sua relação com o Afeganistão durante a permanência das tropas norte-americanas e de seus aliados é equivocada. A China quer se beneficiar dos recursos naturais do Afeganistão, mas o combate ao terrorismo, um desejo que é comum também aos Estados Unidos, é a prioridade maior, pois o medo do Partido Comunista de separatismo em Xinjiang é grande. Embora o free riding não seja adequado para caracterizar as ações da China no Afeganistão, o realismo de Carr é. Na política internacional, as motivações podem envolver tanto motivos idealístico e morais quanto motivos definidos por interesses de poder, porém as motivações baseadas em termos de poder estão hierarquizadas acima de motivações idealísticas. Garantir a estabilidade do Afeganistão tem motivações morais, porém as intenções de garantir a integridade territorial da China são baseadas em interesses de poder.
G N A R U S | 111 A abordagem chinesa na sua relação com o
habitantes das áreas mais atingidas, como é o caso do
Afeganistão através de majoritariamente assistência
Tibete e Xinjiang, e uma outra que se faz presente na
econômica e investimentos, frente a saída das tropas
política externa chinesa, que é a de manter um baixo
da OTAN do Afeganistão, é eficiente porque ajuda o
perfil e não chamar atenção dos grupos terroristas.
governo afegão a manter o Afeganistão estável ao
Através desse método, a China se isenta de ter gastos
passo que fortalece a economia do país e gera
exorbitantes
empregos. Além do mais, a abordagem chinesa não
internacionalmente. Portanto, vemos que um campo
contribui para um aumento de tensões em Xinjiang,
promissor para futuros artigos e teses a observação
já que não envolve uma intervenção militar e nem
mais profunda de como os outros países da OCX
entra em conflito direto com outros Estados. Resta
enfrentam o problema posto pelo terrorismo e como
saber se esta abordagem será viável no futuro. Há a
essas visões dialogam umas com as outras no âmbito
possibilidade da reconstrução do Afeganistão falhar
das
e o governo cair novamente em mãos extremistas, e
importante que isso é discutir se as visões dominantes
caso a OTAN não queira bancar uma nova incursão
de como combater o terrorismo em cada um desses
por considerar um caso perdido, a China talvez tenha
países são compatíveis, isto é, se elas podem ser
que tomar a frente na guerra ao terror na região. O
harmonizadas e dirigir um esforço conjunto entre os
Talibã já atrasou as obras de Mes Aynak, gerando um
países da região.
grande prejuízo para as companhias chinesas, e a AlQaeda e o Estado Islâmico já declararam que a jihad
e
organizações
de
manchar
multilaterais.
sua
imagem
Ainda
mais
Bernardo Corais e Paulo Pulcherio são graduandos do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ
mundial inclui Xinjiang. Sendo assim, o potencial para ataques terroristas mais contundentes à província podem aumentar num futuro em que os EUA e as potências ocidentais não mais interfiram no Oriente Médio e na Ásia. Caso o governo afegão de fato caia, a China poderia sem dúvida alguma contar com o apoio de outros atores igualmente interessados em manter a estabilidade da região, como a Índia, Rússia, Paquistão e os países da Ásia Central. A OCX é uma excelente
forma
de
integrar
esses
atores,
principalmente porém resta saber a eficiência com a qual ela conseguirá agir e qual a disposição desses atores em se comprometerem com a guerra ao terror na região. A China parece possuir duas formas de abordar o problema do terrorismo. Uma delas é a abordagem no âmbito doméstico, com cerceamento dos direitos, e abusos de poder para com os
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