[re]circular - um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro |TFG Flávio Tavares

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[re]circular um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

Universidade Federal da Paraíba

Flávio Tavares Brasileiro João Pessoa, Dezembro de 2015


Copenhagen, Dinamarca (mai/2014) Gronigen, Holanda (fev/2014) Oslo, Noruega (mai/2014) Praga, RepĂşblica Tcheca (fev/2014) fotos do autor


[re]circular

um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

Flávio Tavares Brasileiro Trabalho Final de Graduação apresentado como requisito para a conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba. Orientador: PhD. Lucas Figueiredo de Medeiros João Pessoa, Dezembro de 2015


TAVARES, Flávio. [re]circular - um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro. João Pessoa. 2015.

Aprovado em: __/__/____ BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. PhD. Lucas Figueiredo de Medeiros (orientador) _____________________________________ Prof. Dr. José Augusto Ribeiro da Silveira _____________________________________ Profa. MSc. Aída Paula Pontes de Aquino

João Pessoa, Dezembro de 2015


[agradecimentos] Gratidão é um dos sentimentos que mais admiro, portanto, por meio deste trabalho quero agradecer às pessoas que ajudaram a construí-lo, e mais que isso, construir-me. Obrigado! Ao meu orientador, Lucas, por ter me indicado uma literatura internacional atualizada e dado todo tipo de orientação nesse tempo (inclusive na greve): desde a aventura de fazer um plano de mestrado até a burocracia pra conseguir apresentar esse trabalho hoje (foi difícil!!!), conseguindo ser mais crítico que eu e assim me ajudar a chegar no resultado que eu queria. Aos meus professores, que antes e durante ajudaram a formar um arquiteto crítico e responsável: Amélia Panet, por todos os ensinamentos e oportunidades que me deu ao longo da graduação, Jovanka Baracuhy, por iniciar-me na iniciação científica e fazer despertar em mim um olhar sociológico nesse mundo tão técnico, José Augusto, por todos os conselhos e parceria na elaboração de artigos (que inclusive fizeram germinar este trabalho), Wylnna Vidal, por toda a atenção que sempre teve comigo desde a coordenação até as dicas para esta pesquisa, ao professor e ex-prefeito Luciano Agra [in memoriam], pela conversa que tivemos pouco antes de ir à Europa, que me levou com um olhar atento ao transporte daquele continente, ao professor da Engenharia Civil, Clóvis Dias, pela breve conversa que tivemos sobre sua tese (e o centro), que me atentaram a pontos importantes para a elaboração do trabalho e por fim a Aída Pontes, por aceitar compor a minha banca e por ser uma inspiração de que a técnica pode estar a serviço da construção de uma realidade social melhor. A todo o pessoal do PROEXT Abrace o Porto em nome de Elizabetta Romano que comecei a admirar desde o primeiro semestre da graduação e Regina Célia, que só tive a oportunidade de conhecer esse ano mas de quem virei um fã (não só da pessoa, como da História e do movimento de luta). Ao CNPq pelas bolsas que me deu ao longo do curso, especialmente a do Ciências sem Fronteiras, que me fez conhecer o mundo, estudar em outro país e ser, portanto, responsável pela minha visão ampliada de mundo e cultura, com repertório urbanístico e arquitetônico “fora da caixa” - que me dão sede para contribuir à melhorar o Brasil. À SEMOB/JP em nome do seu Diretor de Planejamento, Adalberto Araújo, que de maneira muito cortêz me facilitou as informações para a elaboração deste plano. À SEPLAN/JP, em nome da hoje amiga Rose Brandão e Susana Acioly, da Diretoria de Planejamento Urbano, pela experiência que eu tive de estagiar num ambiente extremamente importante para a cidade, grande contribuidor para meu aprendizado e entendimento da gestão urbana. Aos envolvidos (ou coagidos) ao trabalho braçal de levantamento de campo em toda a zona central de João Pessoa: Raquel, Jéssica, Raphael, Artur e até minha mãe (<3). A Ítalo e Sidney pelas ajudas pra desvendar o QGis, software que eu nunca tinha usado até então. À Susana, Raíssa, Jéssica, Gúbio e Raony [os feirantes que vendem planta - arquitetos], por toda a amizade envolta de muita arquitetura, crítica e risadas, que fizeram com que o momento de elaboração desse trabalho se tornasse mais suave. Jéssica e Quel, meu pau pra toda obra, levantamento, pitacos gráficos, discussão teórica, saídas, comidas etc etc etc. Vocês são maravilhosas! Por fim, mas não menos importante, aos meus pais e minha irmã, que antes de todos os acima citados estiveram me formando com amor e não hesitando em nenhum momento em oferecer tudo o que podiam para eu ser um excelente profissional, e sobretudo cidadão correto. Amo vocês!


[

Devagar pra contemplar a vista Menos peso do pé no pedal Todo mundo tem direito à vida Todo mundo tem direito igual Motoqueiro caminhão pedestre Carro importado carro nacional A cidade é tanto do mendigo Quanto do policial Todo mundo tem direito à vida Todo mundo tem direito igual Travesti trabalhador turista Solitário família casal Todo mundo tem direito à vida Todo mundo tem direito igual Sem ter medo de andar na rua Porque a rua é o seu quintal

]

Todo mundo tem direito à vida Todo mundo tem direito igual foto: autor

Rua da Passagem (trânsito) Arnaldo Antunes/Lenine/Luiz Cosme Benício


[resumo] Este trabalho consiste na elaboração de um plano de mobilidade que responda de maneira crítica à situação atual do centro histórico da cidade de João Pessoa e que possa funcionar como um start para a ativação de novas políticas públicas e projetos que façam girar um ciclo virtuoso capaz de transformar a zona num lugar para viver, trabalhar e conviver. Ele analisa o contexto de inserção do centro da cidade na sua escala municipal de acessibilidade, considerando-o como grande atrator de viagens, e a sua potencialização como tal diante do projeto proposto pela prefeitura da capital de implantar corredores de BRT convergindo para ele. Na medida em que o estudo reconhece a importância histórica, simbólica e funcional do centro para a cidade, levanta a indagação do porquê essa área vir sendo recorrentemente

relegada

e

abandonada,

principalmente

pelo

uso

habitacional. Para responder a essa dinâmica o trabalho constrói uma série de mapas temáticos utilizando a ferramenta SIG, de maneira a evidenciar não só características dominantes de uso e ocupação do solo, mas também mapear vazios, estacionamentos, oportunidades, edifícios-chave etc, de maneira que o sistema de transporte funcione como um ativador ou “destravador” de oportunidades. O plano é elaborado como uma peça de masterplan e com base em um modelo gráfico-teórico resultado de estudos de

caso

internacionais,

apresentando

ao

final

uma

implementação. Palavras-chave: Centro. Mobilidade Urbana. Transportes. VLT.

estratégia

de


[resumen] Este trabajo consiste en el desarrollo de un plan de movilidad que responda críticamente a la situación actual del casco histórico de la ciudad de João Pessoa y que pueda funcionar como punto de partida para la activación de nuevas políticas públicas y proyectos, que hagan a su vez un círculo virtuoso capaz de transformar el área en un lugar para vivir, trabajar y socializar. Analiza el contexto de inserción del centro de la ciudad en la escala municipal de accesibilidad, considerándolo como un gran atractor de viajes, y su potenciación como tal ante el proyecto propuesto por el Ayuntamiento de la capital para implementar corredores BRT que convergen en él. En la medida en que el estudio reconoce la importancia histórica, simbólica y funcional del centro de la ciudad, se plantea la cuestión de por qué esa zona viene siendo repetidamente relegada y abandonada, sobre todo por el uso residencial. Para responder a esta dinámica el trabajo construye una serie de mapas temáticos utilizando la herramienta SIG con el fin de poner en relieve no sólo las características dominantes de uso y ocupación, sino también asignar parcelas vacías, aparcamientos, oportunidades, edificios clave, etc, de modo que el sistema de transporte funcione como un activador o “desbloqueador” de oportunidades. El plan está diseñado como una pieza de masterplan y en base a un modelo gráfico-teórico resultado de estudios de casos internacionales, presentando al final una estrategia de implementación. Palabras clave: Centro. Movilidad Urbana. Transportes. VLT.


[sumário] capítulo 1 – introdução ................................................................. 9 objetivos ................................................................................ 12 capítulo 2 – centro: problema e solução ....................................... 14 a evolução urbana pessoense na ótica dos transportes ......... 15 centro: problemas contemporâneos ...................................... 20 BRT no centro – um outro ponto de vista .............................. 24 VLT: um modelo modal adequado à centros históricos ......... 28 capítulo 3 – metodologia .............................................................. 31 Stakeholder Analysis .............................................................. 35 modelo conceitual.................................................................. 37 capítulo 4 – estudos referenciais ................................................... 39 sevilha, Espanha .................................................................... 40 bordeaux, França ................................................................... 43 quadro comparativo dos estudos tipológicos ......................... 47 modelo conceitual.................................................................. 49 das partes interessadas ......................................................... 50 capítulo 5 – o plano ...................................................................... 53 o acesso rodoviário ................................................................ 55 o cinturão viário ..................................................................... 56 as alças de penetração .......................................................... 61 VLT ........................................................................................ 64 micro-ônibus.......................................................................... 72 vias cicláveis .......................................................................... 74 um centro caminhável – uma cidade para pessoas ................ 77 mapa da rede ........................................................................ 83 capítulo 6 – implementação .......................................................... 93 sugestões complementares .................................................. 95 instrumentos urbanísticos ...................................................... 96 etapas da implantação ........................................................... 98 capítulo 7 – considerações finais ................................................... 101 referências .................................................................................... 106 apêndice 1 – mapa com identificação das ruas e sentido atual ..... 110 apêndice 2 – tabela de análise das características dos Stakeholders ............................................................ 112


[capítulo 1] introdução “Sem um coração central forte e abrangente, a cidade tende a tornar-se um amontoado de interesses isolados. Ela fracassa na geração de algo social, cultural e economicamente maior do que a soma de artes constitutivas” Jane Jacobs Morte e Vida das Grandes Cidades (2003), pág. 181


Os problemas de mobilidade urbana enfrentados hoje pelas cidades brasileiras refletem uma política macro de planejamento que optou por dedicar a sua prioridade ao transporte motorizado individual frente a outras opções,

ficando

refém

de

uma

política

industrial

economicamente

mobilizadora1, e fazendo com que as cidades fossem sendo construídas (ou adaptadas) para esse modal específico, garantindo para este, ao longo do tempo, a maior qualidade da mobilidade. Segundo Ferreira (2010, p. 9), esse privilégio acarretará na construção da forma da cidade “[...] pois os grandes projetos de infraestrutura, que desenham a cidade, serão dedicados a ele [carro]”. Castro deixa claro a força dos transportes: A cidade contemporânea foi configurada pelos transportes. Sua morfologia foi determinada pelas artérias de circulação, sua fisionomia transformada pelas grandes obras públicas de eixos férreos e rodoviários. Vários aspectos da cidade estão estreitamente vinculados aos transportes: sua paisagem, qualidade de vida, eficiência econômica e social… (CASTRO, M, 2007, p. 15).

Segundo Flávio Villaça (2012), os centros são os lugares de “acessibilidade máxima”, pois estes são os locais das cidades onde mais gente consegue acessar em menos tempo, mesmo que com meios de deslocamento diferentes. Essas áreas sempre foram regiões de grande concentração das atividades econômicas por terem relação direta com a conformação dos transportes públicos. Primeiramente por contar com a presença de terminais inter-regionais, que irão aproximar empresas voltadas a atividades de mercado ampliado (regional, nacional ou de toda a cidade). Posteriormente, como comenta Corrêa (2004), pela relação conectora entre processo, forma e função, que faz criar a partir dessa capacidade de atração de grandes empresas um imenso mercado de trabalho nessas áreas, que possibilitam a ampliação dos transportes intra-urbanos na região, gerando uma sincronia de condições que levarão essas áreas a serem consideradas as de maior acessibilidade na cidade.

1

Utiliza-se o termo como expressão da indústria automobilística como “importante eixo estruturador da política econômica” por ser, de acordo com Figueiredo (2003), fonte de empregos e de captação de recursos através da tributação.

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Ainda que em uma escala macro e com sua consolidação ao longo da história eles ainda consigam se manter como ponto fulcral de atração de fluxos,

percebemos

nas

cidades

brasileiras

nos

últimos

anos,

contraditoriamente, a decadência dos seus centros principais, associada entre outras causas, ao nosso afastamento deles. Esse distanciamento ocorre em grande parte pelo nosso modelo de transporte dominante: o automóvel privado, que faz com que a rede de serviços que servem à determinada classe utilizadora do automóvel migrem para espaços mais “viáveis” para a sua utilização. Está claro que no disfruta de un mismo perfil de accesibilidad un joven conductor, con coche a su disposición, en un entorno metropolitano, que una persona mayor con dificultades de movilidad y sin vehículo privado. Los ‘universos accesibles’ para una u otra persona, en día a día, pueden ser radicalmente distintos (ALAYO, J, 2013, p. 244).

Também ocorreu no Brasil, como noutros lugares a partir da segunda metade do século XX, o sucateamento dos bondes em circulação. Castro (2007) mostra que eles possuem uma história ligada à era industrial que se repete em todas as cidades pelo mundo com poucas variações, com uma contínua ascensão da indústria automobilística. No caso do nosso país aproveitou-se essa base industrial para priorizar, após os bondes elétricos, segundo Castro (2007), os ônibus motorizados como sistema de transporte público, considerados mais versáteis para o caso de mudanças rápidas de trajetos, e ocupando assim, progressivamente, o mercado dos transportes de superfície – chegando ao cenário de dominação que se vê hoje na paisagem das cidades brasileiras. No entanto, quando analisamos a história do desenvolvimento dos sistemas de transportes em distintas cidades pelo mundo, percebemos, como comenta Sort (2005), a ausência de um modelo configurado de uma vez por todas, e sim uma constante e contínua adaptação das infraestruturas e demandas da cidade: às possibilidades dos avanços tecnológicos, à competição no espaço com outros sistemas de transporte e finalmente à capacidade financeira pública ou privada para construí-los, fazendo com que tenhamos, assim, patamares diferenciadores das redes de transporte

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urbano, conforme o resultado de diferentes políticas, aplicadas em diferentes momentos históricos. Mapa 1 – Cidade de João Pessoa, evidenciando a área central e suas principais interrelações Fonte: elaborado pelo autor

Os

centros

urbanos

tradicionais

também

possuem

características

morfológicas naturalmente mais propensas à vitalidade urbana, como densidade alta, tipologia arquitetônica com fachadas ativas e mescla de usos, que podem influenciar na dinâmica de uso dos espaços. De acordo com Netto et al (2012, p. 3), essas características podem ter efeitos “para além do estético e perceptivo – sobre as ações que ocorrem fora do seu perímetro [da edificação], mas atreladas a ela, tais como o movimento e acesso a atividades, a intensidade variada de apropriação do espaço público e a densidade de encontros no âmbito da rua”. Assim, entende-se que com a aplicação de novos padrões de desenho urbano contemporâneos que consigam relacionar a estrutura urbana e vitalidade potencial do centro, pode-se conseguir um novo ciclo de vitalidade econômica nesta área. Diante do exposto, esse trabalho se apresenta como uma aposta de que o planejamento da acessibilidade pode servir como um start para a dinamização das áreas urbanas, e portanto almeja deixar sua contribuição como um dos fatores de valorização do patrimônio histórico e paisagístico de João Pessoa. Ele surge num momento oportuno, anterior à fase de

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implantação dos BRTs em que pode contribuir, de fato, com um novo olhar ao projeto, servindo como uma segunda fase de implantação, qualificando-o mais, e resgatando conceitos contemporâneos de experiências europeias em plena utilização com trens, ônibus, carros, bicicletas e pessoas convivendo de maneira harmônica, a partir de interfaces viárias inovadoras que possibilitam tal coesão.

[1.1] objetivos A partir do estudo dos sistemas de circulação, o trabalho tem como objetivo geral elaborar um plano de mobilidade para a zona central2 de João Pessoa que possa garantir a valorização do patrimônio histórico da região através da consolidação de um sistema de espaços livres públicos. Para tanto, têm-se os seguintes objetivos específicos: §

Integrar o modal BRT proposto pela PMJP e trem interurbano existente ao novo modelo modal proposto intra-centro;

§

Racionalizar a distribuição das linhas de ônibus no perímetro da área estudada;

§

Reduzir o acesso dos carros ao núcleo do centro;

§

Identificar áreas potenciais para a instalação de estacionamentos que facilitem a integração do carro com a rede de transporte público;

§

Estabelecer rotas adequadas aos modos suaves que valorizem os eixos turístico-patrimoniais relevantes;

2

Em documento do Ministério das Cidades (Manual de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais), este define Área Central como “um bairro ou um conjunto de bairros consolidados, articulados ou não em torno do núcleo original da cidade, com forte poder de concentração de atividades e pessoas, dotados de infraestrutura urbana, acervo edificado, serviços e equipamentos públicos, serviços de vizinhança e oportunidades de trabalho. Essas áreas são reconhecidas como ‘o centro’ por seus habitantes e mantêm um forte apelo simbólico. São também áreas onde se concentram os edifícios e sítios considerados como patrimônio histórico”. Utiliza-se neste estudo, portanto, este conceito, tratando-o ou como Área ou como Zona – sua delimitação foi feita com base em uma estrutura viária delimitadora principal, explicada mais adiante com o desenvolvimento do plano.

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§

Mapear usos relevantes e potencialidades de desenvolvimento para relacioná-los ao desenho de linhas propostas.

Mapa 2 – Área Central (bairros integrantes do perímetro desse estudo) Fonte: PMJP e imagem extraída do Google Maps, elaborado pelo autor

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[capítulo 2] centro: problema e solução “Para onde vão os automóveis? Para o centro! Mas no centro não existe superfície apta para a circulação. Temos que demolir o centro”. Le Corbusier Hilpert (1983), pág. 217


[2.1] a evolução urbana pessoense na ótica dos transportes O conhecimento do processo de formação da cidade e reconhecimento dinâmico do seu funcionamento ao longo do tempo nos permitem extrair formas de análise e intervenção no tecido contemporâneo importantes para a proposição de um desenho urbano coerente com a nossa história. Por isso resolveu-se fazer uma breve revisão da evolução da cidade de João Pessoa sob o foco dos “transportes no centro”. Em primeiro lugar, devo ter presente que o desenho urbano exige um domínio profundo de duas áreas do conhecimento: o processo de formação da cidade, que é histórico e cultural e que se interliga às formas utilizadas no passado mais ou menos longínquo, e que hoje estão disponíveis como materiais de trabalho do arquiteto urbanista; e a reflexão sobre a FORMA URBANA enquanto objetivo do urbanismo, ou melhor, enquanto corpo ou materialização da cidade capaz de determinar a vida humana em comunidade. Sem o profundo conhecimento da morfologia urbana, arriscam-se os arquitetos a desenhar a cidade segundo práticas superficiais, usando ‘feitios’ sem conteúdo disciplinar (LAMAS, 2000, p. 22).

Além disso, esse estudo histórico nos permite situar com mais precisão o centro dentro do conceito proposto por Villaça (2012) de “acessibilidade máxima”, verificando como essas “estruturas urbanas mais complexas vão surgindo como resultado da interação de processos de especialização produtiva e de organização espacial” (OLIVEIRA, 2006, p. 47), sendo a estrutura e a capacidade do setor de transportes determinante para alcançar-se essa máxima acessibilidade. Nos trabalhos de Vidal (2004), Oliveira (2006) e Medeiros Filho (2013), vê-se muito claramente que João Pessoa passou por um processo de modernização no século XX que tinha como preocupações constantes a estruturação e adequação do sistema viário “com o alargamento, o alinhamento e a abertura de novas ruas, que visaram proporcionar melhores condições de circulação; e por intervenções de ordem estética, que visaram o embelezamento dos espaços públicos” (VIDAL, 2004 p. 3), tendo os sistemas de transportes urbanos, segundo Oliveira (2006, p. 59) “contribuído

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de maneira decisiva em todas as fases de desenvolvimento urbano interagindo com a dinâmica da organização espacial da capital paraibana”. Embora a maioria das reformas do século XX na área central tenham sido feitas para atender o deslocamento rodoviário, marcando profundamente a feição morfológica que a região possui hoje, cabe destacar o papel que tiveram os transportes coletivos para o desenvolvimento da cidade, já que se basearam

majoritariamente

nos

transportes

sobre

trilhos,

“grandes

arranjadores do uso e ocupação do solo” nas palavras de Ferreira (2010, p. 13), que contribuíram para caracterizar sua vocação até os dias atuais. O primeiro desses transportes públicos implantados em João Pessoa foi o bonde, que já havia chegado ao Brasil desde 1870, designando os tramways, já espalhados pelo mundo (MEDEIROS FILHO, 2013), e começavam a entrar nas cidades brasileiras como ícone da modernidade: Viajar, ou passear, por um quarto de hora ou por meia hora ao lado de um desconhecido, sem dirigir-lhe a palavra, ou então trocar conversa formalmente sobre a política ou os costumes, com alguém que não se sabe exatamente quem é, era o sinal de novos tempos que o bonde poderia proporcionar (NASCIMENTO, 1996 apud MEDEIROS FILHO, 2013, p. 36).

A primeira linha de bonde a operar na cidade de João Pessoa era no sistema de bonde a burro, e foi inaugurada em 1896, ligando a cidade baixa à cidade alta através de “uma das mais importantes vias onde residiam as famílias de grande parte dos comerciantes da cidade. Era por ela que passavam os préstitos, as procissões, passeatas e cordões carnavalescos” (MEDEIROS, 1994, p. 117 apud MEDEIROS FILHO, 2013), e segundo Tinem e Carvalho (2005, p. 6 apud Medeiros, 2013) “essa subida do relevo pela Rua Barão da Passagem 3 tinha uma inclinação menor, permitindo, portanto, um melhor trânsito, em comparação com as ladeiras existentes para tal fim, pois era uma subida sinuosa em relação à declividade”. Esse traçado proposto também tinha claros objetivos de interligação que proporcionavam o enlace das principais atividades urbanas da época, como

3

Atual Rua da Areia

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elenca Medeiros Filho (2013), (i) ligação do setor residencial da Cidade Alta com o trem e o navio, os dois principais modos de transporte interurbano da época, e a porta de entrada e saída da Cidade da Parahyba; (ii) atração pela atividade comercial, onde o traçado sofre alteração, saindo da Rua Barão da Passagem (original saída do bonde) – de uso residencial – para a Rua Conde d’Eu4 – de uso comercial (iii) atração de viagens para atividades nos prédios públicos e para atividades de lazer ao visitar um dos primeiros jardins públicos construídos na cidade, ou ir a um espetáculo no Teatro Santa Roza. Mapa 3 – Traçado das três linhas do bonde a burro (1896) Fonte: Rodrigues (1984 p. 181) apud Medeiros Filho (2013 p. 95).

Nas imediações da atual Praça Venâncio Neiva (B) existia um entrocamento, por onde se distribuíam as linhas de Tambiá, para o Norte, e Trincheiras, para o Sul.

4

Atual Rua Maciel Pinheiro

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Mapa 4 – Traçado das linhas do bonde elétrico (1920) Fonte: Medeiros Filho (2013 p. 129).

Ao longo do tempo essas linhas foram se expandindo conforme a demanda, segundo acompanha Medeiros Filho (2013), até que em 1914, 18 anos depois, segundo Rodriguez (1994 apud Medeiros, 2013, p. 127) se inaugurou o serviço de bonde elétrico. É curioso perceber que mesmo com distâncias de deslocamento relativamente curtas (no final do século XIX, a capital paraibana se inscrevia em

uma

circunferência

de

raio

de

800

metros

de

comprimento

aproximadamente) (MEDEIROS, 2013), o bonde foi implantado, quando a cidade possuía dimensões que poderiam ser resolvidas em uma “caminhada a pé, a cavalo ou a charrete”. Vê-se assim, o papel que esse serviço urbano do bonde teve, de acordo com Medeiros (2013, p. 70), de garantir “o uso e a permanência das elites no espaço público, de forma que a modernização se mantivesse e elas pudessem mostrar o quanto eram modernas”, colocandoo como prioridade frente a tantos outros serviços importantes, e evidenciando o seu papel de ícone de modernidade. Já mais recentemente, merece destaque um importante estudo na área de

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transporte desenvolvido pela equipe do renomado arquiteto Jaime Lerner no ano de 1977, na administração do prefeito Hermano Almeida. Segundo Oliveira (2006, p. 104) a proposta reconhecia os eixos de expansão da cidade e propunha uma estrutura urbana de crescimento que se baseava em uma única diretriz “reunindo a ossatura viária, o uso do solo e o transporte coletivo nesses eixos de expansão”. O interessante do estudo é que todos os eixos principais, como também aqueles ainda em formação convergiam para o núcleo central justamente devido à “singularidade da malha viária resultante de um processo de urbanização iniciado na fundação da cidade”, e para tanto já se previa um anel viário de proteção (OLIVEIRA, 2006, p. 104). Mapa 5 – Mapa síntese proposta área central. Jaime Lerner Planejamento Urbano Fonte: Oliveira (2006 p. 108).

A estrutura urbana proposta previa a revitalização da área central a partir da criação de um anel viário com a função de proteger a área central liberando à área em torno da Rua Duque de Caxias e suas ramificações até o Parque Sólon de Lucena para o uso exclusivo de pedestres criando desta forma novas opções como alternativa de lazer aquele proporcionado pelas praias (OLIVEIRA, 2006).

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A proposição era extremamente inovadora para a época na medida em que transformava o centro em uma extensa área para pedestres, com o foco de proteção do patrimônio histórico da cidade, como fica bem claro nesta imagem da proposta abaixo. Mapa 6 – Proposta da área de pedestres. Jaime Lerner Planejamento Urbano Fonte: Oliveira (2006 p. 105).

Conforme relata Oliveira (2006, p. 105), os projetistas apostavam com esse projeto na associação do lazer junto ao trabalho, o que “permitiria a utilização dos equipamentos, […] como uma integração máxima das funções urbanas”. Isso nos leva a concluir o papel que o planejamento dos transportes pode assumir para a reestruturação da cidade.

[2.2] centro: problemas contemporâneos Mais recentemente, nas duas últimas décadas, viu-se no país uma explosão no número de automóveis em circulação. Isto devido aos últimos governos, que tiveram (e têm) no mercado automobilístico um dos principais motores da economia nacional. Isso tem acarretado um trânsito de veículos mais intenso, e por consequência um contínuo crescimento no número de acidentes no trânsito. Na cidade de João Pessoa, segundo dados de 2011 da Superintendência de Mobilidade Urbana (SEMOB/JP) (apud BRITO, 2012),

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o bairro do Centro é o líder nas estatísticas de acidentes sem vítimas e o segundo colocado considerando a UPS.5 Mapa 7 – Índices de Acidentes de Trânsito – Estimador Kernel Fonte: SEMOB, 2015

Dados da Secretaria de Segurança e Defesa Social do Estado da Paraíba (2011 apud BRITO, 2012) também nos mostram que o bairro do Centro é o que apresenta os maiores índices de criminalidade patrimonial do município de João Pessoa. De maneira não dissociável, segundo Ribeiro e Tavares (2015), assiste-se a um aumento também na violência urbana, resultando em uma insegurança que tem afastado cada vez mais as pessoas das ruas em atividades livres de fruição do espaço público, ou até mesmo de atividades corriqueiras como a utilização dos passeios a pé como transporte. Enquanto isso, diversos relatórios de experiências internacionais mostram que padrões de circulação do tráfego podem reduzir a criminalidade e melhorar a segurança social, como comenta Brito (2012, p. 48) “A

5

UPS significa Unidade de Padrão de Severidade, e é um cálculo que aplica um determinado peso ao acidente, de acordo com sua severidade (SEMOB, 2011 apud BRITO, 2012).

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moderação de tráfego pode desencorajar o crime, pois se o tráfego de veículos é acalmado, gera vida na rua e o crime pode ser minimizado pelo controle social”. Nacionalmente temos o exemplo de Curitiba, onde a implantação do sistema BRT veio acompanhada de outras ações complementares que foram fundamentais para o sucesso geral da rede de circulação, “foi proposto que as principais vias do centro da cidade fossem fechadas ao tráfego de veículos, e, em seguida, reservado para o uso exclusivo de pedestres, aparecendo as ruas tranquilas no centro da cidade” Ferreira (2010, p. 14). Um dos sintomas para a percepção de uma “carro-dependência” é verificar a quantidade de estacionamentos existentes numa área: sua expressão irá denotar não só a sua sujeição, mas também imporá uma série de restrições para

os

pedestres,

que

como

trata

Figueiredo

(2010,

p.

12)

estacionamentos são “um desperdício de solo urbano, podem aumentar distâncias para os pedestres quando geram grandes recuos entre edificações e a rua”. Quando da sua multiplicação no tecido da cidade provoca repercussões na vida urbana na medida em que criam grandes Figura 1 – “Carrodependência” Fonte: Ferreira (2010)

extensões de fachadas cegas, que funcionam como barreiras e acabam por funcionar como o oposto da urbanidade, apenas contribuindo para a criação de espaços “cada vez mais inóspitos, e potencialmente perigosos”. Urbanidade também parece depender de fachadas ativas, permeáveis e com interfaces diretas entre o público e o privado, as quais facilitam situações como pessoas conversando na porta de casa ou de uma pequena loja; ao mesmo tempo em que também permite certo controle sobre o que acontece na rua (FIGUEIREDO, 2010).

Segundo Figueiredo (2010, p. 16) “Ruas vazias e cercadas por fachadas cegas parecem ser outra restrição para os modos de vida que dependem de fachadas ativas e permeáveis”. Essa problemática torna-se ainda mais perigosa na medida em que pode alimentar um ciclo vicioso, onde o aumento da criminalidade pode afastar os proprietários de imóveis do local, transformando-o em um espaço vazio ou subutilizado. Agora, com mais extensões de muros, o espaço aberto torna-se ainda mais vazio, contribuindo para o aumento da sensação de insegurança, em uma roda de

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abandono: espaços abertos públicos > espaços privados > espaços abertos públicos... até o esvaziamento da zona central.

Mapa 8 – Mapa da Em uma cidade como João Pessoa, a terceira mais antiga do Brasil, com o ociosidade casco histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Fonte: elaborado pelo autor/julho Nacional (IPHAN), é lamentável ver esse patrimônio se esvair em detrimento 2015 de um planejamento omisso em relação às dinâmicas de desenvolvimento urbano e seus efeitos na mobilidade. Longas vias asfaltadas, com grande número de ônibus e motos circulando, automóveis dominando o espaço de ruas, calçadas e terrenos (transformados em estacionamento), enquanto as pessoas disputam espaço no que resta de calçada, formam o cenário urbano da área. Sobre isso Jane Jacobs comenta: As ruas e suas calçadas, os principais locais públicos de uma cidade, são os seus órgãos mais vitais. Pense em uma cidade e o que vem em mente? Suas ruas. Se uma rua da cidade lhe parece interessante, a cidade parece interessante; se lhe parece chata, a cidade parece chata (JACOBS, 1961. p 29).

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Figura 2 – Casarão em ruínas em frente a Câmara Municipal de João Pessoa, transformado em estacionamento Foto : auto r/ago sto de 20 15

[2.3] BRT no centro – um outro ponto de vista Em face de uma proposta em vias de execução pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) de implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit) nos principais corredores viários da cidade de maneira radial ao centro, a já existente estrutura urbana radial da cidade será potencializada. A operação dos ônibus em faixa exclusiva atacará, como analogicamente explica Ferreira (2010, p. 25) o problema cardiovascular do congestionamento de tráfego: “se as artérias do nosso corpo entopem, temos duas opções: podemos morrer, ou podemos reconstruí-las cirurgicamente de uma nova maneira”. Assim, a partir desse procedimento, o centro estará oportunizado a uma situação de imensa (re)valorização da sua dinâmica de rendimento urbano, já que estará abastecido por uma rede de transporte público de massa a partir de todos os eixos da cidade, gerando mais facilidade de acesso, e por consequência uma maior circulação de pessoas – condição sine qua non para o desenvolvimento imobiliário habitacional da região, fluxo de capital etc. Para o funcionamento pleno do sistema BRT, demandam-se estruturas de suporte para esses “super-ônibus” que incluam “infraestrutura segregada com prioridade de passagem; cobrança da tarifa fora do ônibus; tratamento das interseções e embarque por plataforma em nível” (PlanMob, 2015, p. 48), características essas que devem ser mantidas durante todo o percurso para que se possa garantir a sua operação integral. Essa característica de plenitude do sistema (manutenção da mesma infraestrutura ao longo de todo

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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Mapa 9 – Projeto Básico Tipo dos Corredores do Sistema BRT [Esc. Original: 1:45 000] Fonte: PMJP, 2013. Disponível em: <http://www.joaope ssoa.pb.gov.br/secr etarias/semob/pacmobilidadeurbana/>. Acesso 06/05/2015

Figura a – Corredor BRT em Curitiba Disponível em: <http://blogs.iadb.or g/ciudadessostenible s/2014/09/09/siste mas-brt/>. Acesso 26/08/2015 o percurso e linhas) será integralmente adotada na cidade de João Pessoa, segundo a SEMOB6. Sabe-se que para manter essas características existe a necessidade de considerável espaço físico, para a instalação de faixas exclusivas, que no Figura b – Estação BRT no Rio de Janeiro Disponível em: <http://noticias.r7.co m/rio-dejaneiro/noticias/defeit o-em-portas-naestacao-do-brtexpoe-passageirosao-risco20120929.html>. Acesso 26/08/2015

geral operam ao lado de faixas de automóveis (figura a) e opções de desvios de fluxo, para acomodar a demanda de tráfego automotor reprimida nos corredores de ônibus. Surgem também com isso algumas barreiras de micro-acessibilidade criadas pelas estações de transbordo (que são altas – no nível do ônibus – figura b): no geral essas estações são longas (principalmente no centro, onde há sobreposição de linhas operando na 6 A informação foi fornecida por Adalberto Araújo, em entrevista ao autor na SEMOB no dia 08 de junho de 2015, que acrescentou que isso será “um diferencial dos outros sistemas de BRT que vem sendo implantados no Brasil, mas que vem flexibilizando sua características em determinados trechos, que resulta em uma ineficiência de operação”.

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mesma estação) e criam isolamentos entre lados da rua (figura c), dificultando a livre passagem do pedestre, bem como criando situações de obstrução visual (figura d). Essas condições são compatíveis (adaptáveis) com a estrutura viária arterial mais recente da cidade (a partir do século XX), que possui

avenidas

mais

largas,

construídas

sob

uma

legislação

de

afastamentos mais moderna, e que possibilita um leque de opções de desvios razoavelmente satisfatória. Figura c – Estação BRT no centro de Belo Horizonte Foto: autor/maio de 2015

No entanto, a estrutura urbana da zona histórica, com formações do século XVI à XIX, que apresenta características morfológicas mais compactas, como ruas mais estreitas, recuos frontais mínimos ou nulos torna-se incompatível com o sistema proposto, que paradoxalmente vai de encontro a essas características. O transporte motorizado pesado produz ruído excessivo, acentuando a poluição sonora nas residências, bem como problemas de intrusão visual, onde as plataformas de embarque, excessivamente grandes, causam dificuldades de inserção no sítio histórico tombado, além do grande fluxo de veículos de grande porte em uma área de grande interesse

Figura d – Estação BRT no centro de Belo Horizonte Foto: autor/maio de 2015

paisagístico e afluxo de pedestres. Acredita-se, portanto, que ao mesmo tempo que o projeto apresenta uma oportunidade

ímpar

de

valorização

do

centro

como

ímã

das

subcentralidades, essa implantação tal qual é proposta pode se revelar como um efeito reverso indesejado, de desvalorização do seu patrimônio histórico, perda dos espaços públicos e de lazer de caráter bucólico, bem como outras atividades culturais específicas do Centro, a partir da priorização espacial dos transportes motorizados (seja ele carro ou ônibus) no projeto da área central. Sabe-se que “a criação de avenidas gigantescas para o carro significava se desintegrar dos espaços públicos da cidade e a degradação dos seus valores mais significativos e referências. Que o centro deve ser preservado como um lugar de reunião para as pessoas, não para carros” Ferreira (2010, p. 14). Em face disso, o trabalho antecipa uma solução a partir da visualização de um problema, entendendo que esse coração no qual desaguarão todos os eixos necessite de um planejamento especial para acolher de maneira

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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eficiente toda essa massa populacional com uma infraestrutura de transição adequada. Para tanto, aplica as táticas do que Castro (2007, p. 19) chama de “urbanismo induzido”, que é feito visando os “efeitos colaterais” de determinadas novas infraestruturas, que podem ser principalmente a “valorização do patrimônio, recomposição e embelezamento do espaço Infográfico 1 – Resumo da problemática do projeto dos BRTs proposto pela PMJP Fonte: elaborado pelo autor

urbano, transformações sociais”. Assim, pode-se, a partir do rearranjo da estrutura viária do centro, conseguir manter a estrutura modal proposta extra-centro do BRT, inserindo intra-centro outros modais alternativos que enlacem com esse projeto, e que ao mesmo tempo possibilitem o desfrute da zona central por modos suaves7, atendendo a viabilização de soluções mais ecológicas e financeiras.

7

Segundo o PRO'MOBILITÉ, são modos não motorizados (ativos), comumente usados para expressar seus benefícios à saúde e que não consomem combustível fóssil e não emitem poluentes do ar e gases de efeito estufa, o contrário de modos motorizados (passivos). O termo é muito utilizado na França para definir os modos de viagem “cansativos” ou “suaves”, o principal deles é a caminhada a pé, porém também podem ser mecanizados, como a bicicleta, skates, patinação, carrinhos etc.

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27


[2.4] VLT: um modelo modal adequado à centros históricos O relatório do Plano de Ação João Pessoa Sustentável elaborado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), atesta que a cidade tem no sistema de transportes a maior fonte de emissão dos gases CO2 (63%), principalmente pelo consumo do diesel e da gasolina, figurando nas primeiras posições das cidades latino-americanas analisadas quanto a esse critério (muito superior aos demais critérios), e apresentando inclusive uma projeção de crescimento de 110% até 2050. Gráfico 1 – Principais setores de emissões de GEE de João Pessoa e alguma cidades da América Latina Fonte: Elaboração do Consórcio IDONCobrape Entre as ações propostas pelo relatório do BID para minimização desse efeito está a “promoção do transporte sustentável” e “redução do consumo de combustível”, premissas essas já contidas no Plano Diretor da cidade de maneira semelhante, que tem no seu Artigo 42, nas diretrizes que constituem a política de transporte público de passageiros a “Adoção de novas tecnologias que visem à redução de poluentes, resíduos em suspensão e de poluição sonora, priorizando a utilização de combustíveis renováveis” (JOÃO PESSOA, 2009). Esses fatores vão de encontro aos projetos da PMJP para a cidade, que apresentam uma deliberada priorização modal ao transporte motorizado sobre rodas (grande consumidor e liberador de carbono), que não têm, assim, qualquer relação com uma política ambiental de controle das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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Mapa 10 – Mapa de Densidade das Linhas de ônibus de João Pessoa Fonte: Patrícia Lira (2014) – Dados: SEMOB/PMJP

Sabendo

disso,

e

que

a

zona

central

é

a

área

de

maior

acúmulo/sobreposição de linhas de ônibus (ver mapa 8), é lícito pensar que se pode reestruturar o sistema nessa porção aproveitando a densidade de passageiros, fazendo a troca de dezenas de ônibus (de baixa e média capacidade individualmente) por um sistema de média (podendo chegar até alta) capacidade em tronco agregado (VLT – veículo leve sobre trilhos). Desse ponto de vista o VLT parece ser adequado, já que resolve a sobreposição de linhas, racionalizando a oferta de transporte sobre a área central, bem como se adequa às característica ambientais, já que é um sistema elétrico, de baixo consumo de carbono e zero emissão de poluentes. Finalmente, esse sistema encaixa-se perfeitamente na zona central objeto de estudo, pelos fatores específicos de compatibilização morfológicas já

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

29


discutidos anteriormente, já que o veículo tem um desempenho silencioso e é ajustável a ruas estreitas, tornando-se chave para o ponto de partida pretendido por este trabalho de reestruturar a dinâmica da área central e torná-la mais atrativa, atraindo usuários para o transporte público e trazendo uma boa imagem para a cidade. Com um projeto integrado [de inserção do VLT] é possível promover, através de uma transformação modal, uma reestruturação urbana, a partir do rearranjo dos demais modais, que agora vão ter que suportar ou alimentar esses novos troncos, promovendo uma equidistribuição escalar da rede através de conexões eficientes, passando pelo desenvolvimento turístico das cidades, até o desenvolvimento imobiliário local, sendo o transporte público indispensável para o fortalecimento econômico da cidade central – de grande valia, portanto, para as cidades brasileiras, que possuem centros históricos desgastados tanto do ponto de vista infra estrutural como financeiro (TAVARES e RIBEIRO, 2015).

É importante ressaltar que todas essas soluções encontram-se alinhadas com o que preconiza o Plano Diretor da cidade, no seu artigo 42: Investimento em políticas de humanização do trânsito, em especial nas áreas de educação e !fiscalização da circulação, buscando uma convivência pacífica entre veículos, pedestres e !ciclistas; Tratamento urbanístico que preserve o patrimônio histórico, arquitetônico e ambiental da !cidade; Ajuste da oferta dos serviços à demanda, de forma a utilizar seus efeitos indutores e a compatibilizar a acessibilidade local às propostas de parcelamento, uso e ocupação do solo (JOÃO PESSOA. Decreto n. 6.499/2009).

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[capítulo 3] metodologia “Deve-se levar em conta que a condição de sobrevivência dos núcleos antigos remanescentes é determinada pela solução urbanística geral” Giulio Carlo Argan História da arte como história da cidade (2005), pág.77


Este trabalho tem como produto final um novo plano de mobilidade para a Zona Central de João Pessoa, e para tanto estabelece uma metodologia que articula as diversas fases necessárias à proposição de um Masterplan em etapas de trabalho lógico-sequenciais, objetivando que esse plano, ao final seja, de fato, resultado de um processo de apreensão e aplicação das análises críticas discutidas. No Brasil, Planos Diretores, embora com alguns avanços recentes, têm sido elaborados muito mais como um instrumento jurídico do que de planejamento efetivo. Na sua conceituação, o Estatuto da Cidade (BRASIL 2002, p. 40) o define como: "um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano". No contexto europeu, tem sido muito disseminado o uso e aplicação de Masterplans, tal qual o exemplo do Reino Unido: Um documento de orientação estratégica que registra um processo colaborativo e multidisciplinar para formular princípios de planejamento e projeto (relacionados com aspectos sociais, econômicos, ambientais e da forma física tridimensional) para um lugar ou área, e apresenta como esses princípios podem ser implementados (COWAN, Rob, 2001, tradução nossa).

Embora não seja comum a utilização do masterplan dessa maneira no Brasil, como uma ferramenta avançada (com planos) de visão de cidade que oriente o planejamento dos governos, resolve-se usá-lo pela sua importância ao oferecer “o método para definir uma tal estratégia” (CABE, 2004, p. 9), tornando-se

importante

na

medida

que

gera

as

bases

para

o

desenvolvimento de diversos outros projetos futuros de sucesso na área. É importante reconhecer desde o início que masterplans não devem ser vistos como modelos rígidos para o desenvolvimento e projeto. Ao contrário, eles definem o contexto, em que os projetos individuais virão pela frente. Este documento é, portanto, sobre este estágio estratégico de pensar; mas o sucesso dependerá em última análise da entrega do grande projeto em um nível mais detalhado (CABE, 2004, p. 97, tradução nossa).

Portanto, para a elaboração da peça do masterplan, este trabalho adota as metodologias propostas pelo CABE (2004), que reconhece que esse plano

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abrange uma ampla gama de questões complexas e por vezes conflitantes. Ele coloca o planejador urbano como parte de um processo positivo e próativo que pode trazer benefícios significativos por (a) Ajudar a moldar a forma física tridimensional que responde às dinâmicas econômicas e sociais; (b) Ajudar a identificar o potencial de uma área para o desenvolvimento; (c) Fazer o desbloqueio prévio de áreas subdesenvolvidas; (d) Envolver a comunidade local na reflexão sobre o seu papel no processo de desenvolvimento ou regeneração; (e) Ajudar a construir consenso sobre o futuro de uma área e identificar prioridades de ação; (f) Aumentar o valor da terra e estabelecer mais esquemas de viabilidade. Ao seu fim, elabora-se um quadro estratégico de implementação do plano elaborado, que seja realista, e que arremate a proposta de maneira a não ser “um desperdício de tempo e energia se resulta um documento que fica em uma prateleira” CABE (2004, p. 26). Assim, busca-se mover-se pelas estratégias dadas pelo CABE (2004, p. 26) que envolvam a (a) Aceitação pelos parceiros-chave que o colocarão em prática; (b) Possíveis mecanismos de entrega, sejam públicos ou privados; (c) Como se engajar com os parceiros de desenvolvimento; (d) Prováveis fontes de recurso, fluxo de caixa e retorno sobre o investimento (e) Período de tempo. Todo o trabalho de elaboração do plano precisa estar baseado na criação de mapas específicos que ajudarão a elucidar as lacunas percebidas pelas indagações teóricas e estabelecer precisão em alguns dados. Para realizar tal procedimento, optou-se pela utilização da ferramenta SIG (Sistema de Informação Geográfica), que é um sistema que trata dados geográficos em meio computacional, possibilitando a criação e/ou manipulação de um banco de dados (de acordo com as informações levantadas), que pode ser explorado de acordo com o interesse do usuário, com a aplicação de diversas ferramentas de análise espacial, podendo ser apresentadas em forma de mapeamento temático. Para tanto, optou-se por utilizar o QGIS, que é um software de código aberto/livre. Assim, buscou-se reunir todos os aportes de concepção de um plano de mobilidade, congregando-o com as ideias contidas na concepção de um

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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masterplan

(planejamento

estratégico

mais

amplo) e

construir

uma

metodologia simplificada que pudesse expressar todo o caminho de elaboração

(etapas),

sem

aprofundar-se

em

instrumentos

técnicos

específicos. Não seria possível na prática, por exemplo, propor mudanças na circulação sem um estudo específico de tráfego simulado em software; tampouco avançar na metodologia dos Stakeholder Analysis sem uma eficiente rodada de discussões e audiências populares. Trata-se portanto de uma simulação de método, a partir de uma visão do autor, e que demandaria numa situação ideal ferramentas mais avançadas, exigindo a atuação conjunta com outros profissionais, que fogem do escopo de um trabalho de graduação em Arquitetura e Urbanismo e demanda um tempo de estudo dilatado. Muito embora reconheça-se que a própria SEMOB (em uma situação real) proceda as modificações de trânsito na cidade sem esses estudos fundamentais; não apresentando no projeto dos BRTs, por exemplo, planejamentos intersetoriais, laudos de impacto viário, audiências públicas etc, que se rebatem nos demais projetos por ela executados.

Infográfico 2 – Etapas da metodologia Fonte: elaborado pelo autor

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[3.1] Stakeholder Analysis: Com o intuito de expressar um cenário o mais próximo possível da realidade necessita-se o reconhecimento do público envolvido (órgãos públicos, setores da sociedade civil, investidores privados etc). Optou-se pela utilização do método de Stakeholder Analysis8, que será importante não só para a coleta de dados para alimentação da pesquisa através desses agentes, como para a definição da importância de cada um na influência do projeto, de maneira que nos permita “usar as opiniões das partes interessadas mais poderosas para moldar os seus projetos numa fase inicial” (MindTools). Esses agentes foram identificados conforme a orientação do documento da IHS 9 , que sugere para o reconhecimento de “Quem são as partes interessadas?” a percepção de que os escolhidos sejam atingidos – positiva ou negativamente – pelo plano ou por implicações decorrentes dele. Que possam contribuir com recursos humanos ou materiais no planejamento e implementação do processo, ou ainda que tenham algum interesse no resultado, contribuindo para o seu sucesso ou insucesso. Com base nas instruções de desenvolvimento da metodologia proposta por Ore Fika (2014), em dois principais passos conseguiremos identificar a legitimidade e o interesse de cada um no processo: (1) Brainstorm de identificação de atores com base numa tabela genérica: GRUPOS DE ATORES (internacional, nacional, setoriais, locais, setor privado, mídia, organizações comunitárias e não governamentais e pessoas) com EXEMPLOS de cada um deles (Bancos Mundiais,

8

Essa metodologia é largamente conhecida na gestão empresarial (Mind Tools), e vem sendo aplicada com êxito nos processos de planejamento e gestão urbana – a publicação Stakeholder Analysis Guidelines de Kammi Schmeer apresenta a metodologia de forma completa. Disponível em <http://www.eestum.eu/voorbeelden/Stakeholders_analysis_guidelines.pdf>. Acesso em 27 de mai. 2015. 9 FIKA, Ore. Stakeholder Mobilization: IHS – Institute for Housing and Urban Development Studies. Netherlands: Erasmus University Rotterdam, 2014. Notas de aula. Digital (Word)

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Ministérios,

Prefeituras,

Secretarias,

Associações,

Comerciantes,

Famílias etc); (2) Priorização das partes interessadas: Utilização de critérios objetivos para decidir quais a partes interessadas a considerar para cada uma das fases do processo: dois desses são poder (influência potencial) e interesse; verifica-se estes para cada parte interessada (ajudando a determinar em quem se concentrar). Pensar se cada parte interessada tem interesse e, portanto, uma "participação" no processo e se eles têm poder e podem influenciar um determinado assunto. Isso é feito organizando-os na seguinte matriz: Low interest/small stake

High Interest/big stake

High power/influence

Participant with decision making, opinion weight

Participants with the highest weight

Low power/limited influence

Participant with small weight

Important participant but maybe needing support

Por fim Ore Fika (2014) sugere um gráfico síntese onde a posição de algum agente na grade começa a nos mostrar as ações que podemos ter com cada um deles10: §

Alto poder, pessoas interessadas: estas são as pessoas que você deve empenhar-se totalmente e fazer os maiores esforços para satisfazer;

§

Alto poder, pessoas menos interessadas: se esforce suficientemente neles para mantê-los satisfeitos, mas não tanto que eles ficam entediados com a sua mensagem;

§

Baixo

poder,

pessoas

interessadas:

manter

estas

pessoas

adequadamente informadas e falar com elas para garantir que não há grandes problemas surgindo. Essas pessoas muitas vezes podem ser muito úteis com os detalhes de seu plano;

10

Tradução livre

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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§

Baixo poder, pessoas menos interessadas: mais uma vez, monitorar essas pessoas, mas não aborrecê-las com a comunicação excessiva.

Gráfico 2 – Relação Poder X Interesse Fonte: elaborado pelo autor (baseado em Ore Fika (2014)

[3.2] modelo conceitual A partir do momento em que se tem noção dos problemas da área, é possível buscar em experiências bem sucedidas de implementação de projetos semelhantes, estratégias viáveis para a aplicação no contexto local. Para tanto, faremos um estudo de caso a partir de planos e projetos com características

semelhantes:

planejamento

de

centros

históricos,

acessibilidade à centros urbanos em cidades de médio porte, e que possuam projetos de desenho urbano que contemplem interfaces de desenho viário humanizadas. A partir desses estudos de caso, associados à literatura de desenho urbano pode-se construir um esquema simplificado da atuação através da utilização de um modelo gráfico-teórico. Eles compõem uma ideia de mapa como propõe o CABE (2004), que contenha a estratégia principal, expondo a visão e objetivos estratégicos para a área. Sobre esse mapa como documento

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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complementar

de

planejamento

o

CABE

fala

que

seus

principais

componentes são: A estratégia principal, que define os objetivos estratégicos e de visão para a área, juntamente com uma estratégia espacial, uma série de políticas básicas e um quadro de monitorização e implementação. [...] A estratégia principal deve ajudar a fornecer a visão e refletir as circunstâncias únicas de uma área particular. A ênfase dada ao projeto será adequada localmente (CABE, 2004, p. 29,

tradução nossa). O modelo conceitual final será um resumo que servirá para nortear a aplicação direta dessas propostas no objeto de estudo local, evitando que o ato projetual se torne um processo de tentativa-e-erro, e propicie ao urbanista uma atuação de desenho sequenciada e condizente com os métodos e ações anteriormente definidas.

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[capítulo 4] estudos referenciais "O processo de projeto não deve apenas considerar o que vivemos e vemos com os nossos olhos, nós deveríamos estar pensando em toda a resposta humana ao local, incluindo a sua cultura, memória e história." Michael Freeman Argent Group plc em CABE (2004), pág. 54


Os estudos de caso escolhidos para a análise representam uma lógica de atuação contemporânea recente em áreas urbanas europeias que tiveram um processo semelhante de implantação, na medida em que as duas cidades vinham de uma política de constante valorização do automóvel, e resolvem, com a implantação desses projetos priorizar o transporte coletivo em detrimento do particular – abrindo com isso uma luta política para a sua consecução. Essa escolha não foi aleatória. Se baseou inicialmente na necessidade das cidades possuírem parâmetros que podem ser no mínimo parcialmente adotados, ou nos servirem de reflexão para avaliação da sua forma de implantação – já a um período considerável para tecer avaliações. As cidades analisadas foram escolhidas após visita e reconhecimento de sua dinâmica, identificando padrões semelhantes em cidades médias, com menos de um milhão de habitantes, e encontram-se em um plano intermediário de visibilidade nacional: nem grandes metrópoles nacionais, nem municípios “desconexos” – que não são objeto de muitas análises na literatura globalizada.

[4.1] sevilha, espanha Sevilha é a quarta cidade mais povoada da Espanha (702.345hab /INE, 2011), a capital da Andaluzia, e muito conhecida pelo seu magnífico casco histórico, o mais extenso do país e um dos três maiores da Europa. Um dossiê11, elaborado pela Prefeitura de Sevilla em 2006 dava conta de que a Plaza Nueva, onde culmina a Avenida de La Constituición (principal eixo de acesso ao centro), ponto central da cidade, acolhia no ano de 2006, 11 terminais de linhas radiais (27% da rede da Empresa Municipal de Transporte), dando serviço a um público de 380.720 habitantes (74% da população de Sevilla, na época), expressando um total de 92 ônibus por sentido, ou seja, 1,5 por minuto, além de táxis e veículos residentes, totalizando um conjunto de 20.000 veículos/dia, que transportam em média

11

Dossier Peatonalización y Metro_Centro

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40


50.000

passageiros,

somente

nessa

avenida.

Esse

imenso

tráfego

“suportado” dava claro sinais da sua insustentabilidade através de visíveis marcas urbanas relatadas por Tejedor (2009, p. 37), como o “escurecimento progressivo dos seus monumentos e edifícios”, “rua com escassa vizinhança” e “ocupação por escritórios de empresas de atividades muito variadas”. O casco antigo, morfologicamente diferenciado do restante da cidade – altamente denso, com tecido medieval (resultado de uma muralha que cercou a cidade por grande parte da sua história) – foi re-planejado para dificultar o acesso por transporte individual. Criou-se um anel em torno dele para facilitar a circulação motorizada perimetral, aonde chegam as principais vias da cidade, e a partir daí se criam novas vias, de tráfego mais lento que levarão ao acesso mais interno no casco (não possuem ligação direta anelanel). Apenas um eixo principal no centro do casco foi escolhido para fazer essa articulação entre os dois pólos (leste-oeste) (ver mapa 9). A ligação norte-sul (a mais extensa) tem na Avenida de la Constituición o seu principal eixo condutor. Ela está incrustrada no coração monumental e cívico da cidade, claramente perceptível pela presença ao longo dela do poder religioso (hoje a Catedral), o poder político, distante uma quadra (hoje o Palácio Real Alcázar), e o poder econômico (o Arquivo das Índias), que fazem desta Avenida uma das mais importantes do ponto de vista econômico, social e político para a cidade. Figura 3 – Imagem da Avenida antes da pedestrianização, no trecho em frente à Catedral. Fonte: Sevilla Insólita. Disponível em: <http://elpasadodes evilla.blogspot.com.e s>. Acesso: 21/10/2014. A Avenida de la Constituición foi a escolhida pela prefeitura local para dar início a um grande projeto de reurbanização do centro histórico, modificando por completo a sua forma de acessibilidade. O que antes era uma típica rua

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principal: asfaltada, larga (com quatro faixas de circulação) e com calçadas de dois metros ornamentadas com árvores, tornou-se após a inserção do VLT um grande espaço cívico: passeio em nível único com as duas margens totalmente livres para os transeuntes, faixa de serviço para o mobiliário urbano (que pode ser utilizado pelos comerciantes da frente do lote para colocação de mesas), ciclofaixa, e justo no centro da via, duas faixas para a circulação do tranvía. Mapa 11 – Esquema conceitual de acessibilidade do centro de Sevilha, Espanha (raio 2,5km) Fonte: elaborado pelo autor* *O mapa foi elaborado sobre base do “Plan General de Ordenación Urbanística de Sevilla 2006”, especificamente a partir do cruzamento dos seus mapas “Accesibilidad y Movilidad: Sistema General Viario y Apacarmientos principales”, “Accesibilidad y Movilidad: Transporte Colectivo” e “Accesibilidad y Movilidad: Red principal de espacios peatonales e bicicarriles”

[re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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O VLT parte de San Bernardo, importante ponto de integração dos ônibus municipais (as trocas se dão no espaço público e não em estrutura fechada), e andam pela cidade em via segregada, até chegar à zona central, onde ele muda sua configuração e passa a operar na interface conjugada com o pedestre. Esse sistema foi o que permitiu o fechamento drástico dessa avenida, exatamente porque possibilitou a acessibilidade em grande volume, trocando Figura 4 e 5 – Convivência pacífica entre os diversos modais após a pedestrianização. Foto: Bruna Matos

as centenas de ônibus e automóveis por dois comboios de trem. Com isso, diminuiu-se drasticamente a emissão de gases, o nível de ruído, e permitiu-se inverter a primazia espacial dos transportes motorizados. A peculiaridade desse projeto é a extrema convivência entre o VLT e os pedestres, permitida devido a baixa velocidade com que circula o vagão (10km/h).

Hoje a avenida tornou-se, de fato, o centro referencial da zona central da cidade,

abrigando

numa

plataforma

pedonal

moradores,

turistas,

trabalhadores, etc numa espécie de eixo cívico de conjugação de classes, com a constante presença de artistas de rua.

[4.2] bordeaux, frança Já a cidade de Bordeaux, que está no sudoeste da França e tem cerca de 242.945 habitantes (LACUB, 2011), é a capital do departamento Gironda, que conta com cerca de 724.224 habitantes (LACUB, 2011), caracterizandose como a nona mais povoada do país. A cidade foi classificada recentemente pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade pelo seu “excepcional conjunto urbano”.

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Seguindo uma tendência mundial de incentivo ao transporte motorizado, as cidades francesas começavam a perceber seu estrangulamento; em Bordeaux, a CUB (Administração da Comunidade Urbana – autoridade organizadora dos transportes urbanos) constatou uma tendência para a extensão urbana e para a utilização demasiada do automóvel. Esses dois fenômenos, segundo a própria leitura do órgão, levaram à desvitalização dos centros urbanos, à lentidão do tráfego, ao enclave dos bairros com dificuldades sociais, à falta de espaços para pedestres e ciclistas e a “incômodos de todo o gênero” (picos de poluição, ruído etc). Seguindo uma tônica francesa de utilização do modelo do bonde elétrico como vetor de uma re-dinamização urbana completa, as autoridades locais decidiram utilizar o VLT, já que sua inserção no espaço público iria fazer com que a própria aglomeração pudesse ser inteiramente repensada. Uma oportunidade ímpar para reestruturar o território e responder de forma global aos 27 distritos que orbitam a cidade. Além de ter a vantagem financeira importante, segundo consta no relatório LACUB: 5 km de metrô equivaliam a 24 km de linha do VLT. Figura 6 – Trecho onde o VLT transita em interface eminentemente pedonal e turística. Foto: Ernesto Loewenbach (nov 2014)

A partir de 2003, começaram a circular na cidade três linhas de VLT (43,5 Km), ligando ponta a ponta das suas periferias, e todas elas cruzando por diagonais diferentes o centro (parte integrante de uma revitalização turística). O sucesso do plano baseou-se no desenvolvimento de uma rede intermodal, inicialmente carro-VLT, onde foram construídos, junto ao desenvolvimento das linhas 15 parkings (4.729 vagas), que permitiram que os usuários pudessem fazer essa transição de maneira eficiente. Paralelo a essa

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transição base, destaca-se em Bordeaux o desenvolvimento de uma rede de aluguel de bicicletas, e uma reestruturação da rede de ônibus convencionais de maneira complementária às linhas tronco dos tranvias, onde o centro passou a oferecer uma circulação interna por microônibus baixos que fazem curtos trajetos. Diferente de Sevilha, que aplicou um projeto menos ambicioso e com fases mais curtas, resultando em apenas duas configurações de linha, a rede em Mapa 12 – Esquema conceitual de acessibilidade da cidade de Bordeaux, França (raio 2,5km) Fonte: elaborado pelo autor* *O mapa foi elaborado cruzandose dados da autoridade de urbanismo “Bordeaux Métropole” com um mapa dinâmico online disponibilizado pela gerência de transportes públicos da cidade. Disponível, respectivamente em <http://www.bordea uxmetropole.fr/stationn ement/parcs-destationnement> e <http://plandynamiq ue.infotbc.com>. Acesso em: 06 jul. 2015.

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Bordeaux foi estruturada segundo três configurações básicas: a via segregada, completamente isolada da circulação geral, elevada do leito viário e intransitáveis por veículos, exceto nos cruzamentos (adotada em casos de vias de grande disponibilidade de largura); a via protegida, onde a plataforma fica elevada apenas 6 cm, permitindo ser utilizada excepcionalmente por veículos para fazer ultrapassagens de obstáculos como um veículo quebrado ou um caminhão de entrega; ou ainda a via livre, que funciona em condições de vias estreitas, onde veículos e bonde compartilham o mesmo espaço de circulação, e o leito é projetado como se fosse para pedestres. Neste caso o bonde tem a sua velocidade adaptada ao fluxo de pedestres e ciclistas (estas zonas têm acessos controlados, e é permitido o acesso de carga e descarga apenas em momentos determinados).

Figura 7 e 8 – Disposição configuracional diversa da rede: à esquerda via com a possibilidade de compartilhamento com automóveis, à direita, via protegida ou semisegregada. Foto: Autor e Ernesto Loewenbach (abr/nov 2014)

Os dados apresentados pela Comunidade Urbana de Bordeaux atestam que a aglomeração do centro teve o tráfego de carros reduzido em 18% em oito anos, número importante para uma iniciativa que visava principalmente reverter a dependência do automóvel privado, provando a eficiência da ação, quando se pode visualizar que nesse mesmo período a presença da rede de transportes públicos subiu 64% (em média, 6 milhões passageiros/mês) (LACUB).

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[4.3] quadro comparativo dos estudos tipológicos CATEGORIA DE ANÁLISE ÁREA ZONA CENTRAL (aproximada) ANEL PERIMETRAL (transporte motorizado)

VIAS PRINCIPAIS (automóveis e transporte público)

NÚMERO DE LINHAS VLT ESTAÇÕES CENTRO/ NÚMERO TOTAL DE ESTAÇÕES EXTENSÃO DAS LINHAS DE VLT DISTÂNCIA MÉDIA ENTRE AS PARADAS (centro) CICLO-ROTAS

SISTEMA DE ALUGUEL DE BICICLETAS

SEVILHA

BORDEAUX

3,3Km2

2,7Km2

SIM No perímetro oeste e norte são 6 faixas de circulação (3 em cada sentido – sendo 1 exclusiva de ônibus) No perímetro leste é monodirecional com 3 faixas (1 exclusiva de ônibus) e uma faixa reversa apenas para ônibus e táxi Em geral “descarregam” no anel viário. Eventualmente cruzam o centro, ou transformam-se em vias locais intra-centro. Por vezes formam alças no centro. 1

SIM Em geral possuem 4 faixas de circulação (2 em cada sentido). Na porção leste a configuração acomoda a faixa segregada do VLT.

As principais vias adentram no centro, e em geral formam alças (entrada por um local e saída por outro). Por vezes também fazem o cruzamento de zonas diagonais. 3

3 de 5

38 de 89

2,2km

43km

515m

380m

Todo o percurso do VLT é acompanhado da chamada Acera bici (ciclofaixa na calçada), nas demais ruas do centro inexistem ciclovias, porém a baixa velocidade das vias (locais) permitem o bom uso das bicicletas SIM Existem em média 50 estações de aluguel de bicicletas na zona central

As rotas do VLT não são necessariamente acompanhadas de ciclofaixas, porém toda a zona central é bem dotada de ciclofaixas.

SIM Existem aproximadamente 100 estações de aluguel de bicicletas na zona central

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ESTACIONAMENTOS (PARKINGS)

ADMINISTRAÇÃO DO SISTEMA DE TRANSPORTE COLETIVO

SIM A zona central é servida por, em média, 13 estacionamentos públicos ou privados. Encontram-se principalmente nas bordas do anel viário, ou próximo às linhas viárias perfurantes TUSSAM – Sociedade Anônima (Gestão, exploração e administração dos serviços públicos de transportes coletivos urbanos de Sevilla)

SIM A zona central é servida por, em média, 18 estacionamentos públicos ou privados. Encontram-se ao longo das linhas do VLT, e no miolo central próximo aos nós viários

LA CUB – Autoridade organizadora dos transportes

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[4.4] modelo conceitual Cruzando os esquemas elaborados para cada cidade com o quadro comparativo, concentramos todo esse aporte técnico na reprodução sintética dos aspectos considerados mais importantes para o projeto (ideiaschave). A partir da apresentação sequenciada de cada aspecto, poderemos ter, ao final, um esquema com bastante informação, ainda que com poucos elementos. a.

Transporte pesado: escala periferia-centro (≈6km)

b.

Transporte leve: VLT + ônibus não tradicionais Transporte no centro da cidade (≈2-3km)

c.

Tráfego veicular periferia-centro: anel viário Estrutura circular distribuidora do fluxo pesado na borda do centro

d.

Tráfego veicular intra-centro: alças viárias Estrutura de penetração que entram e saem do centro pelo anel viário, permitindo o acesso a todos os pontos, mas restringindo o cruzamento - fazendo com que se tenha uma zona de tráfego calmo

e.

Circulação não motorizada: rotas suaves Criar uma rede de vias cicláveis e pedestrianizadas que interliguem pontos importantes do centro

Infográfico 3 – Esquemas construção do modelo conceitual Fonte: elaborado pelo autor

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Infográfico 4 – Diagrama síntese Fonte: elaborado pelo autor

[4.5] das partes interessadas A partir do preenchimento da tabela de identificação dos Stakeholders 12 , procedemos a extração dos seus critérios Poder e Influência para o gráfico proposto, visualizando assim, com expressiva noção, os atores relacionados ao processo. Com a conclusão do gráfico fica muito visível a importância municipal na efetivação deste tipo de plano, tendo o Planejamento e a Mobilidade Urbana protagonismo na gestão da proposta – que deve ter a suas políticas de circulação integradas a um planejamento macro –, bem como a necessária 12

A tabela completa de identificação deste plano encontra-se nos Apêndices deste trabalho. Seu preenchimento foi feito, para fins acadêmicos e com prazos curtos de pesquisa, com base em conhecimento prévio da região e corpo técnico de atuação municipal, e necessitaria, quando em um trabalho na realidade, de um trabalho de metodologias de identificação participativa com Consultoria com cada ator a partir do seu potencial específico.

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adequação da mesma às normativas patrimoniais (representadas no gráfico pelo IPHAN e IPHAEP).

Gráfico 2 e 3 – Relação Poder x Interesse (ver tabela geradora nos Apêndices deste trabalho) Fonte: elaborado pelo autor

Mostra-se fundamental também estar alinhado – e ver como parceiros – o Ministério das Cidades e o BID, que podem ser fundamentais para a execução do projeto. A SEMHAB, apesar de não ter uma ligação direta com o plano de mobilidade, pode tornar-se uma aliada em ações decorrentes da execução deste plano inicial e que podem aumentar o seu sucesso. Por ser uma área partícipe do roteiro turístico do estado, a opinião (agradar ou desagradar) do turista também é um importante termômetro para compor o leque das decisões. Chama a atenção a quantidade de agentes presentes no 4o quadrante (muito interesse e pouco poder), que nos mostram por um lado a magnitude de influência do projeto (afeta muita gente), e a quantidade de parceiros que podemos abarcar para o sucesso da completude do projeto. Esse quadrante contém pessoas importantes para pressionar pela sua implementação, cabendo a nós, portanto, desenhar um projeto que acomode suas necessidades.

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Por fim, vemos agentes que estão em plano de fundo na proposta, mas que podem servir de argumentos para a sua implementação: uma proposta que contemple os objetivos do milênio propostos pela ONU será interessante politica e socialmente para a cidade, como também é o caso da Secretaria de Segurança Pública, que poderá ter suas taxas de criminalidade reduzidas.

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[capítulo 5] o plano “Então, antes de pensar apenas a cerca de ‘o plano de mobilidade', vamos destacar que através da mobilidade, podemos melhorar o aspecto econômico e social na cidade”. Diogo Ferreira The rescue of Old Concepts for the City’s Future: a New Mobility Plan for São Luís MA, Brazil (2010), pág. 9


Alicerçadas todas as bases teóricas e analíticas sobre os dados que afetam a região, é possível começar a construir um modelo aplicável ao objeto de estudo na cidade de João Pessoa. Essa etapa consiste em expressar a visão que se tem para a área, constituindo a base do masterplan conforme classifica o CABE (2004, p. 97) em um “[...] documento simples, sofisticado. Eles devem comunicar claramente as aspirações para o desenvolvimento de uma área e uma certa quantidade de prescrição”. Ressalta-se que o objeto de trabalho é um plano de mobilidade, porém toma-se dele o potencial de extrapolar seus limites, como bem deixa claro o plano de mobilidade irlandês: A reconfiguração do espaço rodoviário no centro da cidade irá oferecer oportunidades para desenvolver e melhorar a paisagem urbana e espaço público no centro da cidade. [...] Ao utilizar o espaço dentro do centro da cidade de uma forma mais eficiente, é possível utilizá-lo de uma forma melhor. A maior parte deste estudo define a forma como o transporte pode funcionar de forma mais eficiente, mas é importante ressaltar que a reconfiguração do espaço da rua também pode facilitar uma esfera pública melhorada e comodidade para os moradores e visitantes dentro da cidade (Dublin City Centre Transport Study, 2015, p.75, tradução nossa).

Todo o desenvolvimento a seguir baseou-se numa estratégia maior de reestruturação da área central, visando através de escolhas de rotas e traçados de linhas de transporte, montar estratégias de resgate de espaços públicos degradados ou subutilizados, dar novas oportunidades de utilização a espaços rodoviários planejados na década de 60 e 70 com foco exclusivo no automóvel, para dar espaço às pessoas e seus modos de deslocamentos suaves. Pequenas reflexões em cada traçado vão abrindo espaço para que se

desenvolvam

projetos

futuros

de

sucesso. Tal qual a

exitosa

transformação de Copenhagen empreendida por Jan Gehl: Jan Gehl teve sucesso com a transformação de Copenhagen, tornando-a melhor para pedestres e ciclistas. Antes, havia uma rua usada como estacionamento onde as pessoas iriam procurar um lugar para estacionar o seu carro. Este espaço adorável era basicamente um estacionamento feio. Agora é um destino. Gehl trabalha fazendo pequenas mudanças aqui e ali, que ao longo do tempo podem mudar toda a cidade. Em Sidney, o resultado foi o aumento de 83% das pessoas que vivem na região onde foram implementados seus projetos. Agora, há pessoas que vivem nas proximidades

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onde trabalham ou estudam (BYRNE, David, 2008 apud FERREIRA, Diogo, 2010, p. 37, tradução nossa).

Assim, esse capítulo além de desenvolver tecnicamente as linhas de circulação associará continuamente imagens que representam a ideia que se propõe para a área, assim como propõe Secchi (2006) construindo o conceito que os projetos futuros devem tentar se aproximar: Além de produtor de projetos de elevado conteúdo técnico, o urbanismo é produtor de imagens, de contos e de mitos. Mitos e imagens não são fantasmas; eles captam as instâncias mais fortemente enraizadas na cultura dos lugares e de seus habitantes, constroem juízos e valores, guiam incoscientemente comportamentos individuais e coletivos, dando unicidade à interação social, tornando-a possível. Mitos e imagens são formas de concepção de um futuro possível que procuram antecipar (SECCHI, Bernado, 2006, p. 187).

Esse desenvolvimento vai se desdobrando conforme a ponderação de inúmeros critérios, destacando-se dentre eles as infraestruturas existentes, e o contexto dinâmico de ocupação atual, tentando ao máximo manter caminhos já reconhecidos pela população. Evidentemente os carros vão ter que perder espaço num contexto em que muitos outros modos reclamam uma fatia do ambiente, que precisa ser democratizado. Equilibrar as necessidades de acesso e movimento com a criação de um desenvolvimento de alta qualidade, muitas vezes leva uma grande dose de engenhosidade e criatividade por parte da equipe masterplanning e cliente. É importante que as necessidades do carro não sejam as únicas consideradas na determinação de acesso local, layout ou vias. […] Bons lugares são bem-conectados. É essencial olhar para além da "linha vermelha" do perímetro do local e considerar como o local se conecta com seus arredores para todos os tipos relevantes de movimento. Locais de regeneração industrial muitas vezes permaneceram pouco desenvolvidos ou subdesenvolvidos precisamente por causa da falta de conectividade (CABE, 2004, p. 87, tradução nossa).

[5.1] o acesso rodoviário Muitas vezes, em cidades brasileiras o carro não é uma escolha. É uma necessidade, mesmo nas cidades pouco

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desenvolvidas, por causa da maneira que essas cidades foram organizadas (FERREIRA, Diogo, 2010, p. 25, tradução nossa).

A realidade brasileira, que estabeleceu uma “carro-dependência”, por uma série de fatores já comentados anteriormente, disseminou uma cultura que deseja o acesso “na porta” do destino. Essa realidade é inviável na medida em que não consegue atender a todos, nem mesmo a maioria. Essa cultura resiste. É um dos motivos que nos leva a iniciar o nosso processo de planejamento a partir desse acesso rodoviário, demandandonos maior cautela no relacionamento com as demais zonas da cidade e que certamente resultarão em medidas que implicam grande consumo de espaço. Acomodar o carro tem o maior impacto sobre a forma urbana e a proporção de terra dedicada aos veículos podem ser grandes. Questões como o projeto de vias, acesso de veículos aos lotes e edifícios, estacionamento de veículos e transportes públicos contribuem para a 'anatomia' de planejamento do local e deve ser avaliada em fases iniciais do desenvolvimento do plano. Em um masterplan bem concebido, uma atitude realista para a gestão de veículos está integrada com o pensamento sobre projeto da paisagem. Ele não deve ser considerado como uma questão técnica a ser tratada apenas por engenheiros de tráfego. Esquemas que fazem ‘vista grossa’ aos problemas de tráfego podem não conseguir conciliar os conflitos entre veículos e pedestres (CABE, 2004, p. 89, tradução e grifo nosso).

[5.1.1] o cinturão viário Em um contexto em que o centro detém um grande número de equipamentos atratores de tráfego, e na medida em que se deseja proteger esse casco a partir da proposição de uma rede eficiente de deslocamento interno, propõe-se então, em um primeiro momento, planejar uma estrutura anelar, que funcione como uma proteção, um envoltório exterior que permita a organização dessa transição extra-intra centro. Os cinturões viário são estruturas que almejam – teoricamente – um trânsito sem atritos (CASAGRANDE, 2013): a conformação de um círculo faz com

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que ele possa acolher de maneira organizada os fluxos radiais convergentes ao centro, e distribuí-lo ao seu redor de maneira uniforme, fazendo com que o passageiro possa aproximar-se do seu ponto de chegada a partir de um circuito contínuo, como explica Casagrande (2013). Ele também se torna interessante na medida em que funciona como uma peneira ou funil, filtrando o grande fluxo, não deixando que o tráfego pesado adentre na zona central, possibilitando o acesso controlado aos pontos localizados dentro do seu perímetro. Por isso resolveu-se começar o projeto a partir dele. Iniciou-se, em um primeiro momento a identificação de edifícios-chave existentes na zona de estudo 13 , já que estes representam os maiores atrativos da região, e são fundamental para a dinâmica e funcionamento desta área da cidade, e se apresentam no geral como polos geradores de viagem (PGV)14. A importância dessa identificação é destacada no recente relatório elaborado pela Prefeitura de Dublin, Irlanda, do seu novo plano de mobilidade para a região central: É importante compreender a atual composição da cidade em termos de usos do solo e atrações principais. Esses usos do solo existentes e atrações não são susceptíveis de alterações significativas, e continuarão a ser as principais razões pelas quais as pessoas viajam para e dentro do centro da cidade (Dublin City Centre Transport Study, 2015, p.9, tradução nossa).

A catalogação desses lugares foi facilitada pelo mapeamento dos Stakeholders: o “Mapa Cultural do Centro de João Pessoa”, do Varadouro Cultural, os pontos turísticos da cidade, cadastrados pela SETUR e PBTur, entre outros. Todos os pontos foram verificados in loco em várias visitas durante os meses de junho e julho de 2015, e a ele foram atribuídos categorias: Turístico-culturais, que incluem os principais pontos de visitação 13

Todos os mapas, levantamentos e análises foram feitos no perímetro limite do estudo mais o seu entorno imediato, que inclui todos os lotes da fachada imediatamente oposta ao limite estabelecido. 14 Eles não são necessariamente/tecnicamente classificados como tal. No Plano Diretor da cidade é definido como: “empreendimento público ou privado que, quando implantado, sobrecarrega a infraestrutura básica, a rede viária e de transporte ou provoca danos ao meio ambiente natural ou construído”.

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da cidade, sendo por isso foco de visitas constantes em horários habituais, e eventos culturais em horários não usuais (igrejas, museus, terminal rodoviário, praças, etc); Shoppings, por padrão PGV, com grande atração de veículos particulares; Político-administrativos, principais órgãos da administração pública e grandes repartições administrativas locais – que possuem muitos funcionários e atendem a população; Praças, os tradicionais espaços públicos da região central; Educacionais, incluindo desde o ensino básico até o ensino superior e profissionalizante (destacando-se a presença de

Mapa 13 – Edifícios-chave Fonte: elaborado pelo autor

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faculdades particulares, Lyceu e a matriz regional do SESC e SENAC); Saúde, aonde foram catalogados apenas os hospitais e clínicas que atendem por urgência. As vias da borda sul e leste do perímetro de estudo já são visivelmente (morfologicamente) entendidas como um circuito de continuidade. Estas Figura 9 – Av. Maximiano Figueiredo Fonte: Google Street View

avenidas (João Machado e Maximiano Figueiredo) possuem dois sentidos, com faixa dupla em cada um e canteiro central arborizado. Assim, resolveuse aproveitar dessa estrutura já característica e completar o circuito em dois sentidos com duas faixas. A opção por adotar sentido único com mais faixas de circulação foi avaliada, mas descartada essencialmente por: (1) implicaria seções viárias mais largas, dificultando a transponibilidade do pedestre (no caso da inexistência de canteiro central como área de segurança), (2) aumentaria a velocidade da via,

Figura 10 – Av. Sanhauá e entrada da Rua da República, na altura da Antiga Fábrica Matarazzo (ver mapa na pág. seguinte) Fonte: Google Street View

criando além de maiores possibilidades de acidentes fatais, o aumento dos congestionamentos, (3) criaria dificuldades de acessibilidade, implicando em longos retornos, ou uma completa reestruturação dos acessos extra-centro – contribuindo para comprometer a imagem do sistema. A solução final mostrou-se adequada por conseguir adaptar-se em grande medida aos trajetos e eixos de movimento habituais, apenas com alguns desvios visando garantir maior fluidez e percepção de circuito, evitando ao máximo afastar-se do perímetro15.

Figura 11 – Rua Juíz Gama e Melo, entrada do centro pelo Bairro do Róger (ver mapa na pág. seguinte) Fonte: Google Street View 15

Todos os mapas do plano apresentados a partir de agora encontram-se em formato padrão: base com o desenho do sistema de circulação proposto sob uma folha vegetal chamada de “análise integrada”, na qual contém uma série de balões e indicações explicativas, assim como a sobreposição de outras linhas já apresentadas, de maneira a facilitar para o leitor a compreensão das decisões tomadas.

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É importante destacar que o tráfego por esse anel também foi pensado para “destravar” algumas zonas degradadas, hoje segregadas ou “mal-vistas” pela população, dotando de novas condições de acessibilidade. As principais áreas estão na porção norte, onde o cinturão faz contato externo com o bairro do Róger e a comunidade Porto do Capim, e a porção sudoeste, polarizada pelo importante patrimônio Paraibano, a antiga Fábrica Matarazzo e entorno, conhecido como “Distrito Mecânico”.

[5.1.2] as alças de penetração Seguindo as orientações do modelo conceitual elaborado, parte-se para a proposição das alças de acesso. Elas são fundamentais para garantir a acessibilidade à zona central a partir de um modelo culturalmente forte no nosso país – o carro particular – e permitir que, de alguma forma (mesmo que com acesso dificultado) ele tenha a possibilidade de acessar todos os quadrantes da área. Por isso o plano mapeia os equipamentos-chave existentes na área e propõe que ela se aproxime ao máximo destes, se moldando a essa dinâmica existente. Essas vias terão desenho urbano diferenciado, adotando os conceitos de “via calma” com velocidade máxima controlada a 40km/h, com elementos de controle, a exemplo de piso diferenciado (propõe-se a adoção do piso intertravado), estreitamento de esquinas, travessia de pedestre elevadas, entre outros. Sua implantação também foi pensada de forma cuidadosamente paralela à questão dos estacionamentos privados, que certamente ainda serão uma importante escolha do modo de como as pessoas vão para o centro, de acordo com o Dublin City Centre Transport Study (2015), principalmente para fazer compras e outras atividades comerciais (mais saudáveis por estarem fora dos horários de pico e dos movimentos pendulares). Pensou-se para a área uma política de parcerias para a implementação de edifícios-garagem em uma área marginal a essas vias, possibilitando sua máxima otimização e acesso.

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Figura 12 – Trecho alça sul – R. Índio Piragibe (ver mapa na pág. seguinte) Fonte: Google Street View

O estacionamento é terra-com fome e particularmente difícil de acomodar conforme densidades de desenvolvimento aumentam. É, portanto, essencial abordar esta questão no início do planejamento do local e não como uma reflexão tardia. Os parques de estacionamento podem ser considerados como espaço público em muitos casos e, como tal, concebido para contribuir para amenidades positivas, com bom paisagismo e tratamento de superfície, em vez de ser concebido como um mal necessário com visibilidade mínima (CABE, 2004, tradução nossa).

Ao longo das alças, e preferencialmente em sua porção interior, buscou-se os terrenos vazios e estacionamentos mapeados no início desta pesquisa (ver Mapa de Ociosidade - Mapa 6), para propor que estes sejam incorporados à proposta e implantados e regulamentados conforme os estudos de demanda. A ideia é que eles sejam de fato edifícios, e que sigam uma

Figura 13 – Trecho alça oeste – Av. B. Rohan Fonte: Google Street View

normatização

de

instalação,

de

maneira

que

preveja

usos

complementares ao uso de estacionamento, preferencialmente com o uso do térreo para comércio e/ou fachada ativa. O desenho das alças pode ser visto no mapa, que foi inflexionando-se internamente aos principais edifícios (destaques vermelhos), bem como foi pensado numa escala macro das vias que dão acesso à área central para desaguar em pontos de confluência de fluxo/linhas de continuidade. Essa estratégia não só melhora a conectividade da zona com a cidade, bem como facilita a fluidez do cinturão, com a diminuição do número de cruzamentos.

Figura 14 – Trecho alça norte – Av. Dom Pedro I Fonte: Google Street View

Por fim, foram propostos também acessos intermediários cinturão-alça, que facilitam os retornos, desafogando o trânsito sem intenção seja na alça ou no cinturão, e possibilitando o acesso através de vias de fluxo importante como a Avenida Ministro José Américo de Almeida (Beira-Rio), a Rua das Trincheiras e a Rua Rodrigues de Aquino.

Figura 15 – Trecho alça leste – Av. Tabajaras Fonte: Google Street View

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Figura 16 – Viaduto sobre a Rua da Areia. A Via Expressa Miguel Couto foi inaugurada em 1973. Propomos neste plano a sua inutilização enquanto eixo de circulação motorizada em favor da apropriação dos pedestres Fonte: João Pessoa Uma História Recuperada, 2004 apud OLIVEIRA (2006) Figura 17 e 18 – High Line, Nova Iorque – um parque como solução para uma antiga via férrea elevada que atravessava a cidade | Minhocão, São Paulo – a prefeitura vem procedendo o fechamento do Elevado aos domingos e a população vem se apropriando, enquanto discutese sobre a criação de um parque linear ou a sua demolição Disponível em: <www.archdaily.com .br/br/623369/thelandscapeimagination-ensaiosobre-o-high-linepor-james-corner> e <guia.folha.uol.com. br/passeios/2013/1 1/1377945minhocao-ganhapiscina-por-um-diadjs-pecas-e-filmesaiba-comoaproveita-lo.shtml>. Acesso 07/10/2015

[5. 2] o VLT A escolha do VLT como modal de transporte da zona central veio após todas as análises anteriores, que apontaram que seria necessário um veículo de menor impacto – adequado para promover a reestruturação requerida para a área. Além disso, um veículo sobre trilhos pode contribuir para consolidar o uso do solo de uma região, na medida em que estrutura eixos permanentes, e possibilita uma adaptação das estruturas de servidão (imóveis lindeiros, sistema viário de acesso, etc). A sua circulação, em superfície, e com velocidades mais reduzidas que os transportes ferroviários tradicionais, permitem o projeto de interfaces viárias mais humanas, compatíveis com o pedestre e demais modos suaves, sendo fundamental para a conversão do centro em um espaço mais caminhável e atrativo.

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Para fazê-lo um estruturador da zona, é preciso, antes de tudo, que ele esteja conectado com o restante da cidade. Essa conexão só é possível se ele for pensado dentro da estratégia de circulação motora proposta acima, possibilitando a troca do carro na periferia para acessar a zona com o bonde, ou com a integração com o sistema BRT proposto pela prefeitura, viabilizando o seu uso complementar na região central. Propostos então os núcleos de estacionamento no tópico anterior, parte-se agora para a adaptação dos corredores do BRT ao acessar o núcleo do centro. A ideia geral é que se mantenham os acessos pelos pontos previstos no projeto, e que eles só circulem até a Lagoa, parte alta da cidade e com configuração viária mais recente e adequada a este meio. No anel externo do então Parque da Lagoa, os ônibus podem fazer o círculo completo e integrar todos os corredores, com estações tanto na porção Norte quanto na Sul. A alça que fazia a ligação Lagoa-Cidade Baixa a partir do binário das ruas Miguel Couto/Padre Meira (ver mapa 7 com o projeto original do BRT) foi suprimida dentro da estratégia de fazer com que o BRT não invada o Centro Figura 19 – Av. Guedes Pereira, na cidade baixa – o patrimônio da via é obstruído pelas paradas e fluxo constante de ônibus Fonte: Google Street View

Histórico, dando a oportunidade de que o VLT faça essas conexões, e mais que isso, possibilite injetar nova dinâmica a partir dessas novas formas de acessibilidade para a zona. No corredor Pedro II, o retorno Centro-Periferia, projetado pela prefeitura como um binário, foi alterado dentro do centro para funcionar como eixo integrado em via única, otimizando a ideia de corredor, e cedendo a via de retorno para a passagem do VLT. A mesma estratégia norteou a implantação do corredor Tancredo Neves. O corredor Epitácio Pessoa mereceu uma reflexão mais ampla, e pelo simbolismo da ligação Centro-Praia, propõe-se que ele seja, já num primeiro momento, integrado à implantação do VLT no centro, expandido para todo o

Figura 20 – Av. Camilo de Holanda (corredor de entrada da Pedro II) Fonte: Google Street View

corredor.

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Essa proposição não atende apenas a critérios estratégicos visando a reestruturação do Centro, mas possui fundamento técnico com base no número de passageiros do eixo. Segundo levantamento apresentado no Plano de Reestruturação do Transporte Público de João Pessoa (PRTP/JP), o eixo Epitácio Pessoa apresentará no ano de 2032 (cenário de horizonte máximo nos estudos de demanda do PRTP) um carregamento de 8.267 passageiros/hora no pico manhã que viabilizam a implantação de um transporte desse tipo. Infográfico 5 – “Nova visão da capacidade dos transportes públicos” Fonte: Manual BRT (BRASIL, 2008)

O VLT apresenta viabilidade de operacionalização a partir de 5 mil (até 12 mil) passageiros de acordo com o próprio Manual BRT (2008, p. 99), no trecho em que fala das circunstâncias que a opção pela escolha do VLT são apropriadas. Vemos portanto, de acordo com o infográfico acima, que apesar do BRT acomodar um grande leque de demandas em relação ao número de passageiros transportados, os outros sistemas devem ser considerados segundo os demais aspectos condicionantes próprios do território inserido. Salienta-se ainda, que a região da orla (praias), representada pelo vetor Epitácio Pessoa, é a zona de mais alta renda da cidade, segundo os dados do IBGE (2010), o que significa a maior taxa de motorização do município. Assim, propor um sistema de transporte eficiente nesse eixo, significa maior atração de passageiros para o sistema de transporte público, e consequente diminuição da pressão automobilística no centro.

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Depois de estabelecido os condicionantes principais, o desenho das linhas do VLT começam a nascer com base num plano de fundo base: o mapa de uso e ocupação do solo. Essa mapa foi elaborado pelo autor, com base em dados da PMJP e levantamentos de campo. Os usos foram classificados pelo autor para responder a 6 interesses principais: comercial, serviço, residencial, misto, terrenos e espaços públicos. Todo o levantamento para a conferência e atualização dos dados foi feito nos meses de junho e julho de 2015. A importância de reconhecer os eixos de comércio e serviço e zonas residenciais é primordial para um traçado adequado à dinâmica urbana atual, evitando, por exemplo, que o bonde passe por vias predominantemente residenciais, alterando todo o comportamento urbano da área, e afetando significativamente a vida da sua vizinhança. Por outro lado, é deveras importante que o bonde busque as principais vias comerciais, que adequamse

perfeitamente

a

essa

interface

modal:

alto

número

de

passageiros/clientes, forte interação com a rua, menor restrição à ruídos, etc. Os pólos de serviço, efetivamente, podem encontrar-se nessa zona intermediária, entre o comércio e as residências. Figura 21 e 22 – Sistema de bondes na praça Vidal de Negreiros, 1936 | Foto aérea do canteiro de obras do viaduto sob a praça Vidal de Negreiros, 1969. Fonte: Departamento de Viação e Obras Públicas – DVOP, Departamento de Estatística e Publicação do Estado da Paraíba, Governo Argemiro de Figueiredo, 1938 apud MEDEIROS (2013) | OLIVEIRA (2006)

Precedida essa análise com o uso do solo atual, pôde-se perceber que praticamente todo o traçado da antiga linha do Comércio (1920) atendia aos requisitos postos acima (ver mapa 4 na página 17). Resolveu-se então, como uma forma de resgate à história dos tradicionais bondes da nossa “era moderna” e como uma forma de consolidar a ocupação do solo ainda resistente, reestruturar esse traçado: mantendo, com a linha rosa, todo o desenho de ligação da parte baixa com a alta, chegando até o Ponto de

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Cem Réis – tradicional ponto de troca de linhas – através da reconstrução da ladeira de subida para a praça e consequente remoção da ligação automobilística através do viaduto. Nesse entroncamento (Praça Vidal de Negreiros), resolveu-se fazer a ligação transversal a partir da Rua Visconde de Pelotas, paralela a Av. Duque de Caxias, que tinha essa função na linha antiga. Essa escolha advém da intenção de preservar o eixo pedonal hoje formado, da facilidade de adaptação ao VLT que a nova rua escolhida tem, e dos inúmeros equipamentos turístico-culturais que ela possui. A linha rosa desce para atender o eixo político-administrativo e continua até o Mercado Central, cruzando os dois corredores de BRT Cruz das Armas e 2 de Fevereiro. A partir daí ela segue em linha reta até cruzar o cinturão viário, conectando-se também ao corredor BRT Pedro II. Figura 23 – VLT da Calle Ayacucho, importante eixo comercial da cidade de Medellín, em fase de finalização. A via foi totalmente pedestrianizada. Disponível em: <www.tranviadeayac uchoysusdoscables. Já a linha verde, vem do corredor Epitácio Pessoa, entrando no centro pela com>. Acesso Praça da Independência, e percorrendo todo o boulevard da Av. Presidente 08/10/2015 Getúlio Vargas até chegar no Parque Sólon de Lucena (Lagoa). Já no parque, ela sobe a norte para conectar-se com as estações finais do BRT. Após isso ela desvia novamente a norte para aproximar-se da zona residencial superior, até chegar a Rua Visconde de Pelotas, transformada em um dos principais eixos de acessibilidade do núcleo do centro. Na Praça Vidal de Negreiros (Ponto de Cem Réis), a linha verde integra-se com a rosa e descem compartilhando os trilhos pela Rua Guedes Pereira até chegar à Av. General Osório, aonde vai progressivamente afastando-se da linha rosa, e aproximando-se da porção residencial sul, inflexionando-se na tradicional rua de comércio do centro da cidade, a Rua da República – que

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terá uma interface viária de convivência VLT-pedestres na maior parte do seu trecho. Já próximo a uma área degradada da região central (polarizada pela antiga Fábrica Matarazzo), o VLT entra no seu trajeto final aproximando-se do terminal rodoviário; ao chegar lá, a linha verde, juntamente com a rosa, vão até o terminal ferroviário metropolitano para integrar-se com ele.

Figura 24 – R. Visconde de Pelotas Fonte: Google Street View

Figura 25 – R. da República Fonte: Google Street View

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[5. 3] o micro-ônibus Embora a existência das duas linhas de VLT consiga dar assistência à totalidade da área perímetro de estudo e possibilite a conexão com os demais modos de transporte extra-centro, propomos uma rota alternativa intra-centro por meio de um transporte motorizado de baixo impacto. A ideia surge para interligar, essencialmente as áreas residenciais, que em geral encontram-se mais afastadas dos grandes eixos de circulação de massa. Daí então o casamento entre a criação de uma alternativa de acesso de transporte mais rápida – que atende em casos como esse principalmente a idosos e pessoas com mobilidade reduzida – à possibilidade que esses veículos pequenos tem de comportar um tráfego residual. Figura 26 e 27 – Micro ônibus que circulam nos Centros de Bordeaux e Sevilha, respectivamente. Disponível em: <http://citytransport.i nfo/Bod.htm> e <http://www.forobus Sugere-se a implantação de veículos elétricos, que além de serem .es/viewtopic.php?t= ecologicamente corretos, contribuem para um baixo impacto de ruído (em 870&start=30>. Acesso 08/10/2015 zonas residenciais). Seu tamanho também é interessante na medida em que pode adentrar em zonas de espaço compartilhado, e fazer rotas mais “difíceis”, em ruas mais estreitas, com curva acentuadas e inclinações maiores. Trata-se de uma linha circular, que foi configurada como um anel intermediário, entre o cinturão viário e o núcleo da região central, cruzando todos os eixos de transporte de massa e perpassando os principais núcleos residenciais.

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[5. 4] as vias cicláveis Seguindo a tônica de reestruturação do centro, repensar as formas de se viver a área parece-nos essencial. Para isso, uma das maneiras mais democráticas e adequadas para a apreensão da área central que imaginamos para a zona é o uso da bicicleta como meio de transporte, já que a área delimitada possui um raio médio de 1km – ideal para a utilização desse meio. Sua flexibilidade e facilidade de embarque/desembarque possui o poder de complementar eficientemente a oferta de transporte coletivo de massa, e ainda pode contribuir, se acompanhada de outras políticas urbanas para fazer do centro uma zona compacta de uso misto, onde as opções de trabalho e emprego se encontram em uma distância extremamente confortável. Obviamente a rede que iremos desenhar a seguir irá buscar criar as bases estratégicas para permitir esse tipo de apropriação, fazendo as devidas conexões com a rede de transporte público e identificando eixos principais de deslocamento, atração e geração de viagens. Reconhecemos, porém, as limitações, que demandariam uma pesquisa específica e mais abrangente, com contagens de tráfego, contatos e entrevistas com os ciclistas etc – que caracterizaria a elaboração de um Plano Cicloviário, propriamente dito. Por isso, então, planejaremos a malha a partir do desenho de rotas cicláveis, que se constitui, de acordo com o Plano de Mobilidade por Bicicletas (BRASIL, 2007, p. 55), como “a interligação entre um par de Origem e Destino, através do uso de todas as vias e caminhos disponíveis, desde que sejam minimamente preparados para garantir segurança à mobilidade dos ciclistas”. Assim, possibilitaremos o desenvolvimento dos projetos futuros de maneira coerente com a circulação global. Todo o pensamento de projeto das ciclorotas foi baseado primeiramente nos estudos de caso desta pesquisa, que mostram a viabilidade de articulação da bicicleta aos corredores de VLT, bem como sua possibilidade de

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convivência humanizada com os eixos de pedestre, e nas exigências técnicas para o planejamento cicloviário propostas pelo Plano de Mobilidade por Bicicletas (BRASIL, 2007). São cinco critérios básicos: (a) Segurança viária, que está diretamente ligada ao desenho da rede, às seções, cruzamentos e pisos, que no caso desse estudo foram avaliadas a viabilidade de encaixe nas seções viárias existentes, bem como os possíveis conflitos de cruzamento com os outros modais inseridos; (b) Rotas diretas/rapidez, um dos principais pontos levados em consideração no projeto, para possibilitar uma maior adesão a este meio de deslocamento, traçando uma estrutura clara, que possibilite a fácil apreensão do ciclista; (c) Coerência, questões que dizem respeito a etapas posteriores de projeto, como sinalização e constância na largura, mas que devem ser tomadas em conta antecipadamente; (d) Conforto, que foram pensadas para esse estudo, em rotas com as menores inclinações possíveis, bem como elegendo ruas com arborização adequada, ou que possuam dimensão suficiente para a proposição no projeto paisagístico; (e) Atratividade, que foi o principal quesito a ser assegurado, colocando as rotas sempre em contato com ruas importantes do ponto de vista comercial, e privilegiando o desenho das rotas por espaços públicos verdes (praças, parque e largos) e avenidas de grande apelo paisagístico (bulevar, cario histórico e edifícios monumentais).

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[5.5] um centro caminhável – uma cidade para pessoas Caminhar também é um transporte! E esse transporte é o mais visível, mesmo nas difíceis condições atuais na área central de João Pessoa. Por ser um ponto de convergência dos transportes de massa, por ser uma zona de muito comércio e serviço etc. A rede de pedestres é sem dúvida a mais importante rede de transportes no centro da cidade, uma vez que tem que servir todos os utilizadores, incluindo os residentes, passageiros, estudantes, consumidores e turistas (Dublin City Centre Transport Study, 2015, p.19, tradução nossa).

O legado que esse plano quer deixar é planejar uma rede de transportes coletivos e individuais bem posicionadas a tal ponto que permita a otimização dos deslocamentos pedonais, fazendo da área central um grande intercambiador modal através do seu espaço público – otimizando a dinâmica do espaço urbano e contribuindo para um ciclo virtuoso, que se refletirá no comércio local, atração de moradores entre outros. Estas medidas [desenvolvimento de rotas de pedestres] também irão fornecer o último elo essencial para todas as viagens de transporte público dentro da cidade, em que quase todos os usuários de ônibus e trens devem utilizar a rede de pedestres para a etapa final de sua jornada (Dublin City Centre Transport Study, 2015, p.54, tradução nossa).

Por isso deixamos a construção dessa rede por último. Isso não quer dizer que no planejamento das etapas anteriores não se tivesse pensado nos deslocamentos dos pedestres, pelo contrário, todas as decisões tomadas foram em favor dos modos não motorizados. Essa camada sobreporá as demais, resultando em maior segurança – já que anteveremos situações de risco. Para começar a construir essa malha, voltamos a utilizar o mapa dos edifícios-chave, onde se fez nova seleção de pontos de interesse, tendo como base principal agora as áreas verdes, representadas pelas praças e

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parques. O verde é fator fundamental, já que representa, em um clima como o nosso, o sombreamento, e o microclima agradável para o passeio. Além de ser um atrativo paisagístico e representarem pontos imagéticos de referência tradicionais para a população. A esse “desejo” principal, fomos analisando as linhas de transporte de massa, os equipamentos culturais, com atenção especial aos de atividades noturnas, as principais ruas de comércio, para criar um circuito capaz de ser um multiplicador dos seus efeitos, como sugere Ferreira:

Mapa 20 – Rede Caminhável Fonte: elaborado pelo autor

Um plano de mobilidade em si baseia-se em âncoras, portanto, essas âncoras podem ser classificadas em diferentes graus, em seguida, a criação de pontos de encontro com base nesses nós. Então, entendemos que a própria cidade é consolidada em um circuito criado por seus cidadãos: a partir de um cruzamento, a partir de um ponto de troca que lhe permite surgir um comércio e assim termos a cidade como um multiplicador, fechando o ciclo (FERREIRA, Diogo, 2010, p. 9, tradução nossa).

Após vislumbrar as maiores necessidades de deslocamentos, suas melhores rotas e potencialidades paisagísticas, começamos a refinar o planejamento

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da conformação viária de cada uma dessas vias, já que cada uma possui seções diferentes, e nem todas encontram-se desimpedidas de outros modais de circulação. O livro Cidades em Movimento (2003), fala que o ponto de partida para a concepção desse tipo de rede viária é estabelecer uma classificação funcional para as vias. Para cada categoria modal, existem diferentes funções, como acesso, distribuição ou transporte. O planejador precisa desenvolver uma classificação funcional das vias e a hierarquização viária, bem como identificar a medida adequada para solucionar conflitos, pois os interesses dos vários modais podem ser diferentes (e os conflitos são endêmicos). Se a função da via for incompatível com os diversos modais – a exemplo de rotas de fuga através de áreas residenciais, utilizadas como trechos das principais rotas estruturais –, será necessário definir as prioridades e modificar as características físicas bem como a regulamentação de seu uso (Cidades em movimento, 2003, p. 166).

Estabelecemos então uma classificação para essa rede caminhável como uma hierarquia: da total pedestrianização até o espaço compartilhado, seja o compartilhamento com o automóvel, seja pela interface de compartilhamento com o VLT, e tendo a opção pela via de acesso restrito (controlado) do automóvel. Figura 28 – Rua das Flores, no centro de Curitiba – totalmente pedestrianizada Disponível em: <http://cidadesparap essoas.com/curitibatera-um-novocalcadao-depedestres/>. Acesso 08/10/2015 A escolha pela total pedestrianização se deu pela identificação visual dos trechos com hoje já grandes índices de pedestres, e pela existência de intenso uso comercial, permitindo uma apropriação e consolidação como tal, que segundo o relatório Dublin City Centre Transport Study (2015, p. 56), estas mudanças proporcionarão “um ambiente muito mais atraente para os compradores, e trará grandes benefícios aos varejistas sobre estas ruas”. A proposição de trechos assim são de fato impactantes para a dinâmica local,

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implicando em barreiras “permanentes” de acesso veicular (logicamente o acesso de veículos de emergência são permitidos), e necessitando de uma adaptação dos usuários da rua. Tal fato implica em pensar vias marginais de aproximação para carga e descarga, por exemplo – por isso ela foi a primeira a ser desenhada. O segundo tipo de via desenhado foram àquelas semelhantes a primeira, com a única diferença pela passagem do VLT. Essa foi uma interface estudada nos projetos referenciais, e são uma excelente oportunidade de aproveitamento do espaço e de grande efeito paisagístico, sendo, provavelmente uma das vias mais valorizadas. Portanto, elas foram pensadas de maneira complementar às vias exclusivamente pedonais, e propostas nos principais eixos viários da área central, com a intenção de valorizá-los. Figura 29 e 30 – Vias no centro de Sevilha e Bordeaux, com interface VLTpedestre Foto: autor e Ernesto Loewenbach respectivamente

As vias de compartilhamento com o automóvel surgem para complementar e dar suporte a existência dos dois tipos de vias acima, viabilizando a sua implantação (permitindo o acesso do carro próximo). Por vezes fazem interligações transversais entre rotas essencialmente de pedestres, mas que estão em eixos de característica mais residencial, como também apoiam a existência de ciclorotas, acalmando o tráfego. Surgem também da necessidade de interligar pontos importantes para o pedestre, mas que atrapalhariam rotas de acesso – implicando em dificuldades de circulação.

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Figura 31 – Vias de espaço compartilhado com o automóvel em Buenos Aires e Seattle Disponível em: <www.lasescapadas .com/2009/07/07/b uenos-aires-estrena- As vias de acesso restrito/controlado surgem como um coringa para a nueva-via-peatonal/> viabilização de alguns acessos e o sucesso geral das rotas de circulação, e Google Street evitando pontos de escape e permitindo que o núcleo central seja acessado View. Acesso apenas por automóveis de residentes ou de proprietários cadastrados. Pontos-chave permitem esse controle automático, e o restante das vias, que não entraram nessa classificação, foram analisadas que, pela maneira de restrição e desenho das outras vias, conformou-se apenas uma retícula de acesso naturalmente restringido aos usuários de destino final. Figura 32 – Acesso controlado por sistema automático nas ruas da cidade histórica de Córdoba, Espanha Foto: autor

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[5.6] mapa da rede Para finalizar e atestar a consolidação do sistema completo, apresentamos um lançamento prévio de distribuição espacial das linhas em alguns trechos especiais, com cruzamentos mais complexos, de maneira a atestar a viabilidade da proposta. Esse foi um procedimento que aconteceu de forma paralela ao processo de planejamento das linhas, mas que por uma questão de apresentação metodológica, resolveu-se destacá-lo em um momento posterior para que o leitor pudesse vê-lo já com uma noção global de toda a rede. É importante destacar também que não se trata de um projeto urbanístico, e sim apenas um lançamento gráfico (com medidas reais) em forma diagramática para expressar a viabilidade do que se propõe. Os principais aspectos técnicos levados em consideração foram a seção viária (adequação à caixa viária existente), cruzamentos e adequação à topografia, principalmente no caso do VLT, que possui exigências técnicas que podem inviabilizar alguns traçados. Para as seções viárias, levantou-se in loco todas as larguras dos trechos especiais analisados a partir da base CAD disponível da PMJP. Para o caso das inclinações, utilizamos as Altimetrias disponíveis na tese de doutorado de Clóvis Dias (2013). Para o caso do traçado do bonde moderno foram utilizadas as indicações do livro “O Bonde na cidade” de Castro (2007), que indica, levando em conta a morfologia da cidade e a integração urbana o sistema sobre pneus, que apresentam vantagens de poder subir ladeiras de até 13% de inclinação, e apresentar um raio mínimo de curvatura de até 10,5m, bem menor do que os veículos essencialmente sobre trilhos. Apesar desse tipo de bonde já ter uso comum na França, é importante destacar que ele foi o escolhido para a implementação desse sistema recentemente na cidade de Medellín (que tem características mais próximas à nossa), no corredor Ayacucho, conhecido como VLP (veículo leve sobre

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pneus). Adotamos portanto o manual técnico desta empresa16. Na prática utilizamos a medida de 5,40m para a linha completa (2 sentidos + postes de suporte das linhas aéreas de transmissão de energia) e 2,60m para trechos críticos em faixa única compartilhada pelos dois sentidos (2,20m do bonde + 0,40cm para os postes). Para os raios, resolveu-se não passar de 12m, evitando chegar no raio crítico, e aproximando-se sempre que possível dos Figura 33 – Av. raios ideais de 25-30m. Dom Pedro I [09] Fonte: Google Street Para o caso das faixas rodadas (automóveis), utilizou-se as seguintes View medidas: no anel viário, com velocidade máxima proposta de 50km/h, faixa de circulação de 3,5m, totalizando em geral, uma caixa viária de 14m; para as alças de penetração, que possuirão velocidade máxima de 40km/h, duas faixas sempre em sentido único de 3m cada; e para as vias que funcionarão com apenas uma faixa, 3,5m único (no geral essas vias apresentam-se compartilhadas com pedestres e ciclistas, e são de velocidade baixa). Para Figura 34 – Av. os corredores de BRT adotou-se a mesma medida constante no projeto da Mal. Almeida prefeitura, 4m. Barreto [06] Fonte: Google Street View No caso das rotas cicláveis, não avançou-se em montar um plano cicloviário, portanto, estabeleceu-se a priori a largura padrão de 3m para todas as rotas constantes – sendo sentido duplo para todos os eixos.

Figura 35 – Rua Henrique Siqueira [05] Fonte: Google Street View

16

O manual pode ser visto resumidamente no site da empresa NTL. Disponível em: <http://www.newtl.com/es/un-tranvia-sobre-neumaticos>. Acesso 22/10/2015

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Por último, sabendo das influências e interfaces de cada um dos modais, bem como as disponibilidades de espaço para a circulação tranviária em faixa dupla ou única, podemos locar as estações e paradas do mesmo, de maneira a poder relacioná-la com os outros modais. A escolha desses pontos será chave para a eficiência do sistema: um espaçamento adequado será fundamental para garantir a velocidade – a dosagem é importante pois quanto mais espaçadas, maior as velocidades atingidas, mas também maior deverá ser a capacidade. Assim, tentamos acertar esse balanço ótimo ajustando “a conveniência de caminhadas até destinos populares e a conveniência para usuários na forma de maiores velocidades e capacidades”, como propõe o Manual de BRT (2008). Estações de BRT [ou VLT] são tipicamente localizadas perto de grandes destinos como shopping centers, grandes edifícios residenciais ou de escritórios, instituições de ensino, grandes entroncamentos ou qualquer concentração de origens e destinos de viagens. Geralmente essa situação é feita com base em conhecimento intuitivo local, porque a modelagem raramente é detalhada a ponto de oferecer alguma ideia (Manual de BRT, 2008).

Portanto, a melhor maneira para identificar esses destinos populares é voltarmos a usar o mapa dos edifícios-chave para planejá-las. Além da referência dos nossos estudos de caso, que apresentam paradas com distância médias de 515m e 380m, tomamos como padrão de acesso de pedestre a distância de 400m, que representam uma média de 5 minutos de caminhada – perfeitamente acessível a qualquer cidadão. As duas linhas propostas se intersectam em pontos estratégicos: final das linhas na cidade baixa, onde o usuário tem a opção de fazer a escolha de qual linha usar para entrar no centro, e no Ponto de Cem Réis, no núcleo central da região, possibilitando o “baldeio”. No final das linhas, na cidade baixa, propomos a instalação das garagens do VLT no atual Terminal de Integração, que será desativado e possui espaço físico disponível para a construção da estrutura.

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Assim, conseguimos projetar uma rede completamente acessível a toda a zona central, bem como a todos os usuários desta. Vê-se nas imagens abaixo que com um buffer de 400m cada uma das linhas já atendem isoladamente a maior parte da zona central, e atuando em conjunto elas podem chegar a uma cobertura total, tendo os seus moradores e visitantes acesso a uma linha de transporte a ao menos 5min de caminhada. Mapa 26 – Linha rosa com buffer de 400m a partir das paradas Fonte: elaborado pelo autor

Mapa 27 – Linha verde com buffer de 400m a partir das paradas Fonte: elaborado pelo autor

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Por fim, desenvolvemos um mapa esquemático da rede, ao estilo dos mapas de metrô com o objetivo de sintetizar as informações e evidenciar um dos princípios orientadores base para o desenvolvimento dessa proposta: tornar mais fácil o uso da rede de transporte pelas pessoas.

Ele se torna deveras interessante para salientar o envolvimento dos outros Infográfico 6 – Mapa esquemático sistemas com o do VLT: os ícones das bicicletas aparecem em momentos da rede onde as ciclorrotas estão próxima às paradas e existe a oportunidade de Fonte: elaborado pelo autor instalação de paraciclos ou bicicletários; os estacionamentos estão presentes nas paradas que encontram-se em um raio de bastante proximidade/conexão com os terrenos identificados para tais; e os ônibus, que

representam

o

sistema

BRT,

com

paradas

estrategicamente

posicionadas para facilitar a integração, e que mostram como você pode deslocar-se do centro para os demais eixos da cidade. A parada “Rodoviária” também poderá integrar-se a um Terminal Metropolitano de ônibus

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(recebendo ônibus apenas da região metropolitana), proposto pela PMJP em terreno contíguo à atual Rodoviária.

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[capítulo 6] implementação “Ou planejamos ou somos escravos da circunstância. Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceitá-lo seja ele qual for”. Carlos Matus Estratégias Políticas (1996), pág. 14


Esse é um capítulo fundamental para expressar a viabilidade de todo o planejamento. Ele representa o estágio final do processo de masterplan, no entanto está num plano intermediário do processo mais amplo de execução dos projetos urbanos, sinalizando a transição de como essas propostas do plano devem ser enviadas para os parceiros desenvolverem os planos setoriais ou mesmo os projetos específicos.

Infográfico 7 – Processo e estratégia para a implementação Fonte: CABE, 2004

Como podemos associar a partir do infográfico do CABE (2004), a etapa de implementação é fruto de uma experiência circular de interação mútua de elaboração do plano como um todo com todas as etapas, sofrendo contribuições desde as análises iniciais até o fim. Assim, o que resolvemos para este trabalho foi expor algumas operações que tomou-se conta na elaboração do mesmo mas que extrapolariam os limites de atuação do profissional arquiteto, bem como da área limite de estudo (muito comum já que se trata de alterações no trânsito – que são sistêmicas), ou mesmo questões que estejam dentro do perímetro, mas que não são temas essencialmente dominados pela disciplina do Urbanismo, mas que julgou-se importante expor ao leitor para a ciência de um pensamento global da viabilidade da proposta.

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[6.1] sugestões complementares 1. Desvios de rota: Ao fazer mudanças de grande impacto na área central, para onde convergem-se muitas vias estruturantes, percebemos já em um primeiro momento a necessidade de se re-planejar a estrutura circulatória de acesso. Precisa-se fazer com que o centro, principalmente, não seja rota intermediária para se alcançar outros pontos – já que percebemos que existem muitos veículos que utilizam-no como um “meio-caminho” e não como destino – o que pode resultar na construção de rotas alternativas extra-centro, deixando as vias de acesso apenas para àqueles que têm como destino final a região central. 2. Carga e Descarga Fundamental também para garantir a eficiência de funcionamento da zona é estabelecer um plano para a operação de carga e descarga, de maneira a reduzir o número de veículos em circulação, beneficiando os ciclistas e o movimento dos ônibus, e especialmente, melhorando a eficiência das entregas, trazendo confiabilidade e redução de custos para os varejistas (Dublin City Centre Transport Study, 2015). O PRTP/JP já sinaliza algumas restrições a esse tipo de operação, principalmente no que tange aos corredores de BRT ao longo da cidade, tais quais a restrição em determinados horários e locais, com controle do tempo de parada e do tamanho dos veículos. Propõe também a implantação de Plataformas Logísticas Urbanas, proposta que consideramos mais adequada, já que com a instalação de uma delas no centro, associada ao transporte ferroviário metropolitano a região central ganharia inúmeros benefícios econômicos e logísticos. Esse é um conceito adotado no plano de restrição veicular no centro de Dublin, que faz com que se usem um sistema de transporte inteligente na gestão da movimentação de carga, concentrando a chegada ao centro através do centro de logística e sua posterior distribuição interna com diferentes tipos de veículos adequados à cada tipo de carga, sendo

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possível inclusive a utilização de modos suaves nas rotas pedonais (carrinhos, bicicletas, segways etc). 3. Desestímulo à garagem Vê-se como importante complemento também, a adequação da legislação municipal de maneira a restringir o interesse/viabilidade pela utilização dos automóveis pelos moradores/proprietários de imóveis no centro, diminuindo o número mínimo de vagas e fixando tetos máximos, ao estilo do estabelecido no novo Plano Diretor de São Paulo (2014). 4. Segurança Urbana A transformação das calhas viárias em ambientes essencialmente de pedestres dificultará o tráfego rápido de veículos policiais, e dará espaço para promover experiências nos moldes do Programa Ação Centro elaborado pela Prefeitura de São Paulo em 2011, onde a Secretaria Municipal de Segurança Urbana implantou, de acordo com Somekh (2008) um sistema para a redução da “sensação de um centro sem segurança”, baseado nos guardas volantes (de bicicleta) e na distribuição das bases por toda a região. O ambiente em via calma proporcionará naturalmente também, o surgimento de artistas de rua, que proporcionarão o estímulo à vitalidade urbana.

[6.2] instrumentos urbanísticos O Estatuto da Cidade estabelece uma série de instrumentos que regulam o ordenamento territorial e possibilitam à gestão urbana um leque de opções para a implementação, na prática, do planejamento. De acordo com a natureza da operação, tempo estimado de execução e parceiros diretamente interessados na implementação elencamos alguns dos instrumentos prioritários para dar desenvolvimento ao plano. É salutar diante da provável valorização imobiliária da área, que o poder público examine a situação fundiária do local com cautela para identificar, a partir dos núcleos residenciais expressos pelo levantamento desse estudo, as unidades habitacionais da população de baixa renda, delimitando, se for o

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caso, Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que garantam a permanência dessa população mesmo após a implantação dos projetos urbanos, fazendo uso, inclusive, da concessão de uso especial para fins de moradia. Faz-se necessário também que o poder público delimite o perímetro de estudo como uma área passível de incidir o Direito de Preempção, elegendo imóveis-chave (onde o governo terá a preferência para a aquisição) para a consolidação da proposta de circulação. Por exemplo: imóveis próximo à CBTU/Rodoviária/Estação Final do VLT para a implantação do Terminal Logístico de Carga e Descarga; os terrenos identificados como possíveis pontos de construção de parking (para o caso de não haver interesse da iniciativa privada). Para a implantação do VLT (bonde moderno) pensou-se na realização de uma Parceria Público-Privada (PPP), que é extremamente funcional quando da necessidade de investimentos em infraestruturas de transporte (altos valores), onde o Estado dá o projeto e lança a licitação e o ente privado vencedor financia o material rodante e infraestruturas, e após a implantação opera o sistema por determinado período até a absorção financeira do acordo fechado com o poder público. Pode-se estudar também a viabilização de uma Operação Urbana Consorciada (OUC), que permite a atração de investimento privado para viabilizar os projetos dos espaços públicos por meio da negociação de potenciais construtivos e alterações do uso do solo. Tal instrumento possui alta capacidade de atração de investidores, no entanto ressaltamos que sua instrução merece um cuidado especial, já que a área é na sua maior parte tombada por legislações patrimoniais rigorosas, tornando portanto as opções de negociação mais restritivas. Uma alternativa proposta é delimitar perímetros maiores que o desse estudo, para que se possa ter uma maior oferta de terrenos e imóveis passíveis de receber certificados de potencial construtivo que não tragam alterações significativas à área de entorno do patrimônio.

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[6.3] etapas de implantação Finalizando, construímos um cenário de implantação temporal para cada uma das etapas propostas pelo plano, de maneira a explicitar o horizonte de tempo necessário para a sua efetiva consolidação. O gráfico também tornase muito interessante para visualizar as inter-relações existentes entre cada uma das etapas, e como elas são importantes para o desencadeamento das demais – o que demanda um trabalho de planejamento (previsão) muito cauteloso – nos mostrando o cuidado que a gestão urbana deve ter na coordenação/sequenciamento das ações. Logicamente os dados temporais apresentados são aproximados, e expressam um período ponderado entre os exemplos vistos nos estudos de caso e o período médio de obras semelhantes no Brasil (o PRTP/JP, por exemplo, propõe um cenário de 2 anos para a implantação dos corredores de BRT – que o nosso estudo resolveu considerar 3, considerando os recorrentes atrasos que acontecem em obras desse tipo no país). O infográfico 8 nos revela o concatenamento das ações: com um tempo aproximado de 1,5 anos para a elaboração dos projetos (entende-se que os projetos são diversos e podem, portanto, serem elaborados paralelamente), pode-se dar início às obras. Antes mesmo desse prazo pode-se iniciar os corredores de BRT que avançam sobre toda a cidade, que já possuem os projetos elaborados, restando apenas as adaptações propostas na região central. A primeira das ações de modificação viária deve ser a consolidação da ideia de anel viário, permitindo o tráfego fluido nas bordas do centro, e possibilitando tornar costume a sua utilização como trajeto pela população. Quando do fim do prazo de elaboração de projetos, aí sim deve-se ter início a construção da linha rosa do VLT e implantação do sistema de estacionamento. É importante que se inicie com a linha rosa, já que ela é uma linha estruturante na ligação da parte baixa e alta do centro, e deverá estar pronta

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juntamente com a implantação do BRT, já que suprimimos a linha que fazia essa conexão. Já com o adiantar da construção dos estacionamentos pode-se começar a implantar o sistema das alças de penetração, fazendo uma completa reurbanização dessas vias (dentro do conceito de via calma), que quando prontas permitirão a execução de ações mais “drásticas” no núcleo do centro (pedestrianização, restrição de acessos etc). Assim, em um horizonte aproximado de 4,5 anos já pode-se ter um centro desafogado de carros e com um sistema de transporte público eficiente conectado com toda a cidade. A partir daí, com essas opções de acesso garantidas, propomos uma segunda fase, mais ousada, que é a consequente consolidação do centro (e seu núcleo, principalmente) como um ambiente para as pessoas, livre dos carros. Procede-se então à criação da rede cicloviária, e da gradual restrição aos autos, primeiro com as vias de tráfego calmo e espaço compartilhado. Essas operações estão alinhadas com o desenvolvimento da linha verde, que circula em vias emblemáticas da zona central, e permitirão uma transformação simbólica da paisagem. Como o seu corredor também está integrado à Epitácio Pessoa, sua implantação pós consolidação dos demais corredores de BRT (aproximadamente 1,5 anos depois) é fundamental, porquê como mesmo recomenda o PRTP/JP, se essa implantação vier antes fatalmente a Avenida terá que conviver além da linha estrutural no canteiro central com linhas remanescentes à direita – o que poderia comprometer o desempenho do sistema, e consequentemente a sua imagem. Por fim, com todo o sistema de transporte coletivo operando conjuntamente, pode-se proceder a execução das obras de pedestrianização total dos trechos propostos. E assim, com toda a rede de ruas e avenidas redesenhadas e com uma nova circulação, e provavelmente, pelos efeitos de valorização gerados pelas obras na área, agora atrativa e com uma população maior de moradores é que propomos a implantação da linha circular dos mini ônibus, que farão esses trajetos complementares, de

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maneira a consolidar toda a rede de transporte de massa e democratizar o acesso às pessoas com mobilidade reduzida.

Infográfico 8 – Etapas de implementação em linha temporal Fonte: elaborado pelo autor

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[capítulo 7] considerações finais “São Paulo cobra revolução, desde que não se mexa em nada”. Fernando Haddad Folha de São Paulo (2014)


Esse trabalho percorre um longo percurso para alinhavar a multiplicidade de problemáticas, agentes, modais e soluções possíveis em uma proposta condizente com o porte da cidade de João Pessoa, e com as peculiares características que ela apresenta – historicidade, situação sócio-política, econômica, entre outras. Certamente o resultado que conseguiu-se com essa pesquisa demonstra muito claramente que o caminho do planejador urbano é deveras extenso e complexo, perpassando pela prática de muitos saberes e disciplinas. Trata-se de uma demonstração, portanto, da importância da necessidade da ressureição do planejador urbano como protagonista do processo de produção da cidade contemporânea [complexa por natureza, tal qual a abordagem de Secchi (2006)], que vem recorrentemente perdendo espaço no Estado pós-desenvolvimentista brasileiro, que o substitui por uma ação “mercadófila” de gestão baseada em soluções imediatistas e privatistas características desse tipo de Estado (SOUZA, 2003). Ao mesmo tempo nos fica claro a indissociabilidade que Souza (2003) muito bem defende entre Planejamento e Gestão Urbana, já que todas as ações propostas por este plano demandam uma coordenação de passos para os desdobramentos dos projetos, que requerem muita experiência, visão e capacidade de articulação de uma equipe de gestão urbana. Tal fato tem sido particularmente negligenciado na gestão da nossa cidade nos últimos anos, que podemos exemplificar pelo próprio projeto dos corredores de BRT, que alteram significativamente a dinâmica territorial da cidade, implicando em mudanças na demanda habitacional, alterações do uso do solo etc, mas que encontra-se essencialmente restrito a Superintendência de Mobilidade Urbana, que possui visão limitada para as demais questões levantadas – podendo implicar em vultosas perdas de recursos, tempo, e ainda resultar em um projeto problemático para os seus cidadãos. Apesar de tratar-se de um trabalho acadêmico, tentamos nos aproximar ao máximo da realidade, desde a escolha da metodologia dos Stakeholders, até mesmo a utilização do projeto existente (já aprovado pelo Governo Federal) dos BRTs. Obviamente para o andamento do trabalho, houve um processo

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de escolhas, a partir do entendimento de que é possível conciliar novas propostas com uma avaliação e proposição crítica de adaptação ao que está posto, fazendo com que evitem-se perdas de recursos. Apesar disso, percebemos com o estudo do projeto que é possível também pensar além dele, e que quando da elaboração de um plano de mobilidade para a cidade (com a pesquisa domiciliar OD) é possível traçar novos rumos na proposição de deslocamento global da cidade – estando as bases propostas por esse plano preparadas para adaptar-se a isso. Por isso valorizamos o trajetória metodológica percorrida, que é capaz de identificar e perceber os problemas da área e ir colocando-os como objetivos do plano. Vê-se, por exemplo, que os altos índices de acidentes de trânsito identificados na região, deverão ter uma drástica redução, já que vários fatores do plano foram condicionados para isso: restrição ao uso do veículo privado, evitando a geração de cruzamentos complexos, inserção de modais compatíveis com a escala humana, e principalmente a dedicação de espaços primordialmente aos pedestres. Todo esse conjunto de medidas estão dentro de um pano de fundo que é o instrumento do Masterplan, que defendemos a sua maior utilização no Brasil, como peça técnica capaz de avançar o escopo meramente técnico-jurídico à o lançamento de propostas espacializadas – que obviamente têm a sua margem de mudanças – permitindo aos gestores um maior domínio do cenário de modificações, e consequentemente, uma maior capacidade de implementação. O modelo gráfico-teórico que foi base para a elaboração do plano mostrouse um método de extrema eficiência e aplicabilidade, de maneira que consegue ser mais que uma simples transposição de ideias fragmentárias extraídas de estudos de caso distantes (que podem tornar-se desconexos com a realidade local), para gerar um diagrama síntese que possa articular todas as ideias visitadas dentro de uma lógica comum a partir da visão que se tem para a área.

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Trazer a mobilidade como ponto de partida para proporcionar uma série de “novos-pensar” sobre a ocupação do centro também foi crucial para formar a visão e, portanto, as estratégias a desenvolver. Conseguimos a partir da repartição do espaço viário, democratizá-lo, entregando um plano com a capacidade de que os projetos futuros repensem os espaços públicos e faça dele base de re-ativação da área. Planejar a estratégia de transporte integrada aos edifícios-chave com certeza proporcionará a solidez dos projetos,

que

partirá

de

uma

estratégia

de

consolidação

das

territorialidades, tendo-as como start para um processo de reestruturação necessário de atração de moradores, de cada vez mais o incentivo ao uso misto, findando em um centro como espelho de área produtiva para a cidade, onde se possa viver, trabalhar e conviver (não apenas circular). Certamente essas mudanças implicarão em uma adaptação complexa da população, que está habituada a um modelo de cidade que foi desenvolvido privilegiando os que tem carro. Lembremos então da epígrafe que abre este trabalho “Todo mundo tem direito a vida/ Todo mundo tem direito igual”. Por isso, apesar de uma alteração significativa da rede, construímos-a de maneira a ser o mais legível possível, sendo de fácil utilização e integrada, gerando um atrativo significativo para os ainda não usuários do sistema de transporte público (inclusive turistas e visitantes). Figura 36 – Meme que circula na internet em referência às ações “progressistas” de Haddad, como a construção de ciclovias e faixas exclusivas de ônibus e fechamento de ruas para os carros Fonte: Blog Reinaldo Azevedo – Revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com Assim, concluímos destacando a frase que abre este capítulo, do atual .br/blog/reinaldo/ger al/ola-paulistanoprefeito de São Paulo – maior metrópole brasileira (maior modelo de como-o-haddadpode-te-atrapalharhoje/>. Acesso 03/11/2015 [re]circular – um plano de mobilidade como start para a reestruturação do centro

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submissão aos automóveis) – em entrevista à Folha de S. Paulo (2014) na ocasião da sanção do novo Plano Diretor. Fernando Haddad, que tenta reverter essa priorização e vem encontrando uma série de resistências nas suas ações, afirmou: “Se cobra muito a revolução, desde que não se mexa em nada. Isso é impossível”.

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[9.1] apêndice – mapa com identificação das ruas e sentido atual

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110


Via E

Rua

Gue

Mig

des

uel

Cou to

Pere i

ra

“Be

ira

Rua das Trincheiras

xpr essa

rio”


[9.2] apêndice – tabela de análise das características dos Stakeholders

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112


NACIONAL

INTERNACIONAL

Stakeholder (Partes interessadas)

Poder/ Influência

Interesse/ Participação

BID

Desenvolvimento sustentável da cidade: aplicação de políticas ambientais

Médio

Médio

ONU

Cumprimento dos objetivos do milênio “Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente”, reduzir emissões de carbono “Protocolo de Kyoto” Promover a preservação do patrimônio histórico e cultural

Baixo

Interesse em financiar projetos bem elaborados que articulem o desenvolvimento urbano com base no Estatuto das Cidades Preservar a memória da cidade e resguardar sítios e monumentos tombados

IPHAN

Ministério das Cidades (MinCidade s) AGÊNCIAS REGIONAIS

Percepção do problema

IPHAEP

Papel potencial

Capacidade

Implicações

Financiar os projetos

Baixo

Avaliar e referendar os projetos (se seguem a linha proposta pelo seu relatório1) -

O relatório demonstra que está disposto a financiar projetos que contemplem os aspectos identificados/analisados por eles

-

-

Alto

Alto

Aprovar os projetos

Alto

Médio

Aprovar os projetos

Financiar projetos de recuperação de estruturas patrimoniais aliadas aos vetores de desenvolvimento urbano Financiar projetos que aliem mobilidade urbana e desenvolvimento habitacional

O plano deve ter em conta que o órgão tem grande interesse em apoiar projetos que valorizem o patrimônio das suas cidades tombadas patrimônio nacional, assim como pode contar com alguns de seus programas de financiamento O ministério sempre tem dado declarações de que sobram dinheiro por falta de bons projetos2 (articulados e bem desenvolvidos) devendo o plano atacar essas carências

Alto

Alto

Elaborar cartilhas e normativas que facilitem a reforma/restauro de edifícios na zona. Ser parceiro para a agilização das transformações

Dar celeridade à aprovação de projetos individuais que integrem o plano para a zona

O Instituto carece de pouca verba, mas pode ser colocado como um grande ativador/acelerador do processo de transformação da estrutura/vida das edificações contidas na zona

1

O relatório foi elaborado em 2014 em parceria com a PMJP, ao qual atribuiu grande importância e divulgação (consta nas referências deste trabalho) Em uma rápida pesquisa na internet, encontramos declarações do Min. Cidades como essa “faltam projetos de qualidade. Ao contrário do que se via no País até o fim dos anos 90, o problema não é falta de dinheiro. É conseguir usá-los” ESTADÃO. Disponível em: < http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sobra-dinheiro-para-mobilidade-urbanaimp-,1048608>. Acesso em: 26 ago. 2015. 2


GOVERNO LOCAL

DER

Articular e financiar projetos de integração metropolitana (mobilidade)

Médio

Médio

Articular soluções comuns para as demais cidades

Investimento em infraestrutura viária e subsidiar mecanismos de integração tarifária

O órgão tem grande capacidade de investimento e quadros para a elaboração de projetos executivos em infraestrutura viária

CBTU

Responsável pelo único transporte sobre trilho na cidade, e diretamente relacionada com a implantação de uma nova rede

Médio

Alto

Elaboração de projetos sobre trilhos e gestão da rede ferroviária

Corpo técnico especializado na elaboração de projetos ferroviários e capacidade de articulação de financiamento

A Companhia é Federal, mas possui gestão Estadual, apresentando-se, portanto como um importante aliado para a implantação de um projeto de VLT no centro, desde a elaboração do projeto até a captação dos recursos financeiros e gestão de operação

Secretaria de Segurança e Defesa Social (SSDS)

Diminuir os índices de criminalidade patrimonial

Baixo

Baixo

PBTUR

Promover e articular com os agentes turísticos as atrações do Centro Histórico de JP

Médio

Alto

Ver executada estratégias que facilitem o controle social e diminuam a necessidade do policiamento ostensivo Que o plano possua ambientes/rotas que favoreçam a circulação turística

Induzir a cadeia turística a instalar-se na zona (promover a região)

A empresa pública tem grande capacidade de fazer lobbys para prestigiar determinadas áreas (seja de eventos públicos ou atrações de empresariado privado)

SECULT

Viabilizar a difusão cultural do Centro

Baixa

Alto

Promover/restaurar os seus equipamentos culturais na zona para dinamizar as atrações

A secretaria tem grande capacidade de promoção de espaços culturais, fundamentais para a consolidação da zona como de grande atratividade da população, sobretudo do pedestre

SEMOB

Executar as políticas de mobilidade urbana da cidade, respondendo pelos projetos apresentados

Alto

Alto

SEMHAB

Executar habitação de interesse social, fomentando o “morar no centro”

Médio

Médio

Elaboração de projetos executivos, busca de financiamento, implantação e monitoramento Elaboração dos projetos arquitetônicos

A Superintendência é o órgão mais relacionado com o plano e a sua implementação. Este deve ser comprovadamente superior às propostas até então apresentadas para o devido reconhecimento A Secretaria precisa ser chamada a elaborar políticas habitacionais convergentes com o plano de circulação e desenvolvimento proposto

Mobilizar os atores culturais e prever ambientes de atração cultural no espaço público (ruas e praças) Avaliar e aprovar o plano e elaborar os projetos específicos que se propõe Elaborar políticas habitacionais integradas ao plano de mobilidade da zona


SETOR PRIVADO: FORMAL

SEPLAN

Responsável pela política macro de planejamento (maior orçamento) e projetos dos espaços públicos

Alto

Alto

Aprovar e fazer convergir políticas intersetoriais para a implementação do plano

SETUR

Elabora e acompanha estratégias visando aumentar o potencial turístico da cidade

Baixo

Alto

Potencializar um dos maiores destinos turísticos da cidade

Concession árias do transporte público

Empresas que fazem funcionar o transporte público e investidoras direta da frota

Médio

Alto

Alinhar-se aos novos sistemas de circulação proposto

Taxistas

Complementam o transporte público e necessitam público e lócus de trabalho

Baixo

Alto

Identificar pontos de maior fluxo e demanda por clientes

Serviço de Transportes de Escolares

Atendem a público diferenciado (em geral crianças) e preocupam-se com o acesso às escolas

Baixo

Alto

Identificar rotas residências-escolas e torná-las eficiente

Serviço de Transporte Turístico

Geralmente em grandes ônibus, necessitam de acesso especial aos principais pontos turísticos e preocupam-se com os seus estacionamentos Possuem mercado reprimido na área e precisam vislumbrar novos potenciais para ativar investimento

Baixo

Alto

Médio

Médio

Identificar as principais atrações turísticas para prever um planejamento de acesso Ativar área de desenvolvimento imobiliário propostas pelo plano

Incorporado ras

Coordenar a elaboração de todos os projetos para a área, fazendo os projetos urbanísticos dos espaços públicos e captando financiamento Provocar e elaborar políticas municipais de integração das atividades turísticas ao plano Investir na renovação da frota segundo os novos modos de transporte propostos

A Secretaria municipal tem caráter coordenativo e deve ser a responsável pelo controle da implementação faseada do plano, bem como a elaboração de termos de referência, de acordo com o plano, para o lançamento de concursos públicos e outras modalidades de contratação para a execução dos projetos individuais Apesar do pouco poder a secretaria pode estimular o sucesso do plano elaborando políticas próprias de adequação turística à nova realidade A implantação do novo sistema dependerá da adesão de operadoras de transporte para o investimento na nova frota e readequação das linhas existentes Em geral, em planos contemporâneos de reestruturação do sistema de circulação, os taxistas vem apresentando resistência por temer a perda de clientes, por isso é importante prever espaços adequados para tornar a proposta atrativa para a classe É importante prever a acessibilidade motorizada aos espaços escolares, com especial cuidado na implantação de espaços de embarque e desembarque Precisa-se estabelecer além de rotas de acessibilidade, espaços de embarquedesembarque e estacionamento

Têm grande potencial para investimento de capital

O interesse das incorporadoras por determinado local funcionam em função da viabilidade financeira de retorno – um plano de circulação que ative a dinâmica de certas áreas podem despertar/impulsionar tais investimentos do mercado privado


O mercado turístico nãogovernamental é ainda muito incipiente, vendo o centro como ida-volta dos turistas e não como permanências Dão sustento a vida econômica e urbana e a vitalidade tradicional do centro, precisam assegurar seus clientes, inclusive no período de obras

Baixo

Médio

Dar força às zonas de turismo e lazer, propiciando usos em horários diversos

Investimentos altos

A instalação de equipamentos de apoio turístico são fundamentais para ofertar uma rede de comércio e serviços mais diversa na região – gerando mais circulação na zona

Médio

Alto

Mobilização em favor de maior acessibilidade aos seus negócios

São um dos principais agentes influentes na rede de circulação da região - devendo ser respeitadas as suas concentrações

Serviço de Motofrete

Fazem o trabalho de serviço móvel e necessitam garantir espaço viário para a sua permanência na área

Baixo

Médio

Tornar visível as áreas de maior concentração/vocaç ão para esses usos, e consequente consolidação por meio do plano Garantir um mínimo de circulação motorizada nos pólos de concentração de comércio e serviços

Igrejas e Templos religiosos

Possuem na área seus mais importantes templos, necessitando a garantia de acesso dos fiéis e manutenção de suas tradicionais procissões Movimento social da cultura que se organiza através de uma rede de espaços, agentes culturais e iniciativas criativas, e por isso, torna-se importante para garantir a permanência viva dessa cultura

Médio

Alto

Alto

Apoiar projetos de desestímulo de ida à missa de carro ou financiar a construção de garagens subterrâneas Mobilização a favor da execução do plano, atuando além do Varadouro no Porto do Capim, Roger e Centro

O uso intensivo do carro pelos fiéis terá que ser levado em consideração na hora da elaboração do plano

Baixo

Identificar dias e horários das missas para se prever condições de acesso diferenciados Mobilizar os atores culturais e prever ambientes de atração cultural no espaço público (ruas e praças)

Proprietário s de comércio e/ou serviço

ORGANIZAÇÕES DE BASE COMUNITÁRIA

MÍDIA

SETOR PRIVADO: INFORMAL

Investidores turísticos (ABIH, ABRASEL)

Varadouro Cultural

Organizações atuantes na cultura da região são importantes para a consolidação da zona como de grande atratividade da população, sobretudo do pedestre


PESSOAS (NÃO ORGANIZADO)

Usuários do transporte público

Já são utilizadores da área e precisam sentir-se incluídos nas novas propostas, trazendo-lhes mais conforto e segurança

Alto

Alto

Servir de base da demanda atual, mobilizando-se para obter maior eficiência e conforto

Trabalhador es do Centro

Por trabalharem ali, é importante que os projetos os contemplem de maneira a facilitar seu dia-a-dia (conforto de caminhada, opções de refeições, ócio etc) Precisam de condições de acesso adequadas e garantia de serviços também típicos de zonas residenciais São contínuos exploradores da zona e demandam conforto na caminhada, rotas adequadas entre os principais pontos de visitação, boas opções de assistência ao turismo e segurança

Baixo

Alto

Visualizar tendências e movimentos típicos no período de trabalho na região

Médio

Alto

Médio

Médio

Moradores do Centro

Turistas

Existem movimentos organizados para pressionar os governos em busca de maior qualidade do transporte Intrínseca

São os agentes principais do plano, os maiores afetados pelas mudanças, e portanto devem ser bem analisados e ouvidos

Promover o uso da zona em horários diversificados

Ativar a circulação em horários não-comuns, gerando vitalidade urbana

O fortalecimento da presença dos moradores e estímulo a chegada de novos é de extrema importância para que as circulações sejam ativadas em todos os turnos

Ativar permanentes circulações por percursos base e fazer uso constante dos espaços públicos

Mobilizar a mídia e os poderes públicos para elaborar projetos de melhoramento da área

Os turistas são vitrines para a imagem da cidade, estando os governos atentos à suas demandas e necessidades – aliados especiais portanto para a execução de um plano de recirculação

A rede de movimentos a partir de uma grande zona de trabalho deve ser levada em consideração para a proposição de caminhos e zonas de ócio e desenvolvimento de equipamentos de suporte


Córdoba, Espanha (out/2013) Barcelona, Espanha (mai/2014) Varsóvia, Polônia [2] (mai/2014) San Sebastián, Espanha (jul/2014) Copenhagen, Dinamarca (mai/2014) Gilbraltar, Reino Unido (mar/2014) Gante, Bélgica (abr/2014) fotos do autor



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