Santa Quitéria

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OS MILAGRES DE SANTA QUITÉRIA

OS MILAGRES DE SANTA QUITÉRIA Baseado em fatos reais, foi escrito este conto regionalista. Amor, decepções, perdas, separações e sofrimentos estão aqui em todos os momentos desta história marcada principalmente pela Fé. Retratando a vida do povo do campo, mostra o padecimento, a falta de oportunidades que toma conta dessa camada da população. As crianças criadas sem o mínimo necessário. Faltava o pão, o arroz, o feijão. Saúde nem se cogitava. Somente os lhos do patrão estudavam e escreviam história de sucesso. O livro Os Milagres de Santa Quitéria conta a fé de um médico espiritualista que vê “luz” numa criança estranha que chega ao seu consultório. E, o mais curioso, é que o pediatra pede para mudar para “Quitéria“ o nome de batismo da paciente que ele mandou fazer o ataúde. Coisas do destino? Ele entregava uma imagem à mãe no consultório falando da fé. Neste livro vemos, ainda, a pobreza desamparada ao extremo, entregue à própria sorte! E com este mesmo povo aprendemos tantas lições de solidariedade, companheirismo, dedicação e amor. Vemos o quanto o pobre divide, doa – a exemplo de Sebastião – a fé inquebrantável de tantas pessoas aqui mencionadas. A fé da escrava LUIÇA (LÚCIA) e a forma como se referiu aos fatos ocorridos em SANTA QUITÉRIA DO CEARÁ. A vida sofrida e cheia de tormentos de Santa Quitéria também nos ensinou o quanto ela foi perseverante e se conservou no rme propósito da crença em Jesus Cristo, chegando a ser morta por causa da sua atitude irredutível de servir, de se consagrar ao cristianismo, ao Deus Pai Todo Poderoso.


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Esse livro alimentará a fé de alguns, iluminará os caminhos de muitos, hoje tão necessitados de “conança” nos poderes de Deus. Sei que este livro mostrará aos leitores uma visão bem maior da Fé verdadeira e incentivará outros a iniciarem uma nova análise na forma de conduzir determinados problemas domésticos, prossionais e, até mesmo, amorosos. Santa Quitéria, padroeira, milagrosa que é, intercessora dos pobres e oprimidos, terá o seu nome, os seus méritos e a sua força celestial mostrados com o mais simples e mais forte objetivo: A FÉ. O mundo atual, carente de pessoas caridosas, completamente desprovido de seres humanos reais, está em débito com os poderes maiores, o poder do amor, da camaradagem e, em especial, do poder “ser” do cristão. Todos só pensam em si, nunca nos outros. Organizados os assuntos com cuidado para expressar a natureza, a linguagem do povo simples, o amor à terra natal mostrando de perto os valores das coisas nordestinas, em especial. Vimos, também, o horror que a humanidade vive a ironia, a falta de paz, o retrato de um político extinto neste país inviável para os sem “posse”, sem conhecimento. Percebemos, por outro lado, a existência de pessoas exemplares, almas doces, silenciosas; criaturas do bem e que vivem para o bem. Sejamos devotos do BEM. Rezemos pelas almas, e peçamos sempre a Misericórdia Divina.


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INTRODUÇÃO Inspirada no vosso amor aos pobres, na cura dos doentes e desesperados que recorrem a vossa proteção, resolvi escrever este romance totalmente regionalista. Divulgar vosso nome pelos quatros cantos deste País, e do mundo tão necessitado de Fé, Bênçãos e Misericórdia, eis o meu maior desejo. Santa Quitéria, Milagrosa, Intercessora, Cheia de luz, Santa do Povo, Santa dos pecadores, à Quitéria cantemos muitos louvores, para conseguir junto a Deus Pai os benefícios, os favores. Santa Quitéria, livrai-nos dos precipícios e de todas as misérias! Santa Quitéria milagres faz, Santa Quitéria dos Sofredores! Santa Quitéria dos sem cura, Santa Quitéria dos sem amores. Santa Quitéria dos pescadores, Santa Quitéria dos miseráveis, dos famintos, dos excluídos. Santa QUITÉRIA deu nome a várias capelas, onde há festas, romarias, procissões, novenas e orações. O Brasil, decerto por inuência de Portugal, passou a homenagear SANTA QUITÉRIA no Maranhão, no Paraná, no Ceará, em Pernambuco e outros . QUITÉRIA, uma santa da Lusitânia, nas terras de Entre-Douro e Minho. Na capela do Castelo de Povoa de Lanhoso, em Felgueiras, no santuário. O culto à SANTA QUITÉRIA recorda a coragem, a fé de uma jovem que, a exemplo de outras, decidiu dar a própria vida para manter sem mancha a sua consagração a Jesus Pai Poderoso. Conante no Senhor, nada temeu nunca! Comigo o Senhor sempre estará, dizia, e repetia QUITÉRIA .


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PREFÁCIO As homenagens prestadas no livro “OS MILAGRES DE SANTA QUITÉRIA” restringem-se a pessoas importantes que passaram, e ainda fazem parte da minha vida, organizações, fotos, contextos e todos elencados engrandecem esta obra. O mais importante é reconhecer o mérito de cada um deles. O espírito religioso que perpassa durante todo o período da história com certeza fez um somatório para nossa fé crescer! A beleza da terra, o clima Porto de Galinhas (Pernambuco) ameno e aconchegante, a forte imagem da aridez nordestina no CEARÁ retrato dos lhos da aristocracia rural dos engenhos. Ainda, cidades históricas que veneram a fé em SANTA QUITÉRIA como: SANTA PADROEIRA DAS ESMERALDAS, protetora contra raiva e loucura dos cães, também no Maranhão desde 1912 entre outros estados brasileiros e em Portugal, na França, na Espanha, na Índia. É uma Santa Luzitânia e, no dia 22 de maio, é o dia que se comemora seu martírio que foi em 22/05/1477. A palma que carrega na mão é o símbolo do seu martírio. Padroeira dos angustiados e oprimidos, sua morte foi a coroação da sua delidade a JESUS CRISTO - O SALVADOR.


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DEDICATORIA Temos histórias de amizades, de ex amores, de arrependimento... Somos, às vezes, parecidas: eu e ela. As linhas, os pontos nais, as vírgulas, os acentos, e o resto. O todo e o mais importante nesse livro - a fé e o amor incondicional de personagens que amam ao próximo e desconhecem fronteiras ideológicas. Rezar! Há um poder imensurável na oração. Acreditar que existe “luz” que não vemos, mas, que nos guia. Este trabalho, esta obra não é uma grinalda de ores escolhidas. Uma personagem “sui generis”, que, sem ela, não estaríamos reunidos lendo este livro. Ela surgiu e cou para sempre! Gratidão eterna! Foi um tempo de novas colheitas de grandes aprendizados como anjo da guarda cuidou, amparou e velou a minha trajetória – Ela é LENI! Estamos todos, no dia a dia nos aperfeiçoando e sendo aperfeiçoados, rmados, forticados, e fundamentados em espírito e vida. Somos falíveis, imperfeitos, estamos em constante processo de amadurecimento. Procuremos sempre para nos completar a família amigos éis e Deus todo poderoso, nalizo esse trabalho após anos dedicando a você, meu lho Léo Coutinho que foi embora sem despedida, numa tarde de sexta-feira; há dois anos e aos 37 anos com força e vigor agora é tempo de se despedir.


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CARTA ABERTA Léo Coutinho. Era um dia de verão, há quarenta anos, às 7:30 da manhã, você nasceu: Leonardo Luiz Coutinho D' Angelo. Hoje é o seu aniversário. O céu, com certeza, está em festa (como dizem tantos). Um jovem com o dom de ajudar e de ser referência para todos nós. Você, meu lho, é um exemplo a seguir. Todos perderam muito com sua partida, em especial, a sua família. Perdemos a base e o esteio. A humanidade deixa de contar com um dos seus mais sensíveis seres humanos que ganhou a outra dimensão. Quem conheceu você, o admirou, e quem não conheceu, deixou de aprender lições de vida. Tinha um coração gigante. A vida se extinguiu rapidamente, no choque terrível, instantes depois do baque surdo, o coração cheio de bondade e respeito ao próximo parou de bater. Uma dessas armadilhas do destino, uma cilada da vida. Preciso externar todo pesar que sinto com a sua perda, Léo Coutinho, meu lho. Que todos saibam cumprir, com a mesma obstinação e dignidade, os desígnios dos sonhos deixados por você, que se perpetuarão pela força do seu espírito. Que eu sinto tão presente. A todos, a minha gratidão pelas mensagens que recebi hoje de sentimentos e de saudades. Para mim, todos continuam vivendo de luto, buscando a paz, a luz e o consolo. Nada alivia esta dor. Nada ! Mas, eu tenho conança em Deus. Fica com o Pai Supremo, meu lho. Anjo de luz. Meu eterno Léo Coutinho. Sua mãe, Ângela Coutinho.


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AGRADECIMENTOS Neste trabalho, z o impossível para que cada página casse mais rica em cultura emoções e verdades. Quando começo a pensar em todas as pessoas às quais gostaria de expressar minha gratidão pela ajuda, sugestões e trabalho para tornar este livro possível, a lista é imensa. Primeiro gostaria de agradecer a Deus pelo dom da vida, pelas graças que me são concebidas. Também à minha mãe, ao meu esposo, por criarem um ambiente propício, acolhendo e fortalecendo minhas ideias. Quero ressaltar a atuação de minha lha, estudiosa Vanessa Coutinho D'Angelo e de minha competente amiga e lha que considero Marielle de Oliveira, sou muito grata ao design Flávio Soares e a desenhista Tereza Araújo. A todas as pessoas contidas nas minhas palavras durante a história que retrato neste livro, e, por último, aos que me informaram sobre a Milagrosa Santa Quitéria. Acreditemos sempre que: O caminho é dirigido pelo Senhor, e que os passos do homem não se precipitam nunca, pois tudo só acontece pela vontade de DEUS! Assim, tudo será abençoado por meio da Fé e apenas por meio dela que podemos adotar um ponto de vista que nos concede entender o mundo, os caminhos, a vida. Lembremo-nos sempre do Salmo 121. “De onde me virá o socorro? O socorro me vem do Senhor, que fez o Céu e a terra. Ele guardará a sua vida, Só ELE! ” Neste trabalho, z o impossível para que cada página casse ais rica em cultura, emoções e verdades.


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Capitul 01


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CAPITULO 01 Reviver os dias da infância, da mocidade. Passar uma esponja naquilo que não queremos lembrar; esquecendo por completo os momentos difíceis e decepcionantes. Recordar, falar, relembrar aqueles dias felizes que trazemos avivados na nossa memória. Emoções fortes, ligações inesperadas com pessoas que nunca vimos antes, com fatos que não temos explicação. Reencontros, ocasiões estranhas e outras vezes, semelhantes. Aí parece até que já vivemos em outra época aquela situação. Rememorar dias vividos, cheios de alegria, contentamento, eis a melhor dissertação, enquanto que os dias penosos, sofridos, repletos de solidão só nos trazem medo e amargas recordações. Contar a história do pessoal de minha terra, não direi terra natal, não nasci aqui, nasci mais longe, há muitos quilômetros de distância. Fui morar nesse interior porque estava determinado pelo destino. Destino esse que é idealizado pelo Criador, aqui viemos cumprir a missão, é nisso que acredito. Caminhando... Caminhando... e caminhando estamos sempre indo ou vindo. O homem anda pelo mundo; e sua terra viaja com ele sempre. São as raízes da existência. As lembranças da infância, da adolescência ocupam um generoso espaço na nossa mente. Basta uma música, uma determinada fruta, um perfume, um cheiro forte da maresia, da cana queimada e tudo vem à tona, parece até um lme inesquecível. Frequentemente, temos o desejo latente de voltar ao passado, porém, é melhor não recapitularmos, esquecermos. Fui morar no Engenho Saco. Este engenho pertencia à Usina Salgado do município de Ipojuca. Ipojuca era uma cidade pequena que possuía três distritos: Nossa Senhora do Ó, Porto de Galinha e Camela. Cidade do litoral de Pernambuco tem uma história de mais de


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quatro séculos para contar. Vários povos vieram habitar este solo de “bravos guerreiros” e deixaram grandes contribuições para os acontecimentos do nosso Estado, a cultura e a economia que estão ligadas diretamente ao cultivo da cana-de-açúcar. Ipojuca destaca-se por suas praias, com piscinas naturais e medicinais. O iodo da manhã, ao raiar do sol, cura tudo, desde inchaço de pernas até reumatismo, problemas nos ossos e vários tipos de doenças, já diziam os antigos do lugar! E que lugar abençoado!

Foto : CONVENTO DE SANTO ANTONIO IPOJUCA-PE


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O mar calmo, cristalino ideal para mergulhar; deixando-nos ver a olhos nus pequenos peixes, cardumes, corais, até cavalos-marinhos. Praias inesquecíveis: Porto de Galinhas, Cupe, Toquinho, Muro Alto, e outras. Nada existe de mais belo e perfeito na natureza. Olhando o mar desta terra abençoada, tudo leva a crer que estamos no paraíso. Não existe nenhuma descrição de sua beleza que seja exagerada, às vezes, co pensando que têm muitos deuses, como Iemanjá, duendes, magos, que protegem a fauna, a ora e a região. O mar belo! A água muito salgada. As estrelas-do-mar, os mariscos e os búzios fazem leiras na beira da praia. É muita magia, muito encanto. Quem conhece, quem já esteve lá, com certeza, nunca esquecerá. O dia mais comemorado pelos moradores e pescadores de Porto de Galinhas é o dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores do lugar e a Padroeira do distrito é Nossa Senhora do Desterro. Tem procissão, tem folguedos e o parque de diversões cava sempre em frente à Capela. Tudo muito organizado. Recordo-me das lanternas da procissão marítima; quanta beleza! Na época, a cidade calma, os moradores não poderiam imaginar que anos depois seria palco do Porto de Suape que iria alavancar a economia da região, tornando-se a terceira cidade de maior arrecadação do Estado de Pernambuco.

Porto de Suape em 1980.


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E, vou fazer uma pausa, para falar de nossa maior riqueza turística – Porto de Galinhas – antigamente, chamada Porto Rico – por ter muito Pau Brasil; e, neste lugar, era o mais importante ponto de comércio de escravos ilegais no nordeste. Nesses navios, vinham galinhas d’angolas; e os moradores falavam: Tem galinha nova no Porto! E, por estas exclamações, o Porto recebeu outro título, - Porto de Galinhas – um paraíso natural do mundo ! Desde 1990, se transformou em um Polo Turístico. Fica a pouco mais de 60,0 (sessenta) quilômetros da capital. Porto de Galinhas, é um distrito da cidade de Ipojuca, lugar de muitas contradições, romantismo, da arte, da cultura, de todas as raças, cores e religiões. Do céu estrelado, da luz cheia, do arco íris. São 18 (dezoito) quilômetros de praia, areia branca, piscinas naturais, e, hoje, muita estrutura para receber os turistas.


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Passeios de jangada relembrando, com certeza, o seu nascedouro. Lá, também íamos nas férias escolares. Tínhamos a casa dos avós de Fátima, e veranear todos os anos, era tradição. E, também existem em Ipojuca outras praias deslumbrantes: Muro Alto,

Serrambí


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Maracaípe

Toquinho

Porto de Galinhas Cenário difícil de descrever.


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Fui trabalhar no engenho Saco como professora regente de uma escola de zona rural. O lugar era verde, se assim posso dizer. Muitas plantações, muitas culturas. A terra tinha um cheiro forte de adubo. Era um lugar de grande fertilidade. Diziam os moradores: “Tudo que se planta aqui se colhe com fartura”. O canavial era imenso. A Usina não cava muito próxima, e era a única fonte de renda da região na época. Estávamos no ano de 1954. Trabalhadores saíam cedo. Uns para plantarem; outros para limparem (tinha a limpa da cana-de-açúcar). Algumas mulheres iam trabalhar na adubação, eram as adubeiras, que se encarregavam de, logo cedo, ao raiar daquele sol esplendoroso, levarem aqueles sacos de adubo nas cangalhas dos burros para os locais mais distantes, mais altos, e lá começavam a labuta. Esta época era abençoada, pois tinha serviço. No início do plantio e logo depois, vinha a safra morta, onde os trabalhadores cavam ao Deus-dará. Nesse período, plantavam um pedacinho de roça, se tivessem autorização da usina, ou do rendeiro do engenho, ou, se não, cavam aguardando dias e meses se passarem, sonhando com a chegada do corte da cana, com a “butada” da Usina, que aliviavam sempre a fome, o desespero. Esse período ocorria com a chegada do verão, no início do mês de setembro. A moagem da cana trazia alento àqueles pobres semiescravos: homens, mulheres e crianças que viviam das “Graças” do Senhor Santo Cristo de Ipojuca. Façamos uma pausa: mencionemos o Santuário erguido dentro do Convento de Santo Antônio em Ipojuca. Lá se encontra o Senhor Santo Cristo de Ipojuca, que há mais de seis séculos sua poderosa imagem vinda de Portugal foi inserida no altar principal da Igreja com uma Cruz de madeira encontrada nas matas azuis virgens desta terra hospitaleira e varonil. Os antigos contavam dos milagres de Santo Cristo e a história da procura dos lenhadores pela sua Cruz imensa de madeira


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de lei que fora encontrada na mata. O Convento se localiza no alto da cidade. Os romeiros vinham de todos os lugares pagarem as promessas sempre no dia primeiro de janeiro, dia em que se homenageava o Santo Cristo. cachaça, e o que mais compravam com certeza era a cachaça. Acredito que se embriagavam para não sentirem fome, não participarem dos problemas domésticos; não tomarem consciência das muitas angústias, das injustiças, da exploração. Nunca iam à feira da cidade que ocorria todos os domingos. Não tinham um réis, nem um centavo para gastarem. O que recebiam já cava no barracão, na venda mesmo, daí só comprarem lá. Trocavam trabalho por comida. As mulheres quando, nas raras vezes, conseguiam um trabalho, uma “oia”, também deixavam todo o “remunerado”, era assim que denominavam o pagamento daquele povo no barracão. Daí, concluir-se quanto eles eram explorados psicológica e economicamente. Diz o provérbio: “Não ames o sono, pois empobrecerás, abre os olhos e te fartarás do teu próprio pão!”. Transferida de Limoeiro para Ipojuca, a pedido, por ter sofrido uma grande decepção amorosa, queria sumir daquele lugar que me trazia péssimas recordações. Fui lotada nesta escola do Engenho Saco, mas residia no centro de Ipojuca que cava aproximadamente a 10 Km. Além da distância, a estrada era intransitável, até o carro-de-boi lá chegava com grandes diculdades. Nos primeiros meses, viajei mesmo no carro-de-boi. Levava um grande travesseiro, sobre o qual me sentava. Ao chegar, as pernas apresentavam dormência e câimbras pelo fato de virem encolhidas; o carreiro do carro de bois me esperava na estrada principal. Chegava à aula às onze horas e saía às quinze. Durante o percurso, muito silêncio. Só


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ouvíamos o ringir das rodas do carro de bois. Eram sempre chamados os bois, os bois de carro, que serviam de motor para trabalharem no transporte de gente, material, peças, adubo, caixão de defunto, animais doentes que caiam no mato, enm, era o meio de transporte mais utilizado na região. No barracão que cava um pouco distante da escola, morava o barraqueiro que era um senhor forte, com largo bigode, jovem, cor branca, cor de alemão corado, vendia saúde. Também era plantador de cana. Tinha poucos hectares de terra. Homem de bom coração, justo, não admitia falta de respeito, e ninguém entrava no barracão sem camisa. Ninguém mesmo. Montava a cavalo todos os dias pela manhã, chovesse ou zesse sol. O seu cavalo chamava-se “Burguês”, e este conhecia as “mandingas” do seu dono. Burguês era obediente, de passadas elegantes, porte majestoso. Sempre bem escovado, crinas bem feitas. Era um animal manso. Parecia sentir orgulho quando Damião, o cocheiro, lhe botava a cela; pois, iria trabalhar ou passear, com seu dono, que o tratava com desvelo. Comida farta. Muito capim verde com mel de engenho, sal grosso, e depois muita água. Comia também farelo. Era de um brilho impecável o seu pelo. Damião cuidava do cavalo, das seis vacas que tinha numa pequena cocheira. Ele tinha muita coisa do tempo antigo. Era um homem de pele escura e dizia que nunca conheceu seu pai. A mãe lhe contara que o seu genitor morrera no tronco de tanto apanhar, e que, por ser muito malcriado, apanhava “pra burro”. No entanto, ela narrava muitas estórias, ou mesmo “histórias”, que Damião gostava muito de repetir. Sabia e


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entendia tudo sobre animais. Imitava o bem-te-vi, o ferreiro, a craúna e todos os pássaros. Cantava a música da senzala com uma voz tão triste de fazer chorar. Rezava para o gado engordar e também para acabar com as bicheiras e desengasgo. Dizia “tem de rezar sem tomar fôlego”, ou seja, sem respirar. Ele colocava a mão no nariz apertando como se quisesse arrancar, pegava um pedaço de mato com a outra mão, e começava: “Fica quietinho, meu boi! Fica quietinha, minha vaca! Mal maldito, amaldiçoado, tanta carne tu comeste e a Deus tu não louvaste. Deus permita que tu caias de um em um, de dois em dois, de três em três, de quatro em quatro, de cinco em cinco, de seis em seis, de sete em sete, de oito em oito e de nove em nove. De nove em nove, de oito em oito, de sete em sete, de seis em seis, de cinco em cinco, de quatro em quatro, de três em três, de dois em dois e de um em um. Mal, maldito, amaldiçoado, tanta carne tu comeste e a Deus tu não louvaste”. E assim, ao passar o mato que tinha nas mãos em cima das bicheiras, estas iam caindo uma a uma. Também com o gado engasgado sabia lidar desentalava o gado com a Oração de São Francisco . Virando o tição de brasa (tronco pegando fogo ) no fogão de lenha rezava fervorosamente junto ao gado “São Francisco, professor de Cristo, Nosso Senhor disse que descesse ou assubisse” em seguida assoprava o ouvido do gado e assim o desengasgava. Damião era muito divertido e conversava com as crianças. Ao lado do barracão, numa casa conjugada, bem “brejeira”, morava a outra professora da Escola, era esposa do barraqueiro. Recém-casada, uma mulher morena, pele bronzeada, cabelos pretos e de cachos longos, sempre bem penteados, cantava muito, possuía uma voz bela.


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Alimentava um sonho desde a sua juventude, o de ser cantora. Cantava a Ave Maria em latim com sua voz doce, suave. Sempre acenava aos que passavam. Sempre determinada, e uma presença amiga. Comungávamos os mesmos ideais. Como educadoras e alfabetizadoras, desejávamos brasileiros letrados, que no mínimo soubessem ler, escrever e dominassem as quatros operações. Estávamos comprometidas em fazer parte de um processo inovador, dinâmico e ecaz para melhorar o desempenho dos alunos da zona rural, excluídos de tantos programas e projetos executados e desenvolvidos nas escolas da área urbana. O processo educativo deveria poder responder aos desaos da contemporaneidade, e crendo nesta possibilidade, estávamos ali, na zona rural, prontas para facilitar o processo de aprendizagem e também proporcionar o progresso daquele povo, ajudando-o a desenvolver não somente a área cognitiva, como também as atitudes, não esquecendo de preservar sua cultura, fazendo valer sua condição de ser um ser humano, respeitando seus ideais, sua crença. Aquele povo miscigenado com a sua maioria formada por negros não tinha nenhuma oportunidade verdadeira. A vida não era moleza. Comida escassa, trabalho pesado, solidão. A belíssima mulher era da capital, conseguira uma cadeira na Secretaria de Educação do Estado, e fora lotada em Ipojuca. Lá, conheceu e se casou com o barraqueiro. Daí pediu sua transferência para ensinar no engenho, onde seu marido tinha domicílio e que existia uma escola sem professora. Fui convidada por esta professora, que passei a considerá-la como se fosse mais do que uma irmã de sangue, para car morando lá. Aceitei de imediato. Não ia suportar por muito tempo aquela viajada diária, massacrante. Às vezes, o sol causticante, fazia-me sentir num sertão brabo, e, em outras ocasiões, a chuva, que trazia mais diculdades ao percurso; fazia


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muito frio, a minha sombrinha não atendia aos vexames da enxurrada, deixando-me toda molhada, o que me levava a fortes crises de gripe. A garganta queimava como se tivesse uma brasa incandescente na boca, dicultando a ministração das aulas. Comecei, assim, a residir com o jovem casal. Trabalhava muito na Escola, pois gostava de reunir os pais, os responsáveis e os alunos. Nos encontros mensais eles falavam da vida, da religião, dos maus tratos, das diculdades. Ouvia muitas queixas. Pais que me contavam segredos. Acredito que me consideravam melhor que uma confessionária, pois eu sabia ouvir com paciência e não lhes mandava pagar penitência. Quantas vezes me falavam que passavam fome, e como era difícil ouvir tudo aquilo. Outras vezes falavam a vontade de viver com dignidade, sem scal (aquele triste e desgraçado, “xexeiro” do patrão), que contava os feixes de cana antes de serem colocados no caminhão e, assim, sabia quantas toneladas, quantos feixes, sei lá o quê; nada podiam reclamar e vamos explorar... “Ai de nós se recramar'' (reclamassem), contavam. Tinha o apontador, outro miserável que só beneciava o ''patrão,” o rendeiro. Disso tudo me recordo. O apontador media as contas de terra e anotava num caderno, que só ele mesmo decifrava, informava ao barraqueiro para colocar na folha de pagamento, o de direito de cada um. As coisas complicavam quando ele adoecia e faltava, ninguém, nem o próprio patrão, sabia o que estava apontado e só quem perdia era o trabalhador. Como sempre a rebordosa só recai para o menos favorecido. Na sexta-feira, à tarde, o dinheiro chegava da Usina para o pagamento. Muitos só melavam o dedo para colocar no papel. Não sabiam assinar e muito menos ler. O barraqueiro carimbava tudo, lá mesmo cava o dinheiro, pois, já tinham “comido” tudo durante a semana. A “caranha” estava feita, e precisavam pagar, começando a trabalhar para pagar novamente. “Vida de cão”! Assim dizia Barnabé, o


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sujeito mais destemido, e parecia-me o mais esclarecido também. Falava de salário, falava de passar da hora, falava de dinheiro. Quando bebia então, a coragem aumentava. Dizia o que pensava do mundo, do rico e do pobre. Tinha muita vontade de viajar para conhecer outros lugares, dizia com raiva e muita revolta que um dia iria se danar dali! Ele era um revolucionário. O povoado era grande para aquela época, tinha mais de quinze casas feitas de taipa. Além de alguns barracos, nos arredores do engenho. A casa grande cava afastada do arruado. Era uma casa sem vida onde “moravam” seus proprietários; poucos dias passavam ali. Viviam mais na capital, onde os lhos estudavam. O administrador substituía o proprietário, era ele o responsável pelo bom funcionamento do engenho, cabia-lhe determinar quem ia realizar os serviços, inclusive ao abastecimento da água na Escola. Tinha o pessoal do campo, o barraqueiro, pessoa de conança da Usina e do rendeiro, que era conhecido na região. Homem sisudo, calado. Pele cheia de cravos, e espinhas. Quase não cumprimentava ninguém. Dizia Dona Sílvia com sabedoria: “Ele tem o rei na barriga”. No convívio com este casal, fui me afeiçoando a eles como se fossem meus irmãos; eu os escolhera, os quisera como meus irmãos. Fiz tudo para agradar, para conviver bem, respeitando a privacidade do casal, eu sabia muito da vida a dois. Tivera uma grande paixão aos 16 anos, que foi só decepção; e tinha conhecido os dois lados da moeda do amor. Ainda me lembro daquele homem que me enchia de carícias, de palavras românticas, galanteios. Tinha um tom de voz que apaixonava qualquer uma. Mas, era elmente falso. Tinha outras mulheres, amantes, era noivo de outra, daí, ao descobrir tanta maldade, tanta indelidade, decidi me transferir para um local distante, afastado do mundo real.


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Capitul 02


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CAPITULO 02 Nascia a lha de meus amigos. Um parto difícil. Foram muitas complicações; mas nasceu uma menina de um parto “fórceps”. Nos primeiros dias, dediquei-me bastante àquele pequeno ser, era como se fosse minha lha também. A mãe tomara muitos remédios para cicatrizar os cortes que recebera durante o parto que foi uma barbaridade, não tinha leite no peito, só o amor materno alimentava. Por mais sangria que tomasse, pois, haviam receitas caseiras que todos ensinavam para chegar leite, cava quase tonta, mas o leite não chegava. Começaram a alimentar a criança com leite de vaca fervido, coado, não tínhamos outro leite por ali. Ao amanhecer, com dez dias de nascida exatamente, a primogênita só vomitava e defecava sem parar. Que horror, meu Deus! Muito doente, fraquíssima, foi piorando de uma hora para outra, do dia para noite. Não sabíamos o que fazer. A avó paterna, Dona Sílvia, que morava a alguns quilômetros, fora avisada e logo chegou. Deu-lhe água de arroz, água de coco, e trouxe consigo D. Quirina, a benzedeira, pois, era possível ser mau olhado. Os olhos da menina estavam fundos, emagreceu de repente. Contávamos as suas costelas. Olhos claros quase azuis e tristes, distantes, boca seca, já não tinha forças. É caso para médico - disse a benzedeira - eu já rezei três vezes. O pai estava quase louco. A sua primeira lha estava morrendo. A benzedeira, então, chamou a avó no canto do quarto, e bem baixinho condenciou: leite cortado deram a menina; dicilmente escapa. Ouvi a conversa e alarmei, foi a salvação. A mãe fraca, debilitada do parto, marinheira de primeira viagem, só chorava. Saímos na mesma manhã para a capital. Viajamos na charrete às seis da manhã, para a cidade de Ipojuca. Fomos ainda apanhar Teté, uma irmã da mãe da criança, também


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professora, elas eram muito amigas. Teté era uma pessoa maravilhosa. Sempre trabalharam juntas.

Teté era casada com um jovem e, por

coincidência ou não do destino, também era barraqueiro. O sol estava acompanhando este percurso, não deixou a chuva aparecer como zera na noite anterior que choveu torrencialmente. Na cidade, esperamos várias horas até o carro chegar, quando nos dirigimos à capital em direção à casa da avó materna. A mãe, pessoa piedosa e contrita, no seu silêncio de “MARIA” rezava, implorava ao bom Deus pela recuperação da sua lha. Dizia consigo mesma: “Deus é muito bom, tarda, mas não falha”. Já diz no Eclesiástico: “ACEITA AS DEMORAS DE DEUS”. Torre forte é o nome do Senhor! E assim aguardava com esperança a recuperação da saúde da lha. Viajamos numa “rural”. Que viagem longa! Começou a chover, chovia torrencialmente. A estrada era de barro. Fomos direto para casa da avó materna. O pessoal de lá conhecia muitos médicos, na família tinham duas enfermeiras. Ao iniciar a tarde, chegamos à casa dos avós. Era uma casa alta, repleta de janelões vermelhos. O alpendre, o jardim cheio de rosas brancas, rosas vermelhas. Mas o que me chamou atenção mesmo foram os pés de capim santo, erva-cidreira, canela, alho, pião roxo, alecrim; e, em especial, muitos pés de colônia e boldo. Os cachos da colônia exalavam um perfume contagiante; e eu sabia o quanto aquelas ores misturadas com álcool faziam bem as dores de cabeça, e dores de coluna; minha mãe usava muito, era um santo remédio, voz popular na época. Tinham duas caqueiras imensas com a planta denominada “comigo-ninguém-pode”. Fiquei admirada ao ver uma residência na capital, na cidade grande, cheia de plantas medicinais, ervas milagrosas, e “matos de benzedeiras” do interior. Nos terraços algumas gaiolas penduradas, bem cuidadas, cheias de folhas de alface e chicória. Tinha uma patativa que


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cantava muito alto. Um papa-capim de coloração cinzenta com a cauda e as asas pretas, essas ornadas de espelho branco; que se alimentava de alpiste e paiço. O mais belo pássaro era o concriz. A passarada fazia a festa harmonizando o ambiente. No fundo do terraço havia um pássaro estranho, muito escuro, o Azulão. Num viveiro ao lado de dois bancos alguns periquitos verdes, amarelos, azuis. Faziam muito barulho. Fomos entrando casa adentro. A avó materna tomou a neta nos braços. Era uma senhora alta, com mais de um metro e oitenta de altura. Forte, olhar sensível de quem já viveu muitas emoções, alegrias, tristezas, decepções. Soube que tivera dezessete lhos, criara e educara quatorze. Dez mulheres e quatro homens. Das dez lhas, sete professoras formadas e diplomadas, com o “Curso Normal”, duas enfermeiras, que já trabalhavam em hospitais da capital e a caçula morava no Rio de Janeiro, Lourdes era seu nome. Dos lhos homens, três seguiram a carreira de dentista, eram diplomados, e o caçula ainda estava estudando, não me recordo para qual prossão. Adotara uma menina cujo apelido era “Nêga” e criara outros moleques, achando bonito por demais uma casa cheia de crianças mesmo que estivessem trelando, chorando, contrariando, brincando, escrevendo, lendo, pintando o sete... Neste momento, era só angústia. Tínhamos que correr para salvar aquela menina. Como por milagre chegou a irmã enfermeira e parteira. Logo indicou o médico da atualidade, pediatra. Ela disse que iria ao seu consultório, que cava no bairro de Afogados. Tia Maninha, uma criatura de aparência frágil, bem alva, olhos claros, estatura média e embora não aparentasse seus 40 anos completos, seus cabelos eram grisalhos; era uma parteira experiente, capaz, conhecida. No plantão dela, contava que fazia mais de dez partos, e que


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havia perdido a conta dos alhados, pois quase todos que nasciam pelas suas mãos. Ela era convidada e convocada para ser madrinha, e aceitava. No mesmo carro alugado, a rural, seguimos de Campo Grande, bairro onde a avó materna residia, para o bairro de Afogados onde se localizava o consultório do médico: o famoso pediatra. Chegamos ao consultório. Aguardamos aproximadamente duas horas para sermos atendidos. A tia, enfermeira, cuidava muito da criança que já estava sem forças. A chuva estava começando a cair de novo. A mãe cou sentada numa cadeira ao lado, só chorava. O pai, impaciente, andava de um lado para o outro, sem parar. Acendia um cigarro após o outro, nem se lembrava, ou não sabia, que a fumaça prejudicava todos e mais ainda o bebê que estava desfalecendo, até que a tia se deu conta, e pediu que fosse fumar mais longe, ou parasse denitivamente de fumar naquele lugar; que zesse um “sacrifício” em nome da saúde da lha, e ele obedeceu imediatamente. Era a tarde do dia 26 de março de 1955. Estavam lá na sala de espera, o pai, a mãe, a tia parteira e a tia que tinha vindo do interior. Às 17 horas, mais ou menos, alguém nos chamou e nos mandou entrar. O médico, com a roupa alva “cor de coco puro”, moreno, estatura média, um bigode que em nada lhe assentava, acreditava-se que o usava para mostrar que era mais velho e assim merecer mais credibilidade dos clientes. Ser muito mais velho, com mais idade, é ter mais experiência com certeza, porém não quer dizer, ter mais conhecimento e competência. Levantou da cadeira sem fazer nenhum barulho. Passou o olhar sobre a criança, frágil, semi-morta, que não tinha mais nem três quilos, febril, o choro não emitia som nenhum dos pulmões a fraqueza era muito grande. O médico olhou para os acompanhantes e disse: “Infecção intestinal em último grau, difteria, deram leite estragado a esta criança”.


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Parece que ele adivinhava. Foi à pia, lavou as mãos, apanhou um pedacinho de algodão, molhou na água ltrada, pois ele tinha um ltro de barro no consultório; e passou o algodão molhado nos lábios da menina, e ela não teve nenhuma reação, já nem abria a pequena boca, infelizmente. O médico, o mais famoso pediatra daquela década na capital de Pernambuco, cobrava uma fortuna por uma consulta; era médico dos casos perdidos, diziam que ele era médico e espírita. Tinha uma maneira diferente de receitar; a franqueza de suas palavras, a forma como adivinhava determinadas situações (doenças) era conhecida, embora, soubéssemos que havia estudado muito para ser médico, e passou muito tempo fora do Brasil se aperfeiçoando. Olhou o médico para os representantes daquela criatura indefesa, debilitada e com uma voz rme perguntou: - Querem salvar sua lha? - Sim! - todos disseram. E ele continuou: - Só há um remédio para tentar salvar esta menina. Todos angustiados querendo saber o que ia professar aquele pediatra de profunda sabedoria, que tinha cobrado os “olhos da cara” pela consulta. - O remédio é leite materno, leite de peito, ela tem que mamar. A mãe não tem leite, e tem que arranjar agora mesmo uma mãe de leite. Não pode ser de desmame, ou dá o peito ou vão preparar o ataúde – concluiu o rígido pediatra. Neste momento, o pai cou vermelho como um camarão bem corado, teve ódio ao médico, vontade de bater, de xingar, de obrigá-lo a passar um remédio qualquer, uma receita, porém o médico foi taxativo, odiável. Dispensou a todos, pois tinha outros pacientes, e fez questão de dizer: Vocês precisam correr para salvá-la. Saíram do consultório, muito piores do que entraram, a mãe chorava e pediu para segurar a criança nos


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braços; era a primeira lha, lha de um amor bonito que iniciara há mais de cinco anos. Naquele momento, o médico fora detestado pelo pai, homem muito simples, viu o médico como uma pessoa rude, cruel para com um casal que veio de tão longe com o seu bem maior - a lha - e ele lhes mandara fazer o ataúde. O pai foi levar a criança juntamente aos demais para casa da avó materna D. Maria, no então bairro de Campo Grande, e já eram quase sete horas da noite. A chuva continuava o vidro da “rural” embaçado, limpador vagaroso, tudo estava complicado. A mãe tira o peito para oferecer a criança, porém, não saia nem uma gotícula. Ela espremia, torcia, mas não tinha mesmo leite nenhum. As lágrimas e o desespero aumentavam. Diziam que foram os remédios do pós-parto que lhe deram e por isto “secara” o leite. Antibiótico é faca de dois gumes, diz o matuto. Cicatriza o ferimento, no entanto seca todo o leite da mãe. O pai não desceu do carro, quando chegaram à casa da avó, e disse: “Vou buscar uma “ama de leite” aonde tiver, mas, voltarei ainda hoje, e Deus vai me ajudar. Dizendo isto, despediu-se. Estava com os olhos rasos de lágrimas, saiu da capital louco, atordoado, deixando sua esposa, e sua lha. Disse ao motorista – Corra que ainda voltaremos hoje. Ao chegar à cidade natal foi falar com o Prefeito, pedir-lhe outro carro para voltar para a capital, pois o motorista da rural iria com ele ao engenho procurar a ama de leite, e quando retornassem à cidade não teria condições de viajar novamente. O Prefeito era um homem bom, el aos seus eleitores e amigo também dos adversários, pois era inteligente, dizia muito que conquistar os inimigos políticos e torná-los amigos era a maior virtude, porque estava destruindo-os, e transformando-os em parceiros; e que eles iam se desarmando contando com sua ajuda, e assim agia, depois das eleições ele não via partidos nem adversários. Por todas essas qualidades, atendeu


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prontamente. Já passavam das dez horas quando chegaram ao engenho Saco. A noite estava mais escura do que nunca. O lampião do barracão estava aceso. Lá estava a avó paterna com o terço na mão, rezava muito; era muito religiosa, devota de Santo Amaro; tinha fé nele, e até colocara o nome do lho de Amaro, em homenagem ao Santo poderoso e protetor dos fracos e pobres. Junto da avó estava a outra irmã do pai, mais nova, que se chamava Isaura, que já era casada, mas eles eram muito ligados, e na cozinha a empregada que dera leite estragado a menina e zera aquele estrago todo. O pai contou tudo, sem detalhes, e disse para mandar aquela envenenada da empregada desaparecer, pois, ele nunca mais queria cruzar com ela; que não se responsabilizaria pelo que poderia acontecer. O barraqueiro pensou tirar o cinturão de couro largo que usava na cintura, e bater naquela maldita, mas o tempo urgia. Ele precisava correr... Foi à casa do morador antigo que já viera das terras de seu pai, do sítio chamado Mata-Fome, à casa de Zé Domingos, só precisou chamar uma vez, e logo o negro velho Domingos respondera, abrira a porta. O pai contou-lhe o que era preciso. Zé Domingos era um preto velho, cor retinta, dentes brancos era só o que ele tinha de branco, além dos dentes, as unhas e ao redor dos olhos; bem alto, pai de 8 lhos, mas um negro “branco”, como diziam os antigos, aos negros com atitudes honradas. Tinha visto o barraqueiro de calças curtas. Era o seu empregado de conança. Disse imediatamente ao patrão: –No engenho Boacica pariu ontem uma mulher, barriga gêmeos, mas um menino nasceu morto, e o outro cou vivo, ela tem leite para dois. Zé Domingos entrou e saiu na mesma hora, nem sei se avisou a mulher dele. Colocou um velho chapéu na cabeça e entrou no carro. Saíram de chão adentro, Deus guiava a rural, pois a chuva era teimosa. Ao


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chegarem no referido engenho, localizaram a casa da mulher que tivera dois lhos. A casa era só pobreza. Não tinha berço, não tinha cama, num único vão tinham tijolos, duas tábuas e, por cima um velho colchão, forrado com colchas de retalhos não sei de que tecido, no nal do quarto, havia um fogão à lenha. Não tinha sanitário dentro de casa e, acredito, que fora também não. Um candeeiro a gás, fazia o único clarão naquele local. Lá sentada estava uma jovem mulher, quase negra de olhos muito pequenos, cabelos bem curtos, seu nome era Noêmia. Ao lado um pedacinho de gente enrolado a um lençol esquisito, Ciço, era este o nome que lhe deram, e ao irmão que morrera na hora do parto: Damião. Na tapera, podemos assim chamar, num canto, estava um homem fumando seu cachimbo que exalava um cheiro terrível, forte como “torrado”, rapé, sei lá o quê. Lá, Sebastião, homem magro, de coração bom. O pai contou a história e pediu pelo amor dos anjos e de Deus que ele deixasse Noêmia ir com ele para salvar sua lha. Noêmia já não estava mais sentada ao término da conversa, seus seios vazavam de tanto leite, tinha um pano dobrado dentro do soutien, e este pano estava ensopado de leite. Ela tirou o referido tecido de dentro do vestido velho e surrado de tantas lavagens, espremeu na nossa frente, chorando disse: -Tenho leite demais; o lho que se salvou não dá conta de tanta


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comida... e eu não estou aguentando de tanta dor... É muito leite, Deus, com certeza, guiou o senhor para o lugar certo. Sebastião, o marido, não hesitou: -Se quiser ir mulher, vai. Leva Ciço e vai. Eu co. Não precisa se preocupar com nada. Sei me virar sozinho. A mulher então disse: Eu vou agora mesmo! E assim, aconteceu. Entraram todos no carro. Na volta ao engenho para deixar Zé Domingos, a chuva continuava, nunca mais se tinha visto um temporal daqueles. Eram trovões, relâmpagos, claridade no Céu e, logo em seguida, escuridão tenebrosa. Víamos, a toda instante, o poder de Deus nos estrondos dos trovões e relâmpagos, no som da chuva, na clareza e claridade dos relâmpagos parecia que o Criador queria nos mostrar a Sua força, Seu poder! Com certeza não iria nos desamparar! “Meu Deus continue comigo”, dizia o pai baixinho, com outra emoção, agora que havia encontrado o remédio que o tal pediatra tinha recomendado, estava mais aliviado. Não queria nem imaginar ver sua lha, aquele anjinho morto. Noêmia calada carregava seu lho no colo. Ciço não chorava, mamava de vez em quando. Dormia como um anjo, ela insistia para ele mamar, entretanto o estômago dele não aguentava, estava satisfeito demais. Deixou Zé Domingos no Engenho Saco e gritou para sua mãe que ela rezasse para ele chegar a tempo na capital, pois, estava levando o tal medicamento que o médico recomendara; estava com a ama de leite. Quando chegou à cidade, já passava da meia-noite. A luz já estava apagada. O motor era desligado às dez horas, todos os dias. Foi direto à casa do Prefeito e o mesmo, conforme prometera, mandou o próprio carro com o seu motorista levá-los ao Recife. A viagem foi péssima devido à tanta chuva. A estrada era estreita para tantos veículos que transitavam


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naquela noite, quase madrugada. O pai não fumara desde o consultório, só tomou água uma vez. Dizia que estava fazendo o sacrifício de não fumar para Deus salvar sua lha. Eram duas horas e trinta minutos quando o carro do Prefeito parou na casa da avó materna, Campo Grande. As luzes estavam acesas. A velha abriu a porta. Estava com o ar de muita tristeza. O pai louco para saber se a menina tinha suportado a espera, daí ela o mandou entrar, sem nada falar. Chegou ao quarto, lá estavam as quatro tias, a mãe, e a menina. “Ela não vai suportar” – falou a mãe, estava lhe esperando para acender a vela. O pai gritou por Noêmia como um urro, “urro de clamor”, de piedade, e logo Noêmia apareceu entregando Ciço a Adelaide, e, nesse momento, a outra enfermeira lavava os peitos fartos da jovem mulher que espirrava de leite. A mãe pegou a lha com muito jeito na cama, com medo até de quebrar os ossos, porque ela só tinha “pele e osso”; e deu a criança para a nova mãe. “Milagre acontece, e era o que todos esperavam, o milagre da saúde para menina”. Noêmia, também mãe de primeira viagem, que perdera um lho no dia anterior, ainda doída com esta perda e possivelmente com as dores do parto, colocou a menina bem pertinho daquele bico de peito negro imenso; com muito desvelo abriu a minúscula boca e começou a molhar os lábios com o “soro abençoado”. Foram muitos e muitos minutos assim. Foram horas. Noêmia permanecia sentada na cama da avó, não pregava o olho nem tirava a menina do colo. Vi lágrimas escorrerem copiosamente dos olhos daquela mulher escura, talvez, estivesse pensando no lho que havia enterrado, ou quem sabe, naquele momento, estivesse clamando a DEUS por aquela menina. Poucas pessoas conhecem a força das lágrimas de uma mãe. Ciço dormia noutra cama bem próxima. Nada reclamava, nem


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pedia para mamar, acho que veio muito abastecido na viagem. O pai dispensou o carro do Prefeito, com um cartão simples, onde ele escreveu: “Obrigado, Prefeito, saiba que cheguei a tempo. Deus é misericordioso. Continue ajudando aos pobres”. E assinou com zelo o barraqueiro. O motorista voltou sozinho. Amanhecia na casa de D. Maria e já exalava o cheiro de café torrado, leite, pão assado na grelha. No quarto, Noêmia, a mãe, duas tias. A menina continuava nos braços da ama de leite. Às cinco e meia, mais ou menos, Ciço acordou, Teté trocou as fraldas do menino e o entregou à Noêmia, enquanto uma tia já tomava a criança dos braços dela. Ciço mamou, mamou num peito, depois no outro. O leite escorria pelos cantos da boca. Daí, Noêmia foi tomar café. A avó Maria preparara uma papa de aveia, café, pão, leite, etc. Noêmia precisava de cuidados especiais para ter forças e muito leite para as duas crianças. Às sete horas em ponto, parecia um som divino, ouvimos o choro da menina, Noêmia correu da sala para o quarto, e logo a pegou oferecendolhe o peito; e vimos a frágil criança abrindo a boca e sugando, a outra mãozinha com um movimento lento Noêmia colocou-a sobre o peito. Mamou um pouco, e foi assim toda manhã. O pai continuava no terraço, junto do sogro, um velho distinto de poucas palavras. Parecia preocupado demais com aquela situação. O dia vinte e sete de março – dia do aniversário de D. Maria, a matriarca da família. Embora muitos fossem chegar para parabenizar a velha proprietária da “Vila Maria”, era esta a placa que tinha na frente da sua casa, todos já sabiam que não ia ter festa, não ia ter nada de especial. A neta do interior estava em sua casa, e muito doente. A família era muito grande. Netos, primos, tios, parentes e amigos iam chegando, enchendo a casa. Nêga tinha feito um bolo imenso e alguns “quitutes” especiais.


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Alguns políticos com certeza chegariam, porque a família era muito bem relacionada. A avó paterna, logo cedo, pediu aos presentes para que ninguém cantasse parabéns, e todos já sabiam o porquê. Sentado no terraço, seu esposo observava suas gaiolas, gostava de ouvir a “Resenha” dos jogos de futebol, era fã do Santa Cruz Futebol Clube. Na sua casa, tinha ainda o seu consultório, e lá poderíamos encontrar tudo que se referisse a um bem equipado Gabinete Odontológico. Um dos primeiros dentistas da região, trabalhou muito pelos engenhos arrancando dentes e colocando muitos dentes de “ouro”. Contava, com prazer, que os comerciantes acertavam a retirada dos dentes fortes e saudáveis para substituí-los por dentes de “ouro”. Ele gostava muito de lembrar-se dessas passagens de sua vida prossional naquele lugar onde viveu mais de quarenta anos. Quem, naquela época, não teria ido ao consultório do famoso dentista? Quase impossível encontrar uma pessoa. Era um dentista paciente e cuidadoso. Não se separava de uma âmula e, enrolada a esta, uma cobra plástica com as cores do seu time: – vermelho, branco e preto. Tudo arrumado, e limpo. Havia muita higiene. Ao meio dia, percebemos que a menina ia melhorando. Não vomitava mais, nem tinha diarreia. Deus está ajudando muito na cura. Todas nós nos revezávamos; éramos sempre quatro. Alguém cava com Ciço (mas ele era um santo) calmo, nunca reclamava e as outras cavam com Noêmia e com a menina. Foram horas e horas assim. A paciência tudo alcança, já diz Santa Tereza. “Nada te perturbe, nada te espante. A paciência tudo alcança. Quem tem Deus nada lhe falta. Só Deus basta”. A noite foi bem diferente. A mãe, o pai, todos rezaram o terço. Até então, o pai não havia mais fumado nenhum cigarro. Precisava fazer aquele sacrifício para a lha tão inocente car curada; foram três dias de


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consumição; de muitas preces, de muita oração. E, a menina estava melhorando, já se passaram quinze dias. Decidiram voltar para o interior, anal Noêmia estava fora de casa há várias semanas, mas Sebastião, seu marido, recebia notícias sempre. O barraqueiro fazia questão de dar as notícias; falar do progresso, ou seja, da melhora da menina e dar-lhe notícias da sua família. No dia dezessete de abril voltaram ao médico; consulta marcada com pediatra. Desta vez, minha amiga, a mãe da menina, estava com outro semblante, sorria, e há muito não a via sorrir, acho que desde o dia 26 de março. A mãe decidiu levar Noêmia e Ciço para o pediatra vê-los. A tarde estava quente, as árvores bem viçosas, e céu de um azul indescritível. Na sala do médico, ele nos mandou sentar, levantou-se manso, parecia que sabia tudo. Veio para junto da menina, abriu-lhe os olhos com aqueles dedos compridos e dalgos, depois apertou o polegar da criança, pressionando, procurando sangue, e achou, sorriu levemente. Apertou o dedinho do pé, investigando com cautela o sangue e aí disse: Eu estava certo. Ela já está curada - examinou rapidamente Ciço e disse que ele estava saudável, que continuasse só mamando, e nada mais, nem água precisavam dar. Pois, o leite supria tudo! -Esta senhora poderá amamentar ainda por quanto tempo? Perguntou à mãe. Esta preferiu deixar a mãe de leite responder, e ela disse: Até a menina car boa. -Continue mais dois meses, no mínimo, tratando-a com leite materno. Não tenho remédio nenhum para indicar – falou o médico - Não importa quem mame primeiro, o que importa é apenas lavar o bico do peito com algodão umedecido com soro, ou com água fervida antes das mamadas dos dois.


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Olhou para Noêmia e acrescentou: –Jesus lhe tirou um e lhe mandou outra. É providente o Senhor DEUS! Disso ele não sabia. Que ela tinha perdido um lho porque nós não tínhamos mencionado nada. Ficamos calados, estarrecidos com aquele homem de conhecimentos profundos. Ele, com certeza, lia nossos pensamentos. Sentadas, olhávamos para ele, e ainda falou: -Fui muito sincero quando vieram aqui, e quis avisar a gravidade do caso, sei que entre dez crianças que tomam leite cortado, uma se salva, ou todas morrem. Esta menina era diferente, teve uma luz que iluminou os caminhos para ela se salvar, não era o dia da volta; será caridosa e eu quero pedir para batizá-la com o nome desta Santa, entregando a mãe uma imagem de uma Santa, pois quando vocês saíram naquela noite do mês passado daqui eu z uma promessa a esta Santa que trago comigo desde minha ida a Portugal, e lá se vão muitos anos, e deu um pequeno sorriso, pela primeira vez. Então pensei: “Quem vê cara não vê coração”, diz o provérbio popular. E continuou dizendo: -Prometi, se vocês trouxessem de volta esta criança viva, eu contaria esta promessa, porque acontecera o Milagre. Eu cava cada vez mais incrédula com o que eu estava ouvindo. E o médico perguntou: -Ela já se batizou? -Ainda não, doutor, logo vamos fazer cumprir este sacramento - A mãe armou. E, assim, o médico retirou da gaveta uma imagem e deu à mãe. Fez este gesto com os olhos rasos d’água. Eu não acreditava no que estava ouvindo e vendo – aquele homem sisudo, de poucas palavras, que nunca


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sorria, zera uma promessa para uma paciente desconhecida. A mãe da menina chorava ao ouvir aquela história: um médico famoso, rico e poderoso, era um devoto da Virgem de Fátima, um homem que parecera tão insensível no último encontro, havia feito uma promessa para aquele anjinho. Vi o quanto nós nos enganamos com as pessoas, o quanto nós julgamos erradamente. Que lição de vida! A mãe da menina disse que cumpriria a promessa e que a mesma receberia o nome da santa, e que ela a mãe, chamaria a mesma Virgem para ser a madrinha de batismo. A Santa dada pelo médico era de cor marrom-escuro, tinha um medalhão na cabeça, com menos de cinco centímetros, era de um material que não sei bem. Observei algumas ores desenhadas e várias terços nos braços da Poderosa Virgem Saímos impressionados. A fé daquele médico nos comoveu. Ele rezou por nosso bebê, ele a entregou nas mãos de Deus e, com certeza, as orações dele também ajudaram para que tudo corresse bem naquela noite inesquecível. Depois de um mês, a menina estava sendo batizada, mas não recebia o nome de Quitéria, a Santa, porque os pais acharam que a Imagem dada pelo médico fosse Nossa Senhora de Fátima. Conforme prometera ao médico, a mãe colocou o nome na menina de Fátima, quando deveria ser Quitéria. Os avós maternos e Nossa Senhora de Fátima foram os padrinhos e madrinhas, respectivamente. Noêmia e Ciço já faziam parte da família. O pai conseguiu uma pequena casa no Engenho Saco e lá foram morar Sebastião, Noêmia e Ciço. A menina precisava mamar e Noêmia tinha também as obrigações de mãe, esposa, dona de casa. Assim, passaram-se três meses. Neste vai e vem, às vezes levávamos a menina à casa da ama que sempre a acariciava com um sentimento profundo. Acho que ela daria não só o leite, mas, se preciso fosse daria o sangue para salvar


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vida daquela criança. Noêmia era pura, bondosa, sofrida da vida. Era pobre demais. Estes meses que passara na casa desta criança foram dias abençoados. Comida na mesa, muita limpeza, sapatos, roupas. Seu lho tinha de tudo, ganhara um bercinho, sapatinhos. Ela dizia que tudo eram as bênçãos de Deus; tinha muita fé.


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Capitul 03


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CAPITULO 03 Após cinco meses neste mesmo ritmo, pois ela passou cinco meses mamando, chegou a notícia que o barraqueiro tinha comprado uma casa na cidade de Ipojuca e ia se mudar. Foi uma reviravolta. A mãe, professora formada, iria ensinar no Grupo escolar do município, e assim, fomos todos. Na despedida, ninguém chorava mais que Noêmia, ela não se conformava em se afastar da lha de leite. D. Sílvia gostava de brincar dizendo várias vezes durante a mudança. - Esta casa já foi minha, já foi meu divertimento, hoje, passo por ela, como vento violento. Mudamo-nos daquela casa e daquele lugar, onde tivemos tristezas e alegrias. Assumiu o barracão a própria Usina. Noêmia disse que iria sempre à cidade nos visitar. Foi difícil para todos nós. A menina já conhecia a ama de leite de longe; e sabíamos que ela iria sentir a sua falta. Seguimos nossos destinos. Fomos morar na cidade. Morávamos bem próximos ao Grupo e conseguimos trabalhar em horários distintos. A mãe ensinava pela manhã, eu lecionava à tarde, assim, sempre uma de nós estaria ao lado da pequena Fátima. Tinham outras escolas do município, e um importante Colégio Divino Mestre, cuja diretora

era conhecida em toda região pela

disciplina, ensinamento e muita ordem. A farda era de cor vinho com bege. Muito bonita. Tinha lá a catequista, uma professora eciente que dedicou sua vida a educação dos lhos de Ipojuca. – Dona Elisa Almeida, a diretora. Era como um anjo bom, ensinava os mandamentos, as orações para as crianças preparando-as para a primeira eucaristia. A mãe era convidada sempre para cantar a Ladainha de Nossa Senhora em latim, e


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que maravilha! Sua voz entoava pela Igreja. Éramos do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus. Carregávamos a ta vermelha, no pescoço, com a foto do Sagrado Coração de Jesus. Morávamos próximo à Praça. A casa era imensa. Tinha um quintal cheio de fruteiras. O pé de abacate era algo exuberante, carregava tanto na safra que os galhos não suportavam. Tinha também mamão, dois pés de manga-espada, e um plantio de uvas pretas. Tudo bem cuidado por um senhor que morava bem próximo. Ele era doente e tinha, às vezes, ataques dos quais não se lembrava de nada, não dizia coisa com coisa, falava muito em Deus. Gostava de limpar tudo. Falava da “ordem” de Deus para os perversos, dizendo quando lúcido: “Aqui se faz, aqui se paga”. Sempre ia buscar o leite bem cedo na vacaria do tio de do barraqueiro, senhor Tôta. Vinha brigando com quem não sabemos, mas sempre falava de alguém que o vivia contrariando muito, ele arengava tanto que passava mal, chorava, se lastimava, era um aperreio! Tinham meses piores, outros menos desgastantes. Mas ele sempre estava pronto para ajudar. A casa era farta, sempre muita comida e muitas pessoas faziam refeições lá. Aos domingos, os feirantes invadiam a cidade, parecia festa, e de vez em quando recebíamos Noêmia. Conseguíamos ajudá-la e sempre levávamos sua feira, leite para Ciço. Ela tinha muita vontade de car, mas tinha marido e casa para cuidar. Partia chorosa, beijando os pezinhos de Fátima com amor, chamando-a de minha lha. Passou-se um ano assim. Nasceu um outro lho, irmão de Fátima. Menino forte, moreno, tinha um sinal no queixo que o fazia mais belo. Muito alado, cabelos bem lisos. Todos os cuidados se voltaram para o caçula, mas sempre eu estava ali tomando conta daquela menina frágil e risonha. Aos dois anos ela já pegava no lápis para desenhar. Aos três anos cantava, dançava, era um tesouro, a alegria da casa. Formávamos uma


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família feliz. Eu gostava muito de ensinar tudo para ela. Ensinei a recitar e a cantar, passava-lhe todo meu conhecimento. Eu queria que ela fosse cantora, ou que recitasse, zesse teatro e ela fazia tudo isto aos quatro anos. Declamava: “No coração de Mamãe” Eu sou pequenininha Do tamanho de um botão Carrego papai no bolso Mamãe no Coração O bolso furou-se e papai caiu no chão Cantava: Melindrosa Sou melindrosa, Meu vestido é curto, Minhas pernas grossas. Tenho um espelho, Meu espelho fala, Eu botei na sala, Prá mamãe mirar. Lá no quarto, que ternura! Cantarei com alegria. Serei feliz um dia! O tempo passava rápido, os dias voavam. Meu Deus há oito anos eu estava ali. Longe dos meus mais íntimos sentimentos? Não acreditava, tudo era muito difícil ainda, porém, eu me ocupava com as crianças para me entreter e esquecer o meu passado. Meus alunos preenchiam meu tempo. Gostava de levar as pilhas de caderno para corrigir em casa.


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Estávamos no ano de mil novecentos e sessenta e três, ela completara oito anos. Declamava como nenhum aluno ou aluna daquele lugar; tenho certeza. No dia da festa em homenagem aos pais, ela recitou a poesia belíssima. Vestimo-la de soldado, aquela farda de cor verde lodo e o quepe com o brasão dourado lhe assentaram muito bem. Na sequência das apresentações, foi a terceira a ser chamada ao palco, e declamou. Que emoção! É assim a poesia: “O beijo do Papai”, AUTOR: E.Wanderley. “Foi no tempo da guerra entre a Rússia potente e os heróis Nipões, calmos lhos do Oriente”. Em torno ao Porto Artur, o cerco se apertava como um cinto de ferro e fogo, que fechava as portas da cidade a quem valente ousasse ali penetrar ou por ali passar. Da boca dos canhões a morte a rir traiçoeira. Partia a cada instante e na veloz carreira, a vida ia ceifando aos míseros cados. Quando uma tarde em que cessara de momento o canhoneiro como a cobrar novo alento junto à selva de fogo. Uma adorável menina apareceu correndo. O olhar de quem procura ansiosa descobrir naquela massa escura de uniformes um rosto risonho... risonho perl de um semblante muito querido. Ao ver a pequenita um japonês, um bravo que, como a língua pátria entendia o salvo, pergunta-lhe tomando suas mãos calosas, as mãozinhas da criança alvas, cetinosas. - Que desejas, Pequena, e procuras? Em meio a tropa que aqui vês? Exposta ao bombardeio, quem és tu? De onde vens? Que nome tens, menina? Meu nome, ela responde: Eu lhe direi – é Lina.


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Procuro meu papai que há muito foi embora. Há tempo que não o vejo e desejava agora vê-lo outra vez. Pra quê? Pergunta novamente o lho do Japão, dizendo incontinente. Ele aqui já não está. Seguiu mais para frente. Porém, se algum recado ou coisa semelhante queres que eu lhe dê, breve irei encontrá-lo. Descreve-me os sinais daquele de quem falas, e eu prometo cumprir teu desejo inocente. É fácil conhecê-lo, informa ela contente. É alto o meu pai, é forte, musculoso. Tem como eu tenho azuis olhos. E é formoso seu rosto barbado. É louro o seu cabelo. Também da cor do meu como bem pode vê-lo. E do seu seio tirando um pequeno retrato acrescenta a sorrir. Façamos um contrato: Dar-lhe-ei este papai para que não se esqueça e vendo o verdadeiro, em breve o reconheça. Chama-se Ivan. Pois bem disse o nobre soldado, que o retrato guardou. Dá-me agora o recado. Que hei de procurar o teu papai em breve. Mas não é um recado o que eu peço que leve. Então dize o que queres e eu prometo Fazer o que tu me pedires. -Pois sim - responde Lina É este o meu desejo, chegue junto ao papai. Entregue-lhe este beijo. Assim dizendo, salta no colo do soldado, e beija-lhe o semblante. E em lágrimas banhado, um bravo que não chora ante horrível matança. Chorou ao receber o beijo de uma criança. E como dos canhões ouviu-se a voz bramindo Lina foi a correr, por onde tinha vindo.


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Durante a noite inteira, o fogo não cessara.... A tropa do Micikado aos poucos avançava num assalto feroz ao inimigo em frente. Cada qual mais cruel, cada qual mais valente. Até que da Vitória as trombetas ecoaram. As bandeiras do sol vermelho tremularam, sobre as trincheiras russas a força conquistada. Todo céu se aclarava, a rósea madrugada E pelo campo afora os mortos e os feridos. Eram sem distinção, por todos recolhidos. Quando, ao ver um soldado, de face descorada. Pendida sobre o peito A blusa ensanguentada. Lembrou-se o japonês das feições da criança! Olha o retrato e vê perfeita semelhança. Era um russo ferido. E o japonês o chamou pelo nome: IVAN? -Que queres? O moribundo exclamou. Surpreso por ouvir o seu nome proferido por lábios inimigos. Eu te trago escondido ... e o bravo continua Um beijo que te enviou a tua lhinha Lina. E esse mesmo o daria se pudesse aqui vir. Não podendo guardei-o para agora o depor na tua fronte ao meio. E dizendo isto, o calmo lho da nascente beija na fronte do russo, e o abraça ternamente.” Meu Deus, quanta memória! Foram muitos aplausos. Alguns da plateia choraram. Estava toda a Escola reunida. Ela não esqueceu nenhuma palavra, embora eu estivesse atrás com a letra da poesia, se ela esquecesse eu diria, mas deu tudo certo, eu só chorava de


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emoção. Foi nossa despedida, pois todos saímos desta escola. Fizemos, então, a festa do aniversário do Grupo Escolar, o aniversário da Escola. Um dia de festa inesquecível. Todas as turmas zeram apresentações: coral, teatro, recital de poesias, etc. Tinham bolas de ar em todas as paredes, janelas. Cada sala tinha uma cor de bola diferente. O Grupo estava muito bonito. Um bolo das cores: azul, verde, amarelo e branco, indicando as cores da nossa Bandeira Nacional. Velas imensas de número 14 registravam a idade daquela casa de Educação. A diretora muito caprichosa: a professora Socorro Sales. As crianças estavam muito felizes. Não havia tristeza. A escola resgatava a história de nossos antepassados e tudo isto era bastante positivo. As equipes que foram formadas para desenvolver as diversas atividades artísticas, educativas e culturais desempenharam muito bem, a metodologia aplicada retratava elmente o Nordeste. Essa região rica em cultura. Dentre essas manifestações culturais tão bem expostas, não poderia deixar de aparecer o Pastoril. O pastoril que eu ensaiei com minha turma da 4ª série A. Os mais aplicados eram da 4ª A, e os menos aplicados da 4ª B, (eu, particularmente, não era muito a favor desta distinção), mas eram as normas. O Pastoril é um folguedo dramático popular, diziam os antigos, era a dança dos “Pastores da Idade Média”. Os portugueses e outros povos gostavam do pastoril. O nosso pastoril era bem regionalista. A diretora encomendara o tablado, e lá foi a nossa apresentação. Enfeitamos tudo na véspera. Muitas ores de papel, (zemos com antecedência de um mês) bambus, folhas de coqueiros e cordas. Os personagens do cordão vermelho e o do azul eram em número de oito.


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A mestra e a contramestra dos dois cordões, e, com certeza, a mestra do cordão azul era Fátima, lembrando a Nossa Senhora de Fátima (manto azul e branco). Tinha ainda a Diana, o velho, a borboleta, com asas amarelas lindas, todas em papel celofane, ores e ores coloridas de papel crepom, papel laminado dourado. Que beleza! Que mãos de fada prepararam aquelas asas! O cruzeiro do Sul, o cruzeiro do Norte... Ainda me lembro das meninas entoando: “Eu sou a mestra do cordão azul, Meu cordão eu sei dominar. Eu peco palmas, peço risos e ores. Aos partidários peço proteção ““. E logo depois a contramestra; “Sou contramestra do cordão encarnado, Meu partido eu sei dominar. Eu peço palmas, peço risos e ores. Aos partidários peço proteção”. Quanta saudade... Foram dias marcantes. Dias felizes onde convivíamos com uma criançada saudável, estudiosa e muito animada.


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Capitul 04


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CAPITULO 04 Mudamo-nos para um novo engenho chamado Penderama. Em frente à casa grande estava erguida uma pequena capela de Nossa Senhora da Conceição. Logo organizamos tudo. Fomos no outro dia à Capela, há muito que estava fechada. Ao abrirmos as portas, alguns morcegos voavam para lá e para cá, que horror! Muita poeira. Tinham duas imagens de Santas no altar envolvidas com um tecido lilás, lembrando até a Quaresma. Levamos duas moradoras antigas do lugar para ajudar na limpeza. Ao retirar o pano de uma das santas, a mãe de Fátima cou admirada e disse: -É igual à Santa do médico! Eu compreendi tudo naquele momento. Minha amiga já estava chorando. Então, cheguei perto e ela disse: -É a mesma Santa que o Doutor me deu nos dias de angústia da doença de Fátima. A Santa da promessa! -Fiquei atônita. Era muita emoção no semblante da mãe. Era muita coincidência! Retiramos a Santa do altar, limpamos com muito carinho e desvelo. A Santa tinha um medalhão na cabeça e parecia ouro; era toda de madeira. Depois a colocamos no mesmo lugar. Estávamos muito emocionadas. Fizemos a limpeza e as moradoras que estavam conosco não sabiam o nome daquela Santa, mas que Dona Pedoca saberia, já que era a mais velha daquele lugar. Subimos para casa grande do engenho. A mãe procurou por todos os lugares; nas caixas, nas gavetas, na Bíblia imensa que tinha sobre um console, no móvel onde cava missal, e não achou de jeito nenhum a Santa que havia recebido do médico. Ficou


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aperreada com aquela situação. Daí passaram-se alguns dias e chegou ao pátio do engenho a tal Dona Pedoca, esta passava dos 65 anos, mulher de estatura baixa, cabelos parcos e bem lisos, olhos quase verdes, vendia cajá, caju, azeitona, mangas num balaio todo envolvido com um pano, e na cabeça uma “rodia” onde assentava com arte, o seu ganha pão: o “balaio”. Ao saber da presença desta senhora, quisemos conhecê-la. O cocheiro do engenho estava subindo com a burrama e ao vê-lo, gritamos. Ele de pronto atendeu, pedimos que procurasse D. Pedoca, e ele foi chamá-la imediatamente. Ela chegou, sentou-se no chão, em um batente próximo ao jardim. Fomos às perguntas: -Quanto tempo mora aqui? -Não sei, desde que nasci. -Os antigos proprietários não eram fervorosos? Ela não sabia responder, porém, disse que não se importavam com a Capela, nem com os santos. Não tinha missa fazia muito tempo. A mãe perguntou como se chamavam as santas. -Uma é Nossa Senhora da Conceição, a que tem a cobra debaixo dos pés. E a outra é SANTA QUITÉRIA, a que tem os cordões e o medalhão. Senti algo diferente, me arrepiei dos pés à cabeça. -Santa Quitéria é a santa do médico? - perguntei a mãe. Ela armou com a cabeça sem pronunciar uma única palavra. No dia seguinte, voltamos à capela, já estava tudo limpo, organizado; minha amiga havia determinado para Dona Elisa, a moradora mais próxima da Igreja, ser a “zeladora”, e que ela iria receber dinheiro na folha de pagamento do engenho pelos seus serviços. A Santa era a mesma que o médico nos havia dado, e nós, na época, pensávamos ser Nossa Senhora de Fátima. Ficamos algum tempo


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olhando a Santa, a Santa Quitéria, e relembrando alguns momentos. Lá estava tudo arrumado e as folhas de eucalipto que haviam colocado pelo chão exalava um aroma especial, uma sensação de limpeza extraordinária. Fazíamos constantemente estas visitas. Rezávamos o terço e a minha amiga cantava a “Ladainha” de Nossa Senhora. Que voz encantadora! Era muito emocionante. Ela tinha muita fé. Era fervorosa. Também acendíamos velas para as almas. As almas benditas, as almas necessitadas, as almas poderosas, as almas do purgatório. Para surpresa nossa, não se passou nem um mês, a dona da Usina chegou ao engenho, a esposa do usineiro. Num carro diferente, ela cheia de joias, de vestido requintadíssimo, cabelos cheios de laquê, sapatos altos e de tecido. Era uma mulher muito elegante. Saiu do carro e foi direto falar com Senhor Amaro, antigo barraqueiro. De lá os dois desceram para a capela. Observávamos de longe, vimos ela autorizar o motorista a retirar da capela as duas imagens e também a de São Benedito. Trouxe no carro uma imagem de gesso, de mais ou menos um metro de altura, de Nossa Senhora da Conceição, e, substituindo as três por uma, despediu-se do novo rendeiro e se foi. Descemos a ladeira correndo, porque tínhamos que saber o que fora aquilo, então ele falou que a esposa do usineiro veio apanhar o patrimônio para vender a uns “gringos”, as imagens eram de madeira de vários séculos atrás, e seriam vendidas por uma fortuna. O dinheiro serviria para pagar dívidas da Usina que estava na falência. Ficamos tristes demais. Os moradores sentiram muito. Ficou um vazio inexplicável. Atualmente, os que lá caram ainda hoje falam das imagens, e comentam que venderam os santos de todos os engenhos para pegar mais dinheiro, e como castigo cruel da Divina Providência perderam tudo que herdaram, tudo mesmo. Os dois Santuários ainda caram sem donos por alguns meses, até


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que o novo rendeiro Sr. Amaro conseguiu comprar outra imagem de São Benedito e uma imagem de São José. No ano que chegamos, zemos a festa no dia 08 de dezembro, dia de homenagem à Virgem Padroeira: Nossa Senhora da Conceição. No ano seguinte, junto à casa grande, foi construída pelo proprietário deste engenho uma escola, assim não precisávamos ir para cidade lecionar, transferimo-nos e começamos a ensinar naquela comunidade que tinha muitos analfabetos pobres. Foram dois turnos e zemos seis turmas. Tínhamos, aproximadamente, cento e oitenta alunos entre adultos e crianças. A escola foi denominada Escola Manoel Coutinho. Os alunos eram oriundos daquela comunidade e de outras bem próximas. Todos os cadernos e livros eram encapados com papel madeira, e todos faziam questão de ter uma caixa de lápis de cor. Adoravam pintar. O Rendeiro acreditava na educação, queria que seus empregados soubessem assinar o nome e fazer as quatro operações, ou seja, somar, diminuir, dividir e multiplicar. Ele mesmo comprava o material para utilizarmos na escola. Era impressionante como um homem sem nenhum título, sem formatura, quisesse tanto que seus empregados e lhos dos trabalhadores aprendessem. Muitas vezes, ele chegava à sala de aula de surpresa. Vericava se as contas estavam certas, tomava tabuada. Gostava de pegar a régua e dizer: -Quem não acertar vai levar um “bolo”. E os meninos se tremiam de medo... Para mim tudo era momento histórico. O patrão ensinando? Naquela época, isto era impossível. Aquele homem tinha muita inteligência, embora fosse um cidadão iletrado. Ensinávamos também o catecismo, para que todos zessem a


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primeira comunhão. O rendeiro era devoto de Nossa Senhora da Conceição. Na procissão, que realizava todos os anos, tinha banda de música, tinham lanternas com velas para todos e fogos. As crianças vestidas de anjos com asas nas costas. E os que iam comungar tinham que se vestir de anjo. As asas eram feitas de papel crepom, branquinho como coco. O padre que vinha da cidade cava abismado com tanto esmero. Fátima tinha oito anos e já terminara a 4ª série. Era inteligente e gostava de ler. Seu irmão na 3ª série. Como as escolas próximas não ofereciam um ensino qualicado, em janeiro viajou para se habilitar em outra Escola.


Capitul 05


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CAPITULO 05 Seguia Fátima para o Colégio das Freiras e seu irmão para o Colégio dos Padres. Ela foi fazer o exame de admissão para o ginásio e passou em terceiro lugar no meio de inúmeras candidatas. Ainda tenho guardado o resultado das provas. A menor nota que obteve foi 9,5 em Geograa. Foi a primeira separação! Seria a menina interna no colégio para estudar. Foram feitos os enxovais, as malas, tudo bem organizado. Todas as peças de roupas e utensílios que iriam utilizar nos respectivos colégios foram marcados com número que o colégio já havia determinado. As roupas todas marcadas com ponto de cruz. No dia em que antecedeu a viagem, chegou em nossa casa a ama de leite, a nossa inesquecível Noêmia, que estava com Ciço. Ele era franzino, baixinho, bem moreno, os cabelos bem cortados, com as orelhas muito grandes. Dormiram na nossa casa e Noêmia tinha a intenção de passar alguns dias, porém logo que soube da viagem cou muito triste e cuidou de dizer que não caria ali sem a lha de leite. No dia seguinte, no momento da partida, as lágrimas foram muitas, a saudade tomava conta de todos, eu jamais teria coragem de enviar um lho para um internato, entretanto, era o costume tradicional da época. Aquela também seria a despedida de Noêmia, pois fora embora com Ciço e nunca mais soubemos de nenhum dos dois. Noêmia estava com os olhos vermelhos de chorar, via-se muito sofrimento no semblante daquela mulher tão amável, tão prestativa. Cícero parecia desnutrido. A desnutrição é coisa séria, e, dependendo do seu grau, as crianças podem car com os órgãos seriamente afetados, como o cérebro, por exemplo. Ciço, da mesma idade que Fátima, não sabia ler nem escrever, nem ao menos assinar seu nome.


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Amamentados pela mesma mãe e com vida tão distintas! É o destino, meu Deus! Sabemos o quanto as crianças precisam de nutrientes para assegurar o crescimento e a manutenção das estruturas e órgãos que compõem seu corpo. Os sintomas da desnutrição eram visíveis e sabíamos que eles passavam muita fome. A bondosa cozinheira, Alma, fazia-lhe um prato imenso na hora da refeição. Colocava de tudo que tinha na mesa, e todos nós dávamos muita atenção a eles. Ele cava sentado o tempo todo vendo a televisão na sala. A televisão funcionava à bateria, mas ninguém achava ruim porque a bateria descarregava, todos queriam satisfazer a vontade daquele ilustre hóspede. Noêmia ajudava na cozinha e também não fazia cerimonias. Chegou o dia da partida. Foram-se. Levaram remédios e algumas compras, todos nós gostaríamos que eles cassem para sempre. A mãe sentia-se na obrigação de ajudar aquela mulher que abaixo de Deus salvara a sua lha, e assim fazia o possível para agradecer os gestos inesquecíveis da ama. Ao lembrar-se dela, a mãe pensava: “Deus se apresenta em nossos caminhos por meio das pessoas”. O gesto generoso de Noêmia foi muito nobre. Essa atitude é a presença viva de Deus, e Ele realmente envia anjos . Assim fora embora os meus lhos de coração, de alma, de espírito para o internato. Tinha certeza que iria ser bem sucedida no colégio, embora eu jamais tivesse concordado com essa separação. A ausência machucou muito, mesmo que já tivessem outros lhos. O terceiro lho já havia chegado, montava a cavalo desde os três anos de idade, sempre acompanhado pelo cocheiro. O menino, logo cedo, demonstrara ter nascido com as bênçãos do avô paterno, diziam os mais chegados: este menino nasceu para viver no mato. Puxou ao avô. Posteriormente nascera uma menina, Christine. E os dias se arrastavam.


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Foram anos cruéis. Fátima e o irmão longe de mim. Só nos víamos nas férias. O Colégio era muito distante, muito rigoroso. Tinha hora e tinham datas para tudo. Cursou o 1ºº ano ginasial (hoje 5ª série do ensino fundamental), fez o 2ºº e 3ºº ano ginasiais. Aos doze anos de idade, já era uma bela morena. Olhos cinza-azulados, cabelo castanho claro, magérrima. Era alta. Educada. Bondosa. Caridosa. Parecia que eu ouvia a profecia do médico de vez em quando: Ela vai ser caridosa. Quando voltava à casa queria saber de tudo, em especial dos moradores. Visitava as “taperas” dos empregados. Muito simples, parecia que tinha algo a retribuir à vida, a alguém, não sei bem. Ela queria ajudar de todo o jeito e toda a maneira a quem precisasse. Certa vez, ao voltar para as férias de junho, estava tomando o café da manhã quando comentaram na mesa sobre um menino que estava doente no engenho. Mesmo atenta ao café, pois gostava muito de tapiocas quentes ao leite e canela, interessou-se pelo assunto. Logo após o café, com sua voz doce, ouvi me chamar carinhosamente como de costume “tia Leni”: -Onde mora o tal menino? -No último arruado – disse eu – mas é bom não ir lá, porque ninguém sabe o que é. Mas ela foi, ou melhor, fomos juntas, bem juntinhas. Chegando à casa pobre de fazer dó, vimos uma velha com um cachimbo na boca, que cuspia de vez em quando, uma jarra sem tampa com um caneco apoiado na parede de barro. Lá no nal do corredor estavam um menino enrolado, as pernas repousando sobre um banco e, ao seu lado, uma muleta escorada na janela. Pálido, sem nenhuma cor mesmo. Ela foi bem perto. Queria falar, apertar a mão e foi o que fez. -Como vai? E qual é o seu nome? Quase sem voz, respondeu o enfermo:


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-Vou bem, meu nome é Brasiliano. -Qual é a sua idade? -Eu tenho 14 anos. -O que você tem? -Dor nas pernas, não aguento andar, nem car deitado, nem car em pé, estou muito doente. A velha gritou de lá: -Tá cando sem as pernas, minha patroa. Ele vai precisar cortálas. Naquele momento vi lágrimas e lágrimas descerem copiosamente dos olhos daquele rapazola desprotegido, sem dono, sem ninguém. Meu |Deus! -Eu só ando agora com essa muleta - disse ele - não vou mais para a aula, não aguento subir a ladeira e fui tentar com as muletas, mas os meninos “mangaram” tanto de mim, que eu voltei e com muito sacrifício. Nesse momento, chegou à casa um homem. Era irmão, por parte de mãe, do doente. Disse-nos já ter levado Brasiliano ao médico da cidade próxima, Ipojuca, e, também, ao médico no município de Escada, pois soubera que ele curava todo tipo de doença de osso, porém, de nada adiantou. -Acredite a senhora, minha patroa, que eu levei este menino até a casa da benzedeira, que benze espinhela caída, cobreiro, peito aberto, bucho d'água, olho mal, hemorragia de mulher, bicheira de animal e outras coisas, mas Dona Amara de Cosme, maior benzedeira da região, disse, que este caso não era para ela. Fátima olhou para o menino e disse: -Você vai car bom. Amanhã mesmo vamos ao médico da capital. Dona Maria Januária, mãe de Brasiliano, uma mulher pequena, cabelos bem lisos e mal cuidados, usava um vestido de chita. Na sua boca


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só lhe restava um dente e este apoiava o cabo do cachimbo. O cachimbo era seu amigo inseparável. Pedi-lhe que desse um banho em Brasiliano, pois logo cedo iríamos viajar. Saímos da casa de dona Januária e eu me indagava: “Como esta menina tem certas atitudes? Não combinou nada com o pai nem com a mãe e já marcou a viagem, deixando muitas esperanças no coração daquela família”. Pela forma como dissera que ia viajar, iria mesmo que chovesse ou zesse sol. Na hora do almoço tivemos momentos maravilhosos. Percebemos a educação esmerada que ela adquirira no colégio, e que reetia em tudo, desde os guardanapos que colocava no colo, a forma de segurar os talheres, de cortar a carne, de levar o copo à boca, de sentar etc. Todos notavam. Num determinado momento ela disse: -Papai, tem um lho de uma trabalhadora muito doente, ele tem buracos nas pernas, afundamentos. O pai que já sabia dessa situação difícil, disse: -Sei de que se trata. Sr. José do Bita disse que o caso é muito sério, o menino está com neurite, escorbuto, falta de cálcio e neurose. Está condenado. Os médicos de Escada disseram que estas doenças “pegavam” e não iam car com ele para não infectar o hospital. Sr. José do Bita era um velho amigo da casa, cidadão simples de olhos claros, tinha muita acolhida na casa grande e sabia de tudo que se passava não só no engenho, mas em toda a região. Fátima ouviu e disse na mesma hora: -Ele já não anda mais e prometi levá-lo à capital para Clínica de Fraturas e Doenças de Ossos. Ficou tudo acordado, sem comentários e sem queixas. O pai sabia que era preciso ajudar e, além do mais, era um pedido da lha que ele tinha muito amor e consideração. Seu Bita, presente na mesa, balançava a


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cabeça armativamente como se tivesse elogiando aquela atitude da família. No dia seguinte, o sol nasceu belo, um dia de luz e rara magnitude. O cheiro do jasmim das rosas que tinham no jardim exalava casa a dentro. Logo cedo, estávamos prontas. O motorista da família, homem pacato sem nenhuma instrução, pai de seis lhos, dizia que vivia “ariado”, pois as ruas da capital ele não conhecia nenhuma. Se perdia todas as vezes que viajava para o Recife, por isso a gasolina tinha que ser dobrada. Porém era homem de grande conança e ocupava este cargo de “chofer” há muitos anos. O chevette cor de mel vivia super limpo, ele tratava muito bem do veículo. Fomos apanhar Brasiliano com sua mãe e viajamos. Eu na frente com o motorista e os outros atrás. Saímos mais ou menos às dez horas da manhã e chegamos à Rua Fernandes Vieira passando do meio-dia. A clínica era muito alinhada, tudo muito moderno, alto luxo mesmo. Tinham dois pavimentos. Ficamos esperando no carro, enquanto Fátima desceu para resolver a consulta. Após alguns instantes, retornou e pediu que todos descêssemos. Ela própria ajudou Brasiliano a entrar na Clínica onde fomos atendidos por um médico forte, de cabelos pretos, olhar penetrante. Era um dos proprietários da clínica e médico ortopedista. Olhou para o menino e resolveu levantar-se para examiná-lo. Abriu-lhe os olhos, pegou um martelinho, bateu-lhe nos joelhos, nos tornozelos e, principalmente, nos dedos dos pés. Fez as perguntas corriqueiras e, com a larga experiência que tinha, disse armativamente: -Ele está com um problema sério de neurite aguda e escorbuto. Precisa car internado, passar alguns dias aqui na clínica. Parecia até que estávamos ouvindo Sr. José do Bita falar. Era o


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mesmo diagnóstico. E o médico continuou: -É falta de vitamina, de alimentação e, principalmente, carência de cálcio nos ossos, poderá regredir este quadro com os medicamentos que iremos aplicar, embora já esteja em estágio avançado.


Capitul 06


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CAPITULO 06 Assim, Dona Maria Januário e Brasiliano caram na clínica e nós saímos com o motorista para o Hospital Gomes Maranhão, onde se cuidava dos trabalhadores rurais de todo o Estado de Pernambuco. Lá chegando, contamos a história, conseguimos uma guia e fomos para a Associação dos Fornecedores de Cana, na Rua do Imperador, em busca da ordem de internamento. Era uma casa antiga, cheia de escadas de madeira. Ao subirmos o terceiro vão das escadas, pois não tinha elevador, num lugar reservado no canto de uma sala, uma imagem de uma santa, com uma luz vermelha acesa. Pensei que eu estava com neurastenia, porque tremia muito, porém não era nada disso, era a emoção de ver a mesma Santa da promessa feita pelo médico da mesma que a usineira tinha carregado do engenho e que Dona Pedoca dissera ser SANTA QUITÉRIA. Ao me aproximar, li em uma plaquinha dourada: “MILAGROSA SANTA QUITÉRIA.” Chamei Fátima que já estava na minha frente vários degraus e disse: -Vamos entregar Brasiliano a esta santa, é Santa Quitéria, ela cura doença sem remédios, e continuei falando, ela é muito milagrosa. Quase que eu revelava o que a mãe não queria contar para ela. Detive-me, pois, a mãe sempre repassou para ela os acontecimentos que se passaram durante os seus primeiros dias de vida, falara no amor que ela teria que dedicar a Noêmia, da gratidão a esta mulher, do médico, no entanto, nunca havia falado da Santa, quando do seu problema de saúde, e que ela acabara de descobrir ter sido Santa Quitéria. Rezamos e pedimos. Seguimos caladas até chegarmos junto da



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atendente, que foi atenciosa. Era alegre e pareceu-nos ser caridosa, visto que entendeu rapidinho a nossa história e nos entregou, sem nenhum problema a “Guia de Internação”. -É Deus em ação - eu disse. E Fátima acrescentou: -E Santa Quitéria também. A partir de agora vamos pedir a Mãe de DEUS e a Santa por ele. Voltamos para a clínica, deixamos a guia da internação com a moça do térreo e subimos para o primeiro andar onde encontramos o nosso doente no soro e no conforto daquele colchão macio com lençóis limpos e travesseiro confortável. Dona Maria Januário tinha embrulhado no papel higiênico o bendito cachimbo e o fumo que levara, pedindo-nos para deixar em casa, pois a enfermeira a tinha proibido de fumar naquele local. Viajamos com o motorista para o engenho de volta, já era quase noitinha quando chegamos. Todos estavam a nossa espera. Fátima fez questão de relatar todos os momentos ao pai, a mãe, a Zé Varelo, vigia da noite, que estava sentado no chão do terraço. -Foi uma benção - disse José Varelo - Deus lhe pagará. Chamei em particular minha boa amiga, a mãe de Fátima, e disselhe: Encontramos Santa Quitéria. Acredita que a imagem dela é idêntica a que retiraram daqui da Associação? Pedi a Fátima para olhar bem a Santa, e ela rezou de joelhos durante alguns minutos. Santa Quitéria está acompanhado esta menina. Deus a ajude. Nesse momento a minha amiga já chorava copiosamente e dizia: vou encontrar a Santa do médico, e assim contar a história para ela. Brasiliano passou quinze dias hospitalizado, íamos visitá-lo sempre e, no dia que recebeu alta, fomos apanhá-lo na clínica. Ele já tinha outra cor, parecia outra criatura. A mãe dele também estava com um ar mais saudável, creio mesmo que pela ausência do cachimbo lhe zera muito


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bem. Trouxemos o menino, uma receita e uma relação de alimentos indispensáveis para o seu pleno restabelecimento. Ele já não chorava mais, sorria. Os comprimidos eram muito caros e as injeções teriam que ser aplicadas durante um ano, de oito em oito dias. No mesmo dia, Fátima anotou o nome do laboratório e fez um apelo a dois representantes conseguindo alguns medicamentos. Na volta, falou a Brasiliano sobre Santa Quitéria, pedindo que ele agradecesse sempre. Ela mencionou o fato a ele. Graças a Fátima nunca lhe faltaram as injeções de Citoneurim e a alimentação de boa qualidade. A comida ia da casa grande. Sempre o almoço completo e, também o leite; e, tudo o que mais precisasse, podia pedir. E assim Brasiliano cou curado graças a Deus e àquela santa que tinha o medalhão na cabeça. Ao ver como a bondade dessa menina ajudou a cura de Brasiliano, quei pensando que orar não é pedir o que queremos; e sim é um


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relaxamento da alma no qual camos receptivos à disposição para aceitar uma vontade superior à nossa. Quando oramos, rezamos e colocamos para fora da mente todas as emoções negativas, possibilitando, assim, o funcionamento dos poderes positivos do nosso caráter, da nossa fé. Entre muitos episódios que não posso esquecer, foi o de um velho que encontramos caído na entrada do engenho Massangana, bem próximo ao busto do nosso querido Joaquim Nabuco. Esse engenho cava bem próximo de onde morávamos. Lá passou os primeiros anos de sua infância o abolicionista e escritor Joaquim Nabuco, amigo dos negros do Brasil. Vale a pena dar uma pausa para falarmos sobre Nabuco. Nasceu no Recife, na Rua da Imperatriz Teresa Cristina, era um rebento de estirpe ilustre e sua família fora inuente entre Senadores do Império. Foi batizado na cidade do Cabo de Santo Agostinho tendo como padrinhos: Sr. Joaquim Carvalho e D. Ana Rosa Falcão Carvalho, sendo esta madrinha de muita inuência na vida de seu alhado, pois desde muito pequeno Nabuco passou a morar no engenho, visto que os seus pais foram para Corte.

Até a morte de sua madrinha no engenho,

conviveu com os negros e viu de perto a crueldade da escravidão, percebendo desde cedo quanto mal tudo aquilo causava ao Brasil. Após a morte de sua madrinha, transferiu-se para o Recife de onde seguiu para Nova Friburgo e, regressando novamente ao Recife, onde fez seus estudos na Faculdade de Direito, escreveu “A Escravidão”. Posteriormente, escandalizou o mundo elitizado ao defender num júri um negro escravo que assassinara o seu senhor. Escreveu algumas obras, entre elas posso citar: “O POVO E O TRONCO, O GIGANTE DA POLÔNIA”, entretanto o seu primeiro livro foi CAMÕES E OS LUSÍADAS. Lutou muito contra a escravidão, chegando a instalar em sua própria residência no ano de 1880 “A Sociedade Brasileira contra a


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escravidão”, contrariando a todos da Corte, que consideravam a escravidão uma instituição indispensável ao desenvolvimento do Brasil. Porém nunca desistiu de seu maior desejo: Tornar livre os escravos. Esteve com o Papa Leão XIII, e lá relatou sua batalha pelo abolicionismo no Brasil. Joaquim Nabuco apoiou e deu sua contribuição à aprovação DA LEI ÁUREA, assinada pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, porém descumprida por muitos longos anos. Nabuco foi eleito Deputado por Pernambuco, e tornou-se colaborador do Jornal do Brasil, fundado pelo saudoso brasileiro Rodolfo Dantas. Participou ainda da Fundação da Academia Brasileira de Letras, que teve Machado de Assis como seu primeiro Presidente, e o próprio como seu Secretário Perpétuo. Faleceu em 1910, no dia 17 de janeiro, em Washington, como embaixador do Brasil naquele país. A casa, a Igreja, e alguns pertences seus e de sua madrinha Dona Rosa permanecem no Engenho Massangana, recordando aos que lá vão visitar a memória daquele homem bravo. Voltando ao velho caído, próximo ao busto de Joaquim Nabuco. Aparentavam ter uns 72 anos ou mais, era magro, estava muito pálido. -Pare! - gritou a menina. Fátima desceu, pegou a mão do velho, balançou-a bastante e tentou abrir os seus olhos. -Está com fome? -Sim – respondeu-lhe o homem, com muita diculdade. Decidimos levá-lo ao hospital mais próximo, porém antes paramos numa barraca e compramos um guaraná e um pacote de biscoito. Dissemos ao desconhecido quem éramos e que queríamos ajudá-lo. No hospital ele foi rapidamente medicado e o deixamos de volta no sítio que cava no lado oposto ao Engenho Massangana. Senhor Oliveira, este era o seu nome, plantava macaxeira para viver e sobreviver. Tinha netos e na


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casa deles tinha muita fome. Ele pediu na hora da despedida que o ajudasse para se aposentar porque não tinha nenhum documento. Ao chegar ao Engenho Penderama, a lha contou toda história ao pai e pediulhe para que providenciasse, junto ao rapaz que resolvia tudo no INSS, e que ajudasse o Senhor Oliveira. Tudo foi resolvido e, após alguns meses, este homem foi aposentado. No dia em que o Banco mandou chamar o mais novo aposentado para receber o seu primeiro pagamento desta abençoada aposentadoria, fomos à casa dele. Muito mato, nada no roçado, lá no meio de tantas mangueiras, pés de jaca mole e jaca dura, um casebre. Meu Deus, quanta má distribuição de renda nesse mundo, uns com tanto, outros sem nada. Estava quase caindo a “meia-água” (casa do interior), sem luz, sem água, sem pão. Miséria total. Dois bancos feitos com madeira de tronco serrados de pés de cajá, faziam os móveis da sala, na cozinha uma mesa escorada com quatros canos de ferro muitos enferrujados, o fogão a lenha soltava uma fumaça que vinha escurecendo as paredes. A panela que estava na única boca do fogo tinha água e uns caroços de jaca sendo cozinhados. Eram seis pessoas, sendo a neta, o marido e mais quatro crianças, todos de barriga inchada, totalmente desnutridos. Um tinha seis anos, outro cinco, outro quatro e o outro que estava na cama tinha menos de um ano, este chorava que era um berreiro só, eu disse: -Cuide que o menino vai dilatar o umbigo de tanto chorar. Veja os umbigos dos outros, meu Deus, do tamanho de uma bola de pinguepongue, que tristeza! Entramos num único quarto da casa e não acreditei no que vi. Um quadro muito velho, pendurado num prego muito antigo com mais de dez centímetros, era o retrato de uma Santa. A Santa com o medalhão na cabeça, senti um frio forte e, imediatamente, perguntei ao Senhor Oliveira


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o nome e aonde ele tinha conseguido aquela imagem. -É Santa Quitéria – respondeu ele - esse quadro pertenceu a minha avó, ela me deu quando eu me casei, dizendo que esta Santa valia aos pobres. Todos os dias, eu pedia a ela para me aposentar e como a senhora está vendo, ela “ordenou”. -Pois bem, Senhor Oliveira, pode ir ao Banco com a sua neta. A neta era uma mulher ainda muito moça, parecia não ter muito juízo. Acredito até que o sofrimento fazia com que ela fosse daquela forma: cabelos sujos, unhas imensas, um vestido todo costurado com linha de várias cores, era um retrato el da pobreza. Ela lavou os pés com meio caneco d’água que estava em cima do fogão, amarrou o cabelo com um pedaço de barbante e disse que já estava pronta, parecia nem se lembrar que tinha lhos e que a criança continuava chorando em cima da cama. Naquele barraco, sem pestanejar, deixou marido e lhos para comer os caroços de jaca certamente como a refeição na hora do almoço. Subiram os dois no carro e os deixamos na pista, onde passava o ônibus para a cidade, entregando na mão de seu Oliveira o dinheiro da passagem de ida e de volta. -Porque qualquer problema no Banco vocês não se aperrearão e poderão voltar – explicou Fátima. E assim, cumprimos mais esta missão. Voltamos para nossa casa onde relatamos tudo à mãe Maura, porém o fato do quadro da Santa era algo inédito, parecia que Santa Quitéria nos guiava e protegia. Essa experiência nos ensinou que a conança em Deus é a solução para todos os problemas humanos. E por obra divina, Santa Quitéria estava mais uma vez presente. Era reverenciada por muitos. DEUS é o bem maior da vida! O SENHOR, Senhor nosso, quão magníco em toda a terra é o teu nome! Durante o período que as crianças caram no internato muita coisa mudou. Tive que repensar minha vida, embora participasse de todos os


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eventos culturais da cidade, de todos os desles cívicos, sempre existia um vazio. Faltava-me aquela criatura decidida, com ideias criativas e muito amorosa, a minha Doce Fátima. Surgiu, então, um momento novo: um programa na televisão Jornal do Comércio intitulado “O Campeonato das Cidades”, era uma disputa das cidades do interior. Tinha um júri e as equipes apresentavam o que tinha de melhor em seus municípios.


Capitul 07


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CAPITULO 07 No dia que Ipojuca foi convocada para se apresentar tivemos a visita dos organizadores na nossa casa, faltavam exatamente trinta dias para Ipojuca ir à televisão. Foram convidar Fátima e seu irmão Eduardo, meus sobrinhos, para representarem a elegância e a beleza da cidade. No início, o pai não quis aceitar. Mas, posteriormente, consultando a mãe Maura e a mim, decidimos que os meninos deveriam ir. Fiquei dias entusiasmada, ansiosa. Este acontecimento novo mobilizou todos os munícipes que desejavam a vitória. Íamos representar toda a beleza de um município rico de cultura e de povo. A costureira veio do Recife para nossa casa confeccionar os vestidos, um foi cor de rosa degradê e o outro foi amarelo cor de ouro. Como Fátima era muito magra e alta, tudo lhe caía bem. As luvas eram bordadas com pérolas cor de rosa, e na cabeça um lindo solidéu. O terno que foi feito para o irmão era cor de vinho. Chegando o grande dia fomos ao Canal 2, no camarim estavam muitos e muitos Ipojucanos, como também os participantes das cidades concorrentes. Ajudei muitos a se aprontarem, porém me dediquei mais a arrumar Fátima. Seu vestido longo cor de rosa cou muito bem na pele morena, parecendo uma sinhazinha. O irmão muito bonito, traços nos, um sinal ao lado do lábio que lhe realçava a beleza mais ainda. Cabelos lisos de uma cabeleira preta invejável e, aos vê-los prontos, sabíamos que seriam vitoriosos. Quando o locutor os chamou, meu corpo tremeu, entretanto eles não se alteraram, parecia até que o palco, as luzes, as câmeras já faziam parte do dia a dia deles, pois deram um show de desle, foram muito aplaudidos e ganharam nas categorias de beleza, simpatia e elegância. A


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nossa cidade venceu. Trouxemos o título de cidade campeã. Quero aqui fazer uma pausa para falar do irmão de Fátima, de nome Eduardo que aos vinte e três anos de idade, no vigor da juventude, faleceu num acidente trágico na cidade de Caruaru. Tinha se casado há quatro meses com Silvana. Tão jovem e muito competente. Foi um dia de horror a morte desse rapaz, tão querido na terra de Santo Cristo. Era o meu xodó, muito bonito, travesso, esperto e sempre fora muito estudioso. Campeão de Natação, gostava muito deste esporte aquático e, nos campeonatos que participava, sempre obtinha o primeiro lugar. Parece que estou vendo na cômoda do seu quarto: troféus, medalhas e certicados que ganhara pelo grande desempenho. Amava a vida, e sua festa predileta era o Carnaval, entre confetes e serpentinas ele gostava do frevo virado e saía todos os anos de máscara, pois era um autêntico folião. No Engenho Penderama, tinha o Maracatu de Nascimento, onde ele acompanhava com os trabalhadores. Dona Zenha carregava o estandarte. Era a ciumenta porta-bandeira, que não cedia seu lugar para ninguém apesar de ter mais de sessenta anos. Antes do bloco sair, eles passavam na casa grande onde a mãe de Fátima mandava preparar todos os anos cuscuz com carne de charque bem assada, feijoada, muita pimenta, farinha e cachaça para todos que ali passassem. Para as crianças eram servidos cachorro-quente e um ponche (refresco). O dono do Maracatu levava cachaça na cabeça e no bolso. O caminhão do rendeiro os conduzia. Saíam para as festanças onde haviam programado anteriormente, era dirigido pelo Senhor Cravo Branco, que era esse seu apelido. Ganhavam o mundo, iam dançar, cantar pela vizinhança afora para arrecadarem alguns trocados. Um dia, contava Nascimento com muita seriedade, que estava desanimado e que não pretendia sair naquele ano, e eis que quando ia cortar cana, apareceu em sua frente uma imagem aterrorizante, que ele


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achava ser a do “demo” em gura de gente. Disse que se tremeu todo e que prometera à gura que todos os anos iria brincar, até que passasse dessa para melhor, contudo, nunca nos quis contar os pormenores deste encontro, dizendo ser coisas misteriosas do Maracatu. Cantava no Engenho e nos seus arruados antes de sair para outros locais. Uma de suas músicas dizia assim: “Dona Maura é prata na, Seu Marinho é ouro em pó, e os lhinhos que eles têm brilham mais do que o sol.” Havia outra canção que ele se referia ao lho Eduardo, irmão de Fátima, pois, além de ser lho do patrão Marinho, era tirador de frente do Maracatu, como dizia Nascimento. Assim era o verso: “Duardo meu patrão, Duardo meu companheiro, venha aqui participar desse Maracatu que veio das bandas de lá, Duardo, ô Duardo, venha aqui com nós dançar”. O mestre, cheio de gingado, mexia muito e caía de quando em quando, sabia manobrar a guiada como ninguém, a vara bem perto do corpo, movimentos lentos e contidos, “o bote ligeiro”, sempre pronto, caso precisasse. A orquestra, se é que podemos denominar aquela banda de orquestra, com seis componentes carregando um bombo e mais dois elementos com caixas de guerra. Nunca soube que autoridades municipais tivessem resolvido subvencionar aquele grupo, e assim, a organização do Maracatu de Nascimento nunca passou, infelizmente, a representar uma identidade cultural do nosso Município. Perdemos aqueles repentistas e aqueles versos. O irmão de Fátima era fã da batucada, fantasiado ia para o


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Carnaval de rua participando do corso sempre ao lado de grandes amigos e do seu el escudeiro Alfredo Lins que também falecera após a partida de Eduardo coincidência ou não da mesma idade e de um acidente de carro menos de 40 dias depois. O corso era o momento preferido da juventude da época. Os jipes abertos sem capota, todos enfeitados, com bolas, ores de papel, serpentinas, charangas, etc. Havia guerra de talco, guerra de ovos, crianças com bomba d’água de plásticos ou feitas de canos. Esse Carnaval, essa festa às vésperas da quaresma católica, tão antiga como o mundo, era vivenciada com grande participação popular em dias tranquilos na cidade do interior. Tinha, ainda, baile no clube, concursos de fantasias e os blocos que saíam disputando os títulos de campeão - “A LIRA, e A MOCIDADE” PAVÃO DOURADO! Cantando marchinha de carnaval. Quem quiser que se meta para ver se não apanha... Minha volta é cruel... Pavão Dourado e quem ganha. Botei meu bloco na rua, para dar o que falar... Estas línguas faladeiras... Quem quiser que se meta... Nezinho, autor da marchinha e presidente, era “louco” pelo carnaval e pelo seu bloco. O grande organizador deste carnaval de rua, homem muito vivido, ex-combatente do Exército Brasileiro, amava a cultura e gostava muito do Carnaval. Nesta disputa saudável que motivava a participação de todos, dos comerciantes, dos feirantes e de gente “da alta”, mobilizavam e animavam muito a cidade. Aos dezesseis anos, ele participava ativamente da vida festiva, tanto do seu município como dos municípios vizinhos, viveu intensamente sua adolescência e partiu muito cedo, deixando muita


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saudade e lembranças inesquecíveis. E os dias se passaram, os anos se foram. Tudo muito rápido.


Capitul 08


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CAPITULO 08 A vida nos separou quase por completo, não participei da formatura de professora daquela menina que eu tinha alfabetizado com tanto esmero e dedicação: Fátima; sabia que o pai Marinho não queria essa formatura, porque o salário de professor neste país é vergonhoso. Tinha conhecimento do ordenado da mãe Maura e do meu também. Ganhávamos uma miséria. Ele queria que ela fosse uma médica e de fato ela prestou o vestibular para Medicina e para o curso de Pedagogia também. Aprovada no vestibular, resolveu seguir a carreira de professora, contrariando a vontade de seu pai. Porém, ela havia sido criada entre seis professoras. Seria, pois, coisa do destino? Soube, também, do seu casamento com um jovem da capital de nome Eduardo (mesmo nome do seu irmão) realizado no Convento do Senhor Santo Cristo de Ipojuca. Os convites foram distribuídos para toda a cidade, ricos e pobres, até a moça que vendia confeito recebeu aquele papel apergaminhado com letras douradas. Dentro de um caderno guardo o meu convite. Tomei conhecimento de toda a cerimônia, nunca se vira naquela terra tantas autoridades e tantas pessoas humildes reunidas no mesmo lugar. Foram dose damas de honra, todas com vestidos brancos bordados com rosas vermelhas e os rapazes estavam vestidos impecavelmente com paletó cor de vinho. A cerimônia foi muito caprichosa, nada faltou, sendo a recepção no clube da cidade. Passaram-se alguns anos, quando, por ocasião do destino, encontramo-nos. Já fazia, aproximadamente, mais de dez anos de ausência completa. Neste período, casei-me, tive uma lha dessa união, cursei Odontologia ... não dava para ser professora. Não fui feliz, mas eu sei que em toda adversidade existe a semente de um bem equivalente ou


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maior: os milagres. No casamento, a exemplo do meu primeiro amor da juventude, fui traída. Parecia mesmo que casamento não era o meu forte, os homens não me mereciam, tenho certeza disso. Era uma tarde de sexta-feira, Dia de Tiradentes, e eu estava num sinal de trânsito, dirigindo meu fusca marrom quando a revi. Reconheci na mesma hora com aquele olhar penetrante, olhos azulados. Chamei-a, descemos, abraçamo-nos, choramos e, com certeza, tínhamos muitos assuntos para tratarmos. Em poucos minutos, ela me contou o que zera de sua vida. Tinha três lhos, trabalhava muito para ajudar na manutenção da família. Eu, muito chorosa, disse-lhe que sonhava muito em revê-la e abraçá-la, pois dediquei muito mais atenção e amor a esta menina que a minha própria lha Janaína, visto que trabalhava em três turnos lecionando em São Lourenço da Mata e, este excesso de trabalho, impedia de dar a verdadeira assistência à minha lha. Depois de muita conversa e troca de carinho, quis saber seu endereço, pois gostaria de car mais uma vez acompanhando a sua vida. E foi o que aconteceu, quei bem próxima de Fátima. Com o passar do tempo percebi o quanto continuava religiosa. Nas escolas onde trabalhou fazia homenagens à Nossa Senhora. Realizava o terço no mês de Maio e fazia com que a imagem da Santa visitasse todas as salas de aula e, no último dia, fazia a procissão pelas ruas da comunidade, onde a participação era grande, tanto dos alunos como dos professores. Em agosto, no dia quinze, ela comemorava, também, a ascensão de Nossa Senhora ao Céu. Sempre às quintas-feiras, gostava de usar a cor vermelha e rezar muito para o Divino Espírito Santo, relembrando assim os ensinamentos de sua avó paterna, mulher religiosa, fervorosa e devota ao Divino Espírito Santo. Os anos se passavam, e Fátima fora, mais uma vez, residir na zona


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rural. Desta vez, foi morar num sítio no Município de Paudalho. Nesse local, conheceu Dona Maria. -Onde conseguiu esse quadro? Perguntou-lhe Fátima -Foi em Juazeiro do Norte – respondeu – onde todos os anos participo das romarias organizadas para visitar o Padre Cícero. Neste Sítio, denominado desde o dia da compra e em toda documentação como Fazenda Dadau, uma homenagem feita por Fátima ao irmão que morreu num acidente de carro, era um lugar bonito. Árvores centenárias e uma mata natural. Numa determinada quadra de terra, Dona Maria e Fátima rezavam um terço nas sextas-feiras à tarde. As duas mulheres sedentas de graças e benefícios rendiam uma simples homenagem semanal a esta Santa que intercede junto a Deus Pai pelos pobres e aitos. Rezavam pela saúde do seu pai Marinho, que sofria de diabetes, ele teve edema pulmonar e problemas circulatórios muitos graves. Em virtude de tantas complicações, acabou falecendo no hospital depois de amputar por duas vezes a perna esquerda. Partiu o pai de Fátima, meu amigo. Morrendo o pai, morremos um pouquinho de nós. Foi muita tristeza e muita dor ao ver partir alguém tão especial, tão caridoso. Ele dizia que a maior caridade que um cidadão podia fazer neste mundo era dar de comer a quem tivesse com fome. Era um homem de “barriga cheia”. Sua presença entre nós era como um aviso de chuva para molhar a terra seca. Que Deus o tenha em SUA innita bondade, meu velho amigo. Foram dias intermináveis. Muito sofrimento, muita saudade. Após a morte do marido, minha amiga Maura iniciou a arrumação das coisas bem guardadas, e queria se desfazer de muitas recordações e de coisas imprestáveis que a maltratava. Caixas velhas foram desarrumadas com a ajuda de Sevé, a lha quase de criação. Dedicada, ajudava nesta enfadonha tarefa. Sevé era muito falante e, toda fotograa que


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encontrava, sabia contar a história. Morava com Maura desde os sete anos

de idade. Nesses pertences, numa caixinha velha, com mais de trinta anos, empoeirada, rasgada, desbotada pelo tempo fora encontrada a Santa que ela recebeu das mãos do Doutor no dia da angústia, da doença de sua filha, e que ela há muito procurava. A Santa estava do mesmo jeito, porém a vida de Maura estava completamente diferente, pois tinha perdido o filho, muito querido, e ela dizia que a dor era indescritível, e acabara de perder o seu marido, pai de seus quatro filhos, seu primeiro namorado, seu p r i m e i r o a m o r. L á g r i m a s desceram pelo seu rosto ainda jovem, uma mulher morena muito bonita, porém castigada pelo sofrimento. Olhando para a Santa, como se quisesse pedir outro milagre, parou no tempo e no espaço, relembrando muitas passagens de sua vida e também recordando a primeira vez que a foto da imagem de SANTA QUITÉRIA MILAGROSA surgiu em sua vida. Parou. Não acreditou naquela situação que estava vivendo. Muito pensativa, cou idealizando novos momentos para sua lha que algum tempo atrás recebera o nome de Fátima. Todos se lembravam daquele episódio que ocorreu há muitos anos no bairro de Afogados no Recife, onde o médico entregara aquela imagem. Fechou os olhos e parecia estar passando em sua mente nítido e verdadeiro um lme, um lme mesmo... “esta imagem eu ganhei quando estive em Portugal, e pedi a esta Santa por esta criança”. – Meu Deus, não é possível! A Santa que tínhamos


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recebido do médico era a MILAGROSA SANTA QUITÉRIA. Há mais de trinta anos aquela imagem guardada, e no engenho tinham-no dada por perdida. Agora havia encontrado. Que bênção, ela exclamou emocionada! A partir daí, senti que precisava imediatamente contar este fato novo para FÁTIMA. Seria então para ela ser chamada de QUITÉRIA? Percebi, naquele momento, que todas as vezes que vimos a Santa no percurso de mais de trinta anos era um lembrete el de que SANTA QUITÉRIA havia feito o milagre naquela ocasião de dor,

desgosto e muito desespero. Comecei a fazer um retrocesso de todas as vezes que tínhamos visto a Santa, como: no engenho Saco, na rua do Imperador, no Engenho Massangana, quando me mudei para o Engenho Penderama, na Santa que Dona Maria trazia para o terço. Dona Maria, que tinha muita fé, despertoume para olhar com firmeza esta imagem. A partir daí, contou a poucas pessoas, às mais ligadas a família, a história que ocorrera e chorou muito, dizendo que, se fosse possível, mudaria o registro da menina. E foi neste momento que FÁTIMA tomou conhecimento, pela primeira vez, de toda sua história. Já era anos 80 quando relatamos todos os acontecimentos. Como era muito religiosa, sabia perfeitamente dos desígnios de Deus. Acreditava muito no amor do Senhor, e sempre com grande reverência fazia suas orações. Temos que pedir tudo a Deus com amor. Se amarmos, seremos capazes de servir. Deus nos fez para coisas maiores – Amar e ser amado. Eram essas as palavras rotineiras do seu linguajar.


Capitul 09


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CAPITULO 09 Após tomar conhecimento, Fátima que era para ser Quitéria, buscou conhecer as histórias e os locais onde as pessoas eram devotas da Santa. E soubemos do secular município de Santa Quitéria, no Ceará. No Nordeste do Brasil está o Ceará, banhado pelo oceano atlântico numa extensão de mais de quinhentos quilômetros. O município de SANTA QUITÉRIA é secular. Fomos até esse local movido pela Fé de um povo humilde, sincero, honesto. Pessoal amável, gente hospitaleira. Ao chegarmos bem próximo à cidade, paramos no povoado e lá encontramos Lúcia (para os vizinhos e moradores: LUIÇA). |Esta era devota da Santa. Sabia tudo o que ocorrera e ainda ocorria naquela terra. Começou a nos contar: “Aqui eram engenhos, com muitos escravos. Trabalhava-se pesado. Tudo uma mata só, muito verde, muitas plantações de cana – de- açúcar. Mina, minha tia que me criou, como também meus seis irmãos, pois minha mãe morrera quando eu tinha dois anos, falava muito dos poderes de Santa Quitéria. Aqui tem o Rio Jurucutu”. Jucurutu eram aves pretas de penas muito escuras e aveludadas, com papo amarelo, de um amarelo ouro da cor das primeiras barras encontradas nas minas por nossos ancestrais. Essas aves, quando apareciam em bando, traziam anúncio de fartura. Diziam que a Padroeira veio parar aqui devido a um pagamento de promessa em favor da vida do lho do Capitão João Pinto de Mesquita, dono das terras próximas ao Rio Jacurutu. Esse lho teve um grande amor e foi raptar a moça que era lha de um poderoso e valente senhor de engenho. Era determinado e foi cumprir o que prometera. Lá chegando, encontrou sua doce amada e,


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num abraço de felicidade, esqueceram o mundo. O pai da moça era ditador. Não sabia ele que havia caído numa armadilha. Muitos jagunços armados cercaram todo o local e ele, então, caiu num buraco escuro, profundo. Tomado de pavor e de angústia, gritou o nome de SANTA QUITÉRIA e pediu que Ela o livrasse da morte. E, por milagre, apareceu uma corda onde ele se segurou e, com astúcia e coragem, atingiu a superfície. Passou uma noite em busca dos seus companheiros, empregados do seu pai que vieram acompanhando-o nesta empreitada e, nalmente, achou e retornou sem sua amada para o Ceará, já que estava em Pernambuco. Viajou de volta à sua terra natal e logo ao chegar contou ao pai o milagre de SANTA QUITÉRIA. Seu pai, homem devoto e cristão, cou muito feliz pelo lho ter voltado com vida, pois bem sabia do perigo que correra em Pernambuco. Decidiu construir uma capela às margens do Rio Jurucutu em agradecimento à Santa. Antes da Igreja ser concluída, encomendou em Lisboa, Portugal, uma imagem da Santa. Essa chegou de navio até o Porto do Recife e veio para o Ceará nos lombos dos animais e nas costas de escravos. Lúcia sabia muito, porém não tinha as datas exatas dos acontecimentos. Contou-nos, também, muitos milagres que agora relato dois: É o de uma senhora que sua lha de oito anos caiu dentro de uma cacimba atrás da casa de sua vizinha. Que hora de horror! A cacimba estava cheia. A menina tinha ido buscar água com o caneco preso a uma corda e escorregou. A vizinha presenciou toda aquela cena estarrecedora e foi ela mesma quem alarmou. Desceram alguns homens pela borda da cacimba, uns segurando nos outros, e nada achavam. Foi juntando gente, eram gritos de terror. Não havia jeito, até que, de repente, uma senhora de origem sertaneja, de estilo brejeiro, chegou correndo e tinha nas mãos um


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quadro numa moldura de madeira, estendendo o quadro ao céu, fez o pedido com muita Fé: “Valei-nos, SANTA QUITÉRIA, salva a menina Mirtes, em nome de Jesus”. Ao dizer estas palavras, apareceu na beira da cacimba um bracinho magro e cheio de lama. Um homem chamado Josué, acostumado a pescar no rio, mergulhou e levantou a criança completamente desfalecida, quase morta. Foram gritos de louvor, de agradecimento. A mãe de Mirtes não suportou tanta dor e desmaiou. -Foi um milagre! - o povo gritava, e gritava bem forte o nome de SANTA QUITÉRIA. Tudo isso aconteceu num povoado da cidade de Palmeira dos Índios. Depois do caso passado, os vizinhos se reuniram para render graças à Santa, decidindo rezar a Novena durante o mês de setembro. Todos concordaram e algumas pessoas mais fervorosas copiaram as orações que a cural Dona Maria Bernardo que tinha anotado num papel de cor já amarelado, sendo esta a Oração. Salve SANTA QUITÉRIA! Ó Virgem Santa Quitéria, gloriosa mártir revelada por Deus ao mundo, neste tempo desgraçado para avivar a Fé, sustentar a esperança, avivar a caridade. Aqui me tendes prostrado a vossos pés (todos se ajoelham), diante de uma protetora por mim escolhida. Dignai-vos Santa Virgem e me conceda pela vossa intercessão junto a Jesus Cristo, nosso Salvador, o perdão de minhas culpas, que eu me torne digno de ir viver convosco na Glória de Deus Onipotente. Amém. Lúcia sabia da vida difícil que se levava naquele povoado, muito trabalho e pouco comida. Crianças doentes e idosos sem remédios. Os chás eram a valia para dores diversas. Às vezes seus olhos cavam cheios de lágrimas. Gostava dali, tinha muita vontade de ver toda a população feliz! O milagre que soube em Alagoas contava para todos, ela queria que


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os vizinhos, amigos e inimigos até tivessem fé, temessem a Deus, adorassem o Criador! Falava também de uma menina que nascera de sete meses. Um parto difícil; a menina nasceu doente. Parecia mesmo um anjo, criatura de Deus, tinha em sua volta um brilho que não se explicava. Deus aparece diante desses anjos. Um dia a mãe estava de lá para cá com essa criança que se ardia em febre, dava passos largos na pequena sala e, de repente, tropeçou. A criança caiu dos seus braços em direção a quina da mesa, mas, por incrível que pareça, essa menina não caiu no chão. Perplexa a mãe cou ao ver uma moça de preto com um medalhão na cabeça segurando a lha para que ela não batesse a cabeça. A mãe sentiu um arrepio e só chorava, viu aquele anjo, aquela Santa salvando sua lha! Passou-se algum tempo e a mãe da menina foi a um batizado na Igreja de SANTA QUITÉRIA, ela nunca havia ido antes, levou consigo sua lha que a chamava de “anjo”. Ao chegarem lá, foram ao altar. A mãe derramou-se em lágrimas dizendo que a moça de preto que segurara sua lha era aquela do altar, SANTA QUITÉRIA, ela tinha certeza! E assim se ajoelhou a entregou a lha a Virgem Mártir e decidiu batizá-la com o nome de Quitéria. Nós, católicos, acreditamos que ao nascermos recebemos um “anjo da guarda”, um companheiro de todas as horas e para ele devemos rezar e pedir cada vez mais quem os fortaleça. Crianças católicas sabem a Oração do Santo Anjo. Santo Anjo do Senhor Meu zeloso e guardador Se a ti me conou A piedade divina Sempre me guarde,


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Me governe, me ilumine, Amém. Os anjos são seres “brilhantes de luz”, é uma proteção oferecida a todos. Os quatro arcanjos mais conhecidos são: Rafael, Miguel, Gabriel e Uriel. Os anjos e arcanjos são subordinados a Deus. Lúcia dizia: “Não foram muitas as pessoas a quem contei esta história. Tinha medo que minha família risse de mim ou pensasse que eu estivesse sofrendo alucinações ou delírios. Tudo aconteceu muito rápido e só a mão de Deus para salvar nosso anjinho. Já se passaram mais de vinte e seis anos desse acontecimento, mas nunca esqueci”. São as respostas às orações, a devoção! Foi neste momento em diante que soubemos da existência da Casa de Misericórdia e Devoção de Santa Quitéria, no povoado de São João no Município de Garanhuns, a 260 Km do Recife, trazida de Portugal, há mais de um século, por uma família devota. Então, eu quis saber mais sobre a história dessa mártir e foi quando encontrei um padre que morou um tempo em Garanhuns e visitava muito o Centro de Devoção, fazendo anotações diversas sobre os milagres, sobre os romeiros, sobre aquele lugar. Contou-nos que SANTA QUITÉRIA, a Virgem e Mártir, nasceu em Portugal, na Província Entre-Douro e Ninho, lha do Presidente de Galícia, Lúcio Castélio, Homem rico, casado com Cálsia, que de um parto só deu à luz a nove lhas. A mãe, Calsia, temerosa e admirada com tão prodigioso parto, e sabendo que seu marido só queria lho varão, ordenou à parteira que matasse todas as suas nove lhas, lançando-as no rio, para


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que seu esposo nunca julgasse casta a sua honestidade, nem pensasse que ela não poderia dar-lhe um lho homem, como era seu maior desejo. Porém, a Divina Providência dispôs outra sorte. A parteira era cristã e se chamava Sila e não se atreveu a executar a ordenada tirania daquela mãe, dirigiu-se ao arcebispo de Braga Santo Ovídio, que vivia com os cristãos nos arrabaldes daquela cidade, informou o caso e entregou as nove meninas para que as desse a crer, a educar a mulheres cristãs, e assim ele o fez. E mulheres piedosas, tementes aos poderes de Deus as batizaram com os nomes de: Generosa, Liberata, Vitória, Eumélia, Germana, Gemma, Marsia, Basília e Quitéria. Todas foram santas, dedicaram-se à Igreja, à caridade, e viveram nos conventos, atendendo aos desígnios de Deus. É como diz o provérbio popular: “Todo mal traz um bem”. Quando chegaram à idade da razão, souberam que eram irmãs e que foram livres da morte, porque tudo lhes contou a parteira que sempre as visitava; elas, agradecidas, consagraram a Deus a sua virginal pureza e prometeram passar a vida nos santos exércitos da virtude. Trataremos, nesse momento, de Quitéria que é a mais celebrada entre os portugueses, espanhóis e brasileiros, e que ainda presentemente opera grandes maravilhas em diversas partes deste reino e de outros países. Publicou-se, naquele tempo, um edito do Imperador Romano que fulminava a cruel morte contra todos os cristãos que não quisessem adorar os seus deuses. O que sabido por Quitéria e suas irmãs se alegraram pela ocasião que lhes oferecia, de poderem derramar o seu sangue em conrmação da fé que professavam. E nesta pia consideração se preparam todas com fervorosas orações, pedindo a Deus Misericordioso vigorosos esforços para poderem sofrer todos os tormentos.


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Chegando, pois, os imperiais ministros que positivamente as procuravam, pela singular reputação, em que todas as tinham, as conduziram ao juiz daquelas causas que era então Lúcio Attílio, seu próprio pai. Este, vendo todas tão belas e de uma mesma igualdade, quase cativo de sua formosura, perguntou logo pela qualidade do seu sangue e pela fé que professavam; ao que respondendo Genebra, em nome de todas, prontamente lhe disse: “A qualidade do nosso sangue, Senhor, é toda a Vossa, pois somos Vossas lhas. Porém, o de que mais nós nos prezamos é sermos esposas de Jesus Cristo, cuja lei seguimos”. Atônito cou Attílio, não acabando de acreditar o que ouvira da santa donzela. E chamando Cálsia, sua mulher, para inquirir sobre a verdade do caso: elas que estavam bem instruídas lhe declararam toda a tragédia, que houve na ocasião do seu nascimento, o que a mãe não pôde negar. E, assim, foram admiração e alegria para o pai e para o restante da família. Disse-lhe o pai: é grande o meu prazer em vos receber por minhas lhas. Porém, rogo-vos que não degenerando da religião dos vossos maiores, sigais a veneração dos nossos deuses. A isto, respondendo Liberata, dizendo em nome de todas: Devemos muito ao senhor que é o nosso pai natural, porém devemos muito mais a Jesus Cristo, que por Sua bondade e misericórdia, nos livrou da morte temporal e eterna. E, por isso, a Ele só conhecemos por nosso Deus e, estamos todas resolutas a dar por seu amor até as nossas próprias vidas. Enfurecido o pai com essa resposta, recorre à violência jurandolhe pelo deus Júpiter, que se não tomarem o prudente acordo de lhe oferecerem sacrifício, deporia o amor de pai e as trataria como tirano. Nenhumas impressões zeram estas ameaças no espírito e no coração das nove irmãs, antes conservando-se rmes e fortes na fé se mostraram mais alegres e fervorosas. Elas expressaram ao próprio pai que não cariam na religião dele, idólatra, e que mais prezava nesta vida não era o sangue que


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corria em suas veias, e sim a alma, e esta pertencia a Jesus Cristo, a quem adoravam e veneravam. Todavia, as nove irmãs muito mais unidas e fervorosas do que nunca, recolheram-se imediatamente em seus aposentos e pediram a Deus que lhes desse força, perseverança e muita fé nesta batalha sórdida. Pediram, ainda, ao Divino Espírito Santo, que as iluminasse nas decisões futuras. Assim, caram rezando por algum tempo, foi quando apareceu um anjo, e num instante pedia que elas se retirassem daquela casa, e com este aviso superior, elas acreditaram que chegou o sinal da REDENÇÃO. De repente, todas as portas se abriram e elas tomaram cada uma o seu destino, seu rumo, que o Espírito Santo as fez sentir, livrando-as da tirania do pai. No dia seguinte, logo ao amanhecer, o pai sentiu a ausência das lhas, e muito revoltado, deu ordens a vários homens para procurálas por toda parte, para quando achá-las, prendê-las e castigá-las. Depois de alguns dias de muita busca, voltaram apenas com uma delas, e essa era Quitéria. Foram muitos dias de diligências, sem alívio, pois tinham que cumprir a ordem do Senhor Lúcio. Chegando em casa, Quitéria foi recebida com muita aspereza pela família e muito desprezo por parte do pai, que a todo custo queria que ela informasse onde andavam as suas irmãs. Esta, chorando muito, dizia que nada sabia, apenas que o mesmo Senhor que as havia salvado também, havia as encaminhado para várias terras. Passado esse momento, o pai de Quitéria passou a tratá-la com particulares consolações, até como uma pessoa querida na família, permitindo que ela se recolhesse para todas as suas orações matinais, diurnas e noturnas, o que fazia muito bem a sua alma inquieta e sedenta de explicações superiores. Quitéria não estava satisfeita com esse recolhimento doméstico, e obteve permissão do pai tirano para se recolher e ir ao MONTE ORIA.


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Um dia, estando Quitéria em oração no Monte, apareceu-lhe um anjo que lhe disse: “Ditosa, bem-aventurada, és tu que mereceste ser agraciada por Deus, e venho a mandado do Pai, dizer-te que é a sua vontade viveres algum tempo solitária no Monte Oria, onde te exercitarás, em oração e em meditação”. A Santa donzela obedeceu, e sempre visitada por anjos, já temia que essa vida quase celestial ndasse, e foi o que aconteceu. Certa manhã recebeu uma mensagem para ir de volta a sua casa ter com os seus pais. Receberam-na com alegria e resolveram que deveria imediatamente se casar, o escolhido tinha sido Germano. Quitéria chorou muito e pediu a Deus que a livrasse daquele perigo. No mesmo momento, um anjo consolador foi enviado e a fez sair de casa novamente. Desta vez, Quitéria foi para a cidade de Alfragia e lá recebeu a coroa do martírio. Sabendo então, Lúcio Castelo que Quitéria tinha fugido acompanhada por trinta donzelas do reino que desejavam se converter a fé cristã, e este sendo idólatra, cheio de ira mandou Germano, juntamente com homens fortes e perversos sem temor nenhum a Deus, buscá-la. Amanhecendo, então o dia do seu triunfo, chegou Germano ao Monte com muita gente armada, entrando a procura da Santa, deu ordens a todos que o primeiro que a encontrasse lhe tirasse a vida. Dando ele próprio com ela prostrada em oração o perverso Dumano, (o qual sendo cristão tinha abandonado a fé por conveniências terrenas) lhe intimou a ordem que trazia do pai. E respondendo a Santa que estava pronta para sacricar a sua vida. Quitéria não aceitou as ordens e assim foi executado o crime com um facão, de um só golpe lhe separou a cabeça do corpo.


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Germano decapitou-a, e, após ter a cabeça cortada, sua alma foi receber a coroa de “Virgem e Mártir” na gloriosa mansão celestial. Desceram logo dos céus muitos anjos contando-lhe a vitória e dizendo em voz sensível e SANTA QUITÉRIA ouviu do Céu o canto dos anjos dizendo: “Levanta-te, Quitéria, e leva a tua cabeça ao corpo. Segue para o lugar reservado por Deus à tua sepultura”. A Santa, como se viva estivesse, tomou em suas mãos ensanguentadas a sua própria cabeça e andou assim pelo espaço de meia légua até à Ermida de São Pedro, onde, pelos éis que ali estavam, foi sepultada. No local onde enterraram Quitéria foi construída e está, até hoje, a Igreja de São Pedro. Do túmulo surgiu uma fonte milagrosa que, segundo Padre Antônio, a água corre sem cessar. Para lá viajam peregrinos de todos os lugares em busca de socorro da Santa junto ao Deus Pai, então se conrma, mais uma vez as palavras do Mestre Jesus Cristo: “Se o Grão de Trigo não cai na terra e não morre, não poderá produzir frutos”. E assim, foi Santa Quitéria Martirizada, derramou seu sangue pela fé. Do Sepulcro Deus poderoso criador do céu e da terra, operou e opera milagres, por sua valiosa intercessão. Seu martírio foi no dia vinte e dois de maio no ano 100 de Nosso Senhor Jesus Cristo.


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Capitul 10


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CAPITULO 10 Reexões Doutrinais Heroica foi, quanto se não pode bem compreender a generosidade, virtude e sabedoria da ilustre virgem Santa Quitéria: Porque uma donzela, nascida de pais sem religião, enriquecida das mais insignes qualidades e pretendida para esposa pelos príncipes mais ilustres, antepor a estas egrégias circunstâncias o humilde estado de ser serva de JESUS CRISTO, contra a opinião do mundo! Grande nobreza de espírito! E que prudente modéstia nas suas inúmeras respostas, que sábia indústria em converter almas, e quão valoroso o seu ânimo em oferecer a garganta ao cutelo. Queremos milagres para animar a nossa FÉ e consolidar a nossa perseverança. Contudo, que milagres mais convincentes nem exemplo mais ilustre, que o desta admirável Santa? Se os seus prodígios e instruções que tanto contribuíram para a conversão de muitas almas, nada nos comoveu: Seremos semelhantes aos pagãos que cavam e cam sempre insensíveis e obstinados na sua cegueira à vista das maiores maravilhas??? Na verdade, está no sussurro do vento, no murmúrio das ondas, no estrondo do trovão, no fenômeno da chuva, no aroma das ores, no calor do sol, no ar que inalamos, no coração que bate, no sono de uma criança, no despertar da manhã, na inuência da lua, no céu noturno...Nesses mágicos momentos temos a certeza que ELE existe. Que ELE é Poder. Deus é LUZ! É Pai providente. Pertencemos a ELE. Do sepulcro de SANTA QUITÈRIA, DEUS fez muitos milagres por sua valiosa intercessão. SANTA QUITÉRIA é reverenciada em Toledo, onde existe uma


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Capela dedicada à Gloriosa Santa Quitéria, muitos éis vão pagar suas promessas. Noutro local, Marjolisa, existe uma antiguíssima igreja, denominada: Igreja da Milagrosa Santa Quitéria, junto a uma serra, e lá também existe uma Fonte, e nestas águas, sempre se registram muitos milagres, bebendo-se a água e invocando o nome dela, há curas de várias enfermidades. Esta Igreja é muito visitada por pessoas mordidas de cobras de que ela é particular protetora, e estas cam curadas. Na Espanha, em Singuenzza, está o corpo de sua irmã, Santa Liberata, que é a Padroeira daquela cidade, e das outras sete irmãs existem notícias e memórias de diversas partes da Espanha, que as celebram e as veneram. Para todas, a causa da separação uma das outras, foi para que seus pais não cometessem o crime de sujar suas mãos com o sangue das próprias lhas. Pois elas preferiram o martírio a conviver com esses monstros vivos. Esta é a história que soubemos da vida heroica de Santa Quitéria, onde se conrmam milagres e, naquele período, são registradas aparições. Dizem que está escrito que ela apareceu a uma pastorinha naquele lugar, onde fora sepultada, pedindo que erguessem uma ermida de sua invocação sobre as antigas ruínas de São Pedro, lá a mesma Santa opera grandes maravilhas. Segundo escritos do Padre Francisco de Jesus Sarmento, Santa Quitéria é, pois, venerada em muitos lugares como mártir. Seu nome está espalhado e divulgado não só em Portugal, onde teve a sua origem gótica, mas também na Espanha e no Brasil. Trijillo em Tesauro Concionate, Tom II Martirológio Romano, e Barônio em suas anotações. Só em aparecer, os prodígios admiráveis da natureza, vemos no monstruoso parto de Calsia, pois de uma só vez, coisa raríssima, uma mulher deu à luz 9 lúcidos astros que como venera a Igreja em suas nove lhas. Quem diria a Calsia que tal


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monstruosidade da natureza encerrava outra monstruosidade de Graça Divina, que previnha de tão abundante parto para superabundar mais, escondendo-se o mistério da ordem de Calsia, de lançar no rio as 9 crianças, que foi o mesmo que mandá-las batizar, sem querer nem saber o que fazia??? Porém os desígnios de DEUS são ocultos e de poucos sabidos. Mencionado pelo Padre Antônio Manso. No nosso país, esta Santa é venerada em diversos estados: Ceará, Pernambuco, São Paulo e outros locais, como Aparecida do Norte. No Ceará, na cidade de Santa Quitéria onde a Virgem é idolatrada. Em Pernambuco, nos municípios de São João, Paudalho e outros. Vários romeiros de diversos locais vão prestar suas homenagens e reverendar Santa Quitéria nestas comunidades, além de pagarem suas promessas pelas graças alcançadas. O auge da devoção a esta santa milagrosa realiza-se em um local chamado Centro de Devoção, no distrito de São João, município de Garanhuns, local onde ela é conhecida como “Santa Quitéria de Frexeiras”. A Festa anual é comemorada no dia oito de setembro, data da chegada da imagem da Santa à Frexeiras. Santa Quitéria é um povoado que cresceu em torno do Santuário da localidade, que recebeu o mesmo nome. Um médico português, muito religioso, no m século XVII, quando veio com sua família, trouxe consigo a imagem de Santa Quitéria, que era herança de sua família. E, ao chegar neste povoado, iniciou com seus vizinhos a devoção à Santa. A imagem se encontra até os dias presentes no Santuário, coberta por correntes de ouro doadas pelos devotos e é a mesma imagem trazida de Portugal há três séculos. O referido Santuário foi construído há muito tempo, no entanto várias ampliações ocorreram. Existe um local determinado para acender velas e outro para os penitentes e pagadores de promessa trocarem as suas vestes, quando a


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promessa exige deixar a mortalha, ou a batina. Esta mortalha, segundo antigos, tem que ser na cor preta onde se diz que a Santa cara viúva antes de casar-se com Jesus Cristo. Santa Quitéria é a única imagem que existe neste altar. As paredes são recobertas com fotograas de pessoas recuperadas de doenças, crianças, cerimônias de casamento, gente com roupas de formatura, fotos de cavalos, automóveis, motocicleta, etc. Cada fotograa representa - com certeza - uma graça alcançada. Alguns relatam as graças nas fotos, outros não. Existem muitas muletas, pernas, braços e cabeças, em cera e em gesso, os chamados ex-votos, teses, tranças, etc. Tem um museu próximo ao Santuário com grandes Imagens, sendo bem familiares ao povo sofrido do Nordeste, como relatou muito bem o Padre Alexandre. A construção é de taipa, sem forro, e com piso de cimento. As pessoas que vão visitar o Centro de Devoção contam seus sofrimentos, angústias, alegrias, graças recebidas e, assim, contagiam com fé os devotos próximos e até mesmo os que estão distantes. Os romeiros de Santa Quitéria são homens e mulheres, na sua maioria, pobres que trabalham na enxada ou em empregos domésticos. Povo sem salário xo, e outros com os salários irrisórios. O que eles têm de grande mesmo é a FÉ! Os visitantes vêm a pé, de ônibus, caminhão, caminhonete, sempre em romaria. Eles vêm pagar suas promessas, e a promessa desempenha assim um papel fundamental na romaria e na religiosidade. Também existem aqueles romeiros que visitam a Santa e são ligados a grupos espíritas. Muita fé entre os éis. Este sincretismo religioso se refere aos devotos de Iemanjá, à poderosa Santa deusa do mar. O poder do milagre é que faz o romeiro, o pobre doente, aito, viajar léguas para pedir, implorar e depois voltar


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para agradecer os milagres recebidos! Lá chegam também pessoas com “posses”, com dinheiro, chegam em carros bonitos, roupas elegantes e entram no Centro para recorrer a nossa Milagrosa Santa, e voltam para pagar a promessa. Eles são dos mais importantes Municípios vizinhos de São João: Garanhuns, Bom Conselho e Canhotinho.

Garanhuns é conhecida como a cidade das ores, e é também chamada a Suíça Pernambucana, devido ao clima serrano. Canhotinho, cidade que ca logo ao leste, uma terra de gente trabalhadora que se desdobra na confecção de peças artesanais, como panelas de barro e tecidos bordados à mão. Tem, neste município, a Cachoeira do Urubu, que é ponto turístico, e dizem que os ruídos das águas lembram a zoada do voo desta ave de rapina. Diziam os antigos que os urubus se banhavam em bandos naquela cachoeira, desmentindo assim o que todos dizem e armam que urubus gostam de sujeira e de


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carniça. Bom Conselho, outra cidade, é conhecida pela sua famosa gruta do Bulandia, que remonta à época dos holandeses, onde há alguns anos foi achado um cemitério com muitos fósseis da era pleistocênica, que se refere à época cenozóica, período em que o homem surgiu na terra, e este acontecimento se tornou uma atração histórica e turística neste município, ca aproximadamente a 350 km da capital. A festa mais importante desta cidade ocorre no dia sete de setembro, quando também se comemora a data da Independência do Brasil. Alguns romeiros que vêm de mais distante visitam Caruaru, terra do mestre Virgulino, de artesanatos do Mestre Vitalino, roupas de couro da famosa feira de Caruaru.


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Nova Jerusalém ca um pouco mais adiante e lá é encenada todos os anos a Paixão de Cristo, no maior Teatro ao ar livre do mundo. Toda região é muito rica em comidas típicas e os folguedos juninos são, indiscutivelmente, os mais organizados e bonitos do Nordeste. O município de São João é visitado e conhecido, devido aos religiosos que buscam com fé o refúgio no Santuário de Santa Quitéria. Existem muitos milagres registrados em papéis soltos, em cadernos amassados que muitas vezes narrados verbalmente por pessoas mais antigas que residem lá, e outros anotam para car o registro. Criaturas doentes que caram completamente curadas, pagando as suas promessas, percorrendo de joelhos todo o Santuário, sempre de mortalha preta. Uma senhora conta que tinha uma lha com sete anos de idade é que esta não falava nenhuma palavra. A mãe da menina fez a promessa para passar três vezes debaixo do altar de Santa Quitéria, vestida com a mortalha preta, levando um cordão para colocar aos pés da Santa. Passados alguns meses a menina começou a falar tudo! Um Milagre! Este outro depoimento ocorrido há muito tempo é muito forte. Um jovem que jogava bola em Alagoas, e lá no jogo ele bateu em outro jogador, caindo quebrou a perna direita, foi para vários hospitais e nada resolveu. Lá em Quebrangulo, tinha um velho benzedeiro chamado Senhor Natalício que acendia velas para rezar, jogava muita água com perfumes nas pessoas que entravam na sua casa. Este jogador foi levado a esta casa, e o velho mandou que ele zesse uma promessa à Santa Quitéria, prometendo visitá-la todo ano, além de levar as muletas que ia usar por algum tempo. E o rapaz cou bom, pagou a promessa conforme prometera ao Senhor Natalício, e à Poderosa Virgem.


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E as bênçãos, os milagres de Santa Quitéria são muitos. Temos que recorrer a Deus Poderoso e a esta Santa Milagrosa nos casos difíceis. Foi assim que tomei conhecimento do sofrimento, do terror que estava passando uma pessoa que embora não fosse meu amigo, eu o tinha encontrado há mais de doze anos num Seminário, no Centro de Convenções. Ao terminar, apesar do mesmo ser “fenômeno nacional”, conversou comigo, me ouviu e à noite quando cheguei a minha residência ele me telefonou. Orientou, deu opiniões, o que muito me sensibilizou e me fez crer que há pessoas importantes, contudo que se envolvem com os problemas e as situações dos outros. Durante alguns anos ainda enviei cartão de Natal agradecendo as ideias que havia me sugerido, depois não escrevi mais. Chegaram aos meus ouvidos que este senhor famoso fora sequestrado. Que tristeza! Um homem com “luz própria”, inteligente, que o País precisa dele para engrandecê-lo, como seria possível tanta maldade?! Eu estava, nesse momento, escrevendo o livro sobre Santa Quitéria, a Poderosa e Milagrosa. Comecei a pedir com muita fé por ele. Rezava toda noite, não cessava de pedir a Santa que conseguisse salvá-lo, que arranjasse uma forma de “fuga”, até um buraco no esconderijo, pois ele era muitíssimo inteligente; qualquer sinal seria uma benção, pois conseguiria fugir. Vários dias se ndaram e todos temendo o pior, porém uma fé viva dentro do meu ser me fazia acreditar que tudo seria resolvido com vitórias para meu amigo. Pedia a Santa Quitéria que não permitisse o pior, que o livrasse daqueles seres abomináveis; e que faria de tudo para um dia vê-lo solto e informá-lo sobre o milagre e, também, pedir que o mesmo divulgasse o nome da Santa. Fiz a novena, “Meu Deus, quantas orações, quantas palavras fervorosas, pedindo a salvação”.


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Num dia de gloria e de luz foi divulgado o Milagre. O caro amigo foi liberto são e salvo; muitas vezes me lembrava da história do lho do Senhor, que se viu sem saída e, de repente, um buraco no chão, como por milagre, surgiu. Existem várias narrações muito signicativas e acredito que são necessários vários livros escritos para contarmos os relatos daquele lugarejo, verdadeiros milagres que estão registrados, e também os milagres que estão na boca do povo, e a voz do povo é a voz de Deus, segundo ditado popular. Novena Poderosa Acenda a vela durante todos os dias da Novena. Santa Quitéria, rogai por nós. 1ºdia. Ò Quitéria Virgem Mártir Ao mal de quem vos procura Com o vosso olhar milagroso Dá-me lenitivo e dá-me cura. Rezar 1 Pai e Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 2º dia. Santa Virgem que sofrestes Os martírios acerba dores Implorai a Deus piedoso O perdão dos pecadores. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém.


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3º dia Ó Quitéria Virgem Mártir Pela Vossa virgindade Protegei-me nesta vida E também na eternidade. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 4º dia Ó Quitéria Virgem Mártir Mártir Dileta de Deus Por vossos merecimentos Cheguem meus rogos ao Céu. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 5º dia Duros réus de tantos crimes Que nem mesmo contar sei Ó Virgem se não me ouves Quem me ouvirá? Aonde vou? Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 6º dia Aceitai minhas preces Os meus suspiros contritos E a promessa de emendar-me Dos meus passados delitos Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém.


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7º dia Virgem Gloriosa Celeste és, ó Quitéria Livrai-nos propícios De toda a miséria. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 8º dia Louvado seja meu Jesus Louvado seja o seu altar Louvada seja Santa Quitéria Que sempre irá nos amparar. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém. 9º dia Ó Santa Quitéria, Santa Pura, Santa milagrosa, Santa de ternura, Santa poderosa vem nos socorrer... (pede a graça) Nós que a vós chegamos, diante de vosso poder. Santa poderosa, Santa de virtude. Socorre Santa Quitéria na hora da agonia Sou teu lho e rogo tua guia. Santa Quitéria é a nossa estrela junto a Jesus e junto a Maria. Amém. Rezar 1 Pai Nosso, 10 Ave Maria, 01 Glória ao Pai. Amém.


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Este terço começava às 7 horas da noite, em frente à residência dos devotos. Cada dia era numa casa diferente, assim iam visitando todo o povoado, convocando o povo para reetir sobre os poderes de Deus e dos Santos, mártires que viveram nesse mundo. Desse modo, muitas pessoas acompanhavam o Novenário dessa Santa que salva, que cura, que alivia, que concede muitas graças junto ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Surgiu, assim, a ideia do povoado. Dona Maria Bernardo dizia que essa Novena não era obrigado a fazê-la só no mês de maio ou setembro não. “A gente faz na hora da precisão”. Isso ela deixava bem claro, era muito católica. Um outro caso, muito divulgado, aconteceu com uma senhora que teve um ataque catalepsia. Estava na iminência de ser enterrada viva quando rogou à Santa Quitéria que a ajudasse a dar um sinal de que estava bem e ela foi salva. Ao rogar à Santa, prometeu fazer uma estátua do seu tamanho natural para expor na Igreja como símbolo do milagre recebido. E assim foi feito. Outro milagre que tomamos ciência foi sobre a história de uma moça que sofria de uma doença triste: lepra. Fez uma promessa à Santa Quitéria para car boa e, se isso acontecesse, deixaria no santuário um colar de ouro. Alcançou a graça. E pagou a promessa. Porém, quando se encontrava com as pessoas na rua, elas se admiravam dizendo: “Mulher, tu caste curada graças à Santa Quitéria, não foi?”. Ela dizia: “Graças ao meu colar de ouro que dei a ela”. Passados alguns dias, quando a moça acordou, a doença tinha voltado e o colar amarrado no pé de sua cama. Depois de alguns dias, ela morreu e todo mundo tomou conhecimento desta triste história. Com os poderes celestiais não se deve brincar. Sabendo disso, todos passaram a acreditar muito mais nos milagres da Santa de Frexeiras. Lá existe uma oração que serve para evitar tentação.


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“Sou perfeita, alegre e forte. Sou feliz e inteligente. Vivo positivamente. Tenho paz, sou um sucesso. À Quitéria consigo tudo que peço. Acredito, rmemente, no poder da minha mente. Porque Deus está comigo e é o meu subconsciente”. Padre Alexandre relatava o quanto ele cava impressionado com o número de romeiros do sexo masculino, pois não era muito comum homens participarem ativamente das orações, dos cânticos, sabendo, ao modo deles, a letra das músicas. Como por exemplo: Hino de Louvor à Santa Quitéria “Aleluia cantaremos todo dia Na esperança de Jesus nos encontrar Santa Quitéria é a nossa estrela guia Ó mãe nossa, nós queremos te adorar. Sou teu lho aqui venho pedir Meus irmãos no sertão a sofrer Sou teu lho e imploro piedade As crianças que não têm o que comer Quantas luzes irradiam nos teus olhos És a mãe do meu Cristo Salvador De Frexeira, és a Santa Padroeira Teu poder nos envolve com amor. Santa Quitéria, nossa terra, é nossa mãe Sou feliz e hoje vim te visitar


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Não importa se eu sofro por meu pai Sei que dele o perdão vou alcançar.”. E outros hinos, em ocasiões diferentes, demonstravam a fé que eles tinham em Santa Quitéria que até dava compaixão. Como este verso a seguir: “Ó adeus Santa Quitéria, que já vou me retirar. Adeus até outro dia quando eu vier lhe visitar”. Grupos ligados a credos religiosos visitam o Santuário, registram com retratos, objetos sua presença neste lugar santo. E, assim, podemos observar quantas pessoas fervorosas se dirigem ao Santuário edicado no agreste. Muitas pessoas escrevem a graça alcançada nas fotos, nas placas de madeiras, como se faz nos templos para provar a graça alcançada.


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Capitul 11


OS MILAGRES DE SANTA QUITÉRIA

CAPITULO 11 Um certo dia fui à casa de Fátima e convidei-a para irmos à Frexeiras visitar o Centro de Devoção de Santa Quitéria. Estava comprovado, por todos os fatos que ocorreram que esta Santa milagrosa era a sua protetora desde o seu nascimento. Sabemos que nada é por acaso, nada é coincidência, e achei que chegara o momento de fazer aquela devoção. Além do mais, Fátima alimentava o sonho em construir uma ermida na fazenda Dadau. Queria divulgar os méritos de Santa Quitéria. Viajaríamos para observar os modos, o comportamento daquelas pessoas moradoras daquela localidade. Marcamos a viagem. Ao chegarmos, quei encantada com tudo o que vi, muitos carros de romeiros, muitos éis de diversos municípios do estado e de fora. Lá dentro, o santuário com uma relíquia milagrosa com poderes de curar, de amparar, de confortar. Muitas pessoas estavam pagando promessas em sinal de reconhecimento pelas graças alcançadas. A vida daquele lugar se altera profundamente com a chegada dos visitantes, eles contribuem substancialmente na economia. O cultivo da oratória religiosa aumentou a nossa fé com certeza.


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Percorremos todo o Santuário. Visitamos os ambientes daquele lugar sacrossanto. Observamos a familiaridade do povo nordestino. O santuário está intimamente ligado a uma família que trouxe a Santa de Portugal, como já disse. O mesmo está conjugado à casa da família do Sr. Olegário, e também vimos que quase todos os membros da família residentes no povoado possuem um trabalho ligado ao Centro de Devoção, por meio das atividades econômicas: lojas que vendem objetos devocionais, retratos de santos, as molduras para colocar as fotos, garrafas para colocar a água, ditas por muitos, ser milagrosa. Tem a fábrica de velas que eles também assumiram. Apesar de comentários que acusam a família do Sr. Olegário de se beneciarem dos rendimentos que são doados à Santa, no entanto, as despesas de manutenção e infraestrutura são signicativas. Vimos pessoas fazendo promessas à Santa Quitéria e relatavam os seus pedidos em alta voz. Alguns pediam empregos, outros uma casa, outros pelos lhos, pediam também pelos problemas mais diversos. A romaria mantém seu signicado religioso e lúdico, de forma complementar e não contraditória. Sabemos que a romaria nem sempre implica em ir à festa, signica sim uma simples visita ao Santuário ou um pagamento de uma promessa. Outro signicado da romaria se relaciona com a identicação do poder sagrado com a imagem completa de SANTA QUITÉRIA, e não com um espírito abstrato que é onipresente. A romaria, com certeza, pressupõe que o sagrado tem uma expressão concreta e física numa imagem. Podemos observar que santuários como o de Santa Quitéria surgem em função da continuidade do catolicismo ocial. As pessoas que tomam conta do Centro de Devoção são ferozes defensores das grandes manifestações populares e culturais; promovem intervenções em todos os locais do povoado, sem apoio de órgãos


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públicos locais ou estaduais. A comida é típica, é servido todo dia um mungunzá às quinze horas por uma senhora bem franzina, que cobra quase nada por um copo. Ela ca na frente do Santuário com dois bancos escuros e dois caldeirões, copos descartáveis e tubos amarelos de canela. Diz: “Dá sustança, meu lho, Compre o mungunzá da Aurora. É forte, é cheiroso, é o mungunzá De Nossa Senhora.” E assim grita pelo menos duas horas seguidas, oferecendo o produto cheiroso. E, como diz ela, é abençoado. Ainda acrescenta: Quem prova do meu mungunzá ca forte, viaja sem a barriga roncar... Fica mais inteligente e volta sempre a este lugar. Ao lado dela há uma la, pessoas tirando os “trocados da bolsa”, e do “bolso” para comprarem o mungunzá de D. Aurora. Ela era muito humilde, percebíamos pela forma de se vestir e de falar, os chinelos bem velhinhos e, no pescoço, tinha uma ta com o retrato de Santa Quitéria. Compramos o mungunzá, por sinal muito gostoso, e fomos caminhando para observar o restante do lugar, onde a pobreza é dominante, sertanejos característicos de cor vermelha, pele queimada pelo sol e sem opções de trabalho, a não ser o comércio em volta do Santuário, a agricultura ou a pecuária, predominantes na região. Sabemos que as cidades são corpos vivos, mutuários. Aquele lugar pareceu-me um espaço nobre e, para modicar aquela área, teria que ser contratada a mão intrépida de um excelente operador, de um cirurgião altamente prossional, que utilizasse a argúcia de um bisturi com a ousadia de um grande empreendedor, que fosse apaixonado pela arte; e também enamorado pela cultura, em especial do Nordeste.


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Arrumar aquela praça para que ela pudesse oferecer aprazível espaço de lazer, arborizá-la, organizar bancos, jardins e, quem sabe lá, também desejasse colocar a Imagem da Virgem. Comecei a imaginar aquele lugar ao meu ver. As ideias desta renovação me chegavam rapidamente à memória. Pensei até em colocar “lampiões” nas calçadas. Construir um jardim de infância, ou seja, um parque de diversão permanente para as crianças que viessem acompanhando seus familiares. Assim, todos sairiam com mais saudade e iam alimentar o desejo de voltar. Pensava já em um projeto audacioso para aquela localidade que recebia tanta gente; imaginei um plano criativo, requalicando antigos caminhos rurais que dão acesso ao povoado, não perdendo de vista a preservação da natureza. Todos os pensamentos, todos chegam ao caminho romântico, da forte paixão, do amor, da união, e assim pensei na construção de uma Capela, bela, onde as moças e os velhos pudessem ali receber as bênçãos de Deus. Dizer o “sim é jurar delidade” sobre o olhar daquela Santa. Por mais que eu tentasse me policiar quanto aos meus sentimentos, sempre me via às voltas com recordações que me embalavam sonhos, e também me machucavam. Foram muitas desilusões na minha juventude e aquele não era o momento para maltratar meu coração, minha alma, enm, minha vida. Como educadora, não poderia esquecer a escola. Onde estaria a casa de educação daquele local? Na minha vida nada mudou em relação à educação. Aqui se pode ensinar a mais poderosa disciplina, a disciplina que eleva o homem: a religião. A religião que acalma o bravo, a religião que consola, que alimenta a alma. A fé, o temor a Deus, o respeito estavam presentes naquele lugar


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distante do meu Deus. Seria impossível negar aquela realidade. As raízes étnicas, culturais, e religiosas eram notórias. Todos falam dos milagres, dos feitos da Poderosa Virgem, tão bem localizada e guardada daquele povoado. Os milagres, as preces, o novenário, as oferendas e todo o arquivo doado pelos seus éis são conhecidos por todos os moradores, que transpiram uma força interior que muito me impressionou. Todos, ou quase todos, acreditavam na vitória da vida mediante a força da Oração. Bem na entrada do Centro de Orações, com todas as letras bonitas, alguém que trabalhava com letra gótica, escrevera a “Oração do Poder de Deus”. Perguntei ao rapaz que estava arrumando o Centro de quem se tratava tão belo trabalho, se ele conhecia aquela pessoa iluminada que se chamava “Maria das Mercês Heráclio”, era este seu nome que estava escrito no quadro, ao término da Oração: A oração era assim: Deus de toda força e poder, dá-me hoje a segurança Do teu amor e a certeza de que estás comigo. Peço-te ajuda e proteção para o dia de hoje; porque Preciso de Tua assistência e de Tua misericórdia. Tiras De mim o medo que me invade; tiras de mim a dúvida Que me perturba; esclarece o meu espírito com a luz Que ilumina o caminho de teu Divino Filho, Jesus Cristo, aqui na terra. Que eu possa, Senhor, perceber qual é a tua vontade. Que eu sinta o teu maravilhoso poder através da força


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Da oração e, com este poder, a minha pessoa seja Atingida pelo milagre que podes realizar a meu favor, Suavizando os meus problemas, aclamando o meu Espírito, alimentando a minha fé. Não me abandone. Oh! Senhor Jesus, ca comigo para que eu não me Desespere e nem te esqueça. Levanta o meu espírito Quando o encontrares abatido. Ajuda-me a seguir-te Sem vacilar e sem olhar para trás. Entrego-Te neste dia toda minha vida e a vida de toda a minha família. Livra-nos de todo o mal, que possa está dirigido a nós, ainda que seja por milagre. Sei Senhor que vais me atender porque me amas e me escutas amorosamente. Agradeço-Te meu Deus e meu Pai, e embora esteja Com a minha alma inquieta, suplico-te: dá-me o poder De aceitar, acima de tudo, que se cumpra em mim a Tua Vontade e não a minha. Amém. Como o quadro era novo, eu tive a curiosidade de saber se aquela artista morava nas redondezas. Ela disse que não, armou que fazia pouco tempo que aquele quadro tinha sido colocado ali. Informou, ainda, que foi trazido por uma senhora nascida em Limoeiro, ela o trouxe como presente para o Centro. Ela, a mulher, Dona. Mercês é devota de Santa Quitéria, conseguiu um Milagre muito importante na vida dela e viajou


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até aqui para pagar a promessa. Neste dia, ela presenteou a Padroeira com cordão; informava o homem, que parecia sabedor de tudo. Percebi o quanto os devotos daquele lugar gravavam na memória os acontecimentos que elevam ainda mais os poderes e as graças concedidas pela milagrosa Santa Quitéria. Chegou a hora da volta, rezamos, despedimo-nos de algumas pessoas que estavam presentes e, antes de entrarmos no carro, vimos um cidadão, quase anão, porém de pequeno só tinha o tamanho, pois deveria ter mais de cinquenta anos. Ele estava com muitos panetos. Aqueles papéis todos desenhados com quadradinhos e guras. Fui até o homem e perguntei do que se tratava, ele disse: É a história da Virgem, nossa Mãe Milagrosa. Aqui a senhora pode ver toda a vida dela desenhada desde o nascimento até a “Morte Matada”. E continuou o homem que resolveu subir em um tamborete: Compre, minha senhora, e leve para sua família, Santa Quitéria é poderosa, e vai lhe acompanhar, livrando-a dos males e descontentamentos. Ouvindo tudo aquilo, peguei o paneto, onde realmente estava retratada em guras toda a história da vida de Santa Quitéria, como veremos a seguir: Na gura 01- Vemos Santa Quitéria, Virgem e Mártir Portuguesa. Na gura 02- Está Lúcio Castelio, o pai da Santa, homem muito rico, senhor de muitas terras, presidente de Portugal e Galisa. Ele era um homem pagão, perseguidor dos cristãos, a serviço do Império Romano. Na gura 03- Ele era casado com Cálsia, senhora muito rica, também pagã. Não temia nada. Estando certa vez em viagem, Cálsia deu à luz a Nove crianças de um parto só, o que lhe pareceu uma coisa monstruosa, nunca pensando ser coisa divina, de tamanha ignorância era essa mulher. Na gura 04- Temendo a ira do marido, resolveu entregar as nove


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crianças a sua parteira, chamada Silá, para que ela as matassem. Pediu conante, joga no rio. Na gura 05- Como a parteira era uma mulher cristã, não iria aceitar matar aqueles anjinhos. Silá entregá-las a pessoas cristãs que moravam perto naquele lugar, que aceitaram car com as meninas e adotá-las como lhas. Na gura 06- Aquelas famílias resolveram batizar todas as crianças e deram-lhes os seguintes nomes: Generosa, Liberata, Vitória, Emilia, Germana, Genna, Mársia, Basília e por último a que seria mais poderosa Quitéria. Na gura 07- As famílias, apesar de pobres, educam as crianças com muito carinho e muito amor, sobretudo instruindo-as nas leis de Cristo e da Igreja. Na gura 08- As meninas aprendem o catecismo e têm um amor todos especial pelos avisos de Deus. Na gura 09- Apesar das perseguições aos cristãos, as meninas resolvem assumir o compromisso do batismo e a testemunhar Jesus Cristo diante daqueles pagãos e hereges. Essa coragem elas conseguiam por meio da oração. Na gura 10- Sabendo que mais tarde eram irmãs resolvem consagrar a Deus a sua virgindade e pureza. Na gura 11- Quitéria e suas irmãs souberam do que estava acontecendo, alegraram-se pela ocasião de poderem derramar o seu sangue em conrmação da fé que professaram. Preparam-se todas com fervorosas orações. Pediram a Deus força para poderem sofrer os tormentos. Elas eram revestidas de fé. Na gura 12- Todas as irmãs foram presas e, mesmo lá na prisão, elas não se calaram. Gritavam contra todo tipo de escravidão, império e que apesar de estarem presas se sentiam livres, porque Jesus Cristo era o


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libertador delas e de todas as pessoas. Na gura 13- De lá levaram todas elas para o julgamento. Chegando lá, o juiz que, por coincidência, era o próprio pai, pergunta quem são elas. E pela qualidade do seu sangue e a qual fé elas professam. Gema responde em nome de todas: “A qualidade do nosso sangue é toda vossa, pois somos vossas lhas. Porém o que mais nós prezamos é sermos lhas de Jesus Cristo cuja lei seguimos”. Na gura 14- O pai vai logo perguntar a sua esposa se aquela história é verdadeira e Cálsia conrma. Então, ele aceita as nove lhas em sua casa. E procura logo fazer o casamento de Quitéria com um príncipe muito rico chamado Germano. Quitéria não aceita e diz que já tem um esposo que é Jesus Cristo. Liberata disse ao pai: “Nosso compromisso é com Jesus Cristo, pois foi ele que logo ao nascermos nos libertou da morte temporal e eterna. Por isso, só a ele conhecemos por nosso Deus e estamos todas resolvidas a dar a vida por ele”. Na gura 15- Um dia Quitéria estava em oração, quando lhe apareceu um anjo e pediu para que se retirassem da casa. Então saíram todas sem que ninguém percebesse. Abraçando-se muito umas as outras despediram-se e tomaram seus caminhos com a luz do Espírito Santo, evitando a tirania do pai. Na gura 16- O pai, sentindo a falta delas, mandou muitos soldados procurá-las. Depois de muita busca só encontraram Quitéria. E esta foi trazida para casa. Interrogada pelas irmãs, pois ele queria saber o paradeiro. Ela disse: “O Espírito Santo tinha indicado o caminho a seguir”. Na gura 17- Obtendo a permissão de seu pai, Quitéria conseguiu se retirar até o Monte Oria para sua meditação. Passando ali alguns dias, apareceu-lhe, mais uma vez, um anjo do Senhor dizendo ter chegado a hora de voltar para casa e enfrentar um rigoroso martírio. Voltou a casa e


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encontrou lá o ilustre príncipe para a tomar como esposa. Assustada com a notícia, Quitéria pede ao pai o prazo de três dias. Na gura 18- Retirando-se em oração é quando lhe aparece a Mãe Poderosa de Deus, certicando-a de conservar-se intacta e que deveria permanecer com a sua pureza. Prometeu-lhe que os molestos de raiva e furor invocando seu auxílio alcançariam perfeita saúde.


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Na gura 19 – Desaparecida esta visão, surgiu logo o anjo, pedindo que ela fugisse logo da casa de seu pai. Levando consigo alguns de seus criados como companhia para o deserto. Lá deveriam car em oração e jejum, preparando para receber as gloriosas coroas do martírio. Na gura 20- Seu pai, sentindo a falta da lha, envia o novo genro para trazê-la e fazer o casamento. Caso não aceite, ele diz: “Pode usar a força”. Na gura 21- Ao ser encontrada, Quitéria falou: “Dizei ao meu pai que para mim não é lícito receber por esposo nenhum homem da terra, depois de despojada com o rei do céu, a quem amo rmemente e que por ele estou pronta para dar a vida. O noivo que escolhi é Jesus Cristo. Na gura 22- Germano lhe oferece muito dinheiro, mas Quitéria diz que não precisa de nenhuma riqueza aqui da terra, pois já tem um grande tesouro que foi lhe dado no céu. Não somente a ela, mas para todos aqueles que rejeitam os poderes deste mundo. Na gura 23- Dali, Quitéria segue para outras terras para anunciar a mensagem da libertação, e fala de Jesus para todos os reis pagãos. Na gura 24- Ali por perto, conhece um rei chamado Letiano que era idólatra e perseguidor dos cristãos. Este rei mandou prender Quitéria e todos que andavam com ela. Na gura 25- Já estavam há três dias presos sem nenhuma comida. O único alimento que tinham era a palavra de Deus, que Quitéria contava para eles. Ela tinha muita fé. Lá na prisão, muitos presos passaram também a aceitar a religião cristã e alguns doentes que iam visitá-la cavam curados de todas as enfermidades. Na gura 26- Então, o rei admirado com tudo aquilo resolve matar Quitéria. No momento da execução o rei perdeu os sentidos. Quitéria ora a Deus e ele se recupera, arrepende-se de todo o mal que já fez aos cristãos e se converte. Renunciou todos os bens terrenos e fez penitência para dar


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tudo aos pobres. Na gura 27- Ela enfrentou o grande momento do martírio. Encorajada com palavras da sagrada escritura, disse que aquele era o caminho de todos que decidem ser éis ao batismo que um dia receberam. Na gura 28- Desta vez seu pai envia Germano para trazê-la. Ele faz tudo o possível, mas ela permanece rme na palavra dada a Jesus, Todo Poderoso. Germano diz que traz ordem para matá-la, caso ela não aceite voltar com ele. Na gura 29- Germano aponta o punhal para matar Quitéria. Ela não reage e, simplesmente, louvando a Deus e cantando pela alegria de ser mártir. Na gura 30 – Suas últimas palavras são; “A ti, Meu Pai do Céu, entrego toda minha vida, toda a minha pureza. Eis-me aqui!” E assim inclina a cabeça para facilitar ao criminoso. Na gura 31- Sua cabeça é degolada de só golpe, cando a alguns metros de distância do seu corpo. Ouve-se do céu o canto dos anjos, dizendo: “Levanta-te, Quitéria, e leva tua cabeça ao lugar reservado para tua sepultura. Na gura 32 – A Santa Virgem, como se estivesse viva, assim o fez. E pelo espaço de meia légua. Na gura 33 – Até a Igreja de São Pedro, onde foi sepultada pelos éis que ali se achavam. Na gura 34 – Do túmulo de Quitéria surgiu uma fonte milagrosa que corre sem cessar. Na gura 35 – Para lá vão peregrinos de muitos lugares do mundo em busca de uma cura. Na gura 36 – Todas as suas irmãs foram martirizadas. Na gura 37 – Todas derramaram seu sangue a favor do Senhor. Na gura 38 – “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, não


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poderá produzir feito”. Na gura 39 – Esta foi a história de Santa Quitéria. Poderá ser a nossa também, se resolvermos assumir o nosso batismo. Na gura 40- Amém! E ainda no livreto: A VIDA DE SANTA QUITÉRIA Também em Literatura de cordel, que é cantada e contada a vida da Santa. Autor: Luiz Gonzaga de Lima Iluminai, ó Senhor Meu espírito e matéria Para versar este livro Com rimas bastante sérias. Do nascimento e vida Da nossa SANTA QUITÉRIA. No País de Portugal SANTA QUITÉRIA nasceu Em pureza e santidade Todo tempo ela viveu Somente a Jesus Cristo Dedicou o labor seu. Ela com mais oito irmãs De uma vez só nasceu Foi um parto poderoso Que ali aconteceu


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Foi um milagre Divino Que nosso Deus concedeu. Assim que elas nasceram A sua mãe ordenou Pra mata-las afogadas E a parteira entregou Mas no senso da parteira DEUS PAI ETERNO tocou. As crianças, a parteira A uma família entregou Por ser família cristã Com zelo lhes educou Antes foram batizadas Porque Jesus ordenou. São estes os nomes delas: Nesta rimação bem séria Generosa, Liberata Vitória, Gemma, Eumélia Germana, Márcia e Brasília e a nossa SANTA QUITÉRIA. Com esta família cristã Estas crianças caram Só depois de moças feitas Foi que elas retornaram Para a casa dos seus pais


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Porque eles lhe encontram QUITÉRIA e as irmãs Conantes em Maria Voltaram para seus pais Esta nova companhia Os seus pais lá o receberam Repletos de alegria A intenção do seu pai Era querer desviar Elas do catolicismo E o paganismo abraçar Mais a fé que elas tinham Nada fazia deixar. Os seus pais sendo pagão As lhas incentivavam E para tirar JESUS Delas os pais pelejavam Mas Cristo estava com elas e dos pais nada aceitavam. Por elas não aceitarem O pai cou furioso Mandou degolar as oito Mostrando ser poderoso Só sobrando ali Quitéria Daquele crime horroroso.


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Quitéria só para Cristo Era que se dedicava Só rezava escondida Que seu pai não aceitava E para não ser pior Ela não facilitava. Um dia Santa Quitéria Estando em oração Um anjo lhe apareceu lhe fazendo saudação ao mesmo tempo um convite completo de perfeição. Falou um anjo Quitéria Deixe este lugar maldito Vá lá pro MONTE ORIA Aquele lugar bendito Que todo dia você Tem uma fala com CRISTO QUITÉRIA OBEDECEU Daquela casa saiu Pela madrugada em ponte Da casa do pai fugiu Com destino ao MONTE ORIA Saiu, pois e ninguém viu.


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No Monte Oria Quitéria Foi ordenada e então A seguir para Aufragia Cidade sem perfeição Porque de lá o governo Era um homem pagão Era o senhor Letiano Governador da cidade Teve para Quitéria Toda sua má vontade Tratando-lhe muito mal Com toda rivalidade. Quitéria com paciência Repleta de caridade Converteu o Letiano E ele de boa vontade Mais tarde veio tornar-se Um cristão de verdade. O pai dele quando soube que Letiano Tinha sido convertido Com seu instinto tirano Mandou buscá-la à força Por seu criado Germano Já que Germano odiava Quitéria desesperada


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Isto foi porque Quitéria Havia se recusado Dali se casar com ele Agora se fez vingado. E assim fez o Germano Como velho ordenou Com toda fúria terrível O monstro lhe degolou A coroa de martírio Ele a Quitéria entregou Quitéria sem a cabeça Conseguiu se levantar A sua própria cabeça Ela pôde apanhar Com ela nas suas mãos Ela pôde caminhar. Foi lá no Monte Oria Que ela foi degolada Mais uns quilômetros Ela foi sepultada Com toda fé e respeito Até hoje é venerada. Aos 22 de maio Ela foi martirizada Isto no ano cem


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Por Cristo ela foi chamada A coroa de martírio A ela foi honrada. Depois de ler essa história e observar todos os quadradinhos do paneto, entramos no carro. Estávamos mais do que revestidas de fé e de amor. As outras pessoas que nos acompanharam nesta viagem, como a gentil esposa do terceiro lho de Maura, também voltou encantada com todos os últimos acontecimentos. Dizia ter cado impressionada com a fé popular do Nordeste, pois ela era amazonense. A quantidade de tranças que se encontravam no altar neste dia foi o que mais a comoveu. Os milagres acontecem! Ela repetia diversas vezes essa frase. A imagem da Santa cou gravada na nossa memória. Aqueles colares de ouro e o medalhão do Santíssimo na cabeça. É inesquecível, armava a amazonense. Voltamos para casa e cada uma passou, mais uma vez, a seguir o seu destino. E este destino, como nós sabemos, só a Deus pertence. Ficou bem nítida a vontade de Fátima em construir em seu terreno uma Capela em homenagem a todas as graças concedidas por Santa Quitéria. Um dia quem sabe esse sonho se concretizará...Tudo para Deus é possível! Que Santa Quitéria continue nos nossos caminhos com a divina intercessão de Jesus Cristo. “Santa Quitéria Milagrosa é venerada em vários lugares, como Mártir”. Heroica foi quanto se não pode bem entender a generosidade, virtude e sabedoria da Virgem Santa Quitéria. Sábia, ela convertia almas.

Que nunca sejamos semelhantes aos pagãos, que sempre

cavam insensíveis e obstinados na sua cegueira à vista das maiores


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maravilhas do mundo. Virgem Santa a teus pés venho rezar e a Jesus Cristo louvar!” AMÉM. Fim.






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