Espaço Franklin Cascaes - PVII

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ESPAÇO FRANKLIN CASCAES PROJETO ARQUITETÔNICO VII | FELIPE AMORIM| 1620228



CONTEXTO Espaço cultural, praça pública e atmosfera de contemplação foram as condicionantes do enunciado acordado para a atividade projetual na disciplina de Projeto Arquitetônico VII (P7), a medida que qualquer outro aspecto do plano de necessidades, conceituação ou partido seriam de livre escolha dos estudantes. Assim, individualmente, decidiu-se não se apegar a inúmeros novos determinantes que enriqueceram o processo criativo, atrapalhando o fim pedagógico do exercício. Portanto, além dos conceitos acordados, elegeu-se que o projeto seria um Espaço Cultural Público, que enaltece a obra do pesquisador da cultura açoriana, folclorista, ceramista, antropólogo, gravurista, escultor, escritor catarinense e ex-professor da antiga Escola de Aprendizes Artífices Franklin Cascaes (1908 - 1983), e que, além disso, compreenderia em suas instalações espaços comerciais relacionados com aspectos de suas obras.

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A possibilidade de um projeto, que recebesse a história e obra de Franklin Cascaes em um novo espaço cultural, como substituição da estrutura do antigo Terminal Rodoviário de Florianópolis, tornou-se possível através de uma arquitetura que traduz a atmosfera fantástica da obra deste criador. Foi então, com esta abordagem de natureza fenomenológica, que nasceu o Espaço Franklin Cascaes. Este é um projeto parte da semiose como possibilidade para alcançar significados.

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Ao nível de qualquer rua do entorno, pouco é revelado e pouco se sugere sobre o que acontece internamente no complexo. Geram-se dúvidas que instigam o sujeito a investigar a paisagem arquitetônica proposta. Desta forma casual e exploratória, inicia a experiência de imersão.

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A curiosidade estimulada pela busca por respostas leva o observador a transpor uma praça ao nível térreo, cujo caráter se manifesta pelo sentir receptivo, caloroso e acolhedor. Em contrapartida, esta expectativa é subvertida por um dos recursos aplicados para alcançar a imersão emocional da vizinhança. Casualmente, encontram-se inscrições nas superfícies de concreto, que trazem recortes das narrativas sinistras de Cacaes:

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Com essa abordagem, espera-se que o público jovem seja instigado e envolvido pela malícia e extravagância dos trechos, enquanto o público mais velho, ou ainda, conservador, sinta o arrepio sombrio e a desconfiança relatados na experiência dos personagens. Seriam boas as intenções dos responsáveis por este espaço? Espera-se que mais dúvidas do que respostas emerjam.

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Reitera-se que, apesar de assombrosos e excêntricos, os textos estão inseridos em em uma praça com arquitetura, paisagismo e paisagem gentil e amena. Portanto, sem que os pequenos textos sejam ocasionalmente percebidos, o espaço se manifesta de forma acolhedora e simpática.

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Ainda sem muito saber, a evidente extravagância da expressão linguística de Cascaes continua sendo percebida pelos sujeitos nas paredes de concreto do exterior do complexo. É nesta coleção de inscrições de gravuras cimentadas que o usuário contempla e percebe a sugestão de um legado artístico. Além disso, outra característica que se manifesta em suas ilustrações, é a dicotomia fundamental para construir o caráter do projeto.

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A dicotomia gráfica e excentricidade de seus desenhos em nanquim direcionaram o complexo a dividir-se em partes distintas. À distância de 1,40 m acima do nível da rua, posicionam-se blocos monolíticos desamarrados de uma malha que, por outro lado e em outro nível, traz a ordem e sobriedade necessária ao pavimento imediatamente abaixo, designado de Pátio, a 2 m da elevação da rua, cujo desnível corrobora para conter o som, já que hospitais, clínicas e uma casa de repouso estão imediatamente ao lado do terreno.

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"Pátio" e "Praça" articulam-se, alicerçando e incorporando a natureza popular incitada por Cascaes. Esse generoso espaço público é oferecido à cidade e trabalha em conjunto com os ambientes comerciais propostos, que apoiam a permanência da população das dependências do complexo.

BANHEIROS SALA DE ATIVIDADES BAR CAFÉ E RESTAURANTES ESTÚDIO DE TATUAGENS ESCRITÓRIO E DEPÓSITO

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Além de banheiros, escritório, depósito e da sala de máquinas que prestam apoio a toda estrutura do complexo, os ambientes deste nível foram concebidos de forma que sugerissem O Fantástico na Ilha de Santa Catarina.


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Bares incorporaram a festividade, popularidade e informalidade. As bruxas voltariam animadas, prontas para atiçar o povo alimentado a mata-bicho (1). Em seu interior, esses ambientes incluem a estrutura necessária para receber pequenos acervos itinerantes. Assim, fomenta-se a cena artística contemporânea local e cativam-se públicos em busca de novidades, enquanto resgata-se do passado uma gastronomia local conforme a herança açoriana, africana, indígena. Ao ressignificar a herança colonial, incorpora-se a decolonialidade.

mata-bicho s.m. Pop. Bebida alcoólica, principalmente cachaça. Montar bate-papos alimentados a mata-bicho

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Um estúdio de tatuagem edifica-se como sendo mais um uso comercial do Pátio. O espaço remete ao trabalho visual e ao grafismo de Cascaes. Neste ambiente, a relação entre artista e cliente ocorre voltada para o pátio. Ao mesmo tempo, o enquadro desta cena artista-poltrona-cliente é percebido pelo observador externo, que pode contemplar, próximo ao vidro, a qualidade poética de uma arte gráfica que eterniza a memória na pele. Além disso, de forma complementar e como mais um incentivo ao ofício local, este recinto expõe e comercializa gravuras de artistas da região.

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Por fim, uma sala multiuso complementa as relações do nível Pátio. Auxiliada por paredes com isolamento acústico, espera-se que este espaço fomente a participação política da comunidade do entorno. O leiaute possibilita apropriar-se do espaço para tomada de decisões que necessitem coro e ainda possibilita a realização de oficinas e atividades educacionais voltadas à comunicação e a arte. O recinto possui seu acesso deslocado de forma que seu interior não se revele para o observador externo. O caráter intimista é sugerido pela forma como a luz se relaciona com as aberturas zenitais inseridas em um espelho d'água imediatamente acima. Com presença de uma única e ampla janela, o olhar dos ocupantes é direcionado para uma parede externa, onde esculpiu-se em baixo-relevo a obra Congresso bruxólico (1970) de Cascaes. Corrobora-se, assim, para emblemar a qualidade poética do lugar.

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V IV III I II

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V IV III I II

Em paralelo a tudo que foi imaginado para o espaço Pátio, os cinco blocos monolíticos do pavimento térreo articulam-se espacialmente com maior flexibilidade, sem abrir mão da acessibilidade. Estas estruturas armazenam e exibem em forma de circuito o legado de Franklin Cascaes.

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No primeiro bloco, compram-se bilhetes e lembranças. Nas paredes, textos introduzem o autor e explanam sua biografia. Esta sala busca clareza e ilumina-se pelos recortes na cobertura. O percurso encaminha o sujeito a transpassar a superfície de um espelho d'água, acima do salão do Congresso Bruxólico, em um pátio externo murado onde explica-se sobre seres fantásticos pela escrita nas paredes.

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No bloco seguinte, revelam-se as esculturas do autor. Este se parece com um ambiente tradicionalmente concebido para exposições. Aberturas menores na cobertura destacam obras específicas. Um recorte na parede enquadra a copa da grande árvore que sombra e conforta o Pátio abaixo. O Bloco II traduz aspectos textuais que resguardam a natureza. O cheiro de querosene inicia a experiência alegórica que incorpora os usuários visitantes como personagens, tornando-os parte da obra. O percurso encaminha para a saída do Bloco II. Volta-se para clareza da paisagem externa. Deste ponto, observa-se nitidamente as relações espaciais do complexo.

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Em seguida, o Bloco III possibilita a participação dos passantes. Este recinto traduz a maior habilidade bruxólica - a metamorfose. Aqui transformam-se crianças em monstros hipotéticos. Espelhos enganam a noção de profundidade e escala se perde. O controle lumínico das aberturas flexibiliza o uso deste espaço. Ora de maneira intimista, ora de maneira clara, para, assim, proporcionar a flexibilidade necessária que possibilita exposições itinerantes.


Os blocos III, IV e V apoiam-se um uma única laje. Neste momento, o percurso torna-se menos rígido, oferecendo a possibilidade de, ou ingressar no bloco IV e V, ou estar em um pátio-jardim acima do nível da rua, que direciona os observadores a contemplar a amplitude da Escadaria do Morro Monsenhor Topp.

O Bloco IV retoma a natureza dramática. A qualidade poética ressurge em um espaço que estabelece uma alegoria aos manguezais na Ilha. No lugar do piso, propõe-se um espelho d'água repleto de matéria orgânica e alguns elementos arbustivos, que mesmo com um ecossistema arrojado, não se desamarra da acessibilidade, já que possui uma superfície plana em gradil passível de ser percorrida. Neste recinto, também materializa-se a natureza ambígua e sombria da meia-noite. Pequenas aberturas estabelecidas nas fachadas norte e sul deste bloco criam uma relação cruzada de ventos que contribui para a alegoria sensorial em dias de vento-sul que ambiente os usuários como personagens de uma obra regional. Além disso, para complementar as competências informativas do complexo, projeções lumínicas se responsabilizarão por explicações e estórias.

Por fim, no Bloco V, volta-se à clareza. Aqui, toda magnitude linguística trabalhada por Cascaes pode ser melhor compreendida, através de textos e experiências audíveis. Diversas gravuras originais são expostas em um ambiente iluminado. Encerra-se, então, o circuito.

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Esta arquitetura buscou traduzir o respeito à religiosidade que Cascaes prega em seus textos, na medida que materializa espaços intimistas e contemplativos como uma oportunidade para as pessoas se reconectarem com sua espiritualidade.

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O proposto Espaço Franklin Cascaes buscou materializar-se em uma arquitetura que transforma a realidade a sua volta pelo seu caráter cultural e paisagístico. Ele ressignifica a memória coletiva e traduz a riqueza de uma cidade miscigenada, ao passo que graceja com mitos e lendas do imaginário popular.

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