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omeço essa palestra com duas frases do Bill Hybels do seu livro
“Liderança corajosa” que sintetizam o que tenho a compartilhar com vocês:
“A igreja local é a esperança do mundo e o seu futuro está, principalmente, nas mãos dos seus líderes”. “Romanos 12.8 avisa aos que possuem o dom da liderança que liderem "com zelo". Por que? Porque a igreja, a noiva de Cristo, de quem depende o destino eterno do mundo, progredirá ou falhará, em grande medida, dependendo de como a liderarmos”. Acredito completamente nessas duas afirmações. Elas têm norteado minha vida e sido fonte de motivação diária. Como líderes cristãos, exercemos um ofício nobre que é seriamente demandado nos nossos dias. Reconhecer nosso lugar e o que podemos fazer pela nossa igreja e nossa comunidade é crucial. Nem todos são líderes num contexto de uma igreja local. O que determina o modo de uma igreja agir é aquilo que sua liderança fará. O escritor motivacional de liderança John Maxwell na sua obra “21 indispensáveis qualidades de um líder” realça a qualidade da INICIATIVA como determinante para que um líder seja seguido. Acredito que aqui reside o ponto crucial dessa introdução. Num momento de incerteza, apreensão, a definição de rumo e perspectiva deverá está a cargo daqueles que assumiram perante Deus o compromisso de guiar e cuidar do seu povo.
Ao longo dos séculos, sempre que Deus precisou agir num determinado contexto de crise ele enxergou um líder em potencial e deu a ele ou a ela uma função de liderança. No Antigo Testamento, escolheu líderes como Moisés, Neemias e Ester. No Novo Testamento, escolheu pessoas como Pedro e Paulo. Em épocas mais recentes, quando a igreja precisou resgatar o seu verdadeiro espírito e missão, Deus levantou líderes como Martinho Lutero e John Wesley. Será que Deus poderá contar conosco nesse tempo? Alguns que lideram pequenos grupos ou um ministério da juventude na sua igreja local, podem se perguntar, de que maneira suas vidas podem ser usadas pelo Senhor? Afinal, a cidade é tão grande e têm outros líderes com responsabilidades maiores. Bill Hybels lança uma provocação oportuna: imagine as vidas que jamais teriam sido transformadas se Charles Colson, que iniciou o ministério Prison Fellowship, tivesse dito: "Por que deveria perder meu tempo com um bando de desajustados sociais e criminosos comuns, que não têm nada a me oferecer? Prefiro me aplicar a prática da advocacia". Pense no que teria se perdido se Bob Pearce, o fundador da Visão Mundial, tivesse dito: "Deixe as crianças famintas morrerem de fome. O que pode um homem fazer, afinal de contas?". Estou totalmente convencido de que há uma convocação de Deus para que os líderes que ele confiou a sua igreja, se levantem. Mas como fazer isso em tempos de pandemia? Para responder essa pergunta precisamos revisitar o cenário a nossa volta. O mundo atual passa por uma crise sem precedente. Repentinamente fomos surpreendidos com a propagação vertiginosa de um vírus que em pouco tempo afetou todos os continentes. Ao chegar na nossa terra, nossas cidades reagiram com medidas restritivas da circulação de pessoas, da suspensão de atividades religiosas nos templos e na interrupção de diversas atividades sociais e econômicas. Tudo isso gerou uma cadeia de consequências que vão desde a macro esfera social como política, segurança, saúde e economia, até a microesfera, como desemprego, crises emocionais, conflitos familiares e privações materiais de necessidades essenciais. A juventude não fica ileso a tudo isso, pelo contrário ela é recorte etário mais afetado pela crise que chegou até nós. Primeiro, porque o público jovem representa a grande expressão da chamada “população economicamente ativa”. O escritor Davi Lago observa que até meados do ano 2030 a população brasileira atravessa seu “bônus demográfico”, período
no qual sua população economicamente ativa será maior do que idosos e crianças. De acordo com estudos da ONU temos 59 países vivendo este mesmo bônus, mas o Brasil se destaca por suas proporções. Isto significa que existe hoje uma multidão de 50 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos disponíveis e ávidos pelo ingresso no mercado global de trabalho. Somente em Fortaleza temos quase um milhão de jovens. Segundo, a população jovem é notadamente a mais afetada pelas crises decorrentes dessa pandemia. Pesquisas já apontam diversos fatores de gravidade como aumento do desemprego, precarização do trabalho, exposição a violências, responsabilização prematura do cuidado familiar e distúrbios emocionais. Como se não bastasse esse cenário, a pandemia com o consequente distanciamento social, interrompeu os eventos sociais, os encontros, os cultos e as festividades. Essas atividades têm um papel significativo no fortalecimento dos laços, no apoio espiritual e emocional que o grupo da igreja pode oferecer, no contato frequente com lideranças que podem dispor orientação e encorajamento. Como reação a esse distanciamento, vimos a intensificação da virtualização das nossas relações. De repente, toda carga de interações e programações migraram para o ciberespaço. Os efeitos (positivos e negativos) disso devem ser analisados cuidadosamente pelas lideranças. É o que faremos a seguir. Quando olhamos para esse quadro a palavra que salta é CRISE. Pensando nisso, eu lembro que no Kanji (sistema de chinês de ideogramas usado pelos japoneses) tem uma palavra com dois ideogramas para crise (Wei-Ji) – o primeiro ideograma (Wei) significa “risco, perigo”; o outro (Ji), “oportunidade”. Fazendo um exercício de reflexão com base nesse polos (riscos e oportunidades), proponho os seguintes tópicos: Riscos (3Ds) 1. Desencanto 2. Desintegração 3. Desorientação De certa maneira, essa tríade de riscos já era uma realidade observada no mundo pré-pandemia, mas em virtude da crise, foi dilatada e intensificou seus efeitos nas comunidades religiosas.
Quando falamos de DESENCANTO nos referimos a uma experiência de decepção e desilusão gerada pelo contexto da pandemia. • Primeiro, um abalo na confiança em Deus, fruto de um conhecimento limitado ou equivocado. O quadro de dor e sofrimento pode estremecer as bases frágeis de uma espiritualidade superficial. Essa reação é muito antiga e sempre foi percebida nos arraiais do povo de Deus em tempo de crise. Temos recebido diariamente jovens com crises e dúvidas teológicas no tocante a soberania e bondade de Deus. • Segundo, uma decepção com a própria liderança da igreja em razão de uma expectativa não suprida ou uma atenção esperada que não ocorreu. • Terceiro, um desencanto em relação a própria igreja, fruto de uma experiência com o “mito da grama mais verde”. Embora essa expressão seja de Allan Pettersen para se referir a casais que olham com idealização a vida de outros casais, ela pode ser aplicada a uma experiência de desilusão nessa pandemia em relação a igreja local, justamente pelo contato com outras comunidades e lideranças. Ao fazer comparações com outros contextos e realidades, o jovem pode perder admiração pela sua própria comunidade. No tocante a DESINTEGRAÇÃO, é inegável que o distanciamento social pode provocar dissoluções de laços comunitários. Afinal, ao perder contato com o grupo de afinidade, o jovem pode estabelecer vínculos com outros grupos e comunidades. O mundo hiperconectado nessa pandemia cria um universo plural de opções religiosas, eventos onlines e uma diversidade de grupos buscando exercer fascínio sobre os internautas. Nesse quadro de muitos rostos e cenários, a comunidade de origem vai se misturando no mosaico de possibilidades. Ao se deparar com a discussão de temas relevantes e conhecer novas pessoas com afinidades e interesses comum, o jovem pode estabelecer ligação com novos grupos que demarcarão novas identificações comunitárias no contexto pós-pandemia. Quando falamos de DESORIENTAÇÃO, estamos nos referindo a perda das referências comunitárias e pastoral que marcavam a experiência de fé no contexto pré-pandemia. Embora já vivêssemos imerso na cultura digital, tínhamos uma igreja local para congregar, uma liderança que nos acompanhava e amigos que nos encorajava na fé. A restringir nossas interações ao mundo virtual, nos vemos agora lançados num universo de
multirreferencialidade. Múltiplas vozes, diferentes pregações, lideranças dos mais diversos contextos e culturas podem apontar um mundo de indefinição, como descrito na famosa obra infantil “Alice no país das maravilhas”. É conhecidíssimo o diálogo de Alice com o Gatinho de Cheshire, quando o perguntou? - “O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui? ” - “Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato. - “Não me importo muito para onde”, retrucou Alice. - “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”, disse o Gato. Recentemente fizemos uma interação no Instagram sobre esse momento de quarentena e criamos uma oportunidade de perguntas. Após 24 horas fizemos uma análise e constatamos que 70% das questões giravam em torno de dúvidas teológicas, sendo que a maioria foram geradas pelo contato com preletores na internet. Basta uma rápida navegação para percebermos que no universo virtual todas as vertentes e posições religiosas transitam livremente, alcançando igualmente a todos. Oportunidades (3 Cs) 1. Cuidado 2. Conexão 3. Comunicação Enxergar essas oportunidades é fundamental para uma liderança relevante nesse contexto, especialmente porque cada um desses tópicos pode ser visto como antídotos aos riscos que mencionamos há pouco. É possível estabelecer uma relação de correspondência, conforme a ordem que apresentaremos. Quando falamos de CUIDADO, nos referimos a uma ação amorosa da igreja em prover socorro e auxílio aos mais afetados pela crise. Podemos dividir essas iniciativas de cuidados em três áreas. Primeiro, cuidado material. Trata de mobilizar ações de intervenção às necessidades materiais das pessoas: cestas básicas, material de proteção e higiene, orientação jurídica quanto a obtenção de benefícios de auxílio emergencial, roupas, dinheiro etc. Nossos jovens podem ser agentes mobilizados e mobilizadores para uma frente de serviço a cidade. Como fiz Tomás Halík, “quando o rosto
de Deus parece invisível no meio da dor e do sofrimento, ele pode ser mostrado no amor e na compaixão daqueles o representa”. Segundo, cuidado emocional. É constatado que esse tempo de crise acarretará e agravará problemas emocionais nos jovens. Temos lidado diariamente com situações que demandam orientação e acompanhamento. O líder de juventude não pode se ausentar nesse contexto. É preciso criar canais de contato e prover apoio aos seus liderados. Terceiro, cuidado espiritual. Num contexto em que nossa fé sofre abalos, nossa espiritualidade carece de atenção. Situações de pecados pessoais e afastamento de Deus podem intensificar o sofrimento. O líder deve ser alguém que se apresente como referência para iniciativas de confissões e pedidos de socorro por parte dos seus jovens. Momento como essa pandemia, podem criam oportunidades de curas de problemas que se arrastam por anos. No que diz respeito a CONEXÃO, apesar desse momento nos lançar o perigo da desintegração, o mundo contemporâneo possibilita recursos que outras gerações não dispuseram. Os dispositivos digitais, o contato imediato pela internet e a diversidade de aplicativos criam caminhos de contatos e interações que o líder deve aproveitar. É possível realizar atividades em grupo online, reuniões virtuais de oração e conversas, dinâmicas de leituras da Bíblia ou livros, envolvimento e inclusão de cada membro do grupo em compartilhamentos de devocionais, programas de intercessão recíproca entre os liderados etc. Ao tratar de COMUNICAÇÃO, enfatizamos a necessidade de o líder dirigir sua voz aos seus liderados, prestando orientações, dando avisos da dinâmica e programações da igreja, encorajando diante de situações de agravamento da crise, oferecendo um norte baseado naquilo que a igreja como um todo se propõe. Situações de crises geram anomia. Esta palavra retirada da sociologia, se refere a um estado de perda de identidade, de falta de objetivos, de confusão mental quanto ao que fazer e como proceder. Cabe ao líder o papel de guiar e oferecer um norte. Esta é a bela descrição bíblica da liderança pastoral nos Salmos 23. Para concluir, diante dos riscos e oportunidades que esse tempo coloca diante de nós, faço sugestões de algumas ações práticas para que esses riscos sejam minimizados e as oportunidades potencializadas.
1. Exerça autoliderança
– é preciso que reconheçamos nossa fragilidade e limitações num contexto com esse. A crise tem o poder de atingir transversalmente a todos, inclusive, os que exercem liderança. Dee Hock, um especialista em Liderança, recomenda que 50% do tempo de um líder seja dedicado ao gerenciamento de si mesmo. Aqui reside nosso maio desafio. Daniel Goleman sustenta que líderes excepcionais se distinguem dos outros porque "conhecem seus pontos fortes, seus limites e suas fraquezas". Como andam seus hábitos nessa quarentena? Você se conhece adequadamente? Para ajudar nessa tarefa, sugiro a leitura de uma obra do Josué Campanhã: “O tempo, a agenda e o foco”.
2. Invista tempo em leituras e aperfeiçoamento ministerial – quantos cursos e possibilidades esse tempo colocou diante de nós. Alguns líderes vinham de rotina intensa e quase sem tempo para estudar, descobrir coisas novas, mas agora, uma janela foi aberta. Quais áreas do seu desenvolvimento pessoal carecem de aperfeiçoamento? Faça um plano de leituras, organize seu tempo para conhecer novas experiências. Autores que em tempos normais demandam de nós grandes esforços para ouvi-los, estão totalmente disponíveis em Lives, cursos onlines e eventos.
3. Se informe criticamente sobre o contexto que estamos vivendo – como ler as conjunturas de um tempo? Como entender toda a complexidade dessa crise? Diversos autores de todos os matizes têm analisado os acontecimentos dos nossos dias. Procure construir uma compreensão abrangente, plural e submeta ao escrutínio das Escrituras. Lembre-se que seus jovens leem, acompanham em tempo real o que está acontecendo no mundo, acessam as mais diversas fontes de informações, alguns têm lastro crítico da formação acadêmica, portanto, se informe e busque responder a altura as questões desse tempo.
4. Amplie sua compreensão das novas tecnologias e mídias digitais – é fundamental reconhecer que não podemos lutar contra os impulsos da evolução tecnológica. Líderes que rejeitam a utilização de meios de comunicação digital ficarão confinado a um mundo particular. Não basta um conhecimento prático e apressado de como usar esses recursos. É importante conhecer a fundo, para utilizar da melhor forma. Acreditamos que (quase) tão ruim quanto não utilizar recursos tecnológicos, é utilizar de modo relapso ou medíocre.
5. Evite tomar parte de modo passional nas polarizações – é comprovado em pesquisas que o envolvimento acrítico e apaixonado de lideranças eclesiásticas no jogo político partidário incorre no desgaste da própria imagem do líder, visto que o corpo social dos seus liderados por vezes acomoda pessoas que não têm a mesma tendência e convicções do seu líder. Sem considerar que nossa atuação primordial é alcançar pessoas por meio do Evangelho. Se desse momento em diante precisarmos usar nossas plataformas digitais para evangelização, não seria recomendável o desgaste prévio em função de polaridades políticas com pessoas que iremos compartilhar o amor de Cristo. Por vezes, as discussões e debates escapam ao limite razoável do respeito e avançam sobre os direitos e dignidade das pessoas. Não tenho dúvida que essa pandemia está causando um desgaste desnecessário a muitos líderes cristãos.
político-ideológicas
6. Crie salas virtuais de atendimento e cuidado
– muitas igrejas têm despertado para a utilização dos recursos digitais no atendimento pastoral de pessoa. Já temos redes de psicólogos prestando auxílio emocional às pessoas nesse tempo de pandemia. As igrejas podem investir em ambientes seguros de conversas e aconselhamentos.
7. Envolva seus liderados em ações de serviço e compaixão – temos no contexto dessa crise uma grande oportunidade de ministrar aos de dentro e de fora a misericórdia de Deus. Nossas igrejas estão cheias de jovens esperando uma iniciativa. Fizemos diversas pesquisas e comprovamos a pluralidade de dons e habilidades que são claramente demandados nesse momento. Ative uma rede de serviço. Se certifique que todos estão envolvidos. Você descobrirá o poder terapêutico da partilha, do servir ao próximo. Muitos jovens lidando com dramas pessoas, descobrirão no altruísmo uma forma eficaz de cura e renovação.
8. Mantenha a referência intacta da sua igreja local e do seu pastor para seus liderados – como falamos anteriormente, em tempos de distanciamento corremos riscos de desintegração e desorientação. Cabe ao líder cultivar na vida cotidiana dos seus jovens o vínculo com a comunidade. Reforce as memórias da vida dessa igreja, traga imagens e situações que reforçam a identidade social do seu grupo.
Combine conversas entre seu pastor e os jovens. Temos sempre lembrado que a influência que exercemos nos nossos liderados não apontam para nós e sim para a liderança pastoral e a igreja como um todo. Nossa atuação obedece uma dinâmica de transitoriedade. Em breve Deus nos direciona para novos desafios e quando chegar esse momento, a igreja e o pastor continuam.
9. Cuide da sua vida devocional – parece desnecessário reforçar essa recomendação, mas pesquisas comprovam que líderes cristãos brasileiros têm negligenciado o hábito devocional. Essa é uma das mais graves fraquezas. Primeiro, porque nos tira a autoridade moral para exortar outras pessoas quanto ao valor da vida devocional. Segundo, porque ficamos expostos a fraquezas espirituais. O hábito devocional atua como uma fonte revitalizadora na vida do cristão.
10. Cultive uma relação de prestação de contas com seu – pessoas que cuidam precisam de cuidado. É sumamente importante que você tenha um lugar seguro junto ao seu líder para confissões, compartilhamento de lutas e tomadas de conselhos. Andy Stanley no seu livro “O líder da próxima geração” ressalta a necessidade dos novos líderes serem devidamente acompanhados para seu desenvolvimento integral.
líder
Que Deus nos ajude e guie nesse tempo de crise.