TFG - (À) margem da cidade: o extremo sul de São Paulo

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(À) MARGEM DA CIDADE

O EXTREMO SUL DE SÃO PAULO

Flávia Tadim Massimetti Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientação Prof. Dra. Karina Oliveira Leitão Prof. Dr. Jorge Bassani São Paulo 2016



Aos meus pais, Solange e Claudemir, por todo o carinho, amor e apoio. Sem a base de vocês, não teria chegado tão longe. À Karina, mais que uma orientadora, uma amiga e inspiração. Ao Bassani, por todas as conversas e conselhos durante esses anos. Aos queridos amigos, Ana, Eileen, Gabriela, Giovanna, Guilherme, Lara, Larissa, Lucas, Marina, Renata e Yasmin, por todos os momentos compartilhados e as histórias construídas. Ao Eduardo, pela parceria em todas as situações, sempre acreditando no melhor. Ao Caetés, por trazer pessoas incríveis para a minha vida. À Ecoativa e aos alunos da E.E. Professor Adrião Bernardes, por participarem do projeto e tornar este trabalho possível. À Eileen, Karina e Marla, por construírem e realizarem a oficina comigo. Ao Eduardo, Eileen, Lara e Larissa, por toda força e ajuda para concluir este trabalho - até o último minuto. Aos amigos da FAU e da vida, Turma do Funil e família, por me acompanharem em mais uma etapa.

Muito obrigada!


SUMÁRIO


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A REIVINDICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO

TERRITÓRIO EM DEBATE

TRÊS OLHARES SOBRE O BORORÉ

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Introdução

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O direito à cidade

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A luta pelo espaço

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A perspectiva legal

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A dimensão política e pública do espaço e do conflito urbano

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Coletivos urbanos e seu olhar sobre a cidade

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O olhar pelos dados

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O olhar pela vivência

131 O olhar urbanístico 139

Notas conclusivas

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Bibliografia



INTRODUÇÃO

“O direito à cidade como hoje existe, como se constitui atualmente, encontra-se muito mais estritamente confinado, na maior parte dos casos, nas mãos de uma pequena elite política e econômica com condições de moldar a cidade cada vez mais segundo suas necessidades particulares e seus mais profundos desejos.” (HARVEY, 2014, p. 63)

A citação de Harvey relata muito bem a situação encontrada nas cidades brasileiras, particularmente em São Paulo, a ser enfocada por esta pesquisa. Vivemos em um modelo de cidade que exclui e segrega parte da população, baseando-se especialmente em sua condição econômica. Tal realidade associada ao desempenho de um Estado ineficiente, com Políticas Públicas seletivas, reforça a necessidade da luta para redemocratizar o (acesso ao) espaço público. Depois de um processo de leituras, pesquisas, idas e vindas no assunto, defini o tema do trabalho: estudar a luta pelo direito à cidade a partir da apropriação do espaço público pelos usuários. Observar projetos e intervenções que ocorrem como uma alternativa à ausência de Políticas Públicas naquele território. Para desenvolver essa temática, encarei o trabalho de conclusão de curso como a possibilidade de me debruçar sobre as inquietudes geradas durante a graduação. No direcionamento da pesquisa, identifiquei duas formas de abordagem que foram pouco explorados no curso e que, de certa forma, se complementam. A primeira estava relacionada com a análise para além da visão academicista e à abordagem adotada dentro da Universidade, mas extrapolando essa barreira e observando demandas reais cotidianas. A segunda objetivava dar voz aos usuários,

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ouvindo suas percepções e desejos em relação aos espaços vivenciados por eles. Propondo a construção de uma visão crítica frente a dinâmicas urbanas, o trabalho foi estruturado em três partes: no início, a retomada teórica sobre a cidade e suas lógicas, em seguida, um olhar sobre São Paulo, mostrando iniciativas que procuram resistir a lógicas excludentes, e para finalizar, o mapeamento coletivo sobre questões territoriais na cidade e como elas são encaradas. “O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade.” (LEFEBVRE, 2008, p. 134)

Mas, afinal, o que é o direito à cidade? Se é preciso lutar para reaver algo que deveria ser assegurado a todos, é necessário observar como essa cidade se configura e se impõe às pessoas. Quem constrói essa cidade? Para quem? Para embasar a análise teórica, fiz um recorte a partir das obras de Henri Lefebvre e David Harvey. Além de seguirem linhas de pensamentos que se aproximam, na verdade Harvey é assumidamente um intelectual lefebvriano, a contribuição de ambos os autores nesse tema os torna fundamental para o desenvolvimento deste trabalho. Quando se observa o caso de São Paulo, nota-se que a discussão sobre o direito à cidade marca presença no cenário atual há pelo menos três décadas; no Brasil, ela nos remete ao fim da década de 1980, por exemplo. Propostas de intervenção no espaço aumentam, sejam elas

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pontuais ou extensas, no centro ou na periferia. Mais recentemente, em nosso país, a partir do trabalho de diversos coletivos urbanos, percebe-se a vontade de democratizar não apenas o território, mas o debate sobre ele. A ideia de estudá-los parte do pressuposto de que estes têm renovado as práticas e pautas reivindicatórias, ainda que sua atuação tenha limitações que precisem ser entendidas. Vale ressaltar que há coletivos com diversas formas de atuação e objetivos, no entanto, o foco do trabalho recai sobre àqueles que desenvolvem atividades enquanto instrumentos de transformação comunitária, reforçando a identidade do usuário com o território. Feita essa ponderação, cabe inserir outro agente nessa discussão: o usuário. Ter um espaço no qual ele possa desenvolver e expor suas experiências e opiniões é fundamental para entender como a cidade funciona de fato. Para mostrar esse panorama, escolhi a cartografia por considerá-la uma importante ferramenta para análises territoriais. Ao se fazer o mapeamento, é possível abstrair da realidade e criar uma narrativa que ressalte o objeto estudado. Ao final, será possível identificar diferentes olhares sobre o mesmo território. “As únicas pessoas que vão defender o seu direito a esta cidade são vocês. Vocês não têm o grande capital do seu lado, vocês não têm as grandes corporações do seu lado, então, a única forma de defender o que vocês têm é indo pra rua, com outras pessoas, unidas, realizando atividades culturais, se divertindo e fazendo política ao mesmo tempo. Eu escrevo sobre o direito à cidade e vocês o praticam. Isso é o mais importante.” (HARVEY, 2014, p. 54)

A cidade é (ou deveria ser) de todos. Ainda que esta afirmação pareça ingênua, ela está nas

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bases do pensamento lefebvriano quanto este nos coloca a perspectiva de vivenciar a cidade em outras bases, mais emancipadas, ainda que isto só seja possível nos marcos de uma revolução urbana. Para este autor, redemocratizar a experiência urbana é fundamental e urgente, como se observa em suas obras O direito à cidade e A revolução urbana. É nesta perspectiva que o presente trabalho se insere. Pretendendo explorar analiticamente a ação de alguns coletivos, a reivindicação pautada por eles no campo do direito à cidade, mapeando-os e enfocando mais especificamente o território sul do município. Essa escolha ocorreu após uma visita à área, na qual pude conhecer a Ilha do Bororé. Confesso que não tinha conhecimento sobre a balsa na Represa Billings, que liga trechos da mesma cidade. Vi naquele espaço, pouco conhecido e tão segregado, a oportunidade discutir o direito à cidade sob uma perspectiva muito particular do extremo sul de São Paulo.

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PARTE 1

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A REIVINDICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO 15



1.1. O direito à cidade A cidade é um produto social, fruto da atividade humana naquele determinado território. Segundo Harvey (2013a), a cidade é feita por ações coletivas diárias, que unem o esforço coletivo à formação de direitos políticos coletivos ao redor de solidariedades sociais. Individual ou coletivamente, nossas práticas cotidianas influenciam diretamente nosso futuro urbano, estando cientes disso ou não. A cidade é o lugar de encontros, de interação criativa, de diferenças. A cidade é o espaço do conflito. Do conflito necessário para começar mudanças no sistema. Sendo o palco de múltiplas manifestações culturais, sociais, políticas e econômicas, a cidade pode gerar desconfortos. Conviver com o diferente não parece ser a maior qualidade encontrada em nossa sociedade. Muitas vezes, a diferença leva à intolerância, à segregação, à marginalização e à exclusão. De acordo com o autor (HARVEY, 2013a), essa situação seria reafirmada pelas diferentes noções de direitos que possuímos. O lugar de onde viemos, o lugar em que vivemos, nosso gênero, nossa raça, nossa sexualidade, nossa vivência urbana, todos esses fatores constroem nosso olhar em relação aos direitos. Mais do que isso, esses fatores determinam quais direitos nós realmente temos na prática. Então, como definir o direito à cidade? Em primeiro lugar, é importante fazer uma observação. Considerando a trajetória dos autores estudados, Lefebvre e Harvey [1], seguidores de uma vertente ideológica marxista, este trabalho adotará como perspectiva analítica a luta de classes. Para entender o direito à cidade não se deve interpretá-lo como “um simples direito de visita ou o retorno às cidades tradicionais” (LEFEBVRE, 1996, p. 158). O direito à cidade é o direito à vida urbana. É o direito de participar da tomada de decisões, de discutir a produção do

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Parque da Juventude. Foto: Caio Sens.

espaço. Ele não se limita ao que já existe, mas reivindica o poder de mudar a cidade seguindo nossos desejos e necessidades. Quando se discute o tipo de cidade que queremos, estamos, na verdade, decidindo que tipo de pessoas queremos ser. Afinal, a cidade é reflexo de sua sociedade, ela é “[...] a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vivem mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refez-se a si mesmo.” (PARK, 1967, p. 3)

Sob o viés da luta de classes, o direito à cidade é a busca por uma cidade mais inclusiva, democrática e participativa. Essas características se enquadram no papel que o espaço público exerce, ou deveria exercer. Por isso, o debate sobre direito à cidade se relaciona à apropriação do espaço público, lugar onde os direitos dos cidadãos ao uso da cidade deveriam ser assegurados. Nessa concepção, o espaço público corresponde ao espaço para exercício da cidadania e da vida pública. O geógrafo e urbanista espanhol, Jordi Borja (BORJA apud ABRAHÃO, 2008), enquanto sua produção analítica ainda estava claramente afiliada ao marxismo, encarava-o como um instrumento urbanístico de suma importância no resgate da cidade democrática. Preservar o espaço público seria uma maneira de se contrapor aos espaços urbanos fragmentados e privatizados. Nesse processo, seria necessário que os agentes públicos integrassem seus esforços aos de diferentes atores sociais, econômicos e produtivos, visando democratizar essa ideia pelo território.

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Parque Ibirapuera. Foto: Caio Sens.

Essa cidade cada vez mais fortificada, fragmentada e privatizada se insere na dinâmica neoliberal, que será abordada mais adiante. Essa lógica demanda a descentralização do poder, e incentiva a formação de trechos urbanos que não se comunicam e atuam de maneira autônoma. Como resultado, vê-se a redução da unidade territorial na cidade e a criação de mais barreiras de acesso urbano, especialmente para as pessoas diferentes das que ocupam aquele espaço. Quando Harvey (2014, p. 20) diz que “o direito à cidade é um significante vazio. Tudo depende de quem vai lhe conferir significado”, volta-se para a fala de que a nossa noção de direito depende da nossa visão de mundo. Enquanto o sistema permanecer como está, o capital falará mais alto, garantindo o direito à cidade a quem possa pagar por ele. Entra-se, então, em um ciclo vicioso. Na luta para se reapropriar o espaço e buscar seu significado por meio de ações coletivas, retoma-se o conceito de centralidade do espaço trabalhado por Lefebvre (2008), fundamental para o fenômeno urbano. Considerando que a centralidade tradicional foi destruída, essa busca pode ser vista como uma forma de resistência. Harvey (2014) encara as grandes manifestações atuais como consequências políticas do desejo de ressignificar a cidade. Na visão de Lefebvre (2008), o direito à cidade é uma queixa e uma exigência. Uma queixa em relação à devastação da vida cotidiana na cidade, que gera angústia e dor. Uma exigência de encarar a crise de frente, buscando uma vida urbana alternativa. Nesse aspecto, Harvey (2014) entende que o conceito passou por um ressurgimento. Não basta se voltar para a teoria lefebvriana, ela não é mais capaz de englobar todas as pautas reivindicadas atualmente. É preciso olhar atentamente para a rua, para as ações dos movimentos sociais urbanos. Contudo,

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os autores concordam que o caminho para exercer o direito à cidade pela mudança da vida urbana é por meio da mobilização social e do movimento político. Sendo assim, o direito à cidade é o direito de usá-la, de ter acesso à tomada de decisões, de transformar o espaço urbano e não ficar alheio às ordens externas impostas. Reivindicar esse direito é lutar por melhorias, pela democratização territorial, por um novo modelo de cidade mais inclusivo e participativo. A cidade é de todos e uma só. Sua fragmentação só aumenta as barreiras e as desigualdades socioeconômicas. O direito à cidade é valioso e nunca será dado de presente. É preciso lutar.

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[1] Visto que a base teórica será pautada nos trabalhos de Henri Lefebvre e de David Harvey, faz-se necessário expor um pouco da corrente ideológica dos autores. HENRI LEFEBVRE (1901-1991): filósofo e sociólogo francês. Foi um grande estudioso da obra de Marx. Seu trabalho busca retornar à integralidade desse pensamento, além de desenvolvê-lo a partir das novidades ocorridas durante um século no mundo moderno. Suas obras abrangem diversos temas, como história, política, sociologia e diferentes tópicos de várias disciplinas. Para estudiosos do tema, as análises lefebvrianas sobre o urbano, o espaço, a vida cotidiana, a modernidade, o Estado e a cidade são fundamentais. Assim como Marx, um aspecto característico de Lefebvre é a dialética como método de pensar. (SOTO, William E. G.. O pensamento crítico de Henri Lefebvre, 2013) DAVID HARVEY (1935): geógrafo britânico. É considerado um dos principais nomes da Geografia Humana contemporânea. Em seu percurso intelectual, um de seus objetivos é analisar o funcionamento e a dinâmica espacial do sistema capitalista e sua função nas relações sociais contemporâneas. Devido à sua posição política de esquerda e à influência dos pensamentos de Marx e Lefebvre, outro tema recorrente em seu trabalho é a contestação do neoliberalismo e do sistema capitalista como um todo, expressando e denunciando como as contradições sociais manifestam-se no espaço geográfico. (PENA, Rodolfo F. A.. s.d., vide bibliografia)

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1.2. A luta pelo espaço O campo do direito muitas vezes gera dúvidas para sua interpretação e aplicação. Associandose leis que se contradizem ao fato de sua aplicação depender das intenções de quem a faz, nota-se o jogo de interesses. Com isso, a ideia de que os direitos devem ser assegurados a todos os cidadãos e que todos são iguais perante a lei (Artigo 5º da Constituição Brasileira) parece ser ideológica, na medida em que vemos prevalecer no país a defesa da propriedade privada em detrimento de sua função social [2]. Os direitos sociais [3] são definidos pelo Artigo 6º da Constituição da República como sendo o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados. Este artigo os consagrou como direitos fundamentais [4], visando criar as condições de igualdade para que os indivíduos tenham uma vida digna por meio da proteção e garantias dadas pelo Estado de Direito. Nota-se que o direito à cidade propriamente dito não é contemplado nessa categoria, nem nesses termos. No entanto, a garantia dos direitos citados contribui para democratizar o acesso à cidade. Isso mostra que a provisão de moradia, a inclusão no sistema educacional, a oferta de um sistema de saúde de qualidade, por exemplo, constroem o significado do direito à cidade. Retomando o histórico dos direitos sociais, o papel exercido pelos movimentos sociais e pelos trabalhadores é fundamental. Graças à pressão desses grupos, os direitos foram conquistados ao longo dos séculos, especialmente no século XX. Esse fato fomenta o pensamento de Lefebvre (2008) e Harvey (2014) de que as mudanças acontecerão pela atuação de movimentos político-sociais. Como visto anteriormente, o direito à cidade é a apropriação, pelos usuários, não apenas do espaço urbano, mas também das decisões acerca dele, visando uma cidade mais inclusiva

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Praça Roosevelt. Foto: Caio Sens.

e democrática e menos privatizada e fragmentada. Essa configuração urbana explica a necessidade de reivindicar direitos básicos e fundamentais a todos. Se por um lado, os direitos sociais decretam o mínimo que deveria ser assegurado para uma vida digna, a forma como o espaço urbano se impõe gera inúmeras barreiras de acesso. Por que isso acontece? Vivemos em um sistema capitalista, mas não como nos países europeus e nos Estados Unidos, ditos países centrais na divisão internacional do trabalho. Vivemos em um sistema capitalista periférico: subdesenvolvido e dependente destes, como querem diversos teóricos. Esse modelo é caracterizado por grandes disparidades de renda e se pauta na desigualdade social, numa configuração social em que o atraso se alimenta do moderno (OLIVEIRA, 2003). Frente a esse panorama, o neoliberalismo ganhou espaço e força no Brasil, principalmente a partir da década de 1990. Na dinâmica neoliberal, a maior parte dos investimentos vem da iniciativa privada e há o interesse de que o Estado interfira o mínimo possível. Considerando, então, que o Estado é insuficiente e prioriza os interesses do mercado financeiro e imobiliário, entende-se a razão da cidade ser composta por espaços privatizados e fragmentados. Como consequência, criou-se uma espécie de cidadania condicionada à posição social da população. Quem tem dinheiro desfruta de serviços sociais com garantias mínimas de funcionamento, como serviços de saúde e educação privados. Quem não tem, utiliza serviços públicos degradados e ameaçados ou procura uma forma alternativa. Nesse processo fica claro o atrelamento do poder político com o poder econômico, além do fato de que a política neoliberal vai de encontro aos interesses e necessidades da maior parte da população. Fazendo um paralelo com o espaço público urbano, as diferenças entre ricos e pobres se mantêm. Quem

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tem dinheiro tem acesso à cidade, consegue se instalar em regiões bem localizadas, com boa oferta de equipamentos e transporte. Quem não tem, afasta-se cada vez dessa infraestrutura indo para regiões periféricas. Essa prática fortalece a segregação, marginalização e exclusão da população de baixa renda no ambiente urbano, fortalecendo a urgência de se reivindicar o direito à cidade (FERREIRA, 2010). É importante destacar que vivemos em uma realidade na qual o direito à propriedade privada supera todas as outras noções de direito, inclusive o direito à moradia. A proteção concedida pelo neoliberalismo torna-se uma política hegemônica, mesmo para classe média baixa - não apenas para a classe baixa. Além disso, o aparato estatal age sob a influência, cada vez maior, das dinâmicas mercadológicas. Aliadas à setorialização das políticas públicas permite-se que o espaço urbano seja usado de maneira perversa e excludente. Na visão de Lefebvre (2008, p. 99), é possível analisar o caráter democrático de um regime a partir de suas atitudes em relação à cidade, às liberdades urbanas, à realidade urbana e, consequentemente, às formas de segregação. Quando se atinge esse nível de exclusão, a cidade se torna um objeto de desejo - à primeira vista, inatingível: “O urbano é a obsessão daqueles que vivem na carência, na pobreza, na frustração dos possíveis que permanecem como sendo apenas possíveis. Assim, a integração e a participação são a obsessão dos não-participantes, dos nãointegrados, daqueles que sobrevivem entre os fragmentos da sociedade possível e das ruínas do passado: excluídos da cidade, às portas do ‘urbano’.” (LEFEBVRE, 2008, p. 102)

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Em relação ao processo de urbanização, Harvey (2014, p.156) diz se tratar de uma produção incessante de algo que se assemelha a um comum urbano, mas que promove ganhos para proprietários de imóveis privados. Isso ocorre a partir da apropriação e destruição do espaço por esses agentes, implicando na retirada de todo e qualquer direito à cidade para as massas urbanas. Na reprodução do capital, o espaço é um elemento crucial, visto que a urbanização é uma forma de absorver os excedentes da produção capitalista. A ideia é evitar que o sistema seja prejudicado por acúmulos tanto de mercadorias quanto do próprio capital, que deve estar sempre em circulação garantindo sua manutenção. Esse fenômeno foi chamado por Harvey de urbanização capitalista. “A urbanização, portanto, sempre foi um fenômeno de classe, uma vez que o controle sobre o uso dessa sobreprodução sempre ficou tipicamente na mão de poucos. Sob o capitalismo, emergiu uma conexão íntima entre o desenvolvimento do sistema e a urbanização.” (HARVEY, 2008)

Como suscitado, as ações do Estado acompanham os interesses do mercado. Então, para que o ciclo produtivo não seja obstruído, a instituição se torna aliada no suporte da produção capitalista. Apesar de suas diferenças e até seus conflitos, a atuação do Estado e do mercado converge para a segregação. Justamente essas desigualdades no desenvolvimento urbano que criam o cenário para o conflito social. Portanto, sendo a urbanização um dos principais canais de uso, o direito à cidade se estabelece pelo controle democrático sobre a utilização dos excedentes na urbanização. A expansão do processo de urbanização trouxe mudanças no estilo de vida das pessoas, colocando

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a qualidade de vida no patamar de mercadoria. Entrando na lógica mercadológica, ter uma vida digna depende do quanto se está disposto ou se pode pagar. Aplicando na cidade a teoria de valor de Marx pela perspectiva de Lefebvre, observa-se que o capitalismo a transformou em cidadeproduto, ou seja, um objeto sujeito aos efeitos da especulação imobiliária que intensificam os processos de gentrificação e segregação. Para se contrapor a essa situação, é preciso se apropriar da cidade, transformando-a em cidade-obra, na qual o valor de uso se sobrepõe ao de troca. É interessante ressaltar que Marx não chegou a desenvolver a noção do espaço urbano como um fator na exploração capitalista. Porém, para Lefebvre (2008) e Harvey (2014), a cidade é essencial para realizar a mudança social. Afinal, se a produção do espaço está estritamente vinculada ao capital, é preciso pensar em formas alternativas de urbanização para se encontrar uma opção anticapitalista. Sendo assim, para confrontar a lógica mercadológica pautada no valor de troca é necessário envolver a sociedade urbana fundamentada pelo valor de uso. Nessa dicotomia o conflito é inevitável. Para unificar as lutas urbanas, seria possível adotar a reivindicação do direito à cidade como ideal político, afinal ele questiona e procura reverter a relação entre o comando da urbanização e do poder econômico. Democratizar esse direito pela ampla ação do movimento social é imperativo para que os usuários participem dos processos de decisão, fortalecendo um novo modo inclusivo de fazer cidade. Em outras palavras, a cidade e seu processo urbano são importantes meios para a luta política, social e de classes. Lefebvre não estava errado ao defender a ideia de que a revolução deve ser urbana; caso contrário, nada muda. A pergunta é: como se reapropriar da cidade?

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[2] Note várias teses defendidas na FAUUSP sobre essa temática, como é o caso de LOPES, 2014. [3] Os direitos sociais são reconhecidos atualmente no âmbito internacional em documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Como consequência, eles foram elevados ao nível de Direitos Humanos, de vigência universal. Isso significa que, independentemente de serem reconhecidos pelas constituições de cada país, eles devem ser respeitados, uma vez que se referem à dignidade humana. [4] Os direitos fundamentais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, tendo como finalidade a melhoria das condições de vida, concretizando a igualdade social. Diferentemente dos Direitos Humanos, os quais aspiram à validade universal, os direitos fundamentais são reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de um determinado Estado. No Artigo 5º da CR, eles são definidos como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A Constituição estabelece também que esses direitos têm aplicabilidade imediata. Então, o Estado que se omitir na implementação dos direitos sociais fundamentais poderá ser condenado à obrigação de fazer, devido à “judicialização das políticas públicas”.

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1.3. A perspectiva legal A pauta sobre o direito à cidade está cada vez mais presente nas discussões urbanas. Debater o tema e democratizar seu entendimento pelo território é essencial para sua apropriação. No entanto, quando se banaliza o assunto sem um real aprofundamento, vai-se de encontro aos objetivos reivindicados, resultando no enfraquecimento da luta. Por isso, é importante ressaltar que, além de diferentes atores no processo, existem diferentes frentes de abordagem. Retomando Lefebvre (2008) e Harvey (2014), o direito à cidade seria assegurado pela ação dos movimentos políticos e sociais à medida que o valor de uso superasse o valor de troca. Ou seja, para se reapropriar da cidade é preciso usá-la. Parece óbvio, porém, muitas vezes na prática, o ativismo dos usuários não é suficiente, e o suporte legal se faz necessário para construir uma cidade mais igualitária e inclusiva. Sob a perspectiva legal, o direito à cidade é discutido em diferentes documentos que se complementam. Como visto, no Artigo 6º da Constituição Brasileira são elencados os direitos fundamentais, entre eles o direito à propriedade. Mais adiante, no Artigo 182, é dito que a propriedade deve cumprir sua função social atendendo “às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Em contraposição à política centralizadora e autoritária exercida no período ditatorial, a Constituição de 1988 assegura ao poder municipal autonomia política, incentivando a descentralização. Isso explica a importância da elaboração de documentos, como o plano diretor, para orientar o desenvolvimento urbano. O Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014, entende a função social como uma medida para “combater a presença de propriedades ociosas, que causam grande prejuízo à população, aumentando o custo por habitante dos equipamentos e serviços públicos oferecidos.” (PDE,

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2014, p. 16-17). Isso significa que a propriedade não deve ser apenas uma porção de terra situada na cidade, e sim integrar a malha urbana participando de suas dinâmicas. Com isso, há o compartilhamento dos ganhos de produção na cidade, evitando sua fragmentação e favorecendo o acesso da população. Os artigos 182 e 183 da Constituição foram essenciais no início da discussão sobre política urbana, especialmente sobre a questão da propriedade fundiária urbana. Treze anos depois, eles foram regulamentados sob a forma da lei federal nº 10.257/2001, o “Estatuto da Cidade”. Essa lei foi uma conquista social que contou com a participação de diversos agentes, como movimentos populares, ONGs, acadêmicos, pesquisadores, sindicatos, parlamentares e prefeitos progressistas. O principal tema do Estatuto da Cidade é a função social da propriedade. “Em síntese, a lei pretende definir como regular a propriedade urbana de modo que os negócios que a envolvem não constituam obstáculo ao direito à moradia para a maior parte da população, visando, com isso, combater a segregação, a exclusão territorial, a cidade desumana, desigual e ambientalmente predatória. O EC trata, portanto de uma utopia universal: o controle da propriedade fundiária urbana e a gestão democrática das cidades para que todos tenham o direito à moradia e à cidade.” (MARICATO, 2010, p. 7)

O Estatuto da Cidade, portanto, contém os instrumentos necessários para aplicar as sanções a partir dos conceitos definidos pelo plano diretor ou legislação complementar, visando materializar o direito à cidade. O Estatuto da Cidade reúne leis existentes e fragmentadas, além de novos instrumentos e conceitos, criando uma unidade nacional à questão urbana.

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Entretanto, mesmo após sua promulgação, a propriedade privada ainda é tratada como direito absoluto, sem considerar sua função social. Isso reforça que, embora haja o texto legal, ele não é suficiente para reverter problemas estruturais em uma sociedade como a nossa, historicamente desigual no exercício dos direitos. Nesse contexto conservador e culturalmente excludente, os poderes político e social se associam à propriedade patrimonial. Visando reverter essa realidade, o Estatuto da Cidade abrange um conjunto de medidas legais e urbanísticas fundamentais para que a reforma urbana se realize nas cidades brasileiras. A reforma urbana significa a construção de uma nova ética social, que busca politizar a discussão sobre o direito à cidade, por meio da crítica e da denúncia das desigualdades sociais presentes no espaço urbano. A reforma urbana é, portanto, a democratização do espaço urbano e a inclusão da população excluída, é “[...] a luta de classes reconhecidas nas cidades enquanto palco de relações sociais, mas também por meio das cidades enquanto como produto e mercadoria que envolvem exploração, mais valia, alienação.” (MARICATO, 2014)

Recapitulando, tanto o direito à propriedade quanto a aplicação de sua função social são contemplados na Constituição Brasileira. Porém, devido ao pensamento patrimonialista e à cultura de exclusão enraizados em nossa sociedade, o direito à propriedade se sobrepõe aos demais, inclusive ao direito à moradia. Na tentativa de efetivar as diretrizes propostas na Constituição, os artigos 182 e 183 foram regulamentados por meio da lei do Estatuto da Cidade. Este documento, por sua vez, colocou o plano diretor em posição de destaque, reunindo outros instrumentos legais e urbanísticos para implementar a reforma urbana, há tanto tempo

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discutida. No entanto, até que ponto essas medidas legais contribuem, na prática, para uma cidade mais democrática e inclusiva? Nessa discussão, algumas questões precisam ser destacadas. O Estatuto da Cidade procurou criar uma abordagem nacional em relação aos problemas urbanos. Apesar dos pontos positivos, o texto não evidencia os aspectos de formação urbana das cidades brasileiras, como os diferentes estágios de urbanização e a distribuição da população no território. Isso desconsidera as especificidades locais, distanciando o Estatuto da realidade, e abrindo brechas em sua interpretação e aplicação. Outro ponto relacionado é o fato dos planos diretores, orientados pelos princípios do Estatuto da Cidade, apresentarem um conjunto de iniciativas e objetivos que não incorpora os elementos necessários para promover o acesso à cidade, isto é, o discurso evolui, mas as estratégias concretas para enfrentar as desigualdades socioespaciais permanecem na teoria (MARICATO, 2010). Sob essa perspectiva, as leis e diretrizes elaboradas com o objetivo de impulsionar a luta pelo direito à cidade muitas vezes atuam no sentido contrário. Mesmo que a ideia seja garantir o acesso igualitário das pessoas aos serviços urbanos, esses documentos acabam por engessar possíveis ações. Uma vez que existe a base legal e deve-se segui-la para legitimar as intervenções, o descumprimento de algum item pode inviabilizar o projeto. Sendo assim, a legislação referente às políticas urbanas pode produzir mais um obstáculo, visto que se cria um caminho bem definido de como se deve agir para alcançar o direito à cidade. Além disso, a distância entre o conceito e sua aplicação abre margem para diferentes interpretações de acordo com o interesse do agente. Por exemplo, para as atividades capitalistas que envolvem a

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cidade como um produto a ser oferecido no mercado de investimentos, as políticas de exclusão promovidas pelo próprio capital tornam-se desvantagens competitivas. É mais interessante ter uma cidade menos fragmentada e que universalize a oferta de serviços urbanas. Se o direito à cidade for garantido de alguma forma, o capitalismo consegue se beneficiar, aumentando seu mercado, apesar da motivação não ser a justiça social. Feita essa análise, muitas dúvidas e contradições surgem. Por um lado, apenas o ativismo dos usuários não é suficiente. Por outro, a legislação pode criar mais obstáculos ao invés de facilitar o acesso à cidade. Então, como continuar? Como visto, o debate sobre o direito à cidade conta com diversos atores com visões diferentes. Conciliá-los e estimular a pluralidade é essencial para o fortalecimento da luta. Não adiantam leis que não sejam aplicadas e ações que não se sustentem legalmente. As ações legalistas e as intervenções ativistas devem caminhar juntas, instigando o avanço teórico e prático e possibilitando conquistas sólidas que retratem as demandas reais.

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PARTE 2

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TERRITÓRIO EM DEBATE 39



2.1. A dimensão política e pública do espaço e do conflito urbano

“Se os bens públicos oferecidos pelo Estado diminuem ou se transformam em mero instrumento para a acumulação privada (como vem acontecendo com a educação), e se o Estado deixa de oferecê-los, então só há uma resposta possível, que é as populações se auto-organizarem para oferecerem-se seus próprios comuns.” (HARVEY, 2014, p. 167)

A relação entre direito à cidade e a apropriação do espaço público já foi abordada no capítulo anterior. No entanto, no Brasil, em uma sociedade patrimonialista (FERREIRA, 2010), a definição de esfera pública não é clara e bem definida. Historicamente, os assuntos públicos são tratados como assuntos (e com interesses) privados. Isso caracteriza o patrimonialismo. Nesse contexto, o espaço público não é entendido como algo de todos, e acaba sendo depredado e abandonado uma vez que não tem dono e ninguém se responsabiliza. Como consequência, é comum encontrarmos espaços públicos fechados e privatizados, fortalecendo o distanciamento entre a população e a cidade. Se por um lado não há limites entre o público e o privado, por outro, pode-se apontar barreiras entre grupos que compõem a esfera pública. De acordo com Queiroga (2012, p. 55), a esfera pública pode ser dividida em oficial e popular. A esfera pública oficial é reconhecida pelo Estado e pelos grandes meios midiáticos, sendo composta pela elite econômica e grupos de renda média com maior nível de instrução, que se organizam em sindicatos patronais, associações de bairros de elite, institutos de profissionais liberais, entre outros. Essa esfera apresenta caráter predominantemente burguês e seus integrantes são reconhecidos como formadores de opinião tendo grande influência na sociedade brasileira. Dessa forma, seus posicionamentos são bem transmitidos nos meios de comunicação de massa. A esfera pública popular é composta

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Manifestação na Avenida Paulista. Foto: Caio Sens.

sobretudo por pessoas de baixa renda, correspondendo à maior parte da população. Ela se organiza em movimentos sociais, grupos culturais periféricos, sindicatos de trabalhadores, etc. Raramente seus posicionamentos e ações são divulgados corretamente pelos grandes meios de comunicação. Com exceção dos movimentos sociais de alcance nacional, esses grupos atuam como estruturas locais e fragmentadas, muito presentes no cotidiano popular, mas sem real reconhecimento como esfera pública pela elite e pela mídia. Essa análise reforça a ideia de que a cidade é o espaço da diferença e do conflito. Por isso, é necessário tratá-la como um palco inclusivo para a atuação das diversas forças heterogêneas que a compõem. Para Wisnik (2016), a disputa e o conflito são sinais de espaço público, de esfera pública. Nossa sociedade é conflituosa, apresenta interesses diferentes, e essas diferenças precisam de espaço para se manifestar. Porém, fazer a cidade apenas pelo projeto do arquiteto e urbanista não responde a todas as demandas reais, é preciso fazer a cidade através do uso. Para tanto, a participação ativa dos usuários é essencial, sejam eles organizados ou não, de movimentos da sociedade civil, de ONGs ou de ações espontâneas. Nessa busca da superação do isolamento e da reconfiguração da cidade mais de acordo com nossos desejos e necessidades, como defende Harvey, diversos movimentos sociais urbanos e coletivos urbanos têm se destacado no cenário atual. “A teoria de Lefebvre de um movimento revolucionário situa-se exatamente num polo oposto: a confluência espontânea em um movimento de ‘irrupção’, quando grupos heterotópicos distintos de repente se dão conta, ainda que por um breve momento, das possibilidades de ação coletiva para criar algo radicalmente novo.” (HARVEY, 2014, p. 22)

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Observando as manifestações que ganharam força em junho de 2013, percebe-se uma mudança na maneira de fazer cidade e fazer política. Com o protagonismo cidadão, a população começou a “fazer política com as próprias mãos” (WISNIK, 2016). Dentro da dinâmica paternalista, a população reclama do Estado insuficiente enquanto espera passivamente por respostas políticas. Quando se distancia dessa realidade, a sociedade se torna um agente ativo e passa a ser ouvida. Ela começa a criar mecanismos para se fazer, contribuindo na construção política de uma cidade mais horizontal. Sob essa perspectiva, nota-se que os movimentos atuais se diferem dos movimentos sociais que surgiram no Brasil no período da redemocratização. Naquela época, as principais pautas reivindicatórias eram habitação social e a construção de uma política de Estado, enquanto hoje os movimentos ampliaram a agenda de discussão, englobando outras reivindicações como a luta por transporte e pelos espaços públicos. Mais do que pressionar o Estado, esses grupos buscam autonomia em relação a ele, indicando um distanciamento da política oficial. “Quando nos organizamos em conjunto, quando nos envolvemos, quando nos colocamos de pé e nos pronunciamos coletivamente, podemos criar um poder que governo algum pode suprimir.” (ZINN apud MESQUITA, 2008, p. 35)

É importante ressaltar que apesar de muitos desses grupos terem o direito à cidade como tema central, existe grande discordância entre os movimentos ativistas. Isso não é surpresa se os entendermos como reflexo das dinâmicas urbanas presentes na cidade, isto é, a heterogeneidade que ocupa o espaço propício ao conflito. Esses grupos ilustram a ideia discutida anteriormente de que nossa noção de direito depende de nossas vivências, que por sua vez variam conforme

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os lugares que habitamos, poder aquisitivo, gênero, raça, identidade sexual entre tantos outros aspectos. Frente a essa realidade, os movimentos se organizam e encaminham suas ações de formas distintas. Por exemplo, há grupos que discutem a cidade por meio de intervenções artísticas de dança e teatro, outros que incentivam o desenvolvimento do urbanismo tático; há grupos feministas e ligados a movimentos negros que fazem outro recorte do tema. Segundo Wisnik (2016), é possível observar também uma separação classista, na qual grupos ligados às artes e ao urbanismo são formados principalmente por universitários e pessoas de classe média, enquanto grupos ligados às questões raciais, de gênero e sociais se encontram essencialmente na periferia. Independente da forma de organização e da temática abordada, é inegável a importância do ativismo dos usuários na construção de uma cidade mais inclusiva e democrática. No fluxo das manifestações, o ativismo produz um novo espaço urbano no qual prevalece a autoorganização em detrimento do controle privado dos centros urbanos, buscando desconstruir o modelo de exclusão presente nas cidades globais (MESQUITA, 2008, p. 44). Nesse novo olhar sobre o território, é preciso ressignificar os espaços de forma a tornar público o que é público e a tornar visível o que é invisível. Para que isso aconteça, a transformação urbana precisa passar pelo uso, ilustrando a urgência de se pensar no valor de uso ao invés do valor de troca. Dessa forma, o direito à cidade pode extrapolar a debate teórico e ser vivenciado cotidianamente pelos usuários.

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2.2. Coletivos urbanos e seu

olhar sobre a cidade

Nesse novo olhar sobre a cidade, novos agentes sociais surgem e se destacam. Entre eles, os coletivos urbanos. Organizados de forma horizontal e estruturados a partir de um propósito comum, esses grupos realizam trabalhos colaborativos, geralmente multidisciplinares, que trazem outras reflexões sobre o espaço em que vivemos. Mais importante que a quantidade de integrantes é a qualidade da relação entre eles. Há um contrato social baseado nas semelhanças e diferenças das experiências e habilidades, ampliando assim a ação das disciplinas e reforçando o caráter de transversalidade. “[...] Ricardo Rosas define a transversalidade como a capacidade fluída de atravessar diversas áreas do conhecimento, conjugando pontos distintos e agenciando idéias e ações. A transversalidade implica na dissolução entre o individual e o coletivo, mas também, segundo Gerald Raunig, em uma crítica da representação, na recusa de falar pelos outros e no nome de outros, produzindo a súbita perda de uma única identidade.” (MESQUITA, 2008, p. 55)

A partir desse modelo de organização, nota-se que os coletivos têm pensado criticamente o espaço urbano, questionando as normas que regram condutas individuais e coletivas, rebatendo os preceitos competitivos e violentos do neoliberalismo. Os coletivos atuam, portanto, de maneira mais criativa, flexível e descentralizada, apresentando nova forma de encarar os problemas urbanos e criando alternativas na produção das cidades. No entanto, a fim de evitar a banalização da discussão, é importante estudar como os grupos se formam, se inserem nas dinâmicas urbanas e se relacionam com o Poder Público e a sociedade. Ao se observar as interações que ocorrem no espaço urbano, percebe-se uma formalização

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excessiva do meio e um desequilíbrio entre os atores presentes no território. Consequentemente, surgem cidades com lugares excludentes ou sem vida, explicitando a “deterioração da sociabilidade e da civilidade e as restrições ao exercício da cidadania – em suma, de ameaças e limitações à autonomia, tanto individual quanto coletiva” (SOUZA apud LIMA, 2014, p. 33). Como forma de resistir e questionar esse modelo, os coletivos se estabelecem como importantes agentes no desenvolvimento urbano. A partir desse entendimento, pode-se dizer que os coletivos surgem quando são necessários. Tal afirmação parece vaga, mas é essencial na compreensão do caráter de resistência e luta. O coletivismo responde de maneira criativa às necessidades de produção de uma cultura alternativa frente às desigualdades socioeconômicas e à estética do precário, comum nas cidades brasileiras. Associado à busca pela transversalidade, esses grupos propõem intervenções diretas no espaço urbano, possibilitando maior participação e autonomia dos usuários. Além disso, com o surgimento e destaque de suas ações, a crítica se tornou um elemento central na denúncia e no combate aos poderes hegemônicos que incentivam a exclusão e segregação da população. Observa-se, então, que as contradições presentes nas cidades oferecem o material necessário para os projetos dos grupos, que se inserem criticamente no tecido urbano. Tal mobilização coletiva atua como uma rede que busca combater o domínio autoritário do espaço, o qual cerceia a vida pública e a função social da cidade. Em sua tese, Sansão (2011) entende a configuração urbana das cidades como reflexo de dois fatores. O primeiro é a constituição material, composta pelos projetos e representações oficiais e de agentes da sociedade civil.

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O segundo é o conjunto de percepções, baseado na dimensão afetiva e nas intervenções imateriais. Os coletivos exercem o papel de elemento articulador entre esses dois elos, uma vez que as ações solidárias dos grupos têm uma força propositiva real para ultrapassar as barreiras de acesso à cidade e repensá-la de forma mais inclusiva. Em outras palavras, os coletivos urbanos possibilitam o diálogo e a participação de diversos agentes sociais, posicionando-se contra a produção capitalista do espaço que tende a excluir cada vez mais. Eles reivindicam novas possibilidades de uso para a cidade, incentivando novos estilos de vida que construam uma cidade mais humana. Além de intervenções ativistas renovadas, os coletivos assumem um papel simbólico dentro da rede de relações na cidade. De maneira geral, a forma como eles atuam se distancia da alternativa política clássica que se divide entre reformistas e revolucionários. Isso porque realizam ações pontuais que visam transformações pontuais, as quais não devem ser entendidas como reforma de algo existente, e sim como a invenção de algo novo (DUARTE & PONCE SANTOS, 2012, p. 41). Portanto, as práticas de resistência promovidas pelos coletivos não têm o objetivo, a priori, de transformar todo o território de uma só vez, mas de repensar aspectos cotidianos que afetam nosso vínculo com a cidade. Se não transformarmos a realidade que nos cerca, não será possível realizar uma transformação generalizada. Ao se abordar a temática do ativismo dos usuários, é comum questionarem porque analisar pela perspectiva dos coletivos urbanos e não dos movimentos sociais. Ao longo da pesquisa, dois fatores se destacaram para essa escolha. O primeiro é justamente o alcance e objetivos das intervenções desses grupos. Como visto, os coletivos atuam de maneira mais pontual,

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demonstrando certa urgência em concretizar os projetos, como se o prazo para execução fosse mais delimitado. Já os movimentos sociais têm uma visão global sobre a temática reivindicada, criando uma teia de relações e atividades sobre o território. Suas lutas e pautas podem permanecer por anos até que transformações estruturais aconteçam. O segundo motivo é a organização interna dos grupos. Como discutido, os coletivos mantêm uma formação horizontal, não hierarquizada, muitas vezes mais autônomas que as presentes em movimentos sociais. Há um terceiro fator que não pode ser generalizado, mas no recorte feito para esta pesquisa foi um ponto de partida: a relação com o Estado. Como o objetivo era analisar a apropriação do espaço público pelos usuários sem o suporte do Poder Público, foram estudados coletivos urbanos que atuam de maneira independente e desvinculada. Isso significa que apesar do que o Estado proporciona e permite, esses grupos intervêm nas demandas de onde atuam. É importante ressaltar que ao mesmo tempo que existe a autonomia, há o interesse em tensionar o Poder Público e, em alguns casos, a mobilização coletiva desperta sua ação. Essa realidade se contrapõe a de alguns movimentos sociais, como os de moradia, nos quais a atuação associada às Políticas Públicas possibilita uma transformação mais consolidada. Portanto, “Ao colocarem-se à margem da esfera pública institucionalizada, recusando a cooptação pelas estruturas partidárias e demais formas burocratizadas de organização política, tais coletivos eco-estético-políticos visam exercitar uma política ‘outra’: se os coletivos não se furtam ao diálogo com os poderes públicos estabelecidos, instância responsável pela implantação de transformações nos sistemas viários, não limitam suas formas de atuação e engajamento às

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exigências postas pelas instâncias burocráticas de representação política.” (DUARTE & PONCE SANTOS, 2012, p. 41)

Dessa forma, os coletivos provam que a política não é atividade restrita a um certo grupo e local previamente determinados. Ao se articularem publicamente, eles manifestam as singularidades de seus participantes, repensando as relações que cada um estabelece consigo e com os outros na sociedade. Graças às estratégias de participação propostas, as ações coletivas se estabelecem como função social e meio de comunicação entre a população (MESQUITA, 2008). Consequentemente, as pessoas começam a entender melhor o espaço em que vivem e trazem para si a responsabilidade sobre ele. Mais do que isso, as práticas críticas manifestam o desejo de redefinir a esfera pública, reivindicando espaços urbanos mais solidários e criando teias de relações objetivas e subjetivas. Esses vínculos acabam englobando toda a sociedade que está interessada naquele projeto, estando ou não organizada em coletivos urbanos e em movimentos sociais. Portanto, os coletivos urbanos não exercem o papel de resolver problemas, e sim de chamar a atenção para eles, denunciando os conflitos e propondo alternativas e formas de intervenção política e reflexiva para a construção de um novo viver urbano. Na busca por esse ideal, os coletivos podem se expressar de diferentes maneiras, em uma abordagem mais cultural ou mais política, por exemplo. Para ilustrar e apresentar um pouco do que está acontecendo em São Paulo, segue-se uma pequena lista de coletivos urbanos atuantes na cidade. Contudo, é essencial reforçar que os coletivos analisados nesta lista e em toda a pesquisa atuam como instrumentos de

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transformação comunitária. Como dito, atualmente coletivo é um termo banalizado, por isso a avaliação de suas atividades e impactos deve ser feita de forma crítica, tendo em mente sua relação com o território e as pessoas. O ponto de partida foi o TFG da Silvia Acar, Espaço público e política: proposta para o Largo da Batata, apresentado em 2015. Além do desenvolvimento de um projeto para o Largo da Batata, ela elaborou um segundo caderno com a catalogação de 30 intervenções urbanas, com diferentes recortes temporais, espaciais e temáticos, que se enquadravam em pelo menos uma das seguintes categorias: apropriação/ocupação, corporificação, disseminação, subversão e empoderamento. A partir dessa perspectiva analítica, foram levantados os coletivos urbanos na capital. Como dito, o principal aspecto considerado foi o caráter fomentador das intervenções que visam transformar a realidade local. Optou-se por selecionar um coletivo de cada região para construir uma visão mais geral sobre o território, além de possibilitar a discussão das diferenças entre centro e periferia. Quanto ao tipo de intervenção, não foi determinado nenhum recorte específico; a condição era ter a temática do direito à cidade como pauta. A principal ferramenta de pesquisa foram as redes sociais; nem todos responderam as mensagens. Dentre os cinco coletivos escolhidos, apenas o Arrua e a Ecoativa foram acompanhados presencialmente, os demais o contato foi virtual. Nas reuniões e eventos, foi possível observar as diferenças de organização e trabalho entre eles. Ao lado, segue um breve relato sobre os coletivos urbanos atuantes em São Paulo.

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Mapa 1: Localização dos coletivos urbanos a serem estudados. Fonte: Elaborado pela autora.

0

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5

10

20km


Arrua

Atuação

O coletivo

Pode ser classificado como um coletivo político. Entre suas intervenções, eles atuaram no movimento Roosevelt Livre, ofereceram o Curso livre de direito à cidade na Praça Roosevelt e participaram junto com outros coletivos da campanha Por que o senhor atirou em mim?. Recentemente, a frente feminista dentro do coletivo organizou o ciclo de debates Clandestinas, dissidentes, marginais: as mulheres e as lutas urbanas. Com esses projetos, o Arrua se torna um articulador entre diversos coletivos e movimentos sociais, trabalhando diferentes pautas que contribuem para maior inserção nas dinâmicas urbanas.

O Arrua é um coletivo que debate o direito à cidade, intervindo na cidade e na rede. Com integrantes de variadas trajetórias pessoais, profissionais e de militância, eles buscam reinventar a cidade como espaço democrático e atuar nas redes de forma distribuída e colaborativa. Os encontros se intensificaram nas eleições municipais de 2012. Dialogando com movimentos sociais, como o MTST, e ampliando e fortalecendo o papel da Internet para articulação, o Arrua discute o direito à cidade pela mobilidade, cultura, espaços culturais, (des)privatização dos espaços públicos, liberdade e diversidade, participação política e comunicação e Internet livre.

Onde atua Principalmente na região central.

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Superior | Festa da Roosevelt Livre, 2014. Foto: Rede Brasil. Centro | Passeata Por que o senhor atirou em mim?, 2013. Foto: Arrua. Inferior | 1ยบ debate do ciclo feminista, 2016. Foto: Arrua


Sarau Poesia na Brasa

O coletivo O Sarau Poesia na Brasa foi criado em 2008 como um movimento cultural de periferia para a periferia. Tem como objetivo produzir e divulgar a arte e poesia dentro da comunidade da Zona Norte. As discussões e reflexões são sobre a periferia, porém o espaço é aberto para todos que quiserem participar. O Sarau Poesia na Brasa integra o movimento de Literatura Periférica, junto com outros grupos como a Cooperifa, Sarau do Binho e Elo da Corrente.

acontecem quinzenalmente no Bar do Carlita, mas também ocorrem saraus em escolas, UBSs, unidades da Fundação Casa e centros culturais. Nesses encontros, os tambores e a oralidade são os pontos principais no resgate de tradições milenares. Dessa forma, a questão da identidade é muito marcante no trabalho do grupo. Isso contribui para o fortalecimento da autoestima dos moradores, além de discutir o espaço que se ocupa na cidade através da arte.

Atuação

Onde atua

Coletivo

cultural.

Os

saraus

regulares

Brasilândia, Zona Norte.

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Superior | Foto: Sbischain, 2016. Centro | Foto: Sarau Poesia na Brasa, 2010 Inferior | Foto: Sarau Poesia na Brasa, 2010


Vaidapé

O coletivo O Vaidapé é um coletivo formado por jovens que debatem e divulgam movimentações culturais, periféricas e marginais por meio de um jornalismo independente. O objetivo é atrair leitores curiosos e com vontade de refletir sobre o mundo em que vivemos e se articular com aqueles que não são retratados pela grande imprensa nem são prioridades da agenda política. Além de atuar no audiovisual, na radiodifusão, no meio impresso e digital, o Vaidapé desenvolve projetos e eventos que conectam jovens dos extremos da cidade, quebrando as barreiras e questionando as fronteiras impostas.

Vaidapé na Rua na 87,5 MHz da Cidadã FM, a Rádio Comunitária do Butantã; online, com a produção de textos e vídeos difundidos nas mídias sociais e plataformas colaborativas. Entre seus projetos estão A rua grita, O que é o rap?, Pretxs, além da cobertura de festivais e acontecimentos independentes na cidade de São Paulo. O trabalho do Vaidapé é muito importante no estabelecimento de uma mídia livre e autônoma. O grupo dá espaço para diversos projetos e atores que não têm voz na mídia convencional. Isso reforça a discussão do direito à cidade pelo protagonismo daqueles que realmente lutam por uma cidade mais inclusiva e democrática.

Atuação

Onde atua

Coletivo de comunicação, que atua em diversas plataformas: impressa, com a Revista Vaidapé, de distribuição semestral e gratuita em centros culturais e universitários; rádio, com transmissão semanal do programa

Butantã, Zona Oeste. Apesar de realizar atividades em várias áreas em São Paulo, o Vaidapé faz transmissões semanais na Rádio Cidadã, no Butantã, além de desenvolver frequentemente ações no CEU Butantã.

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Superior | Transmissão Rádio Cidadã, 2016. Foto: Bruno Mariz. Centro | Lançamento da 6ª edição da Vaidapé, no CEU Butantã, 2016. Foto: Vaidapé. Inferior | Abertura do Festival Juruena Vivo, 2016. Foto: João Miranda.


Grupo Pombas Urbanas

O coletivo O Grupo Pombas Urbanas começou em 1989 no Projeto Semear Asas, idealizado pelo ator, dramaturgo e diretor peruano Lino Rojas (1942-2005). O Grupo tinha como objetivo formar jovens de São Miguel Paulista enquanto atores que produzem, administram e alimentam sua própria arte. Em 2002, foi criado o Instituto Pombas Urbanas que visa contribuir para o desenvolvimento da Cidade Tiradentes explorando a arte, as raízes culturais e a capacidade transformadora do jovem, valorizando a perseverança, dignidade, comprometimento e solidariedade. O Grupo Pombas Urbanas é uma referência no Teatro de Comunidade, caracterizado por ser feito para, com e na comunidade.

de teatro, música, circo, capoeira, o Grupo contribui para a formação e inclusão de jovens da Cidade Tiradentes. Junto com os grupos Núcleo Teatral Filhos da Dita, Cia Teatral Aos Quatro Ventos e Grupo de Circo Teatro Palombar, eles atuam no Centro Cultural Arte em Construção. Entre seus projetos estão Circuito de Arte Pública e Cultura Colaborativa, Cooperativa de Artistas: Produzindo Caminhos Sustentáveis para a Vida, Juventude, Violência e Território: Fortalecendo o bairro através da Arte e Território Maravilha!. Mais do que discutir o espaço da periferia na cidade, o grupo auxilia na formação de jovens, tornando-os agentes políticos transformadores. Fica claro a importância da cultura no desenvolvimento das pessoas e do território.

Atuação

Onde atua

Coletivo cultural. Através de cursos e oficinas

Cidade Tiradentes, Zona Leste.

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Superior | Curso de circo. Foto: Instituto Pombas Urbanas. Centro | Atividade no Centro Cultural Arte em Construção, 2014. Foto: Instituto Pombas Urbanas. Inferior | Juventude, Violência e Território Fortalecendo o bairro através da Arte, 2014. Foto: Instituto Pombas Urbanas.


Ecoativa

O coletivo A Ecoativa é um projeto localizado na APA Bororé-Colônia na Ilha do Bororé. O projeto foi iniciativa dos moradores do extremo sul de São Paulo e de alguns coletivos, entre eles o Imargem. O objetivo é promover a agroecologia, atividades culturais e o desenvolvimento da comunidade através da preservação da biodiversidade local. Realizam-se oficinas, saraus, mutirões de plantio e outras atividades para crianças, jovens e adultos, tanto em sua sede - a Casa Ecoativa às margens da represa Billings quanto em outras localidades.

comunitário. A Ecoativa desenvolve diversos projetos em parceria com a Escola Estadual Professor Adrião Bernardes, como o Projeto Alimentação Saudável. Também realiza o Sarau de Cordas, participa do PermaPerifa junto com outros coletivos, produz cestas de orgânicos, oferece cursos de permacultura, entre outras atividades. O trabalho do coletivo é muito forte e representativo na região. A inclusão dos jovens em diferentes áreas de atuação, como grafite e produção de hortas, oferece uma alternativa para o cotidiano tão desfalcado de equipamentos culturais e sociais.

Atuação

Onde atua

Coletivo de desenvolvimento sustentável e

Ilha do Bororé, Zona Sul.

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Superior | Bazar de produtos orgânicos. Foto: Barbara Terra. Centro | Permaperifa 7, na Casa Ecoativa, 2016. Foto: Celso Cardoso. Inferior | Eduacadores da Terra no Sítio Humanaterra. Foto: Celso Cardoso.


Após o levantamento, um aspecto chamou a atenção: a relação dos coletivos com o território. Evidentemente, todos os trabalhos levantados são bem elaborados e estimulam o debate e conscientização sobre os direitos e a inclusão e formação da população, principalmente dos jovens. Por isso, a estratégia de atuação dos grupos não está em discussão, e sim o impacto da questão territorial no desenvolvimento das atividades. No trabalho do Arrua, por exemplo, a discussão sobre direito à cidade é ampla, não existe um vínculo muito explícito com aquele espaço ou com os moradores. Diferentemente, os coletivos periféricos acabam ampliando o campo de atuação na medida em que se tornam um ponto de referência e criam uma identidade para aquela área. Isso suscita outro debate: a diferença entre reivindicar um espaço público no centro e na periferia. Quando se apropria de um espaço central, como a Praça Roosevelt ou o Largo da Batata, enfatizase que aquele território pertence à cidade e, consequentemente, a todos que a utilizam. A apropriação tem um forte valor simbólico de inclusão daquele espaço e de seus usuários nas dinâmicas urbanas - se isso acontece na realidade, já é outra história. A ideia que se passa é que a reivindicação de espaços públicos no centro é mais ampla e ideológica, ultrapassando a necessidade do espaço físico em si. Sua livre utilização é essencial para fortalecer o caráter participativo e democrático, porém não significa a única opção da região. Na periferia, o espaço público assume outro significado. Em geral, ele corresponde à rua. Ocupá-la é uma forma de resistência, uma resposta à ausência do Poder Público e uma quebra de preconceitos. O simbolismo desta ação é tão forte quanto no centro, porém o impacto é local e dificilmente mudará as dinâmicas da cidade. Muitas vezes, a rua enquanto espaço de lazer é

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a única opção, ilustrando como a região é desassistida. As ruas na periferia são estigmatizadas como lugares perigosos que devem ser evitados, principalmente à noite. Quem a utiliza nesse período pode ser acusado de estar fazendo algo errado - ao mesmo tempo que em bairros de classe média, a mesma situação significa apenas que as pessoas estão se divertindo. Portanto, reivindicar e apropriar um espaço público periférico é uma maneira de resistir à cidade que exclui e ressignificar seus territórios. Nesse processo, os coletivos surgem como agentes que estimulam as potencialidades locais. Nota-se um vínculo maior entre os grupos e os moradores, com o desenvolvimento de projetos com e para eles. Um exemplo é a relação da Ecoativa com os alunos da E.E. Prof. Adrião Bernardes. A escola participa do Programa Escola Aberta [5], do Ministério da Educação, logo já existe o interesse em desenvolver atividades multidisciplinares fora da sala de aula. Em parceria com a Ecoativa, os estudantes são estimulados a pensar o meio ambiente e o território, tendo em vista o desenvolvimento pessoal e comunitário. Por meio de projetos relacionados à alimentação orgânica, à produção e destinação de resíduos sólidos, à permacultura e à construção sustentável, o coletivo e a escola pensam ações que possam ser aplicadas no cotidiano dos moradores. Consequentemente, cria-se alternativas para a falta de assistência do Poder Público, bem como investe-se no futuro das crianças e adolescentes, tornando-os agentes transformadores daquela realidade. Inicialmente, a proposta era realizar uma intervenção em parceria com um coletivo do centro e um da periferia, para em seguida contrapor as diferenças entre as duas dinâmicas urbanas. Apesar de frequentar as reuniões do Arrua, não foi possível inserir a proposta do trabalho no

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calendário do grupo, que estava muito atribulado com as eleições municipais. Por outro lado, após participação de um evento de permacultura na Casa Ecoativa, houve maior aproximação com o grupo e discutiu-se, posteriormente, a realização de uma oficina de cartografia social da área. Após algumas conversas, viu-se que os alunos da E.E. Prof. Adrião Bernardes organizariam uma mostra cultural e seria uma ótima oportunidade para desenvolver esta atividade. A partir disso, decidiu-se focar a análise na região periférica, mais especificamente na Ilha do Bororé – onde se localiza a escola e a Casa Ecoativa. Além deste, mais dois trabalhos abordarão o extremo sul de São Paulo: o TFG da Marla Rodrigues e o da Gabriela Deleu. Com abordagens diferentes, os três trabalhos buscam dar espaço para um território tão esquecido e negligenciado da cidade: o extremo sul.

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[5] De acordo com o Ministério da Educação: “O Programa Escola Aberta incentiva e apoia a abertura, nos finais de semana, de unidades escolares públicas localizadas em territórios de vulnerabilidade social. A estratégia potencializa a parceria entre escola e comunidade ao ocupar criativamente o espaço escolar aos sábados e/ou domingos com atividades educativas, culturais, esportivas, de formação inicial para o trabalho e geração de renda oferecidas aos estudantes e à população do entorno.”

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PARTE 3

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TRÊS OLHARES SOBRE O BORORÉ 69



3.1. O olhar pelos dados Para ilustrar a discussão elaborada até aqui e aprofundar a análise, foi escolhido um território na cidade de São Paulo: a Ilha do Bororé, extremo sul da cidade. Alguns fatores levaram a essa escolha. Inicialmente, o que chamou a atenção foi a relação, descrita anteriormente, entre o pessoal da Ecoativa e os estudantes. Os projetos realmente têm um caráter transformador e incentivam o desenvolvimento e formação dos jovens. Como a maioria das regiões periféricas, a ação do Poder Público não é expressiva na Ilha do Bororé. Mas a área apresenta particularidades bem diferentes dos outros extremos de São Paulo, principalmente devido à presença da Represa Billings e o contato com a natureza. A Ilha do Bororé é, portanto, um território excluído da teia urbana, desassistido pelo Estado e com dinâmicas próprias que merecem ser contadas.

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Mapa 2: O distrito do Grajaú é administrado pela Subprefeitura da Capela do Socorro e faz divisa com os distritos de Pedreira, Cidade Dutra e Parelheiros, além dos municípios de São Bernardo do Campo e Diadema. Trata-se do distrito mais populoso da cidade de São Paulo, segundo o Censo 2010, com 360.787 habitantes e densidade demográfica de 3,92 hab/km². Fonte: Elaborado pela autora. 0

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5

10

20km


Mapa 3: O distrito do Grajaú é composto por cerca de 90 bairros, entre eles o Bororé, destacado no mapa acima. Nota-se a transição abrupta entre um tecido urbano denso e o início de uma área predominantemente rural. Fonte: Elaborado pela autora. 0

1

2,5

5km

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A Ilha do Bororé faz parte da Área de Proteção Ambiental Municipal Bororé-Colônia, criada pela Lei 14.162/06, com o intuito de promover a proteção da diversidade biológica, dos recursos hídricos e do patrimônio histórico da região, bem como melhorar a qualidade de vida da população residente. A APA se situa a 32 quilômetros do centro de São Paulo, tendo seu território dividido entre as Subprefeituras da Capela do Socorro e de Parelheiros. Ela possui inúmeras nascentes, córregos e ribeirões que drenam para as Bacias Guarapiranga e Billings, contribuindo para a formação dos mananciais e recursos hídricos que abastecem cerca de 30% da Região Metropolitana de São Paulo. Não se encontrou um número oficial, mas segundo relatos sobre o Bororé, cerca de três mil pessoas habitam o bairro. Apesar do nome Ilha, o bairro Bororé é uma península na Represa Billings, com acesso por Parelheiros através da Avenida Paulo Guilger Reimberg, e pelo Grajaú atravessando a Primeira Balsa na Avenida Dona Belmira Marin. No site da Prefeitura de São Paulo, o bairro é caracterizado como “um dos mais peculiares” do município, e seu isolamento pode ser um ponto positivo, uma vez que proporciona “uma feição singular à paisagem do antigo bairro”, sendo “local ideal para visualização de pássaros como a garça branca e passeios de barco”. Nessa descrição, passa-se a ideia de que a Ilha do Bororé se relaciona com a cidade a partir de seu caráter turístico e de lazer, e o isolamento, que tanto dificulta a rotina dos moradores, é um atrativo a mais para os visitantes que procuram um local tão peculiar dentro de São Paulo. No entanto, nos mapas de São Paulo e da RMSP, é possível notar a (ausência de) relação entre a Ilha do Bororé e o restante da cidade. Por exemplo, o mapa abaixo mostra os principais eixos estruturadores de São Paulo, entre linhas de metrô, trem e grandes vias. O que se observa é que a região não entra na lógica de mobilidade urbana, tendo como ponto mais próximo o Terminal Grajaú - cerca de 8 quilômetros da Casa Ecoativa.

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Mapa 4: Eixos estruturadores na RMSP, localizando a Ilha do Bororé. Fonte: Elaborado pela autora.

A exclusão da Ilha não se restringe à questão da mobilidade. Para justificar e ilustrar essa afirmação, serão apresentados mapas do município de São Paulo e, em seguida, um destaque do distrito do Grajaú. Os mapas foram elaborados a partir da plataforma do Geosampa, fornecida pela Prefeitura de São Paulo. Para fins comparativos, é importante relembrar que, em relação a regiões mais centrais, o Grajaú enfrenta diversos problemas urbanos e de acesso à cidade. Ao se observar apenas o distrito, nota-se que a Ilha do Bororé tem menos recursos ainda. Trata-se do extremo do extremo sul.

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TRANSPORTE No Mapa 5, observa-se que a oferta de linhas de ônibus diminui consideravelmente à medida em que segue na direção sul de São Paulo. A rede cicloviária (Mapa 6), concentra-se no centro seguindo pelo eixo sudoeste. No distrito do Grajaú (Mapa 7), situa-se o Terminal Grajaú, de onde partem linhas para diversas áreas da cidade, como Brás (5630-10) e Vila Mariana (675X10). No entanto, apenas uma linha passa pela Ilha do Bororé, a 6L11-10 que sai do Terminal Grajaú e vai para a Segunda Balsa. Como é necessário utilizar a balsa, a linha conta apenas com micro-ônibus, reduzindo a capacidade de transportar passageiros. No site da empresa responsável pela linha, a Transwolff, fica claro o isolamento e a dificuldade em se chegar na Ilha do Bororé: “Para entrar e sair da Ilha do Bororé de transporte coletivo só tem um jeito: pelos ônibus da Transwolff. A ilha, onde vivem duas mil famílias, fica na área urbana de São Paulo, no extremo sul da cidade, no meio da represa Billings. Para chegar lá, os ônibus da Transwolff usam uma balsa para atravessar a represa. São seis ônibus convencionais que operam das 4h às 1h, com saídas a cada meia hora. É lá onde atua, desde 2008, a linha 6L11/10 Term. Grajaú/Ilha do Bororé, um itinerário de 12 km e 40 minutos de viagem. Quando a balsa deixa de operar, o caminho alternativo é pela Estrada da Poeirinha, um caminho de terra e cheio de buracos onde os ônibus não passam dos 20 km/h e a viagem chega a durar duas horas.” (Transwolff)

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Mapa 5: Terminais e linhas de ônibus em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 6: Rede cicloviária em São Paulo. Fonte: Geosampa.

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5

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Mapa 7: Terminais e linhas de ônibus no distrito do Grajaú. Fonte: Geosampa.

Terminais de ônibus Linhas de ônibus

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1

2,5

5km


Mapa 8: Escolas públicas: fundamental e médio em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 9: Escolas públicas: educação infantil em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 10: Escolas particulares em São Paulo. Fonte: Geosampa.

EDUCAÇÃO A distribuição de equipamentos educacionais é interessante. Nos Mapas 8 e 9, nota-se que a maior concentração de escolas públicas está nas periferias do município. Já as escolas particulares (Mapa 10) se concentram no centro expandido. Da mesma forma, os cursos técnicos (Mapa 11) e as unidades do Senac, Sesi, Senai e cursos do Pronatec (Mapa 12) ficam no centro, enquanto os CEUs (Mapa 13) se localizam nas bordas. Através da disposição espacial, nota-se a relação educação privada, técnica e profissionalizante no centro, e a educação pública de base na periferia. No distrito do Grajaú (Mapa 14), a distribuição das escolas segue a densidade da malha urbana.

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20km


Mapa 11: Cursos técnicos públicos em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 12: Sesi, Senac, Senai e Pronatec em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 13: CEUs em São Paulo. Fonte: Geosampa.

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Mapa 14: Equipamentos educacionais no distrito do Grajaú. Fonte: Geosampa.

Escola pública: fundamental e médio Escola pública: educação infantil Escola particular Sesi, Senac, Senai e Pronatec CEU

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2,5

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Mapa 15: Teatros, cinemas e casas de show em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 16: Espaços culturais em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 17: Museus em São Paulo. Fonte: Geosampa.

CULTURA Não é surpreendente que os equipamentos culturais se concentrem na região central seguindo pelo eixo sudoeste. Os Mapas 15, 16 e 17 ilustram a disparidade entre a região sul e o restante da cidade. No distrito do Grajaú (Mapa 18), nota-se a presença da Casa de Cultura do Grajaú – Palhaço Carequinha e alguns cinemas, teatros e casas de show, próximos ao Terminal Grajaú, evidenciando o isolamento da Ilha do Bororé.

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Mapa 18: Equipamentos culturais no distrito do GrajaĂş. Fonte: Geosampa.

Teatro, cinema, casa de show Espaço cultural

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2,5

5km


Mapa 19: UBS e postos de saúde em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 20: Hospitais em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 21: Prontos-socorro em São Paulo. Fonte: Geosampa.

SAÚDE Se comparados aos de cultura, os equipamentos de saúde são melhor distribuídos no território. Quanto às UBSs e postos de saúde (Mapa 19), há certa aglomeração sentido periferia e um eixo em direção ao extremo sul. Não há hospitais em todos os distritos (Mapa 20), mas também não há grande concentração. No caso dos pontos de emergência (Mapa 21), a distribuição é dispersa, não havendo pontos no eixo sudoeste. No distrito do Grajaú (Mapa 22), há o Hospital Geral do Grajaú, próximo ao Terminal, o PS/AMA Dona Maria Antonieta Ferreira de Barros e diversas UBSs.

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Mapa 22: Equipamentos de saúde no distrito do Grajaú. Fonte: Geosampa.

UBS, posto de saúde Hospital Pronto-socorro

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5km


Mapa 23: Clubes da comunidade em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 24: Centros esportivos em São Paulo. Fonte: Geosampa.

ESPORTE O Mapa 23 retrata os clubes da comunidade (CDC), espaços geridos pelas associações comunitárias ou por eleitos pela própria população do bairro. Eles se concentram nas regiões periféricas, enquanto os centros esportivos (Mapa 24) estão na faixa leste-oeste de São Paulo. No distrito do Grajaú (Mapa 25), há apenas CDC, concentrados na porção norte do território, mais uma vez, distantes da Ilha do Bororé.

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Mapa 25: Equipamentos esportivos no distrito do GrajaĂş. Fonte: Geosampa.

Centro da comunidade

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2,5

5km


Mapa 26: Feiras livres em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 27: Mercados municipais em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 28: Sacolões em São Paulo. Fonte: Geosampa.

ABASTECIMENTO Com relação ao abastecimento alimentar, as feiras livres (Mapa 26) são as mais “democráticas”, localizando-se na maior parte do território. Em contrapartida, os mercados municipais (Mapa 27) são poucos e dispersos principalmente na faixa leste-oeste, e os sacolões (Mapa 28) se concentram na porção oeste e sudoeste da cidade. No distrito do Grajaú (Mapa 29), há apenas a presença de feiras livres – que não atravessam a represa chegando ao Bororé.

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Mapa 29: Pontos de abastecimento no distrito do GrajaĂş. Fonte: Geosampa.

Feira livre

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Mapa 30: Pontos de solidariedade em São Paulo. Fonte: Geosampa.

ASSISTÊNCIA SOCIAL O levantamento de equipamentos sociais engloba institutos, associações, casas de amparo, grupos de apoio, entre outros. No Mapa 30, nota-se maior concentração no centro e nas regiões leste e sul, principalmente nas bordas. Importante ressaltar que nessa categoria há um eixo mais expressivo em direção ao extremo sul, chegando aos distritos de Parelheiros e Marsilac. No distrito do Grajaú (Mapa 31), há institutos como a Casa Frei Reginaldo de Acolhida à Criança e ao Idoso e o Centro Comunitário Jardim Autódromo.

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Mapa 31: Pontos de solidariedade no distrito do GrajaĂş. Fonte: Geosampa.

Associaçþes, abrigos, institutos

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1

2,5

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Mapa 32: Polícia Militar em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 33: Polícia Civil em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 34: CGM em São Paulo. Fonte: Geosampa.

Mapa 35: Bombeiros em São Paulo. Fonte: Geosampa.

SEGURANÇA A oferta de segurança é baseada na presença das corporações da Polícia Militar (Mapa 32), Polícia Civil (Mapa 33), Guarda Civil Metropolitana (Mapa 34) e Bombeiros (Mapa 35). A Polícia Militar é mais concentrada no centro, localizando-se de forma mais espaçada na faixa leste-oeste. A Polícia Civil, também concentrada no centro, distribui-se de forma mais regular pelo território. Há mais postos da GCM no centro, e não há muitos dos Bombeiros na região sul. No distrito do Grajaú (Mapa 36), há apenas dois postos da Polícia Civil.

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20km


Mapa 36: Corporações no distrito do Grajaú. Fonte: Geosampa.

Polícia Civil Bombeiro Polícia Militar Guarda Civil Metropolitana

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1

2,5

5km


A partir desse levantamento, foi possível tornar visível as disparidades territoriais presentes no distrito do Grajaú. Por se tratar de uma região periférica, já se imagina que não se tratar de uma área tão assistida quanto o centro. O espantoso é perceber que dentro da segregação existe outro nível de exclusão: a Ilha do Bororé. O que se observa é que a Represa Billings cria uma barreira entre a península e o restante do território. Não se trata apenas de um obstáculo para o deslocamento, mas também para o desenvolvimento da região. O que o olhar pelos dados mostra é um território a parte, que vive fora das dinâmicas urbanas de São Paulo.

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Superior | Parque Natural Municipal Bororé. Foto: José Cordeiro. Inferior | Vista aérea da Ilha do Bororé. Foto: APA Bororé-Colônia.

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3.2. O olhar pela vivência Para se contrapor à cidade apresentada no item anterior e buscar um olhar mais próximo ao território, é essencial a participação dos usuários. Essa aproximação ocorreu em parceria com o coletivo Ecoativa e os alunos da E.E. Prof. Adrião Bernardes. No final do mês de outubro, os próprios estudantes organizaram a I Mostra Cultural - Adrião Escola Aberta. Foram realizadas diversas oficinas, exibição de documentário, lançamento de revista e atividades culturais.

Cartaz de divulgação da I Mostra Cultural organizada pelos alunos da E.E. Prof. Adrião Bernardes.

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Oficina de Cartografia Social do Grajaú, realizada na I Mostra Cultural Adrião Escola Aberta. Fotos: Eileen Winther e Marla Rodrigues.

O período da manhã foi reservado para a realização das oficinas. Os alunos estavam livres para circular e participar de todas que queriam. Alguns coletivos também participaram e construíram juntos a Mostra Cultural. Foi o caso da Ecoativa, no mutirão da horta comunitária, e do Coletivo Mova, que produziu um mural de lambe-lambe junto com os alunos. Também havia professores e ex-alunos oferecendo oficinas de dança e teatro, além dos grupos Sarau de Corda e Sarau do Grajaú que desenvolveram mais atividades culturais no período da tarde. Nesta oportunidade, foi possível organizar, junto com a Marla, a Oficina de Cartografia Social do Grajaú para discutir questões de identidade (abordadas em seu TFG) e territoriais da região com os próprios moradores - no caso, crianças e adolescentes. O olhar pela vivência é o olhar apresentado pelos participantes da oficina. Esta parte é inteiramente dedicada a suas percepções do território. Devido à liberdade de circulação por todas as atividades, muitas pessoas participaram da produção da cartografia, desde crianças de 8 anos até adolescentes, além de professores que circulavam pela escola. Essa variedade tornou a discussão mais rica e interessante. A oficina foi dividida em duas partes. A primeira foi o reconhecimento do território, onde os alunos identificaram suas casas no mapa e foram compreendendo a distribuição espacial da região. A segunda foi a construção coletiva da cartografia social da área. Nesta etapa, foi introduzida a questão do direito à cidade, incentivando a discussão de como eles se apropriam daqueles espaços, o que falta e como poderia ser, como é a relação com o resto da cidade, entre outros tópicos levantados pelos próprios alunos. Para orientar o mapeamento, foram propostos inicialmente sete temas: comércio, cultura, esportes, festas, pontos de encontro, praças e religião, representados pelos pictogramas ao lado:

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Comércio

Cultura

Esporte

Festas

Ponto de encontro

Praça

Religião

Pescaria (desenhado pelos alunos)

Forró (desenhado pelos alunos)

Assim que colados, eles eram pintados de acordo com a utilização. Vermelho significava espaços muito utilizados, azul correspondia aos pouco ou subutilizados, e amarelo exprimia os desejos dos moradores do que poderia existir. O resultado deste trabalho foi a confecção do mapa seguinte:

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Mapa 37: Mapa produzido com os participantes da Oficina.

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Como se imaginava, a oficina não seguiu exatamente o roteiro pensado durante sua elaboração. A rotatividade dos participantes era grande e novas dinâmicas surgiam a todo momento. Esses fatores resultaram em uma rica troca de vivências e expectativas dos moradores. Por mais breve que tenha sido, essa experiência foi essencial para a evolução desta pesquisa, bem como para o crescimento pessoal e profissional. Ouvir as percepções dos usuários sobre o território em que vivem complementa o conhecimento técnico do urbanista, possibilitando projetos que realmente respondam às demandas locais. Dessa forma, para analisar os resultados da atividade, foram selecionadas algumas frases ditas pelos participantes, com suas identidades aqui preservadas, pois grande parte deles é menor de idade, consideradas muito significativas para o entendimento das dinâmicas urbanas presentes na Ilha do Bororé.

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“Minha casa não aparece nesse mapa...”

Essa foi a reação da maioria dos alunos que participaram do reconhecimento do território. O recorte feito para o mapa base englobava do Jardim Lucelia (canto esquerdo superior) até o entorno da E.E. Prof. Adrião Bernardes (canto direito inferior) antes do Rodoanel. Ao se observar o mapa da região, imaginou-se que não havia tantas residências na península, apenas chácaras para eventos. Por isso, criou-se a hipótese de que os alunos utilizavam a balsa para chegar à escola. Tal hipótese foi desmontada nos primeiros momentos da oficina. Junto com os alunos e alguns professores presentes, observou-se que nenhum aluno pegava a balsa e a maioria morava depois do Rodoanel e próximo à Segunda Balsa. Em contrapartida, os professores moravam nas proximidades do Terminal Grajaú, também não retratado no mapa.

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Localização da residência dos professores, próximo ao Terminal Grajaú, e dos alunos, na Ilha do Bororé. Fonte: Croqui elaborado pela autora.

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“Aqui é São Paulo!”

Ao atravessar a Represa Billings na balsa e chegar à Ilha do Bororé, um dos primeiros pensamentos é que nem parece ser São Paulo – inclusive nós quando chegamos, mas fomos rapidamente corrigidas pelos moradores. Associar a paisagem predominantemente verde à imagem edificada e cinza da cidade não parece óbvio. Porém, isso não é um elogio. Não parecer São Paulo apenas reforça e perpetua a segregação do território com o restante da cidade. Esse sentimento é muito claro para os alunos, que repetiram diversas vezes “nós somos esquecidos e excluídos”. Essa exclusão não se refere apenas à relação centro-periferia, mas também Grajaú-Ilha do Bororé.

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Superior | Placa indicando a Área de Proteção Ambiental. Foto: Eileen Winther. Inferior | Exemplo da paisagem encontrada na Ilha do Bororé. Foto: Eileen Winther.

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“A balsa é a conexão... Mas também é uma barreira” Apesar da península ser acessada por Parelheiros, a principal ligação é pela balsa [6]. Para melhorar o acesso, os alunos disseram que a capacidade da balsa deveria ser maior. A frequência não é ruim, mas às vezes é preciso esperar muito tempo na fila até conseguir embarcar. Quando questionados se não seria melhor substituir a balsa por uma ponte, a resposta foi: “Com a ponte, mais pessoas chegariam até aqui, o que é bom. Mas iria desmatar muito, então não compensa. Melhor aumentar a balsa mesmo”. Porém, ao mesmo tempo que a balsa conecta a Ilha do Bororé ao Grajaú, ela representa uma grande barreira. “Nada chega aqui, tudo para antes da balsa. A gente também quer ônibus com wifi e ar condicionado, mas ele não atravessa a represa”. [6] As três balsas da Represa Billings são controladas pela Empresa Metropolitana de Águas e Energias S.A. (EMAE), uma empresa estatal brasileira vinculada ao Governo do Estado de São Paulo. O sistema de balsas é gratuito e atende a população diariamente 24 horas. A Primeira Balsa, Balsa Bororé, conecta o Grajaú à Ilha do Bororé. A Segunda Balsa, Balsa Taquacetuba, parte da Ilha do Bororé em direção à São Bernardo do Campo. A Terceira Balsa, Balsa João Basso, transporta a maior quantidade de passageiros e chega ao Riacho Grande.

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Esquerda | Balsa de Taquacetuba (Segunda Balsa). Foto: Eileen Winther. Direita | Localização das três balsas da Represa Billings: Balsa Bororé, Balsa Taquacetuba e Balsa João Basso. Fonte: Croqui elaborado pela autora Inferior | Fila de espera para a balsa. Foto: Fabio Soares.

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“Nossa casa é no meio do mato!”

Como visto, a Ilha do Bororé se insere em uma paisagem cercada pelo verde. Na opinião dos alunos, o contato com a natureza é positivo e traz certa qualidade de vida, com ar puro e menos poluição que o restante de São Paulo. Porém, há alguns inconvenientes: “Todo canto tem mato: no quintal de casa, nas ruas. Têm muitos bichos aqui”. Ao mesmo tempo em que se encontra tucanos e saguis, há o convívio com aranhas e cobras. Além da presença da Mata Atlântica, outro elemento do cotidiano da região, que a diferencia de outros pontos de São Paulo, é a represa. Dessa forma, o contato diário com recursos naturais contribui para uma outra percepção do território pelos moradores e usuários da Ilha do Bororé.

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Superior | Presença marcante da Mata Atlântica. Foto: Eileen Winther. Inferior | Placa indicando a presença de animais na região. Foto: Eileen Winther.

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“A calçada é rua. A rua vira praça.”

A Ilha do Bororé é cortada pela Estrada de Itaquaquecetuba, a via principal que conecta a Primeira à Segunda Balsa. Um trecho é asfaltado e com calçadas, porém a maior parte consiste em uma estrada com mata dos dois lados e sem calçadas. Quando passa um veículo, principalmente o ônibus, é necessário que o usuário encoste ou entre na mata a fim de evitar acidentes. Mais que calçadas, a rua assume outro papel essencial: o de espaço público, espaço de lazer. De acordo com os alunos, existe apenas uma praça na Ilha do Bororé, pouco utilizada por eles, pois “só tem nóia lá”. Como alternativa, eles utilizam as ruas não asfaltadas, onde não passam muitos automóveis, para brincar, relaxar e se divertir.

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Superior | A ausência de calçadas obriga os moradores a caminharem pela via, dividindo espaço com os veículos. Foto: Eileen Winther. Inferior | A única praça existente, porém pouco utilizada pelos moradores devido “à presença de nóias”. Foto: Eileen Winther.

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“Precisa de comércio. Não tem açougue, farmácia, banco...”

Uma das principais queixas dos alunos foi a falta de comércio na Ilha do Bororé. Pelos relatos, existe apenas o Mercado do Val e um outro mercadinho, sendo aquele um ponto de referência na região. Para chegar a farmácias, bancos e outros comércios e serviços é necessário atravessar a represa. Ou seja, não há comércios locais. É preciso ter o mínimo de planejamento para chegar à balsa e seguir até a centralidade do Grajaú para resolver demandas diárias. Além disso, durante a dinâmica, foram propostos três shoppings centers, vistos pelos alunos como um equipamento comercial, cultural e de lazer.

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Superior | Faixa pendurada no poste indicando o Mercado do Val. Foto: Eileen Winther. Inferior | AnĂşncios de aluguel que utilizam o Mercado do Val como ponto de referĂŞncia. Foto: Eileen Winther.

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“Falta cultura. Aqui tem mais igreja do que casa.”

Durante o mapeamento, os pontos de cultura foram os mais esperados pelos alunos. Eles disseram que não tem nenhum equipamento cultural na Ilha do Bororé e que é preciso atravessar a balsa para o Grajaú. Entre os locais citados, estão o Sesc Interlagos, a Casa de Cultura Grajaú e a Escola de Circo, mas os mais frequentados são as salas de cinemas dos shoppings da região. Diante da falta de infraestrutura, equipamentos e serviços, o que mais se encontra na área são igrejas, desde a Capela de São Sebastião, construída em 1904, até igrejas evangélicas.

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Superior | Estrutura de bambu improvisada (e abandonada), que deveria ser o Laboratório de Cultura e Cidadania da Ilha do Bororé. Foto: Eileen Winther. Inferior | Horários dos cultos de uma das igrejas relatadas pelos alunos. Foto: Eileen Winther.

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“O ônibus é o ponto de encontro.”

Como visto, a oferta de espaços livres na Ilha do Bororé é escassa. Não há praças, nem parques, nem cinemas, nada que incentive uma maior interação comunitária entre os moradores. Consequentemente, não há espaços públicos de encontros e reuniões para eles. Essa situação associada à passagem de uma única linha de ônibus, transforma esse veículo em um ponto de encontro itinerante. Além do ônibus, o outro ponto de encontro citado foi a própria E.E. Prof. Adrião Bernardes.

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Superior | Diferentes estruturas dos pontos de ônibus na Ilha do Bororé. Foto: Eileen Winther. Inferior | A linha de ônibus 6L11, única que serve a Ilha do Bororé, transita apenas pela via principal. Para chegar às residências, os moradores precisam caminhar por ruas, muitas vezes, de terra. Foto: Eileen Winther.

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“O que tem no centro de São Paulo? Tem a Paulista, o Ibirapuera...” O que ficou claro durante a oficina é o quanto a região é desassistida. Além de reforçarem o esquecimento e exclusão em relação ao restante do território, a ausência de comércio, equipamentos culturais, educacionais e de saúde ilustra o descaso com a área. Frente a esse panorama, foi perguntado se eles frequentavam o centro de São Paulo e se existia alguma relação entre eles. No início da discussão, ouviu-se uma das frases mais significativas: “Tudo deveria se chamar centro, porque lá tem infraestrutura e atenção. Se aqui chamasse centro e não periferia, a gente também ia receber atenção. Eles consideram a gente desimportantes”. Sob essa perspectiva, centro não corresponde à localização, mas determina uma condição: centro significa desenvolvimento. Considerando que a Ilha do Bororé se localiza a 32 quilômetros do marco zero de São Paulo, a noção de centro entre os alunos é bem ampla. Entre os lugares citados estão Parque do Ibirapuera, Avenida Paulista e até Santo Amaro. No entanto, o que chamou a atenção foi a feira do Brás, que eles disseram frequentar. No momento, associamos à região do Brás, no centro de São Paulo, conhecida por seu comércio. Porém, conforme voltávamos de lá, passamos por uma Feira do Brás, na Avenida Belmira Marin, próxima à Vila Nascente (cerca de 4 quilômetros da Ilha do Bororé). Não foi possível concluir a qual lugar eles estavam se referindo.

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Mapa 38: Localização dos lugares considerados centro pelos alunos. Fonte: Elaborado pela autora.

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À medida em que a oficina se desenrolava, os participantes ficavam mais à vontade para compartilhar suas percepções. Em nenhum momento eles demonstraram desejo de sair da Ilha do Bororé, pelo contrário, propuseram intervenções para melhorar a qualidade de vida e impulsionar as potencialidades do local. Ficou claro que falta wifi, falta iluminação e sobra insegurança. No entanto, a mensagem mais marcante foi a força e clareza do sentimento de exclusão e esquecimento - dita por alunos de 6 a 17 anos. Por isso, visando sintetizar a discussão da oficina e desenvolver uma imagem que retrate mais adequadamente suas vivências e desejos no território da Ilha do Bororé, foi produzido o mapa abaixo. Nele está representado toda a área do Bororé, incluindo a residência de todos os alunos, os pontos existentes demarcados e os locais propostos durante a oficina.

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Mapa 39: Releitura do mapa produzido na Oficina de Cartografia Social do GrajaĂş. Fonte: Elaborado pela autora.

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Esq. superior | Divulgação do evento Navegando nas Artes, com atividade na Represa Billings. Fonte: Meninos da Billings. Esq. inferior | Divulgação da Virada Sustentável - Extremo Sul. Fonte: Ecoativa. Dir. superior | Esquema explicativo dos projetos desenvolvidos pelo Imargem. Fonte: Projeto Imargem, 2014. Dir. inferior | Guia de ecoturismo do Extremo Sul de São Paulo, realizado pelo Instituto Kairós-Ética e Atuação Responsável em parceria com a PMSP e a Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Fonte: Guia Turístico - Ecoturismo e agroecologia no extremo sul de São Paulo.

O exemplo da Ilha do Bororé, e do Grajaú de forma geral, mostra a importância dos coletivos na articulação comunitária. Não se pode dizer que eles ocupam a lacuna deixada pelo Poder Público, mas que exercem importante papel no desenvolvimento local, seja ele social, cultural ou ambiental. Por meio dessas intervenções e projetos, grupos como o Periferia em Movimento, Imargem, Meninos da Billings, Expressão Cultural Periférica (ECP), Sarau do Grajaú, Sarau das Cordas, entre tantos outros, procuram colocar esse território no mapa da cidade. Ao mesmo tempo, eles sabem que o extremo sul tem seus desafios. A natureza é um elemento tão presente que torna a região única. Saber se conectar a ela e respeitá-la é fundamental no desenvolvimento de atividades dos coletivos com os usuários. As imagens ao lado trazem exemplos de como a questão ambiental se insere nos trabalhos elaborados por eles. Portanto, o olhar pela vivência expande os horizontes sobre o território. Entender como as dinâmicas cotidianas ocorrem contribui para intervenções que envolvam todos os agentes, tornando os processos mais inclusivos e democráticos, além de respeitar as especificidades locais. Isso também é exercer o direito à cidade.

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3.3. O olhar urbanístico Anteriormente, foram explorados dois olhares diferentes sobre o Bororé que transmitiram a mesma mensagem. Analisando dados ou ouvindo os moradores, o que se evidencia é o isolamento da Ilha do Bororé, tendo a Represa Billings como uma barreira. Para complementar a discussão é importante trazer um terceiro olhar: o do urbanista. Sob essa perspectiva, qual o lugar do Bororé na cidade de São Paulo? Qual deveria ser? Para auxiliar a construção desse pensamento, será utilizado como comparação o caso da Cidade Tiradentes, extremo leste da cidade. Essa escolha foi baseada no fato dela também ser um exemplo de território isolado, apesar de apresentar desafios diametralmente opostos. A Cidade Tiradentes é o resultado de um grande planejamento realizado na segunda metade do século XX. É neste distrito – único na subprefeitura de Cidade Tiradentes – onde se encontra o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina com aproximadamente 40 mil unidades. A maior parte foi construída pela COHAB (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) na década de 1980, pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) e grandes empreiteiras (PMSP, s.d.). No final da década de 1970, o Poder Público adquiriu uma gleba de terras na região, para onde diversas famílias foram alocadas enquanto esperavam pela casa própria na fila das companhias habitacionais. Como resultado de um planejamento sem participação popular e com a finalidade de criar um depósito de pessoas em seus períodos não laboral, Cidade Tiradentes apresenta sua condição monofuncional de bairro dormitório distante da malha urbana consolidada de São Paulo [7]. Um olhar para conectividade e usos do território.

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Mapa 40: O distrito de Cidade Tiradentes é o único sob administração da Subprefeitura de Cidade Tiradentes, fazendo divisa com os distritos de Guaianazes, Iguatemi e José Bonifácio e o município de Ferraz de Vasconcelos. De acordo com o Censo 2010, há 211.501 habitantes e elevada densidade demográfica, 14,10 hab/ km². Associado a uma das maiores taxas de crescimento da cidade, Cidade Tiradentes apresenta 15% de suas famílias em situação de alta ou muito alta vulnerabilidade (PMSP, s.d.).Fonte: Elaborado pela autora. 0

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20km


Contrapondo-se a Ilha do Bororé à Cidade Tiradentes, evidencia-se a diferença na produção do espaço e na relação destes lugares com o tecido urbano em seu entorno. Como apresentado, Cidade Tiradentes é uma área que resultou de um planejamento que possuía uma finalidade muito clara: criar um espaço de moradia para trabalhadores que não tinham condições de comprar seu espaço na área já consolidada da cidade. Sob tais condições, esta região se tornou uma espécie de depósito territorial pensado pelo Poder Público para realocar parte da população. Ou seja, ele atuou como um agente ativo na inserção e crescimento de Cidade Tiradentes, por meio da construção dos conjuntos habitacionais, mas não demonstrou, e ainda não demostra, o mesmo interesse no desenvolvimento da área. A Ilha do Bororé, no entanto, parece ter percorrido o caminho inverso: a área passou despercebida ao olhar e aos interesses do Poder Público. Até hoje, não há indícios de sua presença, pelo contrário, sua ausência é ressaltada a todo instante, seja na fala de um morador ou em uma passagem pela região. Comparando-se o mapa a seguir ao Mapa 4 (página 75), nota-se a proximidade de Cidade Tiradentes a importantes eixos estruturadores da região do extremo leste da cidade (como a linha 11 Coral da CPTM), a qual pode ter seu desenvolvimento caracterizado como tendencialmente próximo a linha do trem. Além dessa proximidade, 25 linhas de ônibus servem a região, de acordo com a SPTrans.

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Mapa 41: Eixos estruturadores na RMSP, localizando a Cidade Tiradentes. Fonte: Elaborado pela autora.

Apesar das duas áreas se situarem em extremos da cidade, esta breve análise explicita as diferenças entre os lugares ocupados por ambas nas lógicas urbanas. Quanto à distância da região central, os dois territórios situam-se a cerca de 32 quilômetros. Contudo, em Cidade Tiradentes, a evolução da mancha urbana da RMSP conseguiu tornar-se contíguo e ultrapassar este território, alcançando Ferraz de Vasconcelos e outros municípios. Vale ressaltar que não se pretende aqui entrar na discussão acerca da qualidade de vida e da oferta de recursos públicos nesta área. O que se efetiva é a constatação da continuidade do tecido urbano entre a cidade consolidada e Cidade Tiradentes.

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Esquerda | Exemplo de paisagem urbana encontrada em Cidade Tiradentes. Foto: Território Poético Cidade Tiradentes. Direita | Praça, com quadras, mesas, inserida na malha urbana - bem diferente da Ilha do Bororé. Foto: Território Poético Cidade Tiradentes. Inferior | Vastidão de conjuntos habitacionais. Foto: Território Poético Cidade Tiradentes.

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Esta continuidade apresentada acima não existe no caso da Ilha do Bororé. A presença da represa quebra a possibilidade de integração entre o território e a cidade que se verifica em Cidade Tiradentes. A necessidade da locomoção por balsa para o acesso à Ilha do Bororé e sua distinta paisagem em relação ao restante do tecido urbano próximo reforça este distanciamento e emerge a ideia de que aquele espaço não pode ser a cidade de São Paulo devido a tamanha diferença física. Este pensamento de estar em outra cidade não ocorre quando se desloca até Cidade Tiradentes. A continuidade da paisagem urbana reforça a sensação de mesmo território e a ideia de estar na mesma cidade não é rompida pelo meio físico. Observa-se que a ruptura ocorre de diversas formas no Bororé. No entanto, seu isolamento não deveria ser sinônimo de falta de urbanidade. Incluir o território nas dinâmicas urbanas de São Paulo também não significa apenas dar continuidade ao modelo adotado na cidade, desconsiderando o que existe no extremo sul. Pelo contrário, incluir a Ilha do Bororé aponta o respeito a suas especificidades, objetivando melhorar a fruição urbana entre os territórios. Mas qual o Bororé que se sonha? Uma possível resposta a essa pergunta está na associação das percepções dos moradores e do conhecimento técnico do urbanista. A preservação do existente deveria ser garantida junto ao direito dos moradores de usufruir uma maior habitabilidade. Por exemplo, desenvolver uma urbanização que assegure condições de preservação para manutenção da qualidade da água, ao mesmo tempo em que se atesta o direito de viver em um meio diverso e servido por amenidades urbanas e serviços públicos. O Bororé que se sonha é o que se urbaniza e integra, mas que se preserva. Logo, a Ilha do Bororé representa, de forma muito particular, a luta pelo direito à cidade.

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[7] A relação da Cidade Tiradentes com o restante da cidade é melhor desenvolvida em LOPES, 2016.

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NOTAS CONCLUSIVAS

A temática do direito à cidade não se restringe a discussões urbanísticas, jurídicas ou ao meio acadêmico. Ela está cada vez mais presente no cotidiano, mesmo que em algumas situações isso não seja tão explícito. Ao fazer a leitura pelo recorte de Henri Lefebvre e David Harvey, percebese que há muitas décadas esse direito é cerceado pelos interesses do capital, espacializando a luta na cidade. Nesse processo de urbanização capitalista do espaço, construímos cidades excludentes e para poucos, colocando a qualidade de vida e o acesso à vida urbana na lógica mercadológica. Na tentativa de transformar essa realidade, surgem coletivos urbanos que trazem uma nova forma de pensar o espaço, na qual o usuário é um agente ativo. Esse movimento confirma a teoria dos autores de que a apropriação da cidade ocorre pela ação conjunta dos indivíduos. A cidade é nossa e precisamos lutar por ela. Ao levar a discussão para um território como a Ilha do Bororé, percebe-se que a dimensão da luta pelo direito à cidade é muito mais ampla. Descobrir um espaço tão diferente do que a maioria dos habitantes de São Paulo está habituada, causa, em um primeiro momento, certo encantamento. Porém, é preciso deixar o romantismo de lado, e encarar a realidade. O Bororé é apenas um exemplo dentro das dinâmicas de segregação em que as cidades se inserem. Como visto, há muito para se fazer. E é assim que espero contribuir enquanto urbanista.

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