Retratos da Boca do Sertão: Cultura e memória na Estância Climática de Cunha.

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VIVIAN CLARA FERRAZ ALMEIDA

Retratos da “Boca do Sertão”: Cultura e memória na Estância Climática de Cunha (SP) Projeto Experimental de caráter profissional, elaborado como Trabalho de Graduação, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, sob orientação do Prof. Dr. Robson Bastos da Silva.

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ TAUBATÉ - SP 2016


Autora: Vivian Ferraz Orientação: Prof. Dr. Robson Bastos Diagramação e Projeto Gráfico: Felipe Piccina Revisão de Língua Portuguesa: Andressa Moreira Imagens: Vivian Ferraz Tratamento de imagens: Aguinaldo Jesus Vivian Ferraz Prefácio: Joás Oliveira Impressão: Tachion Gráfica Digital


Sumário Retratos da Boca do Sertão: Cultura e memória na Estância Climática de Cunha ................................... 1 Ficha técnica e catalográfica ......................................................................................................................................... 2 Sumário ......................................................................................................................................................................... 3 Prefácio ......................................................................................................................................................................... 5 Agradecimentos ........................................................................................................................................................... 7 A cruz da estrada ........................................................................................................................................................ 9 O café está na taipa .................................................................................................................................................. 11 Sobre a cacunda .......................................................................................................................................................... 13 Sobrinho de santa ...................................................................................................................................................... 25 Seu Descalço .............................................................................................................................................................. 43 O Madrinheiro ........................................................................................................................................................... 59 Na solitude .............................................................................................................................................................. 75 All-star branco .......................................................................................................................................................... 93 Legendas das fotos ................................................................................................................................................... 95 Referências bibliográficas ..........................................................................................................................................99 Dicionário Caipira .................................................................................................................................................. 105 Sobre a autora ......................................................................................................................................................... 113



Prefácio Diz o ditado popular que “quem conta um conto, aumenta um ponto”. De fato, assim é o que a gente chama de transmissão oral de ensinamentos, conhecimentos e tradições populares. Temos de aceitar, entretanto, que os possíveis “pontos aumentados”, no boca a boca e de geração em geração, servem para dar um realce próprio e um quê de pessoal à história contada e transmitida - que, basicamente, será postergada e, provavelmente, transgredida, a posteriori. Ter consciência disso não é demérito, mas sim manifestar respeito ao jeito de ser da pessoa do interior deste imenso país e saber saborear as delícias, malícias e astúcias do caipira que, além de “um forte” (como disse Euclides da Cunha), é um grande contador de histórias. E, em sendo esse contador de histórias, é também um notável “aumentador de pontos”, em seus contos. Registrar esses “contos e pontos” é fundamental, porque neles estão a essência da nossa gente, a sabedoria dos antepassados e a riqueza da cultura popular brasileira, do passado e do presente. E, no meio dessa história toda, surge e cresce a importância de um trabalho como este, que se propôs a coletar ou, mais apropriadamente, a colher personagens e histórias que ainda estão por aí, a vagar entre os moradores de uma região muito especial, que é a zona rural do município de Cunha, no interior do Estado de São Paulo. Cunha, por muitos motivos culturais e históricos, é uma cidade privilegiada, porque ali aconteceram momentos importantes da história do Brasil. Como o fato de ter sido o caminho do ouro, por onde passavam as riquezas das Minas Gerais (no lombo de burros, conduzidos por tropeiros), seguiam até Paraty (já no Estado do Rio de Janeiro) e, depois, para a cidade do Rio de Janeiro e, finalmente, para Portugal. Historicamente, a cidade ainda é marcada por ter sido a região onde aconteceram as batalhas da Revolução Constitucionalista de 1932. Por outro lado, é preciso dizer que a região de Cunha também se destaca pela sua beleza natural, suas paisagens magníficas e exuberantes, suas cachoeiras encantadas, suas reservas de Mata Atlântica e sua condição de “produtora de água” (dois dos seus rios – o Paraitinga, que não nasce no município, mas que, praticamente, está inserido todo no seu território, e o Paraibuna, esse sim cunhense da


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gema – formam o importante Rio Paraíba do Sul, que se espraia por todo o Vale do Paraíba, passa por Minas e tem sua foz no litoral fluminense). E, por fim, a cidade também oferece um clima temperado muito agradável, que sempre reserva um friozinho gostoso para os finais de tarde e noites e, até nisso, propicia um ambiente adequado para a contação de histórias e para as “conversas ao pé do fogo” (como diria Cornélio Pires, importante etnógrafo brasileiro). Mas, enfim, não há como não realçar o que, talvez, seja a maior riqueza de Cunha: o seu povo simples, trabalhador, hospitaleiro e prolífico em contar histórias e aumentar pontos, obviamente. É sobre esse povo e suas aventuras, desventuras e tradições que trata este trabalho. Para mim, um sorocabano de nascimento (também terra de tropeiros), que viveu muitos anos na cidade de São Paulo, trabalhando em diversos segmentos do jornalismo, é um grande prazer escrever estas linhas introdutórias para este levantamento impecável de histórias, “causos” e do modo simples de viver do cunhense. Trata-se de um importante registro para a posteridade da cultura de Cunha, a cidade que escolhi para morar e chamar de minha. Joás Ferreira de Oliveira Jornalista


Agradecimentos Sou filha caçula do meu pai e a única da minha mãe. Ele, não cursou faculdade. Ela, é da área administrativa. Mas acredite ou não, meu caminho no meio jornalístico começa muito antes do que eu imaginava. Há alguns anos, no espaço “correio sentimental” do antigo jornal Primeira Mão, meu pai apostou em um anúncio à procura de uma namorada. Ele, então, elenca algumas características para a candidata e coloca um endereço para enviar correspondências. Dias depois, minha mãe envia uma carta para o tal endereço. A partir daí, você já deve saber o rumo da história, né? Em 2012, ainda indecisa se era este o caminho a trilhar, fiz minha inscrição no vestibular. E olha só, cá estou eu agradecendo àqueles que, junto comigo, fizeram este projeto tornar-se possível. Primeiramente, dedico a Deus tudo o que está contido aqui. Sem Ele, nada seria possível. À Ele, toda honra e toda glória. Agradeço aos meus pais, pelo incentivo e apoio. A cada personagem retratado neste livro e seus familiares, que cederam gentilmente suas casas e seu precioso tempo para contar um pouco do que se passa por esse sertões. Um agradecimento mais do que especial ao meu orientador Prof. Dr. Robson Bastos, que com muita paciência e carinho dedicou-se a mim durante esses meses. Quero deixar também minha eterna gratidão às minhas chefes Simone Gonçalves, Mayra Salles e Letícia Maria (hoje minha professora e revisora de grande parte dos meus textos), que em 2013 na Assessoria de Comunicação da Unitau, deram a oportunidade para uma pequena grande sonhadora. E durante esse tempo por lá fiz amizades para a vida toda. Em especial, Renata Moraes e Thiago Gustavo, agradeço muito pela força durante a elaboração do projeto. Vocês são exemplo para mim! Anna Caroline Araújo, você também faz parte disso. Não posso deixar de citar a pessoa que foi meu grande socorro nos momentos mais desesperadores: Camila Natalie, você é preciosa demais para mim. Obrigada por tudo. Te agradeço também,


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Caíque Toledo. Me espelho no jornalista que se tornou. Agradeço ao Professor João Rangel, meu coordenador no projeto Trilhas Culturais, e sua esposa Professora Adriana Rodrigues por todo incentivo, paciência e ensinamentos na fotografia. Vocês só me fizeram crescer. Kas Hoshi, te agradeço pela força em todos os momentos desse livro. Obrigada pessoal da Rádio e TV Unitau pela parceria. Agradeço ao Felipe Piccina, pela impecável diagramação e pelos apelidos tão engraçados dados à mim (risos). Deixo também minha gratidão à todos da TV Band Vale. Em especial, a jornalista Laurene Santos, amizade que fiz para a vida. Agradeço Camila Gouvêa, Mariana Pazzine, Gabriela Libano, Marcelo Ramos, Flávia do Carmo, Marcos Fernandes, Tulio Corrêa, José Monteiro, Aretha Carvalho, Kênia Tuan, Adriana Oliveira e Pollyana Gama que, durante a campanha das eleições municipais me entenderam, me deram força e me apoiaram neste projeto. Professora Elaine Freire e Adriana Cintra, muito obrigada por tudo. Feliz em passar quatro anos aprendendo com vocês. Muito obrigada Nilton Bonifácio, Joás Ferreira, Marilda e Ana Mariano Ferraz, que me ajudaram na busca de personagens para este livro. Aos demais colegas e amigos que contribuíram muito na elaboração deste projeto: minha mais sincera gratidão. Sozinha, não faria nada disto.


A cruz da estrada Se vagares um dia nos sertões, Como hei vagado – pálido, dolente, Em procura de Deus – da fé ardente Em meio de soidões... Se fores, como eu fui, lá onde a flor Tem do perfume a alma inebriante, Lá onde brilha mais que o diamante A lágrima da dor ... Se sondares da selva a entranha fria Aonde dos cipós na relva extensa Noss’alma embala a crença. Se nos sertões vagares algum dia... Companheiros! Hás de vê-la. Hás de sentir a dor que ela derrama Tendo um mistério, aos pés, de um negro drama, Tendo na fronte o raio de estrela!... Que vezes a encontrei!... Medrando calma A Deus, entre os espaços No desgraçado, ali tombado, a alma Que tirita, quem sabe?, entre os seus braços. Se a onça vê, lhe oculta a asp’ra ferrenha Garra, estremece, pára, fita-a, roja-se, Recua trêmula, e fascinada arroja-se, Entre as sombras da brenha!... E a noite, a treva, quando aos céus ascende


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Vivian Ferraz E acorda lá a luz, Sobre os seus braços frios, frios, nus, Tecido de astros em brial estende... Nos gélidos lugares Em que ela se ergue, nunca o raio estala, Nem pragueja o tufão... Hás de encontrá-la Se acaso um dia nos sertões vagares...” Euclides da Cunha, Obra completa, vol. II, p. 704-705


O café está na taipa Entre! Trate logo de se ajeitar. O café tá “quentano” no fogão e o bolo de fubá já tá na mesa pr’modi acompanhá essa prosa. Neste livro são contadas cinco histórias. De personagens simples. Com singeleza e crença, muita crença! De trabalho, desde a lavoura, com o suor escorrendo pelo rosto, até a empreitada pelos sertões de Cunha, que sendo o maior município em extensão territorial do Estado de São Paulo, conhecido por suas belas cachoeiras e lindas paisagens, pelo turismo e belíssimas pousadas, guarda muitas riquezas ainda desconhecidas. Este trabalho se propôs a relatar o inexplorado, a retratar a memória de um povo distante das grandes metrópoles e longe do fluxo da cidade. E é isto o que a Estância Climática de Cunha tem de mais precioso: seus habitantes com suas histórias e causos, que a cada vez que são contados, aumentase um mais “ponto” no conto. Me dê sua caneca, vou lhe servir o café!



Sobre a cacunda O sol escaldante anunciava a possível chegada da chuva, típica dos fins de tarde de março. O mato alto tomava conta da estradinha de terra estreita próxima da SP-171, a Rodovia Paulo Virgínio, principal via que liga Guaratinguetá a cidade de Cunha, no interior de São Paulo. Era quase impossível dividir o caminho com outro veículo no sentido contrário. Em menos de cinco minutos já era possível avistar uma singela casa de pau a pique construída no bairro Canado-reino que, segundo moradores, o local recebe esse nome por conta de lavouras da espécie da cana serem cultivadas por ali. A fumaça saindo ela chaminé do fogão à lenha avisava que havia gente em casa. Da porteira quase era possível ouvir tudo o que a televisão transmitia porque a pouca audição faz com que Benedita de França Cantuário, ou simplesmente Dona Bedita, como é conhecida, assista seus programas religiosos nas alturas. Lá estava Dona Bedita, a moradora mais antiga do bairro, sentada em uma poltrona funda bem ao lado da televisão, próxima à porta da sala. O encosto, revestido com um velho cobertor cinza, fazia o trabalho de apoio das costas envergadas da idosa. O cabelo já todo esbranquiçado que, embora preso, era desgrenhado. A luz que entrava pela porta iluminava seu rosto de feição doce, um tanto enrugado. Suas roupas eram humildes e ela não se preocupava em combinar cores, tons e tecidos. Além da televisão, havia também uma estante com alguns retratos e santinhos, assim como uma poltrona e uma cama que compunham a sala da casa. O padre rezava o terço na TV, mas Bedita não assistia, só ficava ao lado do aparelho. O chão de terra batida parecia úmido. Suas costas, de tão arcadas, faziam com que o queixo batesse em seu peito. Em passos lentos, arrastando os pés com muita dificuldade dentro de uma sandália bege de tiras, a idosa saiu de sua poltrona e logo se ajeitou na cama, pronta para conversar. — Tá morando aqui memo? — pergunta, confundindo quem chega com algum velho conhecido. A idade avançada fez com que algumas de suas lembranças ficassem confusas. Ela acredita que já tem seus 96 anos de idade, mas a família contesta: são dez anos a menos em seu RG. Durante toda a vida Bedita trabalhou na roça, com a mão na enxada. Plantava milho, arroz,


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feijão e colhia cerca de 16 sacos por dia, que eram carregados em suas costas — o que, segundo ela, lhe causou a hérnia de disco e sua corcunda e por isto anda envergada — assim como também torrava café, preparava a lenha, lavava a roupa e fazia outras atividades. As mulheres que viviam na roça tinham a tradição de trabalhar muito desde cedo. — Era duas tarefas de doze braça. Todo dia! Todo dia carregava aqueles feixão de lenha. — relembra a idosa que também pegava algumas roupas dos vizinhos para lavar e ganhar uma renda extra. Nascida na área urbana, Bedita veio morar numa casinha de pau a pique com seus seis anos de idade. A mãe casou-se novamente e foi com o padrasto que Bedita aprendeu fazer até cerca de madeira com arame farpado. Com o tempo aprendeu a conciliar todo trabalho pesado também com a criação dos seus 11 filhos, que teve com seu único marido, Benedito Miguel, falecido há 18 anos. Com toda essa rotina, não sobrou tempo para ir à escola. Bedita não sabe ler e nem escrever o próprio nome. Os calos das mãos, outrora ocasionados pelo árduo contato com o cabo da enxada, hoje dão lugar a uma alergia entre o polegar e o dedo indicador. Acostumada a não ficar parada, dona Bedita reclama por não poder desenvolver os trabalhos da roça, como fazia antes. — Por causa disso qui eu tô parada. Graças a Deus eu num tenho preguiça não. Quem é trabaiadô é difícil ficá quieto — explica Bedita. Sua principal atividade ao longo do dia é esperar as novenas e as missas da TV Aparecida. Acorda bem cedo, por volta das 4h, quando o neto, que mora próximo de sua casa, liga a moto e sai para trabalhar. — Vou deitá e faço as minhas oração, deito e não vejo nada, graças a Deus — conta a idosa, que quando era adolescente teve a oportunidade de ir para São Paulo. Aos 15 anos de idade fora levada à força para morar com a tia, e embora contra sua vontade, a mãe e o padrasto deram a benção. — Fumo lá na missa, lá na igreja da Penha. Ela [tia] brigô cumigo lá dentro da igreja. E o padre ficou lá escutano a briga. Aí por fim eu falei: eu não volto mais aqui. Deus me livre! — relembra. Ao longo do tempo que passou na capital, Bedita quase não saía da casa onde ficou hospedada. Como não tinha carro, passeios só eram feitos a pé. — Eu não trusse nada de lá. Comprei dois vistidinho só. Foi só isso que eu comprei lá. São Paulo é um lugar chato — revela.


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Ao voltar para Cunha, Benedita se casa com Benedito. Um homem mais velho e que já era viúvo. -Casei cum dizesséti ano, minha fia. Foi só pá sofrê na vida. Casá muito criança é bobeira, não!? - conta Bedita, aos risos. O padre que fez o casamento chegou até a alertá-los de que casar cedo seria bobeira, mas Bedita e o marido não deram ouvidos. — Quando foi o dia que eu cheguei pá casá, quase que eu vortei pá traiz. Nóis fumo. Cheguemo lá eu virei o cavalo pa traiz. Mas daí o Zé Clementino [amigo da família] fez eu vortá de novo ota veiz e disse: “capai memo, o Dito vai ficá brabo”. Eu falei: “deixe ficá! Pelo menos a gente vai cuidano da nossa vida de oto jeito” — relembra a idosa, contando sobre o dia da cerimônia. Os casamentos “arranjados” eram muito comuns no campo. Casar, ter filhos e cuidar do próprio lar era o esperado para as mulheres. Essa prática entre as famílias se perpetuou até décadas atrás. — Eu acho que minha mãe empurrou ele pra mim casá. Nóis não se dava bem. Ele era ruim, brigão, sá? Batia... É, eu guentei muita coisa. Eu num gostei não, o casamento foi mar feito — lamenta. O sofrimento causado por tantas circunstâncias fizeram parte da rotina dela. Para ir até Cunha com as crianças era necessário passar longe das padarias e bares para que o desejo por um doce da cidade não fosse despertado nos filhos. — Ele me dava dois mi réis só — reclama. Os filhos aprenderam o que a mãe havia adquirido com os pais. Os homens começaram a ajudá-la a lenhar, pois o marido não a auxiliava nas atividades e ela, então, fazia tudo sozinha. As moças passaram a ajudar na cozinha e a cuidar da casa também. Assim, sutilmente, a tradição do caipira é passada de geração em geração. Bedita hoje mora com três dos onze filhos que teve. Os dois filhos homens, Pedro e Miguel, passam o dia bebendo na venda do bairro. Quando ambos estão proibidos de ir ao bar pelo próprio dono do estabelecimento, por se embebedarem muito e arrumarem confusão, compram as garrafas e estocam em casa. Josefina mora numa casa ao lado da mãe. O terreno onde a família reside é um tanto pequeno; possui algumas árvores e também um paiol para guardar algumas coisas. A casa onde a idosa veio morar, quando ainda era criança, permanece no mesmo terreno, mas por conta do tempo parte do teto acabou desabando. Hoje ela mora numa casa de pau a pique construída recentemente.


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Recebe também uma pensão do governo, pois o marido foi integrante das tropas da RevoluçãoConstitucionalista de 1932, último grande conflito armado ocorrido no Brasil e que teve a cidade de Cunha como palco da guerra. Oitenta e sete combates e novecentas e trinta e quatro vítimas — entre eles, Paulo Virgínio, combatente morto na pacata Cunha. Em homenagem, a principal via que dá acesso ao município recebe o nome de Virgínio. Sextas-feiras Bedita cultiva um costume muito forte, o qual muitas pessoas do campo ainda preservam, especialmente os idosos, que é o de acreditar em lendas. Tempos atrás, a diversão das famílias durante as noites era consistida em ajuntar em volta de alguma fogueira e contar causos. Os olhares curiosos e assustados das crianças sempre estavam atentos a qualquer detalhe do enredo da história, seja ela sobre o Lobisomem, a Mula Sem Cabeça, o Saci-Pererê, a Mãe do Ouro, entre tantas outras histórias que eram contadas oralmente. A idosa diz já ter visto algo diferente no quintal de casa. As estórias sobre Lobisomem sempre se dão pelo fato de que o bicho come criancinhas. Inclusive, conta-se que parte do cueiro – espécie de fralda de pano usada antigamente – das crianças atacadas ficavam enroscadas nos dentes do bicho misterioso que só aparecia às sextas-feiras de lua cheia. E, dependendo de quem o fosse, na manhã seguinte, podia-se descobrir. — Lubisómi? Tinha sim. Eu cheguei a vê, ué. Ah, era um negócio feio... Ele passou perto de casa. Eu fechei a porta e só fiquei quieta lá dentro. É ruim!? (risos). Eu abri a porta da sala, né? E vinha vindo de lá pra cá e eu fechei a porta. Eu tinha criança pequenininha e ele ficou unhano a porta pá podê entrá — conta Bedita com a maior certeza do mundo. Sem precisar de vassoura, qualquer mulher da época poderia se tornar uma bruxa. Bastava apenas cortar as unhas às sextas-feiras. — Si a gente cortá a unha dia de sexta-feira vira bruxa. E o homem, lubisómi! — explica. Bedita leva consigo um grande receio: não corta a unha às sextas nem por brincadeira. — Nem si tiver meia lascada eu num corto. Ai, tenho medo! — confessa.


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O caipira, que é caracterizado por trabalhar arduamente em afazeres rurais também não dispensa uma boa prosa. Muito hospitaleira, com seu sorriso banguela de orelha a orelha, dona Bedita termina a conversa e logo oferece um copo de café preto que havia sido feito no dia anterior e ficado na taipa do fogão de lenha “quentando” até a hora de servi-lo. Esse costume, o de servir bem quem chega em casa para conversar, mesmo que seja apenas um café acompanhado por um pão amanhecido com manteiga ou um punhado de bolacha é mantido até hoje por quem mora nos bairros rurais de Cunha. E isso é o que a cidade tem como maior riqueza: seus moradores, com suas histórias de vida. — O Miguel que feiz. Ficô meio forte, eu punhei um poquinho de água, mas bebe um poquinho... — disse a senhora, servindo o café.


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Sobrinho de santa As nuvens no céu amenizavam o ardor do sol durante uma tarde de sábado rumo ao Três Pontes, bairro localizado a cerca de 20 km da estrada de asfalto. O caminho de curvas estreitas e morros íngremes fazia com que o Fiat Uno urrasse a cada subida – mas ao cume de cada monte, belas paisagens se revelavam. Dizem os antigos, que o bairro recebeu tal nome por conta de três pontes instaladas ao longo da estrada de terra até o ponto mais conhecido da região, a casa onde viveu Maria Guedes, uma curandeira e vidente falecida há pouco mais de meio século. Apelidada de Sá Mariinha pela mãe, Maria é considerada “santa” pelos moradores locais e também em outras cidades do Vale do Paraíba, principalmente os municípios que fazem divisa com Cunha. A curandeira realizou diversos milagres durante sua vida, conforme conta José Ribeiro, ou simplesmente Zé Migué, como é conhecido, pois nasceu no dia de São Miguel Arcanjo. — Ela falava pá nóis que ela morreu e tornô a vivê. Ressuscitô! — acredita Zé, que é sobrinho da santa e mora com a esposa Ana no mesmo terreno onde Sá Mariinha morou. — A mãe dela ponho ela na sala amortaiada. E aí viero carregá ela, levá pá Cunha. A mãe dela num deixou, [disse]: ‘deixa até amanhã pá nóis vê’. Aí armoçaro tudo... Depois que o pessoar fôro embora, a mãe dela veio na cozinha e oiáva ela. Levava a mão na testa dela. Lá po fim do dia anssim, esquentô um pouco a testa. A mãe dela já ficô mais alegre. Aí esperô e veio na sala de novo e já tinha um suorzinho no nariz dela, tava esquentado. Aí ela viveu de novo, né? — conta a história de sua madrinha pela enésima vez, aos que chegam no local e perguntam sobre ela. Sá Mariinha ficou acamada por um tempo por conta de uma doença. Sua história de santidade não se limita apenas a um milagre, o de adoecer a ponto de morte e tornar à vida, mas também ao fato de Nossa Senhora Aparecida ter aparecido a Maria Guedes, que na época do fato ainda era uma adolescente, tinha apenas 12 anos. — Saia sangue pos dois zóio dela. Chorava sangue. Aí quando a mãe dela foi trocá a roupa, achô uma sinhorinha qui nem um cavaquinho de pau. Aí diz que sumiu. Quando ela foi bebê na bica


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e foi lavá o rosto, a Nossinhora apareceu na mão dela na hora que ela foi apanhá água (risos). Aí ela [imagem] não sumiu mais — revela o idoso que mora a poucos metros da bica. Diversas placas indicam o caminho para chegar até a propriedade onde viveu Sá Mariinha. Após cruzar o outeiro mais íngreme de todo o caminho percorrido e dobrá-lo todo, a descida ainda reserva mais uma colina e logo já é possível avistar algumas casas. À direita, através das árvores, está a casinha de pau a pique da vidente, que morou durante toda sua vida por lá. Não teve marido e nem filhos. Com a graça alcançada por meio de Nossa Senhora, apenas receitou remédios, curou dores e previu destinos. — Curou gente e mais gente disinganado dos médico. Curou! Ela num cobrava as receita que dava — explica Zé, que fica bravo quando dizem que Sá Mariinha fazia “macumba”. — Ela dizia: ‘Eu num posso fazê isso pá ninguém. Arruma oto qui lide cum isso’. Ela num mixia com essas coisa! A singela casinha de Maria Guedes ainda permanece lá. Sofreu algumas reformas para receber os devotos, que deixam suas preces no oratório usado pela santa, bem em frente à cama onde dormia. Numa outra casa construída ao lado, fica um altar junto com muitos santos e a foto de Sá Mariinha. Os fiéis levam fotografias e roupas, pois creem que ela realizará algum milagre. Dentro da propriedade, também há um local construído para abrigar uma festa realizada uma vez ao ano em comemoração à Nossa Senhora Aparecida e à curandeira. Próximo dali, a caminho para a casa de Zé Migué, está a bica d’água onde houve a aparição de Nossa Senhora para Maria. Zé e a esposa hoje se mantém com o salário da aposentadoria que recebem. O casal está junto há mais de 50 anos. Durante esse tempo criaram seis filhos, construíram uma casa nova de cômodos grandes, com uma cozinha à parte, onde fica o fogão à lenha. Além disso, no rancho, há uma mesa de madeira, que não só tem serventia para fazer as refeições como também para convidar a visita para prosear e contar causos. Mas ele e a esposa não se acostumaram com o novo lar, deixaram a casa somente para quando houver visitas. Atrás da casa nova está a casa velha, onde vivem, com um jardim beirando a entrada. Zé Migué trabalhou toda a vida na roça, arando terra, roçando pasto, plantando milho e feijão. Começou na labuta cedo, antes de completar dez anos de idade. Por isso, para ele e os irmãos, não havia tempo para ir à escola. O idoso, aos 73 anos, não sabe ler e nem escrever. Hoje, não pode abusar


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muito dos serviços pesados, porque é diabético e sente vez ou outra um formigamento no braço direto. — Tô meio coisado porque deu derrame ni mim tamém, mas agora tenho diabéti. Eu bebo café doce, num tô nem preocupado! — confessa o idoso de lábios roxos e barba branca, que com sua voz muito calma e baixa conta que o derrame aconteceu enquanto trabalhava em um sítio, próximo de sua casa, cujos donos eram da cidade de São Paulo. — Fiquei de juêio e aí veio aquele jipe. Eu gritei: ‘ô, Craudio, vem aqui socorrê eu, que deu um coiso ni mim! Num sô capaiz de andá!’ Sentaro eu no sofá, mas eu caí. Aí levaro eu pá Cunha, fiquei quato dia internado. Vim de lá meio encostano, mas depois já dava pá dá uns passo meio longe — recorda. Mas mesmo assim, Zé não gosta de seguir a dieta médica. — A dotôra deu dieta pá mim, mai Deusolivre! Num cumia cumida, num tinha jeito. Eu falei: ‘vô lasca o pau anssim memo’ (risos). Eu gosto muito de torresmo! Cômo arroiz e feijão, café cum farinha, pão eu não posso comê mai eu como, batata num podi tamém, farinha num podi... Ah, macarrão tamém não, mas eu cômo (risos). Tem gente que resguarda mai ruim do que eu, às veiz dura um pouquinho tempo. — compara Zé, que também foi fumante do cigarro de palha há muitos anos, assim como a própria madrinha. — Cum cinco ano eu fazia cigarro e colocava num cachimbinho de barro. Às veiz a mãe xingava, mas o pai num xingava. Eu fumava tranquilo... — relembra. Zé acha um dilema Sá Mariinha curar muitos doentes, mas também ter fumado toda sua vida. — Ela era curandeira, mai dava fumo pá mim fumá (risos). Tem gente que fala que cigarro fai mal, mai num sei... Caldeirão de ouro As lendas são muito cultivadas nas comunidades rurais. E não é diferente com o idoso, que conta a história de um caldeirão de ouro, que ficava na ponte próximo de onde mora. Maria Guedes alertava que não podia ser ganancioso para pegar as moedas reluzentes, pois se solicitasse ajuda, o ouro sumia. — Sá Mariinha dizia: ‘Óia as criança, ali embaixo na ponte tem dois carderão de ôro. Mas ocêis num péga, purque enquanto o dono num dé, num podi péga!’. Diz também que Mãe do Ouro existe e ela costumava aparecer onde Sá Mariinha nasceu, no


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sertão dos Marianos, em Cunha mesmo. — Mãe do ouro é tipo de uma fada porque o ouro é encantado — acredita. Hoje a principal rotina de Zé é buscar lenha pelas redondezas, para manter sempre aceso o fogão à lenha. Essas andanças rendem alguns causos bons para se contar e desperta a vontade de “pitar” mais um pouquinho. — É mai fáci deixá a cumida do que largá o cigarro. Eu ando pr’esses mato tudo e se dá vontade de fumá eu sento e fumo — confessa Zé. — Eu gostava de trabaiá. É ruim fica parado. Dia desse eu tava cortano umas coisa cum machado e deu no meu pé. Quando eu vi já dibuiô sangue — conta. Além de ter levado oito pontos no dedo do pé, não possui metade do dedo do meio da mão direita por conta de um tiro disparado por acidente, numa armadilha que ele mesmo tinha armado. O divertimento do casal são os netos, que sempre vão à casa de Zé e Ana. Com os filhos já criados, três homens e três mulheres, gostam quando a família se reúne. Entretanto, a alegria só estará completa quando um dos filhos sair da prisão, o que está previsto para acontecer no final do ano. — Tá preso purque desobedeceu muito as puliça. Só não pegáro ele cum droga. Desacatô o puliça! Ele andava muito com essa gente ruim. Coitado, ele é bão. É pá adiante de Campina que ele tá. Eu num visito, ele falô pá não ir lá — explica. Os afazeres do casal gira em torno das obrigações a se fazerem por ali mesmo: varrer o ‘terrero’ (quintal), pegar a lenha, dar comida às galinhas. Mas vez ou outra vão a uma festa religiosa na cidade, nas comunidades próximas, ou mesmo nos municípios vizinhos. Já foram também à praia. Zé e Ana conheceram a bela orla de Trindade, no litoral sul carioca. Para se chegar até lá, o acesso por Cunha é bem fácil: por meio da SP-171/RJ-165, estrada ParatyCunha que corta o Parque Estadual da Serra do Mar e o Parque Nacional da Serra da Bocaína. A viagem até o local dura cerca de uma hora e meia, mas o trajeto proporciona belas paisagens e, dependendo do horário, é possível avistar alguns animais. — Já fui em Ubatuba, no Paraty, no Caraguá nóis passemo. Nóis fumo em Trindade tamém, eu gostei. Não entrei no mar, tava fria, fiquei na beira e moiei o pé. Num moiei muito não, tinha muita areia e eu não quis carçá o chinelo — relembra Zé, maravilhado com a experiência de conhecer as belas praias do local, que até mesmo possui piscinas naturais devido a formação de algumas rochas


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na encosta. Apesar de viver com poucos recursos, o único lamento de Zé é não poder dançar congada, atividade que tanto gostava, por conta da idade e também por conta do grupo ter acabado. — Acho muita farta em não podê dançar. Fiquei manco! Dancemo por bastante tempo, até em Sum Paulo! O Sobrinho de Santa, embora gostar muito de passear, não troca a vida mansa que vive no bairro Três Pontes. Ele e a esposa, muito hospitaleiros com quem quer que chegue por lá, não pensam em sair de sua casa e morar em outro local. — Já fumo na Ilhabela, passemo pela barça. Num fiquei com medo não. Sentemo até beirano o mar...


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Seu Descalço Um mar de morros compõem o trajeto pela estrada que liga Cunha ao distrito de Campos Novos. No decorrer dos 33 km de estrada de asfalto e de curvas um tanto fechadas, uma parada para observar o cenário é sempre uma boa opção. Em uma vista 360º, paisagens exuberantes são reveladas em meio às Serras da Bocaina, da Quebra-Cangalha e, bem ao fundo, a da Mantiqueira. O trajeto, por reservar tão belas cenas e por conta da ótima condição da estrada, foi escolhido pela segunda vez para sediar a L’Étape Brasil 2016, uma corrida internacional de ciclismo. Além disso, a pacata Cunha se localiza entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, o que permite um crescente turismo na região por conta de sua localização estratégica. Às margens do caminho, algumas famílias permanecem instaladas. Em várias delas é possível observar que a extração do leite e também a pecuária ainda são um meio de sobrevivência na região. Muitas casas ainda possuem “mangueiro” e vários alqueires de pasto dentro de suas propriedades para o gado de corte e de leite. Após cruzar a chegada do distrito pertencente a Cunha, o percurso em direção ao bairro Guabiroba, agora de estrada de chão, reserva pontos ora esburacados ora calçados. Do Morro da Tenda, ponto conhecido na região por ser muito íngreme, é possível ver a torre que faz com que esse local, mesmo longínquo do centro cunhense, possua também contato telefônico. Pelo curso dessa estrada é quase certeiro cruzar com qualquer motociclista sem capacete, pois em alguns bairros rurais, não tão diferente na Guabiroba, não há tanto policiamento. Capacete mesmo, só é usado na área urbana. Claudinei anda para cima e para baixo em sua moto nova. O motociclista é filho de Benedito Justino, que é apelidado por vários nomes e codinomes, mas o que mais lhe caracteriza é “Seu” Descalço. Impossível também não reconhecê-lo por sua marca registrada: a risada extravagante. Após percorrer 5 km pelo trajeto de terra em direção ao bairro, é possível avistar a casa de Dito. Com seus 72 anos de idade, o idoso mora com a família em uma casinha azul, que por conta do quintal ser todo de terra, quando a chuva cai os respingos formam uma listra marrom que vai até quase


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metade da parede e dá a volta em toda da casa. A singela moradia de Dito, aparentemente recém-construída, fica na beira de uma curva. A casa possui cozinha, banheiro e quartos. Sua propriedade, de poucos metros quadrados, mas de numeroso alqueires de terra possui também um pasto bem verdinho para o gado leiteiro. Ali, ele vive com a esposa Tica. Ela é 36 anos mais nova que ele. O casal vive com seus outros dois filhos, além do caçula Claudinei, que acorda, pega sua moto e vai para o serviço na serra, a poucos quilômetros de onde moram. Volta e almoça. Pega seu veículo novamente e vai para a escola. Dito nasceu no sertão, local afastado de Campo Novos, embora não tão longe dali da redondeza de onde vive hoje. Ele é o irmão do meio entre outros oito. — Ah ‘deusulivreguardi’ ué! Se passasse mal... agora que o carro vai meio perto lá, mas quando nóis morava lá num tinha condução — explica Dito sobre como se fazia para chegar lá. Acostumado a acordar muito cedo e desde pequeno trabalhar nas roças, Dito conta que em sua época a plantação que trabalhava rendia o alimento da própria mesa. — Eu plantava arroiz e tinha que socá pá podê comé. Agora, um arroiz desse aí quem que come? Nem comê num cóme — compara o gosto do povo que vive atualmente nas roças. Para trabalhar com o pai, Descalço fazia como camisa um saco de açúcar e assim seguia sua labuta. — Eu morava no grotão, num tinha escola e era muito difici. Num tinha caroneiro pra carregá, então num tinha jeito de estudá! Mesmo com algumas dificuldades, acredita que os filhos vivem numa boa época, pois hoje conseguem ter fácil acesso aos estudos. — Aqui... Cê vê, ainda tem as kombi que pega no terrero, leva e traiz, né? Agora... procê andá uma hora de lá [do sertão], só tinha escola lá no Campos Nóvo, mais uma hora pá vim de lá aqui... Uma criança ia estudá? — questiona. A prefeitura da cidade disponibiliza transporte todos os dias para buscar e levar os estudantes até uma escola que fica mais adiante de onde a família de Dito reside. — Eu num istudei nem um dia! — reafirma. Apesar de não ter tempo para os estudos, arrumou mulher com seus 18 anos. Idade não tão


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muito precoce para quem se vive na área rural. O casamento não deu certo, mas Dito teve oito filhos com ela. E com Tica, teve mais três - uma menina e dois meninos. — Agora cabô tudo, agora chega. Vamo criá esses um. Fio dá uma trabaiêra pá gente! — conta o casal. Tica, que é dona de casa, na verdade se chama Juventina e tem 36 anos. Tica é apenas seu apelido. Na cidade onde a cerâmica é um forte por conta da técnica noborigama, empregada por um casal na década de 1970, a pacata Cunha lota de turistas para a abertura das fornadas, que geralmente acontece entre o mês de setembro e outubro. O casal vive com a aposentadoria de Dito, que complementa sua renda não sendo ceramista, pois esta arte não lhe coube, mas produzindo peneiras e balaios de taquara de bambu. Cada balaio sai em torno de R$10 e, segundo o artista, geralmente são usados para guardar dúzias de ovos. A peneira depende do tamanho, porque é usada para colocar peixes após uma boa pescaria. Embora acrescentem mais em sua renda, a família depende de doações. Sejam elas em sapatos ou roupas, pois não sobra tanto dinheiro assim para comprarem peças novas. — Eu num tô nem lembrado, mas faiz uns trêis ou quato ano que eu arrumei a aposentadoria de idade. Sessenta e cinco ano. Eu num tirei dinheiro [para mim], comprei só uma cárça dentro desse tempo — lamenta. Além disso, a água é à vontade para qualquer morador do bairro, pois tanto a que vem na torneira quanto a que abastece as caixas d’água desce diretamente de alguma nascente. Água pura e cristalina. Abundância que somente moradores da área rural possuem e não precisam pagar por isto. Mas Dito reclama da conta de luz, que sempre vem muito cara para ele, equiparado ao salário que recebe do governo. A única conta que paga, além da compra do mês, gira em torno de duzentos reais. — Chega no fim do mês, ocê vai compra qualqué coisinha e num dá pá comprá não. Tem que fazê uma economiazinha — conta. Reclama também do preço do feijão, que outrora tão farto nas plantações, chega a custar quase R$ 10 nos armazéns de Campos Novos. Embora a família de Dito passe por algumas dificuldades, ele acredita que conseguem viver bem. Pois quanto maior o salário, maior será o gasto. A família também recebe do governo uma verba


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do Bolsa Família. — Eu fui criado e criscido em casa de pau a pique. Agora, o cara que tem uma casinha mai boa, de tijolo, põe fôrro, não sei o que... E acha que tá ruim ainda. Nóis usava a luz de querosena. Punhava a querosena pá alumiá... — relembra. Descalço, apelido que lhe foi dado pelo fato de quase nunca calçar sapatos, nem mesmo chinelos para andar pelas estradas, só vai “na rua” – termo usado para se dizer que vai à cidade – quando precisa resolver alguma coisa. Ou como quando uma vara de taquara entrou em seu dedo e foi obrigado a procurar socorro. Isso porque o pé de Dito chega até ser grosso, de tão acostumado com o contato com o chão. — Eu agradeço a Deus inté, porque Deus ajuda a gente. Um cara qui nem eu com setenta e doi ano... Fui tirar taquara e puxei ela [taquara] de cima, tava enroscada e veio em cima do meu dedo. Saiu o sangue tudo! — conta Dito, que talvez o único dia que tenha colocado um calçado, foi há 20 anos, em seu casamento com Tica. Se estivesse trabalhando com pelo menos uma botina, teria evitado o acidente. — Cheguei aqui na porta, mas acabei de chegá de mota cum amigo meu. Aí ele trôxe, cheguei aqui e falei: ‘dá um golinho de café!’ peguei e tirei um golinho e já demaiei — recorda Dito, que ficou “amortalhado”, ou “quase morto”, por três dias na Santa Casa de Cunha. Em meio ao relato, uma revelação: Dito nunca havia tomado injeção na vida, até o dia do incidente. — Esse cara tinha medo de injeção, agora cabô! (risos). Falaro pá mim que tomava umas vinte pílula, mas num tomava injeção. Eu falei pr’ele: ‘num adianta medo’. Dali a poco carcáro aquela duída nele — conta Tica, sua esposa, aos risos. Eles acordam todos os dias bem cedo. Por volta das quatro da manhã em diante já estão de pé. Os filhos, acordam também por esse horário e seguem rumo para suas atividades: trabalhar na roça de alguém ou tirar leite. Tica fica com o trabalho da casa, apesar de acordar cedo para arrumar café para o caçula, aproveita para dar leite para o cachorro e às vezes volta a deitar. Mas não demora muito, pois não consegue ficar muito na cama. Dito, entretanto, tem dias que também é vencido pelo leito. — Tem dia que ele pede café até lá na cama e aí eu levo pr’ele — conta a esposa.


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Uma mulher no meio do caminho As histórias de lobisomem ou outras lendas sempre permeiam as rodas de prosa do morador rural. Dito afirma que nunca viu o tal do bicho, mas que já ouviu falar. — Tinha memo, eu num cheguei a vê mai tem. O pessoar mai véio contava. Grazadeus nunca vi e nunca quis vê — conta o idoso, que não se assusta tão fácil assim. Dito nunca gostou de andar a pé e sozinho à noite pela estrada, mas quando não tinha como, o jeito era voltar para casa andando mesmo. Assombração não sabe se viu, mas uma moça na tapera viu. — Eu passei e nem dei bola, eu tô no meu compromisso. O que tá na claridade não é ruim. O que é ruim é o que tá no escuro! — acredita. A vida que levam ali no bairro é muito tranquila. Os vizinhos o querem muito bem – talvez pela simplicidade e hospitalidade que o casal possui. A única preocupação que os aflige é a criminalidade, que tem crescido nos bairros afastados do perímetros urbano. O tráfico de drogas também é exponencial nas roças, pois o fluxo policial nesses bairros é quase inexistente. Dito e Tica “vira e mexe” ficam sabendo de algumas casas que são assaltadas, o que aumenta mais o medo. — Arrombaro cinco porta. Tiraro um rádio novo que ele [o vizinho] tinha, uma roçadeira e um punhado de foice — conta. Mas nem por isso trocariam viver em outro lugar a não ser onde vivem. Na casa construída em frente, mora a sogra de Seu Dito. Do lado esquerdo e direito, dois cunhados. — Eu num gosto de morá na cidade. Eu tenho fio que mora lá. Se fô pá passeá é num dia inté no oto e eu tô cascano fora. Aqui na roça é mais sossegado, lá é uma baruiada, calor... num dá! Dito do outro lado do mundo Dito e toda sua família nunca saíram do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo. Até porque, o idoso não gosta de passar tantos dias assim fora de casa. Porém, a imagem de Dito já foi para o outro lado do mundo, em Seoul, na Coreia do Sul. Em


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abril de 2016, a Universidade de Taubaté em parceria com o Brazilian Cultural Center in Korea (BCCK), patrocinado pela Fundação de Apoio à Pesquisa Tecnologia e Inovação/Fapeti, divulgou um concurso com o tema “A Beleza do Brasil”. O objetivo era realizar um intercâmbio cultural e também incentivar o olhar fotográfico e artístico para as belezas da cultura brasileira dos estudantes da Universidade. Dito é cultura. Dito, com toda sua história, se faz cultura brasileira. Com toda sua simplicidade conquista não só quem o conhece, mas a todos que nem mesmo o viram. E por meio de uma fotografia, entre as frestas de seu paiol, pegando um feixe de lenha para alimentar o fogo no fogão à lenha, Dito dá a volta ao mundo. Seu olhar sereno de quem vive despreocupado com a vida, rendeu-lhe o primeiro lugar no concurso. Mesmo que por fotografia.


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O Madrinheiro A alvorada avisava com uma brisa gelada que naquele dia os termômetros marcariam poucos graus. O sol apontava entre as montanhas como uma bola de fogo, mas os olhos não doíam ao contemplá-lo. Pela Estrada Cunha-Paraty, a antiga Estrada Real utilizada por escravos para levar ouro das Gerais ao Porto de Paraty, é possível acessar diversos bairros rurais, entre eles, o bairro Paraibuna, a mais ou menos 25 km do portal da Estância Climática de Cunha. A vista em meio a via pode ser facilmente confundida com paisagens francesas. O clima do município é sempre temperado e tropical, embora a temperatura fique abaixo de zero no inverno, entre o final do mês de maio a meados de setembro. Por isso, um grande número de turistas são atraídos à cidade. Não notar ao longo desse caminho um grande morro lilás antes de cruzar a chegada ao bairro Paraibuna é quase que impossível. Dali saem essências, colônias, guirlandas e até bolachas de lavanda (ou alfazema). É um mercado diferente e atrativo para a cidade, pois a planta é muito comum do outro lado do oceano – os principais produtores são a Bulgária, a França, a Grã-Bretanha, a Austrália e a Rússia. Próximo dali vive Mário José Monteiro, que aos 76 anos de idade cuida de seu gado leiteiro no bairro Paraibuna. Percorrendo a estrada de terra durante cerca de trinta minutos é possível chegar à sua casa, que fica bem escondida atrás de uma grande colina. O acesso se dá por uma viela estreita que fica à esquerda do curso principal. Após dobrar o morro todo, depois da descida, está a singela construção do pecuarista, que vive em meio a muitas araucárias. Calçado com um par de galochas brancas de plástico, ele sai de seu mangueiro, curioso em saber quem é que chegava. A blusa azul clara e a calça preta desbotada, remendada em algumas partes, estavam todas sujas de esterco de vaca. Contudo, para quem ordenha o gado todos os dias, a vestimenta suja é sempre um uniforme. O idoso é conhecido no bairro por ter descido a serra de Paraty por muitos anos montado no


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lombo de burro. A profissão de tropeiro iniciou já aos seus sete anos de idade, quando passou a integrar tropas que incluíam seu pai, dois tios e às vezes sua irmã Maria Monteiro, mais velha que ele. — Ela ia no arrêio e eu ia na garupa pá abri portêra. Num tinha esse negócio não: quando dava numa portêra, pá tropa num impelotá, eu já pulava da garupa e encostava a portêra. — conta Mário que, em meio a mata virgem, descia com o grupo sempre indo à frente abrindo as porteiras para o pelotão, função que recebe o nome de “Madrinheiro”. — Era uma trilha estreita, que não tinha nem jeito do burro passá. Era trêis dia de viagi, ida e volta. Um dia entregava, outro dia subia. O ponto de parada do grupo era um rancho, bem na chegada da cidade litorânea. — Saía de Cunha, entregava a carne, acertava os negócio e posava no pé da serra lá. E ali mesmo, naquele rancho, que aconteciam as barganhas entre os tropeiros, que vinham de vários lugares. — De lá trazia banana, laranja, peixe, o que dava pra comprá. Daqui era mio, fijão, capado... — enumera Mário. O termo “Tropeiro” tem sua origem na palavra tropa, uma referência a comitiva de homens em seus burros ou cavalos que transportavam mercadoria na época do Brasil-colônia. Cada tropa era encarregada de levar alguma coisa diferente. — Um ia cum dois burro, oto ia com trêis, oto chegava puxano um burrinho cum carga... Mas aqui era eu, meu pai e os dois irmão dele. Quando os trêis ia junto, aqueis troperinho mai pequeno tinha que desocupá o rancho. — afirma o idoso, que nunca sentiu medo por atravessar a mata e se deparar com algum animal, como uma cobra ou uma onça, por exemplo. — Às veiz ouvia o urro da onça lá embaixo, no grotão. Quantas veiz nóis tava subino e ela tava berrano lá embaixo por causa dos canecão que usava no peitoral [dos burros]. A labuta começava cedo, por volta das quatro horas da manhã. Mário e seus 12 irmãos não possuíam sapato, muito menos roupa apropriada para suportar as geadas da madrugada. — Às veiz nóis cascava o mio e punhava no pé [a palha do milho] pá protegê o pé du frio. Era marvado pá dirrubá! — pontua Mário, que colocou o primeiro calçado no pé já com seus 13 anos de idade. — Mai cabo co meu pé, andava trupicano... Num tava acustumado, num existia não! Embora vivessem em más condições, o papel de Mário como filho era o de ajudar nos afazeres


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da roça. Suas roupas de serviço eram feitas de saco de açúcar. Vez ou outra usavam as que estavam melhores para sair pelo bairro ou ir até a cidade. — Tinha que gostá, num tinha ota coisa. Meu pai mandava e eu tinha que fazê. [se dissesse]: ‘Espera aí que eu já vô’... Num falava isso que ele já mitia o côro! — afirma o idoso, que também amansava boi. Naquela época, o filho de tropeiro morava com os pais, os irmãos e a avó em um casarão próximo de onde reside hoje. Porém, por conta do tempo, a construção tornou-se ruína. — Eu fui criado no meio de quatro fera. Quem mandava na fazenda era minha vó, uma baixinha assim... Vixi Maria! Quantas veiz eu escapava dela, mai era difíci. Apanhei bastante dela, [batia com] o que ela achasse perto... Mas já tinha assim no fogão duas vara de marmelo passada na gordura. — recorda. Mário e todos os irmãos tiveram acesso à escola, mas o idoso estudou somente até o colegial. Contudo, com tanto serviço em casa, não sobrava tempo era para as brincadeiras. — Não dava tempo. Nem esses negócio de estilingue, eu não sei dá uma pedrada. — confessa. As descidas até Paraty pararam quando as tropas foram trocadas por caminhões. Até porque o trajeto foi recapeado pelas prefeituras de ambos os municípios e a viagem agora até o litoral fluminense pode ser feito em aproximadamente 40 minutos. Hoje, a renda de Mário se resume na aposentadoria e também na criação de suas vacas leiteiras. Atividade que desde pequeno sempre se deu bem e gostava muito de fazer, embora esta fosse também uma praxe de seu pai, Mário aprendeu sozinho a lidar com as funções da roça. — Acordo, enfio a botina e pé no barro, [com o] chapeuzinho [a]tolado na cabeça, aí [vou] tirá leite. — conta Mário, que só dá uma pausa nos trabalhos para almoçar. Logo que levanta, Mário alimenta as aves que cria no sítio. Além disso, precisa também dar comida aos porcos e às ovelhas que cuida na propriedade. Após tirar o leite das vacas, ele dá a vez aos bezerros. Ele prepara sua mula, coloca o arreio e põe o leite num latão que é pendurado no animal. A mula, de tão acostumada com o trajeto, segue sozinha em direção a uma centrífuga que fica bem próxima dali, em frente a Associação de moradores. Mário vai atrás, para abrir o portão de madeira e virar o leite no equipamento moderno, que hoje já substitui os carros leiteiros tão comuns há


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alguns anos. O sistema facilitou muito a vida de quem vive afastado da área urbana. Com a centrífuga, não há perigo do leite estragar ou seguir com impurezas para a fábrica de laticínios, que fica em Campos Novos. — Si eu quisé levantá mai tarde pá tirá o leite eu posso. Num preciso fica mai preocupado com o leitêro. — afirma. À tarde, a rotina é constante. É preciso preparar o capim para o gado comer no outro dia e alimentar novamente os animais que cuida. Quando mais jovem e casado, Mário participava dos mutirões nas colheitas. — Era mais pesado o serviço antigamente. Tirava o leite, arava a terra e plantava muita roça. Ia de mutirão! Todo sábado tinha mutirão. Assim nóis tocava, era gostoso... — relembra. Com a lavra, ele colhia mais de 100 sacos de feijão e milho, conseguindo até encher um paiol para o consumo da própria casa. Mário e sua esposa Lurdes completariam mais de 50 anos de casados. Entretanto, ela faleceu há pouco mais de seis meses no hospital Frei Galvão em Guaratinguetá, a cerca de 45 km de Cunha. Ainda com grande sentimento, o idoso conta que a cerimônia de casamento foi realizada pelo então Padre Vítor Coelho na antiga Basílica de Aparecida, que fica na região central e parte alta da cidade. Amigos e familiares compareceram na celebração, marcada para acontecer em uma tarde de 10 de fevereiro. Mas para chegar até a capital da fé, era preciso pegar carona de caminhão e seguir de pau de arara. — Uns foram à cavalo pegar o caminhão na encruzilhada. Naquela época o caminhão não chegava. Acho que ela [esposa] tava querendo casá logo. Pra mim tava servino tudo, né? Mai foi bom! — conta Mário, que casou aos 21 anos e sente muita falta da esposa, sua companheira. — Quando a gente casou a gente brigava, mas fai farta viu? As minha parte de negócio ela que resolvia. Se eu comprasse, ela perguntava. Tinha um caderno pra anotar tudo. Visita inusitada na madrugada Já era noite. Quem vive na roça mantém o costume de dormir cedo. E não tão diferente, Mário


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e Lurdes já estavam deitados na cama com o filho pequeno à sua beira. Mas segundo Mário, algo ou alguém conseguiu abrir a porta e entrar dentro da casa para pegar o recém-nascido. — Entrô, esbarrô na mesa e veio ali no quarto, na porta. Eu tava acordado. Ele bufou e eu já peguei o fósfo. — conta com absoluta certeza de que o bicho seria um lobisomem. Mais especificamente, um senhor que sempre ia brincar com o menino durante o dia, pois ele era casado com uma comadre do casal. Embora nunca tenha conseguido descobrir o mistério, Mário crê piamente que a lenda existe. — Diz que quando tem criança novo, tem que posá uma tesoura aberta fincada na parede. No outro dia após o acontecido e com o bebê a salvo, a avó e a mãe de Mário foram até o sítio e deram o veredito sobre as pegadas no chão: era o tal do bicho comedor de crianças. Porém, ele nunca mais voltou à propriedade. Bruxa, diamantes e ouro encantado são muitas das histórias de que o povo conta e aumenta outro ponto. — Sentemo na venda e daqui a pouco os cachorro latiu. Vimo uma fumaça e era uma pessoa arta. Aí foi embora lá pra cima. — conta. — Os dois que trabalhava aqui em casa toda tarde inchia o caneco pra ir embora. Quando chegou lá na frente ela tava deitada, atravessada na estrada. Com a cabeça pro lado do barranco. Um deles disse: ‘vô passá por cima desse coiso!’ Fizeram a volta e quando tava chegando, ela tava em cima de um coiso. Fomo vê e não tinha nada lá. Era cedo da noite! Lugar certo Embora Mário se incomode com a onda de assaltos na zona rural, considera Cunha um excelente lugar para se viver. — Tem muito bandido, viu!? Nossa virgi! Eles gosta muito desses cara de São Paulo. Mas Cunha é um bão lugar, clima bão! — avalia. — A gente tem boas amizade por aqui. Todo mundo me conhece aqui, na Barra, na Catióca, no Camundá. Tudo conhecido! Católico, sempre que precisa ir à cidade para receber a aposentadoria, passa na igreja e deixa suas preces. Mas gosta de fazer isso sozinho. — Vou mai em Cunha, em Paricida. Onti memo ainda passei lá! — conta.


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Os quatro filhos, todos já criados, moram em outras localidades. Com exceção de Valdenice, que vive com o marido e os filhos em uma casa acima de onde Mário mora. A paixão do idoso é cuidar de suas vacas leiteiras, com seus bezerros e mais o touro, que no total somam cerca de 38 cabeças de gado. Mário não se vê fazendo outra coisa, muito menos morando em outro lugar. Os filhos não têm vocação para continuar o trabalho do pai. Por isso, Mário já está certo de que o sítio terá de ser vendido, pois eles não seguirão seus passos. O maior sonho de Mário é voltar a plantar. Já tem em mente até o local que utilizaria para abrigar a pequena lavra. — Quando dá aquelas chuva de trovoada, cê sabe aquela chuva que dá aquele cheiro na terra!? Ah, mas me dá uma saudade... Saudade do arado! A brisa gelada voltara novamente, mas eis que ela avisava: o dia estava se pondo e a prosa chegara ao fim. — Mai volta aí, pá nóis proseá mais.


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Na solitude Nas primeiras horas do dia era possível notar que as temperaturas ficariam altas. Duas câmeras, algumas lentes, um gravador e um pequeno bloquinho para anotações estavam separados para serem colocados numa bolsa. No itinerário estava o bairro Catioca, que está entre Cunha e Lagoinha. O principal acesso se dá pela SP-171, mas também há uma estrada pela Rodovia Oswaldo Cruz, a SP-125, que liga Taubaté a Ubatuba, no Litoral Norte de São Paulo – trajeto que na época do Brasil Colônia também serviu de rota de desvio da Estrada Real. Por ali, é necessário atravessar a cidade de São Luiz do Paraitinga e de Lagoinha, ambas fazem limite com Cunha. Após cruzar as cidades, é necessário ainda pegar as estradas do Cristal e a da Palhinha, como são conhecidas popularmente, para então chegar ao bairro Catioca. O caminho é muito esburacado e requer cuidado ao passar com os quatro pneus nas valetas formadas no chão de terra. Uma bandeira vermelha em uma vara medindo cerca de três metros é avistada durante a viagem, que até ali já durava quase duas horas. Mais de perto é possível identificar que a bandeira era do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se alocou em um terreno bem à beira da estrada. Embora o grupo tenha tomado posse daquela terra, em muitos outros pontos da estrada não há nem sinal de moradia. Entretanto, a paisagem erma até a Catioca revela algumas construções antigas, como a Fazenda Santana, também conhecida como fazenda dos escravos e localizada no bairro Santana, motivo pelo qual o casarão recebe esse nome. Muito antiga, foi construída em meados de 1891 e pertence à família Domingues de Castro. Após três horas de viagem, desbravando as estradas de terra cheias de buraco em direção ao interior do bairro, pode-se chegar no local onde reside Alcídes Rosa Sampaio, de 82 anos. Ele vive sozinho em um sítio à esquerda da estrada. A casa onde mora possui mais de 100 anos. Na planta original havia poucos cômodos, mas por conta do tempo foi necessário reformar algumas partes e ampliar a residência. — Já morô muita gente aqui. Nossa! Já morrêro tudo. — conta o idoso,


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que trabalha para a família Bonifácio Coelho e mora ali no bairro há mais de 50 anos. Alcídes é mais conhecido como “Cídio” pelos moradores locais. É nascido no bairro do Pinheiro, mas já morou também em Lagoinha e depois no Barro Branco, por alguns anos para depois mudar para a Catioca. — Cidade pá mim é pá arrumá negócio e depois vim embora. — afirma. Seu Cídio não troca por nada a vida sossegada que leva na roça. Embora o patrão Niltinho – que é como um filho para Cídio, pois ajudou a criar o rapaz – tente levá-lo para morar em Taubaté, cidade que também fica no interior de São Paulo, o idoso não aceita. — Tive esses tempo na casa do Niltinho, se tratando. Tava doente. Ele lida pá leva pá lá, mas eu num quero ir. Di jeito nenhum! A rotina começa logo pela manhã, alimentando os animais que cuida. Por volta das 6h, quando o sol já está raiando, ele levanta e dá milho às galinhas do patrão, pois dorme na casa que fica bem em frente à ponte que dá acesso ao sítio. Depois vem para sua casa, a poucos metros da casa de Niltinho, e alimenta as outras aves também. Põe água para ferver e faz café. Dá lavagem para os porcos e depois vai tirar leite, com a ajuda de um rapaz que mora próximo dali, pois por conta da idade avançada não consegue ordenhar as vacas tão bem assim. — Ah num tenho ideia de quantas vacas eu tenho. Que dá leite umas quato. As ota eu sorto pá criá os bezerro. Dá mai resurtado, né? O gado tá bão de preço. — conta Cídio, que consegue tirar em média cinco litros de leite por dia. Entretanto, não o vende. Pega alguns litros para ele, separa outros para doar ao rapaz que o ajuda e o restante dá aos porcos. O leiteiro até busca o produto pelas estradas e casas do bairro, mas o idoso não consegue levar até o caminho, porque só consegue andar escorado a uma bengala de madeira. Habituado a sempre desenvolver algum serviço na roça, começou a trabalhar aos 10 anos de idade, ensinamento que foi adquirido com o próprio pai. — Era muito trabaiadô, ele plantava três alqueires. Por conta da rotina no serviço, Seu Cídio e os irmãos não tiveram tempo para ir à escola. — Num istudei. Naquele tempo num tinha escola! Tinha escola, mai era muito difíci. Aí num estudei. Nenhum dos meus irmão. Não dava tempo, era só trabaiá. O pai nosso queria ensiná pa trabaiá. Eu


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gostava, né? Era importante. — avalia. — Eu sou o úrtimo. Parece que era 12 irmão. Era tudo muié, só tinha treis homi. Tudo trabaiadô. A rotina naquela época era árdua. Ainda sem raiar o dia, por volta das cinco da manhã, todos já estavam de pé para começar na labuta. — Fazia roça. Essas bárgi [várzea] aqui eu plantava. Plantava mio e feijão pra esses árto aí. Era barato naquei tempo, né? Era acostumado a lidá com lavora, né? Teve um ano que eu cuí 40 saco de feijão, de ameia [em parceria]. — recorda Cídio, que hoje não leva mais essa vida agitada de antes. Na terra onde concentra a maior frota de fuscas do país, Cídio não possui carro e nem dirige. Quando precisa ir à Cunha pede carona para alguém. — Pá Cunha eu vô quando tem pricisão. O certo memo é ir de meis em meis, pá recebê. — conta o aposentado, que andava muito a cavalo, mas hoje em dia não executa mais a atividade. Para fazer a compra do mês, ele sempre leva sua listinha feita por uma moça que ele mesmo contrata para fazer os serviços da casa, como: lavar, passar e fazer comida. Depois que faz as compras, o motorista do mercado o traz até em casa com as compras. — Dá pá gente arrumá o negocinho seu, fazê uma comprinha, ainda sobra um trocadinho ainda. — explica o idoso. Dinheiro no colchão As casas ali da região são bem afastadas uma da outra. Graças a isso, certa noite dois homens aproveitaram para assaltar Cídio dentro da propriedade. — Mi levaro doi mil e pouco. Mai num fei farta. Passei meio deis matá eu, derrubaro eu naquela casinha ali, onde as galinha dorme, né? Os mardiçuado tava ali pá cima. Escondero a mota lá e vieram aqui na boquinha da noite. — conta Cídio, que teve três costelas fraturadas e passou um grande medo naquele dia, pois pensou que morreria. — Um ficou com a mão na garganta sufocano eu e o otro veio aqui dentro de casa campiá dinheiro. Aí acharo mai mil real que tava dibaixo do corchão. Agora num guardo mai dinheiro aqui. Agora o dinheiro que sobra eu mando levá pá Taubaté, pô no banco.


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— Dero pézada ni mim. Depois que aconteceu isso aí, eu durmo pra lá. Lá é mais seguro, porque é perto da venda do Césa. A casa mais próxima dali fica do outro lado da estrada, mas há pelo menos 1km de distância. — Se dá um berro fora de hora, ninguém escuta. — acredita Cídio, que “deu parte” na delegacia. Os ladrões nunca mais voltaram. Tampouco foram encontrados pela polícia. — A roça num tá mai segura! Vida a sós A esposa de Cídio não podia ter filhos. Viveram juntos por muito tempo e estavam perto de completar 50 anos de casados, mas Terezinha acabou falecendo, há 12 anos. — Ela era bunita. Nóis se gostémo. Quase cinquenta ano de casado num é mole não, hein! Eu quiria muito bem ela, vivi muito bem cum ela. Num maltratei ela hora ninhuma. — revela o que considera ser o segredo para manter uma boa relação. — Faiz mais de doze ano que ela morreu e eu até agora tô suzinho. Porque se ocê arrumá muié pá dá dor de cabeça, adianta ficá suzinho! Terezinha precisou operar o coração, mas depois de alguns anos com a saúde estável, teve outros problemas e ficou internada em Cunha, onde veio a falecer. — [Doença] Ela tinha uns par de tipo. Ela ficô ruim do coração, aí levei ela po Taubaté e aguentou dois ano boa. Noi passeava... Vivia em festa! — recorda Cídio, que casou com Terezinha na igreja matriz de Lagoinha. Para passar o tempo, diverte-se com os leilões e bingos realizados em uma igreja católica do bairro. — Dei um frango de prenda. O leilão é pá arrumá dinheiro pá igreja. — explica, pois participaria de um naquela tarde após o sol se pôr. Cídio raramente assiste TV. Passa a maior parte do tempo entretido com seus afazeres ou sentado na cadeira de frente à porta da sala, tomando um copo de café. Sentado à mesa com quatro cadeiras, é possível admirar através das grandes janelas de sua casa os campos que até se perdem de vista. Além disso, o cenário é um convite para escutar o canto de


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diversas espécies de pássaros que o local preserva. A vida de Cídio é muito sossegada. A ponto dele nem ligar quando uma de suas vacas passa por dentro da residência a fim de “pastar” do outro lado da casa. — “Mansin, vem! Mansin, vem! — chamando o animal para passar pelo corredor estreito, sem quebrar nada. — Boazinha de leite ela! Deu quato cria. Cídio, apesar de viver na solitude, não pensa em sair dali. Essa é a sua maior riqueza. Muito cordial, gosta muito que o visitem, para então pôr a prosa em dia. — Se quisé vir pá durmi pode vim, nói dorme ali na casa du Niltinho.


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All-star branco Durante a faculdade, me disseram que este trabalho mudaria algo dentro de mim. Compilar histórias num livro-reportagem foi muito desafiador para esta estudante de jornalismo, que mal acreditava em si mesma. Até porque, durante todo o processo, foram inúmeros os desafios. E, sim, parece que vivemos uma verdadeira teoria da conspiração onde até o que dá certo, parece dar errado. Relatar a rotina de cinco personagens diferentes. Ser o receptor e não o emissor. Ouvir para ser ouvido. Ouvir e ouvir mais um pouco. Anotar. Registrar: “Vira mais para sua direita... isso, agora sorria! Não precisa olhar para mim não...” Seguir a pé com meu All-star branco numa empreitada de pelo menos dois quilômetros de morros em uma estrada de terra que não via chuva há semanas (nesse dia, a ponte que dá acesso à casa de um dos entrevistados havia quebrado e o carro precisou ser deixado na beira da estrada). Voltar no mesmo lugar para continuar a prosa. Ter que engolir o choro, quando a vontade era de estampá-lo pelo rosto. Rir das coisas bobas da vida. Da minha vida e da deles. É, foram muitas emoções e que serviram para forjar meu caráter como pessoa e como uma profissional sedenta por boas histórias. Entretanto, o que mais valeu durante esse processo foi descobrir tanta riqueza por esses sertões de Cunha. Cidade que é reconhecida por tantas belezas, mas que esconde histórias de gente que ajudou a formar o que o município é hoje. Da Bedita, levo comigo a força de uma mulher destemida, que trabalhava “como macho” nas plantações e afazeres da roça. Com Zé Migué e toda sua calma, vi que a vida é para ser vivida, independentemente das nossas doenças ou não. Se sabe ler e escrever ou não. Vale a pena viajar, curtir a família e cuidar de seu espaço, mesmo que seja um pequeno terreno na roça. Mário me mostrou que embora a dor da perda seja ainda latente, a vida segue. Ela precisa seguir. Alcídes e sua doçura de um grande avô, mesmo não tendo a oportunidade de ser um, faz com que acreditemos num mundo bom. Embora viva sozinho, a solidão não o acomete. Por vezes, é melhor viver só do que mal acompanhado.


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Com Dito, ou “Seu Descalço”, aprendi a confiar mais em mim. O conheço desde criança. Sua risada sempre foi inconfundível e extravagante. Ele e toda a família são pessoas muito queridas. Seu jeito alegre de levar a vida, mesmo quando algo, às vezes, saia do eixo, me faz pensar em toda a minha ingratidão para a com a minha própria vida. Tantas coisas saem do eixo, mas quais realmente nós devemos nos preocupar? Durante a elaboração deste livro, várias vezes, pensei que não daria certo, que não sairia como o planejado, pois muitos foram os percalços. Mas a notícia de que a foto de Dito, que havia sido tirada durante nossa entrevista, ganhou o primeiro lugar em um concurso fotográfico internacional, foi combustível para prosseguir com o livro-reportagem. Era Deus me fazendo entender que nada saía do controle d’Ele. E mesmo que venhamos a desistir, Ele não desiste de nós. Os sonhos de Deus são infinitamente maiores que os nossos. Então, fomos Dito e eu, mesmo que por foto, para a Coreia do Sul. Bedita e a gatinha da Tia Ana também (que me ajudou me dando pouso em Cunha, por isso não a relatei nos capítulos). Foram dias intensos conhecendo uma cultura completamente diferente da nossa. Espero dividir logo essa experiência com Descalço, Bedita, tia Ana e toda sua família. Foi necessário dar a volta ao mundo para reconhecer que há muita beleza nesses “cantos” do Brasil. De resto, fica a certeza de que esta jornalista, que começou tão descrente de si mesma, hoje não se vê fazendo outra coisa a não ser retratar histórias. E, ah, se um dia for para Cunha, não use All-star branco. Dica!


Legendas das fotos Página 12 - Bedita é a moradora mais antiga do bairro Cana-do-reino. Página 18 - A idosa para na porta de sua casa e posa para a foto. Página 19 - Bedita senta em sua poltrona revestida com um cobertor antigo. Página 20 - Sentada em sua cama, a idosa relata causos durante a vida na roça. Página 21 - Com três de seus 11 filhos, Bedita posa para a foto sentada em sua cama. Página 22 - Com o fogão ao fundo e alguns alimentos e potes em cima da mesa, Bedita posa para a foto. Página 23 - Com as costas arcadas, ocasionada por uma hérnia, ela caminha em direção à uma árvore. Página 24 - Zé Migué, como é conhecido, aos 73 anos não sabe ler nem escrever. Página 30 - Ponte que dá acesso à casa onde viveu Maria Guedes, curandeira e vidente. Página 31 - Pela estrada é possível avistar lindos campos e fazendas escondidas entre os morros. Página 32 - Placa de madeira indica rota em direção a casa de Sá Mariinha das Três Pontes. Página 33 - Casa onde viveu Maria Guedes. Por conta do tempo precisou ser pintada novamente. Página 34 - Bica d’água onde dizem que Nossa Senhora Aparecida apareceu para Sá Mariinha. Página 35 - Oratório usado por Maria Guedes durante suas orações. Página 36 - Embora tenha construído uma casa nova, Zé e sua esposa permanecem na casa antiga. Página 37 - Com vergonha da câmera, Zé sorri para a foto. Página 38 - Morador há muito tempo do bairro Três Pontes, Zé não pensa em sair de lá. Página 39 - Durante toda sua vida, o idoso trabalhou nos afazeres da roça. Página 40 - Zé Migué e sua Ana posam para a foto sentados a um banco de madeira. Página 41 - Zé é fumante há muitos anos, inclusive do cigarro de palha. Página 42 - Dito posa para a foto de chapéu de cowboy com símbolo de um político da região. Página 49 - Campos Novos, distrito de Cunha, fica entre a Serra da Quebra-Cangalha e a Serra da Bocaina. Página 50 - Para ajudar na renda, Dito faz balaios e penereiras de lascas de bambu para vender. Página 51 - Entre as frestas das lascas de bambu, Dito posa para a foto. Página 52 - Dito, a esposa, a cunhada com o filho e a sogra posam para a foto sentados um banco de madeira. Página 53 - Descalço e a esposa sentam em um banco dentro de casa posam para a foto.


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Página 54 - “Seu Descalço” observa uma fotografia do dia de seu casamento com Tica, 36 anos mais nova que ele. Página 55 - Dito pega algumas lenhas em seu paiol para colocar no fogão à lenha; foto também ganhou um concurso internacional na Coreia do Sul. Página 56 - Dito não costuma usar sapatos para andar pelas estradas do bairro, na área rural de Cunha. Página 57 - A casa azul de Dito fica no “pé” de um morro e na virada da estrada. Página 58 - Mário Monteiro começou a descer a serra de Cunha-Paraty com sete anos de idade Página 65 - O ex-tropeiro posa para a foto junto com seu único touro. Página 66 - Mário acorda cedo e vai direto para o mangueiro ordenhar suas vacas. Página 67 - Ao todo, Mário possui em sua propriedade trinta e oito cabeças de gado. Página 68 - Hoje sua rotina é tranquila, a maior obrigação durante o dia é levar o leite até a centrífuga. Página 69 - A máquina está instalada próxima à Associação de Moradores do bairro. Página 70 - A cozinha da casa de Mário é pequena, possui apenas um fogão a lenha, outro a gás e uma cadeira ao lado. Página 71 - Aos 76 anos de idade, Mário ordenha gado todos os dias. Página 72 - Acompanhado de seu pai e de seus tios, Mário ia à frente pela serra abrindo a porteira. Página 73 - As vestimentas de Mário estão sempre sujas por conta das atividades do dia. Página 74 - Com a barba “por fazer”, Alcídes, ou Cídio como também é conhecido, sorri para tirar o retrato. Página 80 - A Fazenda Santana é uma construção da época cafeeira, conhecida também como “Fazenda dos Escravos”. Página 81 - A casa de Alcídes tem mais de 100 anos e, por conta do tempo, alguns cômodos precisaram ser reformados e ampliados. Página 82 - Alcídes possui apenas um dente na boca e por conta da idade, anda escorado a uma bengala de madeira, feita por ele mesmo. Página 83 - Cídio coloca o resto do leite que tirou da vaca para os porcos. Página 84 - Seu Cídio todas as tardes busca as vacas pelo terreno para juntá-las no mangueiro. Página 85 - Cídio posa sentado em seu paiol, onde guarda milho. Página 86 - Uma das vacas de Alcídes passa todo dia pelo corredor para comer capim do outro lado da casa. Página 87 - Com alguns quadros pendurados na parede, Alcídes relata sua história de vida.


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Página 88 - A vida por ali é tão tranquila que até o cachorro de Cídio, o “todynho”, tira um cochilo

tranquilo na porta de casa. Página 89 - Alcídes posa para a foto sentado em um dos janelões de sua casa. Página 90 - Com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, outros santos e algumas fotografias, Alcídes posa para foto. Página 91 - Cídio aprecia a vista que tem do bairro pelo janelão que fica em frente à mesa da sala.


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DICIONÁRIO CAIPIRA A

Acabrunhado: triste, envergonhado Acoitá: esconder, proteger Agorá: desejar mal, desejar que algo bom não ocorra Agrado: o mesmo que gorjeta, presente Ara ...ora!.... Arcado: curvado Amuado: triste Avuado: distraído

B

Bacurim, bacuri: criança recém-nascida Balangá: balançar Barriga d água: efeito colateral de esquistossomose Beiço: lábios Bestagem: bobagem Bigo: umbigo Birrento: que faz birra, desaforado Boca-de-pito: gole de café


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C

Caboco: pessoa muito simples Cafundó: fim do mundo, lugar ermo Cambada: bando (de malfeitores) Cambito: perna fina Campiá: procurar Cacunda: costas Cósca (fazer cosquinha): cócegas

D

Dá o pira: ir embora Dá trela: alimentar conversa fiada Dá um pito: dar uma bronca Dasveis: às vezes De banda: de lado De jeito e manêra: de modo algum Desgueio: atravessado Destá: deixe estar

E

Emborná: espécie de alforje dotado de alça que se leva no pescoço e/ou ombro Enfezado: nervoso Enrriba: em cima Escangaiado: destruído Estórva: atrapalha


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F

Fasto: ré, andar para trás Fiá: vender fiado Fincá: enfiar, cravar Fôrgo: fôlego Fuá: encrenca, escarcéu Fúça: cara, rosto

G

Gaitada: risada estridente Ganhá os tufo: ganhar muito dinheiro Gastura: nervoso Gorá: agourar, também se diz dos ovos que não fertilizam Gróta: trecho de mata de difícil acesso entre dois ou mais morros Guspe: cuspe

H

Home quá: deixa para lá Humirde: humilde

I

Inté: até Intojado: enjoado; metido

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J

Jacá: balaio Janota: homem vestido com muito apuro Jojoca: soluço

L

Ladino: esperto Lavá a égua: se dar bem; ganhar bom dinheiro Loróta: conversa fiada

M

Marrudo: mal-encarado Meia-pataca: insignificante Mió ou milhor: melhor Mistura: guarnição do prato principal Módeque: qual a razão? Munheca: pão duro; sovina Muntá: montar

N

Nhó: tratamento respeitoso – senhor Nódia: nódoa


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O

Ocê: você Orná: combinar

P

Pageá: adular Panca: jeito pedante Panelada: cozido de frango Papudo: convencido; cheio de si; pessoa com bócio Pata-Choca: mulher desmazelada Pé de boi: pessoa decidida, muito trabalhadora Pelejá: lutar Picá a mula: ir embora; esporear a montaria para sair mais rápido Picuinha: intriga Pinchá fora: jogar fora Pinguço: bêbado Purgá: verter pus

Q

Quá: qual o quê! Quebra peito: cigarro de fumo ordinário ou muito forte Quebranto: feitiço que qualquer um passa a outrem, por invejar demais algo que o outro possui Quentura: calor Questã: briga jurídica; pergunta Quiprocó: briga generalizada


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R

Rabêra: o mesmo que rabeira Rádia: emissora de rádio Réiva: raiva Relá: tocar (com as mãos ou outra parte do corpo) Relampo: relâmpago Rinchá: relinchar; rinchar

S

Sororóca: mandiga para estourar pipoca; estertor de doente terminal Sortá os cachorros: xingar; reclamar aos gritos Suzim: sozinho

T

Tá loco, sô: mesmo que “duvido de você” Tacá: jogar, atirar com a mão (pedra) Táio: talho; corte Tôco: pessoa muito rude; pedaço pequeno de um tronco de árvore Trelê: resmungo Trem: objetos em geral – louças, móveis, malas etc. Trincá: rachar Tropicão: tropeço muito forte


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U

Unheiro: unha inflamada

V

Vam´bora: vamos embora Vixe: valha-me Deus; Virgem Maria!

X

Xicra: xícara Xixilenta: fedida; mal cheirosa Xingo: ofensas Xôxa: sem graça Xurumela: história mal contada

Z

Zambeta: que tem a perna torta Zarôio: caolho, zóio: olho Zoada: barulheira Zoêra: tontura Zorêia: orelha Zunhada: unhada, arranhar com as unhas Pequeno Dicionário de Caipirês Antonio Carlos Afonso dos Santos – São Paulo – Editora Nativa, 2001

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Vivian Ferraz nasceu em Aparecida (SP). Taubateana de coração, aos 21 anos dedicou-se a buscar “causos” pelos sertões de Cunha. Ao longo da elaboração deste livro, ganhou um prêmio internacional de fotografia e viajou para Coreia do Sul, expondo três fotos que foram feitas durante as entrevistas. Hoje, ela não se vê fazendo outra coisa a não ser contar histórias.



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