Trajetórias do casal sindicalista
Autores: José Rodrigues da Silva Geogina Delmondes dos Reis e Silva
Brasília, abril de 2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S586t
Silva, José Rodrigues da Trajetórias de um casal sindicalista / José Rodrigues da Silva, Geogina Delmondes dos Reis e Silva. – São Paulo : Quanta, 2015.
215p. : il. ; 23 cm. ISBN 978-85-63234-16-2
1. Trabalhadores rurais - Pernambuco - Sindicatos. 2. Trabalho rural. 3. Sindicalismo. I. Silva, Geogina Delmondes dos Reis e. II. Título.
CDU 331.105.44(81) CDD 331.880981
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
Tiragem 1000 exemplares
Rua Ouro Preto, 210 - Condomínio Jardim Colonial - Chácara De La Rocca Carapicuíba São Paulo SP Brasil 06350 270 www.qcp.com.br
Conselho Curador Carlos Siqueira - Presidente Luiza Erundina de Sousa Serafim Corrêa Dalvino Troccoli Franca Kátia Born Álvaro Cabral Adilson Gomes da Silva Eliane Novais Paulo Afonso Bracarense Manoel Alexandre Bruno da Mata James Lewis Silvânio Medeiros dos Santos Francisco Cortez Gabriel Gelpke Joilson Cardoso Suplentes do Conselho Curador Jairon Alcir do Nascimento Paulo Blanco Barroso Felipe Rocha Martins Henrique José Antão de Carvalho Diretoria Executiva Presidente: Renato Casagrande Diretor Administrativo: Milton Coelho da Silva Neto Diretor de Cursos: Vivaldo Vieira Barbosa Diretor Financeiro: Renato Xavier Thiebaut Diretor de Assessoria: Jocelino Francisco de Menezes Conselho Fiscal Cacilda de Oliveira Chequer Ana Lúcia de Faria Nogueira Gerson Bento da Silva Filho Suplentes do Conselho Fiscal Marcos José Mota Cerqueira Dalton Rosa Freitas
Trajetórias do casal sindicalista
Autores José Rodrigues da Silva Geogina Delmondes dos Reis e Silva Editores Sinoel Batista Marcelo Peron Pereira Projeto gráfico, capa e diagramação José Luís Hernandes Recuperação do acervo fotográfico e tratamento de imagens Lucas Meirelles Toledo Ramos Batista Imagens Acervo pessoal de José Rodrigues da Silva e Geogina Delmondes dos Reis e Silva
Realização
sumário
Apresentação Agradecimentos Dedicatória
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A difícil caminhada: o contexto da militância política e sindical Galeria
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Vida pública e a luta pelos direitos políticos e trabalhistas dos trabalhadores rurais José Rodrigues A FETAPE Processo Injusto Chapéu de Palha Diretoria de Política Salarial Atuação na Terceira Idade Diretoria da CTB-PE Suplente de Senador pelo PSB Incentivo a sindicatos e companheiros Geogina Delmondes dos Reis e Silva Na FETAPE Vida Política A busca pelos direitos das mulheres A Caminhada das mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical Marcha das Margaridas Encontro de crianças coordenado pela Contag Galeria
29 29 35 38 40 41 43 45 47 48 54 66 70 75 82 99 101 105
Lutas específicas: a práxis política e sindical em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais Luta das barragens - 1979 Itaparica Algodões Zona da Mata - setor açucareiro Encontros de delegados e delegadas sindicais A busca por apoio Em favor do homem do sertão no combate à seca Contra o uso de agrotóxicos e o latifúndio Reforma agrária Grito da Terra Fim das lutas? Galeria
119 121 121 126 127 129 130 132 132 134 136 136 139
Campanhas Salariais Resposta às mobilizações Galeria
145 154 157
O Açúcar com gosto de sangue Galeria
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Vida pública e privada: articulação entre valores e práticas pessoais e militância política e sindical O casal Tamandaré e os encontros
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Reconhecimento dos Companheiros de Luta Fé Encontro com o Papa João Paulo II Incentivo Cristão Igreja e Companheiros de Luta Família: as relações afetivas, em meio à militância política e sindical Jost Joelson Georgia Galeria Companheiros de luta: uma história construída com colaboração de todos
180 185 189 190 193 196 199 201 203 205
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apresentação
Carlos Siqueira Presidente do Partido Socialista Brasileiro
O livro que a Fundação João Mangabeira traz a público neste momento tem, na simplicidade aparente de sua narrativa, uma ordem de sofisticação que a sociedade contemporânea, como um todo, precisa resgatar: a importância civilizatória e essencial do fazer político. As trajetórias do casal de sindicalistas José Rodrigues da Silva e Geogina Delmondes dos Reis e Silva ‒ Zé Rodrigues e Geogina, apenas para seus companheiros de lutas ‒ têm importância exemplar, no sentido antigo desse termo, ou seja, histórias que valem a pena seguir e reproduzir, como referências para uma vida digna e fraterna, fundamentada no bem-querer e na generosidade. Destaco, neste fazer político do casal, as mais essenciais de suas muitas virtudes. Em primeiro lugar a perseverança, da qual o povo nordestino, assolado por diferentes ordens de injustiças e iniquidades, nunca abriu mão. Não por acaso, Miguel Arraes, um de seus grandes líderes, já dizia que “a facilidade não é deste nosso mundo, o Nordeste. Somos feitos de sofrimento e de perseverança, cedo aprendemos que a teimosia é a condição de nosso viver”.
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O casal, erradicado em Pernambuco, mas atuante em escala nacional, tinha no governador Miguel Arraes uma inspiração e uma liderança afinada com as demandas de trabalhadores e trabalhadoras rurais. É preciso dizer, contudo, que a admiração e o carinho eram recíprocos. A generosidade é uma marca do modo de ser de Zé Rodrigues e Geogina. Acolhiam e acolhem, de modo fraterno, aqueles que os procuram, seja para fins da militância política ou de outras tantas necessidades que nossa condição comum de homens e mulheres apresenta: abrigo na capital do Estado, auxílio para encontrar um médico em situações de doença, apoio nas horas difíceis e nas perdas, comuns àqueles que se opõem ao poder e seus ditames. Pois não é a generosidade um dos maiores elementos entre as expectativas de renovação que porta o socialismo? Notem: a abundância socialista não é a do consumismo, da destruição da natureza em nome da valorização capitalista. Em nosso projeto político a abundância é fruto da generosidade e da capacidade de compartilhar o muito, como também o pouco. Esse compartilhar também é uma virtude do projeto de emancipação que o socialismo implica. De que nos adiantaria uma sociedade democrática, com partidos, eleições, divisão de poderes etc., se no mundo privado, nas empresas e nos sindicatos, nas casas e nas famílias, imperasse a autocracia, a ausência de escuta? A liderança exercida por Zé Rodrigues, na FETAPE em particular, sempre foi a de acolher, respeitar e valorizar as percepções de seus companheiros de luta. Não era, pois, como ocorre em muitos casos, mesmo no campo da esquerda, um “reinado”. Os trinta anos de permanência na FETAPE, quinze como presidente, foram construídos na luta, com cooperação
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permanente daqueles que dividiam a empreitada de transformar a história de violação de direitos dos trabalhadores, em dignidade, respeito e cidadania. Organização, não aquela que se usa para subordinar companheiros e companheiras a uma estrutura burocrática que impõe a vontade das lideranças. Organização para narrar uma história de lutas da qual participam muitos e em que há mortes que a história não pode esquecer; trajetórias que devem ser destacadas e preservadas; dignidade absoluta, mesmo quando, transitoriamente, o opressor vence ao custo da vida daquele que quer sujeitar. Nisso o casal de sindicalistas teve zelo extremo e cuidadoso. Contra a opressão, para sobrepujar o esquecimento, registraram e registram as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, em particular os de Pernambuco. Milhares de fotos, transcrição de depoimentos, congressos e encontros e músicas cantadas para animar a luta. Tudo reunido, não como um compromisso burocrático, mas na expectativa de manter viva a memória de que aquilo que ganham trabalhadores e trabalhadoras não vem de favor algum, de benevolência ou altruísmo. Os direitos e as conquistas são forjados na luta, sem a qual seriam não mais do que aparências. A moderna história sindical demonstra esta verdade: sem que a luta seja pauta do dia a dia, mesmo o que já havia sido conquistado pode ser tomado, em nome de um “desenvolvimento” que convém aos que muito têm, e que o têm cada vez mais. É preciso falar da práxis política para encontrar outras preciosidades nas trajetórias de Zé Rodrigues e Geogina. É no concreto que suas lutas políticas e sindicais se articulam ao amor recíproco e respeito que nutrem um pelo outro. Daqui emerge uma compreensão da questão de gênero que é singular e, de
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certo modo, precoce no sindicalismo brasileiro. Trata-se neste tema de combinar a luta particular das mulheres, enquanto tal, ao enfrentamento das violações de direitos de trabalhadores e trabalhadoras, que atingindo preferencialmente as mulheres, acaba por alcançar a todos. A compreensão aguda de que a superexploração das mulheres era um problema de toda a categoria de trabalhadores e trabalhadoras rurais tornou o tema um universal na luta empreendida por Geogina e Zé Rodrigues. O mais interessante no tratamento que deram à questão de gênero está no fato de que mesmo a sujeição do feminino, praticada em casa, na organização dos casais, foi compreendida em sua dimensão política de tal forma que a proposta sempre foi a de libertar não apenas as mulheres, mas também os homens do machismo, a um só tempo endêmico, ultrapassado e em flagrante oposição aos interesses do conjunto dos trabalhadores. A fé e a prática religiosa consolidam no casal de sindicalistas uma perspectiva de mundo, de que fazem parte a generosidade cristã, ao lado da militância política progressista e o cultivo da família, como valor essencial ao adequado exercício da vida pública. Vida em família que se realiza de forma amorosa, mas também por meio de uma verdadeira pedagogia para a emancipação: filhos habituados, desde cedo, a experimentar a política não apenas como projeto de poder, jogo eleitoral, mas como atividade em que homens e mulheres partilham, de forma desperta e consciente, destinos que são obrigatoriamente comuns. O entusiasmo da boa nova, do evangelho, também ele, pode e deve ser articulado a uma perspectiva de emancipação política. Não se combate desesperança com descrença; não se convence o incrédulo da luta política com niilismo. Os que
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querem transformar o mundo têm que portar uma mensagem de esperança, porque a catástrofe que a ordem perpetra e perpetua já fala por si mesma. Esse falar de esperança encontra em Zé Rodrigues e Geogina, contudo, um acento particular. Sua riqueza está não na complexidade dos diletantes e dos jogos de palavras, mas no bem-querer ao próximo, sem o qual não é possível construir uma mensagem plena em expectativas de emancipação. Talvez tenha sido esse mesmo bem-querer que os aproximou do governador Eduardo Campos. Também ele soube falar com simplicidade que aqueles que almejam justiça “não vão desistir do Brasil”. Zé Rodrigues e Geogina jamais desistiram, mesmo com suas vidas em risco. A leitura deste livro, conforme procurei demonstrar, ainda que brevemente, é um exercício cívico, político, a que convido a todos, convicto de que o Brasil não precisa reproduzir seu passado, cujo fardo mais pesado tem caído sobre os ombros de trabalhadores e trabalhadoras rurais. É preciso que estejamos todos conscientes das injustiças e violências a que eles têm sido historicamente submetidos, para que um outro futuro seja possível. Zé Rodrigues e Geogina nos dão, com suas trajetórias, um exemplo de como pode ser esse outro Brasil.
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agradecimentos
Agradecemos a Deus por ter nos dado a graça de existir e ter vivido com dignidade os nossos 74 e 64 anos de vida, respectivamente, além de poder continuar vivendo juntos no amor. A todos aqueles que contribuíram e estiveram envolvidos nas causas dos trabalhadores (as) rurais. As nossas famílias, principalmente os filhos Jost Paulo, Joelson e Georgia, pela compreensão que tiveram com a nossa ausência junto a eles, em função de atender uma família maior que era a família sindical. Aos amigos de lutas sindicais, que nos ajudaram a enfrentar os momentos mais difíceis na gestão sindical. Sem eles os resultados alcançados não seriam os mesmos. Entre eles, se faz necessário destacar alguns: Luís Romeu da Fonte, José Francisco da Silva, José Augusto de Santana, in memoriam, Euclides Almeida do Nascimento, in memoriam, Fernando Gomes de Melo, Reginaldo Muniz e demais assessores e funcionários. A toda a Diretoria da FETAPE que fez parte da nossa gestão nos períodos mais difíceis da vida sindical e que, no entanto, trabalhou de forma íntegra se tornando um corpo sólido. Aos diretores e diretoras dos sindicatos dos trabalhadores (as) rurais que nos deram todo apoio em todas as ações realizadas nas três regiões do Estado: Mata, Agreste e Sertão, pois foram fundamentais. Aos nossos sindicatos de origem, Bom Jardim e Ouricuri, respectivamente, onde começamos nossas
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atividades sindicais, pelo entrosamento e apoio dos diretores que passaram, e dos que ainda estão, para que assim alcançássemos os resultados desejados e para seguir com a “cabeça erguida” na nossa caminhada. Também não poderíamos deixar de agradecer a pessoas especiais que motivaram o nosso egresso nesta caminhada em Bom Jardim, entre outros, destacamos dois nomes: Severino Rodrigues, irmão e cunhado respectivamente, e José Félix, Dodó, que não só motivou, mas ajudou no início da gestão. E em Ouricuri, destacamos Joaquim Alves de Oliveira e João Barbosa, que sempre estiveram juntos no início da caminhada. A todos que contribuíram e se esforçaram para mudar a sociedade e lutaram por um mundo melhor para nossa categoria, contudo, não se encontram mais no meio de nós, entretanto, ficaram registrados na história do movimento. Aos parceiros que nos deram respaldo para as lutas, tais como: a Igreja Católica, os movimentos populares, os partidos políticos de esquerda, todos eles foram um reforço para alimentar as nossas energias. Agradecimento a Fundação João Mangabeira pela importante colaboração na edição deste livro. Agradecimento especial ao eterno governador de Pernambuco Eduardo Campos, que enquanto viveu nos apoiou e incentivou a seguir em frente e escrever a nossa história. Eduardo Campos que, no auge de seus sonhos de servir ao Brasil, como também era o sonho de muitos brasileiros (as), foi traído com o acidente da queda de avião que lhe tirou a vida, mas nos deixou um legado de esperança. Ao Presidente Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), senhor Carlos Siqueira, pelo carinho e atenção em receber o projeto desse livro e diligenciar no sentido de publicá-lo. Aproveitamos a oportunidade para ressaltar o brilhante papel na condução do PSB desenvolvido por Carlos Siqueira, neste 16
momento tão difícil do nosso Partido, que foi a perda do nosso querido Eduardo Campos. Confirmando a confiança que lhe foi depositada para a condução do Partido. Aos colaboradores (as) diretos na construção do livro, a jornalista Priscila Vieira, que deu os primeiros passos na coleta das entrevistas, realizando a transcrição dos depoimentos constantes nos textos. A Sinoel Batista e Marcelo Peron responsáveis pelos ajustes da revisão, edição e publicação, que com grande empenho e atenção vieram a Pernambuco para compartilhar de nossas experiências e acertar os últimos detalhes desse livro. Assim, com esse conjunto de forças, foi possível tornar realidade o que antes era um sonho deste casal sindicalista, José Rodrigues da Silva e Geogina Delmondes dos Reis e Silva.
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dedicatória
Aos nossos filhos Jost Paulo, Joelson e Georgia. E aos nossos netos Lucas e Marina e aos que ainda estão por vir no futuro. Bem como, aos nossos pais, in memoriam, e nossos irmãos e irmãs que nos acompanharam nesta jornada. Poderíamos nos debruçar na história de vida de pessoas bem próximas que com dignidade, determinação e perseverança souberam superar as dificuldades impostas por um regime antidemocrático. Caminhos longos são cheios de veredas. Em alguns momentos para se chegar onde se quer chegar é preciso inspiração, equilíbrio e orientação sadia. Para seguir a vereda mais perto do local destinado sem temer os riscos e os desafios impostos pelos que têm poder de comando durante uma trajetória de vida. Dedicamos também aos companheiros e companheiras dos vários sindicatos de trabalhadores rurais de Pernambuco, que sempre nos receberam de braços abertos com admiração pela luta e pela firmeza que sempre representamos na direção e na Assessoria de Educação da FETAPE. Às mulheres trabalhadoras rurais, diretoras, delegadas de base e animadoras pela forma com que sempre têm nos acolhido.
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a difícil caminhada: o contexto da militância política e sindical Em um tempo em que o trabalhador do campo era regido pelo patronato, em que se dizia não existir lei ou direitos, começou o trabalho de mudança e organização no meio rural. Aliás, a lei ou o direito, na verdade, eram aqueles que o patrão lhes quisesse atribuir, cobrando cumprimento de tarefas pelo valor de “tanto”. E lá ia o trabalhador realizar a tarefa para receber o “tanto” que no final das contas lhe era um “tico”. O trabalhador rural era obrigado a trabalhar doze horas por dia com um salário de miséria e sem as mínimas condições de segurança, higiene ou descanso. Com o passar dos anos e a experiência de luta diária pesando nos ombros, os trabalhadores rurais do campo, em Pernambuco, começaram a se organizar. Receberam apoio e exemplo de quem já conhecia como era a organização em outros setores da sociedade e, nesse sentido, as áreas do trabalho urbano foram exemplos cruciais. São Paulo, com os militantes do ABC e com os trabalhadores das lavouras, possuía movimentos de cunho sindical consolidados depois da década de 50; o desafio do Movimento Sindical no Nordeste do Brasil foi o trabalho de persuadir os outros trabalhadores (as) rurais a participar do movimento. Euclides Almeida do Nascimento, um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais no Estado de Pernambuco, sempre declarou que o homem e a mulher do campo estavam fadados a viver como escravos e que a luta pela organização começou a apresentar os exemplos de quem já buscava seus direitos para criar uma nova postura dos trabalhadores nordestinos.
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Teve que ser pouco a pouco, porque se o patrão soubesse que alguém estava cogitando organização, eles mandavam dar uma pisa... a missão era criar o sindicato e sindicalizar os trabalhadores do campo. José Paulo - Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Formoso/PE. Aproveitando que todo o engenho possuía uma capela sustentada pelo catolicismo arraigado do senhor de engenho, os trabalhos começaram por meio da Igreja. O intuito era falar acerca dos seus direitos e deveres, direitos do trabalhador e da trabalhadora, mas o discurso era conduzido com base na interpretação do evangelho. Deus fez a parte dele e a gente tinha que fazer a nossa, e a nossa parte era a organização. O trabalhador não escutaria a voz da luta se não fosse através de algo a que ele tinha respeito. A Igreja, como casa de Deus foi um bom lugar para disseminar a ideologia pacífica de busca pelos direitos. Biu da Luz - Severino Francisco da Luz Filho, Assessor da FETAPE. Quem era empregado do serviço de engenho não era livre para se organizar pela luta sindical. Então, as igrejas, as feiras, os encontros de festa e a feijoada eram os pontos de estratégia para organização sindical. A Igreja Católica sempre foi conservadora, mas alguns padres e bispos estavam empenhados em ajudar a orientar os trabalhadores e motivá-los, a exemplo em Pernambuco, Dom Hélder Câmara e os Padres José Edvaldo, José do Patrocínio e Crespo. Todos estes são lembrados hoje como mentores da luta por conscientização do trabalhador. Catequistas foram convocados para dar cursos, para orientar os trabalhadores; as publicações anuais da Campanha 22
da Fraternidade traziam mensagens e reflexões cristãs que incentivavam o comprometimento com as causas que prezavam pelo bem da maioria. A nossa missão onde estávamos, então, era criar o sindicato, mesmo sem entender ainda o que realmente era sindicalismo. Então começávamos pelo evangelho. Padre Edvaldo, da Paróquia localizada no bairro de Casa Forte, Recife/PE. Como exemplo do trabalho de incentivo, havia uma cartilha de conscientização do Movimento de Educação de Base (MEB); e uma destas cartilhas tinha o título “Viver é Lutar”. José Francisco da Silva, um dos que esteve nesta empreitada evangelizadora e que também foi um dos fundadores do Movimento Sindical do trabalhador rural de Pernambuco, aproveitou o título e fez uma adaptação para a realidade do trabalho no campo, enquanto catequizava os trabalhadores. Pedro vive e luta, e como Pedro, deveríamos nos organizar e lutar. Percebia que ao dizer isso, estimulava a organização de associações e, foi nesse momento que começou a se considerar a criação do sindicato organizado pelos próprios trabalhadores. José Francisco da Silva. Expresidente da CONTAG, por 21 anos. Francisco Julião, com as ligas camponesas, era considerado “radical demais, um comunista” (afiação colhida em depoimentos do Amaro Biá, presidente do primeiro sindicato dos trabalhadores rurais fundado em Pernambuco, em Barreiros, Severino Francisco da Luz Filho e Euclides Almeida do Nascimento), a Igreja, então, sempre cobrada pelos donos de engenho para que tivesse uma postura de orientação 23
dos seus trabalhadores a fim de afastá-los das ideias de Julião, tomou uma posição. Em reunião, padres e bispos do nordeste decidiram mergulhar neste trabalho de intervenção pedagógica na realidade do nordeste com enfoque cristão, no incentivo à organização dos trabalhadores de todo o nordeste. Organização para orientar sobre os direitos dos trabalhadores. A caminhada por estas longas veredas foi realizada com a ajuda de carros, caminhões, cavalos e à moda tradicional: a pé. Para divulgar o trabalho e atuar com os compatriotas não foi preciso ser um “doutor”. Foi preciso ser senhor de si, realizar escolhas de seguir o bem comum e ter paciência. Aliás, paciência sempre foi uma palavra chave para todas as relações e norteava os catequistas e os militantes desta causa. Os discursos simples diriam que uma pessoa que trabalha pela dignidade e crescimento das outras, que não são parentes, é um “santo”, um “servo de Deus” e vários outros elogios religiosos. O que ninguém cita, porém, é que o amor pela causa justa e necessária, a militância organizada, a fé no que se acredita ser o certo e a busca por pessoas que pensam da mesma forma é o centro da vontade daqueles que têm a intenção de fazer sempre o bem para o próximo. A grandeza de atos de amor ao próximo pode ser considerada como atitude de quem está nos caminhos indicados por sua fé em Deus. Saber a “hora de falar, a hora de calar, o tempo de agir, o tempo de recuar”; a frase soa bíblica e é a principal bandeira de trabalho de José Rodrigues da Silva. O trabalho de reunir os trabalhadores e trabalhadoras com a finalidade de gerar o interesse pela política trabalhista foi difícil. Principalmente porque custava a integridade física do trabalhador e de sua família, já que se morria ou apanhava por discordar do patrão. Apanhava por deixar de cumprir uma tarefa. Era expulso do engenho por estar se envolvendo com o comunismo. 24
Não ache que ele (Zé Rodrigues) nunca sentiu dor, que nunca teve vida pessoal. Pelo contrário. Casou, teve filhos, perdeu a mãe; cada ano que se passou de sua vida, o tempo não foi menos cruel pelo fato da boa existência e amor ao próximo. Severino Rodrigues (irmão de Zé Rodrigues). Companheiros de trajetórias, como José Francisco da Silva e Israel Crispim Ramos deram a declaração idêntica de que casais engajados na luta sem perder a vida a dois é algo raro de se encontrar. “Difícil mesmo seria conseguir encontrar uma companheira em sintonia com a causa e comprometida com o trabalhador rural”. O sr. Israel, amigo de longas datas disse que não viu em nenhum outro lugar um casal que deu tão certo como o formado por José Rodrigues da Silva e Geogina Delmondes dos Reis e Silva.
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galeria
José Rodrigues da Silva e Geogina Delmondes dos Reis e Silva.
Equipe da EESA (Equipe Educacional do Sertão do Araripe): Geogina, Euclides e Madrinha, em 1975.
José Rodrigues, José Francisco, Dr. Romeu da Fonte e o então governador do estado de Pernambuco, Dr. Miguel Arraes de Alencar, em audiência no Palácio das Princesas - 1987.
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vida pública e a luta pelos direitos políticos e trabalhistas dos trabalhadores rurais José Rodrigues 1940 era um ano de mudanças no Brasil. Há quase 10 anos no poder, Getúlio Vargas estava a alguns meses de assinar o decreto que instituía o salário mínimo no país e, nesse momento único de garantia de direitos para o trabalhador brasileiro, precisamente em 04 de junho, no sítio Melão, no município de Bom Jardim, em Pernambuco, o Brasil recebe José Rodrigues da Silva, filho de trabalhadores rurais, que apresentou uma brilhante história de atuação pelos direitos dos trabalhadores quando assumiu a causa. Ainda pequeno, somente na companhia da mãe, Maria Júlia do Espírito Santo, e dos quatro irmãos, após seu pai abandonar a família, partiu em busca de melhores condições de vida, foi morar no sítio Piabas, no mesmo município. Como de costume no interior do nordeste brasileiro, os sítios não eram propriedades da maioria dos trabalhadores e de suas famílias, geralmente os trabalhadores rurais moravam nas terras onde trabalhavam até o dono da terra permitir ou até terem uma oportunidade melhor de moradia. E, sendo assim, a sua mãe, uma mulher de fibra e de muita coragem, decidiu ir em busca de melhores condições de vida e optou por levar seus filhos com ela para morar mais próximo da cidade, em terras arrendadas no sítio Remendas, onde José Rodrigues ficou por mais tempo, vivendo a maior parte da sua infância e adolescência, até entrar no Movimento Sindical. Foi neste sítio 29
que, com muita vontade de aprender a ler e a escrever passou a contar com a ajuda de uma professora particular, chamada de professora por ser alfabetizada e não por ter formação acadêmica ou profissionalizada. E com o uso da Carta do ABC e de cartilhas educativas, ele e os irmãos puderam dar início aos estudos. Após a conclusão do curso primário na escola pública, mesmo com situação financeira muito difícil, andando de pés descalços e trabalhando em dias de sol quente, não deixou que estes obstáculos atrapalhassem seu objetivo de ter um futuro melhor. A dificuldade de estudar e trabalhar compõe o depoimento de muitos dos trabalhadores rurais daquela época: Desde cedo a gente trabalhava para ajudar no sustento familiar. Crescemos assim, trabalhando e estudando. Com apoio de nossa mãe, que sempre nos ajudou e incentivou. José Rodrigues. Aos 14 anos, a escola pública do município de Bom Jardim, onde ele estudava, não o aceitou mais porque a idade não era compatível com a faixa etária recomendada pelo Ministério da Educação, então, em uma pequena escola particular, começou a estudar a noite e, assim, conseguiu continuar estudando e aprimorando seus conhecimentos. Estudou o curso ginasial, fez o supletivo do colegial e, após isso, começou o curso técnico de contabilidade na cidade de Limoeiro. Somente conseguiu concluir esta jornada pelo conhecimento profissionalizante na cidade do Recife em 1975, em função da nova atividade assumida na direção da FETAPE na capital. O irmão de José Rodrigues, Severino Rodrigues, iniciou primeiro na atividade de organização do trabalhador rural, tendo conduzido e organizado a criação da cooperativa mista de trabalhadores rurais da cidade de Bom Jardim. José Rodrigues da Silva filiou-se ao sindicato de Bom Jardim em 1965 e lá colaborava 30
com o trabalho de desenvolvimento. Por volta de 1968, Zé Rodrigues ainda exercia função direta na agricultura familiar enquanto iniciava o trabalho não remunerado como presidente do Sindicato, sendo eleito por mais dois mandatos até 1975, quando se licenciou por convite da FETAPE para assumir cargo eletivo em Recife na chapa de Nativo Almeida do Nascimento. Depois que entrou no movimento ainda em Bom Jardim, passou a entender as necessidades dos trabalhadores como um todo e a importância do funcionamento do Sindicato. Mudou totalmente a mente sobre o objetivo do Sindicato, pois a atuação sindical dentro do regime militar não refletia em melhorias para os trabalhadores. Ele passou a fazer um trabalho de restaurar e reativar o Sindicato que estava enfraquecido justamente por causa do regime militar iniciado em 1964 no Brasil. A família já estava reduzida a cinco, pois o irmão do meio havia falecido aos 21 anos, devido a problemas decorrentes de uma cirurgia no baço. Os outros irmãos casaram-se e ele e o mais novo ficaram com a mãe. Zé Rodrigues, como já era conhecido no movimento, recebeu o convite para assumir a candidatura da Presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Bom Jardim, contando com o apoio dos associados e o apelo de vários amigos. Seu irmão já fazia parte da luta no trabalho de cooperativa, com muito empenho e organização, e Zé Rodrigues, à medida em que foi trabalhando para diminuir o sofrimento dos trabalhadores rurais, via sua força e dedicação pelo movimento aumentarem. A intenção era transformar o ânimo disperso dos trabalhadores, trazer foco para novas realizações e tentar fazer de lutas simples, experiências que serviriam para o amadurecimento do movimento. Distante do discurso pronto de quem teve sucesso na vida, ter objetivos, metas a curto e longo prazos, empenho e compromisso são mais naturais do que se pensa na vida de 31
Zé Rodrigues. O simples amor por uma causa trouxe estes elementos do sucesso na bagagem. E assim aconteceu. Com dedicação foi possível alavancar e dar continuidade ao trabalho de quem já, há muitos anos, estava envolvido com a causa. Compadre Euclides Almeida, José Francisco, Agápito, Beija-Flor entre outros homens que já estavam envolvidos no Movimento Sindical em outros municípios e na capital. E o Sindicato de Bom Jardim seguiu os passos destes exemplos de luta. Zé Rodrigues conquistava crescimento em sua carreira por meio de cargos e postura de liderança sindical. Sua boa atuação como líder do Sindicato o fez ser convidado para ser membro do Conselho Fiscal da Diretoria da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (FETAPE). Em seguida foi eleito para a Tesouraria, mas devido ao falecimento do companheiro José Pedro, o então secretário geral, assumiu a Secretaria Geral da Federação no mandato iniciado em 1975 e terminado em 1978, tendo Nativo Almeida como presidente e Agapito Francisco dos Santos como tesoureiro no lugar de Zé Rodrigues. Nesse momento, Zé Rodrigues trabalhava em Recife, mas ainda morava em Bom Jardim, a uma distância de 110 km do seu local de trabalho, retornando para casa apenas nos fins de semana. Pouco a pouco em razão da atividade sindical dentro de todos os municípios do Estado de Pernambuco, pareceu mais prático centralizar sua residência no Recife e em 1978 mudouse para a capital. Toda a semana era preciso acompanhar os trabalhos dos sindicatos em formação, levar informações e ajudar no preparo das lideranças sindicais em todas as regiões do Estado (Sertão, Agreste e Zona da Mata). Era primordial organizar a fundação de sindicatos, ajudar nos processos eleitorais e escutar as questões levantadas pelos trabalhadores quanto à política agrícola, agrária, salarial e sobre como 32
conseguir a previdência social, bem como tentar resolver os problemas enfrentados no dia a dia. Em virtude das diferenças sazonais e culturais em cada região do Estado de Pernambuco, havia situações peculiares em cada uma, pois era preciso considerar as culturas agrícolas de cada região e qual seria a melhor forma de organizar os trabalhadores para defender-se das injustiças praticadas contra eles. Em 1978, companheiros de luta começaram a insistir que Zé Rodrigues encabeçasse uma chapa para concorrer à Presidência da FETAPE, pois não estavam mais satisfeitos com a gestão que conduzia a Instituição e, por Zé Rodrigues ser tão próximo dos sindicatos, por sempre ouvir suas necessidades e se mobilizar para solucioná-las, era a pessoa ideal para o cargo. Zé Rodrigues de início não concordava com a ideia de se tornar presidente naquele momento, porém à medida em que os sindicatos começaram a se mostrar favoráveis à sua candidatura, ele concordou com o pedido e apresentou-se à Presidência da FETAPE, com uma chapa composta por um grupo de companheiros, representando todas as regiões do Estado. Os membros efetivos da chapa foram José Rodrigues da Silva como presidente, representando o Agreste; José Francisco da Silva, vice-presidente, representando a Zona da Mata; Armando Gonçalves Ferreira, 1º secretário, representando a Região Metropolitana do Recife, Antônio Marques dos Santos, 2º secretário, representando o Sertão; e José Francisco da Costa como tesoureiro, representando o Agreste. E ganhou em uma das eleições mais concorridas da história da Entidade, disputada voto a voto, onde cada sindicato do Estado tinha direito a um voto. Após apuração das cédulas eleitorais secretas dos sindicatos constatou-se que, com apenas três votos de diferença, a chapa de Zé Rodrigues estava eleita para dirigir a FETAPE. Na contagem eleitoral foram realmente os três últimos votos que deram a vitória da chapa de José Rodrigues. 33
No dia da posse, receberam um Mandato de Segurança expedido pela justiça; uma liminar que suspendia a posse, pois a alegação de fraude fora feita pela chapa perdedora. Eles denunciavam que alguns sindicatos votantes tiveram que recorrer a empréstimos para quitar sua contribuição obrigatória com a FETAPE, a fim de ter o direito de voto. Estavam já arrumados na sede para a posse e, após receberem a notícia, foram à recepção preparada para a comemoração na tentativa de justificar e acalmar os companheiros e os sindicatos lá presentes. O processo em que recorriam da decisão tomou 45 dias para ser julgado. O próprio juiz que havia concedido a liminar, a suspendeu por entender que não havia nada de fraudulento no processo eleitoral, contrariando o que foi alegado pela chapa perdedora. Mesmo antes de o Juiz suspender a liminar, Romildo Alves Leite, Delegado do Trabalho, havia ido a Brasília, na sede do Ministério do Trabalho, em mais uma tentativa para suspender a posse, pois recebeu a notícia da provável autorização da posse com muita turbulência, já que tachavam os membros da chapa encabeçada por Zé Rodrigues como pessoas “subversivas”. A luta agora não era mais jurídica, mas administrativa. Para resolver o caso, uma delegação de sindicatos de Pernambuco saiu, com o apoio da direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), tendo à frente José Francisco da Silva e com o apoio da assessoria jurídica da FETAPE, para apresentar ao Ministério do Trabalho em Brasília o apoio à posse da chapa de Zé Rodrigues. Eles pediam que a situação fosse logo resolvida, pois consideravam a eleição legal e as delegações de sindicatos estavam indo para Recife para empossar a nova Diretoria. O Ministério do Trabalho pediu paciência e enviou um representante a Pernambuco para investigar a situação. 34
Após o representante do Ministério do Trabalho ouvir os sindicatos que assinaram a impugnação do processo que correu no Tribunal de Justiça de Pernambuco e de analisar a questão, retornou a Brasília e, no dia seguinte, mandou uma correspondência autorizando a posse, tendo também, por telefone, confiado a liberação para o delegado do trabalho e para a FETAPE. Zé Rodrigues assume a Presidência da FETAPE e a posse foi, enfim, realizada em 06 de Setembro de 1978 (aproximadamente três meses após a data prevista pelo calendário de eleições). Venceram essa batalha, mas muitas outras estavam por vir.
A FETAPE Como presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), Zé Rodrigues atuou na presidência por cinco mandatos consecutivos, de 1978 a 1993. Zé Rodrigues coordenou o processo de retomada da luta dos canavieiros em conjunto com Zé Francisco, presidente da CONTAG, trazendo de volta as campanhas salariais e as greves em busca de melhores condições de trabalho na região canavieira. Organizou as equipes de assessoria da FETAPE, promovendo a integração na coordenação dos trabalhos. A ideia era articular a sede da federação com as regiões do Agreste, Mata e Sertão. As assessorias trabalhavam de modo integrado, preparando cursos de formação, seminários de integração política e aprofundamento jurídico, a fim de manter a unidade de pensamento e atuação do Movimento Sindical. O Jurídico da FETAPE contava com os drs. Romeu da Fonte, José Augusto de Santana e Fernando Gomes de Melo, e, além da função de defender os interesses da Federação (o que significava defender os interesses do trabalhador rural), de 35
manter o compromisso de promover a integração com os outros advogados do Movimento Sindical, atuava em todas as regiões do Estado, articulando o contato direto e realizando encontros específicos, que davam as coordenadas de defesa e atuação a favor do trabalhador. Esta sintonia também foram implementadas pela Diretoria da FETAPE, sob comando de Zé Rodrigues, as assessorias de Educação, com Euclides Almeida do Nascimento; Formação Sindical, com Severino da Luz Filho; Assessoria Econômica e Política, com Reginaldo Muniz, além dos demais departamentos criados na FETAPE, como o contábil, pessoal e sindical. Tudo isso para integrar e fortalecer as ações do conjunto do Movimento Sindical, todos com o mesmo propósito de qualificar a luta por melhores condições de vida do homem e da mulher no campo. Após assumir a Federação, permaneceu na Presidência por mais quatro eleições consecutivas, sendo eleito com chapa única, por não haver disputa ou divergências sobre a sua atuação. Os outros membros efetivos da Diretoria também foram fundamentais para o melhor desempenho do Movimento Sindical. De 1981 a 1984, a Diretoria de Zé Rodrigues contou com Amaro Francisco da Siva (Amaro Biá) como vice; Antônio Marques dos Santos como 1º secretário; e José Francisco da Costa como tesoureiro. De 1984 a 1987, José Francisco da Silva, como vice; Amaro Francisco da Siva (Amaro Biá) como 1º secretário; Antônio Marques dos Santos como 2º secretário; e José Francisco da Costa como tesoureiro. No seu mandato, ele também democratizou o processo eleitoral da FETAPE, realizando as eleições internas da Diretoria durante os congressos da categoria, inserindo, dessa forma, os trabalhadores e dirigentes sindicais de base no processo eleitoral, sendo a FETAPE em 1987, a 1ª Federação de trabalhadores rurais do Brasil a realizar eleições de diretoria em congresso. 36
Esta primeira eleição, realizada em congresso, precisou ser formalizada ainda no estilo anterior, para cumprir as previsões do dispositivo legal do estatuto, que era regido pela Constituição vigente e regulado pelas normas e portarias do Ministério do Trabalho ‒ se adotado procedimento diverso deste, a eleição poderia ser anulada. A Diretoria efetiva que assumiu, ainda de 1987 a 1990, contava com José Francisco da Costa, vice; Severino Domingos de Lima, secretário; Antônio Marques dos Santos, 1º secretário; Israel Crispim Ramos, 2º secretário; José Paulo de Assis, 1º tesoureiro; e Sebastião José Barbosa da Silva, 2º tesoureiro. No ano seguinte, com a nova Carta Magna, os movimentos sindicais ficaram desatrelados do governo, por meio do Ministério do Trabalho e então houve alteração do Estatuto da FETAPE para validar a eleição por meio de Congresso, no qual os eleitores passaram a ser considerados de acordo o número de associados dos sindicatos, podendo um sindicato enviar de 5 a 18 trabalhadores (delegados), cada um com direito de voto. Além de outras modificações, foi criada a Comissão Eleitoral que, por meio de Assembleia, organizava a eleição. Tudo com a iniciativa de democratizar o processo eleitoral, o que passou a valer na eleição seguinte. De 03 a 05 de Agosto de 1990, foi realizado o Segundo Congresso para eleição da Diretoria da FETAPE e, ainda sem chapa concorrente, Zé Rodrigues foi eleito presidente e contou com Pedro Luiz de Assunção, vice; Manoel José dos Santos, secretário geral; Israel Crispim Ramos, 1º secretário; João Leonel da Silva, 2º secretário; Antônio Marques dos Santos, 1º tesoureiro e Sebastião José Barbosa, 2º tesoureiro. Sua atuação foi apenas alvo de elogios. Após deixar a Presidência da FETAPE em 1993, Zé Rodrigues assumiu a Diretoria de Política Salarial e fez parte das chapas eleitas até 2006. De 2010 a 2014, foi eleito para a Coordenação da Terceira Idade, na qual permaneceu até o dia 06 de Setembro de 2014. 37
Acompanho a trajetória de Zé Rodrigues enquanto liderança sindical desde 75, quando foi eleito conselheiro fiscal da Diretoria da FETAPE e em seguida assumiu a Secretaria Geral da FETAPE após o falecimento do companheiro José Pedro o então secretário geral. Em 1978, foi eleito presidente da FETAPE numa disputa acirrada onde venceu por três votos, sendo reeleito por mais quatro mandados de presidente e exerceu outras funções como Diretor de Assalariado e atualmente Coordenador da Terceira Idade. Foi Juiz Classista por dois mandatos consecutivos e agora é suplente de senador da República, mas continua sendo o homem simples e ficha limpa. Dedicado à família, amigos e, acima de tudo, um líder que nem tenho palavras para classificálo, sempre fiel aos princípios do Movimento Sindical, um grande companheiro de luta. Maria do Carmo (Madrinha).
Processo injusto Em 1985, Zé Rodrigues sofreu um processo e foi condenado a três anos de prisão por denunciar a diretoria de uma empresa, uma usina de açúcar (usineiros estes que disputavam terras com posseiros). Zé Rodrigues disse publicamente que o dono da grande usina havia mandado assassinar trabalhadores em Condado. Em seu texto o dono e o gestor da usina foram responsabilizados pelos crimes e, seus capangas, que executaram os crimes, foram presos por alguns dias com base nesta denúncia. O delegado especial designado para apurar o inquérito concluiu que os cinco acusados eram todos funcionários da usina. Eles foram reconhecidos como os atiradores dos trabalhadores 38
José Soares da Silva Filho e Genival Martins da Silva, tendo o primeiro falecido em decorrência dos ferimentos à bala. O Juiz e o Promotor não aceitaram o pedido do Inquérito Policial que pedia a prisão preventiva dos cinco arrolados. A investigação foi relaxada e os acusados soltos. O dito “mandante” na nota oficial da FETAPE, em Fevereiro de 1988, reverteu a situação e entrou na justiça para processar José Rodrigues por calúnia e difamação. Passou a exigir sua retratação, alegando falta de provas e como Zé Rodrigues não se retratou, o processo contra ele seguiu adiante. No engenho onde o trabalhador foi assassinado, trabalhavam e moravam 62 famílias já há muitos anos como posseiros. Para os trabalhadores que ali viviam, o engenho Patrimônio era da Diocese de Nazaré da Mata. Com o passar do tempo, a usina conseguiu fazer o registro em nome de sua propriedade por meio de penhora, cobrança de dívidas e hipoteca de alguns posseiros, que plantavam cana e a forneciam para a usina. Desta forma, os posseiros perderam seus direitos no imóvel e a usina quis a desocupação dos trabalhadores de toda a área do engenho. Eles passaram a receber ameaças para retirada de suas famílias das terras. Com a resistência dos trabalhadores ocorreram os conflitos que culminaram no incidente em que o trabalhador rural faleceu. O conflito terminou somente no segundo mandato do Governo de Miguel Arraes nos anos 90, em que foi negociado com a usina uma parte do engenho para realocar os trabalhadores. Durante o processo, Zé Rodrigues contou com o apoio de várias entidades de direitos humanos e movimentos sindicais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Também recebeu pronunciamento favorável da OAB, que versava sobre a violência no campo e o apoio internacional do Comitê de Solidariedade de Trabalhadores do Mundo Açucareiro. Todos estavam colaborando. A intenção era fazer 39
pressão contra a condenação injusta de Zé Rodrigues e, para isso, vários telegramas foram enviados, solicitando que ele fosse inocentado das acusações, alegando que o processo que ele estava respondendo era indevido. Para sua defesa, Zé Rodrigues contou com advogados da FETAPE. Fernando Melo foi o advogado que o defendeu na primeira instância do processo. Depois foi necessário contratar um advogado criminalista para recorrer da sentença, pois dr. Fernando Melo estava fora do Estado quando foi proferida a decisão do juiz, que condenava Zé Rodrigues à prisão. Para levantar fundos e conseguir pagar o advogado criminalista de Zé Rodrigues, a união dos que acreditavam na sua inocência foi fundamental. Zé Rodrigues pediu ajuda a José Francisco da Silva, o então presidente da CONTAG que organizou uma cota, contando com a colaboração dos demais diretores, de funcionários e de trabalhadores para levantar o valor necessário e assim conseguir pagar o advogado. Com o advogado contratado e com a pressão dos sindicatos e de vários movimentos sociais brasileiros e internacionais, o desembargador responsável pelo caso pediu arquivamento do processo. A solidariedade através de atos e passeatas do Movimento Sindical esteve presente no decorrer de todo o processo.
Chapéu de Palha Com a articulação de mais de cinco mil trabalhadores em frente ao palácio do governo, mobilizaram perante Miguel Arraes propostas de diversificação de plantio da Zona da Mata e um programa de assistência para o trabalhador no período entressafras, para amenizar a fome das famílias no período de seca. O governador acolheu os pedidos dos trabalhadores, tratando o assunto de modo emergencial e criou um programa de 40
apoio ao trabalhador do campo, que se batizou de Chapéu de Palha, ação de governo que perdurou por todo o seu mandato. Enquanto presidente da FETAPE José Rodrigues acompanhou a implementação do Programa e a consequente melhoria das condições das famílias dos trabalhadores rurais, no período entressafras.
Diretoria de Política Salarial Quando assume a Diretoria de Política Salarial em 1996, José Rodrigues encontra desafios já conhecidos em sua experiência como presidente da Federação. Negociações, congressos, reuniões de pauta com governantes e imprensa, cautela, bom senso, firmeza e, sobretudo, o interesse em suprir as necessidades do trabalhador e da trabalhadora rural, dando continuidade às ações já desenvolvidas com os dirigentes sindicais do setor canavieiro desde 1978, quando assumiu a presidência da FETAPE e, posteriormente, com os assalariados da fruticultura . Como diretor de política salarial, tudo o que envolvia ganhos dos trabalhadores por meio de programas de incentivo e ajuda do Governo ou pleito de campanha salarial estava sob seu o olhar atento. As Convenções Coletivas Estaduais de Trabalho (CCT), que ano a ano garantem direitos e revisão contínua destes, foram acompanhadas por Zé Rodrigues desde sua gestão como presidente da FETAPE e a cada ano as vitórias dos trabalhadores são enxergadas como fruto do trabalho coletivo, coordenado com empenho e dedicação. Zé Rodrigues apresentou propostas de projetos e programas de benefício e apoio ao trabalhador rural. Em 2002, por exemplo, foi reapresentada à Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco uma proposta de combate à falta de trabalho no período entressafra da cana-de-açúcar, com três sugestões que pudessem minimizar o desemprego e reestruturar a Zona da Mata. O conhecido Programa Chapéu de Palha, criado e aplicado durante o 41
segundo Governo de Miguel Arraes estava parado e chegou a ser extinto no Governo de Jarbas Vasconcelos. A importância deste Programa emergencial para o trabalhador da Zona da Mata era a garantia do sustento em períodos sem geração de renda, já que as usinas dispensavam mais de 50% dos trabalhadores em virtude do fim da moagem da cana-de-açúcar. A proposta de Zé Rodrigues era a continuação deste Programa ainda no plano emergencial e as outras duas propostas foram a diversificação da monocultura da cana-de-açúcar implantada na Zona da Mata e a descentralização de terras por meio da Reforma Agrária para possibilitar a implantação de novas culturas de plantio. O Plano Emergencial, Programa Chapéu de Palha, foi reeditado para complementar o Bolsa Família, gerando uma renda de até meio salário mínimo para o trabalhador. Este Programa foi novamente implementado no governo de Eduardo Henrique Accioly Campos em 2006, ampliando sua abrangência para os trabalhadores da fruticultura do vale do São Francisco. Este Programa de governo foi encaminhado como projeto para a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, que o aprovou e passou a garantir este direito como Lei para todos os trabalhadores rurais assalariados. Para José Rodrigues, a luta é permanente, pois muitos temas da luta dos trabalhadores são recorrentes e precisam sempre ser tratados, atualizando propostas conforme a realidade vigente. Ano a ano, as campanhas salariais em sua diretoria apresentavam várias conquistas. Em Outubro de 2008, Zé Rodrigues listou várias vitórias importantes, incluindo benefícios para o trabalhador safrista e principalmente para a prevenção contra a violência que lacerava o trabalhador e sua família: Tivemos a proibição do trabalho terceirizado no setor da cana; o trabalhador safrista deixou de ser demitido pela empresa no período de benefício 42
e, a outra grande conquista que conseguimos, foi proibir que qualquer empregado dos engenhos andasse armado, seja feitor ou vigia do campo. A partir daquele momento as usinas tiveram que comunicar aos sindicatos a relação de vigilantes que portam armas ou indicar qual a empresa terceirizada de vigilância. José Rodrigues. Uma vitória alcançada depois de tantas denúncias na década de 80, as quais envolviam mandantes de crimes, assassinatos e espancamentos, que culminaram na publicação do Açúcar com Gosto de Sangue.
Atuação na Terceira Idade Zé Rodrigues assumiu a coordenadoria da terceira idade na FETAPE no ano de 2010 e passou a fazer parte da Diretoria Executiva da Federação, coordenando atividades e lutando por uma previdência social justa e digna, que pudesse suprir as necessidades dos trabalhadores. Desde então, apresenta aos idosos os seus direitos em palestras, capacitações e seminários sobre a terceira idade. Promove visitas frequentes aos sindicatos dos municípios de Pernambuco, pois aprendeu que manter-se perto e conhecendo a atuação do movimento em cada cidade é uma forma de inibir processos de aposentadoria fraudulentos e fazer face a pessoas não comprometidas com a causa, que costumam promover disputas internas que prejudicam o andamento das ações em prol dos trabalhadores. A intenção do trabalho de Zé Rodrigues está resumida no conceito da missão do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) de “reconhecer, valorizar e defender mulheres e homens do campo, em todas as fases 43
da vida. Com o objetivo de ampliar e qualificar a participação da pessoa idosa, na luta pelo fim dos preconceitos, da violência e em busca de cidadania plena”. E para cumprir os objetivos de atuação, contou sempre com a parceria da Secretaria de Trabalhadores e Trabalhadoras da Terceira Idade da CONTAG e com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, o SENAR. O discurso de Zé Rodrigues, enquanto representante da terceira idade na FETAPE pretende, segundo suas próprias palavras, “firmar o compromisso de que os municípios realizem encontros e outras atividades voltadas para esse público” com o objetivo de apresentar as políticas públicas e programas do governo para as pessoas idosas, oportunizando um momento de debate que amplie a divulgação e o acesso destas pessoas a esses direitos. Direitos expressos na Política Nacional da Pessoa Idosa. Zé Rodrigues orienta os sindicatos para que se responsabilizem pela informação ao trabalhador e trabalhadora rural. “Nós queremos que os sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais também possam realizar o mesmo debate em seus municípios, para que haja uma mobilização maior nas bases. Os sindicatos precisam garantir, efetivamente, que essas políticas cheguem para os idosos e idosas rurais”. Políticas como o “Olhar Brasil”, que deu suporte gratuito aos idosos, possibilitando consultas oftalmológicas e aquisição de óculos de grau. Em 2013, no terceiro ano do mandato da Coordenação da Terceira Idade realizamos cinco encontros regionais contemplando todas as regiões do Estado de Pernambuco (Zona da Mata, Agreste e Sertão), realizamos encontro estadual para avaliar todo o trabalho feito durante o ano e programar as atividades do ano seguinte. Acompanhamos mais de trinta municípios em seus encontros municipais que explicavam aos trabalhadores a doutrina dos direitos
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da pessoa idosa também através de palestras sobre a proteção à saúde e proporcionava momentos de lazer. Nestes eventos realizados durante o ano nós tivemos participação direta de mais de cento e cinquenta sindicatos de trabalhadores rurais, com um público de mais de dois mil e quinhentos trabalhadores da terceira idade. Um momento muito importante e emocionante, pois em cada um destes encontros os participantes se manifestavam de forma avaliativa muito positiva e sempre cobrando a realização de outros eventos e mais constantes. Na nossa coordenação foi criado em cada polo sindical um coletivo da terceira idade, este coletivo tem o objetivo de articular na sua região os eventos municipais e servir como ponto de contato com a coordenação estadual. Foram criados nos dez polos sindicais da FETAPE e, durante os eventos nacionais anuais de troca de experiência de trabalho, estes membros de coletivos também fazem parte da delegação que vai a Brasília discutir assuntos da terceira idade e adequar seus calendários de trabalho às programações de nível nacional. Sua marca principal sempre foi o compromisso com o bem-estar, a dignidade e o respeito aos interesses da categoria que representa, o que faz dele um fiel zelador da boa prática sindical, como foi apontado em homenagem durante a comemoração dos 50 anos da FETAPE.
Diretoria da CTB-PE A importância desse ato de posse foi o significado de conseguirmos manter a mesma articulação 45
para a Diretoria e com toda a equipe, para prosseguir no trabalho de unidade, unificando os sindicatos rurais e urbanos no estado para a CTB crescer em Pernambuco com muita união e muito trabalho. Zé Rodrigues, no discurso de posse como diretor, CTB/PE, 2013. Como presidente eleito da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) em Pernambuco, em 2013, Zé Rodrigues defende também a continuidade dos trabalhos das centrais sindicais, mantendo uniformidade na luta pelos interesses da classe trabalhadora. A busca pela mais ampla unidade da classe trabalhadora faz parte do processo de tornar o trabalho de militância e de pressão política uma força no âmbito nacional e não somente regional. A CTB como uma central plural, por ter mais de um partido político ligado a ela, e classista, com sindicatos únicos por categoria, tem como objetivo defender a unidade de luta dos trabalhadores nos seus sindicatos representando as suas categorias e ampliando o debate com as demais centrais de trabalhadores nas propostas de defesa e interesse dos trabalhadores brasileiros. Os pontos que unem a CTB com as demais centrais sindicais são pleiteados em conjunto perante o Governo Federal, como a Reforma Agrária, a realização de concursos públicos em vez da terceirização de serviços, a redução das 40h de trabalho sem redução de salário, a questão da alteração dos critérios do fator previdenciário para favorecer os aposentados que recebem mais de um salário mínimo e que perdem em média 30% do valor da aposentadoria, não tendo um benefício que acompanhe o reajuste da inflação anual, fazendo com que o trabalhador aposentado, regido pela CLT quando ativo, tenha menos poder de compra a cada ano em virtude das altas 46
dos preços tornando-o cada vez mais pobre. Assim tem sido a bandeira de luta da CTB, ou seja, combater estes tipos de injustiças que são impostas aos trabalhadores brasileiros. Sindicalistas com diversificação de partidos e ideologias ajudam a compor a Diretoria Executiva da CTB, o Conselho Fiscal e um pleno que somam um total de 48 participantes responsáveis por dar andamento às atividades e à programação da central.
Suplente de senador pelo PSB Houve uma reunião para a escolha da chapa majoritária do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e dos partidos coligados no Estado de Pernambuco. Esta plenária contou com a coordenação do presidente nacional do PSB, o então governador do Estado de Pernambuco, Eduardo Henrique Accioly Campos. Na preparação da chapa para a escolha dos deputados e senadores em 2010, faltava indicar o nome dos suplentes e o PSB indicou José Rodrigues da Silva para compor a suplência na candidatura ao senado de Armando Monteiro, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A indicação do nome foi recebida com aplausos. O amigo Aluísio Lessa, membro da executiva do PSB, já havia falado para o casal sindicalista que haveria uma “grande surpresa” naquela noite, e a indicação honrosa do nome de Zé Rodrigues foi mais do que uma surpresa, segundo Geogina, foi um reconhecimento do trabalho militante e firme defendendo os propósitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O PSB fazia parte da Frente Popular e era um dos principais partidos, pois tinha uma indicação a governador apoiada por uma coligação de partidos que unia candidatos das principais bandeiras partidárias com candidaturas divididas proporcionalmente.
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Quando saiu a indicação do meu nome em um jornal de grande circulação, estávamos fazendo parte de um ato, quando um jornalista que acompanhou minha trajetória veio me perguntar por quê eu estava na suplência de Armando Monteiro e não na de Humberto Costa, o outro candidato pela Frente Popular. Respondi o seguinte, sou do PSB há 20 anos e na hora que recebi a notícia do meu Partido, dizendo que estava sendo indicado para ser suplente de Armando Monteiro, eu considerei a posição de confiança que o Partido me deu, por ter me indicado, e aceitei. Primeiro porque o grupo, a coligação dos partidos, iria reforçar o Governo de Eduardo Campos e segundo porque era importante conseguir que os dois senadores indicados fossem eleitos ao seu lado para fortalecer sua administração no Governo do Estado e ter uma gestão forte. Este foi o princípio de ter aceito participar da chapa majoritária do senador. O casal sabe que a escolha do nome de Zé Rodrigues, aprovada por unanimidade dos dezessete partidos da Frente Popular em 2010, é uma responsabilidade. A representatividade política foi apresentada em panfletos do Partido no período anterior à eleição.
Incentivo a sindicatos e companheiros Como articulador para o desenvolvimento do Movimento Sindical, Zé Rodrigues faz parte da Executiva Estadual do PSB, mas independente de política, seu compromisso com os sindicatos do interior é específico. Como cada sindicato tem suas próprias necessidades, o suporte dado por Zé Rodrigues vai além de qualquer função política da FETAPE ou do PSB. 48
Embora estabeleça metas de atuação dentro do trabalho como coordenador da Terceira Idade, sua orientação e estímulo vai além das palestras e do acompanhamento. Sua presença é reconhecida e considerada importante por cada sindicato. Sempre que temos algo importante a dizer no sindicato convidamos os amigos Zé Rodrigues e Geogina para participarem também. Eles são muito respeitados pelos trabalhadores que conhecem seu trabalho e empenho. Severina (Bibiu), Diretora do Sindicato de Camocim de São Félix. O Movimento Sindical e seu crescimento dependem da força de vontade, de não ceder ao comodismo de somente se apoiar em parcerias do Governo e de perceber que as conquistas de hoje serão refletidas nos trabalhadores do amanhã. A cada ano, a luta pelo controle da jornada de trabalho sempre está presente nas cobranças das convenções coletivas, o que prova que é preciso um zelo constante para reivindicar este direito dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais. Além de comparecer aos sindicatos do interior do Estado de Pernambuco, Zé Rodrigues também acompanha comitivas até Brasília. Nestas viagens, participa de congressos, plenárias e eventos cujo compromisso é cuidar que a representação dos trabalhadores rurais esteja presente e atuante, com propostas e voz ativa na definição de escolhas e de votações. Suas visitas a outros países para participar de eventos internacionais também marcaram sua jornada de aprimoramento e em muito contribuíram para o trabalho de orientação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Participou de conferências e seminários de estudo apresentando o trabalho sindical com o trabalhador da cana no Brasil em Trinidad e Tobago, Nicarágua e México. Havia sido criado no 49
Canadá uma organização chamada Comitê para Coordenação da Solidariedade entre os Trabalhadores Açucareiros do Mundo (CCSTAM), mantida com recursos de entidades em todo o mundo, a qual organizava estes encontros. A FETAPE, na época, era representante deste Comitê da CCSTAM no Brasil. Nos anos 80 fui convidado junto com o assessor Reginaldo Muniz para participar de um Seminário na Cidade do México onde vários países do mundo estariam presentes. Ao chegar na Cidade do México, solicitamos a Efigênia, uma companheira que era articuladora de movimentos sociais no Recife, que nos desse apoio da sua irmã, Conceição, que era brasileira e morava naquela cidade. Foi através dela que conseguimos um guia para nos levar ao local do Seminário, da realização do evento, um local um pouco distante, numa distância de mais ou menos 50 km da Cidade do México em uma congregação religiosa. Seguimos de ônibus e quando descemos na estrada já era noite. O guia foi pedir informação aos moradores da região para saber o caminho de chegar e, por ser à noite e ser no interior, as casas já estavam fechadas e os moradores recolhidos. Eu e Reginaldo estávamos com malas pesadas na mão seguindo o guia, no entanto, depois de várias tentativas batendo nas portas e tendo somente silêncio em resposta, o guia bateu em uma casa humilde e ao ter uma breve resposta falou: senhora, estou aqui com o Padre José Rodrigues e o Bispo Reginaldo e estamos procurando a congregação religiosa do Padre fulano de tal e não estamos acertando o caminho. Neste momento a senhora abriu a porta com um candeeiro na mão, disse 50
que ia nos ensinar o caminho e saiu à frente nos levando até a porta do Seminário por um caminho de mais de um quilômetro. Depois retornou sozinha após prestar o serviço de ajuda ao “Padre” José Rodrigues e ao “Bispo” Reginaldo Muniz. Somente assim, conseguimos ajuda para chegar ao Seminário, em virtude da religiosidade daquela senhora, pois, como em qualquer lugar do interior, as pessoas tinham medo de abrir a porta para desconhecidos à noite. José Rodrigues. Em Pernambuco, o apoio aos delegados sindicais e a todos os demais companheiros de luta não foi fácil. Reivindicar direitos trabalhistas era o mesmo que assinar sentença de morte. Famílias inteiras foram queimadas dentro dos canaviais, homens foram assassinados, mulheres e crianças humilhadas foram surradas e tiveram suas casas destelhadas. Inúmeros são os folhetos, livros e cartas de denúncia produzidas durante as primeiras décadas em que se tentava organizar o movimento. José Rodrigues participou e participa da inclusão do trabalhador do campo desde o regime militar. Pouco a pouco foi ganhando espaço e reconhecimento para assumir cargos de liderança e articulação. Sua bondade, sabedoria e firmeza são reconhecidos por todos os que fizeram parte da história de luta sindical. E, por isso, recebe reconhecimento de sua atuação na FETAPE e fora dela. Ele contou com pessoas que já estavam engajadas e contribuíam muito para que sua voz tivesse alguma força. Na cidade de Santa Filomena, Maria de Lourdes dos Humildes falou um pouco sobre como foi o início da sindicalização dos trabalhadores rurais:
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Nasci em 1954 em Santa Filomena. Sou trabalhadora rural desde a infância e meu pai, Raimundo Honório Coelho, foi um dos primeiros sindicalistas fundadores do sindicato da cidade na década de 80. Lembro-me bem que os trabalhadores quando se encontravam para conversar sobre a fundação do sindicato, diziam que a reunião era de comunista, que tinham medo de continuar e mais, que o dinheiro da aposentadoria, pra quem estava lutando por ela, era da besta fera. Nesta época, pai já falava do trabalho do Zé Rodrigues e orientava os amigos na tentativa de mudar a postura dos trabalhadores diante de seus direitos. O incentivo para os trabalhadores mudarem esta visão acomodada e às vezes religiosa sobre os seus direitos era passado de um para o outro. O importante era lutar para que a liderança dos sindicatos estivesse sempre nas mãos dos próprios trabalhadores rurais e não de pelegos. Zé Paulo, da cidade de Rio Formoso, no litoral sul de Pernambuco, lembra como era difícil fazer o sindicato funcionar sem ter uma diretoria cúmplice do patrão: Por muitas vezes a gente fazia reuniões separadas de outros sindicatos da Zona da Mata Sul. Existiam muitos pelegos, gente que escutava o que a gente estava planejando pra correr pro patrão e contar. Sempre foi difícil ser sindicalista por causa disso, o movimento tinha muita gente que queria fazer da luta um trampolim pra ganhar confiança do patrão e receber mais ou trabalhar menos. Por outro lado, isso nos dava mais empenho de trabalhar em prol de todos. Porque o líder sindical 52
que não era militante via que o direito que ele ganhava com o patrão por ter contado era um direito que cabia a todos quando conseguíamos os benefícios que a gente pedia pra todos. José Paulo de Assis (Zé Paulo). O companheiro Zé Paulo, como é conhecido, lembra que nesta busca por direitos e valorização do trabalhador do campo, a formação sindical do trabalhador ou trabalhadora era crucial para que eles pudessem entender suas necessidades e acreditar na possibilidade de conquistar visibilidade social. Dona Edileuza afirmou que para o crescimento do movimento foi preciso muita perseverança e compromisso e via isso no companheiro Zé Rodrigues. A serenidade e a firmeza de Zé fez muita diferença em momentos de tensão e greve. Ela conta como era e como passou a ser a relação com o patrão depois de tanta luta e movimentos de paralisação: Quando a gente tinha movimento de greve e a gente ligava para o Zé, eles (Zé e Geogina) não se abusam de vir. Aí pronto, 4 horas da manhã a gente combinava que ia tá se preparando pra começar o movimento e também, 4 horas da manhã, chegavam Zé e Geogina em Rio Formoso. E a gente se mandava pro campo, pra apresentar a greve no campo. Antes a gente realmente precisava de apoio e força pra conseguir um direito. Hoje em dia os patrões tão muito diferentes quanto aos sindicatos, a gente se senta na mesa do patrão, conversa tudinho sobre os direitos do trabalhador quando tem algo errado e eles recebem a gente bem. Antigamente as empresas nem queriam ver sindicato, agora não tem mais disso não. Como a maioria dos trabalhadores, eu não sei 53
ler não, a minha leitura sempre foi pouca, mas quando Deus quer não tem não. Deus tira aquele analfabeto dali e bota no meio dos doutores pra fazer a diferença. E nós fizemos e ainda fazemos. Dona Edileuza, Sindicato de Rio Formoso/PE. Nos versos do poeta Biu da Luz, Zé Rodrigues teve um pouco mais da sua história contada: Falar sobre Zé Rodrigues/ Precisa inspiração/ Por ser um homem de bem/ De muita reputação/ Não é fazer elogio/ É fazer uso da razão. Do Sindicato de Bom Jardim/ José foi presidente/ Organizou as finanças / Provou ser competente/ E na luta sindical/ É cidadão consciente. (...) Na luta da FETAPE/ Zé foi muito pontual/ Um fiel defensor do Movimento Sindical/ Enfrentou a Ditadura de coronel a marechal. Muita calma no agir/ E no jeito de falar/ Cidadão de firmeza/ Para assim representar/ Segurança nas decisões/ Para não se atrapalhar. Presidente várias vezes/ Através de eleição/ Diretor assalariado/ Cumpriu sua missão/ Hoje na terceira idade/ Fazendo a coordenação. (...).
Geogina Delmondes dos Reis e Silva Se Zé Rodrigues nasceu em uma época de mudanças para o trabalhador brasileiro, Geogina, filha dos trabalhadores rurais João Pedro da Silva e Elisa Delmondes dos Reis, já nasceu onde lutaria para fazer a diferença. Nasceu no dia 24 de Abril de 1950 em dia de São Jorge, no sítio Lagoa da Pedra em Trindade, no interior de Pernambuco. Seu pai disse para o padrinho dela, Antônio Santa, que se ela tivesse nascido homem seria Jorge, 54
mas como nasceu mulher, foi Geogina. E assim foi batizada, uma criança ativa, que morreria cedo nas contas da mãe e do pai, pois todas as gestações ímpares não se criavam e morriam. Ela era franzina e magrinha e seu pai dizia para a mãe que deveriam cuidar bem dela, pois ela morreria logo e em virtude de já terem perdido quatro filhos ímpares seu pai já tinha seu caixãozinho e sua mortalha separados compondo o enxoval fúnebre do rebento que pensava que não iria florescer. E depois que ela nasceu, todos os que vieram não morreram mais, a sina que era de falecimentos foi de boa semente para os seguintes a ela. Então seus irmãos foram, o primeiro falecido, o segundo Alfredo Pedro, o terceiro falecido, o quarto Luiz Pedro, o quinto falecido, o sexto Mariana Reis, o sétimo falecido, o oitavo Valdenor Pedro, a nona foi a própria Geogina e os seguintes Antônio Pedro, Francisco Pedro, Fátima Reis e Quirino Pedro. Quem a conheceu ainda criança diz que sempre foi participativa, ajudava seus pais onde podia e quando lhe diziam que ela não podia realizar alguma tarefa por ser mulher, ela brigava e se motivava ainda mais para fazê-lo. Foi com esse espírito que aos 22 anos ela já estava no Movimento Sindical. Seu pai, preocupado com sua participação ativa no sindicato, lhe questionou se era isso mesmo que ela queria fazer e pediu que ela pensasse direito para não se arrepender disso posteriormente. Quando Geogina respondeu que sim, era isso que ela queria fazer da vida, seu pai compreendeu e pediu que se ela fosse dedicar sua vida à luta, que o fizesse “bem feito e com amor”, o que na vida dela significou sempre terminar o que começa, fazer o trabalho com dedicação e reconhecer os erros a fim de corrigi-los. E assim Geogina o fez e com a benção do pai. Começou em Ouricuri, na época, o único sindicato da região do Sertão do Araripe se localizava no município de Araripina. Obviamente apenas um sindicato não possuía 55
capacidade suficiente para atender todos os 12 mil quilômetros quadrados do Sertão do Araripe. Quando entrou em vigor a lei que dava ao trabalhador rural o direito a aposentadoria, o sindicato de Araripina solicitou ao então Presidente da FETAPE que distribuísse a região em delegacias, para que pudessem abranger áreas menores, pois os trabalhadores vinham para o Sindicato de Araripina para que lá conseguissem confirmar sua condição de trabalhador rural para, somente assim, poder dar entrada na aposentadoria, o que era difícil para o Sindicato de Araripina administrar. Delegacias sindicais são pequenos grupos de voluntários que trabalham intermediando o contato entre o trabalhador rural e o sindicato. Por serem próximos dos trabalhadores, muitas vezes trabalham próximo ou são conhecidos de longas datas, e assim eles têm mais facilidade em esclarecer os direitos dos trabalhadores e levantar suas necessidades. Foram fundadas as delegacias sindicais de Trindade, Ipubi, Bodocó, Exu, Parnamirim e Ouricuri. Maria do Carmo, amiga de infância de Geogina, era funcionária do sindicato dos trabalhadores rurais de Araripina e estava trabalhando diretamente na criação das delegacias sindicais. Quando foi questionada pelo diretor do Sindicato de Araripina, José Pereira de Souza, sobre uma pessoa instruída e que fosse capacitada para trabalhar na delegacia de Ouricuri, o nome dado por ela foi o de Geogina. Chegando em Ouricuri, Maria do Carmo visitou Geogina na loja em que trabalhava e perguntou se interessava a ela trabalhar no sindicato do município, pois ela era alfabetizada e seria de grande ajuda. Geogina prontamente respondeu que se interessava, mesmo quando Maria do Carmo informou que o trabalho na delegacia sindical não era remunerado. Ela não se intimidou, se dirigiu ao seu chefe, em pleno “dia de feira” (comércio intenso), pediu as contas e abandonou seu primeiro 56
e último emprego fora dos sindicatos, para que pudesse lutar pelos direitos dos trabalhadores rurais. Geogina foi convidada a participar de uma reunião com Maria do Carmo Ramos e ao término, associou-se ao sindicato junto aos demais companheiros escolhidos nesta reunião. Quem pode falar bem dessa época é João Barbosa, ele era um dos trabalhadores que iniciaram a Delegacia Sindical de Ouricuri e lembra muito bem de quão importante foi Geogina no início do Sindicato: Quando ela começou, iria ser somente a secretária, mas com muita boa vontade e garra, logo ela tomou conta de ajudar em tudo. Nós íamos para a roça em reuniões com os trabalhadores e Geogina mantinha sozinha o sindicato e o atendimento aos trabalhadores que queriam se aposentar. Eram épocas difíceis, Geogina mesmo nova, pode perceber como as coisas funcionavam quando o dinheiro e o poder entravam em questão. Viu seus amigos sindicalistas serem ameaçados inúmeras vezes, viu prisões serem feitas injustamente e viu perseguições. Mesmo assim ela se manteve seguindo o conselho do pai. Não permitiu que sua fé no Movimento Sindical se abalasse pelos que tentavam oprimi-lo e sem medo, fez seu trabalho na busca pelo bem do trabalhador. Em 1975, ano em que começou a namorar com Zé Rodrigues, aos 25 anos de idade, Geogina passou a integrar a Equipe Educacional do Sertão do Araripe (EESA), junto com Euclides Almeida do Nascimento (Chiquinho ou compadre Euclides) e Maria do Carmo Souza Ramos (conhecida como Madrinha). Esta equipe se dispunha a visitar os trabalhadores rurais nos seus locais de trabalho e residência para orientá-los 57
e associá-los nas delegacias sindicais e encaminhar as informações ao sindicato. Após formadas as delegacias sindicais, o próximo passo foi a profissionalização dos voluntários para que aos poucos fossem se formando os sindicatos dos municípios. Foram realizados cursos sobre sindicalismo e contabilidade sindical pela Escola de Líderes Rurais do Crato - CE (ELIRUR), uma Instituição coordenada pela Fundação Frei Ibiapino ligada à Igreja Católica. A equipe do EESA também ia diretamente aos sítios e sua forma de organizar e conscientizar os trabalhadores fizeram grande diferença na formação dos novos sindicatos, servindo de exemplo para as outras regiões do Estado de Pernambuco. Compadre Euclides do Nascimento, orientador da equipe, pregava o Programa Organizacional para o Sindicalismo Orgânico e Científico e os três integrantes do EESA idealizavam sua metodologia de trabalho dividindo as atividades para os que estavam sendo treinados na formação de delegacias sindicais. Primeiro era usado o mapa da base sindical, por exemplo, as 32 comunidades de Ouricuri; depois eram relacionados no mapa os sítios do município. A terceira e quarta etapa de trabalho era dividir a base sindical (essas 32 comunidades) em quatro setores e relacionar todos os sítios que estavam dentro destes setores. A quinta e última etapa consistia em distribuir as tarefas de conscientização em cada setor com todos os “eleitos da chapa do sindicato” (assim eram chamados os escolhidos para compor as delegacias sindicais, pois já havia intenção de formar sindicato onde eram criadas). O polo do Sertão do Araripe pode se orgulhar do sucesso sobre os trabalhos realizados com o trabalhador e a trabalhadora rural. Além do EESA, houve o início do trabalho com jovens e o exemplo do trabalho com mulheres em Serra Talhada, iniciado por Maria Vanete Almeida, assessora da FETAPE. Nesta maratona de visitar e formar lideranças sindicais nos municípios vizinhos, esta equipe de Ouricuri, do qual Geogina 58
fazia parte, se deparou, na comunidade de Matias, distrito do município de Parnamirim, com uma ameaça de morte. Após dois companheiros terem pronunciado esclarecimentos sobre o sindicato para os trabalhadores, Geogina foi ao “tamborete” usado para ficarem acima dos cerca de 40 trabalhadores ali presentes e começou a falar sobre o que é o sindicato e para que ele serve. Chegou ali um carro com três homens, um deles, presidente do Sindicato dos Patrões, Firmino Menezes, com arma em punho bradou com forte voz: “Cale a boca, menina! Você não tem direito de ficar invadindo nosso município”. Seu Joaquim Alves de Oliveira bradou em retorno afirmando que o sindicato era para todos. De qualquer modo, recolheram seu tamborete e foram embora para Ouricuri, com a proteção dos trabalhadores que os cercaram até o carro, para que os ameaçadores não se aproximassem. Ao buscarem a orientação da FETAPE, foram ao Recife no mesmo dia para registrar denúncia, sendo recebidos pelo jurídico através do dr. Romeu da Fonte. Isto deu mais força ao movimento, que contou com a presença da FETAPE quando retornaram a Parnamirim. ...com isso a gente aprendeu. Um ano depois, de 76 a 77, a gente já estava com o Sindicato de Ouricuri fundado e outras delegacias instaladas. Geogina Delmondes dos Reis e Silva, em depoimento para o livro do dr. Romeu da Fonte. Geogina jamais mediu esforços para melhorar a situação dos trabalhadores rurais. Quando a delegacia sindical de Ouricuri foi transformada em sindicato dos trabalhadores rurais do município, um parente dela foi eleito como o diretor do sindicato. Com o tempo, nos dias de trabalho em que ele deveria estar no sindicato atendendo trabalhadores, ele jogava 59
sinuca. Os trabalhadores começaram a reclamar que não conseguiam atendimento, pois vinham de longe e o sindicato estava fechado nos dias de escala que coincidiam com o dia deste diretor estar presente. A equipe de finanças que recebeu estas queixas percebeu que os valores de mensalidades dos associados estavam sendo usados para benefício próprio do diretor, pois ele não cumpria com o expediente ou sequer comparecia ao sindicato nos seus dias de escala, porém deixava o recibo de alimentação e transporte. Geogina então não deixou a relação familiar influenciar seu bom senso e organizou os trabalhadores para que juntos buscassem o afastamento do diretor. E conseguiu. O diretor foi afastado e uma nova diretoria teve que ser eleita. Aos poucos a atuação de Geogina foi trazendo reconhecimento. Ela também sempre lutou pelo direito das mulheres e ao contrário das orientações recebidas, de apenas associar mulheres que fossem mães solteiras ou viúvas, ela sempre associou todas as mulheres no sindicato, pois sempre acreditou que se as mulheres também trabalhavam no campo, fazendo as mesmas atividades que seus maridos, tinham todos os direitos individuais que os homens, filhos e conhecidos tinham. Este reconhecimento da mulher foi herdado de Maria do Carmo, que a orientou a proceder desta maneira. Essa decisão foi provada incrivelmente correta e útil quando o nordeste passou por um longo período de seca que durou de 1979 a 1983. Nesse período foi liberado um programa de emergência pelo Governo Federal que disponibilizava uma verba para o trabalhador rural conseguir sobreviver à seca. Nos outros sindicatos houve dificuldades para que as mulheres se associassem para poder receber a ajuda já que a ordem era associar apenas mães solteiras e viúvas. Problema este que não aconteceu em vários municípios do Sertão Central de Serra Talhada e em Ouricuri, já que por intermédio de Geogina, toda 60
mulher que buscava o sindicato para se associar o conseguia e, portanto, todas tinham todos os direitos garantidos aos homens. A gente que trabalha no movimento aprendeu uma coisa importante, a gente trabalha pensando não no dinheiro, mas em ajudar uma classe de pessoas mais simples. Em afogados da Ingazeira, Antonio Marques dizia isso e citava como exemplo o cumpadre Euclides e dr. Romeu. A gente que começou há muito tempo no movimento sabe bem do prazer que é trabalhar no movimento, a militância pela causa. Precisamos pagar contas, mas o amor e o compromisso com o trabalho é o que move a Geogina, por exemplo. Ela trabalha no setor pessoal e poderia ficar somente nisso. Organizar folhas de pagamento, encargos da FETAPE, carteira de trabalho. Mas ela cuida disso, ainda participa de reuniões do PSB, viaja para conversar com os sindicatos. Ela é muito dedicada, e não é de hoje. E isso é uma coisa enraizada, que nunca vai sair dela. Ela começou no movimento muito cedo, trabalhou estes anos todos, Zé Rodrigues foi presidente, deixou de ser e eles continuaram, porque militância é militância mesmo. Não é um cargo que a faria deixar a causa. Maria Frassinette. O que Maria Frassinete diz expressa muito bem o pensamento de todos os que conviveram com Geogina, Por onde ela passou e nas áreas que atuou, sua dedicação e responsabilidade foram suas características mais marcantes e o motivo de seu sucesso no Movimento Sindical. Seu trabalho sempre foi conciliado com estudo, pois quando foi morar no Recife ainda estava estudando no 61
curso “Estudos Sociais, Letras e Pedagogia”, da Faculdade de Araripina. Conseguiu transferência do Curso para a Faculdade Olindense de Formação de Professores, que concluiu em 1980. A pós-graduação foi cursada 30 anos depois da união do casal, com apoio de toda a família e principalmente do marido, Zé Rodrigues, que cuidava da casa nas ausências de Geogina, o que incluía dar apoio aos filhos em tudo que fosse necessário. O tema da monografia de conclusão do curso foi a inserção das trabalhadoras rurais no Movimento Sindical, a partir de 1980. Foi um desafio muito grande para continuar os estudos no Recife, pois não tínhamos condução própria para ir. Ia e voltava de ônibus e, muitas vezes, tarde da noite, meu marido tinha que aguardar na parada do ônibus para chegar em casa. Mesmo assim não deixei de realizar o sonho de me formar. Esse sonho foi realizado com a colação de grau em 1980, quando eu já estava grávida do meu primeiro filho. Outro sonho realizado foi minha pós-graduação, que só fiz em 2012, porque não tinha condições de me dedicar a mim enquanto não educava por completo meus filhos. Fiz o curso de pós-graduação em Gestão Estratégica de Pessoas em Ambiente de Mudanças na mesma faculdade em que me formei, a FUNESO (Fundação de Ensino Superior de Olinda). O desafio de retomar os estudos foi para me aprofundar e fazer relato sobre o trabalho da Inserção das Mulheres na Gestão Sindical dos Sindicatos dos Trabalhadores (as) rurais do Estado de Pernambuco, este, inclusive, foi o título da minha pesquisa, onde trabalhei com documentos de 1982 a 2012. Ainda tenho um outro grande sonho, que não é dentro de faculdade, este sonho 62
é ver todas as mulheres trabalhadoras rurais se libertarem e descobrirem seu grande valor como mulher, como mãe e como trabalhadora. Geogina Delmondes dos Reis e Silva. Estar na luta não bastava, era necessário amar a causa e estar disposta a dedicar sua vida por ela. Foi isso que Geogina fez. Amou a causa, dedicou, dedica e com certeza se dedicará à luta pelos trabalhadores (as) do campo enquanto puder. Pois esse é o rumo que ela escolheu para sua vida. Uma vida pelo próximo, uma vida de luta, uma vida exemplar de mãe e mulher guerreira. Dedica suas vitórias e conquistas ao apoio que sempre teve da família. Primeiramente ao pai, quando a deixou seguir o caminho que ela escolheu e, com a graça de Deus, com o marido que a entendia e entende nesta trajetória pelo “meio do mundo”; um privilégio que a maioria das mulheres de sua geração não teve. Quando concluiu a pós-graduação em 2013, dedicou sua monografia de fim de curso aos seus maiores apoiadores e admiradores: No ano em que comecei o curso em Araripina, 1976, foi justamente quando meu tio disse para meu pai que me chamasse para trabalhar na prefeitura porque ele dizia que eu estava num trabalho muito inadequado para uma jovem bonita por andar em carro de feira cheio de homem pelo meio do mundo. Meu pai me chamou e perguntou se eu queria trabalhar com este irmão dele, tio Otacílio Leocádio da Silva, que era Prefeito de Trindade. Eu disse que tio Otacílio iria querer que eu votasse em Felipe Coelho, um candidato que era contra Miguel Arraes e que eu aprendi com o senhor que Miguel Arraes era o homem que sempre defendeu os mais pobres e 63
os mais necessitados e eu queria fazer o mesmo. Diante disso meu pai respondeu que eu deveria seguir o caminho que me fizesse sentir bem, mas fazendo tudo com dedicação, pois não tinha coisa melhor no mundo do que fazer as coisas com amor. Isto foi uma grande lição para mim. E na minha vida, as maiores e mais importantes lições foram dadas primeiramente por meu pai, João Pedro da Silva, um homem com sabedoria a frente de seu tempo, que escutava a Voz do Brasil em seu rádio e repassava para os filhos e filhas tudo o que acontecia de bom e de ruim, foi onde conheceu sobre a história, luta e defesa de dr. Miguel Arraes como pai dos pobres... ...Também o dr. Miguel Arraes de Alencar, seguindo o exemplo que recebi do meu pai por saber que ele estava do lado dos trabalhadores (as) rurais e tinha grandes ensinamentos para nossa luta em busca do reconhecimento do homem e da mulher do campo... ...O companheiro Euclides Almeida do Nascimento, pois aprendi que deveria sempre fazer o bem sem olhar a quem e a lutar pela justiça social fazendo suas as palavras do evangelho que diz não faça com os outros o que não quer que seja feito com você, e que, como equipe, tentamos sempre combater as injustiças que recaem sobre os ombros dos mais fracos... ...O meu esposo Zé Rodrigues da Silva, meu segundo pai, um dos meus grandes admiradores que também recebe minha admiração há mais de 40 anos por esta caminhada com o mesmo objetivo, pois nos conhecemos na luta, namoramos na luta, casamos, tivemos filhos, netos, sofremos, choramos, rimos e sobretudo 64
tivemos muitas alegrias e conquistas sempre nesta grande luta... ...Também José Francisco da Silva que passou 21 anos na presidência da CONTAG e junto com sua equipe, teve uma atuação brilhante, sempre integrado com as bases do movimento, nos ouvindo e sempre em sintonia com a voz do trabalhador. Devemos a ele o grande fortalecimento das lutas do Movimento Sindical brasileiro. Ele, dr. Romeu da Fonte e Euclides Almeida do Nascimento também incentivaram Zé Rodrigues para encabeçar a chapa na eleição de 1978 e ser o presidente da FETAPE evitando que a Federação seguisse outro rumo (mais submisso à Ditadura Militar que vigorava naquele tempo) e por ver que Zé Rodrigues estava disposto a sair da FETAPE por não aceitar que o movimento em favor dos trabalhadores estivesse se tornando mais a favor do patrão... ...dr. Romeu da Fonte, que estava me esperando na FETAPE quando fomos ameaçados de morte na comunidade Matias em Parnamirim. Ele providenciou o registro da ocorrência, denúncia à imprensa e deu todo o apoio jurídico e psicológico na ocasião. Ele foi nosso advogado e nosso companheiro, que muitas vezes dormia nos acampamentos quando necessário, como na ocasião da Barragem de Itaparica. Ele ia a comandos de greve junto com seus companheiros da FETAPE e nunca teve luxo de ficar a distância só defendendo nos tribunais, comia conosco e participava da luta. Com isso, os diretores (as) se sentiam seguros e sem medo de gritar pela justiça social... ...e Zé Francisco da Costa que também sempre 65
acompanhava as lutas dando apoio psicológico como diretor da FETAPE e grande amigo. Estava sempre dialogando conosco, perguntando sobre a família. De toda a época que trabalhei no setor pessoal, ele era um verdadeiro zelador do patrimônio dos trabalhadores (as) rurais. Qualquer vírgula, qualquer número que ele encontrava em qualquer documento ou folha de pagamento ele vinha me perguntar para que era, nunca assinando um documento sem saber primeiramente do que se tratava exatamente e no seu período como diretor financeiro da entidade deu toda a oportunidade dos setores pessoal e contábil capacitar, formar os diretores e funcionários dos sindicatos para que os companheiros cuidassem bem do patrimônio do povo, pois quem paga o sindicato e mantém a federação são os próprios trabalhadores. Isto feito na FETAPE durante o seu mandato e no de Severino Domingues de Lima, o BeijaFlor, quando também foi diretor, enquanto Zé Rodrigues foi presidente. Era uma integração invejável. Dou este testemunho porque sempre nos reuníamos para discutir assuntos pertinentes, esclarecedores onde tirávamos Qualquer dúvida. Geogina Delmondes dos Reis e Silva.
Na FETAPE Em 1979, já casada com Zé Rodrigues e morando em Recife, Geogina fez parte dos Centros Sociais Urbanos, uma iniciativa do Governo do Estado em vários municípios de Pernambuco. Ela foi convidada para dar assistência de forma autônoma, realizando treinamentos e orientação para que
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as pessoas do meio rural e urbano soubessem sobre as políticas públicas de assistência à saúde, à educação, aos programas do governo e tivessem conscientização da sua cidadania. Em 02 de Maio de 1980, Geogina começou a trabalhar na FETAPE tendo sua carteira profissional de trabalho assinada por meio de um convênio com o Pró-Rural. A Federação era responsável por dez funcionários do Pró-Rural e tinha que apresentar o relatório das atividades realizadas por esta equipe para que a Secretaria do Governo encaminhasse os pagamentos. Antes a FETAPE arcava com o salário de uma pessoa para preparar todos os encargos deste pessoal, mas a gestão de Zé Rodrigues solicitou que o Pró-Rural liberasse a contratação de mais um funcionário para desenvolver esta atividade e, nesta ocasião, Geogina, que já vinha acompanhando este trabalho, foi indicada pela equipe do Pró-Rural por seu engajamento nos centros sociais urbanos. Ela começou a prestar serviço na organização de folhas de pagamento, oportunidade em que assumiu o Departamento Pessoal da FETAPE, dando continuidade ao projeto de reorganização dos setores e de integração dos sindicatos e, ainda, atuando na militância do sertão do Araripe, principalmente nos encontros com mulheres e jovens. Em 1981, com o fim do convênio do Pró-Rural, passa a fazer parte do quadro de funcionários da FETAPE. Como Zé Rodrigues era o presidente da Federação na época, o mesmo foi contra a sua contratação para evitar possíveis reclamações de favorecimento pessoal. Entretanto, sua contratação se concretizou após votação em reunião do conselho deliberativo da FETAPE realizado no dia 17 de Setembro de 1981, do qual, Zé Rodrigues decidiu ausentarse, na qual a proposta foi apresentada e passou a condução da Assembleia para o companheiro Amaro Francisco da Silva, o Amaro Biá, o então vice-presidente da FETAPE.
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Naquele dia Zé Rodrigues não quis participar da Assembléia, ele não concordava que a escolha pela contratação de Geogina deveria partir dele porque não achava certo. Nós que estávamos lá escolhemos Geogina para trabalhar conosco por todo o apego à causa. Ela sempre teve muita atuação, dedicação e firmeza na sua atuação com os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Não tinha como não escolher ela. O movimento sempre precisou de pessoas de fibra e decisão. Que sabe o que faz e que faz pelo bem do todo. Amaro Biá. Vários outros companheiros se pronunciaram favoravelmente à proposta de contratação dela, sobretudo pela história de militância comprovada em diversos municípios do Sertão do Araripe. E, dessa forma, mesmo sem o aval do próprio marido, foi aprovada sua contratação por unanimidade em reunião do Conselho contando com a presença dos diretores e diretoras representantes dos sindicatos da Zona da Mata, Agreste e Sertão, assumindo assim, desde aquela época, o Setor Pessoal da FETAPE, na reorganização dos departamentos que Zé Rodrigues estava promovendo na Federação. Foi, até onde tem conhecimento, a única funcionária a ser contratada com o aval da reunião do Conselho. Foram pelo menos cinco anos para organizar o setor, colocando as coisas em ordem. Em suas palavras: Tenho orgulho de registrar para todo o Movimento Sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, FETAPE e MSTTR, para contar que estão em dia com todas as certidões negativas, acompanho todos os funcionários (as) demitidos junto ao Ministério do Trabalho nos anos de 1981 até o dia 68
31 de Julho de 2013, conforme relatório. Realizamos vários encontros, palestras, seminários e treinamentos com funcionários, funcionárias e novos diretores sindicais do MSTTR da Zona da Mata, Agreste e Sertão, com equipe de contadores e advogados: Maria José Feitosa, Maria Frassinete Alves da Silva, Josefa Severina Vieira, Dielci Cândido do Nascimento e os doutores Romeu da Fonte, Fernando Gomes de Melo e José Augusto de Santana, entre outros. Geogina. Geogina conseguiu trazer diversos benefícios para o movimento sindical do Estado de Pernambuco. Seu trabalho era interno na FETAPE e também externo. Ela sabe como prosseguir em situações complicadas e isso foi um fator favorável e definitivo em diversos casos, como na criação do Sindicato de Granito: Geogina sempre foi muito simpática, muito criativa no que faz, ela introduziu muita dinâmica nos trabalhos que realizava e durante isso a gente acabou se entrosando. Ela cativava muito as pessoas em encontros e desde então sempre incentivava muito os jovens a participar dos eventos. Ela ia aos sindicatos e, lá em Granito mesmo, ela pode ser considerada uma das fundadoras do sindicato, não só isso, mas sempre se preocupou em quem era que iria estar na diretoria dos sindicatos e permanece mantendo contato conosco até hoje. Meu pai me contou que antes dela ajudar a fundar o sindicato, nós não conseguíamos nem nos reunir, então ela passou a organizar reuniões na Igreja de Granito. Com esse suporte e presença dela, conseguimos finalmente estruturar o Sindicato de Granito. Antônia Lucia Ferreira da Trindade.
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Trabalhando dentro e fora da sede da FETAPE, Geogina conciliava vida familiar sempre presente ao apoio a comandos de greve no interior do Estado além de ajudar os sindicatos na busca pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Vida política Filiada ao PSB desde 1986, foi candidata a deputada estadual em 1998. Ela tinha a indicação e o apoio do dr. Romeu da Fonte, advogado militante da FETAPE e ex-deputado estadual, que o casal admira muito por toda a atuação em defesa dos trabalhadores rurais. Sua filiação partidária foi somente uma demonstração pública do trabalho que já estava realizando por vocação. A indicação de dr. Romeu da Fonte, que foi o primeiro deputado estadual eleito com o apoio dos trabalhadores (as) rurais (principalmente da Zona da Mata) só demonstrou a confiança que ele tinha no sentido de que Geogina iria continuar a caminhada de representação política na luta em defesa dos trabalhadores. Geogina recebeu votos nas três regiões do Estado. Porém, o período tardio da proposição de sua candidatura não foi favorável. Alguns sindicatos já estavam em plena campanha por outros candidatos quando ela decidiu se candidatar. De qualquer modo, houve muito empenho por parte dos amigos e familiares para promover a campanha eleitoral dela. Em Trindade conseguiu 915 votos, sendo a segunda mais votada da Frente Popular neste município, com empenho da família. Nasci em 1943, fui trabalhadora rural e passei a minha vida quase toda no município de Santa Filomena, que antes era distrito de Ouricuri. Nesse período em que estive colhendo alimento 70
do meu suor, lembro do trabalho educativo que Geogina fazia com os aposentados, mesmo antes da fundação do sindicato. Incentivava eles a participarem dos seus direitos e a perceberem que a vida não tinha acabado. Terezinha Damiana dos Santos. Assim como Zé Rodrigues, Geogina também realiza acompanhamento das eleições sindicais nos municípios do interior do Estado de Pernambuco, apoiando os sindicatos e suas chapas. E este zelo não surgiu após se tornar coordenadora de articulação do PSB, mas é algo que faz parte de sua atuação militante de amor à causa. No Município de Santa Filomena, Geogina ajudou na organização da cota para compra de uma casa que servisse de sede do Sindicato de Santa Filomena/PE. Esta cota durou alguns anos. Foi comprado um livro para registrar todas as doações recebidas pelos trabalhadores e cada evento ou piquenique organizado para levantar fundos, tinha seu registro garantido no livro. Os coordenadores eleitos para continuar o incentivo e recolher os valores eram Manoel Macedo (Neco Loló) e o Professor João Manoel Pessoa, mas, mensalmente, a equipe do sindicato de Ouricuri estava presente, incentivando a formação de lideranças e a sindicalização dos trabalhadores (as). Na fundação do sindicato de Santa Filomena, Geogina esteve presente e nos deu todo o apoio para começar o trabalho. Pedrina Brasilina da Silva. Geogina se sente realizada em contato direto com os trabalhadores e trabalhadoras rurais, e tenta sempre mostrar a importância da participação dos companheiros a fim de descobrirem sua vocação no movimento. 71
Só assim podemos ajudar os que lutam pela causa. Fazemos seminários e os ajudamos a escolher o que deve ser posto em prática. A escolha dos candidatos a delegados e delegadas, por exemplo, deve ser feita em conjunto e tem a mesma seriedade que a escolha da nossa deputada federal, dra. Ana Arraes. A organização do movimento tem sua força representada através do compromisso das escolhas que fazemos. Geogina Delmondes dos Reis e Silva.
História em forma de Poema: ...A sua luta é um fato/ Que não começou aqui/ Começou num sindicato/ Do sertão, Ouricuri/ Sempre em evolução/ De lá para a Federação/ Na prática há vinte anos/ É assessora geral/ Hoje setor pessoal/ Ou de recursos humanos. Ela não faz na verdade/ só trabalho burocrático/ Sempre fez publicidade/ Com espírito democrático/ Procurando assessorar/ Desenvolver divulgar/ As lutas, cada conquista/ A nossa categoria/ Que aclama com simpatia/ A grande sindicalista... Geogina nos versos de Manoel Jerônimo Neto, ex-assessor da FETAPE e companheiro de luta que sofreu atentado e recebeu apoio do casal.
A seriedade que o movimento requer não significa que todas as lutas foram feitas em debates calorosos e desacordos, os repentistas tratavam de apresentar um tom poético às petições e conquistas. O movimento era embalado por canções. A vida dos trabalhadores e suas escolhas eram todas reveladas em canções.
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Existia um grupo que sempre se reunia e fazia a montagem das músicas para animar os congressos, assembleias e encontros desde a retomada das campanhas salariais da FETAPE de 1979. Antigamente entregávamos folhas para os trabalhadores (as) acompanharem as canções, depois começamos a fazer livrinhos que continham todas as músicas que conhecíamos e que eram ligadas ao Movimento Sindical dos trabalhadores. Agápito Francisco dos Santos e Severino Domingos de Lima, o Beija-Flor, compuseram, pra mim, uma das músicas mais marcantes do movimento que é a música “Vamos companheiros, vamos lutar” que marcou a retomada das campanhas salariais em 1979, quando Zé Rodrigues entrou na presidência da FETAPE. No finzinho da música diz “vamos lutar pra ganhar o pão da vida, a vida é nossa temos que zelar, a nossa união é a nossa saída, para a miséria e a fome acabar; tanta gente sem terra e sem comida e sem ter uma casa pra morar, sem emprego mendiga o pão da vida, mas um dia isso tudo vai mudar. Vamos companheiros vamos lutar, a vitória é nossa vamos conquistar; vamos companheiras vamos lutar a vitória é nossa vamos conquistar.” Ela conta a realidade de miséria e a vivência dos trabalhadores e trabalhadoras, mas também traz esperança de mudança, os chamando para se organizar. Geogina Delmondes dos Reis e Silva. No 4º Congresso da FETAPE em 1999, a produção musical dos companheiros do MSTTR e músicas sertanejas conhecidas como Mulher Rendeira, compuseram um livreto organizado por Geogina, Luciene Gonçalves da Silva e Rita Maria Rosa da Silva. Esta revista de músicas servia como um instrumento 73
de animação, comunicação e transmissão da mensagem do sindicalismo no meio rural pernambucano. Na condução de palestras e encontros, sempre que vai ao microfone, Geogina faz questão de conduzir pelo menos uma canção que revele que a luta não pode parar. Em 2008 participou do álbum Lutando e cantando: música e política dos trabalhadores rurais de Pernambuco, um CD que faz parte da Coleção de Documentos Sonoros do Museu Nacional e que contém músicas de ordem, resgatando a cultura musical que representa a luta dos trabalhadores em resistência. As canções sempre foram uma forma de gritar que todos devem continuar firmes na luta, com uma mensagem particular para as mulheres, no sentido de que deixem o âmbito exclusivo de suas casas e venham, também elas, fazer parte do mundo público, ou seja, do trabalho, da política, da militância sindical e assim por diante. Por sua vida tão em harmonia com a de Zé Rodrigues, por seus encontros como sindicalistas, como militantes e como casal, é difícil contar a história dela sem confundir com a dele. Mas como forma de contar a história de Geogina e de Zé Rodrigues em versos, Severino Francisco da Luz Filho, o Biu da Luz, escreveu sobre ela: (...) Conheci Geogina/ Na luta lá no Sertão/ Engajada no Sindicato/ Fazendo reunião/ Ajudando a fazer/ A sindicalização. É Natural de Trindade/ Vem de família decente/ Assessorou o Sindicato/ e lá plantou a semente/ Namorou Zé Rodrigues/ Um jovem inteligente. Na luta das mulheres/ Teve participação/ Despertou as companheiras/ Para a organização/ Se juntou às militantes/ Na luta contra machão. Para trabalhar na FETAPE/ Geogina foi contratada/ E no setor pessoal/ Fez a sua caminhada/ E na luta do movimento/ Jamais ficou parada. 74
Nas greves canavieiras/ Sempre esteve presente/ Nos congressos do movimento/ Teve ação eficiente/ Com seu jeito animador/ Ativa e coerente. Geogina na doença/ Tem ajudado bastante/ é uma figura humana/ Que é muito cativante/ De um modo geral/ Sua ação é relevante. Teve época que sua casa/ Parecia um hospital/ Para receber doente do Movimento Sindical/ É outra grande virtude/ Esse gesto especial. Aonde existir luta/ Geogina se faz presente/ Seja de noite ou de dia/ Na frieza ou no quente/ Animando na luta/ De quem tá bom ou doente. Na política partidária/ Geogina é dedicada/ Chegou a ser candidata/ Mas não foi agraciada/ Adquiriu experiência/ Para a hora da virada. Perdeu sua mamãe/ Mas continuou a firmeza/ Na vida o que precisa/ É cada um ter clareza/ De que tudo passa/ E só Deus é realeza. Geogina desde mocinha/ no auge da juventude/ Sempre foi aguerrida/ Era mulher de virtude/ Sempre gozou de estima/ E sempre teve saúde.(...) Biu da Luz.
A busca pelos direitos das mulheres Geogina e José Rodrigues são pessoas que, pelo compromisso com a luta da classe trabalhadora e em especial dos homens e das mulheres do campo, fazem parte da minha trajetória de vida. Conheci primeiro José Rodrigues, quando ele foi secretário da FETAPE e coordenava um projeto produtivo na minha comunidade, sítio Poço do Coelho no município de Angelim, nos anos de 1970. Naquela época a FETAPE e sindicatos desenvolviam experiências produtivas e mantinham escolas de 75
alfabetização de jovens e adultos no método Paulo Freire, muito silenciosamente para patrões e a maioria dos políticos não tomarem conhecimento e denunciarem ao exército, aqui na região do Agreste Meridional o exército, através do 71 BL, vivia em permanente vigilância; qualquer ajuntamento de pessoas, principalmente de jovens podia ser visto pelo exército como ação subversiva. A relação com José Rodrigues dura até hoje. É claro que muitas mudanças aconteceram, a primeira foi quando fui contratada pela FETAPE, e ele a presidia, depois de 30 anos trabalhando na mesma Entidade, tive a oportunidade de conviver com mais seis pessoas que a presidiram e posso afirmar que José Rodrigues é quase a única pessoa que consegue assumir mais de uma função sem perder o sentimento e a postura de trabalhador. Pois ele mesmo sendo legalmente responsável pelas contratações, tinha o mesmo respeito, postura, tratamento e consideração de companheiro de classe e de luta. Tenham a certeza de que ele não mudou, pois de novembro de 2010 até setembro de 2014, quando fui sua assessora na coordenação da política de terceira idade, deixei o companheiro com o mesmo compromisso de defender e respeitar toda classe trabalhadora independente da função que esteja ocupando. O termo companheiro está bem colocado quando direcionado a ele. Dá prazer, militar com o companheiro Zé Rodrigues, como sempre o chamei. Sou testemunha das lutas enfrentadas por ele, as conquistas obtidas pelo Movimento Sindical e pela FETAPE nos seus mais de 50 anos de existência ‒ que têm marca da dedicação, da competência, do zelo e do trabalho de José Rodrigues. 76
Geogina, a conheci depois que fui contratada pela FETAPE em 1984, daí até hoje são muitas lutas, muitas lágrimas, muitas brigas, muitos abraços e muitas alegrias e conquistas. Tudo começou na preparação do 4° Congresso da CONTAG, eu recém contratada pela FETAPE, para atuar no Polo Sindical do Agreste Meridional, ela logo me deu confiança e me indicou para compor a delegação de Pernambuco, lá fomos nós e até hoje continuamos amigas. Logo depois foi iniciada a luta dentro da FETAPE e no MSTTR para construção e implementação do trabalho específico com mulheres, era assim que chamávamos, pois falar em política de gênero, em feminismo, naquele momento só ia dificultar a luta. Foi um tempo de muitos sacrifícios, não existiam mulheres na direção da FETAPE e nem nos sindicatos, dos quais poucas mulheres eram sócias. Nós mulheres que compúnhamos o quadro de funcionárias da FETAPE, já tínhamos compreendido a importância e necessidade da participação política da mulher trabalhadora rural no Movimento Sindical. Fazíamos trabalhos com mulheres nas bases, só nos finais de semanas e feriados, porque durante os dias úteis estávamos cada uma na sua função para qual a FETAPE havia nos contratado. Geogina no setor de recursos humanos, e eu nas ações do Polo. Eu tinha dois filhos pequenos de seis e três anos de idade, ela também com dois, Jost Paulo e Joelson, ainda mais novos que os meus, depois chegou a Georgia, e a luta continuou. Levamos os nossos filhos para reuniões pois não tínhamos com quem os deixar. Nossa amizade e nosso compromisso de mulher trabalhadora 77
e sindicalista foi determinante na construção das inúmeras conquistas, e na participação das mulheres no Movimento Sindical de Pernambuco e no Brasil. Em uma das vezes que nos reunimos com mulheres trabalhadoras rurais, a quem chamávamos de animadoras de comunidades, ou seja elas articulavam as mulheres em suas comunidades, e nós íamos fazer as palestras, discutir a realidade da participação das mulheres a partir das casas, das roças na comunidade e na sociedade. Erámos, trinta mulheres, oriundas da Mata, do Agreste e do Sertão reunidas no Centro da FETAPE, em Garanhuns. Na ocasião fizemos uma oficina de modelar, onde cada participante fazia uma escultura de barro para mostrar como estavamos nos sentindo no trabalho com as mulheres. Junto conosco estavam os filhos de Geogina. Joelson, curiosamente, fez uma tartaruga, e quando foi explicar, disse: “fiz esta tartaruga, por que é assim que me sinto, entrando no mundo dos adultos, e, quero ir bem devagar para não atropelar ninguém.” Surpreendendo a todas nós pela sábia postura de uma criança que tinha em torno seis ou sete anos de idade. Eu nunca vou esquecer. E essa proximidade vai também pela vida pessoal, nos momentos especiais, das famílias, como casamentos, formaturas e outras comemorações, ela sempre lembra da minha família. Já agora na gestão da coordenação da política de terceira idade, eu e Geogina fizemos vários encontros, palestras e reuniões com dirigente sindicais e idosos (as), nas três regiões do Estado ‒ Mata, Agreste e Sertão. E a cada uma dessas atividades, saíamos com a certeza de que mesmo cada 78
uma de nós com nossas particularidades, somos capazes de contribuir muito para quebra de paradigmas, de preconceitos, bem como favorecer o surgimento de uma nova forma de atuação no Movimento Sindical e na sociedade, onde as relações de gênero, de geração e de classe sejam pautadas pelo respeito, dignidade da pessoa humana e justiça. Por tudo isso chamo-a de colega, amiga, companheira, irmã na luta. Somos tão próximas que até na hora que a atual direção da FETAPE resolveu nos demitir, fiz minha comunicação na segunda-feira e a dela na terçafeira, menos de 24 horas de diferença entre eu e ela. Lúcia Lira. A participação de Geogina no Movimento Sindical sempre esteve atrelada à luta pela defesa dos direitos das mulheres, que além de realizarem o mesmo tipo de trabalho que os homens, do plantio até o corte, ainda ao chegar nas suas casas, tinham que executar todo tipo de trabalho doméstico, tudo isso recebendo bem menos que o trabalhador homem. Apesar de não ser precursora da luta, em muito colaborou para seu desenvolvimento. Ainda solteira no início do período em que realizava capacitações no EESA, na segunda metade da década de 70, Geogina estava na reunião na comunidade de Poço Comprido, distrito de Ouricuri, onde estava sendo apresentado sobre o que era o sindicato e para que servia, para que os trabalhadores e trabalhadoras ali presentes se associassem. Ao término, Geogina fez parte dos que estavam cadastrando os trabalhadores (as) rurais. Neste momento, uma senhora que estava ali presente, Dona Josefa Maria da Conceição, falando com voz mansa e bem baixinho, começou a dar as informações necessárias para o cadastro, após colher o nome e a data de nascimento, Geogina 79
perguntou seu estado civil, e ela respondeu que não era casada, nem solteira, nem viúva, pois quando era nova tinha cometido um errinho na vida e gerado um fiho. Geogina a cadastrou como mãe solteira, levantou e a abraçou, pois o motivo de vergonha daquela mulher não era motivo para negar-lhe existência no reconhecimento de seus direitos enquanto mulher, trabalhadora rural e cidadã. Em Pernambuco, esta maior busca por direitos começou na década de 80. Em 1981, após a entrada de Geogina, a FETAPE, em parceria com os sindicatos locais, passou a organizar encontros organizacionais com as mulheres da Zona da Mata, para entender melhor as reivindicações e necessidades das trabalhadoras rurais de Pernambuco. Esse tipo de movimento inicialmente não teve uma aderência muito grande de todos os sindicatos de trabalhadores rurais e para conseguir uma atenção maior dos sindicatos para o assunto, o tema foi levado à pauta do 4º Congresso dos Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília no ano de 1985, que resultou no reconhecimento da necessidade da inclusão de políticas voltadas às mulheres no Movimento Sindical, sendo objeto do Ofício Circular n 9.004/86, de 30 de janeiro de 1986. Após o Ofício Circular da FETAPE para os sindicatos, o apoio a ações em relação às mulheres cresceu e se multiplicou e a mulher passou a ter vez no Movimento Sindical, como lembra Maria de Oliveira, que já assumiu o cargo de superintendente do INCRA em Pernambuco: A luta das mulheres ficou mais forte. Passou a ocorrer a inclusão da trabalhadora rural no país e a mulher que era vista somente como doméstica e não de luta, passou a ter espaço. Mas acabou que nessa luta a gente teve algumas mulheres assassinadas, como a Margarida Alves. Geogina desde seu início de luta, que foi na 80
sua juventude, teve como meta a igualdade de gênero e ela teve a felicidade de se casar com um homem do mesmo nível de compreensão. Então este é um casal, para nós, símbolo de inclusão da mulher, dos seus direitos e das políticas públicas, o direito da concorrência parlamentar, da concorrência de ocupação nos cargos públicos, na defesa das mulheres em estar no seu devido ambiente de igualdade com o homem. A igualdade salarial foi uma das grandes lutas aqui do estado também, relembrando a luta salarial, a briga pela igualdade de salário também só foi possível a partir da luta de Geogina e de Zé Rodrigues na Federação (FETAPE), a partir das lutas eles conseguiram colocar as mulheres dentro do sindicato, com ação e adesão de todos. Maria de Oliveira. Com o apoio sindical na luta pelos direitos das mulheres, Geogina apoiou e acompanhou uma série de encontros regionais para mulheres, o primeiro foi na região do Polo do Sertão Central, ainda em 1984, mas iniciou a ganhar força mesmo após o primeiro encontro de mulheres trabalhadoras rurais da zona canavieira de Pernambuco, que iniciou com o discurso de Geogina: Dou as boas-vindas para todas as companheiras e que todas se sintam em casa. Que todas se sintam à vontade. Em segundo lugar, quero dizer para as companheiras que essa é a primeira vez que mulheres trabalhadoras rurais da zona canavieira de Pernambuco se encontram. A FETAPE convocou este Encontro convidando todos os municípios da Zona Canavieira. Isto é uma vitória nossa, ter esta sala cheia de companheiras de
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municípios diferentes da zona canavieira. O objetivo deste nosso encontro é trocar experiências, nós como mulheres e como trabalhadoras, que nascemos e nos criamos na cana. Aqui não tem doutoras, aqui não tem alunas. Todas nós somos iguais e espero que a gente se sinta bem à vontade para dizer tudo aquilo que a gente sente, para falar da gente, da nossa importância. Geogina Delmondes. A luta pelos direitos das mulheres vem sendo travada desde então, ano após ano em encontros, palestras, eventos exclusivos, marchas das margaridas e principalmente no dia a dia das trabalhadoras rurais que, conhecendo seu valor e entendendo seus direitos, não mais permitem injustiças nas suas vidas e estão sempre prontas para batalhar por seus direitos adquiridos.
A caminhada das mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical José Rodrigues foi eleito diretor da FETAPE logo depois do último mandato de Euclides como Presidente, sendo muito honesto e lutava sempre pelos direitos dos trabalhadores rurais. Foi Presidente, em seguida, Secretário por muitos anos. Nesse período conheceu Georgina que trabalhava no Movimento Sindical, e casaram-se, sendo felizes até o momento. Tiveram três filhos ótimos, aos quais eu e Euclides sempre estimamos. Georgina continuou trabalhando no movimento, no Sertão, onde morava, em seguida na FETAPE, com muita garra e entusiasmo, ajudando até mesmo na saúde dos trabalhadores, levando aos hospitais etc., bastante trabalhadora e decidida. 82
Hoje, aposentada, a saúde já um tanto abalada, mas continua firme, cheia de boa vontade de servir aos trabalhadores. Educou os filhos na religião católica, a qual sempre acreditou, seguida de exemplos. Sempre participou de nossos eventos, bodas de ouro, aniversários etc. Os últimos foram: a missa de 1° dia de Eudides e também de 1º ano, estando presente com toda a família, nos ajudando e dando força nesses dias difíceis. Muito lhe agradecemos e sempre seremos gratos por tudo, que é muito importante para nós. Que Deus os abençoe e lhes proteja, sempre. Zeza de Euclides. Em Pernambuco as mulheres trabalhadoras rurais começaram a se organizar em 1982 fazendo pequenas reuniões no distrito de Caiçarinha da Penha, em Serra Talhada. As reuniões eram feitas com oito a dez mulheres, inicialmente. Estas reuniões aconteciam nas igrejas e depois passaram a ser realizadas nas delegacias sindicais. Este trabalho específico com mulheres trabalhadoras rurais teve início em 1982 no Sertão Central e no Sertão do Araripe, o que foi uma necessidade que as mulheres tinham para se alistar na frente de emergência e ter direitos como representantes familiares para ingressar no espaço de programas do Governo, que antes era masculino. As assessoras da FETAPE, Geogina Delmondes, Vanete Almeida, Lúcia Lira, Maria Gorete, Maria do Carmo e Lucidalva Nascimento, conforme os registros de documentos guardados no arquivo da Federação, realizaram encontros nas três regiões do Estado para despertar a importância de todas as mulheres trabalhadoras rurais também se associarem aos sindicatos. Neste tempo ainda não havia diretoras no Movimento Sindical. No começo o programa de rádio, a Voz do Trabalhador Rural, foi um importante instrumento 83
na organização das mulheres ao divulgar as reuniões ocorridas convidando as mulheres para as reuniões e era divulgado em todas as regiões do Estado. E, assim, as mulheres estavam se mobilizando. Em 1983, Pernambuco vivia o quarto ano de seca e o plano de emergência do Governo excluía as mulheres de receber os benefícios. Como fruto da organização do trabalho das mulheres trabalhadoras rurais foram encaminhados documentos reivindicatórios exigindo do Governo do Estado, o governador Marco Antônio Maciel. Com esta ação, as mulheres trabalhadoras rurais conseguiram o direito de trabalhar nas frentes de emergência, ainda que separadas dos homens. O alistamento das mulheres foi um marco histórico da ação afirmativa alcançada pelo Movimento Sindical na luta por melhores condições de vida, uma vez que, se excluía as mulheres de participarem dos trabalhos e garantirem a sua sobrevivência de sua família por acreditarem “que o lugar de mulheres era em casa tomado conta dos filhos e filhas.”. Geogina.
A organização das mulheres iniciada no Sertão Central motivou a realização de vários encontros em todo o Estado. O 1º Encontro das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central, que ocorreu nos dias 15 e 16 de dezembro de 1984, com objetivo de ampliar o trabalho das mulheres e a proposta central de fazer o levantamento e analisar os problemas vividos por elas como mulheres e como trabalhadoras rurais. Como resultado as trabalhadoras encaminharam o planejamento do trabalho em cada município que compunha Polo Sindical do Sertão Central. 84
Esse Encontro tinha como Lema: “Somos mulheres e trabalhadoras, temos valor!”. Os resultados deste Encontro foram ampliados em reunião com a direção da FETAPE o que possibilitou a elaboração de uma tese defendida em Brasília, que recolhia as análises das propostas do encontro e propunha as seguistes iniciativas: incentivar as mulheres a serem delegadas de base e assumirem cargos de direção; incentivar encontros específicos de mulheres trabalhadoras rurais; levantar e encaminhar as reivindicações específicas das mulheres; promover treinamento de lideranças femininas. A tese foi defendida na Comissão de Sindicalismo do Congresso por Dona Maria Lima Ferreira de Souza conhecida como “dona Lia”, que era na época a única mulher trabalhadora rural presidente de sindicato rural no Estado de Pernambuco: o Sindicato de Itapetim, no Sertão do Pajeú. Ainda em 1985, realizou-se o 2º Encontro de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central, em Serra Talhada, com a participação de oito municípios (São José do Belmonte, Flores, Mirandiba, Triunfo, Serra Talhada, Salgueiro, Betânia e Serrita), além de representações do polo sindical do Pajeú, Araripe, Submédio São Francisco. Na Zona da Mata, este trabalho foi mais lento. Havia uma dificuldade maior pelo fato de serem assalariadas e, portanto, não disporem de muito tempo para as reuniões. De um outro lado, nesta região o grau de exploração que atinge a todos era tão intenso, que as mulheres eram mais receptivas a tratarem de direitos em geral do que questões específicas que lhes dissessem respeito. Nas assembleias e reuniões, a participação das mulheres era pequena. O movimento organizacional das mesmas caminhou por conta do apoio de algumas funcionárias dos sindicatos e algumas delegadas de base, além de assessoras da própria Federação. Com muito esforço, em março de 1986, foi realizado em Carpina o Primeiro Encontro Regional das Canavieiras, 85
contando com a presença de quarenta e cinco mulheres de vinte e um sindicatos. A partir daí, as propostas das mulheres foram integradas ao Movimento Sindical, dando grande impulso à campanha de sindicalização. Em 1987, realizou-se o 2º Encontro, contando com a participação de mais de cem mulheres. E, em 1989, a trabalhadora rural da Zona da Mata já havia conquistado salário igual ao dos homens. Manifestações ocorridas no 1º Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco, 11 a 13 de dezembro de 1987: José Rodrigues da Silva - Presidente da FETAPE: [...] As trabalhadoras rurais de Pernambuco por alguns tempos, procuraram se sentar pra discutir os problemas da mulher, problemas estes que são enfrentados dia a dia em cima das realidades, das dificuldades que são enfrentadas por todos. Entendemos que esta decisão traz uma característica importantíssima para a organização dos trabalhadores do campo, principalmente da mulher do campo [...] É bom que cada uma entenda que a questão que enfrentamos hoje, que passamos por essa dificuldade. Em cima de uma estrutura capitalista que a classe trabalhadora, de modo geral, sente dificuldades de se organizar, sente dificuldade de continuar o trabalho, os seus avanços, porque a estrutura capitalista montada há séculos impediu que os trabalhadores dessem passos mais avançados. Na exploração capitalista quem mais foi discriminada nesse país foi a mulher. Discriminada pelo próprio domínio do poder, contratos trabalhistas, as formas de exploração no trabalho, e dentro desse contexto a sociedade também 86
abraçou e admitiu esse poder de conservar a discriminação da mulher. Admitiu também, partindo das próprias famílias, de cada lar, da sociedade. Aquele dizer que sempre ouviam: “O homem pode tudo e a mulher não pode nada.”. No campo a gente conhece a exploração da discriminação, ainda, em algumas regiões a mulher é discriminada no próprio setor de trabalho ou no próprio salário, ou as pressões que sofrem onde exigem o trabalho permanente da mulher assalariada. No caso da zona canavieira aqui de Pernambuco, as mulheres são pressionadas, se quiser continuar a ser uma assalariada tem que se submeter a algumas exigências da empresa, ligar as trompas para poder continuar no seu emprego. Acho que essas trocas de experiências que trazem as mulheres do Sertão, do Agreste e da Zona da Mata são importantes! Importante, é, também, nós traçarmos uma linha de trabalho de organização dos trabalhadores rurais, onde haja essa mútua compreensão: mulher, homem, crianças, jovens; porque somos urna categoria, a categoria se fortalece na medida em que ela se une e se organiza. São essas coisas e outras, companheiras, que é preciso discutir, e a gente cresce discutindo, e quando nos juntamos a gente troca ideias, troca conhecimentos, para melhor avançar nas nossas reivindicações. Minhas amigas, eu quero dizer que essa luta tem que ser levada, tem que ser levantada pelos movimentos, pelas mulheres, pelas entidades sindicais porque afinal de contas o que queremos é a nossa categoria organizada para enfrentar um inimigo maior que luta contra os 87
trabalhadores rurais: o latifundiário; o empresário que não vê a questão do trabalhador, aquele que explora o trabalhador. E para nós termos mais alimentos na nossa panela, para que nós possamos lutar pela Reforma Agrária capaz de atender a necessidade do trabalhador, pelo salário mais justo, as mulheres têm condições de se organizar para lutar, compete a ela discutir as suas questões. Agostinha Viana da Silva - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ouricuri - Sertão/PE: Já foi falado tanto, que as mulheres precisam se organizar e fazer suas carteiras do sindicato. A gente tem que descobrir mais outras companheiras. Por que os homens deviam fazer suas carteiras e, depois a mulher e os filhos serem dependentes? Por que a maioria dos presidentes dos sindicatos e de outras entidades é toda de homens? Por que a mulher não é pra ter direito de ser votada e de votar? Nós sendo associadas, temos o direito de participar, votar e ser votada, tirar e botar quem nós quisermos. Podemos fazer tudo, podemos ter outro jeito de viver, podemos ter governo popular, podemos ter tudo! Mas, se nós vivermos desorganizadas, não lutar contra essas coisas que vem contra nós, continuaremos sofrendo. Rosalva Caetano Falcão – Bom Conselho, Agreste/PE: Somos umas mulheres sofridas, mulheres que nunca tivemos vez diante da população, diante do domínio que os homens nos oferecem o pior, seja patrão, seja marido, seja pai ou qualquer outro. Está chegando o momento para que nós tenhamos o direito não total, quanto o homem, mas que junto a ele sejamos iguais. Porque, em primeiro lugar, nós mulheres trabalhamos três vezes a mais do que o homem. O homem, se está na cidade, ocupa um 88
birô, a mulher é quem tem a obrigação de rever sua casa, seus compromissos e atender a ele nos seus momentos oportunos, seja no trabalho, seja na organização, quer seja em qualquer sentido que a vida lhe ofereça. E por que nós mulheres só temos o direito de trabalhar, de sermos exploradas? E quando nós não ganhamos nada em troca disso, só o cansaço, então, é agora que partimos para a batalha e com essa batalha nós venceremos. Vamos em frente, uma ajudando a outra, aquelas que têm menos conhecimento, que ainda acham que devem levar canga para o pescoço, vamos tirar ela deste ambiente. Nós não estamos só aqui não! Na nossa estadia de trabalho, nos nossos setores é que nós procuramos organizar, dar a mão àquelas que ainda não entendem que têm o direito e não só o dever. Amarina do Carmo, Ipojuca, zona canavieira/PE: Eu trabalhei na campanha do dr. Miguel Arraes, trabalhei também com ele, onde eu era monitora. Na saída dele, ele sofreu e muitos sofremos. Eu passei três dias dentro da cana, escondida, porque se saía na rua levava cacete. Mas eu estava em estado interessante e o administrador do engenho teve compaixão de mim e mandou eu me esconder. Quando me procuravam ele dizia: “Ela não está.”, mas eu estava dentro da cana. Sofri porque diziam que eu trabalhava com Miguel Arraes porque eu era comunista, eu era isso, eu era aquilo outro. Eu não fazia nada, companheiras, eu fazia ajudar eles “aprender’’ a fazer o nome [...] A reunião de Carpina foi muito importante, nós aprendemos muitas coisas, que nós não sabia, 89
nós vivia pra dentro do córrego, quase como índio, porque nós não via nada, nós não ouvia falar direito nenhum. O que nós ouvia dizer era que a mulher não era gente e então eu perguntava assim: Não é gente? Por que então a mulher não é gente? É sim! Maria Nazaré – Itapipoca/CE: O município de Itapipoca, que fica no Estado do Ceará, talvez um dos municípios mais sofridos, de momentos mais críticos em todos os setores, porque lá é muito difícil a situação, é uma das coisas mais excelentes pra nós é a história da organização das mulheres nasceu na luta pela posse da terra na região de Maceió, onde nove comunidades se organizaram pela posse da terra, da qual eu faço parte. A gente que morava desde nossos antepassados, nossos tataravôs, naquelas zonas e em 1980 todas aquelas terras foram vendidas para o grupo do sr. Tásso Jereissati, atualmente o governador do Estado do Ceará. Hoje, a resposta que ele nos deu foi muito ruim. Era de que mais de 400 famílias teriam que desocupar toda aquela localidade pra ele poder implantar um projeto de 600 milhões de cocos naquela região. Veja só! Era muito diferente do plano de Deus! Enquanto Deus quer que o coco seja para o homem, nesse momento ia ser o homem para o coco, porque nós ia ser jogado e o coco ia ser plantado. Foi aí que, quando todo mundo estava com a mão na cabeça sem saber o que fazer, se reuniu, naquele local, 78 mulheres que fizeram sua primeira reunião pra discutir o que fazer. Todas não sabiam pra onde ir; no interior é ruim, em favelas de cidade é muito pior. E o que fazer? Então, foi aí que começou a 90
organização das mulheres, e começamos a nos reunir; depois entrou os homens na organização, mas sempre as mulheres estiveram presentes. O sr. Tásso Jereissati enviava seus gerentes e a polícia quase todas as semanas pra nos intimidar. As mulheres sempre estavam de frente! E quantas vezes nós não vimos em nossos pés balas, e pra cima, pra o céu, ninguém sabe tanto aonde caiu, só sabemos que no nosso corpo, graças a Deus, nenhuma tocou. E a gente continuou firme e com a luta, com a força do povo, a organização, foi desapropriada essa terra, sem nenhuma morte, sem nenhum crime, nem de um lado, nem de outro. Mas essa luta foi um exemplo muito grande naqueles municípios, que começou a juntar várias lutas pela posse da terra [...] [...] a luta da mulher na comunidade, como está; falamos sobre a dependência, porque nós mulheres somos muito dependentes. Muitas mulheres só saem de casa se o marido disser: “Tá aqui o dinheiro!” Porque é o marido quem tem dinheiro no bolso. Se o marido não der a mulher vai ficar chorando. Não vai porque não tem dinheiro. E nós levamos uma pergunta muito interessante, que mexeu muito com a realidade das mulheres. Nós fizemos uma pergunta que dizia: “Somos nós que dependemos de alguém, ou também alguém depende de nós?” E isso deu uma repercussão muito boa. Maria Do Socorro Barbosa - Brejo – Paraibano/PB Por causa da luta é que nossa companheira Margarida Maria morreu, não foi matada por boniteza que ela quis morrer não. Foi uma luta que ela queria defender a classe trabalhadora, 91
porque via que a trabalhadora é a mulher mais sofrida do momento, que desde sete anos começa a trabalhar, morre trabalhando e nada tem. Nós devemos nos associar no sindicato, nosso órgão de classe. Porque só lá nós tem nosso direito. O povo nas comunidades, as trabalhadoras diz assim: “Eu não vou me associar no sindicato, pra que? Pra que, se meu marido já tem carteira do sindicato. Num é isso não companheira, que nós queremos. Nós queremos se associar no sindicato pra termos direito, ter vez e ter voz, tirar e botar que o sindicato não é pra botar médico, nem pra exames. Isso é obrigação do Estado e das prefeituras, o sindicato é pra defender o trabalhador. E pra isso nem todos sindicatos, todos presidentes de sindicato, que a maioria é homem, num quer associar a mulher. Porque a mulher associada, eles têm medo. Eles têm medo da organização da mulher. Madalena Arraes: Ouvimos aqui muita coisa interessante. Ouvimos como as mulheres estão aprendendo a ocupar o seu lugar no mundo. As mulheres já estão falando. Aqui muitas falaram em público. Já foi aquele tempo, em que se dizia que mulher só pode falar três coisas: “Sim senhor”, “cala a boca menino” e “xô galinha!”. Aqui a gente ouviu muita coisa, reconhecimento de que a mulher está crescendo e vai ocupar com a sua luta o seu espaço. Ela já ocupa um espaço de trabalho, ela como profissional, como trabalhadora, mas ela ainda tem mais espaço a ocupar e esse não tem limite, porque o limite é o seu esforço, a sua capacidade, e a sua tenacidade, a sua fibra na luta; é um direito que a mulher tem. Esse espaço é dado como o ar que se respira, como chão que se anda, então, nós temos é que ocupá-lo. É uma coisa que 92
não vai lesar o espaço dos homens e isso, também, foi uma coisa que aqui ficou bem claro. Nós não queremos absolutamente prejudicar os homens, não é verdade? Nós queremos somente que seja reconhecido o nosso lugar, isto é, que a gente também é gente. [...] Houve um tempo e lugares, onde as mulheres é que chefiavam as comunidades, é o que se chama “O Tempo do Matriarcado”, isto é, o poder das mães. Porque os homens saiam, iam caçar, iam pescar, iam lutar e as mulheres ficavam. Então, as mulheres asseguravam a permanência da família. Depois essa coisa foi mudando e houve uma espécie de contrário e as mulheres ficaram em casa e os homens trabalhando. E o homem é que servia de intermediário entre a mulher e o mundo. Agora nós já descobrimos que nós podemos ir ao mundo diretamente, sem intermediário. [...]Nós sabemos que a batalha que temos pela frente ainda é muito grande, mas viver é lutar e a vida sem luta não tem sentido, a luta é que dá sentido à vida. Cada um de nós não vive para ficar contemplando o seu próprio umbigo, cada um de nós vive para lutar, para largar o seu mundo, para conquistar os seus espaços, para melhorar a sua vida e, aqui nesta reunião, temos a prova viva de que as mulheres estão empenhadas nessa luta, elas estão aqui presentes, coisa que há 20 anos, há 30 anos atrás, apenas estavam em começo a organização das mulheres. Hoje esta organização é uma coisa concreta, vocês estão aqui, nós estamos aqui, e é com muita alegria que deixo a minha saudação a todas vocês que estão nesta reunião, os meus parabéns pela luta que vem levando.
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O Agreste foi a última região a organizar um trabalho específico com as mulheres, até porque já havia uma participação maior nos sindicatos, estando presentes em algumas diretorias, embora sem muita clareza de seu papel e contribuição. Os primeiros grupos de mulheres surgirão em Bom Jardim, Orobó e Surubim, em 1984, sendo esta última a região onde o Partido Comunista Brasileiro (PCB) desenvolvia um trabalho político. Os primeiros discursos giravam em torno das discriminações salariais, pois muitas mulheres, quando assalariadas, recebiam metade do salário pago aos homens e não eram reconhecidas como trabalhadoras. Em muitos lugares, nem podiam se sindicalizar. Não foi sem dificuldade que as mulheres foram se inserindo dentro do Movimento Sindical rural. Nos sindicatos havia ainda uma ideia de que a organização específica das mulheres podia dividir e enfraquecer a luta geral. Nem sempre parecia adequado conceder-lhes um espaço próprio para se reunirem e discutirem suas questões próprias. E onde os sindicatos estavam nas mãos dos pelegos, qualquer movimentação parecia perigosa. Além do que a questão de gênero, muitas vezes não era sequer percebida por lideranças sindicais devido à ignorância ou o machismo, que as leva a se colocarem contra o debate dessas ideias. Afora isso também faltavam recursos para a realização dos trabalhos, organização e formação das mulheres. Havia, ainda, problemas chamados “pessoais”, que atingiam mais de perto as mulheres: pouca disponibilidade de tempo, dupla ou tripla jornada de trabalho, distância entre as localidades, pressão familiar, particularmente a resistência dos maridos, que viam o movimento com desconfiança. Afinal, para os maridos, lugar de mulher era dentro de casa. Fora isso, o medo das próprias mulheres em enfrentar questões novas, situações difíceis, cobranças e desafios a que não estavam acostumadas na tentativa de vencerem a vergonha, 94
a timidez, a falta de confiança e de conhecimento. Muitas vezes, as mulheres, se achavam desvalorizadas de modo que nem chegavam a considerar trabalho as atividades que realizavam em casa. As mulheres trabalhadoras rurais não percebiam seu trabalho como trabalho e, sim, como ajuda e isso até certo ponto impediu a organização política das mulheres trabalhadoras rurais para participarem do sindicalismo. Nesta visão inferiorizada de sua condição, muitas mulheres não se viam capazes de participarem da vida sindical. Mesmo com essa limitação, algumas avançaram no movimento sindical rural, assumindo cargos de representação política da categoria mediante pleitos eleitorais, mesmo muitas vezes não tendo conhecimento da importância de seu papel enquanto dirigente sindical tendo os mesmo direitos e deveres que os homens dirigentes, começaram então a sua organização no Movimento Sindical rural. Fizemos a primeira reunião de mulheres diretoras de sindicatos de trabalhadores rurais de Pernambuco em 1987. Tudo que fazíamos registrávamos em relatórios. E é através deles que podemos contar a história de luta que tivemos. Estive em quase todos os momentos da luta pelo direito da trabalhadora rural e ver o engajamento das mulheres no movimento desde as frentes de emergência, quando tínhamos poucas envolvidas, até cinco anos mais tarde com o encontro de mulheres já diretoras me dá uma alegria muito grande. Compadre Euclides Almeida do Nascimento estava presente na coordenação comigo e com Maria Vanete Almeida. Reunimos representantes de 15 municípios, das quais 12 diretoras e 3 delegadas sindicais, mas tivemos 30 participantes, contando com funcionárias, assessoras e convidadas. Nesse encontro marcamos 95
datas para planejar os Regionais Preparatórios ao 1º Encontro Estadual da Mulher Trabalhadora Rural de Pernambuco. Geogina. Para que o Encontro de Mulheres Trabalhadoras Rurais acontecesse, envolvendo representações de todo o estado, foram realizados na Mata, no Agreste e no Sertão estes encontros preparatórios para escolha das representantes regionais e definição dos temas para o encontro estadual. O encontro preparatório tinha como objetivo ampliar a organização das mulheres para participarem do MSTTR, aumentar os conhecimentos para atuarem melhor nas comunidades, levar propostas e escolher a delegação para participarem do encontro estadual. De 11 a 13 de dezembro de 1987, foi realizado o 1º Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais, com o objetivo de trocar experiências das mulheres da Zona da Mata, Agreste e Sertão; discutir a importância da participação da mulher na transformação da sociedade; levantar as explorações sofridas pelas mulheres como mulher e como trabalhadoras; tirar o plano de luta em nível de Estado; e fortalecer a participação das mulheres trabalhadoras rurais dentro do Movimento Sindical de Pernambuco. No 1º Encontro, as mulheres debateram os temas: terra para trabalhar; salário igual para trabalho igual; sindicalização e participação da mulher; e uma previdência social justa; todos estes trabalhados em atividade de grupo. O Encontro foi um marco no processo organizacional e constituiu uma grande oportunidade de sindicalização das mulheres trabalhadoras rurais no Estado. Na sua primeira realização, as mulheres trouxeram para o debate em plenárias os seguintes temas: terra para trabalhar; salário igual para trabalho; sindicalização e participação das mulheres dentro dos sindicatos; e previdência social justa. É importante entender que a organização das mulheres trabalhadoras rurais nas três regiões do Estado teve importância 96
na determinação de suas vidas social e produtiva. A Zona da Mata era marcada pelo trabalho assalariado e pelo alto grau de exploração que atingia as mulheres, que as deixavam sem tempo para participarem de reuniões e assembleias sindicais. O Sertão, marcado por uma organização motivada pela busca de garantir o direito de trabalhar nas Frentes de Emergências na década de 80 e o Agreste, por não ter um trabalho estruturado com mulheres, mesmo tendo uma maior participação das mesmas nas direções dos sindicatos. No que diz respeito mais de perto às questões específicas das mulheres, elas se tornaram minimamente preparadas para discutir assuntos de particular interesse como, saúde do corpo, sexualidade, preconceito e direitos. Tema que foi discutido posteriormente no 2º Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais, realizado em Nazaré da Mata/PE, em 1995. No Encontro as mulheres trocaram experiências e conhecimentos sobre hortas comunitárias, remédios caseiros e comida alternativa. Aprenderam a dar mais valor a si mesmas, terem mais autoestima, mais coragem para falar e denunciar os problemas, assumir seu papel no espaço público, antes tão distante das mulheres. Havia resistência, desconfiança, zombaria, descrédito. Este trabalho foi ganhando espaço, se impondo e ganhando visibilidade, de um lado porque respondia uma questão colocada pela própria sociedade e de outro porque atendia a necessidade do próprio movimento, de reconhecimento das mulheres, enquanto trabalhadoras rurais e sua integração aos sindicatos. Um aumento na participação das mulheres nos sindicatos rurais, como associada ou dirigente sindical, não trazia por si só, grandes diferenças, pois ao assumir algum cargo muitas vezes elas tinham que se comportar da mesma forma dos homens, isto é, fazia-se necessário ter disponibilidade de tempo constante, independente de maiores responsabilidades familiares que porventura ela tivesse; uma capacidade política e de trabalho maior 97
para ser reconhecida e respeitada pelos companheiros e muitas vezes firmeza para se impor. Todas essas conquistas culminaram na criação da Secretaria de Coordenação de Mulheres, em 1998, legitimada no Estatuto da Federação e tendo como base política organizadora a Comissão Estadual, que tinha o papel político de coordenar e encaminhar as lutas da mulher trabalhadora rural, entre as diversas bandeiras de luta por melhores condições de vida e de trabalho por meio de sua participação no sindicalismo. Contando um breve histórico da representação da mulher trabalhadora do campo dentro da sede da FETAPE, em 1997, foi criada a Coordenação de Mulheres Trabalhadoras Rurais, com a formação da Secretaria de Organização e Formação de Mulheres, coordenada por Maria José de Carvalho, a companheira Mariquinha. Naquele ano foi feita a reforma estatutária da FETAPE e foi aprovada a cota de 30% de participação das mulheres. No ano de 1999, foi eleita a primeira secretária de mulheres, a companheira Maria Aparecida, conhecida por Mulica. As dificuldades encontradas durante esta caminhada no movimento do sindicalismo rural, revela a forma como as mulheres tiveram coragem e garra para lutar. Com toda esta luta, as mulheres trabalhadoras rurais foram avançando em quantidade e em qualidade nas atividades de massa, nos espaços mistos, em vários lugares na sociedade, nos conselhos, nos fóruns, e nas direções dos sindicatos em várias funções. Tenho prazer de dizer que participei do 1º, 2º e 3º seminários nacionais das mulheres trabalhadoras rurais na CONTAG, junto com as outras companheiras. E em vários outros encontros estaduais e nacionais. Geogina.
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Marcha das Margaridas No ano 2000, ocorreu em Brasília uma marcha que exaltou a importância da participação da mulher camponesa na política e a inclusão das trabalhadoras brasileiras na conquista de visibilidade, reconhecimento social e político, bem como a obtenção de cidadania plena. A Marcha das Margaridas é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), pelas 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura (FETAG) e pelos mais de 4 mil Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), além de contar com a participação de várias organizações de mulheres parceiras. Tendo apresentado sua quarta edição em 2011, a Marcha representa um protesto pacífico contra as desigualdades sociais. Nela são denunciadas as violências e explorações que devem ser combatidas para avançar na construção da igualdade de gênero, já sendo reconhecida como a maior e mais efetiva ação das mulheres da América Latina. Com a ideia de proporcionar uma reflexão sobre as condições de vida das mulheres do campo e da floresta ocorrem capacitações e grupos de discursão. Geogina fez e faz parte do grupo de organização no estado de Pernambuco, agindo principalmente no incentivo às mulheres para participar da delegação. Organizar os ônibus que saem do Agreste, Zona da Mata e Sertão de Pernambuco para seguir viagem até Brasília; os alojamentos; manter diálogo com as participantes; incentivar à participação dos grupos de discursão separados por áreas de interesse de trabalho. Geogina, por gostar de dar suporte, contribui um pouco com cada uma destas etapas deste grande encontro. Precisamos mostrar a importância da Trajetória da Mulher nas direções sindicais. Inclusive esta foi a 99
tese que defendi na minha pós-graduação em 2013. Falar sobre violência, lutas e leis, políticas públicas e o fortalecimento do sindicalismo em grupos de discursão são uma forma de orientar e fortalecer as mulheres do nosso Estado. Em 1982, quando a luta das mulheres estava tomando forma, engajada, tínhamos uma liderança, que era Maria Ferreira dos Santos, dona Lia, lá no alto Sertão do Pajeú. Hoje temos pelo menos 49 companheiras presidentas e várias outras ocupando cargos de liderança como coordenadoras. Geogina. O crescente amadurecimento político do movimento tem trazido grandes conquistas como a titulação da terra em nome não somente do homem, como mantenedor familiar, mas também no nome da mulher. O caráter feminista do movimento pretendeu dar voz a mulheres que não tinham o hábito de conversas políticas, mulheres que por muitos anos estiveram empenhadas no trabalho doméstico e de roça, mas que não tinham força quando precisavam questionar a decisão dos maridos ou da sociedade. Era difícil para a mulher que não tinha marido reclamar quando o patrão era intransigente. Nada nos defendia, nem ninguém. Quando minha casa caiu por causa da chuva, fui morar com meus filhos numa loca de pedra, um buraco. Lá cozinhava, dormia. Era minha casa. Até que o sindicato ajudou a mudar isso. Josefa Porfírio da Paz, dona Baracha. Baracha, como gosta de ser chamada já vinha participando de vários eventos voltados para a realidade do campo e afirmou que não falava em público durante as reuniões com homens e mulheres. Achou estranho quando marcaram uma reunião só com mulheres no sindicato e, por estímulo deste evento da FETAPE, através de 100
Geogina, ela começou a ter coragem de contar sua história, suas dificuldades e as violências a que era submetida, fez um relato histórico de como vivia, e que, posteriormente, foi retratado por um jornal de grande circulação no Estado. Sua situação foi uma pequena demonstração de como era difícil para mulheres e crianças ter espaço ou políticas públicas que contemplassem sua saúde, integridade e trabalho. Enquanto José Francisco era presidente da CONTAG e Zé Rodrigues na FETAPE, os trabalhos voltados para a inclusão da mulher sempre tiveram liberdade para atuar e transformar a realidade da mulher do campo.
Encontro de crianças coordenado pela CONTAG Pela primeira vez os trabalhadores de Pernambuco foram convocados para participar do Encontro de Crianças em Brasília/ DF, já era o terceiro encontro deste tipo promovido pela CONTAG. Coordenados pela FETAPE, cerca de 80 crianças saíram em dois ônibus lotados de Pernambuco rumo a Brasília. Vários assessores da FETAPE foram ao evento como responsáveis pelas crianças, pois os pais deram a autorização para que os filhos fossem apresentar sua real situação de trabalho ao Brasil. O jovem José Carlos, de Rio Formoso/PE, entregou para o Presidente Fernando Henrique Cardoso o documento principal sobre o trabalho escravo, forçado e insalubre para as crianças, principalmente na Mata Sul. Neste período, Pernambuco havia sido destaque pela quantidade de crianças na palha da cana. Mas crianças de toda a Zona da Mata, Norte e Sul, foram levadas para Brasília. Na prática, elas eram como ajudantes dos pais no corte da cana, do mesmo modo que as mulheres ajudavam o marido a juntar os feixes de cana, cobrir as valetas de plantio com enxada. Esse trabalho era sem vínculo algum, somente para aumentar a renda familiar, já que o pai precisava apresentar a 101
tarefa realizada e aumentar a produção para, assim, receber um salário maior, pois trabalhavam da seguinte maneira, quanto maior a produção, maior a renda recebida. Motivo esse que justificava a ida dos filhos para ajudar no serviço. Não havia fiscalização do Ministério Público na época, então o combate ao trabalho infantil era um assunto levado em encontros e trabalhos de conscientização que os Sindicatos, FETAPE e CONTAG realizavam. O intuito era para que a criança pudesse estudar, para que ela tivesse uma expectativa de vida e trabalho melhor que a de seus pais. Trabalhávamos para promoção de políticas públicas a favor da criança. Apresentamos a situação para a CONTAG e pela primeira vez, efetivamente, houve mudanças para o combate à exploração do trabalho infantil no campo. Fernando Henrique Cardoso veio para o engenho Massangana e lançou esse programa de ajuda aos filhos dos trabalhadores para dar condição deles irem para a escola. O trabalhador se cadastrava e passava a receber uma ajuda financeira para o sustento da família. Isso foi o primeiro “bolsa família” A partir daí o ministério público passou a fiscalizar e lançar programas de combate ao trabalho infantil e a criminalizar quem permitia isso em seus engenhos. Foi uma luta por muito tempo para conseguir quebrar isso e catequizar os trabalhadores neste propósito e em contrapartida estávamos lutando por políticas públicas que ajudassem no sustento do trabalhador. Zé Rodrigues. As reivindicações entregues em 1995 nas mãos do presidente ecoaram por mudanças e, assim, com determinação Federal (presidencial) foi lançado o Programa chamado “Vale102
Cidadania”, que ajudava na complementação da renda familiar do trabalhador rural e possibilitava aos filhos destes frequentar a escola. Geogina fazia parte do grupo que levou as crianças até Brasília e junto com Rita Maria Rosa da Silva e Sebastião José Barbosa da Silva fazia a coordenação de Pernambuco. Também foram convocados funcionários e funcionárias dos sindicatos de cada região de onde as crianças vieram, para ajudar a conduzir os trabalhos de organização e apoio às crianças na viagem. Foi muito importante nossa participação no 3º Encontro Nacional de Crianças e Adolescentes com filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras rurais que viviam sofrendo sem ter o que comer e não tinham condições de estudar. Geogina. As campanhas salariais desenvolvidas ano a ano não garantiam um salário extra, e o salário extra era essencial para o trabalhador que tinha uma família grande e que recebia um único salário. Para conseguir o sustento de uma família de dez filhos, como o exemplo da família do menino Zé Carlos, era necessário o uso da mão de obra de todos, pois o pai conseguia produzir mais quando trabalhava junto com a mulher e com os filhos. Zé Rodrigues.
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José Rodrigues se associa ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim, em 2 de abril de 1965.
Foto no dia que deveria ter sido a Posse de José Rodrigues como presidente da Fetape. Com Geogina, José Francisco (Presidente da CONTAG) e companheiros de luta - 1978.
Da direita para a esquerda: Manoel Gonçalo, Euclides Almeida do Nascimento, José Rodrigues, Manoel José dos Santos e Antônio Marques dos Santos - expresidentes da FETAPE.
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José Rodrigues em mobilização com trabalhadores rurais em Recife.
José Rodrigues, presidente da FETAPE, Amaro Francisco da Silva (Amaro Biá), presidente licenciado do STR de Barreiros, José Francisco da Silva, presidente da CONTAG e o então governador do estado de Pernambuco, Dr. Miguel Arraes de Alencar, em visita à Fazendo Macaco, em abril de 1989.
José Rodrigues, presidente da FETAPE, José Francisco, presidente da CONTAG, Dr. Romeo da Fonte e Armando Gonçalves Ferreira, diretor da FETAPE, em audiência com o Dr. Miguel Arraes em que debateram o Promata (Programa voltado aos trabalhadores rurais) - década de 1980.
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José Rodrigues participa da abertura do 13º Congresso de Delegados Sindicais da Zona da Mata-PE - 2009.
13º Congresso de Delegados Sindicais da Zona da Mata-PE - 2009.
1º Seminário da Terceira Idade de Trabalhadores Rurais, realizado no município de Bom Jardim - PE, em 2010.
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Geogina ainda jovem já era atuante no movimento sindical.
Pai de Geogina no sítio Barro Branco em reunião de orientação sobre o que era sindicato.
Geogina (centro) em sua primeira comunhão.
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Geogina, Euclides e Maria do Carmo.
Neste carro, Geogina aprendeu a dirigir. Na foto, está com os companheiros sindicais Elpídio, Compadre Zezinho, Juviniano, João Barbosa e Seu Joaquim Alves.
Seminário Reforma Constitucional - 1992.
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José Pereira de Souza e Maria do Carmo Souza Ramos (“Madrinha”), os primeiros incentivadores para que Geogina ingressasse na luta sindical, nos anos 70.
Geogina recebendo seu diploma escolar.
Seminário de Capacitação e Formação de Lideranças Sindicais dos STRs do Sertão do Araripe-PE, sob a coordenação da EESA (Equipe Educacional do Sertão do Araripe e da FETAPE, representada por José Rodrigues, no município de Exu, em maio de 1975.
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Posse da primeira diretoria STR de Ouricuri, em 1977, com a presença de Euclides Almeida e Geogina, contando com Sebastião José Barbosa da Silva representando a FETAPE na cerimônia.
Geogina em sua formaçõa do Ensino Médio, juntamente com sua irmã, Fátima Reis, no ato da colação de grau, no ano de 1976.
Geogina e José Rodrigues na comemoração do Dia das Mães no STR de Caruaru-PE , em 1998.
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Geogina, Dr. Miguel Arraes de Alencar, Maria José de Carvalho (Mariquinha), Maria Aparecida (Mulica), Maire - PSB Nacional, José Francisco da Silva e Jorge Gomes.
Geogina e José Rodrigues na coordenação do encontro de lideranças sindicais do Sertão do Araripe, realizado no município de ExuPE, em 1976.
Geogina com a Comissão de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Polo de SurubimPE. Em memória, as companheiras Severina Bezerra (Tiva) e Julita do STR de Orobó.
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Participação de Geogina no Congresso do Partido Socialista Brasileiro - PSB. Brasília, década de 90.
Geogina e José Rodrigues participam do 1º Encontro de Formação Política das Mulheres Socialistas Brasileiras, realizado em agosto de 2001, no município de Carpina-PE.
Geogina, representando a FETAPE, no Encontro Nacional das Crianças Rurais, em 1997.
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Comiss達o Estadual de Mulheres, FETAPE, 1988. Carpina-PE.
Marinalva da Concei巽達o Silva presidenta do STR de Barreiros, Zona da Mata-PE.
Geogina e diretoras do Sindicato de Trabalhadores Rurais do sert達o pernambucano.
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CAPA DO CD “LUTANDO E CANTANDO”, com vozes dos funcionários da FETAPE Elias Dionísio, Euclides Almeida, Geogina Delmondes dos Reis e Silva, José Gonçalves (CONTAG), Lúcia Lira, Rita Maria Rosa da Silva, Ronaldo Patrício, Biu da Luz e Valquíria Maria de Oliveira.
Congresso do Partido Socialista Brasileiro - PSB. Brasília, década de 90. Participação de Geogina, Dr. Miguel Arraes de Alencar e Jaiso, diretor do STR de Tamandaré-PE, representando a Mata Sul.
Geogina e José Rodrigues, militantes do Partido Socialista Brasileiro - PSB, no lançamento da campanha de Ana Arraes a deputada federal. Recife-PE, 2006.
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Foto com a Deputada Ana Arraes, em um dos vários encontros promovidos para as mulheres. também estão presentes: como representante da Zona da Mata Sul, Célia Teotônia da Silva; do Agreste, Sebastiana Maria do STR de Caruaru; do Sertão, companheira Alcilene.
Marcha das Margaridas Brasília, 2007.
Geogina atuando no campo, no comando de greve, em Aliança-PE, em 1999.
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D. Madalena Arraes. Sempre presente nas lutas do casal sindicalista.
Capa do livro de músicas “Lutando e Cantando”.
Livro de músicas “Lutando e Cantando”, produzido pela equipe de animação da FETAPE: Geogina Delmondes dos Reis e Silva; Luciene Gonçalves da Silva e Rita Maria Rosa da Silva.
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lutas específicas: a práxis política e sindical em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais Não era ilusão para ninguém que a luta pelos direitos dos trabalhadores rurais traria junto inimigos e muito mais disputas. A partir do momento que os trabalhadores começaram a ganhar direitos, começou a haver violência. Na prática, o patronato agia com violência para que estes direitos não fossem garantidos. O papel da FETAPE era garantir estes direitos e impedir que os trabalhadores rurais ficassem em mãos opressoras, através de denúncias à justiça e à imprensa. Como presidente da Federação, Zé Rodrigues passou a receber ligações e correspondências anônimas contendo ameaças contra sua pessoa e contra sua família. Havia bilhetes que carregavam dizeres como: “José Rodrigues da Silva, deixe de falar em Reforma Agrária, porque sua terra está reservada lá no cemitério”. Em uma ligação, recebeu a falsa notícia de que seu filho primogênito, Jost Paulo, havia sido atropelado. No estresse do momento, não pensaram em ligar para casa para procurá-lo e partiram imediatamente para o Hospital indicado na ligação à procura de seu filho. Ao chegar no Hospital, constataram que não havia entrada de nenhum Jost Paulo lá e que, provavelmente, se tratava de algum engano. Zé Rodrigues e Geogina acreditam que foi sorte não terem ido ao hospital no carro em que trabalhavam na FETAPE, uma Parati. Devido a sua aflição, foram levados ao hospital pelo companheiro Dielci Almeida do Nascimento, sobrinho do 119
companheiro Euclides, em seu carro com placa de Garanhuns. Acreditam que se tivessem ido no carro da FETAPE, provavelmente seriam vítimas de uma emboscada no caminho do hospital. Por depoimento de companheiros que estavam com eles na FETAPE no dia do ocorrido, ficaram sabendo que havia três homens desconhecidos na esquina da rua da Federação e que, provavelmente, aguardavam a saída do único carro que a FETAPE tinha e que seria dirigido pelo companheiro Agamenon Belarmino. Certa vez, ao chegar em casa fomos alertados pelos vizinhos que durante o dia, em frente a nossa residência em Casa Forte, um carro com placa do interior, uma Rural, ficava de vigília. E isso aconteceu por várias vezes neste período de ameaças e opressão. Zé Rodrigues da Silva. Este foi o cenário que acompanhou todas as lutas do casal, um cenário hostil, tenso e de provação que exigiu do casal coragem, fé e integridade. Em uma mesa de negociação, os patrões sugeriram que nós da FETAPE e do Sindicato, fechássemos o acordo coletivo, pois eles tinham uma proposta. Queriam fazer o desconto da contribuição social (sindical) em favor dos sindicatos com base na produção do trabalhador. Ou seja, o trabalhador que tinha o desconto sobre um salário seria descontado sobre toda a sua produção, se produzisse três salários, sobre cada salário seria descontado e, assim, o sindicato receberia mais. Não aceitamos. Essa foi a única vez que recebemos uma proposta que oferecia vantagem para o sindicato e desvantagem para os trabalhadores. Até porque a proposta que nós levávamos sobre 120
qualquer item da pauta, inclusive o desconto social tinha sido aprovado pelos trabalhadores em assembleias dos sindicatos. Zé Rodrigues.
Luta das barragens - 1979 Itaparica Em 1985, nas barragens de Itaparica em Petrolândia e, posteriormente, na Barragem de Algodões, no município de Ouricuri, os trabalhadores eram expulsos de suas terras sem direito a indenização e também sem realocação. A FETAPE, com seus diretores e advogados, se organizou e lutou com o lema: “Terra por terra, casa por casa, indenização justa das benfeitorias.”. Foram grandes lutas, mas a maior parte foi em Itaparica, onde enfrentaram o poder estatal representado pela CHESF que, à época, colocava a força policial para impedir a reação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Houve muita violência local com os trabalhadores da terra que buscavam seus direitos. José Soares Novaes, conhecido como Zé Preá, era membro do sindicato de Itacuruba, que fica próximo a Itaparica, e que seria totalmente submergida pela barragem, lembra muito bem o motivo de tanta luta: A luta foi impulsionada, pois sabíamos do que aconteceu em Sobradinho, muitas pessoas tinham terra para trabalhar e foram morar em baixo de ponte, sem conseguir reassentamento, nem nada. Na época tinha um programa de rádio de Dom José Rodrigues, bispo de Juazeiro que se chamava “Semeando a Verdade” que dava voz às pessoas que tinham sido prejudicadas
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pela barragem de Sobradinho e que ficaram sem nenhuma indenização. Claro que nós acreditávamos que o mesmo aconteceria conosco e isso incentivou bastante nossa luta. José Soares Novaes (Zé Preá). Ainda segundo Zé Preá, hoje do sindicato de Orocó, a FETAPE participou ativamente da luta. Os sindicatos recebiam assessoria constante e o próprio Zé Rodrigues, presidente da FETAPE na época, estava presente para fortalecer a luta e orientar os trabalhadores quanto a necessidade de organização. Foi um trabalho quase de catequese da FETAPE junto aos trabalhadores para conscientizálos de que deveriam reagir quanto àquela situação e conseguir seus direitos através de organização para lutar pelos seus pleitos, visto que muitos trabalhadores que foram atingidos ainda não acreditavam que perderiam tudo, que as águas da barragem atingiriam suas posses. Foram vários os municípios, nove entre Pernambuco e Bahia, os de Pernambuco foram Tacaratu, Petrolândia, Floresta e Itacuruba. Deslocamos pessoas da FETAPE para estar na região semanas e semanas, durante o dia fazíamos visitas nas casas, articulando a reunião da noite com os trabalhadores para explicar o projeto da barragem e dizer o que aconteceria com a construção e como os trabalhadores poderiam se posicionar para que não ocorresse o que aconteceu em Sobradinho, onde as águas se encarregaram de desapropriar a todos. Conseguimos isso graças as lideranças da região e aos companheiros engajados. Compadre
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Euclides, Josefina que era colaboradora da pastoral e que foi a responsável por nos notificar da situação que ocorria em Itaparica. A única forma de não perder seus direitos era negociar antes das águas chegarem. Enquanto não resolvia a situação dos trabalhadores nós fazíamos bloqueio e impedíamos o acesso das máquinas ao canteiro de obras até que as construtoras (que eram coordenadas pela CHESF) sentassem com as lideranças sindicais para resolver os problemas da moradia e benfeitorias. Teve muita força policial e vigilantes das empresas para enfrentamento com os trabalhadores, foi uma luta brava, muitas situações, em uma delas as obras estavam avançadas e chegamos ao entendimento de levantar os preços, avaliando as benfeitorias de plantio dos trabalhadores, fomos à feira, vimos os preços das frutas e legumes e calculamos o preço da fruta pela quantidade que cada pé plantado é capaz de dar numa safra e o multiplicávamos por três para, pelo menos, garantir três safras. Criamos assim a tabela de preços de indenização dos produtos quanto ao que se tinha plantado na região, essa foi a tabela de preços da FETAPE, que foi constituída nesta situação e é usada até hoje, tendo incluída algumas alterações técnicas de informação. A barragem de Itaparica foi construída mais próximo da antiga cidade de Petrolândia (que depois da finalização da obra foi completamente coberta por água) e os moradores do campo que tinham roçado lá eram os de frente de luta, os que levavam as primeiras pressões, pois estavam mais próximos ao canteiro de obras 123
e à repressão policial. E eles enfrentaram se articulando com os sindicatos, com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG) Bahia e com a FETAPE para que juntos organizássemos um grande ato político dentro da cidade, de protesto contra a CHESF. Antes de começarmos a campanha salarial de 1979, estávamos engajados com esta questão da barragem de Itaparica. Quando as pessoas das áreas atingidas pela barragem começaram a chegar para a realização do ato, o delegado de polícia do município mandou intimar as duas federações, os assessores, os advogados que nos respaldavam (dr. Romeu da Fonte, no nosso caso e um da Bahia que também era muito dinâmico e incentivador), bem como José Francisco da Silva (presidente da CONTAG) que também estava conosco. Na delegacia de polícia, o delegado deu esporro e disse que dentro de Petrolândia não se faria aquele ato. E nós dissemos, faremos sim. Ora, estávamos no regime militar com o AI-5 em pleno vigor, então o delegado deu voz de prisão para os advogados que estavam enfrentando a discursão e nós fomos firmes em dizer, “desse grupo não sai ninguém”. Os soldados também não se mexeram para prender, nesta altura da conversa a delegacia já estava rodeada de caminhões de trabalhadores rurais, o delegado, sentindo-se sem autoridade mandou chamar o comandante de polícia da região que passou a assumir a negociação. Ele disse que a lei não permitia a realização de comícios sem autorização prévia e nem de passeatas, mas 124
concedeu a passeata com o povo com a condição de não termos local centralizado para comício, pois nosso argumento era que não sairíamos dali sem os trabalhadores terem o seu protesto contra a CHESF. Dom Francisco Austregésilo, bispo de Afogados da Ingazeira, também estava conosco na delegacia e isso nos deu todo o respaldo por sua influência e por ser uma figura respeitada na região. Saímos em passeata e este ato foi muito importante porque a partir daí as lideranças sindicais, tanto da região como das federações passaram a ter mais respeito nas reuniões de negociações. Este foi um marco importante para quebrar essa soberania da polícia, encorajando os militantes para a luta. A partir daí vários outros movimentos, acampamentos e discursões surgiram para resolver a situação dos trabalhadores. Zé Rodrigues da Silva. Na negociação, a CHESF teve que conceder lotes irrigados e com casa de alvenaria pronta para cada uma das famílias, bem como indenização. E isso demorou, porque era muita gente. Os moradores foram alocados em loteamentos, a população de cada município desapropriado era transferida para locais onde coubessem todo o pessoal daquela região. Aqueles que recebiam seus lotes ainda sem a irrigação para o plantio, a CHESF pagava um salário mínimo até que a irrigação fosse instalada e o morador habituado com o trabalho em área irrigada pudesse cultivar suas culturas. Este último ponto da negociação parecia ser bom, porém, isso criou uma questão séria dentro de vários assentamentos, pois muitos dos trabalhadores habituados com o trabalho em área irrigada que ainda não haviam 125
recebido a irrigação e que recebiam salários, ficaram em parte ociosos. E o labor que era passado de pai para filhos não existiu mais, muitos ficaram com o “mau costume, com o ciclo vicioso de receber o salário sem trabalho” (Zé Rodrigues da Silva) e o envolvimento com drogas passou a ser uma preocupação dos demais moradores que residiam naqueles loteamentos e que estavam à espera da instalação da irrigação, causando prejuízo para a vida laboral dos agricultores. Nós que vivemos da agricultura, que vivemos no meio rural, temos que permanecer no meio rural. Temos que lutar pela indenização justa das benfeitorias e relocação. TERRA POR TERRA! Zé Rodrigues em trecho do discurso de 4 de agosto de 1979. Algodões Outra luta significativa para reafirmação das conquistas dos direitos do trabalhador rural quanto à desapropriação foi o da barragem de Algodões. Distrito de Ouricuri/PE. Algodões fica localizada onde o Governo do Estado projetou uma barragem para garantir abastecimento de água nos municípios da região. Lá os trabalhadores conseguiram os direitos e as indenizações das benfeitorias com maior facilidade. A FETAPE também teve que orientar e ajudar na organização dos trabalhadores por meio dos sindicatos. A luta foi grande, ocorreram muitas reuniões com o Governador do Estado, pois a coordenação da obra era estadual. A vitória nas negociações serviu para aumentar a força dos trabalhadores rurais e da coordenação do Movimento Sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no Estado de Pernambuco.
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Os critérios que usamos na barragem de Itaparica foi o mesmo usado em Algodões. Era uma barragem de menor porte, mas também conseguimos resguardar os direitos de casa por casa e terra por terra com indenizações, por benfeitorias para os trabalhadores do campo em Ouricuri. Zé Rodrigues da Silva. Após as lutas, a CONTAG, a FETAPE e os sindicatos locais conseguiram que a CHESF (no caso de Itaparica) e o Governo do Estado (no caso de Algodões) ficasse com a obrigação de alocar todos os trabalhadores cadastrados em locais na beira da barragem ou em áreas com instalações prontas de irrigação. E, do mesmo modo, a FETAPE também acompanhou a defesa do direito dos trabalhadores na construção da barragem de Caiçarinha, em Serra Talhada.
Zona da Mata - setor açucareiro Além da FETAPE dar cobertura no estado de Pernambuco nas questões agrárias e de agricultura familiar do pequeno produtor, incluindo a cobertura aos trabalhadores atingidos pelas barragens, tínhamos o compromisso direto de dar apoio e voz aos trabalhadores da Zona da Mata. Na época que assumi a presidência todas as usinas estavam funcionando, com exceção da Caxangá que já havia sido desapropriada na década de 60. Zé Rodrigues. As usinas produziam álcool ou açúcar. Em alguns casos havia a produção de ambos os produtos. Para o trabalhador do campo, o produto final, que é a parte industrial da produção, pouco importa ou afeta a sua atividade. A força, o suor e o 127
trabalho em relevo nos morros não estava vinculado à moagem após o corte. Uma luta permanente. “A mais permanente das lutas” era a luta dos canavieiros, segundo Zé Rodrigues. Todo dia, o dia todo a FETAPE poderia ficar e sempre teria o que reivindicar em prol dos trabalhadores, seja por descumprimento administrativo ou por violência. Não é a FETAPE quem deflagra a greve. A greve é uma consequência. A gente coordena a negociação, organiza a pauta e busca o entendimento patronal. A rejeição dos patrões é que é a causa do direito dos trabalhadores de deflagrarem a greve. Nós instruímos o processo da campanha, fazemos as assembleias, mas a decisão cabe aos trabalhadores. Zé Rodrigues. O texto acima foi em resposta a intimidação que Zé Rodrigues sofreu quando foi convidado a comparecer no 4º Comando do Exército, localizado próximo ao Terminal Rodoviário do Recife (TIP), para negociar os pontos da greve. O comandante queria que ele fizesse o compromisso de não deflagrar a greve. Por duas vezes, Zé Rodrigues teve que comparecer para justificar a atuação da FETAPE. Ele queria que as denúncias que estavam sendo feitas sobre a violência sofrida pelos trabalhadores (trabalho escravo, mortes etc.) não fossem veiculadas na imprensa, pois eram denúncias perigosas. O representante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Açúcar, que estava com Zé Rodrigues, também a convite do mesmo Comando confirmava que a situação também era crítica dentro da usina, não só no campo.
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Isso não é coisa para se publicar” o comandante dizia. “Pois isso fomenta um acirramento dos ânimos da massa de trabalhadores”. A nossa negociação não era só o salário, que resolvia a parte econômica dos trabalhadores. Mas e a parte social? A segurança? A disciplina de trabalho? Se isso não fosse negociado dentro de uma convenção coletiva, não acabaríamos com a violência somente resolvendo a questão salarial, como o comandante queria negociar. Ele queria saber até quanto a gente podia reduzir o valor do aumento salarial dos trabalhadores. Eu dizia que, se os patrões, as pessoas credenciadas para negociar, não estavam presentes ali, não tinha como apresentar contraproposta. As nossas conversas acabavam com recomendações para que nossas greves não desestabilizassem o Estado e ele finalizava dizendo que, caso precisasse nos convidaria novamente. Zé Rodrigues.
Encontros de delegados e delegadas sindicais Ano a ano a organização sindical fortalece o movimento e sua unidade de ações e pensamento por meio dos encontros de delegados e delegadas sindicais. Ocorreu o 1º Congresso de Delegados Sindicais da Zona da Mata de Pernambuco em 1981, e o 2º em 1991. Após este Congresso, ocorreram as piores violências contra os trabalhadores e trabalhadoras. A organização e a força dos trabalhadores cresciam e a indignação e violência dos patrões também cresceu, em uma proporção maior e mais grave. Nos dias 11, 12 e 13 de dezembro de 1981 foi realizado o 1º Congresso Estadual de Delegados e Delegadas Sindicais. Contou com a participação de mais de 350 lideranças sindicais 129
da Zona da Mata. Eram delegados e delegadas sindicais que trabalhavam nos engenhos coordenando o trabalho nas comunidades de base. Foi um encontro histórico para o Movimento Sindical dos trabalhadores rurais. Aconteceu no centro de convenções em Olinda/PE, sob a coordenação da CONTAG e da FETAPE.
A busca por apoio Na luta, Zé Rodrigues sempre esteve ciente que não bastava apenas mediar a relação patrão versus empregado e com isso em foco, sempre buscou formas de encontrar apoio externo à luta, fazia isso levando os casos à imprensa, órgãos governamentais e órgãos internacionais. Os trabalhadores da usina Aliança pararam o trabalho e fizeram greve na porta da usina por falta de pagamento de salário. Nós da FETAPE fomos ajudar o sindicato na organização do povo e como os trabalhadores impediram a entrada dos caminhões de cana na usina, eles ficaram sem poder despejar a cana na esteira da usina. Então o dono da usina saiu com um rifle mão aos berros e deixou uma trincheira de vigilantes armados entre os trabalhadores e a usina. Anoiteceu e nós ainda estávamos lá, eu, Romeu da fonte que na época já era deputado estadual, na porta da usina e assim ficamos a noite toda, pois temíamos que se a gente saísse eles iriam forçar o caminhão por cima do povo pra entrar na usina. Na manhã do dia seguinte, quando a imprensa chegou, o cordão da vigilância correu e escondeu as armas para não ser entrevistado pela imprensa. 130
Em Condado, no engenho patrimônio, o trator arou a terra dos trabalhadores e eles foram plantar mandioca, então o patrão chegou com o trator para arrancar a mandioca mas a imprensa também chegou e isso não ocorreu.” Nota da Globo. A FETAPE tomou conhecimento de que estava sendo criada uma entidade no Canadá. Era um Comitê de Solidariedade dos Trabalhadores no Mundo do Açúcar (SESSTAM). Fomos convidados para participar dessa fundação e enviamos dr. Romeu da Fonte, assessor jurídico da FETAPE, e Agápito Francisco dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Lourenço da Mata. Fundado esse Comitê, a FETAPE passou a ser a representante do Brasil para trocar correspondências e participar dos eventos realizados pela SESSTAM em vários países, quando convocados anualmente durante os Seminários de Avaliação e Propostas para prosseguimento da atividade da Entidade. Fui para Trinidad e Tobago, Nicarágua, México, e também tivemos aqui em Pernambuco, no município de Olinda. Era uma entidade que vivia de ajuda de outras entidades de trabalhadores, que era o que garantia essa realização de seminários no mundo. Lá se avaliava a situação dos trabalhadores de cada país e dessa avaliação o comitê distribuía para essa cobrança de providências às autoridades desse país. Aqui em Pernambuco, na questão da violência, pressionaram o Governo do Estado para providências. O produto que estava sendo vendido tinha comercialização internacional e o não combate à violência e 131
ao derramamento de sangue do trabalhador era cobrado com rigor. Tinham que explicar as providências que estavam tomando no setor açucareiro para evitar a violência. Reginaldo Muniz, economista contratado pela FETAPE, foi passar um período no Canadá para contribuir com o Comitê. Zé Rodrigues.
Em favor do homem do sertão no combate à seca CPI da Pobreza - Em 1983, uma CPI foi instaurada para investigar os motivos da pobreza no nordeste. Esta CPI foi arquivada em 1985, pois não foram respeitados os prazos para a entrega dos relatórios. Zé Rodrigues, no cargo de Diretor da FETAPE foi chamado para dar seu depoimento no Senado Federal, e lá apresentou a visão da FETAPE sobre a pobreza do nordeste e foi para debate. Depois da apresentação do relatório, respondemos (eu e um assessor) às perguntas dos senadores. Falamos sobre a Zona da Mata, por exemplo, que tem solo fértil, água e é uma área rica, porém o trabalhador passava fome. Quando o trabalhador saía da cana, não tinha no que trabalhar. Queríamos a diversificação da cultura de plantio para que o trabalhador tivesse opção de trabalhar e a desconcentração das terras de latifúndio. Zé Rodrigues.
Contra o uso de agrotóxicos e o latifúndio Um agrotóxico passa pelo Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura e outras entidades para dar parecer sobre se é viável ou não para o 132
manuseio. Quando ele termina de ser avaliado vem a recomendação de como ele deve ser usado. O problema é que quando é liberado para venda e uso, as orientações e as recomendações do fabricante não são seguidas pelo proprietário do plantio. Como não tem fiscalização do governo, nenhuma exigência de segurança é requerida. Por exemplo, o vasilhame de usar o veneno deveria ser incinerado após o uso, mas onde é que temos um lugar para fazer isso? Então, quem trabalha no campo passando o veneno e quem consome o produto estará sempre prejudicado e envenenado. Zé Rodrigues. Em Camocim de São Félix, o sindicato queria mudar isso. Ele denunciava os fatos que ocorriam com o trabalhador quando usava o agrotóxico no plantio das verduras. O trabalhador morria, ficava intoxicado, às vezes cego, com quedas de cabelo, fissuras na pele. A FETAPE denunciou ao Ministério do Trabalho que constatou essa realidade e tomou providências. Fizemos vários atos de protesto em Camucim de São Félix contra o uso de agrotóxicos. E mandávamos documentos denunciando na imprensa. Geogina. A Secretaria de Segurança Pública teve que ser notificada, pois os dirigentes sindicais estavam sendo ameaçados pelos proprietários. Nazaré da Mata, Ipojuca, Vitória: todos estes municípios tiveram denúncias de uso de agrotóxicos que atrofiavam e causavam danos à saúde de muitos trabalhadores e suas famílias. As crianças dos trabalhadores estavam nascendo deficientes ou adquirindo deficiência.
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Reforma agrária A luta pela terra, pela descentralização da propriedade era bandeira constante da FETAPE e do Movimento Sindical como um todo. As desapropriações de terras entre os anos de 1979 a 1993 foram intensas e consequentemente houve muitos assentamentos familiares. Mesmo no período de Ditadura, a FETAPE enfrentava a luta pela desapropriação de terras quando os trabalhadores, unidos e organizados, pediam o apoio da Instituição para articular politicamente, com entidades parceiras, a mobilização necessária para que aqueles trabalhadores conseguissem negociar. Geralmente os trabalhadores eram demitidos e quando iriam ser expulsos da terra onde moravam como posseiros sem ter direito a nada das benfeitorias que haviam feito ali, pediam apoio dos sindicatos e da FETAPE.
Na terra dos Lundgren, Engenho Pitanga, em Paulista, enfrentamos os velhos dois grupos muito fortes de sempre, que foram para cima dos trabalhadores com toda a força: o reforço policial e a milícia dos patrões. Os trabalhadores que trabalhavam e moravam lá passaram muito tempo acampados para conseguirmos vencer essa primeira etapa do INCRA fazer a desapropriação. Depois veio a questão ambiental, pois era uma área de mata. O INCRA desapropriou uma área, incluindo a limitação do desmatamento, criando uma área de preservação ambiental e assim conseguimos assentar os trabalhadores, junto com o sindicato de Paulista e de Igarassu. Essa foi uma das primeiras desapropriações de terras que enfrentei. Zé Rodrigues. 134
No governo de Roberto Magalhães, tivemos uma luta em Bom Conselho, onde os trabalhadores queriam a desapropriação de uma área de terras onde moravam há muitos anos na fazenda Mata Verde (Agreste de Pernambuco). Eles pediram ajuda da FETAPE e nós os apoiamos coordenando a luta até sair a desapropriação. Eles ficaram acampados em frente ao Palácio do Governo depois de já terem tentado negociação por várias vezes sem retorno. E só saíram de lá depois da garantia dos seus direitos sobre a terra. Geogina. Com a desativação da Usina Tiúma em São Lourenço da Mata, muitos trabalhadores ficaram sem trabalho e ocuparam o engenho para pedir desapropriação das terras. Essa foi uma luta feroz, porque o corpo policial enfrentava os trabalhadores, que estavam desarmados, com cavalos e cachorros. Não foi fácil, mas com a organização do sindicato de São Lourenço da Mata, os trabalhadores marcaram dia e hora para ocupar o engenho, contando com o apoio de trabalhadores de outros municípios, como Paudalho, e da FETAPE. E no dia 31 de março os trabalhadores e suas famílias estavam lá. E a cavalaria da polícia também. Passamos o dia lá dando apoio aos trabalhadores e ao sindicato, no fim do dia chegamos a uma negociação para não desmancharem as barracas que os trabalhadores tinham feito nem tirar seus bens de lá a força, enquanto a negociação não terminasse. Negociamos uma ocupação na beira da linha de ferro, mais próximo à cidade e os próprios trabalhadores se transferiram para lá, sem desocupação forçada pela polícia. 135
Os trabalhadores ficaram lá por vários meses, até que o INCRA garantisse uma área para que eles ficassem dentro do engenho, sendo assentados pela firmeza e organização do movimento. O INCRA com o rigor da Instituição, fez a vistoria do imóvel rural, cadastrou os trabalhadores que eram da usina e os assentou. Zé Rodrigues.
Grito da Terra Trata-se de um movimento que reúne anualmente, em Brasília, milhares de pessoas de todo o país para apresentar pautas de reivindicações do movimento sindical perante o governo, para que sejam desenvolvidas ou ampliadas as políticas públicas voltadas para o trabalhador e a trabalhadora rural. Um ato disciplinado, com ordem e que exige organização do Movimento Sindical para mostrar fortalecimento e exigir cumprimento de políticas públicas de qualidade para os trabalhadores e trabalhadoras. Zé Rodrigues.
Fim das lutas? Mais do que apresentar reivindicações, as lideranças dos trabalhadores e trabalhadoras foram muito estratégicas ao mostrar relatórios amplos sobre a sensibilidade da vida no campo e a situação de miséria. Não era simplesmente uma luta no âmbito ideológico, como uma luta partidária, mas uma luta por vidas, por dignidade, contra a expropriação e contra a exploração no trabalho e a favor da inclusão política e social do trabalhador e da trabalhadora rural.
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As negociações e a constante elaboração de documentos reivindicatórios se constituíram em tarefa quase que cotidiana dos sindicatos. Alguns dos manifestos eram divulgados amplamente, por intermédio da imprensa ou em publicações dos próprios sindicatos, gerando a sensibilização da população e conseguindo apoio político externo. A Federação também se articulava na luta mediante ações judiciais e denúncias, incluindo o envio de relatórios para órgãos do poder público e para obter apoio internacional. Contar com o apoio governamental contribuiu para que o movimento ganhasse respeito, apoio jurídico e popular. Oito dias de greve atrasa toda a colheita. Por exemplo, a colheita da cana depende da maturação. Quanto mais demora, a capacidade de produção da cana diminui. Foram realizadas 118 greves apenas em 1978. Fonte: Câmara dos Deputados.
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Tipo de transporte irregular dos trabalhadores rurais, cortadores de cana, inclusive menores, junto com suas ferramentas de trabalho, na zona da mata pernambucana, comum nos anos 70 e 80.
Participação de José Rodrigues na comemoração da vitória da campanha salarial dos canavieiros de São Lourenço da Mata-PE, em 1979.
José Rodrigues e Euclides Almeida do Nascimento em manifestação pela defesa dos trabalhadores rurais vítimas de ameaça de expulsão de suas terras por ocasião da construção da Barragem de Itaparica-PE, em 1979.
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Dr. Romeu da Fonte e Josefina, assessores da FETAPE, pulando uma cerca para participarem de uma reunião com trabalhadores rurais, na defesa de seus direitos, durante a ameaça de expulsão de suas terras para a construção da Barragem de Itaparica-PE, em 1979.
Participação do casal no Grito da terra. Brasília, 2010.
José Rodrigues, diretor de política salarial da FETAPE; Doriel Saturnino Barros, presidente da FETAPE; Antônio Lucas, diretor de política salarial da CONTAG; e o então deputado federal, Eduardo Campos, no 12º Congresso de Delegados e Delegadas Sindicais da Zona da Mata, realizado no município de Carpina-PE, em 2 de setembro de 2005.
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Da esquerda para a direita: José Rodrigues, Geogina, Baracha, Edileuza, D. Maria da Conceição e José Manoel da Silva (seu Du) e família - 2013.
José Rodrigues e Geogina encontram-se, no Hospital Esperança, em Recife-PE, com Eduardo Campos, então governador do estado de Pernambuco, e com o então presidente da república Luís Inácio Lula da Silva, em visita a Dr. Miguel Arraes que encontrava-se internado, em 2005.
Participação de José Rodrigues em evento do STR que discutiu os direitos previdenciários dos trabalhadores rurais e também o uso abusivo do agrotóxico nas lavouras. Camucim de São Félix-PE, década de 1990.
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Participação de José Rodrigues e Geogina em atos de luta pela terra, no estado de Pernambuco, 1989.
Da esquerda para a direita: Edileuza Maria da Conceição e José Paulo de Assis, diretores do STR de Rio Formoso-PE; Geogina Delmondes dos Reis e Silva; e José Rodrigues, presidente da FETAPE, em 2013.
José Rodrigues e Geogina na solenidade de posse da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim - PE, em abril de 2014.
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Participação de José Rodrigues no comando de greve pela luta dos direitos dos trabalhadores rurais canavieiros da Zona da Mata-PE. Década de 1990.
Trabalhadores rurais do Engenho Fortaleza, em São Benedito do Sul-PE, acampados no Palácio das Princesas, sede do governo pernambucano, pela Reforma Agrária, em 1985.
Participação do então candidato ao governo de Pernambuco, Paulo Câmara, em Seminário organizado pela CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), sob a coordenação de José Rodrigues. Recife-PE, 2014.
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campanhas salariais
Ano após ano, a FETAPE, a CONTAG e os sindicatos locais lutam para trazer aos trabalhadores rurais benefícios trabalhistas e reajustes financeiros em seus salários. Nestas lutas os sindicatos encontraram bastante resistência dos patrões, que geralmente contavam com o apoio da polícia para inibir o efeito das manifestações e das greves e realizando ações ilegais, como trazer mão de obra de outras localidades para substituir os trabalhadores em greve, usar violência para gerar medo nos manifestantes e demissões arbitrárias, para funcionários que se ligassem aos sindicatos. Foi com pulso firme e bastante liderança que a FETAPE, sob a presidência de Zé Rodrigues, juntamente com a CONTAG, apoiaram e organizaram os sindicatos para que juntos pudessem realizar anualmente campanhas salariais e greves, sempre que suas reivindicações não fossem atendidas. Não eram greves impensadas, foi tudo pesquisado e decidido após ter a certeza de que este era o melhor caminho a seguir. Através dos Congressos e encontros preparatórios, os trabalhadores e trabalhadoras organizavam suas pautas de reinvindicações e faziam seu planejamento. Ao buscarem informações em alguns estados brasileiros, perceberam que os dissídios coletivos (apresentados à Justiça do Trabalho), que se relacionavam a trabalhadores rurais sem mobilização, eram julgados com prazos muito lentos e, muitas vezes, passavam da data base do pleito dos trabalhadores, que era receber o aumento considerando a alta inflação que assolava o país e diminuía cada vez mais o valor monetário que se tinha em mãos. 145
A FETAPE percebeu que esta forma de buscar os direitos não poderia se aplicar aos trabalhadores da zona canavieira, em razão dos altos índices de inflação, que mudavam mensalmente. A Federação também teve que se moldar nos parâmetros da Lei nº 4.330/64 para não ter seu direito de greve considerado ilegal. Como nossa greve era por município, conseguíamos juntar 2/3 dos trabalhadores em cada local, éramos fiscalizados pelo Ministério Público do Trabalho, pois eles compareciam na Assembleia para verificar o quórum. Às vezes juntávamos dois a três mil trabalhadores em um sindicato para votar e aprovar a pauta que nos dava oito dias para tentar a conciliação antes de deflagrar a greve. Tudo dentro da lei e com nossos assessores especializados nela. Sobre a importância e legalidade que conseguimos dar ao Movimento Sindical, lembro de uma vez que o dissídio teve que ser julgado a luz de velas, pois havia faltado energia no Tribunal e a situação não podia esperar, era tudo o mais rápido possível, para que os trabalhadores terminassem a greve. Zé Rodrigues da Silva. A votação da pauta de reinvindicações nas assembleias em 1979 e parte da década de 80 eram votadas em escrutínio secreto e como a maioria dos trabalhadores era analfabeta, diferenciávamos a cédula com cores. Verde e Amarelo. O Verde da cana para o sim e o Amarelo, do ouro do patrão, era o não. E assim o trabalhador riscava o papel dizendo se concordava ou não com a pauta de reivindicações. Depois da votação contavam-se os votos. Cada sindicato fazia sua Assembleia e enviava para a FETAPE e nós juntávamos a pauta de reivindicações, cópia 146
da ata das assembleias, edital de convocação e os enviávamos anexos a ofícios para os sindicatos da categoria patronal. Tudo o que fazíamos era pensando na realidade do Campo, dia e noite pensávamos estratégias para articular o movimento dentro da lei. Conversas, discursões entre lideranças sindicais e assessoria para chegar a um ponto em comum e começarmos o trabalho com os trabalhadores seguindo o roteiro que acordamos. Zé Rodrigues. Em sequência seguem algumas dessas campanhas salariais, destacando as dificuldades e as conquistas obtidas: 1979: Esta foi a primeira campanha salarial dos trabalhadores e trabalhadoras rurais canavieiros depois de longos 15 anos de ausência de reivindicação coletiva, devido ao regime militar. Zé Rodrigues coordenou a segunda greve geral no país, sendo a primeira na área rural. O ponto de partida foi a greve dos metalúrgicos, encabeçada por Lula em 1978. A greve em Pernambuco foi uma decisão compartilhada com os STRs e conduziram quase 240 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais canavieiros. Conseguiram 52% de reajuste em cima do salário mínimo da época e aprovaram uma tabela de atividade de trabalho por produção dos trabalhadores, que é usada até hoje. Devido a essa luta, a FETAPE e os sindicatos ganharam reconhecimento e respeito nacional. Nessa campanha, receberam o apoio dos STRs e da CONTAG e as reivindicações atendidas nesta greve foram muitas e entre elas, pode-se destacar: - Aumento de 52% sobre o salário mínimo vigente; - Pagamento do salário nos 15 primeiros dias em casos de afastamento por doença;
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- Adicional de insalubridade e periculosidade; - Prazos definidos para o décimo terceiro salário; - Fornecimento de EPIs aos trabalhadores permanentes; - Responsabilidade do zelo da moradia dos empregados ao patrão; - Os empregadores com 50 ou mais trabalhadores ficavam obrigados a instalar uma escola primária gratuita para os filhos dos trabalhadores. 1980: Nesse ano, a campanha salarial teve inteira adesão dos sindicatos da Zona da Mata, mas apesar disso, as negociações não avançaram para fechamento do acordo na mesa de negociação. Com a interrupção das negociações, mais de 41 sindicatos se uniram e deram início a uma greve que mobilizou mais de 200 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. O acordo foi julgado através de dissídio coletivo perante o Tribunal Regional do Trabalho. Saímos da DRT sem negociação fechada e no dia seguinte estávamos no Palácio do Governo. Ficamos ainda sem conciliação e a greve foi deflagrada. O resultado desta campanha salarial foi julgado em dissídio coletivo no Tribunal Regional do Trabalho. Foi um dos dissídios coletivos julgados mais rápido da história do tribunal. Foi instaurado um dissídio pelo tribunal, instruído o processo na procuradoria, houve a reunião de conciliação e o julgamento. Tudo resolvido em um dia por conta da força da greve. Zé Rodrigues da Silva. Esta campanha salarial aumentou o nível de organização dos sindicatos e deu origem a ações internas importantes, como o 1º Congresso de Delegados Sindicais da Zona Canavieira, com a presença de trabalhadores de todas as regiões do Estado, considerando Agreste, Mata e Sertão. Com o objetivo de elevar o
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nível de conhecimento dos trabalhadores sobre a conjuntura que se vivia na época. A FETAPE e a CONTAG conseguiram contar com a presença de 400 delegados sindicais com seus respectivos diretores de sindicatos e também com representantes da Igreja, partidos políticos e movimentos populares. Neste debate do Congresso, como representantes da Igreja estavam Dom Hélder Câmara e padre Paulo Crespo e como representantes políticos, Gregório Bezerra, Miguel Arraes e Francisco Julião. 1981: A campanha salarial de 1981 dos trabalhadores da cana foi um compromisso com a campanha salarial anterior e foi necessária a mesma intensidade de mobilização da base a fim de propiciar aos trabalhadores condições de disposição para a greve geral. Neste ano, a estratégia para pressionar os patrões com grande mobilização, ao invés da convocação dos dois sindicatos de frente, como em 1979, foram convocados cinco sindicatos: São Lourenço da Mata e Paudalho, que já haviam se mobilizado em 79, Rio Formoso, Barreiros e Jaboatão, que adicionaram suas forças para garantir um maior impacto e resposta mais rápida às reivindicações. Os demais sindicatos convocaram as assembleias para uma única data com diferença de oito dias. Dado maior apoio sindical à campanha salarial, a divulgação das chamadas aos trabalhadores foi amplamente divulgada em intensa panfletagem nos canaviais, convocações em programas de rádio, folhetos de cordel e outros, nos dois turnos das assembleias, o primeiro turno era para aprovação das reivindicações e para verificar a necessidade de greve, o segundo era para avaliar o andamento das negociações. No total foram 84 assembleias, distribuídas em todos os sindicatos da região e contaram com equipes de apoio da CONTAG, FETAPE, Federações de Trabalhadores Rurais e STRs. Esta equipe de apoio serviu para auxiliar principalmente os 149
sindicatos que não possuíam uma estrutura de comunicação suficiente nas bases. Os resultados da campanha foram amplamente divulgados pela FETAPE na imprensa e em informativos. Uma das grandes vitórias desta campanha salarial foi a velocidade em que as reivindicações do Dissídio Coletivo, devido ao medo de outra Greve Geral nos Canaviais. Entre as reivindicações atendidas, se destacam: Salário equiparado para as duas regiões, pois havia dois salários mínimos no Estado, o valor para os municípios da área metropolitana (Igarassu, São Lourenço da Mata, Jaboatão, Vitória, Moreno) e o valor para os demais municípios, ou seja, considerando como exemplo a Usina Tiúma, que tinha terras em Paudalho e em São Lourenço, o trabalhador das terras de São Lourenço recebia mais do que os de Paudalho, apesar de ser a mesma atividade rural. Tornar o salário igual entre as duas regiões foi uma grande vitória conseguida concomitantemente com a unificação do piso salarial em todo o país; Aliás, unificação primeiramente conseguida em Pernambuco e afirmada no Tribunal Superior do Trabalho após a unificação do salário mínimo no país. As vantagens para os trabalhadores foram tão significativas, que os patrões entraram com recursos pedindo suspensão dos direitos até o julgamento do Recurso, mas com imensa mobilização dos sindicatos e trabalhadores, foi obtida vitória em Brasília junto ao TST e os direitos obtidos pelos trabalhadores rurais não foram suspensos. 1983: Neste ano, as conquistas para o trabalhador foram: - Transporte Seguro para quando o patrão levar o trabalhador para trabalhar longe de sua moradia, que deverá ser feito em ônibus ou caminhão coberto, com bancos fixos e compartimento separado para ferramentas;
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- Direito ao sítio, com um ano ou mais na empresa: o trabalhador fica com direito a dois hectares de terra onde deverá ser seu sítio e sua morada. Caso o trabalhador deixe de trabalhar na empresa, deverá entregar seu sítio após receber sua indenização; - O morador tem direito de exigir casa rebocada, com piso em cimento, banheiro e privada. Em caso de casas estragadas, o patrão deve consertá-la. - Serviços de valeteiro, pulverização e qualquer outro serviço considerado perigoso pelo Ministério do Trabalho devem ser remunerados com salário maior; - As ferramentas ficam por conta do patrão; - O tempo que o trabalhador ficar aguardando ordens do patrão tem seu tempo contado como hora trabalhada; - Carteira de trabalho assinada com o tempo que trabalha para o patrão, e não como novo funcionário; - O patrão fica obrigado a disponibilizar água fria, limpa e de graça nos locais de trabalho; - Quando o pai de família for demitido, a esposa e filhos até 20 anos que trabalham ficam com direito de escolher entre permanecer no emprego ou acompanharem o pai de família e receber indenização como se tivessem sido demitidos também; - Caso o trabalhador seja demitido por causa injusta e o patrão demore a pagar a indenização, o trabalhador deve receber o salário normalmente, até que ela seja paga. 1988 - A campanha salarial de 1988 não foi só importante pelo ponto de vista econômico, mas foi principalmente do ponto de vista político. Esta campanha demonstrou o crescimento da consciência política do trabalhador rural e o amadurecimento de suas lideranças. Onde o Sindicato não conseguiu assumir a luta dos trabalhadores, equipes da FETAPE os organizaram para juntos lutarem contra a milícia privada dos patrões e dar continuidade com a greve. Nesta greve novas lideranças 151
surgiram e assumiram a luta dos trabalhadores dando força ao movimento. Neste ano os patrões continuaram exercendo práticas ilegais para intimidar os movimentos. O mais significativo nesta campanha salarial aconteceu em Paudalho, em um piquete com 200 grevistas que impedia a passagem de caminhões para uma usina local, a PM enviou um batalhão com 150 homens armados de metralhadora, em camburões e micro-ônibus, apontando armas para os camponeses. Coube a FETAPE e aos líderes sindicais, apontar para as autoridades em Paudalho que, de acordo com a Constituição, o papel da polícia é garantir o direito dos trabalhadores e não ameaçá-los ou intimidá-los. As principais conquistas desta campanha foram: - Garantia de 10% acima do Piso Nacional de Salários; - Quando o salário da Nova Constituição for regulamentado, esta garantia fica 5% acima; - O trabalho nos sábados será de 4 horas. Quando o trabalho for por produção, será de meia tarefa; - Hora extra custa 50% acima da hora normal; - Estabilidade provisória de 120 dias para o acidentado; - Estabilidade de 210 dias para gestantes, 90 dias a mais que os 120 dias da constituição; - Mães de crianças até seis meses terão meia hora por turno para amamentar suas crianças. As bandeiras de luta da FETAPE eram bem definidas. Reforma Agrária, permanência do trabalhador na terra e asseguração dos direitos dos assalariados do campo, incluindo previdência, saúde e educação. A campanha salarial era uma luta pontual, que ano a ano buscava melhorias financeiras e de estabilidade para o trabalhador rural, mas a atuação da FETAPE era constante em todos os pleitos do trabalhador que solicitava 152
o apoio da entidade em seu município. O envolvimento das lideranças nas causas dos trabalhadores era 365 dias no ano, 7 dias na semana e 24h por dia. Foi assim que causas isoladas foram ganhas, e foi assim também que, neste ano, Zé Rodrigues recebeu o processo por declaração caluniosa, agindo em defesa do trabalhador do campo. 1989 - Esta campanha salarial teve maior força, pois praticamente neutralizou as alternativas dos patrões para continuar o trabalho e desmoralizar a greve. Os boias frias trazidos pelos patrões como forma de continuar sua produção aderiram ao movimento e também pararam. Os patrões não conseguiram trazer mão de obra do Agreste. Os poucos trabalhadores que foram trazidos da Paraíba desistiram e voltaram após visita dos líderes sindicais. As maiores conquistas desta greve foram: - Salário de 10% acima do salário mínimo da nova constituição; - Salário Família de 5% do salário mínimo para cada filho menor de 14 anos ou inválido de qualquer condição. Foi uma campanha somente para esta causa, que foi conseguida mediante julgamento do Tribunal Regional do Trabalho, mas que foi reduzida no ano seguinte, pois a lei autoriza 2,5% para esta finalidade; - Mulher gestante não pode ser demitida do começo da gravidez até cinco meses após o parto; - Hora extra passa a valer 100% da hora normal; - O patrão fica obrigado a pagar os dias parados em greve; - Nenhum trabalhador pode ser demitido do começo da greve até 90 dias depois de o Tribunal publicar a decisão do julgamento no diário oficial.
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Resposta às mobilizações Após as conquistas adquiridas a partir de 1979, o patronato passou a utilizar uma postura mais rígida para inibir as greves e manter o lucro, tornando cada vez mais difícil para a FETAPE assegurar os direitos adquiridos pelos trabalhadores nas campanhas salariais. Os patrões passaram a contratar mão de obra clandestina e barata para tomar o lugar dos grevistas e, acima de tudo, voltaram a tomar medidas violentas para lidar com trabalhadores que decidissem lutar pelos seus direitos. A FETAPE então teve que recorrer a denunciar estas ações para órgãos internacionais e imprensa, com o fim de gerar pressão pública e forçar o cumprimento dos direitos dos trabalhadores. Foi neste momento que foi escrito o documento considerado o mais importante da luta de Zé Rodrigues pelos direitos dos trabalhadores rurais: O açúcar com gosto de sangue. Apesar da lei que garantia que patrão não poderia substituir o grevista, em toda a categoria tem aquele que diz que vai trabalhar, então nós tínhamos que fazer o piquete de greve para tentar conscientizar estes trabalhadores. Agora, a gente dizia que era uma mobilização pra conversar com os trabalhadores, porque se dissesse que era piquete a gente ia ser enquadrado na proibição da lei. Então o patrão botava a polícia para garantir quem quisesse trabalhar, mas a gente conversava com eles dizendo que os trabalhadores estavam sendo contra eles mesmos... era uma briga de discursos. 154
Se tinham quinze trabalhadores querendo trabalhar, a gente convencia uns cinco e os outros dez acabavam cedendo e indo pra casa, os mais corajosos ficavam ali conosco no piquete que nĂŁo tinha o nome de piquete. ZĂŠ Rodrigues.
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Piquete de greve para evitar que os trabalhadores rurais, contratados em outras regiões, não ocupassem os lugares dos grevistas. São Lourenço da Mata-PE, 1979.
Preparação de campanha salarial dos trabalhadores da horticultura do Vale do São Francisco-PE, em 2004.
José Rodrigues em encontro para preparação de pauta de reivindicações da campanha salarial de 1997.
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Retomada das lutas dos trabalhardores rurais canavieiros de Pernambuco na busca dos seus direitos trabalhistas, cassados pelo regime militar durante os 15 anos de ditadura. Esta retomada teve incío em setembro de 1979.
Participação de José Rodrigues e Geogina na coordenação do 2º Congresso de Delegados Sindicais da Zona Canavieira de Pernambuco, realizado em agosto de 1991, no município de Barreiros-PE.
Participação de José Rodrigues e Geogina na coordenação do 3º Congresso de Delegados Sindicais da Zona Canavieira de Pernambuco, realizado em agosto de 1992, no Recife-PE.
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José Rodrigues em encontro para avaliação dos resultados da campanha salarial do Vale do São Francisco-PE. Década de 1990.
Cartaz de divulgação do 1º Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco. Neste 1º Encontro estadual foi registrada a grande importância da participação das mulheres na luta sindical. Olinda-PE, dezembro de 1987.
Participação de José Rodrigues e Geogina em ato de comemoração dos resultados alcançados na campanha salarial de 1984, em São Lourenço da Mata-PE.
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o açúcar com gosto de sangue
Foi em uma época que uma alta demanda de álcool, alavancada pelos automóveis, atingiu o mercado, que o plantio da cana de açúcar teve um grande crescimento no Brasil e no mundo. A produção do álcool e do açúcar estava em crescimento, misturando o doce do açúcar, com o amargo do suor e do sangue da exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, aqui no nordeste, os movimentos sindicais com os trabalhadores rurais da zona canavieira estavam ano após ano, levando mais e mais trabalhadores aos sindicatos, lutando por seus direitos e buscando melhores condições de trabalho. As campanhas salariais vinham acontecendo anualmente, a partir de 1979, e enquanto para os trabalhadores traziam reais melhorias de vida e de condições de trabalho, os patrões viam isto como reivindicações que atrapalhavam a produção e reduziam os altos lucros. Quando as reivindicações das campanhas salariais não eram atendidas, a FETAPE e os sindicatos organizavam grandes greves. Isto foi enfurecendo o patrão. Os resquícios do senhorio de engenho os impelia a tentar manter as “rédeas” do trabalhador, o comparando a animal ou gente sem direito de voz dentro de sua propriedade. O momento era extremamente favorável para a indústria canavieira e os proprietários de terra mais e mais vezes submetiam o trabalhador rural a condições de trabalho que se classificariam como exploração e escravidão. Os trabalhadores que procuravam defender seus direitos eram constantemente 161
assassinados causando, assim, a tentativa de afastamento dos trabalhadores do sindicato e cada vez mais possibilitando a exploração patronal por meio da força e violência. No dia 17 de junho de 1984, em Camaragibe/PE, no dia de Pentecostes, Zé Rodrigues esteve presente na reunião das 12 regionais da Comissão Pastoral da Terra, que atuavam nas regiões atingidas pela cultura da cana de açúcar. A reunião teve como foco a criação do que viria a ser a produção considerada mais importante da gestão de Zé Rodrigues da Silva: O açúcar com gosto de sangue. O documento só foi possível graças ao modelo de gestão do então presidente da FETAPE, que pedia organização dos sindicatos e que fosse noticiado cada caso de violência. Tudo era registrado em relatórios e dossiês produzidos pela assessoria engajada e bem orientada. As mortes ou enfrentamento entre trabalhadores e empregadores eram informados por meio de ofício à Secretaria de Segurança Pública para comunicar as autoridades e, dependendo do caso, notificavam a imprensa a fim de divulgar e pressionar as autoridades para tomar medidas e as apresentar para a sociedade em retorno à matéria publicada. Açúcar com Gosto de Sangue é composto de diversas páginas onde são expostos o trabalho escravo, o favorecimento do governo, as fraudes, os desvios de dinheiro público, a impunidade e muitos outros problemas. O propósito maior da publicação era conseguir o apoio da população na luta contra a exploração e também chamar atenção de instituições internacionais para os acontecimentos nacionais que, como consequência, resultou em intervenções internacionais ao álcool produzido no Brasil e consequentemente à revisão das condições trabalhistas do trabalho rural em todo território nacional. A necessidade de dar publicidade à violação de direitos de que eram vítimas os trabalhadores se impunha porque, apesar da violência ser endêmica na Zona da Mata de 162
Pernambuco, ao longo da Ditadura as pessoas tinham medo de falar e, portanto, se sabia pouco sobre o muito que se fazia contra os trabalhadores, em seus locais de trabalho, ou nas diferentes tentativas de organização política e/ou sindical. O açúcar produzido na zona canavieira de Pernambuco tem gosto de sangue. Sangue dos trabalhadores rurais espancados e assassinados pela truculência daqueles senhores de engenho e usineiros que implantaram um verdadeiro clima de terror em suas propriedades, com o objetivo de saciar a sua ganância de superlucros através da superexploração dos trabalhadores rurais da palha da cana. O açúcar com gosto de sangue. Com o progresso das conquistas sindicais dos trabalhadores rurais, a consciência política e sindical passou a crescer nos trabalhadores da Zona da Mata pernambucana, e em 1982 já se tinha uma grande adesão dos trabalhadores aos sindicatos e cada vez mais era difícil para o patrão negar os direitos dos trabalhadores. Porém, ao mesmo tempo, o Sertão e o Semiárido estavam passando por uma seca que já durava cinco anos e nesta seca os patrões viram a oportunidade que esperavam para que parassem de pagar os direitos dos trabalhadores. Então os patrões passaram a tentar substituir a mão de obra local pela mão de obra disponível e barata da seca no Sertão. Para que isso ocorresse os donos de plantações e engenhos recorriam sempre a ameaças e métodos de violência. O açúcar com gosto de sangue descreve as formas de violência sofridas pelos trabalhadores São as mais diversas formas de violências, físicas e morais, como pode ser lido neste trecho do documento:
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A violência é utilizada para expulsar os moradores de seus sítios para expandir a área plantada com cana de açúcar; A violência é utilizada para expulsar os trabalhadores permanentes e registrados para dar lugar a clandestinos e, assim, evitar os gastos com aviso prévio, 13º salário, férias etc.; A violência é utilizada para submeter o trabalhador a uma carga de trabalho ilegal de 6 dias por semana, recebendo por apenas 2 ou 3, sem hora extra, sem férias, sem 13º; A violência é utilizada para impedir que o trabalhador procure a justiça; A violência é utilizada para desligar os trabalhadores de seus sindicatos; A violência é utilizada para que os dirigentes sindicais não consigam chegar aos trabalhadores. Devido a esta publicação, Zé Rodrigues também foi convidado a participar da CPI da Seca, em 1987. A publicação deste documento foi uma forma de levar ao público os acontecimentos que ocorriam na região canavieira de Pernambuco e que a ameaça pelo império da cana aos trabalhadores trouxe dificuldades no desenvolvimento social desta região, mas também foi nossa intenção relatar que em outras regiões do estado também houve violência, truculências patronais dos grandes proprietários de terras no agreste e também no sertão. Como exemplo, o assassinato do ex-presidente do Sindicato de Passira, Deocláudio Pereira da Silva, na porta de sua casa em Passira/PE a mando de fornecedores de cana da região, como também a morte do ex164
presidente do Sindicato de Aliança/PE, Evanduir Pereira da Silva, assassinado por mandantes e nunca esclarecido, uma vez que o assassino foi solto da cadeia e assassinado como queima de arquivo. Outro caso foi o assassinato do Evandro Cavalcanti, advogado dos trabalhadores do Pólo de Surubim que na época foi contratado pela FETAPE para dar assessoria aos sindicatos na questão da defesa pela terra, ele foi brutalmente assassinado na frente da sua esposa e dos dois filhos. Os dois primeiros foram mortes com relação à reclamação de questões trabalhistas e o último foi pela defesa de Reforma Agrária. Raimundo Félix, ex-presidente do Sindicato de Serra Talhada, assassinado por também lutar pelos trabalhadores no sertão. O ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntes/ PE, José Francisco, assassinado, mas não foram descobertos os verdadeiros mandantes do crime. E tantos outros trabalhadores das três regiões, Agreste, Mata e Sertão que foram assassinados brutalmente por vingança dos poderosos que nunca aceitaram a atividade dos dirigentes sindicais em defesa dos trabalhadores. Zé Rodrigues da Silva. Assassinatos estes que confirmam a condição de vida da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Eles eram tratados como propriedade de alguns patrões que, com abuso de autoridade, tentavam manter seu domínio. No período antes do golpe militar, trabalhava no engenho Xanguá, da Usina Trapiche. O trabalhador chamado reacionário era torturado,
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não por ser contra o regime, mas por ser a favor de seus direitos. Não podíamos fazer nada. Um companheiro, o Justino Albertino, que trabalhava comigo, levou uma pisa da polícia e morreu lá no engenho mesmo. Amaro Justino, amigo desse companheiro também. Sebastião Firmino apanhou e foi jogado na água, no outro dia, a barriga já estava inchada... Amaro Gato, do Engenho Carrapato (São Francisco) teve os testículos bem amarradinhos pela polícia e foi pendurado, aos gritos, pelos colhões, no pátio do engenho para que ninguém desrespeitasse uma ordem da usina. Elias Domingos, do engenho Serra D’agua era delegado sindical, levou uma pisa tão grande que morreu. Isso é em um pequeno círculo. Imagina o que aconteceu nos outros lugares. Tinha um negão, de um grupo de policiais que quando chegava todo mundo tremia. A parada era muito dura. Isso foi nos anos 60, antes de Arraes assumir. As leis de Getúlio Vargas, que haviam sido criadas lá atrás, serviam para o trabalhador da cidade e não atingia o campo. A Lei nº 4.214, o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1962, que regulamentava o direito do trabalhador rural assalariado, não era cumprido. O trabalhador queria seus direitos, mas o patrão não queria. Então começaram ainda mais conflitos, com os seguranças do engenho e com a polícia. Para pagar o salário do trabalhador, os usineiros davam um terreno bem grande para que o trabalhador não conseguisse cumprir a atividade e não recebesse o valor completo, acabávamos trabalhando três dias na mesma tarefa e não conseguíamos terminar o serviço. Não havia um instrumento de disciplina, que 166
dissesse que o salário seria devidamente pago se fosse cumprido em uma área proporcional à capacidade de produção do trabalhador. O Movimento Sindical montou uma estratégia para forçar o patrão a sentar e negociar o cumprimento das leis. Passamos a trabalhar seis meses na diária, considerando as oito horas de serviço mas sem trabalho intenso, porque a lei dizia que eram oito horas por dia independente da necessidade de produção. A partir daí, diante das perdas do patrão, ele sentou para negociar conosco e com o governador do Estado para disciplinar a tabela de tarefas. Com a Tabela do Campo, tivemos tudo bem definido para o trabalhador. Arraes determinou que a polícia não agredisse mais o trabalhador, diferente do governo de Cid Sampaio (dono da Usina Roçadinho, que existia em Catende). Em 1979, quando Zé Rodrigues entrou na Federação, aí a tabela ficou uma maravilha, separado em um grande índice”. Zé Paulo. Euclides, quando presidente da FETAPE disse para Arraes, que parecia que Pernambuco não tinha governo, porque o que acontecia com o trabalhador era muito terrível. Muita violência, muitas mortes, pois a polícia vivia a serviço do patronato. Com Arraes, os trabalhadores tiveram apoio contra a violência promovida pela polícia, porque ele respaldava o direito do trabalhador e proibiu as polícias de usarem força contra os trabalhadores rurais nas manifestações em defesa de direitos. Arraes convocou os usineiros para fazer um acordo quanto à tabela de atividades do trabalhador, e assim, com esta pauta e a fim de promover o cumprimento das questões trabalhistas, foi feito o acordo do campo de março 167
de 1963. Já com a entrada do regime militar em 1964, o trabalhador perdeu a força de mobilização. Com o respaldo do regime, a tabela do campo havia sido alterada de acordo com o que o patrão queria dentro de sua propriedade. Então o trabalhador teve que ficar calado nos descumprimentos do patronato e quando falava por seus direitos tinha que fugir do engenho à noite para não apanhar... Na retomada das negociações em 1979, na grande greve, baseados na tabela de 1963, negociamos uma tabela de tarefas do campo ajustada dentro da realidade do período e nós a conseguimos. Zé Rodrigues. As primeiras negociações a partir de 1979 eram muito acirradas. De difícil entendimento entre a representação patronal e a representação dos trabalhadores (sindicatos, FETAPE e CONTAG). De um lado o patronato ainda estava frustrado porque estava tendo sua “autoridade” questionada (autoridade essa de domínio absoluto e inquestionável por pelo menos 15 anos de regime militar) e do outro lado, os trabalhadores se sentiam fortalecidos pela organização dentro de uma campanha salarial que lhe respaldava no direito de se posicionar com igualdade. Esses acirramentos ocorreram nos anos seguintes e a cada negociação, em alguns momentos, com a mediação do Ministério do Trabalho, quando não ocorriam os acordos, íamos para o dissídio no TRT. Com o passar do tempo a representação patronal viu que sua posição de senhor de engenho não lograva êxito nas mesas de negociações, o clima foi mudando, e o tratamento também mudou. 168
Até porque os critérios das normas trabalhistas em dissídio coletivo também mudaram, pois para se instaurar um dissídio coletivo, tem que haver o acordo entre as partes. As inúmeras denúncias de violência feitas pelo Movimento Sindical para dentro e fora do país não soavam bem com aquele tipo de comportamento que os usineiros estavam apresentando nas mesas de negociações. A razão desta mudança, de discurso e de atitude foi pela dificuldade que eles estavam tendo nas negociações econômicas. Eles também tiveram que mudar as pessoas que faziam as negociações. Zé Rodrigues. ...o aumento da violência era de forma estratégica. Era uma estratégia... Na frente do sindicato, o patrão batia no seu ombro e por trás descia pancada. José Paulo.
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Dossiê realizado acerca da violência ocorrida na zona canavieira pernambucana, intiulado “Açúcar com gosto de sangue” - 1983.
Nos anos iniciais da década de 1980, os empregados das usinas de açúcar da Zona da Mata pernambucana eram equipados com armas de fogo para ameaçar os trabalhadores rurais canavieiros, inimbindo assim sua luta para a conquista de direitos trabalhitas. Muitas vezes, as ameaças acabaram em violência e morte de trabalhadores.
Participação de Geogina e José Rodrigues em ato de protesto pelos 10 anos do assassinato do advogado Evandro Cavalcante. Surubim-PE, 2012.
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vida pública e privada: articulação entre valores e práticas pessoais e militância política e sindical
O casal Como conheci José Rodrigues? Foi nos anos 70. Em 1971 eu fiz parte de um grupo de trabalhadores rurais que fundou o sindicato da categoria no município de Iguaracy. Fui o primeiro tesoureiro eleito daquele sindicato. Em 1976 eu tinha o cargo de secretário quando afastei-me por discordar dos demais diretores. Voltei em Abril de 1978, encabeçando uma chapa de oposição. Simultaneamente José Rodrigues disputava a presidência da FETAPE. Ambos fomos vitoriosos e mantivemos estreitas relações de trabalho, principalmente por que tínhamos ideias muito parecidas no que se refere ao Movimento Sindical. Desse sincronismo nasceu uma amizade forte e duradoura. Em 1982 tive que deixar a presidência do sindicato e também minha cidade (Era algo comum a sindicalistas que discordavam da Ditadura Militar). José Rodrigues, então Presidente da FETAPE ofereceu-me um emprego no polo da Mata sul com sede em Ribeirão onde fiquei como assessor até 1999, quando me aposentei. 173
Foi lá que conheci de perto a companheira Geogina, que trabalhava na assessoria da sede. Passei a precisar muito dos seus préstimos, assim como os demais colegas, pois muito dependíamos dela que com tirocínio, disposição, capacidade e muito boa vontade nunca negou favores a ninguém. Carinhosamente sempre a chamamos de “Mulher-faz-tudo”. Geogina sempre prestou serviços ao Movimento Sindical, mas não deixou de atuar em outros movimentos e em todos conquistou grandes amizades e admiração. Mas também ciúmes e invejas de muitos. Conheci muitos homens e mulheres valiosos nesse movimento, mas como casal não. Somente José Rodrigues e Geogina, eu considero o casal sindical número um do Brasil e do mundo. Manoel Jerônimo. Nas palavras de Manoel Jerônimo, podemos ver um pouco do espírito de união e comunhão de Zé Rodrigues e de Geogina, a forma como se preocupam com o próximo e, principalmente, como estiveram e estão sempre dispostos a ajudar. É com esse espírito em sintonia que um pode encontrar no outro o parceiro que precisava para a vida inteira. Manoel Jerônimo enfatiza isso quando diz que não há, no conhecimento dele, um casal tão valioso para o Movimento Sindical, um casal que está tão disposto a ajudar o próximo e a lutar pela vida das pessoas, um casal que vale ser mencionado como “o casal sindical número um do Brasil e do mundo”. O namoro dos dois começou em 1975 na noite cultural do Seminário de Formação e Capacitação Sindical do EESA, em Exu, que ocorreu nos dias 20 e 21 do mês de maio. Este Seminário tinha o objetivo de formar lideranças para a criação dos sindicatos. Ambos tinham suas obrigações e a distância era 174
companheira no início do relacionamento. Muitas são as cartas trocadas nesse período e todas carregando palavras de amor, cuidado e carinho. Vale salientar que foi num desses eventos sobre sindicalismo que madrinha (Geogina) convidou Zé Rodrigues para dançar. E dançam juntos até hoje. Maria do Carmo (Madrinha). O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Exu foi fundado no dia 25 de setembro de 1975, com a presença de membros da FETAPE na pessoa de José Rodrigues e também com Geogina Delmondes. Esses dois sempre estiveram junto conosco em todos os momentos (...) Foi exatamente neste ano tão importante para esse sindicato que teve início o romance entre Zé Rodrigues e Geogina, resultando num casamento tão igual e duradouro, graças a Deus. (...) Esse também foi o período que o sindicato foi reconhecido pelo então ministro do Trabalho, Murilo Macêdo. Graças ao esforço de todos que faziam o sindicato e principalmente de Geogina, sempre incansável na luta conosco, de Zé Rodrigues, lutando junto a CONTAG com o sr. José Francisco da Silva, até que conseguirmos este registro tão desejado. Era lindo ver como o sindicato estava todo organizado e dentro dos conformes, atendendo a todos os associados sem nenhum tipo de preferência, sem política partidária interferindo nos trabalhos. Maria de Fátima Parente de Sá Barreto. Como ambos estavam envolvidos na vida sindical, eles muitas vezes se desencontravam e passavam bom tempo sem
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se ver e, para matar a saudade, eles se comunicavam com cartas e por onde podiam matar um pouco da saudade que tinham um do outro antes que pudessem se ver novamente. Geogina e Zé Rodrigues é um casal iluminado, guerreiro na luta em defesa dos agricultores. Tive o prazer e a honra de conhecê-los em setembro de 1987, quando fui contratada pela FETAPE para a função de assessora educacional. Trabalhei 15 anos na FETAPE e desde que entrei, logo me identifiquei com os ideais desse casal que marcou minha vida e com quem muito aprendi. Zé Rodrigues, pelas ideias, paciência, tranquilidade e firmeza na luta. Sempre tratando a todos, em especial os trabalhadores rurais com respeito, dignidade e carinho. Ao mesmo tempo, fervoroso, firme e forte nas lutas. Mesmo na Ditadura, mesmo no enfrentamento aos usineiros e fornecedores de cana conservadores e, muitos deles, até violentos, nunca esmoreceu ou desistiu das lutas. Ao contrário, sempre soube negociar com o patronato, recuando ou enfrentando, quando necessário, sempre com máxima clareza do momento conjuntural. Com ele reafirmei meu lema de vida: “Insistir, persistir e não desistir nunca”. Com certeza Zé Rodrigues é um dos maiores líderes dos trabalhadores rurais, que marcou pra sempre a história do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais de Pernambuco. Dizem que “atrás de um grande homem, sempre há uma grande mulher”. No caso de Geogina é diferente. Ela nunca ficou e nem fica atrás. Sempre caminhou junto com Zé Rodrigues, ao lado, em pé de igualdade. Participou diretamente e ajudou a montar estratégias e discutir as 176
táticas de cada frente de luta. Sem dúvida é uma grande mulher, que, além de assumir as lutas da categoria, em especial ajudou, ao longo de sua vida, as companheiras trabalhadoras rurais a se libertarem da submissão e da violência a que foram subjugadas. Foi graças ao seu incentivo e sua liderança que se constata hoje número significativo de mulheres trabalhadoras rurais nas diretorias de seus Sindicatos e da FETAPE, além de inúmeros grupos de mulheres que se organizam e assumem seu espaço na sociedade e na luta em defesa pelos direitos. Geogina e Zé Rodrigues se somam, se completam profissionalmente e na vida familiar. Criaram 03 filhos lindos, hoje jovens que defendem ardorosamente os seus direitos e os direitos dos menos favorecidos, dos mais humildes, em especial, os trabalhadores rurais. Imitando o “compadre” Euclides Nascimento, outro grande baluarte do Movimento Sindical, ouso fazer um verso em homenagem ao casal. A vocês, Geogina e Zé Rodrigues: Líderes da justiça União e liberdade Tesouros de nossa luta Amantes da igualdade Conscientes, firmes, fortes O seu comando destaco Nunca se viu igual Ternura, carinho e respeito Incondicionalmente vocês lutam e Nessa caminhada, vamos juntos Unidos numa só corrente Avançando pelos direitos. Gorete Aquino. 177
Os dois namoraram por três anos e se casaram em 1978, em uma cerimônia simples celebrada pelo padre Pedro Mansueto de Lavor, grande incentivador e parceiro das lutas do MSTTR, que no ano seguinte se elegeria deputado estadual e posteriormente federal, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Para o casamento, foram convidados principalmente trabalhadores rurais da região de Ouricuri e lideranças sindicais, como José Francisco da Silva (Presidente da CONTAG) e Euclides Nascimento, entre outros. O casamento dos dois foi bem visto por todos os que faziam parte do Movimento Sindical, e só trouxe bons frutos para a vida do casal. Quem os conhece sabe o quanto foram e são importantes na vida um do outro e como juntos foram importantes para a vida de todo trabalhador rural não só de Pernambuco, mas do Brasil inteiro, como bem lembra o amigo do casal, Zé Preá: Eu tenho muita admiração por eles... e acho que todos os casais devem seguir o exemplo deles, um casal que como todo os outros deve ter tido suas divergências, mas sempre estiveram apoiando um ao outro, sempre estiveram unidos e com um objetivo só: Que é a luta no Movimento Sindical. José Soares Novaes (Zé Preá). Todos os familiares foram convidados para o casamento e grande parte fez um grande esforço para poder participar deste momento. Entre os familiares, alguns que moravam bem distante, até mesmo em outros estados, como foi o caso dos irmãos de Geogina, Alfredo Pedro da Silva, que veio de São Paulo/SP e Luís Pedro da Silva, que morava em Altamira/ PA, o qual veio ao casamento com toda sua família. Luís Pedro 178
viajou juntamente com sua esposa Maria de Lourdes, sua sogra, conhecida por Toinha Borges, e os seus seis filhos: Francisco Evaldo (Maninho), Maria José (Bebé), Eliane, Edilene, Edneide e Evaldo, em um fusca até Trindade/PE, não medindo esforços para se fazer presente e assim demonstrando carinho e amor pela irmã Geogina. Os outros irmãos Francisco Pedro da Silva, Maria de Fátima dos Reis e família também prestigiaram o casamento da irmã. O apoio mútuo e a união serviram como fator decisivo na vida dos dois, que sempre encontraram um no outro o parceiro ideal, compartilhando interesses e objetivos. Muitos acreditam que eles nasceram um para o outro e isso não dá para contestar, pois é difícil acreditar que qualquer um dos dois teria chegado tão longe quanto chegaram sem o apoio mútuo. A união de Zé Rodrigues e Geogina serviu para fortalecer o sentimento de luta nos dois, empurrando-os cada vez com mais força para o Movimento Sindical. União esta que deve ser celebrada por todos que foram defendidos pelo casal em suas sindicâncias, em favor do trabalhador e da trabalhadora rural.
Tamandaré e os encontros No litoral de Pernambuco, na praia de Tamandaré, Zé Rodrigues e Geogina compraram uma casa de praia. Este é o ponto de encontro e de confraternizações, uma casa que sempre disponibilizam para lazer dos sindicatos e da família. Seja para reuniões do PSB ou para receber sindicatos do interior do Estado, a casa está sempre à disposição para agendamento e organização de almoços e debates entre os companheiros da luta sindical e política. A família faz da casa um ponto de encontro para comemorar todas as conquistas e, nestes momentos de intimidade familiar, reafirmam a importância do convívio e do 179
compartilhar alegrias. Todos os anos ocorre pelo menos um encontro para celebrar a união e o companheirismo. Nesta casa em Tamandaré Geogina tem organizados na parede todos os certificados de participação em eventos e honras recebidas pelo reconhecimento da atuação a favor do homem do campo. Organizada, Geogina mantém na sala de estar um mural que toma todas as paredes, contando a linha do tempo dela, de José Rodrigues, dos filhos e da luta. Cada fotografia traz a legenda dos capítulos vividos pelo casal. Sempre participou de cursos, congressos, assembleias e também sempre guardou com carinho seus certificados, com a intenção de registrar e dar exemplo a quem começa no Movimento Sindical. Qualquer visitante que vai a sua casa em Tamandaré verá nas paredes as certidões do constante estudo, aprofundamento e participação. O primeiro certificado é de 1978 e a parede está totalmente preenchida com mais de 40 registros oficiais de eventos para o crescimento do Movimento Sindical.
Reconhecimento dos companheiros de luta O ilustre governador Miguel Arraes de Alencar (1916 - 2005), eleito por três vezes, sempre através do voto popular, já dizia que “a facilidade não é deste nosso mundo, o Nordeste. Somos feitos de sofrimento e de perseverança, cedo aprendemos que a teimosia é a condição de nosso viver.” Dona Madalena Arraes, esposa do Governador Miguel Arraes, disse lembrar que o marido sempre esteve engajado com o que era para o bem do trabalhador e que nesta jornada, encontrou muitos parceiros de causa. Ter um governador que apoiasse as lutas marginalizadas foi crucial para a concretização de 180
programas de Governo em prol dos trabalhadores. Ouvindo, dialogando, acompanhando. Soube que José Rodrigues da Silva era engajado e que atuaram no movimento, mas nunca tivera uma participação ou um diálogo mais aprofundado com o casal. As pessoas saiam (depois de falar com meu marido) com esta alegria, vamos dizer assim, de serem ouvidas, de serem atendidas, de se sentir compreendidas e, por isso, havia uma amizade, uma reciprocidade entre o governo e o movimento, no apoio aos líderes. O que antes era reclamação silenciosa com o patrão e contentamento por orientação religiosa tornou-se clamor evidente em todo o país. A luta em busca do reconhecimento do camponês, da justiça pelo trabalho compulsório e de colocar um basta na condição insalubre do labor diário. Com apoio do governo ou não, José Rodrigues e Geogina continuaram na luta com vários companheiros. Eu, me chamo Paulo Roberto (Beto), nasci em 1980, natural de Paudaho/PE, minha cidade natal, São Lourenço da Mata, filho caçula do casal, Agápito Santos e Eunice Santos. Meus pais eram sindicalistas, meu pai dirigente sindical e minha mãe militante. Desde criança tive a oportunidade de conhecer o casal sindical, Geogina Reis e Zé Rodrigues, da FETAPE, como eram conhecidos. Sempre estiveram participando das lutas do Movimento Sindical; em São Lourenço da Mata, era comum tê-los participando ativamente das atividades do sindicato dos trabalhadores rurais, nas assembleias, passeatas, nas greves etc., 181
sempre com muita animação a companheira Geogina, que sempre teve sua marca na organização das mulheres rurais principalmente na Zona da Mata do Estado de Pernambuco. Por ironia do destino, segui os passos dos meus pais e segui na luta sindical, onde cheguei a dirigir o STR de São Lourenço, no ano de 2004 e em 2006 assumi a Diretoria de Política Agrária da FETAPE, na qual tive oportunidade de conviver mais próximo do casal. Sempre admirei a coragem, força e o companheirismo que existia e existe nesses companheiros, aprendi muito com essa dupla, e reconheço que ambos deram contribuições significativas para o MSTTR.Paulo Roberto R. Santos. O que valida a atuação militante e engajada do casal é que todos os trabalhadores sindicalizados que foram entrevistados para a composição desse livro disseram que depois de conhecer o engajamento do casal se sentiram “salvos” por receber sentido de vida, conhecendo seus direitos e sua própria voz. Receberam do casal a coragem que os impulsionou a continuar na luta pelo bem de muitos. Conheci Zé Rodrigues e Geogina quando ainda eram noivos, ele no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim e ela no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Trindade. Naquele tempo, eu estava começando a trabalhar na FETAPE como auxiliar de escritório, no centro da FETAPE em Carpina. Depois se casaram e foram trabalhar em Recife. Ele como diretor da FETAPE e ela no setor pessoal. Um casal de líderes natos, sempre dedicados a defesa do 182
trabalhador rural. Um casal perfeito. Tiveram três filhos e os educaram dentro dos princípios religiosos e morais, obedientes às leis de Deus e às leis dos homens. Eu agradeço a Deus por tê-los colocado em meu caminho e peço a Deus que os conservem por muito tempo entre nós. Aderito Nunes Pereira. A trajetória do casal sindicalista, objeto deste texto que ora está indo a público, não consegue traduzir o real da vivência dos seus protagonistas Georgina e José Rodrigues. Muitos outros volumes se acrescentariam para se conhecer anseios, angústias, lutas e vitórias deste casal incansável, dedicado a Cristo e a sua Igreja, militante na família e no sindicalismo dos trabalhadores e trabalhadoras Rurais. De início, no Sertão de Pernambucano, logo após, no Estado e, por fim, inserindo-se nos impulsos de libertação dos camponeses de todo o Brasil, Georgina e Zé Rodrigues compreenderam e levaram à prática a primeira lição ensinada aos trabalhadores: a união faz a força. Casaram-se, acreditando nessa verdade e distribuindo-a como exemplo, consciência e consistência a todas as pessoas de seu Convívio. Casal amigo, acompanhei e sempre admirei essa sua trajetória de muito trabalho, fraternidade e amor. Parabéns. Creuza. Na vida religiosa, o casal contou com apoio e admiração de clérigos que foram verdadeiros cúmplices da trajetória minuciosa de doação de vida. Através de conversas nos ombros amigos do padre Edvaldo e do padre José do Patrocínio, o casal apresentava a Deus todas as dificuldades e conquistas,
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frequentando regularmente as missas e reuniões de casais, onde seguiam o roteiro ideológico das campanhas da fraternidade, anualmente lançadas pela Igreja Católica Apostólica Romana. Os dois padres tiveram participação em movimentos a favor do desenvolvimento político consciente e justo. Padre Edvaldo, da Igreja de Casa Forte, atuou em favor de jovens militantes contra a Ditadura Militar. Sua participação orientando o casal foi além do amor fraterno e do conselho espiritual; foi ideológica. O padre José do Patrocínio, ainda no seminário, teve sua formação voltada para o social e quando finalmente tornouse padre passou a atuar na causa do trabalhador do campo. Formou-se em Direito e passou, então, a conceder além do suporte espiritual e ideológico, a assistência perante a justiça dos homens, no tribunal. Como advogado da FETAPE atuou em causas como a desapropriações de terras. Conheço Geogina há mais de 30 anos, é gente muito fina, nota 1O. Zé Rodrigues, conheço desde quase menino. Eu estou no MSTTR desde a fundação do Sindicato de Nazaré da Mata. Fiz parte da primeira diretoria, fui vice-presidente e, na segunda, fui tesoureiro. Depois passei a fazer parte, enquanto funcionário da FETAPE em 1975, quando começou a construção deste centro da FETAPE aqui em Carpina, foi então que conheci a Geogina, que era bolsista do Sindicato de Ouricuri, sempre muito atuante depois, ela casou com Zé Rodrigues e veio trabalhar na FETAPE, passou a ser minha colega de trabalho. Mesmo ela ocupando uma função de grau mais alto que o meu, ela sempre me tratou com muita consideração e respeito, bem, até hoje ela tem muita consideração comigo. Quando Zé era presidente da FETAPE, eu 184
mesmo na condição de trabalhador, funcionário na administração do centro, eu era chamado para opinar no debate sindical; a nossa relação sempre foi de companheiro. Eu tive o privilégio de acompanhar a trajetória de Zé no Movimento Sindical, posso afirmar, não só dele, mas do casal, que criaram seus filhos na luta sindical e conseguiram ofertar ao mundo três joias, pessoas que sabem respeitar do mais simples trabalhador ao mais alto. Geogina e Zé Rodrigues e os dois filhos e a filha formam uma família abençoada por Deus. Tenho prazer de dizer que são meus amigos, pelos quais tenho grande carinho. Joaquim de Carpina.
Fé O casal não foi pioneiro na luta, mas é exemplo. Difícil é encontrar casais que atuem juntos na intenção de melhorar a vida das pessoas. Esta é a verdadeira Igreja: fazer de sua vida e de seus esforços a verdadeira obra de doação. A Igreja sempre foi fundamental para o Movimento Sindical. Nos campos, se tinha algo em comum entre os trabalhadores rurais além do trabalho excessivo e da exploração sofrida, era a fé na Igreja Católica. Enquanto os trabalhadores eram proibidos de frequentar sindicatos com ameaças de morte, o direito de frequentar a missa nunca lhes foi obstruído. E foi dessa penetração nas comunidades dos trabalhadores rurais que a Igreja viu a oportunidade de participar da luta dos trabalhadores, organizando suas necessidades e os orientando sobre seus direitos. Essa intenção da Igreja é vista claramente nos temas e textos utilizados durante as campanhas da fraternidade, como a de 1978, com o tema: “Trabalho e justiça para todos”. Dentro 185
do livreto da campanha, são encontrados os seguintes textos: “Trabalho para todos, serviço fraterno”, “Luta pela fraternidade no trabalho”, “Política, um trabalho para que todos possam ter trabalho”, “Justiça, a primeira exigência do amor”, “Trabalho, caminho para libertação” e “Vamos dar as mãos” que vem com o seguinte parágrafo: Você já pensou que todos os bens da terra são destinados em primeiro lugar para todos os homens? Não somos irmãos? A conscientização sobre o valor do trabalhador rural e sobre o poder que se tem quando se age com união, é um tema frequentemente adotado pela igreja neste período. Um texto chamado “A história do boi que queria preservar o capim do pasto” é encontrado na campanha da fraternidade do ano seguinte (1979): O capim do pasto estava no fim. O boi ficou preocupado e gritou: “Vamos preservar o capim que é de todos!” Falou para a minhoca: “Você não pode comer a raiz do capim!” E para a abelha: “Você pode chupar o mel das flores que nascem no pasto, mas não pode roubar a semente do capim!” E para o gafanhoto: “Você come demais! Está acabando com o capim!”. Chamou o passarinho e disse: “Fique de olho no pasto e tome conta desses bichos que ameaçam o nosso capim!”. O passarinho foi, e transmitiu o recado do boi. Mas a minhoca respondeu: “Eu comi a raiz do capim. Mas foi para poder enterrar minha mãe que morreu pisada pela pata do boi!”. A abelha respondeu: “Para mim só sobrou a semente do capim. O boi comeu todas as flores. E o gafanhoto disse: “Eu só comi dois capinzinhos. O boi acabou com o resto!” O passarinho voltou para o seu ninho e pensou: “O 186
problema do capim é bem mais diferente do que o boi imagina. Se a gente não cuidar, o capim vai se acabar. Mas o capim não é só do boi. É de todos! Todos têm igual direito, conforme o tamanho do estômago de cada um!”. O passarinho voltou a conversar com os bichos e disse: “Vamos preservar para todos o capim que é de todos”. No final da conversa disseram: “Que o boi não atrapalhe a nossa vida. Que ele se encoste no seu canto, pois aqui tem lugar para todos. E se ele não concordar, que vá embora e procure outro lugar”. Mas o boi não concordou, nem quis ir embora. Continuou com suas ameaças, como se fosse o único dono do pasto. Então, os bichos deram um jeito para defender o seu direito. As minhocas subiram pelas pernas do boi e entraram nas suas narinas; as abelhas começaram a zumbir nos seus ouvidos e os gafanhotos pulavam nas pestanas dos seus olhos. O boi tentou resistir, mas não aguentou. Teve que desistir de querer ser o dono do pasto, e foi embora. Encostou-se no seu próprio canto e deixou os bichos em paz. Foi este o jeito que os bichos encontraram para preservar para todos o capim que é de todos. Texto extraído do livreto da Campanha da Fraternidade de 1979. Essa foi a postura da Igreja Católica e essa postura também serviu para fortalecer o espírito da luta em Zé Rodrigues e Geogina, que sempre encontraram na Igreja a força que precisavam para superar os momentos mais difíceis e tensos de suas vidas.
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Quando Zé Rodrigues estava para ser preso por calúnia, por ter se manifestado em relação ao caso do assassinato na Zona da Mata Norte, Geogina encontrou seu refúgio nas palavras e orações do padre Edvaldo, vigário de Casa Forte que era conselheiro e grande amigo do casal. Suas palavras deram forças para que pudessem seguir em frente. Eu me lembro que tiveram momentos difíceis, eu sempre rezei com eles e pedi a Deus por eles porque eles frequentam minha missa com assiduidade. Quem trabalha pelos pobres na área da cana de açúcar ou no campo está correndo perigo. E eles nunca deixaram de fazer o trabalho deles, apesar da vida deles ser sempre olhada com suspeitas por isso. Sempre que eu pude ajudar eu ajudei. Sempre recebi notícias, sempre estive perto da luta, mas como minha atuação é muito extensa e não tive tempo de me dedicar mesmo à causa... mas sempre estive presente em orações. Padre Edvaldo. Quando Zé Rodrigues recebeu um bilhete em sua residência enviado através dos Correios dizendo “cale sua boca. Não fale na Reforma Agrária, porque seu pedaço de terra já está reservado lá no cemitério”, Geogina prontamente levou o bilhete para padre Edvaldo, que o leu, rezou com ela, acalmou seu semblante e coração consumido pelas lágrimas e disse que ela tivesse calma. Geogina ainda contou com o apoio do amigo do casal quanto a proposta do Governo do Estado, através da Secretaria de Segurança Pública, que queria dar segurança a Zé Rodrigues. Padre Edvaldo concordou que foi bom Zé não ter aceitado a proposta, pois os seguranças seriam pessoas desconhecidas e não dava para saber a intenção destas pessoas, pois elas ficariam sabendo detalhes da vida do casal, do cotidiano, 188
de como abrem e fecham as portas. Para Geogina ele sempre dizia “tenha fé em Deus, continue nesta caminhada linda de vocês que não vai acontecer nada”.
Encontro com o Papa João Paulo II O dia 7 de julho de 1980 foi um dia marcante para a vida familiar de Zé Rodrigues e Geogina, eles foram convidados por Dom Hélder Câmara e coordenação para receber o Papa João Paulo II. Geogina estava grávida do primeiro filho, Jost Paulo e enquanto passavam ouviam gritos da multidão sobre o nome que deveriam dar ao bebê: “O nome é JOÃO PAULO, JOÃO PAULO!”. O casal teve a oportunidade de entregar um documento de denúncias, apresentando os casos de violência contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais canavieiros. Também estava nesse documento a proposta de defesa da Reforma Agrária. No documento entregue ao Papa João Paulo II era registrada toda a onda de violência no campo, continha o 189
histórico das denúncias de violência sofrida pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais, das questões da terra, das expulsões e da Reforma Agrária. Era sobre Pernambuco, mas refletia a situação do campo no país. Por que mesmo na época, já existindo o Estatuto da Terra, não havia o cumprimento das leis. Já havia uma abertura pelo direito dos trabalhadores, mas ainda viviam sob tutela do regime militar. A oportunidade e a entrega do documento foi um momento emocionante pelo fato de o Papa ser o maior líder religioso do mundo.
Incentivo Cristão Durante a criação dos filhos não faltaram incentivos à prática do cristianismo. Amor ao próximo, participação na Igreja, respeito e atenção à palavra de Deus. Um dos filhos, o Joelson quis ser padre. A mãe ficou muito orgulhosa, apesar de não concordar completamente com esta escolha. Eu chorava muito porque ele ia sair de casa. Arrumei tudo pra ele ir pro seminário e fiquei muito feliz porque ia ter um filho padre, minha mãe também ficou muito contente. Ele cresceu muito como cristão e como pessoa enquanto esteve envolvido no seminário. Passou a ser mais entusiasmado, mais envolvido com a Igreja. Geogina. Quando ele decidiu voltar, quatro anos depois, foi bom, porque ele passava pouco tempo em casa, enquanto estava no seminário e nós queríamos ter nosso filho mais próximo. Ele voltou entusiasmado para continuar seus estudos, foi quando estudou para ser assistente social, porque ele poderia dar continuidade ao trabalho na área social, pois tinha se dedicado muito à evangelização e à assistência enquanto era seminarista. Zé Rodrigues. 190
Pelo menos um dia na semana Zé Rodrigues e Geogina tem o compromisso de frequentar a missa na Igreja Católica. E quando estão viajando a trabalho, ligam para os filhos perguntando como foi a cerimônia e incentivando-os a participarem. De qualquer modo, o casal sempre declara que as conquistas da vida e do trabalho só foram possíveis diante da graça de Deus em conceder-lhes força e ânimo, coragem diante da adversidade e paciência para conduzir os companheiros no caminho em prol do bem comum. Quando Geogina é questionada sobre o porquê de abrir sua casa para as pessoas que precisavam de tratamento médico em Recife, ela diz somente que o fez e faz porque tem que ser feito. Os diversos companheiros e trabalhadores rurais que precisavam de tratamento em hospitais da Região Metropolitana do Recife recebiam o apoio para se alojarem em seu apartamento no bairro de Casa Forte. O apartamento antigo e de poucos quartos sempre esteve cheio. E são muitos os que tem imensa gratidão por este gesto de caridade. Eu era trabalhador rural e conheci o Movimento Sindical em Exu, com o Zé Rodrigues e Geogina, eu participei do sindicato desde município como presidente de 1988 a 1989. Em 1995 mudei para Bodocó e continuei trabalhando no movimento. Mas a coisa que eu mais lembro e que me faz ver que a atuação sindical também é cristã foi quando eu tive total apoio de Geogina quando fiquei doente e precisei me operar em recife. Sou muito grato a Deus por ter companheiros tão preocupados com a causa e com quem faz a causa. Francisco Alves da Gama, Assis.
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Amigos, conhecidos e até desconhecidos já passaram pela residência do casal quando precisavam de alojamento para tratamento médico.
Igreja e companheiros de luta A Igreja Católica, através de seus setores mais progressistas como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Ação Católica Rural, (ACR), assumiu importante papel na emergência dos movimentos sociais no campo. Destacou-se, particularmente, o trabalho de educação e conscientização das massas trabalhadoras baseado na discussão sobre os direitos e a legislação referente aos segmentos dominados do campo, em parceria com o Movimento Sindical. Padre Paulo Crespo orientava a criação de sindicatos dos trabalhadores rurais. Como representante do SORPE (Serviço de Orientação Rural de Pernambuco) ele dava seminários e ajudava a preparar os dirigentes sindicais e o Movimento Sindical como um todo. Orientava os sindicatos na questão administrativa e na FETAPE foi um grande colaborador. Ele acompanhava tudo. Mesmo quando deixou de celebrar missas e se casou, era alguém com quem podíamos contar. Ele era um dos articuladores dos nossos contatos com Dom Hélder Câmara. Zé Rodrigues. O padre José do Patrocínio, que trabalhou como advogado da FETAPE de 1978 a 1990, acompanhou a trajetória de Zé Rodrigues e de Geogina nos momentos das mais difíceis perseguições e ameaças, sendo ele mesmo vítima de algumas. Em 1983, quando lutava na FETAPE para desapropriações de engenhos na cidade de São Benedito do Sul, localizado no
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Estado de Pernambuco, o padre José do Patrocínio recebeu muitas ameaças de morte e quando pareceu que realmente não poderia fugir, foi embora do Brasil. Como também era advogado do Estado de Pernambuco pediu licença por dois anos e embarcou para Medellin na Colômbia, com o pretexto de fazer um curso de pastoral social pela Igreja Católica. Retornou em 84 e continuou a luta pelas desapropriações. Em 85 houve um congresso de trabalhadores em Brasília, nós fomos. Eu fui, Zé Rodrigues, Geogina. Eram 900 assessores e 5000 trabalhadores e lá nos conseguimos falar com o ministro da Reforma Agrária para desapropriar estes engenhos, estávamos vivendo a redemocratização, e um ano depois estes engenhos foram desapropriados. Eram os engenhos Fortaleza, Progresso e São José, que ficavam na entrada de São Benedito do Sul. Padre José do Patrocínio. Do mesmo modo, o padre Edvaldo também recebeu ameaças por dar asilo a reuniões de estudantes que queriam a redemocratização da política brasileira. Suas atitudes de apoio e os frequentadores de suas missas tão cheios de ideologia política ou sindicalizados, como José Rodrigues e Geogina, fizeram com que se colocasse sobre os sermões do padre um olhar mais atento, o que culminou em cartas de ameaças contra sua vida. Quando eu era vigário de São José eu era também diretor do centro de vocação da arquidiocese, e fazia reuniões com jovens que diziam que queriam ser padres. E lá eu recebi telefonemas anônimos, ameaças e tenho até um bilhete que eu recebi aqui e que eu tinha medo. Vou ler aqui pro seu conhecimento: “Para José Edvaldo Gomes. 193
Somos de uma seita e não apreciamos reuniões paroquianas. Pedimos ao caro padre que desista de dar reuniões a jovens. Aconselhamos a desistir. Caso contrário, o caro padre deve lembrar do caso do colega. Resolveremos se pegamos o caro padre ou um de seus discípulos, tenha bom senso e não arrisque vidas. Se contente em dar essas missas. Esta carta, é apenas um aviso”. Tive receio, mas nunca dei atenção para estas besteiras porque eu realmente não sou disso, porque eu sempre fui de fazer o que eu tinha que fazer. O colega a quem o ameaçador fazia referência era o padre Antônio Henrique Pereira Neto, o padre Henrique, auxiliar de Dom Helder Câmara, assassinado em 1969 (regime militar) por sua atuação social. Quanto à amizade e o reconhecimento da atuação de José Rodrigues e Geogina, ambos os padres ratificam a admiração que sentem: Ao longo desses 53 anos de padre nunca neguei ninguém a palavra mas também não consigo recordar de tudo que faço. Sempre defendi os trabalhadores do campo, sempre falei da injustiça que existia naquele tempo. Estive ao lado do padre Romano, fui a homenagens prestadas a vítimas de violência. Estive presente sempre que pude a estas coisas todas. Mas minha militância não era exatamente nesse campo. Eu era muito eclético. Quanto a dedicação a esta luta, eu quero dizer a você que tudo que você disser de Zé Rodrigues e Geogina é verdadeiro. Que eles são autênticos e tudo eles prezaram pelos seus 194
irmãos trabalhadores. Eles só merecem elogios e reverências positivas. Queria dizer que os admiro muito. Mais do que eles pensam. Padre Edvaldo. Certa vez vencemos um processo de um trabalhador e ele disse pra mim “mas o senhor ganhou a causa, que maravilha!” e eu respondi “eu? ganhei a causa? nós ganhamos a causa. Se você não tivesse trabalhado? se você não tivesse sido firme na busca por seus direitos? o que eu teria conseguido fazer? nada. Nós ganhamos” A medida em que o trabalhador foi ganhando a consciência de sua atuação, fomos conseguindo retirar o sindicato das mãos do patronato, o que não foi uma tarefa muito fácil. Sofremos muitas ameaças e em 1990 tive que deixar o país novamente. Através da ajuda de freiras, consegui uma vaga para estudar na Universidade Católica de Paris. A FETAPE e o governador, Carlos Wilson Campos, deram total apoio e escolta. A perseguição era tamanha que meu pai faleceu em 1991 e eu não pude voltar para o sepultamento. Retornei em 1994, mas fui advertido por um advogado do patronato de que, se eu voltasse ao movimento dos trabalhadores seria morto. Quanto a José Rodrigues e a Geogina, eles são pessoas maravilhosas, são comprometidos e foram companheiros de todas as horas. Neste período em que fui perseguido, tive muito apoio destes companheiros extraordinários. Nós éramos uma família dentro da FETAPE. Uma família unida pelo bem e para o bem. Padre José do Patrocínio.
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Família: as relações afetivas, em meio à militância política e sindical José Rodrigues e Geogina se uniram em comunhão, casaram-se no dia 25 de dezembro de 1978. Ele natural de Bom Jardim, Agreste Setentrional e ela natural de Trindade, sertão do Araripe, ambos engajados no Movimento Sindical dos trabalhadores rurais do Estado de Pernambuco. Constituíram uma família que agradece a Deus todos os dias pela alegria que tem dado ao casal. Os filhos do casal Jost, Joelson e Georgia que nasceram, cresceram e se formaram acompanhando o trabalho e toda a atividade abraçados pelos seus pais, defendendo a causa justa dos trabalhadores (as) rurais. Os três filhos quando crianças, adolescentes e jovens só deram alegria em todo momento de convivência com amigos e colegas. E agora adultos têm dado orgulho nos seus trabalhos profissionais, tendo em vista as boas informações recebidas de pessoas que são bem atendidas nas repartições em que trabalham, de seus colegas de trabalho e dos chefes dos setores pelo desempenho e dedicação nas funções que cada um ocupa. Assim, cada elogio que lhes são transmitidos deixa o casal mais feliz. Além dos filhos, o casal também tem os netos Lucas e Marina, filhos de Jost e Joelson respectivamente. Ainda crianças Lucas com cinco anos e Marina com quatro anos de idade, completam a alegria da família e têm sido os xodós do vovô e da vovó. “Todas essas histórias nos deixam muito agradecidos a nosso Deus, todo poderoso, que iluminou toda nossa caminhada”. José Rodrigues e Geogina.
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Quando você dedica sua vida pelo bem dos outros, quando não se medem esforços para lutar contra injustiças, quando a busca pela valorização da classe trabalhadora é a sua meta de vida, é necessária muita força de vontade para conciliar esta luta com a administração de uma família. Geogina e Zé Rodrigues não só conseguiram isso, como também conseguiram criar um ambiente onde seus filhos cresceram sabendo da importância da luta pelo bem dos outros. O exemplo de união e amor que foi vivenciado desde sua infância fez com que Geogina aprendesse desde cedo sobre o compromisso com o que se quer, unidade para manterse forte e íntegro e sobre gratidão. Seu pai e sua mãe, os trabalhadores rurais João Pedro da Silva e Elisa Delmondes dos Reis, “sempre quiseram formar seus filhos e filhas para serem ‘gente na vida’, dando confiança e condições na medida do possível, para que aproveitassem todas as oportunidades”. E, assim, ainda quando estudante, foi morar na casa de parentes para continuar seus estudos após concluir a admissão. Quando estudava em Trindade/PE saía de jumento ou bicicleta do sítio Lagoa da Pedra a 6 km da cidade, como não tinha curso ginasial em Trindade teve que ir para Ipubi, que por ser mais distante, cerca de 20 km do sítio, foi para a casa do primo Cholô e de sua esposa Maria de Lourdes Miranda, a Lourdes de Cholô. Se não tivesse sido acolhida nesta casa não teria condições de concluir os estudos devido à distância. Com o irmão Valdenor Pedro, na casa de seu primo, Raimundo Silva, o Cholô, Geogina colaborava com todas as atividades domésticas antes de ir para a escola e quando voltava. Seu pai tinha uma banquinha de cortar e vender fumo na cidade de Trindade/PE e com o rendimento obtido enviava itens e “trocados” para os filhos comprarem o que era necessário para a higiene pessoal. A maior parte da alimentação deles era do cultivo da família. Feira de feijão, macaxeira, ovos, queijos, frutas e verduras, raspa de juá para 197
escovar os dentes, tudo em um grande balaio que era enviado pelo “misto” aos domingos (um caminhão com dupla finalidade - transporta carga e passageiros. A cabine ou “boleia” é modificada dando lugar a três ou quatro filas de bancos, cada uma recebendo cinco ou seis passageiros. Esta improvisação ocupa metade do comprimento do veículo. O restante da carroçaria recebe a carga). Nas quartas-feiras, os amigos da família iam trabalhar com o pai na roça e semanalmente havia o dia do adjunto. Os plantios eram compartilhados com os compadres e no almoço havia um remedinho apurado, que era feito da seguinte maneira, compadre João Pedro colocava cachaça dentro de um coco seco e oco e deixava por oito dias para servir como uma prova de confraternização. Foi para Ouricuri fazer o “ensino médio” e ficou na casa de uma senhora solteira conhecida pelos pais, dona Miria, ela e o irmão Valdenor Pedro da Silva. Aos sábados trabalhava na feira, na banca de tecidos de “Seu Gildo”, o que lhe garantia algum rendimento. E ainda morava lá quando começou o trabalho no sindicato como associada em conjunto com Madrinha e Compadre Euclides. Quando ela começou a receber salário tendo sua carteira assinada em maio de 1975, alugou uma pequena casa na rua do sindicato onde foi morar com o irmão. Foi contratada como escriturária do sindicato recém-fundado, mas realizava atividades internas e externas, promovendo eventos e piqueniques já que o sindicato ainda não era reconhecido e precisava se estabelecer na região. E sempre recebendo a feira do sítio da família. Geogina foi indicada para coordenar o centro social da FETAPE localizado na rua Padre Ferraz nº 232, no centro do município de Serra Talhada. A cada 15 dias voltava a Ouricuri para trabalhar no sindicato. Também era 198
convocada para realizar encontros e palestras nos sindicatos deste Polo a fim de orientar os trabalhadores e fortalecer a luta sindical. Quando começou a namorar com Zé Rodrigues, não teve dificuldade em fazer desta união uma união com sua família. Geogina apresentou a seu amado pai o secretário da FETAPE e confidenciou para ele que estava paquerando. Depois disso Zé Rodrigues o viu somente mais uma vez antes de seu falecimento em 4 de julho de 1976. Zé Rodrigues, então, quando quis pedir Geogina em casamento o fez à sua mãe. Dona Elisa concedeu a mão de sua filha, mas chorou por toda a noite. Seu pranto era por preocupação quanto ao destino de sua última filha a casar, pois à época não havia telefone e a oportunidade de ver e acompanhar a filha ficaria marcada pela distância entre o sítio em Trindade e a grande cidade do Recife, onde Geogina foi morar após o casamento. Geogina era a única filha que ainda estava em casa, as outras tinham casado e a mãe dela me conhecia pouco. Quando viu que eu queria casar com o apoio dela e entreguei as alianças, ela desabou. Precisava fazer uma atividade da FETAPE no dia seguinte e dormi na casa dela... ela passou a noite chorando. Zé Rodrigues. Jost Ser filho desse belo casal é motivo de orgulho para mim e meus irmãos. Durante nossa infância tivemos a presença constante dos nossos pais. Não a presença física deles em casa todos os dias, mas a presença afetiva, do carinho, das orientações e do cuidado. 199
Pela dinâmica do trabalho, assalariado ou não, as atividades sindicais são sempre concentradas nos finais de semana com as assembleias, reuniões, congressos e eleições. Assim, o lazer que tínhamos com os nossos pais nessa época girava em torno de mais um passeio para um município do interior, correndo entre os trabalhadores nos sindicatos, praças e acampamentos da Reforma Agrária. Acompanhá-los às assembleias e eleições dos sindicatos e os congressos da FETAPE fez parte das nossas vidas. De segunda a sexta-feira vivíamos um ambiente de Casa Forte, um bairro nobre do Recife, estudando em um colégio tradicional e aos sábados e domingos vivíamos o trabalhador do campo. Ou seja, aprendemos a não ver distinção entre as pessoas, apesar de mundos econômicos tão diferentes. Sempre víamos como eram as relações sociais em todos os ângulos e isso é um privilégio, poder enxergar a realidade sem distinguir as pessoas. Aprender e entender que cultura e sabedoria não dependem de riqueza. Quando cheguei à Universidade comecei a entender a importância do trabalho dos meus pais. O trabalho em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais durante a transição para o regime democrático e anterior a consolidação dos direitos cidadãos, através da Constituição de 1988, foi um marco para a garantia dos direitos sociais. Percebi que o trabalho do meu pai era coordenar o movimento social de maior expressão no Estado de Pernambuco na década de oitenta, conquistando direitos e resistindo a ameaças. E mesmo assim, sem perder a condição de pai de família que sempre esteve presente na vida dos filhos. Ao lado da religiosidade, do respeito ao próximo, da persistência em alcançar os objetivos mais distantes, nossos pais nos deixaram um legado muito importante que foi o gosto pela política. Hoje é difícil o encontro da família sem um bom debate 200
político. Sempre com uma análise do que ocorreu durante a semana e as perspectivas para o futuro. A história desse belo casal descrita neste livro permitirá que outras pessoas também compartilhem da fé, do amor à família e da dedicação ao trabalho que as pessoas que conviveram com José Rodrigues e Geogina testemunharam. (Jost Paulo Reis e Silva, filho mais velho, advogado, casado com Patrícia de Melo Ribeiro do Vale Reis e pai de Lucas Rodrigues de Albuquerque Reis). Joelson Nossos pais foram militantes e seguiram essa missão sacrificando muitas vezes momentos de lazer pela causa. E isso exigia muito deles, precisava de doação. Meu pai não pode comparecer à minha primeira eucaristia, por exemplo. Eles viajavam muito, então era natural sentirmos falta. Para não ficar em casa só, quando tinha atividades em fim de semana e não tinha com quem ficar a gente ia com eles, e meio que sem querer, indiretamente, terminei acompanhando eles em diversos sindicatos e municípios, ia muito aos encontros e isso marcou um pouco da infância, isso de acompanhar foi muito bom para mim, desde pequeno acompanhar o que as pessoas estavam discutindo, precisando... a visão de um colaborando com o outro, foi muito bom para meu crescimento. Mesmo pequeno a gente ouvia, via e aprendia. Nesses encontros, um em Garanhus, foi o encontro das mulheres, tinha uma dinâmica de fazer algo com barro. Era pra fazer e explicar algo que representasse o movimento. Então eu fiz uma tartaruga, e quando me perguntaram o porquê da tartaruga, eu falei que a tartaruga era como o trabalho deles, mesmo que devagar, ela nunca para de andar, e todo mundo ficou impressionado com essa minha explicação. Sempre tivemos ligação com o trabalho 201
dos dois e aprendemos que o ponto de referência das cidades era o sindicato. Nunca deixamos de ir à escola por causa das ameaças. Eu era novo, mas sabia que a limitação das nossas atividades era por causa da nossa segurança. Ele recebia cartas, telefonemas, mas isso nunca foi motivo de não ir ao trabalho. Pai sempre investiu e insistiu muito para que estudássemos e minha mãe sempre orientou pela orientação crista. Minha mãe foi minha primeira catequista. Não tínhamos muito recursos, mas mesmo assim estudamos em uma escolinha particular, bem baratinha, mas era o que podiam pagar. Mas sempre agradecíamos, juntava todos para rezar. Mesmo em festa, todo mundo parava quando minha mãe chamava para rezar. Aos 15 anos entrei no seminário para ser padre. Mesmo minha mãe sendo muito religiosa, ela não queria e chorou muito no início. Mas quando foi próximo aos votos eu fiquei inseguro, pois não queria ser padre e depois deixar de ser... então não quis continuar aos 20 anos. Fiz vestibular e na faculdade a gente estudava os movimentos sociais, a história de luta e os professores conheciam o trabalho dos meus pais. Na minha profissão sempre encontro pessoas que os conhece, sempre tem alguém mandando um abraço e me dando sempre o testemunho de que são um casal de luta. Joelson Rodrigues Reis e Silva, assistente social, casado com Sara de Araújo Rodrigues, pai de Marina Araújo Rodrigues. Georgia É um casal de muita personalidade. No entanto, não posso negar que são um pouquinho diferentes, mas que tem valores e princípios similares, desde questões profissionais, de educação, orientação religiosa, respeito ao outro, valorização da família, entre outros. Sempre trabalharam muito. E isso favoreceu para que passássemos (eu e meus irmãos), “alguns dias” distantes. Sendo 202
um pouco difícil entender essa distância e o que era esse trabalho, principalmente quando muito criança. Entretanto, após alguns anos, com um pouco mais de idade, não tivemos (eu e meus irmãos) tanta dificuldade para entender que era o trabalho deles. Tudo isso foi possível porque sempre que puderam nos levaram para participar de alguns encontros e eventos, além do mais sempre explicaram sobre o trabalho e as lutas em favor dos direitos e melhoria das condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, além do mais esclareceram de como esse trabalho era importante para que eles pudessem dar o melhor para nós. O trabalho deles nunca trouxe um sentimento parecido com ciúme ou algo ruim, muito pelo contrário trouxe orgulho pela ação em benefício dos mais carentes. Mas também não posso negar que me deixava e me deixa muito feliz quando sabia ou sei que estavam ou estão chegando a nossa casa. Principalmente quando escutava ou escuto as buzinadas dadas por Mainha ao entrar no prédio e/ou ao escutar os passos de Painho ao chegar perto da porta do apartamento. Desejo a vocês, Painho e Mainha, muito ânimo e disposição para que possam continuar na luta pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e dos mais oprimidos, por dias mais justos e por dias melhores para todos. E sei que assim é que gostariam que continuassem, já que tudo isso que fazem é por amor. E que Deus lhes abençoe com muita saúde e anos de vida para que nos deem a graça de conviver mais tempo nas suas presenças.
Painho e Mainha, amo muito vocês!
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galeria
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Casamento do casal, no município de Ouricuri, em 25 de dezembro de 1978.
Geogina com seu primeiro filho, Jost Paulo, participando do 1º Congresso de Delegados Sindicais da Zona Canavieira de Pernambuco, realizado em Olinda, em dezembro de 1981.
José Rodrigues, Geogina e Georgia.
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Jost Paulo e Joelson com sua avó materna, Eliza Delmondes dos Reis.
Jost Paulo, Joelson e Georgia.
Encontro da Comissão Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco, organizado pela FETAPE, com a participação de Geogina e seus três filhos. Garanhuns-PE, em 1988.
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Georgia com sua professora Pompeia, Padre Edvaldo e Dr. Romeu da Fonte na comemoração de sua formatura em fisioterapia.
Presença da família na formatura de Jost Paulo em direito.
José Rodrigues, Geogina, comadre Zeza e comadre Lurdinha.
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Georgia e sua avó materna Eliza Delmondes dos Reis.
Participação da família em um encontro de confraternização com grupo da terceira idade. Tamandaré, 2014.
Participação da família em evento da SSB (Secretaria Estadual Sindical do PSB) e da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Recife, 2014.
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Participação da avó Eliza e de familiares na formatura de Georgia em fisioterapia.
Encontro familiar em Tamandaré-PE.
Mariana, Geogina e Fátima Reis.
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Visita do Papa João Paulo II ao Recife, em 7 de julho de 1980. José Rodrigues - presidente da FETAPE, entrega ao Pontífice documentos com reivindicações de trabalhadores e denúncias contra a violência no campo.
Participação de Padre Edvaldo e de familiares nas comemorações dos 35 anos de casados de José Rodrigues e Geogina.
Padre Edvaldo, durante entrevista com José Rodrigues e Geogina, apresenta carta com ameaças a sua pessoa.
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Jost Paulo, PatrĂcia e Lucas.
Joelson, Sara e Marina
Jost Paulo, Joelson e Georgia.
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companheiros de luta: uma história construída com colaboração de todos
Nomes de alguns companheiros e companheiras, amigos e amigas, que conheceram José Rodrigues e Geogina e sua trajetória de luta sindical em momentos distintos, alguns envolvendo muito sacrifício na vida dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e outros, de muita alegria e comemoração das vitórias obtidas ao longo da vida. Essas pessoas comungam com tantas outras que depuseram nesse livro e fazem parte dessa história: 1 - Maria José de Carvalho (Mariquinha) - STR de Caruaru 2 - João Francisco Barbosa - Ex-funcionário da FETAPE- Ribeirão 3 - Margarida Maria dos Santos - STR de Bom Jardim 4 - Gilda Lima da Silva - STR de Bom Jardim 5 - Sebastião Jose Barbosa da Silva - STR de Petrolina 6 -Maria José Feitosa – Ex-contadora da FETAPE 7 - Maria Claudia Felix Ferreira – Ex-assessora da FETAPE 8 - Creuza Pereira – Ex-prefeita de Salgueiro - PE 9 - Francisco Lucas de Sousa – Ex-diretor do STR de Exú 10 - Zilda Maria da Silva- Ex-funcionária da FETAPE 11 - Francisco Gomes Delmondes – STR De Ouricuri 12 - Orcetim Inacio da Costa - STR de Ouricuri 13 - Maria Nercina da Silva - STR de Orobó 14 - José Goncalves da Silva - Ex-assessor da FETAPE e CONTAG 15 - Maria de Lourdes Miranda Silva - Ex-vereadora de Ipubi 16 - José Tavares Sarariva – Ex-diretor do STR de Exu 213
17 - Raimundo Sarariva Tavares – Ex-diretor do STR de Exu 18 - José Manoel da Silva (Dú ) (In Memoriam) - STR de Sirinhaem 19 - Cipriano Holanda Bezerra - Diretor do STR de Orobo 20 - Marialourdes dos Humildes - STR de Santa Filomena 21 - Francisco Pascoal Cipriano da Silva - STR de Petrolina 22 - Maria Lourdes Vieira – Funcionária do STR de Cumaru 23 – Severino Vieira de França - STR de Cumaru 24 - Joao Barbosa da Silva - STR de Cumaru 25 - José Miguel de Oliveira - STR de Bodoco 26 - Lidia Isabel da Silva – STR de Exú 27 - João Manoel Pessoa - STR de Santa Filomena 28 - Severina Tereza da Silva - STR de Orobó 29 - Severina Cecilia de Lima Cabral - STR de Surubim 30 - Maria José Goncalves da Silva- Ex FETAPE 31- Francisco Brigido de Sousa- (Ticao) STR de Exú 32 - Francsico Brigido de Sousa (Tiquinho) - STR de Exú 33 - Agamenon Belarmino Jeronimo - Ex-motorista da FETAPE 34 - Durval dos Santos - STR de Petrolina 35 - Augustinha Viana da Silva - STR de Ouricuri e Academia Sindical FeETAPE 36 - Lúcia de Fátima da Silva – funcionária da FETAPE; 37 - Fernandito José do Nascimento – Diretor do STR de Camocim de São Félix: Este casal é a cara da nossa FETAPE, que sem eles dá a sensação de faltar algo. Enquanto o companheiro José Rodrigues é paciente e calmo, a companheira é muita agitada, animada, alegre e tudo isto deixa a gente bem mais animados (as) para continuar nestas lutas em defesa dos mais sofridos e necessitados A presença do casalem nosso Sindicato é constante, porque nós os convocamos e sempre
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contamos com eles. Estão sempre presentes nos atos, assembleias, nas festividades como dia das mães e dois pais, Marcha das Margaridas, a luta da Previdência social em Brasilia, a luta pela terra, contra os agrotóxicos. Nós de Camocim os amamos e admiramos, pois se fazem presentes ao nosso lado, na alegria e doença. Obrigado casal, que Deus esteja sempre ao lado de vocês por muitos e muitos anos. 38 - Josefa Alves Lopes- Ex FETAPE, [Gogina] “foi uma grande guerreira na luta da Barragem de Itaparica, junto com Dr. Romeu, Jose Rodriguese Euclides, Agamenon, nosso grande motorista”; 39 - Josefa Martins Reis – ex-assessora da CONTAG; 40 - Maria Izabel da Silva (Dona Nina) – STR Ouricuri 41 - José Francisco da Silva - Presidente da CONTAG, por 21 anos, sempre esteve presente na caminhada deste casal, antes e depois do casamento. Foi um dos padrinhos de casamento. “Sou feliz em fazer parte desta família”. 42 - Severino Domingos de Lima (Beija Flor), amigo, nas lutas sempre esteve junto ao casal. Disse ele muito clamo, que com “a fé e coragem de Geogina as coisas sempre deram certo para este casal. Parabéns José Rodrigues e Geogina, mulher de firmeza e guerreira nas greves, com seu grito de animação”. 43 - Carmem Lucia Marques da Silva, ex-contadora da FETAPE, disse que “nunca viu este casal em momento de tristeza, sempre alegres, animados, e a companheira Geogina é uma mulher que dá muita força e deu muito certo com este companheiro de luta, com José Rodrigues. Lembro muito bem quando nós estávamos na rua em sua defesa, as companheiras sempre animadas e esta energia sempre foi contagiada com a firmeza e a coragem de Geogina.”
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