ISSN: 2184-2973
REVISTA DA FEDERAÇÃO NACIONAL DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS 1.ª EDIÇÃO | JUNHO 2018
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Coordenação Federação Nacional de Mediação de Conflitos Sede Avenida da República, 120, R/c, 2780-158 Oeiras Registo 9 de Abril 2012
Revista Digital Fundada em Abril de 2018 Mandato 2018 Mandato 2018 – 2020
Direcção: Presidente: Maria João Castelo-Branco (ICFML) Secretário geral: Sandra Inês Feitor Tesoureiro: Célia Nobrega Reis (IMAP) Vogal: Maria Filomena Pedroso (PROCONSENSO) Vogal: Carla Menezes Vogal: Susana Robalo (AMC) Vogal: Carolina Teves
Assembleia Geral: Presidente: Miguel Cancela de Abreu (CONCÓRDIA) Secretário: Catarina Castro Oliveira Secretário: Maria Eusébio Conselho Fiscal: Presidente: David Santiago (AMC) Relator: Mário Ferraz Secretário: João Marques
Editor Federação Nacional de Mediação de Conflitos
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Título:
Conselho Científico
Revista da Federação Nacional de Mediação de Conflitos
Anabela Quintanilha Célia Nóbrega Reis
1 ª Edição Junho 2018
Fernanda Molinari
Fundada pela Federação Nacional de
Isabel Oliveira
Mediação de Conflitos em Abril de 2018, no
João Chumbinho
mandato de 2018-2020
Jorge Duarte Pinheiro José Fernando Seifarth
Formato: Digital - em linha
Maria João Castelo-Branco Paulo Guerra
ISSN:
Sandra Inês Feitor
Periodicidade: Semestral
Local: Lisboa, Portugal
Ano: 2018
Edição Gráfica: FMC
Publicação eletrónica disponível na URL: https://fmcgeral2018.wixsite.com/federacao Contatos: Website: https://fmcgeral2018.wixsite.com/federacao email: fmc.geral2018@gmail.com fmc.tesouraria@gmail.com
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NORMAS EDITORIAIS a)
Título;
b)
Nome dos autores e titulação, função e/ou instituição a que se vincula.
c)
Resumo entre 100 a 300 palavras.
d)
Introdução.
e)
Corpo de texto - máximo de 15 páginas A4.
f)
Notas de rodapé numeradas.
g)
Referências bibliográficas
h)
letra times new roman, tamanho 12, espaço 1,5.
As Edições da Revista serão publicadas em online, de tiragem semestral a cargo da Federação Nacional de Mediação de Conflitos. São publicados apenas textos originais que versem direta ou indiretamente sobre o tema mediação de conflitos, devendo ter carácter científico. Os direitos autorais são cedidos pelos autores à Revista da Federação Nacional de Mediação de Conflitos. Editorial:
É com enorme prazer que publicamos a 1ª Edição da REVISTA FMC! Assumindo
a
missão
e
objectivos
desta
Federação,
de
promoção,
desenvolvimento e divulgação dos Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos, nomeadamente a Mediação de Conflitos, trazemos a possibilidade de partilha e divulgação de experiências por profissionais de diversas áreas, no âmbito da resolução pacifica dos conflitos. Os artigos publicados são originais e foram avaliados pelo Conselho Cientifico da REVISTA FMC. Esperamos, desta forma, levar mais além o conhecimento e desenvolvimento destas práticas, para promoção da pacificação social. Desejamos a todos boas leituras!
Maria João Castelo-Branco (Presidente da Direcção)
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Federação Nacional de Mediação de Conflitos:
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Índice: “Perspetiva Jurisdicional da Mediação Familiar à luz do Regime Geral do Processo Tutelar Cível” …………………………………………………………………… p. Pedro Raposo Figueiredo “Mediation of Multiparty Conflicts Plurilogue to Address Complexity – The Project MARGov” …………………………………………………………………………………… p. Ursula Caser e Lia Vasconcelos “CONFLITO: teoria geral e os meios adequados de intervenção e transformação” ……………………………………………………………………………… p. Ísis Boll de Araujo Bastos “A Mediação Penal em Portugal (dez anos depois)” …………………………… p. Cláudia Cruz Santos - “Justiça Multiportas no Brasil” ……………………………………………………p. Rafael Calmon e Trícia Navarro Xavier Cabral - "A Mediação de Conflitos nos Julgados de Paz: Uma mais valia?" ………… p. Luísa Almeida Soares
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Perspetiva Jurisdicional da Mediação Familiar à luz do Regime Geral do Processo Tutelar Cível
Pedro Raposo de Figueiredo Juiz de Direito Juízo de Família e Menores de Coimbra
1. Resumo Não sendo uma novidade no âmbito da jurisdição da família e das crianças, a importância da mediação familiar surge particularmente reforçada pelo atual Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09, apresentando-se, pelas suas finalidades e princípios estruturantes, como um relevante instrumento de resolução de conflitos no âmbito familiar, na linha de consensualização que é agora expressamente assumida como objetivo da intervenção da justiça tutelar cível. É, portanto, nesta perspetiva - dita jurisdicional, porque apresentada por quem exerce funções jurisdicionais - que a mediação familiar é analisada no presente artigo, ou seja, enquanto instrumento de composição de conflitos familiares, ao serviço do Tribunal e, por via deste, das crianças e das suas famílias, analisando-se os pressupostos da sua utilização no quadro do regime processual vigente, com o que se pretende, por um lado, demarcá-la dos demais meios processuais previstos para aquele mesmo fim, designadamente, da audição técnica especializada e da própria intervenção conciliatória do juiz, e, por outro lado, analisar criticamente os termos da atual conformação legal da intervenção do mediador familiar no processo tutelar cível. Sendo analisada na referida perspetiva jurisdicional, a mediação familiar não é aqui vista de forma neutra ou imparcial, procurando-se, ao invés, reforçar as suas virtualidades no quadro das respostas processualmente consentidas por esta jurisdição, onde as decisões negociadas são, de longe, preferíveis às ditadas na secura e objetividade de uma sentença, e apontar caminhos que permitam a sua afirmação como verdadeiro meio de resolução de conflitos ao serviço do processo tutelar cível. Palavras-chave: Família; crise familiar; conflito parental; consensualização; processo tutelar cível; mediação; superior interesse da criança.
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2. Pressupostos de intervenção dos serviços de mediação familiar Ao atribuir aos procedimentos regulados no Regime Geral do Processo Tutelar Cível a natureza de jurisdição voluntária1 o legislador deixou, desde logo, vincada a ideia de que não existe em tais processos um verdadeiro conflito de interesses a compor, mas acima de tudo um interesse a regular - o da criança envolvida -, muito embora possa existir um conflito de representações ou de opiniões acerca desse mesmo interesse. Por isso, nestes processos, e ao contrário do que sucede nos processos de jurisdição contenciosa, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes e sempre, adotar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para o caso concreto2, sempre com os olhos postos nos reais interesses da criança, tendo em vista o seu desenvolvimento físico-psicológico, intelectual e moral, que se pretende harmonioso e equilibrado. Sendo de jurisdição voluntária, tal não significa, porém, que aqueles procedimentos tenham uma tramitação arbitrária: os atos de todos os intervenientes estão devidamente regulados, os prazos processuais legalmente previstos e fixados. A liberdade é de julgamento e de decisão, não de observância dos trâmites processuais previstos, os quais são obrigatórios e devem ser cumpridos, sob pena de frontal violação do direito a um processo equitativo (PERQUILHAS, 2016). No que à mediação familiar especificamente concerne, os pressupostos da sua intervenção no âmbito de um processo tutelar cível em curso estão definidos no artigo 24º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível3, onde se prevê que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, oficiosamente com o consentimento dos interessados ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação.
Cf. artigo 12º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do qual os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária. 2 Cf. artigo 987º, do Código de Processo Civil, onde se estatui que nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. 3 A possibilidade de recurso à mediação familiar no âmbito dos processos tutelares cíveis não é, todavia, como acima se deixou dito, uma novidade do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tendo sido introduzida pela Lei n.º 133/99, de 28/08, na sequência da recomendação n.º R(98) 1, do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a mediação familiar, através do aditamento à Organização Tutelar de Menores, então em vigor, do artigo 147º-D, com o seguinte teor: 1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal, oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. 2 - O juiz homologa o acordo obtido por via de mediação se este satisfizer o interesse do menor. 1
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Limitando-se o Regime Geral do Processo Tutelar Cível a definir os pressupostos do recurso à mediação nesta jurisdição, será por referência à Lei n.º 29/2013, de 19/04, que haverão de ser densificados os objetivos de tal intervenção no campo das relações familiares e os moldes da sua execução. Ora, nos termos do artigo 2º, da Lei referida, entende-se por mediação a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos, o qual será um terceiro imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio. A mediação consiste, assim, num processo de resolução de conflitos, alternativo aos tradicionais mecanismos da Justiça formal, em cujo âmbito um terceiro, o mediador, ajuda os participantes a ultrapassar o diferendo que os separa através de uma solução mutuamente conseguida e estruturada, tendo em vista a salvaguarda da continuidade das suas relações (HAYNES, 1995). A marca distintiva da mediação familiar assenta apenas na natureza dos conflitos que são objeto da respetiva intervenção, localizados no campo próprio das relações familiares, comungando dos princípios gerais consagrados na citada Lei n.º 29/2013, de 19/044, os quais são de aplicação verdadeiramente universal e devem orientar todos os procedimentos de mediação (LOPES & PATRÃO, 2016), designadamente, os princípios da voluntariedade, da confidencialidade, da igualdade e imparcialidade, da independência e da competência e da responsabilidade5. Assim, a mediação familiar consistirá num meio de resolução amigável de conflitos familiares, assentando num processo estruturado de comunicação, orientado por um terceiro imparcial, sem poderes de decisão, o qual procurará a verbalização das necessidades dos sujeitos envolvidos, num ambiente de proximidade, solto, sem tensões de poder e sem juízos de valor, com vista à obtenção de um acordo construído pelas partes, as quais, sendo participantes do conflito, mantêm o poder de sobre ele decidirem a melhor solução comum (QUINTANILHA, 2016). Comungando do apontado objetivo de salvaguarda da continuidade das relações das partes envolvidas, a mediação familiar não se basta com a resolução de determinado litígio, v.g. suscitado a propósito de um aspeto particular da regulação das
Cf., artigo 1º, alínea a), da Lei citada. Previstos, respetivamente, nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da mesma Lei. Estabelecendo os artigos 24º, n.º 3, e 39º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a necessidade de homologação judicial do acordo obtido em sede de mediação, dentre os princípios gerais aplicáveis à mediação, só não terá aplicação no campo da mediação familiar o princípio da executoriedade, previsto no artigo 9º, da indicada Lei. 4 5
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responsabilidades parentais, antes visando a pacificação do conflito familiar que lhe está subjacente. Na verdade, ao responsabilizar as partes pela conformação do acordo que põe termo ao litígio (uma das dimensões do princípio da voluntariedade, acima referido), a mediação dá-lhes plenos poderes de modelação da solução que entenderem mais conveniente (MOLINARI & MARODIN, 2014), apontando-lhes os caminhos possíveis para a construção de consensos, num plano de estrita igualdade, e, nessa medida, capacitando-os para a resolução de litígios futuros. A mediação encerra, pois, uma abordagem capaz de compreender o movimento que deu origem ao conflito e a sua abrangência ultrapassa os limites de um eventual acordo entre as partes, projetando-se para o futuro (BARBOSA, 2012). Tem, por isso, a inegável virtualidade de pacificar as tensões e conflitos familiares, fortalecer os vínculos e de capacitar os mediados para resolverem positivamente futuras situações de crise, tudo o que foi alvo de reconhecimento expresso no artigo 24º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, acima transcrito. Da análise desta norma resulta, desde logo, que a intervenção dos serviços de mediação no âmbito do processo tutelar cível está sempre dependente de uma decisão jurisdicional que a determine, podendo tal decisão ser tomada oficiosamente pelo juiz, conquanto assente no consentimento dos interessados, ou na sequência de requerimento destes nesse sentido (constituindo uma e outra das hipóteses mencionadas afloramentos do princípio da voluntariedade, acima referido). Por outro lado, tal intervenção poderá ter lugar em qualquer estado da causa e sempre que o juiz entender conveniente. No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais6, o artigo 38º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível7, assinala como momento processualmente adequado à intervenção dos serviços de mediação o subsequente à primeira Conferência de Pais, caso aqui não tenha sido alcançado acordo, fixando-se em três meses o prazo da respetiva duração. Sem embargo, a intervenção da mediação poderá ocorrer em qualquer outra fase processual, caso os interessados nisso demonstrem interesse e/ou expressamente o requeiram, hipótese em que a instância ficará suspensa a aguardar a obtenção de
Tal regime será, ainda, aplicado aos processos de incumprimento das responsabilidades parentais, de alteração do regime das responsabilidades parentais, de resolução de diferendos sobre questões de particular importância e à chamada ação tutelar comum, face às remissões operadas, respetivamente, pelos artigos 41º, n.º 7, 42º, n.º 5, 44º, n.º 2, e 67º, todos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. 7 Nos termos da norma citada, se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses. 6
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acordo ou a constatação da impossibilidade do mesmo, nos termos previstos no artigo 273º, do Código de Processo Civil8. Em qualquer uma das situações descritas, o recurso à mediação familiar estará sempre dependente de um juízo de conveniência por parte do Tribunal. A nomenclatura empregue no citado artigo 24º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sugere a presença de um poder discricionário do juiz, a quem caberá aferir da conveniência ou inconveniência da intervenção da mediação. Trata-se, não obstante, de uma discricionariedade vinculada, cujo exercício está necessariamente limitado pelos princípios que entretecem a intervenção tutelar cível, impondo-se aqui destacar o do superior interesse da criança e o da consensualização. Ora, por força do princípio do superior interesse da criança, a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança, nomeadamente, à continuidade das suas relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto9. O referido interesse da criança é consabidamente um conceito indeterminado, que está, como tal, em desenvolvimento contínuo e progressivo, sempre em instância, em atividade, permitindo, por isso, uma mais fácil adaptação às conceções de cada época, da mesma força que facilita a consideração das caraterísticas próprias de cada caso particular e as necessidades específicas de cada criança concreta. O interesse de uma criança é, assim, individual, específico e é, ele próprio, suscetível de se modificar. A noção de interesse da criança está, por isso, intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade e de um projeto educativo preciso. Trata-se, afinal, de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa da criança, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar cultural e moral (EPIFÂNIO & FARINHA, 1997). Donde, ao ajuizar da conveniência do recurso à mediação não pode o Tribunal descurar os atuais movimentos sociais que acentuam o papel da afetividade na parentalidade, realçando que o vínculo que a criança estabelece com os seus
Aplicável às providências tutelares cíveis por força do artigo 33º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do qual, nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores; face aos termos de tal remissão, afigurase que, também nestes casos, a suspensão da instância não deverá ultrapassar o prazo de três meses, previsto no citado artigo 38º, do mesmo diploma legal. 9 Princípio consagrado no artigo 4º, al. f), da Lei n.º 147/99, de 1/09, aplicável aos processos tutelares cíveis por força da remissão operada pelo artigo 4º, n.º 1, primeira parte, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do qual os processos tutelares cíveis ali regulados se regem pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo. 8
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cuidadores vai muito além da satisfação das suas necessidades fisiológicas, traduzindose também na procura de segurança e conforto na relação com o adulto, ou seja, numa particular necessidade de vinculação (CARNEIRO DE SÁ, 2010). Nessa medida, também o próprio processo tutelar cível deverá ser animado pela busca de soluções processuais que, viabilizando o apaziguamento do conflito parental instalado, salvaguardem os vínculos criados antes da rotura da relação conjugal e contribuam ativamente para a reparação dos danos sobrevindos à desestruturação familiar. A esta luz, a mediação familiar, pelos objetivos e princípios que a norteiam e pelas regras próprias da sua intervenção, onde sobressaem a informalidade e autorresponsabilidade, e por envolver ambos os pais na resolução das questões levantadas pela desagregação familiar, apresenta-se particularmente vocacionada para os orientar no sentido da preservação dos laços afetivos dos filhos, da partilha de responsabilidade pelo seu destino e do envolvimento de ambos na sua vida quotidiana e educação, contribuindo para incrementar a participação de um e outro no processo do desenvolvimento e crescimento das crianças e permitindo a sedimentação e fortalecimento da sua autoridade conjunta. Assim, face ao quadro de valores apresentado, por apego ao qual necessariamente haverá de ser densificado o conceito de superior interesse da criança, entendo que, ressalvados os casos em que se suscitem dúvidas sobre as competências parentais dos progenitores10, será dificilmente concebível a formulação de um juízo de inconveniência sobre a intervenção da mediação familiar no âmbito de um processo tutelar cível em curso. Por outro lado, a formulação do juízo de conveniência sobre a intervenção da mediação está necessariamente vinculada pelo princípio da consensualização, consagrado no artigo 4º, n.º 1, al. b), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do qual os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito. Como é sabido, a norma citada introduziu no processo tutelar cível um novo paradigma na resolução dos conflitos familiares (MAIA NETO, 2016), impondo o recurso às vias de consenso para apaziguamento dos conflitos parentais em contexto de separação ou divórcio e apontando como meios de consensualização a audição técnica especializada e a mediação familiar11.
Matéria analisada, infra, no ponto 3., do presente artigo. A norma citada está, pois, plenamente conforme à Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, designadamente, ao seu artigo 13º, onde, num claro incentivo ao recurso à mediação, se 10 11
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Visto por outro prisma, o princípio citado dá preferência a uma instrução mais oralizada, orientada por um propósito de celeridade e assente na constatação de que a descrição escrita do conflito tem a virtualidade de exponenciar o conflito que se pretende debelar12. Assim, recolhendo-se da experiência anterior que a maioria dos conflitos parentais são de natureza emocional ou afetiva e que a regulação das responsabilidades parentais e das questões com estas conexas ocorre, nesses casos, em contextos de autêntica desregulação de sentimentos e afetos, os Tribunais são agora chamados a trabalhar esse conflito, mais do que a dar-lhe uma solução juridicamente fundada, devendo socorrer-se das vias de consenso previstas na lei, seja a mediação, seja a audição técnica especializada, sempre num contexto de oralidade e informalidade. E, neste quadro, ter-se-á que concluir que, reunidos que estejam os demais pressupostos elencados no artigo 24º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, designadamente, a existência de consentimento dos interessados ou requerimento destes nesse sentido, e sempre com a ressalva da inexistência de dúvidas sobre as competências parentais dos progenitores, haverá toda a conveniência no recurso à mediação familiar, não podendo o juiz deixar de determinar a intervenção dos respetivos serviços. Finalmente, impõe-se referir que, por força do disposto no artigo 24º-A, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível13, ficarão subtraídas a este juízo de
estabelece que a fim de prevenir ou de resolver conflitos e de evitar processos perante uma autoridade judicial que digam respeito a crianças, as Partes deverão, nos casos apropriados por elas definidos, encorajar o recurso à mediação ou a qualquer outro meio de resolução de conflitos, bem como a sua utilização para chegar a um acordo. 12 A experiência passada deixou à evidência a desadequação da resposta judicial tradicionalmente dada aos conflitos parentais mais complexos, em que se sucediam os incumprimentos do acordado ou judicialmente decidido, arrastando-se os correspondentes processos por vários anos, com grave prejuízo para as crianças, muitas vezes privadas do direito de manter relações pessoais e contactos diretos regulares com ambos os pais (cf. artigo 9º n.º 3, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança), transformando-se o processo judicial num fator amplificador do conflito parental instalado, em vista do qual as sentenças proferidas, além de muito demoradas, pouca ou nenhuma eficácia reparadora surtiam. 13 Norma introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 20/05, para dar resposta, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, ao flagelo da violência doméstica e exposição das crianças a quaisquer formas de violência familiar, preocupação expressa na exposição de motivos do correspondente Projeto-lei, onde se pode ler: Entre 2004 e 2015 foram assassinadas 428 mulheres e 497 foram vítimas de tentativas de homicídio. As crianças, sujeitas de forma direta ou indireta às situações de violência interparental são, incontestavelmente, vítimas deste flagelo. Vivem no seio de um ambiente de terror e violência e são sujeitas a comportamentos que afetam gravemente a sua segurança e o seu equilíbrio emocional. Nos últimos 11 anos mais de 700 crianças ficaram órfãs de um ou de duas figuras parentais, propondo-se, nessa conformidade, que o recurso à audição técnica especializada e à mediação familiar não seja admitido entre as partes em duas circunstâncias concretas: nos casos de violência doméstica, designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro; e nos casos em que algum dos progenitores seja constituído arguido ou condenado por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual do seu filho.
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conveniência as situações em que seja decretada a medida de coação ou aplicada a pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores ou em que estejam em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus-tratos ou abuso sexual de crianças. Na verdade, contendendo as situações descritas na hipótese da norma citada com casos de violência doméstica ou familiar, o recurso à mediação, por colocar frente a frente agressor e vítima, numa situação em que uma das pessoas detém um ascendente de dominação e violência sobre a outra ou sobre o seu filho, seria não só ineficaz, como poderia configurar mais uma situação de violência para as vítimas que já se encontram fragilizadas, contribuindo para a sua revitimização14. Por essa razão, em tais casos, é inadmissível o recurso à mediação15.
3. A mediação familiar entre as vias de consenso do processo tutelar cível Constituindo um meio privilegiado para a resolução amigável de conflitos familiares, com recurso a técnicos especializados, a mediação familiar não esgota, contudo, as vias de consenso previstas no Regime Geral do Processo Tutelar Cível. A sua demarcação dos restantes caminhos processualmente permitidos para obtenção de consensos no âmbito tutelar cível mostra-se, assim, da máxima importância sempre que o Tribunal tenha que optar por uma das vias possíveis16. Na verdade, reconhecendo que a especificidade da jurisdição da família e das crianças exige a criação de Tribunais com caraterísticas também especiais, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível pretendeu dotar esta jurisdição de meios que permitam uma resposta diferenciada e interdisciplinar às situações de conflito parental.
A solução legal em apreço aproxima-se, portanto, da que constava já do artigo 11º, da Lei n.º 147/99, de 01/09, onde se afasta a intervenção consensual das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, nas situações em que a pessoa que deva prestar consentimento, nos termos do artigo 9.º, haja sido indiciada pela prática de crime contra a liberdade ou a autodeterminação sexual que vitime a criança ou jovem carecidos de proteção, ou quando, contra aquela tenha sido deduzida queixa pela prática de qualquer dos referidos tipos de crime [n.º 1, al. b)]. Da mesma forma, mostra-se conforme às normas de proteção às vítimas de criminalidade, constantes, designadamente, dos artigo 67º -A, do Código Penal, artigo, 15º, n.º 2, 17º, 20º, 21º, al. b) e 22º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04/09, e artigo 14º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16/09). Em todas as situações descritas, procura-se impedir que se coloque em contacto a vítima e o agressor. 15 A solução encontrada dá, por outro lado, adequada resposta às orientações preconizadas pela Convenção de Istambul, a qual, no seu artigo 48º, vincula os Estados-Parte a tomar as medidas legislativas adequadas à proibição de processos obrigatórios alternativos de resolução de disputas, incluindo a mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção. 16 Tal sucederá, designadamente, no âmbito da Conferência prevista no artigo 35º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sempre que nela não seja alcançado acordo, seja no âmbito dos processos de regulação das responsabilidades parentais, seja em todos aqueles para os quais está previsto idêntico procedimento – vd., supra, nota 6. 14
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Nesse seguimento, introduziu no processo tutelar cível uma nova fase, que denominou de audição técnica especializada, para a qual as partes são remetidas, por decisão do juiz, gorada que seja a obtenção de acordo no âmbito da Conferência de Pais. Face ao disposto no artigo 23º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a finalidade de tal audição técnica especializada é a obtenção de consensos entre as partes, nisto se aproximando da mediação familiar, cujo objetivo último é a obtenção de um acordo e posterior homologação judicial, nos sobreditos termos. Todavia, diferentemente do que sucede com a mediação, esta audição tem em vista a avaliação diagnóstica das competências parentais das partes e a aferição da sua disponibilidade para um acordo, designadamente em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que melhor salvaguarde o interesse da criança, incluindo a prestação de informação centrada na gestão do conflito17. A realização desta audição técnica especializada será entregue às equipas de assessoria técnica multidisciplinar18, as quais, por estarem dotadas de conhecimentos técnicos e científicos específicos sobre o conflito familiar e parental, estão mais aptas a identificar o tipo de conflito, sua intensidade e dinâmicas e a apontar os caminhos possíveis para a sua superação, na base consensual primacialmente prosseguida19. Não sendo possível a obtenção de consensos e constatando-se a indisponibilidade de um dos progenitores ou de ambos para um acordo, a audição destinar-se-á à avaliação das competências parentais dos progenitores, perfilando-se como meio de obtenção de prova, e à prestação de informação centrada na gestão do conflito, o que pressupõe o diagnóstico da causa do conflito parental e a indicação de caminhos para a sua resolução, à margem do acordo dos progenitores, designadamente, através do acompanhamento especializado dos progenitores e dos
Conforme é referido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 338/XII, A audição técnica especializada serve o duplo propósito de enriquecer e agilizar a instrução, trazendo ao tribunal a avaliação diagnóstica das competências parentais e potenciando a disponibilidade das partes para o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que melhor salvaguarde o interesse da criança. 18 Às quais, nos termos do artigo 20º, n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, compete apoiar a instrução dos processos tutelares cíveis e seus incidentes, apoiar as crianças que intervenham nos processos e acompanhar a execução das decisões. 19 Nos termos do artigo 20º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, as referidas equipas técnicas multidisciplinares deveriam funcionar, de preferência, junto dos Juízos de Família e Menores, o que pressupunha a existência de um corpo de assessores integrados no Ministério da Justiça e distribuídos pelos vários Tribunais. Tal propósito legislativo não se mostra, ainda, cumprido, razão pela qual, e porque a interdisciplinaridade referida no texto principal se não compadece com a estrutura, hierarquias e burocracia próprias do Instituto de Segurança Social, no Juízo de Família e Menores de Coimbra se deu resposta àquele repto legislativo através da afetação de técnicos daquele Instituto a cada um dos juízes que ali exercem funções, agilizando-se os canais de comunicação entre as duas instituições (Tribunal e Instituto de Segurança Social) e conseguindo-se, graças à ativa colaboração do Núcleo de Infância e Juventude do Centro Distrital de Coimbra do Instituto de Segurança Social, a realização da assessoria permanente visada na norma citada. 17
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filhos durante a execução do regime de regulação das responsabilidades parentais provisoriamente definido20 ou mesmo com recurso a sessões de terapia familiar e/ou de acompanhamento psicoterapêutico, quando se considere que a pacificação da relação familiar postula uma intervenção mais invasiva e especializada, que buscará a raiz do problema e procurará dar-lhe solução nessa perspetiva terapêutica21. Expostos, a traços largos, as caraterísticas da audição técnica especializada, facilmente se constatam as diferenças que a separam da mediação familiar, onde sobressaem a sua realização em contexto judicial, a sua obrigatoriedade (decorrente quer da circunstância de não depender do assentimento das partes nem de requerimento nesse sentido, quer do facto de a sua realização se impor sempre que não se consiga alcançar acordo na conferência e não estejam reunidos os pressupostos de intervenção da mediação) e ausência da nota da confidencialidade (na medida em que tudo que neste âmbito se discute deverá ser transmitido ao juiz do processo e servirá, inclusivamente, como meio de prova e sustento da decisão final). É, todavia, ao assinalar à audição técnica especializada o objetivo de avaliação diagnóstica das capacidades parentais dos progenitores, finalidade que é totalmente espúria à mediação familiar, que o Regime Geral do Processo Tutelar Cível marca a destrinça
fundamental
entre
estes
dois
recursos
processuais,
dando,
concomitantemente, ao juiz um importante auxílio quando se trate de optar entre uma e outra: verificados que estejam os demais pressupostos, acima elencados, só não deverá ser dada primazia à intervenção da mediação quando se levantem dúvidas sobre as competências parentais dos progenitores, aqui residindo o (único?) fundamento relevante para a formulação de um juízo de inconveniência sobre a sua realização. Assim, perante dois progenitores que aparentem dispor de tais competências, o caminho a seguir será o da mediação familiar. Frustrado o objetivo prosseguido com a sua intervenção e impossibilitada a obtenção de acordo, fica, por outro lado, patente a indisponibilidade dos progenitores para uma solução negociada (logo, alcançado outro dos objetivos assinalados à audição técnica especializada), pelo que o caminho a seguir será o do prosseguimento dos autos para julgamento22.
Designadamente, quando se institua um regime de supervisionamento que permita aos técnicos especializados avaliar e percecionar o grau de vinculação da criança aos seus progenitores e a responsividade destes às exigências decorrentes do exercício das responsabilidades parentais – cf. artigo 28º, n.º 1, parte final, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. 21 Cf. Artigo 22º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. os 22 Nos termos do artigo 39º, n. 2, 3 e 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando houver lugar a processo de mediação nos termos previstos no artigo 24.º, o tribunal é informado em conformidade, pelo que, finda a mediação ou decorrido o prazo da respetiva intervenção, o juiz notifica as partes para a continuação da conferência, que se realiza nos cinco dias imediatos com vista à homologação do acordo estabelecido em sede de mediação; não sendo alcançado acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos. 20
16
Não obstante a finalidade de obtenção de acordo que a perpassa, a mediação não pode, por outro lado, ser confundida com a figura da conciliação, também esta considerada como um meio alternativo de resolução e conflitos (CARDOSO, 2018). É sabido que o Regime Geral do Processo Tutelar Cível envolve o próprio juiz do processo na busca de soluções negociadas para o conflito que é chamado a decidir, impondo-lhe o dever de procurar obter um acordo que corresponda aos interesses da criança, seja durante a conferência de pais23, seja no âmbito da audiência de discussão e julgamento24. Para tanto, o juiz assumirá o papel de conciliador e mostrará às partes as vantagens de uma solução negociada para o litígio em curso, assumindo um papel ativo e participativo no processo de negociação, apresentando vias de consenso, recomendando mesmo uma solução para o conflito e procurando suscitar a adesão dos interessados tendo em vista a celebração de um acordo conciliatório (PEREIRA, 2002)25. Moldando-se na forma descrita a intervenção do juiz conciliador, facilmente se constatam as diferenças da conciliação assim empreendida relativamente à mediação: contrariamente ao mediador, que não deve induzir nenhuma solução e apenas facilita a comunicação, o juiz pode (deve) fazer sugestões e até propor o acordo; por outro lado, na conciliação, o acordo é obtido por sucessivas concessões das partes, ao passo que na mediação o acordo não nasce de tais concessões mas da cooperação dos mediados; finalmente, na conciliação o objetivo principal e direto é a obtenção do acordo, ao passo que na mediação o objetivo prosseguido é o restabelecimento da comunicação entre as partes, tendo em vista a resolução do conflito existente e a capacitação dos mediados para ultrapassar eventuais conflitos futuros26. Cf., artigo 37º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do qual, estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais. 24 Cf., artigo 29º, n.º 1, al. a), do Regime Geral do Processo Civil, onde se estatui que quando haja lugar a audiência de discussão e julgamento, esta efetua-se nos seguintes termos: a) Estando presentes ou representadas as partes, o juiz procura conciliá-las, tomando declarações às que estiverem presentes. 25 A atribuição de um papel conciliador ao juiz da causa não é exclusiva do processo tutelar cível nem sequer uma novidade do atual regime geral do processo tutelar cível. Já presente na revogada Organização Tutelar de Menores (v.g., nos artigos 158º, n.º 1, al. a), e 177º), a conciliação está há muito presente nas leis processuais civis, que lhe reconhecem uma finalidade de consecução da paz social e a colocam num plano superior à da solução objetiva e de direito, considerando-se que, por essa via, se poderá obstar às injustiças decorrentes da aplicação da lei geral e abstrata e se potenciará a cessação definitiva do conflito entre os interessados, que raramente uma solução formal alcança (v. CASTRO, Anselmo de, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 250-251). 26 Pelas razões expostas, e porque com a conciliação não se resolvem problemas de fundo, apenas se procurando um acordo satisfatório perante uma apresentação breve e superficial da discórdia, este mecanismo de resolução de litígios é normalmente aconselhado para casos em que não exista nenhum tipo de relacionamento duradouro e contínuo entre os conciliados, sendo mesmo desaconselhado por alguns autores para conflitos decorrentes de relações duradouras e contínuas, especialmente, as relações familiares (neste sentido, CRUZ, Rossana Martingo, Mediação Familiar, Limites Materiais dos Acordos e o seu 23
17
O juiz não é, assim, um mediador. Por muito que as suas caraterísticas de personalidade sejam propiciadoras da obtenção de consensos e suscetíveis de despertar a adesão das partes às suas propostas, a sua intervenção conciliatória não encerra qualquer forma de mediação27. Nessa tentativa de conciliação deve, por isso, fazer uma primeira avaliação da natureza do conflito suscitado no processo e, constatando que, mais do que ultrapassar o diferendo concreto ali suscitado, as partes necessitam de auxílio para conseguirem resolver o problema de fundo, a raiz do conflito, deve encaminhar a situação para quem dispõe dos conhecimentos e das técnicas necessárias para lhe dar adequada solução: a mediação familiar (caso não se suscitem dúvidas sobre as competências parentais dos progenitores e estejam reunidos os demais pressupostos, acima analisados) ou a audição técnica especializada (sempre que se justifique proceder à avaliação diagnóstica das competências parentais dos progenitores). Por outro lado, caso não seja bem-sucedido na tentativa de conciliação que empreendeu, não pode o juiz daí retirar qualquer ilação relativamente à conveniência da intervenção dos serviços de mediação, não lhe sendo legítimo extrair da frustração da tentativa de acordo que empreendeu a conclusão de que se mostra comprometido, à partida, o sucesso da intervenção do mediador familiar. Ainda nesses casos, verificados os pressupostos anteriormente expostos, o caminho a seguir é o da mediação.
4. Conformação legal da intervenção da mediação familiar - Crítica Mantendo a intervenção dos serviços da mediação na dependência do consentimento dos interessados, o regime geral do processo tutelar cível introduziu, todavia, uma novidade relativamente ao regime pregresso, atribuindo agora ao juiz competência para informar os interessados sobre a existência e os objetivos da mediação familiar28. Sabendo-se, todavia, que da forma como é transmitida tal informação dependerá, em muito, o assentimento dos interessados a este mecanismo de resolução de conflitos, afigura-se que a solução legislativa peca, ainda, por alguma timidez.
controlo pelas autoridades, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família, 25, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 28 e seguintes). 27 Não se integra, sequer, na chamada evaluative mediation, modelo utilizado na mediação praticada nos conflitos de consumo, em que o mediador dá o seu contributo sobre possíveis soluções do problema, assumindo um papel ativo na mediação (MENDES, Armindo Ribeiro, A Evolução da Regulamentação Legal em matéria de Mediação – a Lei n.º 29/2013, de 19/04”, in O Livro dos Amigos de Luís Lingnau da Silveira, pp. 37-38). 28 À semelhança do que sucedeu, em matéria de divórcio, com a alteração introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, ao artigo 1774º, do Código Civil.
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Na verdade, sendo o processo tutelar cível orientado pelo princípio da consensualização, nos sobreditos termos, onde a mediação familiar assume o destacado papel de meio preferencial de composição dos conflitos familiares (a par da audição técnica especializada), e reconhecendo-se que se trata aqui de um mecanismo de resolução de litígios especialmente vocacionado para dar adequada solução aos problemas suscitados nesta jurisdição, considero que o legislador deveria ter dado um passo mais firme no sentido da implementação da sua utilização no âmbito da justiça tutelar cível. Entendo, pois, que, seguindo a mesma senda que levou o legislador a dotar os Tribunais de assessorias técnicas e especializadas, deveriam ter sido criados serviços de mediação para funcionarem diretamente junto dos Juízos de Família e Menores, à semelhança do que sucede, entre nós, com os Julgados de Paz29. E, assim, logo que iniciado o processo tutelar cível deveria ser realizada uma pré-mediação, salvo se qualquer uma ou ambas as partes tivessem previamente afastado essa possibilidade, a qual teria como objetivo explicar em que consiste a mediação e verificar a predisposição dos intervenientes para um possível acordo nesse âmbito, sendo de imediato marcada a primeira sessão de mediação, caso as partes afirmassem a sua vontade nesse sentido30. Semelhante solução deixaria incólume o princípio da voluntariedade, seja na dimensão da liberdade de escolha deste método de solução de conflitos, seja na vertente da liberdade de abandono da mediação31, não afrontando, por isso, o quadro legal definido pela Lei n.º 29/2013, de 19/04, e mostrando-se plenamente conforme ao direito comunitário vigente32. Por outro lado, entendo que uma tal solução legal, em que a referida prémediação ocorreria no contexto de um processo judicial já iniciado e assentaria na ausência de oposição das partes a essa possibilidade, deixaria devidamente salvaguardado o direito de acesso aos Tribunais, consagrado no artigo 20º, da
Nos termos do artigo 16º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, em cada julgado de paz existe um serviço de mediação que disponibiliza a qualquer interessado a mediação, como forma de resolução alternativa de litígios, o qual tem como objetivo estimular a resolução, com caráter preliminar, de litígios por acordo das partes. 30 Cf., artigos 49º e 50º, da citada Lei n.º 78/2001, de 13/07. 31 Da mesma forma que deveria salvaguardas as restantes dimensões do princípio, a saber, a liberdade de conformação dos termos do acordo que põe termo ao litígio e de escolha do mediador (v., LOPES, Dulce, PATRÃO, Afonso, Lei da Mediação Comentada, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 2016, Anotação ao artigo 4º, pp. 33-35). 32 Nos termos do artigo 3º, al. a), da Diretiva n.º 2008/52/CE, a mediação consiste no processo “através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo”, autorizando, porém, tal diretiva a existência de “legislação nacional quer preveja o recurso obrigatório à mediação ou o sujeite a incentivos e sanções, quer antes, quer depois do processo judicial”. 29
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Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem33. Finalmente, considero que o caminho ora proposto, ao permitir o efetivo encaminhamento dos interessados para a mediação familiar na fase inicial do processo judicial, ou seja, num momento próximo do eclodir do conflito (ainda não ampliado pelas contribuições processuais das partes), daria maiores garantias de sucesso à respetiva intervenção, com manifestos ganhos para as crianças e suas famílias. 5. Conclusão A mediação familiar não pode, portanto, deixar de ser perspetivada pelos Tribunais como uma resposta efetiva aos conflitos familiares que se lhes impõe dirimir, conclusão alicerçada quer na natureza, finalidades e princípios estruturantes desta intervenção, quer na obrigação de salvaguarda do superior interesse da criança, quer, finalmente, na linha de consensualização que é agora expressamente assumida como objetivo da intervenção da justiça tutelar cível. Nessa medida, dependendo a utilização da mediação familiar de um prévio juízo de conveniência sobre a respetiva intervenção por parte do Tribunal, as vantagens do recurso a este meio de resolução de conflitos apenas poderão ser validamente postas em causa quando se suscitem dúvidas sobre as competências parentais dos progenitores, pelo que, nas restantes situações, e ressalvando-se os casos em que tal utilização se mostra legalmente proscrita, o caminho a seguir será sempre o da mediação familiar, com preferência sobre os demais de meios de obtenção de consensos previstos na lei. Não estando legalmente prevista uma fase de pré-mediação, destinada a explicar em que consiste a mediação, a verificar a predisposição das partes para um possível acordo nesse âmbito, a despertar a sua adesão e a vencer eventuais resistências, é sobre o juiz que recai o dever de informação sobre a existência e os objetivos da mediação familiar. Assim, mostra-se premente a necessidade de dotar os Tribunais de informação correta e tão exaustiva quanto possível sobre este meio de resolução de conflitos, sendo mais do que justificada a realização de ações de sensibilização junto dos operadores judiciários para que a apontada informação seja transmitida num tom motivador e suscetível de espoletar a adesão dos interessados à mediação familiar.
No sentido de que mesmo a opção por um sistema de mediação obrigatória não violaria a Constituição da República Portuguesa, v. GARCIA, Maria Olinda, Gestão Contratual do risco processual: a mediação na resolução de conflitos em direito civil e comercial, O Contrato na gestão do risco e na garantia da equidade, Instituto Jurídico – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 187. 33
20
REFERÊNCIAS: - BARBOSA, Águida Arruda, Formação do Mediador Familiar Interdisciplinar, in R.C. Pereira (Coord.), Família: entre o público e o privado, Porto Alegre, 2012, Magister/IBDFAM, pp. 11-25. - CARDOSO, Ana Carolina Veloso Gomes, Mediação (Civil e Comercial) e celeridade processual – Propostas para dinamização da mediação e da sua integração nos tribunais como meio de redução de pendências, Revista Julgar, n.º 34, Janeiro-Abril 2018, pp.35-60. - EPIFÂNIO, Rui & FARINHA, António, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Almedina, Coimbra, 1997, p. 326 - HAYNES, John, Fundamentos de la Mediación Familiar, 1996, Gaia Ediciones, Madrid, p. 11. - LOPES, Dulce & PATRÃO, Afonso, Lei da Mediação Comentada, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 2016, Anotação ao artigo 1º, p. 17 - MOLINARI, Fernanda & MARODIN, Marilene, A Mediação em contextos de Alienação Parental: o papel do mediador e dos mediandos, in C.P. Rosa & L.M.B. Thomé (Org.), O papel de cada um nos conflitos familiares e acessórios, Porto AAlegre, 2014, IBDFAM/RS, pp. 155-166. - NETO, Francisco Maia, Novo Paradigma na Resolução dos Conflitos Familiares; celeridade e Sustentabilidade, e-book, Jornadas de Direito da Família - As Novas leis: desafios e respostas, CEJ, Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados,
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21
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22
em
Mediation of Multiparty Conflicts Plurilogue to Address Complexity – The Project MARGov
Ursula Caser34 caser@mail.telepac.pt; ursula.caser@mediatedomain.com Lia Vasconcelos35 ltv@fct.unl.pt Key-Words Multiparty Mediation - Conflict – Plurilogue - Governance – Method – Abstract Multi-party mediation is transversal to almost all areas of mediation because it focuses specifically on the resolution of complex conflicts aiming at the involvement of all potentially interested parties. Furthermore, it is a means of excellence to involve all positions and interests at stake, as it seeks not only the integration of different perspectives and knowledge but also the resolution of conflicts in a phased and flexible approach. At the same time, multi-party mediation allows to perceive the existence of latent conflicts that, with adequate methodologies, can be overcome, clearing the way for joint solutions. Given the diversity of situations that can be addressed using this process (whether from family, commercial, labor, school, or environmental mediation), it is Úrsula Caser has a degree in Geography from the University of Munich (1989), with a Master in European Mediation (2000) by the Institut Universitaire Kurt Bösch (Sion, Switzerland) - in collaboration with the University of Barcelona. Since 1991, she has been working as a consultant for the Department of Sciences and Environmental Engineering of the Faculty of Sciences and Technology of UNL, in particular through the conduction of multi-party mediation and participative workshops, of which she coordinated and executed about 400 in all Portuguese territory. Her main areas of work focus on multi-party mediation, consensus building and conflict management in complex planning and decision-making processes (public services, universities and research centers, educational institutions, companies), facilitation and moderation of meetings and congresses, teaching and training (interactive methods in planning, facilitation techniques, conflict management, general mediation and multi-party mediation). She is member of WTeamUp and CEO of MEDIATEDOMAIN, Lda. (www.uc-mediation.eu / www.facebook.com/mediatedomain?ref=hl 34
Lia Vasconcelos has a PhD in Environmental Engineering - Social Systems (1997) and a master in Community Planning (1982), University of Rhode Island, USA. Her professional base is architecture, (1977). She is a Professor at the DCEA and a researcher at MARE-NOVA. She has focused her research on innovative decision-making processes namely developing methodologies to mobilize and involve multistakeholders in collaborative processes aiming at new forms of governance in collaborative public policies in environmental planning and management processes. Lia Vasconcelos coordinated the MarGov Project: Collaborative Governance of Marine Protected Areas (Gulbenkian / Lisbon Oceanarium Award 2008) and is co-founder of WTeamUp, an action-research group on governance (www.wteamup.com/). 35
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important to clarify that although there are common structuring elements, methodologies should be flexible and adapted to each case. Particularities of each case should be considered during the process design and or embraced in its course. Focusing on consensus building, multiparty mediation is thus capable of dealing with situations of imbalance of powers, insecurity in sharing opinions and perspectives, and lack of articulation, promoting safe Plurilogue spaces. Hence, multi-party mediation emerges as a conflict resolution and prevention process within a broader context of many "traditional" fields of mediation. For this paper, we have chosen an illustrative case study from the field of environmental/ administrative mediation, one of our emblematic projects – MARGov Collaborative Governance of Marine Protected Areas. This project focussed on the Marine Park Professor Luiz Saldanha in Sesimbra, created by a top-down administrative process. Weak governance and absence of local stakeholders’ participation generated conflicts over time. The Project MARGov proposed to develop a model of collaborative governance via a complex multi-party mediation process. 1. 1.1
Introduction
General Context: Framework Conditions for Multi-Party Mediation
The authors have intervened since 1998 in many different more or less adversary and conflictual planning contexts36. Active public participation and mediation are crucial factors to build acceptance by civil society towards different type of laws, rules and plans. The European as well as the Portuguese national legislation recognizes Public Participation as part of the planning process (Law nº 48/98, 11th of August; COM - 2001). Mediation is acknowledged as a process of alternative dispute resolution (Directive 2008/52/EC of the European Parliament and of the Council of 21 May 2008 / Lei de Mediação - Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril). Unfortunately, the implementation of Public Participation and Mediation is often said to be problematic, frustrating and without tangible results (VASCONCELOS & CASER 2009). However, our experience has been otherwise! From our projects it became clear that mediation processes, recurring to specific interactive methodologies have proved that citizens and Civil Societies’ Organizations (CSOs) can participate and co-decide constructively, enthusiastically and with high competence (CASER et al. 2017). Of course, not all participants in multi-party mediations contribute “technical” knowledge, as for example architects, urbanists and land planners do. The expertise of
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For more information on projects and authors see: www.uc-mediation.eu and www.wteamup.com
24
non-technical parties (individuals and groups like for example citizens, pupils, entrepreneurs) lies in a living and livelihood knowledge that “technical experts” often do not have. In fact, any member of the civil society knows how their living spaces have developed (and changed) along times and they know how they want to live in the future. 1.2 The Case Study - MARGov – Collaborative Governance of Marine Areas The Marine Park Professor Luiz Saldanha (MPLS) was created in 199837 by a top-down administrative process that generated a variety of conflicts, in particular with the local fishing communities unable to accept the restriction of their rights without being involved in the decision process. The need for mediation in this case roots in the insight, that weak governance and absence of local stakeholders’ participation in the management of Marine Protected Areas are obstacles to the sustainability of the Ocean as a whole. The multiparty mediation model, developed and conducted by MARGov from 2009 to 2011 defended therefore the sharing of responsibilities among the stakeholders that regulate and use those coastal habitats for different activities (e.g. municipal activities and housing, tourism, artisanal fisheries, etc.) and included all key actors. In terms of procedural decisions, the mediation was using appropriate methodologies in order to create meeting spaces for different interests and powers. For this, specific techniques have been developed and an eco-social Plurilogue emerged out of a continuous collaborative process cherished by a diversified team, operating in a multiplicity of spaces. (VASCONCELOS, et al. 2015)
1.3 Objectives and Goals MARGov is one of our paradigmatic projects. Our goal was to learn, form and improve our interventions as professional mediators in creating Plurilogues38 that allow parties to talk with each other and to exchange experiences, perspectives, interests and needs in order to enable them to co-responsibilize for their own future. Our intrinsic intention was to design and conduct consecutive mediation sessions that were adequate to the situation-in-the-field in each moment of the process. We intended to serve all parties and to assure that everybody felt empowered to use his or her knowledge in the most fruitful way targeting collectively accepted solutions, consensual implementable plans and – on a whole – a more sustainable development.
37 38
http://www2.icnf.pt/portal/ap/p-nat/pnar/parque-marinho A multiparty dialogue respecting specific rules to assure a transparent and genuine debate
25
2.
Success Factors
Of course, each case is a case and each project is a project. Therefore, it is not possible to provide “recipes” of how to design and conduct successful multi-party mediations (CASER et al. 2011; VASCONCELOS 2008). However, there are some crucial factors for success: In the following, some of them are shortly described. 2.1
Neutrality and Competence of the Mediator
Mediators must be neutral towards the issues under debate, as well as personally, psychologically and financially independent from the process and from its eventual outcomes or results (MOORE, 1996). This is the utmost difficult challenge, since usually a “powerful stakeholder” pays for the mediation (involved government, municipalities or enterprises), and all parties know this39. In multi-party mediations (on the contrary to bi-lateral mediations) mediators must therefore gain the trust of the parties despite this funding situation. Another challenge to neutrality of mediators (e.g. in environmental mediations) is the fact that any mediator is at the same time mediator and citizen, thus often – at least implicitly - affected by the decisions to be taken. Given a successful management of neutrality towards the content, multi-party mediators must also have a sound procedural and methodological knowledge and the necessary structure and flexibility to design a good process. Competent mediators are able to explain the chosen methodological elements to all involved parties (scientists, politicians, citizens, entrepreneurs, technicians, etc.) at any moment, so that they understand clearly what to do, when and how, to feel secure in the process, to be able to participate fully and to be encouraged to use their expertise. 2.2
Individuality and Psychological Differentiation of the Stakeholders
Multi-party mediations are based on the mutual recognition of the legitimacy of parties and their interests. The mediator supports the parties’ engagement to perceive each other as unique, special and different from the others, according to their specific characteristics and with respect to their difficulties in the mediation process The mediator in his role as “a facilitator of Plurilogue” creates an arena, an open space so to say, that did not exist before. Furthermore, mediators guarantee at any time the separation of "the process", "the problem" and "the people"(FISHER & URY 2012).
Normally it is not possible to divide the mediation cost equally among parties (as it is often the case in bi-lateral mediations), as cost are high and some parties (e.g. citizen groups could not afford “their share”) 39
26
Multi-party mediation, if well conducted, is a dynamic process, that aims to change participants’ perspectives, stereotypes and prejudices by gaining new insight, in order to create a mutual understanding (INNES, 1995). Interactions in Plurilogues influence therefore both, the perception of the situation by all involved and the willingness and capability to develop collaboratively possible solutions. When the parties become aware of their capabilities, they will increasingly feel responsible for resolving their dispute on their own. In this sense Plurilogue allows the parties to develop personally, and encourages them towards a more active and reliable involvement in the mediation process. This results in capacity building (empowerment) and the creation of social, relational, intellectual, political and - eventually - procedural capital. (GRUBER 1994; INNES & BOOHER 1999)
2.3
Voluntariness of Participation
The mediator is responsible for implementing the technical and methodological elements, whereas it is a basic principle of mediation that the parties decide whether and when to participate and to maintain their involvement. In theory, each participant can enter to - and remain in - the process voluntarily and without any pressure. Each participant has also the right to terminate his participation at any time, unilaterally and without agreement of the others (LOPES & PATRÃO 2016). However, in multi-party mediations voluntariness has a substantial added complexity, since the parties can be individuals to decide for themselves, but they can also be institutionalized representatives of various entities (e.g. institutions, companies, associations, interest groups, etc.). In this way, at least three different types of “voluntariness” are possible: (1) an entity may "decide" to participate only for political reasons. It may "look" good or bad for the "outside" to participate or not (2) an entity decides to participate (= participates voluntarily) but delegates a representative who disagrees personally to participate in this mediation. However, as sent by his employer, this participant might be obliged to sit at the mediation table having had no possibility of invoking the principle of voluntariness. (3) there may be competitive dynamics among potential stakeholders, that condition a voluntary decision of getting involved (e.g., if one entity participates another entity may feel that it also has to participate; or – on the contrary – an entity does not want to get involved in the same mediation process with a competing entity). Another aspect is the following: in the context of multi-party conflicts, the nonparticipation of a stakeholder does not automatically decline the mediation process as a whole. In fact, in conflicts of great complexity and uncertainty, the probability of not having all existing interests at the mediation table is the case frequently. Thus, even if
27
some of the actors refuse to participate, many stakeholders may remain willing to engage and participate. In this case, it is up to the mediator to analyze the situation and verify whether mediation under these conditions may or may not be performed (CASER 2009a). If not, he or she may refuse to start or continue the mediation. In this case it is very important not to just let the parties go, but propose procedural alternatives, that they could follow now (e.g. arbitration, participatory process with another level of involvement, etc.). 2.4
Horizontality and Processual Symmetry
The mediator must remain equidistant towards all participants and support the expression of the knowledge of all parties, without favoring the agenda, interest or solution of any of the participants. In this sense he or she has to balance the hierarchies and inequalities of power and ensure that the interests and needs of each party are respected (CASER & VASCONCELOS, 2008). These dynamiscs are obviously much more complex than in bi-lateral mediations (CASER 2009b) 3
MARGov – A Professionally Facilitated Plurilogue
Professional mediation works like conducting a symphony. Many voices, in a variety of tones and velocities, sometimes solo, sometimes in all thinkable chorus formats as well as shifting leaderships have to be orchestrated. The conduction of such a Pluriloguge requires high professionalism, a sound processual knowledge and a structured but creative flexibility in order to allow productive and harmonic collaboration of all involved parties. As outlined before MARGov was a 2 years project. Due to the project time restrictions, there was a obviously a need to develop a efficient conceptual and adequate intervention plan. 3.1
Conceptualization
MARGov has intended to implement a coherent multi-party mediation project, integrating all affected and interested public services, enterprises, CSOs and individual persons. The starting situation, characterized by a strict regulation for the Marine Park, was the need for a detailed management plan, still to be developed and notably high social tension. The mediators had to develop a strategy to get – gradually - everybody involved. MARGov was a prize awarded by the Gulbenkian Foundation together with the Oceanary of Lisbon. This was one of the key factors that allowed strategic and methodological creativity and innovation, as it provided financial and conceptual freedom to the mediators’ team. The direct effect was obviously a total independence of process
28
design and intervention that could target an open Plurilogue among all stakeholders without any immediate pressure for factual results. This basic condition provided space and time for a thoughtful choice and implementation of elements of our multi-party mediation toolbox40 in order to make all parties feel at ease and become truly committed to the process. In fact the main aim of MARGov was to induce, promote and consolidate an open and trusted Plurilogue between all stakeholders, working towards a consensual model of governance that anyone can – at least – live with. It also aimed to increase collective capacity to manage this protected area collaboratively in the future (VASCONCELOS et al. 2015) Methodologically, an iterative mediation and public participation approach, embedded into a sound scientific research environment, fostered “bottom-up” as well as “top-down” exchange of knowledge, methods and tools in a productive and fruitful way. Additionally the implementation of a multi-disciplinary, cross-organizational cooperation was a fundamental project strategy. This should benefit the future management of the study area and beyond. The iterative approach (Fig. 2) helped in different stages of the project to find out whether and how networking, collective learning and collaborative decision-making prevents or mitigates tensions and conflicts and address both, resilience and adaptive capacity at this local level.
Development of a Participative Strategy
Intervention (Implementation of Activities and Participative Events
Adaptation of Participative Strategy
Validation
Results / Reflection / Research
Figure 1: Iterative Approach of the Participative Strategy (authors’ own visualization)
On a whole, MARGov concentrated on a complex but very specific context (Marine Natural Park, focussing on the ecosystem services). Driven by local demand and - at the same time - acknowledging that a successful mediation needs scientific For a variety of methods and tools see for example: https://participedia.net/; http://actioncatalogue.eu/ or http://www.partizipation.at/methods.htm 40
29
research, MARGov focussed not only on the mediation’s perspective, but adopted also a science-society agenda, based on a philosophy of “cutting-edge” networking between all stakeholders (scientists, policy makers, CSOs, NGOs, civil society at an individual level, etc.). This philosophy was translated into an outstanding approach of pooling human resources to allow joint learning and knowledge generation at all levels in a variety of formats. 3.2
Mediation Sessions’ Formats
Along the project lifetime a great number of mediation sessions in different formats was implemented, according to the demands of each project stage. A detailed description would go beyond the topic of this paper. To provide an impression of complexity, see the scheme of the implemented formats below.
Figure 2:
Implemented Multi-Party-Mediation and Participative Process
(Overview) (authors’ own visualization)
30
4
Multi-Party Mediation - Lessons learnt from MARGov
Having proved that there is no procedural “recipe” and that the process design must remain flexible throughout all the project’s lifetime, an important side effect of MARGov is the creation of knowledge and the development of methodology that can be (adapted and) used in other, similar spaces. Obviously, the focus of the scientific research that accompanied this mediation process was not primarily on “generalization” but on the intention to create a proficient and productive mediation process serving all involved parties. In this sense participants were empowered and encouraged to collaborate during all the mediation process towards concrete effects of improvement and results for a better and more consensual management of the MPLS (and therefore to the livelihood of everybody). The bet on action and socially relevant scientific research helped to understand key factors for success and to develop tools for multi-party mediations in this type of socio-territorial context, and the consciously developed methodological strategies allowed reaching the above-mentioned goal (Plurilogue) with remarkable quality. In the following, we compile some crucial lessons learnt from MARGov:
We have gotten more insight in the challenge of elaborating
a fitting and adequate (continuously adaptive) approach to resolve a highly complex multi-party conflict. This will feed in the future into the more competent design of effective and robust strategies for the implementation of multi-party mediations in a variety of contexts. Our findings and process design insights with this project are applicable in all fields of mediation where more than two parties are involved.
It turned out to be crucial to build on existing strengths while
learning to address and fill knowledge gaps along the way
Local stakeholders must be empowered and the power
disequilibrium must be handled in order to strengthen the local capacities to identify interventions and policies to protect the ecosystem and - at the same time - to improve the quality of life of all stakeholders.
Innovative approaches towards the role of science in multi-
party mediations as well as the inclusion of mediation in planning process and its role in the public debate in general are promising and have to be undertaken. To be successful it is constantly necessary to „think out of the box“.
Civil
society
can
and
must
be
included
as
a
stakeholder/party in environmental mediations, as only this inclusion
31
allows an societally relevant and comprehensive debate of planning strategies and collaborative decision making.
Content focussed evaluation concepts and frameworks for
the specific local context, must be developed and implemented, in order to increase relevance and ownership of data, analyses, visions, plans and scenarios for all parties and promote thus a more intense involvement in the mediation process
Process wise, a constant evaluation whether current
activities promote good Plurilogue or not, must be a priority, as this allows continuous reflection of the mediators’ team and the quick and efficient adaptation of process design or methodological elements if necessary.
Medialization as well as the influence of the dissemination
of relevant information from the project to “the outside” as well as the influence of the outside’s reaction has to be tracked closely to keep the mediators’ team aware of developments that occur during the mediation project’s lifetime beyond the direct project interventions. 5
Conclusions
Focusing on ecosystems’ function and the identification of actors and drivers to change these functions (improving and/or worsening) will help to develop strategies towards real benefits. The implementation of multi-party mediations is doubtlessly one of those strategies. The MARGov multi-party mediation intervened innovatively on an operational (creating a common language, clarification of perspectives, positions, interests and needs) as well as on a scientific (knowledge, methods and tools) basis. Specific mediation formats (fora, workshops, meetings and panels) implemented in well chosen moments of the process have promoted discussion amongst stakeholders and helped formulating alternative strategies towards improvement and potential solutions. MARGov had ambitious objectives, and obviously not all were fully reached, but even though MARGov increased considerably the scientific, operational and strategic knowledge related to the design and management of complex multi-party mediations
32
6
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CONFLITO: teoria geral e os meios adequados de intervenção e transformação
Ísis Boll de Araujo Bastos41 Resumo: Percebe-se na contemporaneidade uma necessidade de realizar de maneira mais efetiva a administração e a gestão dos conflitos. Reconhecer o conflito como oportunidade de forma construtiva é a tendência de uma moderna teoria do conflito. Nesse sentido, analisá-lo a partir de seus pressupostos e fatores constitutivos valoriza a adequação do meio de intervenção e transformação.
Palavras-chave: Conflito. Intervenção. Transformação. Meios adequados.
1 INTRODUÇÃO Desafiadora é a tarefa de pensar a teoria geral do conflito. Esse desafio, por si só, desvela a complexidade contemporânea na transformação dos conflitos jurídicosociais. Este estudo pretende focalizar a teoria geral do conflito, sob a perspectiva da transformação dos conflitos na contemporaneidade. Esse seria o primeiro passo para identificação do meio mais adequado de intervenção com vistas à transformação do conflito jurídico específico e concreto. O objetivo geral, portanto, é analisar algumas das principais bases conceituais do conflito e sua relevância na identificação do meio mais adequado de intervenção. A partir desse objetivo, surge o questionamento: qual a importância da teoria geral do conflito no cenário jurídico atual? Para o desenvolvimento desta pesquisa, será utilizado o método bibliográficodocumental. Em relação à natureza do trabalho, a opção restringe-se à abordagem teórica, tendo em vista a utilização de ampla bibliografia.
Doutoranda (bolsista CAPES/PROEX) e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral de pesquisa no exterior na Universidad de Burgos (UBU) (Processo CAPES/PDSE n. 88881.135795/2016-01). Professora universitária (Graduação e Pós-Graduação lato sensu em Direito). Sócia-fundadora do DIALOG – Centro especializado em meios adequados de solução dos conflitos. Advogada e mediadora de conflitos. E-mail: ibollbastos@gmail.com
41
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2 CONFLITO: tecendo breves considerações Definir o fenômeno conflito é uma tarefa árdua que, em certa medida, será sempre incompleta. Todos os conceitos elaborados para tipificar um conflito, desde Freud, Piaget, Darwin, Marx e Hobbes, dentre outros, foram insuficientes para dar conta da complexidade do conflito.42 Pode-se afirmar que “el conflicto – en cualquiera de sus formas – es uno de los grandes temas comunes a todas las ciencias sociales y humanas de fines del siglo XX.”43 O que é o conflito? Como ocorre um conflito? Quais são as consequências de um conflito? O conflito é um processo? O conflito é inato ao ser humano? O conflito decorre do tipo de sociedade ou passa por todas? Muitos são os questionamentos sobre conflito, e muitos deles ficarão sem resposta, pois as variantes de um conflito são tantas quantas as relações sociais estabelecidas. Ao indicar um rol de elementos básicos que aparecem em uma situação de conflito, Redorta44 indica algumas fontes do conflito. Sem pretensão de esgotar essas fontes, apresenta o quadro esquemático que se reproduz:
ELEMENTOS BÁSICOS QUE APARECEN EN LA CONFRONTACIÓN Poder
Necesid ades
Valore s
Intere ses
Percepci ón
y
comunicación Capaci dad
Búsqued
de a
coacción
Creen
de cias centrales
satisfactores
Objeti vos
Interpreta ción y expresión
deseados
Um dos clássicos sobre o tema é Deutsh, que no livro “The Handbook of Conflict Resolution”45 apresenta uma compilação de teorias para compreensão do fenômeno.
REDORTA, Josep. Cómo analizar los conflictos: la tipología como herramienta de mediación. Barcelona: Paidós, 2007. p. 35. 43 MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos: una guía introductoria. México/Buenos Aires/Barcelona: Paidós. 1999. p. 35. 44 REDORTA, Josep. Cómo analizar los conflictos. p. 36. 45 DEUTSCH, Morton; Coleman, Peter T.; Marcus, Eric C. (editors). The handbook of conflict resolution: theory and practice. 2nd ed. San Franciso/CA: Jossey-Bass, 2006. A primeira edição dessa obra foi em 2000. Aponta-se que Deutsh, em 1973, publicou: DEUTSCH, Morton. The Resolution of Conflict: Constructive and Destructive Processes. New Haven: Yale University Press, 1973. Nessa obra, já evidenciava questões sobre a natureza do conflito e alertava para os processos construtivos e destrutivos. 42
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Para o autor, “cada teoria é um componente do mosaico particular que precisa ser criado para entender e gerenciar um conflito específico de forma construtiva.”46 No senso comum, a palavra conflito remete, imediatamente, à ideia de algo negativo, como: guerra, embate, desentendimento, briga, dentre outros. Porém, para que o conflito possa ser transformado, é preciso percebê-lo como algo construtivo47, positivo, de forma reflexiva. Essa percepção permite-nos ser criativos para resolver o conflito e possibilita nosso melhor raciocínio. A habilidade transformativa precisa ser trabalhada na contemporaneidade; não se pode ter medo de enfrentar o conflito e tentar evitá-lo em todos os momentos. Ao contrário, deve-se encará-lo de forma ativa, positiva e transformativa.48 O conflito faz parte – não de maneira imprescindível – das relações sociais e é importante para o desenvolvimento e amadurecimento da democracia, pois impede a “estagnação social” ao proporcionar “vitalidade”49. Deve-se compreender essa “desacomodação” como positiva, no sentido de revelar novas perspectivas e novas formas de agir aos envolvidos, já que uma relação conflituosa existirá quando estes tiverem objetivos incompatíveis. Nesse sentido, Entelman adverte que “Serán relaciones de conflicto cuando sus objetivos sean incompatibles o […] todos o algunos miembros de la relación los perciban como incompatibles.”50 Compreender o conflito como “parte integrante das condições de existência” suscita a necessidade de gestão adequada desse conflito. Nesse sentido, entende-se por gestão do conflito a “aplicação de um conjunto de estratégias capazes de identificalo, compreendê-lo, interpretá-lo e utilizá-lo” para benefício das pessoas envolvidas.51 O conflito, para Murguía, é configurado por situações em que se manifesta de maneira aguda a diferença de opinião entre duas ou mais pessoas. Em geral tem sua
DEUTSCH, Morton; Coleman, Peter T.; Marcus, Eric C. (editors). The handbook of conflict resolution. p. 20. Tradução nossa do original: “[...] each theory is a component of the particular mosaic that needs to be created to understand and manage a unique conflict constructively.” 47 KRIESBERG, Louis; DAYTON, Bruce W. Constructive Conflicts: From Escalation to Resolution. 4 ed. Lanham, Maryland/USA: Rowman & Littlefield Publishers, Inc, 2012. Kriesberg é um dos principais autores que abordam o conceito de conflito na perspectiva construtiva, com seu livro publicado em 1998; a edição citada é mais recente e conta com a participação de Bruce W. Dayton. 48 Sobre este tema, um vídeo interessante é: HEFFERNAN, Margaret. Ouse discordar. Disponível em: <https://youtu.be/7tQ3gnD3Dag>. 49 SPENGLER, Fabiana Marion. O conflito, o monopólio estatal de seu tratamento e as novas possibilidades: a importância dos remédios ou remédios sem importância? In: SPENGLER, Fabiana Marion e LUCAS, Douglas Cesar (Org.) Conflito, jurisdição e direito humanos (des)apontamentos sobre um novo cenário social. Ijuí: Unijuí, 2008. p. 24. 50 ENTELMAN, Remo F. Teoría de conflictos: hacia un nuevo paradigma. Barcelona/ESP: Gedisa, 2002. p.49. 51 FIORELLI, José Osmir; MALHADAS JÚNIOR, Marcos Julio Olivé; MORAES, Daniel Lopes de. Psicologia na Mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São Paulo: LTr, 2004. p. 15. 46
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origem em uma diferença de interesses e desejos, em aspirações incompatíveis que induzem as partes a enfrentar-se na intenção de conquistar seu objetivo.52 Warat53 define o conflito como o “conjunto de condições psicológicas, culturais e sociais que determinam um choque de atitudes e interesses no relacionamento das pessoas envolvidas.” Quando não se consegue harmonizar as diferenças, gera-se o conflito.54 Em geral, o conflito é produzido “cuando hay una competencia por recursos materiales, por ejemplo, un aumento de salario, el uso del agua, el control de la tierra; o en un conflicto familiar, por una herencia o la custodia de un hijo; igualmente, puede producirse con motivo de la competência por recursos simbólicos: prestigio, honor, jerarquía.”55 Porém, “en todo conflicto existe una dimensión subjetiva, determinada por la percepción que las partes tienen del mismo, que influye de manera decisiva en su dinámica y en su posible resolución.”56 Em uma situação concreta de conflito, a percepção deste é apresentada sob perspectivas diferentes e gera reações nem sempre construtivas. O fato é que a atitude frente ao conflito será determinante, ou seja, a ação cooperativa ou competitiva dos participantes é o fator decisivo para determinar o curso do conflito e o resultado.57 As pessoas têm a opção de tratar seus conflitos de formas menos ou mais construtivas. Kriesberg afirma que, quando os participantes adotam estratégias destrutivas, os conflitos podem tornar-se enraizados e continuar a existir a um custo muito alto aos envolvidos.58 A estratégia destrutiva não se relaciona à decisão judicial em si, mas à forma com que os participantes se comportam perante o processo judicial
MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos. p. 17. Tradução nossa do original: “[…] situaciones en que se manifiesta de manera aguda la diferencia de opinión de al menos dos personas. […] en general, tienen su origen en una diferencia de intereses o de deseos, en aspiraciones incompatibles que inducen a las partes a enfrentarse en el intento de lograr su objetivo.” 53 WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 80 54 SUARES, Marinés. Mediando en sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2015. p. 47-48. Tradução nossa do original: “Pasamos la mayor parte de nuestra vida armonizando nuestras diferencias, y si generando conflictos, éstos surgen cuando no hemos sido exitosos en la tarea de armonización.” 55 MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos. p. 19. 56 MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos. p. 28. 57 DEUTSCH, Morton; Coleman, Peter T.; Marcus, Eric C. (editors). The handbook of conflict resolution. p. 23. Tradução nossa do original: “As this example illustrates, whether the participants in a conflict have a cooperative orientation or a competitive one is decisive in determining its course and outcomes.” 58 KRIESBERG, Louis; DAYTON, Bruce W. Constructive Conflicts. p. 143. Tradução nossa do original: “[...] partisans can choose to wage their conflicts in more or less constructive ways. When relatively destructive conflict strategies are adopted conflicts may become entrenched and persist at great cost to all parties. Partisans themselves often feel dismay that a conflict has so badly deteriorated, even as they continue to engage in rhetoric or take actions that do severe injury to the other side.” 52
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ao competirem pela vitória de sua verdade e pela validação desta. Foi nesse sentido que o autor cunhou a expressão escalada do conflito. Linda J. Beckman59 sugere três pontos importantes para a resolução de um conflito de forma construtiva: 1. Comunicação aberta; 2. Percepções precisas sobre o grau e a natureza do conflito; 3. Esforços construtivos para resolver o conflito, em que cada parceiro esteja disposto a, pelo menos, considerar o ponto de vista e soluções alternativas do outro, chegando, se necessário, a um compromisso. A ruptura da comunicação em qualquer nível pode levar a uma postura defensiva, insegura e confusa, sendo percebido esse comportamento como inapropriado. Todo contexto em que haja um conflito – genérico – pode gerar um conflito – específico – de cunho e reflexo jurídicos. Este recorte teórico é importante para identificar os mecanismos de intervenção e transformação dos conflitos jurídicos no cenário atual que possam auxiliar na resolução desses conflitos. É sabido que existem muitas maneiras de transformar um conflito: evitá-lo, ignorá-lo, fazer terapias, aconselhamento, assessoramento, autotutela, decisão administrativa, constelação familiar60, dentre outros, porém, o que interessa é pensar em meios legalmente reconhecidos como jurídicos para tratar do conflito específico e de reflexo jurídico. Parte-se da ideia de que o conflito está nas relações, ou seja, “o epicentro do conflito é a teia de padrões relacionais”61 e por isso “el análisis del conflicto requiere no sólo atender el asunto que lo origina, sino también profundizar en la relación entre las partes y en el significado que para cada una tiene la disputa. Sólo cuando se lo entiende cabal e íntegramente se puede intervenir con razonable confianza en la posibilidad de resolverlo.”62
BECKMAN, Linda J. Couples’ decision-making process regarding fertility. Karl E. Taeuber Larry L. Bumpass James A. Sweet. Social demograph. New York: Academic Press, 1978. p. 69. Tradução nossa do original: “Conflict resolution. A theoretical model developed by Jourard (1971a, 1971b), Rausch et at. (1974), and others is concerned with the constructive resolution of conflict in intimate relationships. It is assumed that hostilities and conflicting needs, desires, and preferences are inevitable in any close relationship. It is proposed that conflicts cannot be resolve adequately unless they are expressed openly and managed constructively. Couples in our Society often try to suppress hostile feelings and avoid overt conflicts that lead to resentment and dissatisfaction. The model identifies three essential requirements in order to resolve conflict constructively: 1. Open communication; 2. Accurate perceptions regarding the degree and natures of conflict; 3. Constructive efforts to resolve conflict, which at minimum include each partner being willing to consider the other’s point of view and alternative solutions, and to be willing to compromise if necessary. Breakdown of communication at any level can lead to defensiveness, self-doubt, confusion, and behavior perceived as inappropriate.” 60 Aponta-se que muitos Tribunais no Brasil já adotam a prática da constelação familiar, pela abertura possibilitada pelo artigo 3º, §3º do Código de Processo Civil: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” [grifo nosso] 61 LEDERACH, Jonh Paul. Transformação de conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2012. p. 46. 62 MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos. p. 29. 59
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Dentro da perspectiva de pensar no conflito jurídico, importante é a contribuição de Freitas Júnior. Ao criar um conceito para os “conflitos intersubjetivos de justiça”, o autor define-os como [...] as situações em que estejam presentes, simultaneamente, (1) no plano objetivo, um problema alocativo incidente sobre bens tidos por escassos ou encargos tidos por intermináveis, sejam bens e encargos de natureza material ou imaterial; (2) no plano comportamental: consciente ou inconsciente, intencional ou não, a contraposição no vetor de conduta entre dois ou mais sujeitos e; (3) no plano moral: percepções não convergentes, sobre como tratar o problema alocativo, sob o ângulo dos valores de justiça.63
Diante de todas as complexidades em torno do fenômeno do conflito, a mais desafiadora para o jurista é reconhecer o meio mais adequado de intervenção e transformação. Fato é que não é o conflito em si que gera e traz dificuldades, mas sim a forma com que lidamos com ele64; por isso, não se pode mais pensar na Jurisdição como único caminho para resolução dos conflitos jurídicos. Substituir a lógica do confronto judicial (enquanto regra e única porta) pela lógica da comunicação, da negociação, da autocomposição, é uma exigência da “justiça do amanhã”65, uma adaptação necessária diante da evolução da sociedade. A construção de uma “lógica da parceria”66 favorece as relações interpessoais e organizacionais, auxiliando na manutenção de vínculos contínuos. É “a cultura da arena cedendo lugar à da alteridade”.67 Oportunizar às pessoas um olhar diferenciado e construtivo auxilia a alterar a forma de perceber o conflito, o que acarreta, via de consequência, a modificação do próprio conflito, pois os agentes envolvidos têm a oportunidade de transformar seu comportamento e, assim, reformular sua percepção do conflito68 e de si próprios.
FREITAS JÚNIOR, Antonio Rodrigues de. Conflitos intersubjetivos e apropriações sobre o justo. In: SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da. Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 41. 64 WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. p. 124. 65 GANANCIA, Danièle. Justiça e mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade. Revista do Advogado. n. 62. Março/2001. p. 7 – 15. 66 MUSZKAT, Malvina E.; OLIVEIRA, Maria Coleta; UNBEHAUM, Sandra e MUSZKAT, Susana. Mediação familiar transdisciplinar: uma metodologia de trabalho em situações de conflito de gênero. São Paulo: Summus, 2008. p.22. 67 FREITAS JÚNIOR, Antonio Rodrigues. Sobre a relevância de uma noção precisa de conflito. Revista do Advogado, Ano XXXIV, n. 123, ago./2014. p. 18. 68 COSTA, Alexandre Araujo. Cartografia dos métodos de composição de conflito. In: AZEVEDO, André Gomma de. (Org.) Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2003, v.3, p. 161-201. Disponível 63
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3 MEIOS ADEQUADOS DE TRANSFORMAÇÃO DO CONFLITO A expressão “transformação de conflitos” é escolhida, pois, como Lederach justifica, aponta um engajamento “em esforços de mudança construtiva que incluem e vão além da resolução de problemas pontuais.”69 Opta-se pela expressão meios adequados de transformação do conflito. Porque é preciso que todas as espécies estejam contempladas no gênero, sem exclusão ou hierarquia. Entende-se que não há hierarquia entre os meios; todos compõem o mesmo sistema plural de procedimentos para transformação do conflito jurídico, possibilitando a escolha do meio conforme as características do conflito, das relações estabelecidas e das pessoas envolvidas. Portanto, além do processo judicial, outros são os meios adequados de transformação dos conflitos jurídicos: a arbitragem70, a negociação, a conciliação, a mediação71, a Med-Arb e a justiça restaurativa72. Entende-se que todos esses meios elencados fazem parte de um sistema plural, não hierarquizado, com técnicas procedimentais específicas, ou seja, compõem um sistema jurídico pluriprocedimental. É preciso desmistificar o jurídico como sinônimo de judicial e pensar a transformação de um conflito jurídico de acordo com o meio de intervenção mais adequado.73 em:<http://www.unifra.br/professores/ferrony/Estudos%20Arbitragen%20UNB%20V.3.pdf>. p. 164. 69 LEDERACH, Jonh Paul. Transformação de conflitos. p. 17. 70 Lei 9.307/1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm> 71 Lei 13.140/2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13140.htm>. No Brasil, a mediação, na perspectiva jurídica, tem espaço de aplicação na esfera judicial e privada (extrajudicial). Na esfera judicial brasileira, inaugura-se com a implementação da política pública com a Resolução 125/2010 do CNJ - “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.” Anota-se que o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), de 16 de março de 2015, com vigência a partir de 18 de março de 2016, traz profundas modificações no uso da mediação e da conciliação no cenário nacional. 72 Essa prática foi regulamenta pela Resolução 225/2016, que instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_225_31052016_020620 16161414.pdf>. 73 Nesse sentido, ver: NOBRE, Marcos; RODRIGUEZ, José Rodrigo. “Judicialização da política”: déficits explicativos e bloqueios normativistas. Novos Estudos, CEBRAP, n.91, São Paulo, Nov./2011. p. 14. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n91/a01n91.pdf>. “Reduzir os meios alternativos a essa função meramente instrumental significa deixar de lado sua capacidade de enquadrar os conflitos de outra maneira e promover a mediação entre sociedade e Estado de acordo com outra gramática. Uma outra gramática que pode bem receber o nome de ‘direito’, desde que se deixe de pensar o jurídico como sinônimo de ‘judicial’ e se deixe de pensar os avanços constitucionais apenas como a ampliação do acesso à justiça vista como
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A utilização de outros meios de intervenção no conflito, além da jurisdição, pode “contribuir a la creación de un sistema judicial más eficaz, y a que la gente tenga acceso a la justicia de modo más satisfactorio y conserve en sus manos la solución de sus conflictos.”74 Certo é que existe uma acomodação por parte das pessoas em realizar a transferência de responsabilidades e de tomada de decisão ao juiz, o que é fruto de uma “cultura da sentença”75, em que “as atenções continuam centradas na figura do juiz, do qual se espera a última palavra, ‘não importa qual, mas a última’.”.76 Aos poucos, afastamo-nos desse modelo unicamente decisório e aproximamonos de um modelo negocial e dialogado, quando o foco está nas pessoas em conflito, e não apenas em uma decisão judicial juridicamente especializada e terceirizada. É com base nesse paradigma que um modelo de justiça multiportas77 é formatado no Brasil. Essas mudanças afetam o direito processual civil em seu formato clássico decisório e, corroboradas com as previsões do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), formatam um modelo processual baseado na solução consensual (art. 3º), no dever de cooperação (art. 6º) e, ainda, na possibilidade de construção de convenção processual (negócio jurídico bilateral) para viabilizar a adequação do procedimento às especificidades do conflito (art. 190).78 Azevedo defende que “ordenamentos jurídico-processuais modernos são compostos, atualmente, de vários processos distintos. Essa gama de processos (e.g. processo judicial, arbitragem, mediação, dentre outros) forma um mecanismo que denominamos sistema pluri-processual.”79 Prefere-se referir a um sistema jurídico plurisinônimo de ‘Poder Judiciário’.” Texto também publicado em RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013. p. 190. 74 MURGUÍA, Beatriz Martínez de. Mediación y resolución de conflictos. p. 38. 75 WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz e MORAES, Maurício Zanoide de. (Coord.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005. p.684-690. 76 SPENGLER, Fabiana Marion. O conflito, o monopólio estatal de seu tratamento e as novas possibilidades. p. 49. 77 Nesse sentido, o uso da terminologia foi encontrado em: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 2 ed. v. 1. Teoria do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 125 e seguintes. 78 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DALLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015. [recurso eletrônico]. e TALAMINI, Eduardo. Um processo para chamar de seu: notas sobre os negócios jurídicos processuais. Migalhas. Out./2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art2015102017.pdf>. Acesso em 24 abr. 2018. AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. v. 3, Brasília, Ed. Grupos de Pesquisa, 2005, p. 151. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-
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procedimental, já que existem meios privados (extrajudiciais) não vinculados ao processo judicial, mas também jurídicos.80 O estudo do Direito, portanto, perpassa, além de um estudo das normas jurídicas, um estudo do conflito. É público e notório que as normas jurídicas não abarcam todas as situações jurídico-sociais, por isso a importância da hermenêutica jurídica no cenário atual. Além disso, urge construir o estudo do Direito também a partir de um estudo específico do fenômeno conflito.81 Muito difícil a desvinculação de uma convivência com a norma escrita e com as decisões pelo outro. Os códigos foram criados para dar soluções aos problemas individuais, mas é preciso ir além. É preciso uma forte mudança de paradigma; precisase resgatar a habilidade em dialogar de forma transformativa, pois, “cuando o diálogo se multiplica, desata transformaciones que inciden en el cambio global de la sociedad”.82 Conhecer o conflito da forma mais ampla possível, observando as relações envolvidas, as características e os fatores que o compõem, é fundamental para adequar o meio de intervenção e transformação. Trata-se de tarefa complexa e sempre incompleta, pois não há como encerrar em uma lista exaustiva os tipos de conflitos e os tipos correspondentes de meios de intervenção. Ao aplicarem-se mecanismos adequados de transformação em que ocorre engajamento na mudança construtiva, parte-se de “duas realidades verificáveis: o conflito é algo normal nos relacionamentos humanos, e o conflito é motor de mudanças.”83 Valoriza-se, assim, a lógica do “satisfeito-satisfeito”84, com a participação ativa dos envolvidos e a satisfação de seus interesses, no lugar da lógica ganha-perde. 5 CONCLUSÃO
vol2/segunda-parte-artigos-dos-professores/perspectivas-metodologicas-do-processode-mediacao-apontamentos-sobre-a-autocomposicao-no-direito-processual>. 80 Nesse sentido, Andrés Ciurana afirma que “la mediación y los demás métodos de solución de conflictos no deben entenderse como alternativas a la jurisdicción, ni siquiera como complemento de ésta. Se trata de mecanismos autónomos de pacificación social y, por tanto, deben considerarse medios independientes de acceso a la justicia, cuyo fundamento se encuentra en la libertad de los ciudadanos.” ANDRÉS CIURANA, Baldomero. La mediación civil y mercantil: una asignatura pendiente en España. (a propósito de la propuesta de directiva sobre ciertos aspectos de la mediación en asuntos civiles y mercantiles). Actualidad Jurídica Uría Menéndez. n. 12, Sept./Dec. 2005, Madrid. p. 60-69. 81 DÍEZ-PICAZO, Luis. Experiencias jurídicas y teoría del derecho. 3 ed. Barcelona: Ariel, 1999. Primeira edição lançada em 1973. 82 FOLLEGATTI, José Luis López. Diálogos que transforman. Lima/Peru. 2015. p. 29. 83 LEDERACH, Jonh Paul. Transformação de conflitos. p. 17. 84 VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação responsável e emancipadora: reflexões sobre a atuação doa advogados. Revista do Advogado, Ano XXXIV, n. 123, ago./2014. p.61.
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Sem qualquer pretensão de exaustão, tarefa impossível nas ciências jurídicas e sociais, mas sempre com a intenção de gerar reflexões a partir do conceito, é que este trabalho foi desenvolvido. Refletir sobre o conflito e as formas de intervenção é o desafio do século XXI. Construir novas bases conceituais e novos parâmetros interpretativos é ação em constante aperfeiçoamento. Nunca haverá uma resposta definitiva, mas um cenário plural de respostas, procedimentos e possibilidades que favoreçam a transformação dos conflitos sociais e jurídicos. Devem-se usar meios judiciais e extrajudiciais em harmonia e confluência, pois somente assim poderemos proporcionar às pessoas maior satisfação e assegurar direitos efetivando deveres.
REFERÊNCIAS ANDRÉS CIURANA, Baldomero. La mediación civil y mercantil: una asignatura pendiente en España. (a propósito de la propuesta de directiva sobre ciertos aspectos de la mediación en asuntos civiles y mercantiles). Actualidad Jurídica Uría Menéndez. n. 12, Sept./Dec. 2005, Madrid. AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. v. 3, Brasília, Ed. Grupos de Pesquisa, 2005, p.
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A Mediação Penal em Portugal (dez anos depois)
Cláudia Cruz Santos Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Resumo: Aquilo que me proponho evidenciar, de forma resumida e olhando apenas para o chamado “direito penal de adultos”, é que, no que respeita às práticas restaurativas, aquilo que ainda não temos ultrapassa em muito o pouquíssimo – ou o quase nada – que afinal temos. Impõe-se, por isso, a reflexão sobre as razões para este insucesso e a ponderação do que se deve fazer para inverter tal estado de coisas. 1.
Considerações introdutórias
A primeira mediação penal de adultos conhecida pela lei portuguesa foi configurada sobretudo como um mecanismo de diversão, durante o inquérito, aplicável somente a alguns crimes particulares em sentido amplo, de pequena e média gravidade (nos termos da Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho). Mas, além dela, existem (ou existiram) manifestações expressas da admissibilidade de práticas restaurativas em momentos posteriores ao inquérito. Uma relacionava-se com a consagração do “encontro restaurativo” posterior à suspensão provisória do processo ou à condenação por crime de violência doméstica – nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 112/2009. Este artigo 39.º veio, porém, a ser revogado nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro, que alterou o regime jurídico consagrado naquela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas85. Outra possibilidade de práticas restaurativas foi acolhida pelo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em cujo artigo 47.º, n.º 4 se dispõe que “o recluso pode participar, com o seu consentimento, em programas de justiça restaurativa, nomeadamente através de sessões de mediação com o ofendido”. O alcance desta disposição deve ser avaliado tendo também em conta o previsto nos artigos 91.º e 92.º do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais. Os estabelecimentos prisionais
Existe um Parecer da APAV relativo à necessidade de Regulamentação da Lei n.º 112/2009, no qual se sustentava a conveniência da mediação antes da suspensão provisória do processo e a necessidade de tornar menos indeterminado o regime jurídico do “encontro restaurativo”. Defendia-se a previsão expressa da chamada “mediação indirecta”. 85
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devem promover programas específicos visando determinadas finalidades, sendo que entre as elencadas conta-se “a promoção da empatia para com a vítima e a consciencialização do dano provocado, nomeadamente através do envolvimento dos reclusos em programas de mediação e de justiça restaurativa”. Nenhuma das possibilidades consagradas nestes regimes jurídicos tem merecido, porém, significativo acolhimento no nosso sistema de reacção ao crime. A mediação posterior à condenação ou à suspensão provisória do processo no âmbito da violência doméstica nunca chegou a ter aplicação, primeiro por falta de regulamentação do artigo 39.º da Lei n.º 112/2009, depois por força da sua revogação. A mediação em contexto prisional que cumpra os requisitos de uma verdadeira prática restaurativa (com a intervenção voluntária de agentes de crimes e de vítimas, tendo em vista a pacificação pessoal e interpessoal dos conflitos, assim como a reparação dos danos em sentido amplo) também ainda não foi posta em prática, ao que sei, em nenhum dos nossos estabelecimentos prisionais86. No que respeita à mediação prevista na Lei n.º 121/2007, admitida na fase de inquérito e pensável enquanto alternativa à acusação, os números conhecidos são decepcionantes. Dando cumprimento ao disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 99/2010, de 11 de Agosto, o Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça promovia a divulgação das estatísticas relativas aos meios de resolução alternativa de litígios no dia 12 de cada mês ou no primeiro dia útil seguinte. Os primeiros números tidos em conta constam da actualização datada de 13 de Março de 2012 e disponível no endereço electrónico do GRAL. No âmbito do Serviço de Mediação Penal Pública, podem considerar-se em primeiro lugar os pedidos de mediação: 95 em 2008, 224 em 2009; 261 em 2010; 90 em 2011. De seguida, pode ponderar-se, relativamente ao número de processos de mediação findos em cada ano, o número em que houve acordo e aquele em que o não houve: em 2008, 16 com acordo e 14 sem acordo (30 processos findos em 2008); em 2009, 47 com acordo e 40 sem acordo (87 processos findos em 2009); em 2010, 71 com acordo e 87 sem acordo (158 processos findos em 2010); em 2011, 35 com acordo e 50 sem acordo (85 processos findos em 2011). Em 2012 foram enviados para mediação 86 processos, dos quais só 14 foram concluídos com acordo. E em 2013 já só foram enviados para mediação 23
Não tenho conhecimento de que existam verdadeiros programas restaurativos em contexto prisional. A Direcção geral dos Serviços Prisionais adoptou em 2009 um programa piloto denominado “O Meu Guia para a Liberdade”, que deu origem a uma publicação. Nela não encontrei, porém, a descrição de efectivas práticas restaurativas, mas apenas a descrição de programas destinados aos reclusos e orientados para a sua consciencialização dos danos causados e da possibilidade de uma sua reparação. 86
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processos, dos quais 10 foram concluídos com acordo. Relativamente ao ano de 2014, parece haver apenas 5 processos enviados para mediação penal na fase de inquérito, obtendo-se acordo em 3 destes processos. A 21 de maio de 2018 não havia dados disponíveis relativos a datas posteriores87. A ponderação destes elementos parece evidenciar que houve um aumento dos pedidos de mediação desde a entrada em funcionamento do Serviço de Mediação Penal Pública no início de 2008, mas que esse aumento se concentrou nos dois anos seguintes: 2009 e 2010. É, porém, preocupante o acentuado decréscimo de pedidos de mediação registado em 2011 e exponenciado em 2012, 2013 e 2014. Por outro lado, talvez deva ainda considerar-se um certo crescimento percentual do número de processos de mediação que não culminaram com a celebração de acordo.
2.
Algumas explicações possíveis para este insucesso
Comecemos por olhar para a mediação que podia – devia – ser um mecanismo de diversão, nos termos da Lei 21/2007. A verdade parece ser que, entre nós, os números relativos ao funcionamento do sistema público de mediação penal não são encorajadores. A preocupação suscitada por estes números – que mostram que quase não há mediação penal de adultos em Portugal – é potenciada se considerarmos o universo de processos relativamente aos quais seria pensável a adopção desta prática restaurativa. Ou seja: mesmo não tendo vingado a solução prevista no Anteprojecto que foi objecto de discussão pública em 2006 – o envio regra para mediação de todos os processos atinentes a crimes particulares em sentido amplo – há fundamento para legitimamente nos interrogarmos sobre as razões pelas quais os números da mediação penal são os que enunciámos, quando existem em Portugal tantos processos atinentes, por exemplo, a ofensas à integridade física simples, furtos simples, danos simples, injúrias ou difamações. Existem porventura razões profundas relacionadas com as compreensões dominantes sobre aquilo que é reagir ao crime com justiça. Essas representações parecem alicerçar-se na ideia de que a culpa deve ser provada numa audiência de julgamento e de que a consequência para o crime deve ser dita por um juiz. Ora, talvez se possa afirmar que uma determinada representação do que é a solução justa para o crime4 – uma visão afeiçoada pelo iluminismo penal e pela sua concepção de base da
Acesso em 21.05.2018: http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/2015/numerosdos-sistemasde/downloadFile/attachedFile_f0/20150706_MediacaoPublica2.pdf?nocache=1436282104.34 87
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natureza pública da pena – terá porventura sido factor que influenciou este insucesso (pelo menos em uma avaliação quantitativa e até ao momento). Não pode desvalorizar-se, portanto, o facto de que um dos porventura mais fortes obstáculos que a proposta restaurativa tem de enfrentar é a estranheza que pode representar face a determinadas concepções do que é reagir ao crime com justiça. Essas concepções – numa primeira análise, tão distantes do modelo restaurativo – podem ajudar a compreender algumas resistências, por parte nomeadamente da magistratura do Ministério Público, a quem o legislador português atribuiu papel decisivo na “abertura da porta” da mediação penal88.
Uma certa resistência da magistratura face à mudança de opções legais seria tema eventualmente merecedor de reflexão e aprofundamento. Numa perspectiva histórica, veja-se, a título de exemplo, a afirmação de José Merêa Pizarro BELEZA [“A pena de prisão, a reforma das cadeias e o Ensayo sobre o Plano mais Conveniente para a Fundação das Cadêas (notas para a história do direito penal vintista)”, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora: 2003, p. 376] de que “por várias vezes foi comentada no Congresso a prática da magistratura no primeiro Vintismo”, não se tendo evitado “a acusação de que era um dos obstáculos à nova ordem liberal”. Opinião coincidente e relacionada com o mesmo período histórico fora já expressa por José SUBTIL (“Sistema Penal e Construção do Estado Liberal: Algumas Questões em Torno da Revolução de 1820”, Penélope, Edições Cosmos, n.º 5, 1991, p. 88), para quem “o aparelho judicial – manifestamente conservador – luta por não perder os privilégios que a revolução lhes subtraía, transformando-se em poderosa força de retorno ao absolutismo ou, no mínimo, oferecendo resistência às medidas inovadoras”. E o Autor não hesita em afirmar que “o fracasso da Revolução de 1820 passou pelo papel decepcionante que – para o liberalismo – desempenhou o poder judiciário. A verdade é que o Estado liberal, imerso na categoria da lei, não podia prescindir do trabalho destes profissionais, tanto mais que a legislação herdada do Antigo Regime se mostrava inútil e estéril. A urgente necessidade de colmatar o vazio legal, sob pena de as instituições paralisarem, catapultou a magistratura para um lugar de destaque. Mas este papel que a revolução parecia reservar, naturalmente, para os magistrados, veio a mostrar-se incompatível com a realidade política e social dos mesmos”. No contexto de uma reflexão sobre a primeira metade do século XIX, António HESPANHA também afirma que “o poder judicial estava na mira dos revolucionários. Não apenas porque alguns deles viam nos tribunais a suprema garantia de todo o sistema constitucional, como antes se viu, mas, sobretudo, porque as queixas contra os tribunais eram muitas, quer as induzidas por ferozes críticos dos juízes e dos juristas, como J. Bentham, quer as que decorriam do carácter pouco edificante da imagem comum acerca dos tribunais e do mundo do direito, em geral” (in Guiando a Mão Invisível – Direitos, Estado e Lei no Liberalismo Monárquico Português, Coimbra: Almedina, 2004, p. 111). Por outro lado, não deixa de ser interessante que, em um diverso contexto espacial, também Alexis de TOCQUEVILLE tenha afirmado que “no fundo da alma dos juristas reencontramos, escondida, uma parte dos gostos e dos hábitos da aristocracia. Tal como ela, eles têm uma tendência instintiva para a ordem, um gosto natural pelas formalidades, uma certa repugnância pelos actos da multidão e desprezam secretamente o governo do povo (in Da Democracia na América, prefácio de João Carlos Espada, tradução de Carlos Oliveira, Estoril: Princípia Editora Lda, 2007, ps. 313-4). Sem querer reduzir a simplificações indevidas uma matéria merecedora de tratamento mais detido, sempre se julga que essa resistência à mudança pode relacionar-se, entre vários outros factores, com uma certa concepção que a magistratura poderá ter de si própria enquanto “guardiã” de um certo estado de coisas. A pergunta que já se julga pertinente prende-se com a determinação do conteúdo daquilo que deve ser guardado. E, a esse propósito, tende a preferir-se uma certa orientação para um futuro mais justo inerente, por exemplo, à concepção que Antoine GARAPON tem do magistrado enquanto “guardador de promessas” (Cfr. O Guardador de Promessas cit.). 88
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Essa “estranheza” que pode existir quando se confronta a proposta restaurativa com as exigências da justiça relaciona-se, sobretudo, com a possibilidade de falharem à justiça restaurativa duas notas que se associam a uma reacção justa ao delito: a verdade e a proporcionalidade. Estas notas surgem, no direito penal e no direito processual penal, ligadas às duas grandes questões inerentes ao julgamento – a questão da culpa e a questão da sanção. A verdade pressupõe uma certa confirmação do acontecido através da prova admissível, que talvez se não baste – essa verdade – com uma versão da realidade acordada pelos sujeitos. A proporcionalidade impõe uma limitação da reacção ao crime à luz de uma ponderação de desvalores, que parece exigir uma intervenção imparcial e desapaixonada de um terceiro dotado de autoridade e vinculado por uma lei que estabelece limites para a sanção e critérios para a sua determinação concreta. A um primeiro olhar, estas exigências de verdade e de proporcionalidade não vinculam a justiça restaurativa, porque não há uma comprovação da culpa em julgamento nem há a intervenção de um juiz na definição de uma sanção. Suscita-se, a partir daqui, a principal crítica à justiça restaurativa, que é a da sua possível incompatibilidade com um conjunto de princípios garantísticos que modelam a reacção ao crime. Uma análise detalhada de tais princípios levou-nos, porém, a concluir, como procurámos mostrar no nosso estudo A Justiça Restarativa89, publicado em 2014, que as práticas restaurativas, cumpridos determinados requisitos, são ainda compatíveis com os elementos norteadores do nosso modelo de reacção ao crime. Mais: podem serlhe de enorme utilidade, contribuindo para o encurtamento da punição, para a expansão da reparação dos danos sofridos pelas vítimas e para a reintegração do agente na vida em comunidade. Todavia, no regime jurídico da mediação admitida para alguns crimes particulares na fase de inquérito existem vários aspectos que “encurtam” o recurso à mediação penal e que deveriam ser repensados. Entre eles, assumem particular importância o envio do processo para mediação por decisão do MP ou mediante pedido conjunto do arguido e do ofendido; a preferência pelos processos especiais sumário e sumaríssimo; um modelo de remuneração do mediador que desatenda ao número de sessões realizadas e ao tempo nelas empenhado; a falta de previsão de resposta para problemas como a comparticipação ou o concurso de crimes. No que respeita à mediação pós-sentencial, que o Código de execução das penas e das medidas privativas da liberdade aceita tão amplamente, cogitar-se-ão porventura outras explicações para a inexistência de verdadeiras práticas restaurativas: o contexto em que devem ocorrer, a gravidade dos crimes subjacentes, a necessidade
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Cláudia SANTOS, A Justiça Restaurativa, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 405 ss.
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de avaliar a relevância da participação do recluso no que tange à flexibilização da sua pena, o imperativo de evitar uma instrumentalização da vítima que potencie a sua vitimização secundária são aspectos que convergem, todos eles, na afirmação da particular complexidade de tais práticas restaurativas em ambiente prisional e na exigência de um investimento acrescido. Relativamente à violência doméstica, parece ter vingado para já a ideia da inconveniência das práticas restaurativas. Trata-se, porém, de perspectiva com a qual se não concorda, desde que tais práticas se revistam de estrita voluntariedade e de vários cuidados. Não pode desconsiderar-se, segundo se crê, a evidência de que muitas vítimas de crimes de violência doméstica não pretendem ou sequer admitem a condenação penal do agente, aceitando a justiça penal várias formas de, por força da vontade da vítima, se evitar o julgamento ou a pena – nomeadamente por força de um muito especial regime de suspensão provisória do processo. Assim sendo, privar a vítima também da resposta restaurativa equivalerá, as mais das vezes, a deixá-la sem nenhuma resposta90. Parece ter acabado, para a justiça restaurativa, o período a que se podia chamar de “estado de graça”. Alguns autores começam a referir-se a ela como “utopia regressiva”, outros apodam-na de “canto de sereia”, referindo-se à ambiguidade da sua formulação, à pluralidade das suas promessas, à desconsideração das garantias processuais. As preocupações suscitadas no que tange à justiça restaurativa parecem ter tido eco na Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho (de 25 de Outubro de 2012), sobretudo no seu artigo 12.º. Significarão tais preocupações, que parecem relacionar-se com a possibilidade de uma revitimização através das práticas restaurativas, uma antecipação do fim da justiça restaurativa? Não é o que se julga. O que se crê é, pelo contrário, que naquela Diretiva se parte do princípio, aconchegado pela Decisão Quadro de 2001 do Conselho, de que os Estados Membros já consagraram o acesso a práticas restaurativas como um direito das vítimas. Adquirido esse direito, cumpriria agora aperfeiçoar o seu exercício. Em Portugal estamos, porém, alguns passos atrás. Não se garantiu ainda um efectivo direito de acesso a práticas restaurativas. Temos, portanto, um mais longo caminho para caminhar. E esse caminho é imposto quer pelo discurso vitimológico quer pelo discurso do direito penal mínimo.
Para uma explicação detalhada do entendimento que se defende, v. Cláudia SANTOS, A Justiça Restaurativa cit., p. 725 ss. 90
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3.
A justiça restaurativa como proposta preocupada quer com os
agentes do crime quer com as suas vítimas e “amiga” de um direito penal mínimo O princípio da intervenção de ultima ratio é um dos elementos centrais do denominado direito penal clássico, que encontra a sua própria legitimação no contrato social celebrado entre os cidadãos que, para garantirem a própria vida em sociedade, prescindem de alguma da sua liberdade natural na medida necessária à garantia da liberdade de todos. O crime corresponde a uma lesão de alguma dessas liberdades (ou valores essenciais) asseguradas pelo contrato social e só essa lesão – a lesão de um bem jurídico91 – legitima a intervenção penal – que, para além de legítima, há-de ser ainda necessária92. Nas palavras de HASSEMER, “nesta concepção clássica, o direito penal é certamente um meio violento de repressão, mas é também um elemento de garantia da liberdade cidadã, e como tal é indispensável para assegurar a convivência; o que não quer dizer que seja autónomo, mas sim um elo de uma cadeia; a ultima ratio para a solução dos problemas sociais, e não uma panaceia para os mesmos”93. A possibilidade de solução do conflito interpessoal que o crime é sem a aplicação de pena é largamente reconhecida na doutrina penal. É-o, de resto, mesmo por aqueles que não partilham da “concepção frankfurtiana” sobre o âmbito de intervenção mínimo que o direito penal deve ter. O próprio Günther JAKOBS reflecte sobre várias possibilidades de reacção ao delito que não passam pelo sancionamento penal. Entre elas, menciona a “indemnização ressarcitória para reparar as consequências do delito”, que reconhece que “pode ser suficiente no caso concreto”. Afirma mesmo que “em alguns delitos pode ser mais adequado para a vítima que o dever de ressarcimento prevaleça sobre a pena”, tendo em conta “uma ampla compensação autor-vítima – que excede o limite puramente civil”. Esclarece que “na teoria da prevenção geral positiva
Segundo Claus ROXIN, “o bem jurídico recebe uma dupla protecção: através do direito penal e ante o direito penal, cuja utilização exacerbada provoca precisamente as situações que pretende combater” (in Problemas Fundamentais de Direito Penal cit., p. 28). 92 Sobre os requisitos da intervenção penal, vd. Manuel da COSTA ANDRADE («A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, fasc. 2, 1992, p. 173 ss), que reafirma a proposição primeira de que “o direito penal só pode intervir para assegurar a protecção, necessária e eficaz, dos bens jurídicos fundamentais” (ob. cit., p. 178). José de FARIA COSTA vinca a essencialidade do princípio da ofensividade, considerando que “a ofensa a um bem jurídico é a chave que permite a intervenção do detentor do ius puniendi (Estado), enquanto única entidade susceptível de cominar, legitimamente, penas criminais. Deste modo, de acordo com o princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), terá de existir, ao menos, um perigo de lesão de um bem jurídico para que se deva encontrar legitimada a intervenção do Estado” (Noções Fundamentais de Direito Penal cit., p. 171). 93 Winfried HASSEMER/Francisco MUÑOZ CONDE, La responsabilidad por el producto en derecho penal, titant lo blanch, Valência, 1995, p. 21. 91
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não se trata, pois, de considerar unicamente adequada, em todos os casos, a pena e não uma outra reacção”. Todavia, o Autor não deixa de advertir que “todas as variantes de solução necessárias põem em perigo o estatuto do agente”. A substituição da pena por “equivalentes funcionais” não deixa, assim, de comportar certos riscos. Em favor da adopção de um direito penal mínimo convergem, ainda, os argumentos de Luigi FERRAJOLI, que o opõe a um “direito penal máximo”, referindo que a estes dois extremos correspondem “os maiores ou menores vínculos garantistas estruturalmente internos ao sistema, assim como a quantidade e a qualidade das proibições e das penas estabelecidas”. O Autor italiano acrescenta que “o direito penal mínimo, ou seja, condicionado e limitado ao máximo, supõe não só o grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos no que respeita ao arbítrio punitivo, mas também um ideal de racionalidade e de certeza”, na medida em que “existe um nexo profundo entre garantismo e racionalismo”94. Reconhece-se, porém, que do aprofundamento de valores como o da solidariedade e o da responsabilidade individual pela coisa comum (no sentido de preservar a qualidade de vida também das gerações futuras) pode resultar algum alargamento das condutas abrangidas pelo direito penal. Mesmo quanto a essas condutas objecto de criminalização, porém, haverá ainda que ponderar no caso concreto a possibilidade de recurso a uma resposta diferente da penal95. Destas considerações decorre já uma conclusão: não há, mesmo em termos geométricos, uma relação imediata entre o espaço ocupado pelo direito penal e o espaço a ocupar pela justiça restaurativa. A expansão daquele (não desejável, mas porventura em alguns casos compreensível) não significa necessariamente um esvaziamento desta, porque o princípio da ultima ratio da intervenção penal não visa orientar apenas a tarefa criminalizadora, mas também a própria actividade de aplicação
Para um aprofundamento da análise levada a cabo por Luigi FERRAJOLI em torno dos conceitos de “direito penal mínimo” e de “direito penal máximo”, vd. Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal cit., p. 103 ss. Por oposição ao modelo que defende, o Autor afirma que “o modelo de direito penal máximo, ou seja, incondicionado e ilimitado, é o que se caracteriza, para além da sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das normas incriminadoras e das penas; e que, consequentemente, se configura como um sistema de poder não controlável por via da razão por força da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e de anulação”. 95 Sobre a função que ao direito penal pode caber na protecção das gerações futuras, cfr. Jorge de FIGUEIREDO DIAS e o seu reconhecimento da relevância que podem ter outros ramos do direito. Nas exactas palavras do Autor, “não negarei o papel fundamental – e em certas situações insubstituível – que a estes ramos do direito [nomeadamente do direito civil e do direito administrativo] deve conferir-se na tentativa de resolução do problema. Mas julgo infundado o propósito de com eles esgotar o papel que ao Direito cabe na matéria; e, sobretudo, de com eles substituir a função diferenciada que ao direito penal deve pertencer” (“O papel do direito penal na protecção das gerações futuras”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo do 75º Tomo do BFD, Coimbra: 2003, p. 1127). 94
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do direito penal. Mais direito penal não equivale forçosamente a menos justiça restaurativa na medida em que (I) a criminalização da conduta não significa a obrigatória aplicação da sanção criminal; (II) mesmo nos casos em que haja processo penal e efectivo sancionamento penal, as duas diferentes respostas ao crime podem ser cumulativas. Ainda que assim seja (não porque uma expansão da resposta restaurativa o imponha, mas por razões outras), deve continuar a sustentar-se a reivindicação do mínimo direito penal possível. Nas palavras de José de FARIA COSTA, “todos estarão de acordo em que a história do direito penal é, como de ordinário se ensina, a história do seu desaparecimento. Na verdade, quer-se com uma tal afirmação tornar claro que a uma primitiva compreensão monolítica e totalitária – porquanto englobante de todos os actos, de todas as opiniões, de todos os desejos, e até, em muitas circunstâncias, de todas as nudae cogitationes – do direito penal se passou, paulatinamente, para uma tendência doutrinária que queria e quer que o direito penal se reduza cada vez mais. Se reduza ao mínimo essencial ou, à la limite, desapareça mesmo”96. É, pois, esta pretensão interna de limitação, esta contenção que o sistema penal reconhece que tem de impor a si próprio, que o paradigma restaurativo tem, regra geral, desconsiderado. A crítica da dimensão punitiva do sistema penal torna-se redutora na medida em que oblitere toda a pretensão de auto-limitação da punição. Mais: para além de se criticar essa dimensão punitiva ignorando a consciência que ela tem de si própria enquanto potência que não deve expandir-se, não se admite a utilidade dessa potência na perspectiva já da possibilidade e da eficácia das outras formas de resposta ao problema social que é o crime. É que a possibilidade, em potência, dessa actuação punitiva do sistema penal garantirá, em muitos casos, o estímulo necessário para a resolução do conflito interpessoal através de meios menos drásticos. O que permite que se olhe para o sistema penal já não enquanto obstáculo à justiça restaurativa, mas antes como elemento útil à sua própria efectividade.
José de FARIA COSTA, “Um olhar doloroso sobre o direito penal (ou o encontro inescapável do homo dolens, enquanto corpo-próprio, com o direito penal)”, cit., p. 41 ss. O Autor sustenta ainda o duplo sentido da ideia de ultima ratio do direito penal: «ele é ultima ratio porque só quando, de todo em todo, os outros ramos do direito não conseguem responder às necessidades de tutela dos bens jurídicos necessitados de protecção é que, então, se devem empregar os mecanismos de tutela repressiva que cabem ao direito penal. Mas o direito penal é também ultima ratio, agora numa perspectiva de diferente radical, porquanto ele representa o último, o derradeiro poder a ter “poder” legítimo para ofender o corpo-próprio». Naquela sua primeira vertente, “o direito penal não intervém, está retirado, autolimita-se até à exaltação da restrição minimalista”, na segunda assume-se enquanto “detentor de um dos últimos e mais terríveis poderes: o poder de punir”. 96
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A existência de um ramo do direito com um cariz severamente punitivo, como sucede com o direito penal, pode ser vista, portanto, como uma condição de sucesso das próprias práticas restaurativas. Nessa medida, o sistema penal actua como uma espécie de ameaça que não se quer ver concretizada e que, pela sua possibilidade mas indesejabilidade, fornece um estímulo aos envolvidos no conflito para a participação em outras vias de solução. Para além da sua vocação para a contenção97, há uma outra nota essencial do sistema penal a que o pensamento restaurativo não tem, com frequência, dado o devido peso. Enquanto a ameaça de um mal for necessária para proteger valores essenciais da comunidade (ou seja, enquanto for necessária a possibilidade de imposição de um qualquer mal àqueles que causarem grandes males a outrem, por não haver outra forma de prevenir a causação de mais males), parece preferível que o exclusivo dessa intervenção coactiva sobre direitos fundamentais das pessoas caiba a um ramo do direito em cujas categorias essenciais repousam séculos de luta pelas liberdades. É, pois, também sobre esta ambivalência do direito penal que o paradigma restaurativo deve reflectir98. Destas considerações resulta a importância de se sublinhar um último ponto: a afirmação de que o recurso a outros modelos de controlo do crime torna o direito penal, como se pretende, mais mínimo ou de ultima ratio, não é suficiente, por si só, para legitimar ou julgar preferíveis todas essas outras soluções, porque há o risco, sublinhado por Hassemer em contexto não inteiramente coincidente, de que as tendências descriminalizadoras sejam utilizadas para, de um outro modo, criminalizar 99. Deve, portanto, esclarecer-se que, ainda que se julgue que a justiça restaurativa é coerente com a ideia de um direito penal de ultima ratio, compreende-se que nem todos aqueles que defendem um direito penal mínimo sejam, também, defensores da proposta restaurativa. Poderão, até, contar-se entre os seus principais opositores, por
Compreende-se, porém, que os críticos que defendem a justiça restaurativa só vejam – ou vejam essencialmente – no direito penal a sua vertente expansionista de constrição de liberdades e direitos. A avaliação de uma certa praxis é mais óbvia, e não menos relevante. 98Como nota José de FARIA COSTA, a ambivalência do direito penal decorre do facto de o podermos ver “como expressão de uma realidade jurídico-normativa que pende para a restrição, para a constrição de direitos”, mas também “enquanto legítimo delimitador dos comportamentos proibidos”, dimensão esta em que “aumenta, potencia, expande o âmbito de tantos e tantos direitos” (in “Uma ponte entre o direito penal e a filosofia penal: lugar de encontro sobre o sentido da pena”, Linhas de Direito Penal e de Filosofia, alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 217). 99 Winfried HASSEMER, Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoria de la imputación en Derecho Penal cit., p. 33 ss. 97
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verem nessa justiça restaurativa uma forma encapotada e menos garantista de expansão do controlo estadual sobre o indivíduo, a que associam vários riscos100. Em primeiro lugar, existe o risco de que essas outras soluções signifiquem um alargamento da intervenção estadual, o que, ainda que não se admita a punição, implica uma extensão do controlo social a comportamentos que, de outro modo, lhe seriam exteriores. Como nota Mylène JACCOUD, «as práticas que visam a redução do recurso ao sistema penal podem conter um efeito perverso: aplicadas às clientelas e às situações que não teriam sido jamais tratadas pelo sistema penal, estas práticas podem, ao contrário, contribuir para aumentar o controlo no que diz respeito a essas “novas clientelas” (…). Assim, em vez de desafogar os tribunais, a justiça restaurativa corre o risco de não apenas sobrecarregar o sistema, mas também de contribuir para aumentar o controlo penal»101. Por outro lado, não é por acaso que se têm suscitado algumas dúvidas sobre a adopção de soluções em tese menos punitivas, como sejam as relacionadas com a expansão do ilícito de mera ordenação social ou com a aceitação de formas de justiça penal consensual. Assim, por exemplo no Brasil – onde se têm levantado várias vozes contra o tratamento das denominadas “bagatelas penais” por vias que supõem ainda um alargamento do controlo estadual –, Alberto Silva FRANCO102 ou Geraldo PRADO manifestaram grandes preocupações com a admissibilidade da transacção penal. Este último Autor, na muito interessante obra que dedica ao tema, conclui que «a transacção penal consiste exactamente em o imputado “abrir mão” do devido processo legal». Acrescenta que “repudia-se a privatização do direito e do processo penal”103. Compreende-se bem a preocupação dos Autores, sobretudo na medida em que estas soluções apregoadas como menos punitivas possam acabar por condicionar a sujeição a sanções criminais ou a assunção de deveres com conteúdos semelhantes aos das sanções penais. Também aqui, o argumento que se julga central pode ser apresentado
Neste sentido, vd., a título de exemplo, a afirmação de Mercedes García ARÁN (“Despenalización y privatización: tendencias contrarias?”, Crítica y Justificación del Derecho Penal en el Cambio del Siglo, coord. Luis Arroyo ZAPATERO/Ulfrid NEUMANN/Adán NIETO, Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2003, ps. 199-200) de que «a convivência da decisão privada e da decisão pública na intervenção penal não só não favorece a sua redução mas, pelo contrário, tende a incrementá-la; o incremento ou a não redução do direito penal estabelecem um âmbito de punição “de baixa intensidade”, mais ligeiro e menos inexorável, características que legitimam o enfraquecimento da segurança jurídica e da alta formalização própria – e exigível – do direito penal. Formulando-o de modo inverso: a melhor política reducionista do direito penal deve conduzir a uma selecção dos ilícitos penais baseada na intervenção mínima, mas radicalmente pública e garantisticamente formalizada». 101 Mylène JACCOUD, “Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa” cit., ps. 178-9. 102 Alberto SILVA FRANCO, prefácio à obra Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, de Eugénio ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI, Editora Revista dos Tribunais, 1997. 103 Geraldo PRADO, Transação Penal, Lumen Iuris Editora, 2.ª edição: 2006, p. 224. 100
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sob a forma de uma interrogação: se relativamente às infracções em causa se faz um juízo de menor gravidade, por que razão não se opera uma retirada total do direito penal, assumindo-se a descriminalização, em vez de o Estado continuar a alargar a sua rede de controlo ainda que de forma subreptícia104, através de soluções apresentadas como “menos más”? O que se pretende sublinhar é que não basta invocar os ideais (pós anos sessenta) de menos prisão e de mais reparação para legitimar como inequivocamente boas todas as soluções de controlo social que se reclamam em simultâneo menos punitivas e mais orientadas para a vítima. O ponto de partida para a reflexão deve estar, assim, no reconhecimento de que a mera existência de um direito penal mais mínimo (ou a existência de menos direito penal) não é por si só equivalente a mais garantismo. Existem riscos nas soluções apresentadas como em tese menos punitivas, nomeadamente na justiça penal consensual, no direito civil ou administrativo sancionatório, na justiça restaurativa. Em todos estes casos, o risco é sobretudo o da assunção pela pessoa ou o da imposição à pessoa de um desvalor idêntico ao das sanções penais sem as devidas garantias. Significará, porém, o reconhecimento deste risco a conclusão imediata de que tais soluções têm de ser rejeitadas? Julga-se que a resposta deve ser negativa. Por uma razão principal: se existe um conflito relativamente ao qual a comunidade ainda sente a necessidade de controlo social ou relativamente ao qual o agente e a vítima almejam uma possibilidade de pacificação, é desejável que essa forma de controlo social só em última análise origine a privação da liberdade. As restantes soluções serão, regra geral, menos más. Não devem, por isso, ser liminarmente enjeitadas com o argumento de que não são suficientemente boas. Olhemo-las, portanto, com os cuidados devidos, mas sem as excluirmos liminarmente. Até porque tal exclusão das alternativas (em sentido amplo) à prisão se afigura algo incoerente no contexto de um pensamento que assenta na própria incoerência e nos males da privação da liberdade. Resta acrescentar – regressando àquele que é o principal objecto de reflexão – que as críticas que têm sido dirigidas, por vários Autores e em distintos ordenamentos jurídicos, aos mecanismos de diversão, às soluções de consenso ou à expansão do ilícito de mera ordenação social não são transponíveis na íntegra para a proposta restaurativa. E é assim porque existem na justiça restaurativa algumas especificidades. Em primeiro lugar, não se pode afirmar (como alguns afirmam quanto à justiça penal
A este propósito, GERALDO PRADO (ob. cit., p. 113) menciona as “estratégias de expansão do direito penal que se escondem por trás da informalidade e da transacção”. 104
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consensual) que com a justiça restaurativa se está a privatizar um conflito público que cabe ao Estado resolver. A justiça restaurativa não se ocupa desta dimensão pública do crime. Pelo contrário, o que se pode afirmar é que com ela surge, para o Estado, a obrigação de disponibilizar meios que permitam aos intervenientes num conflito que tem dimensão interpessoal um encontro orientado para a sua pacificação. Em segundo lugar, as práticas restaurativas não culminam com a sujeição a uma sanção penal, nem sequer de natureza não detentiva (de forma diversa, por exemplo, do que ocorre com o processo sumaríssimo). Todavia, por poderem conduzir à assunção de deveres por um arguido sujeito a possíveis formas de coacção (ainda que subtis), tais deveres devem obedecer a um juízo de proporcionalidade. Em terceiro lugar, nas práticas restaurativas não há uma autoridade judiciária que proponha uma solução vista como adequada à satisfação das finalidades penais, solução essa com a qual o agente do crime e a sua vítima poderão ou não concordar. Pelo contrário, nas práticas restaurativas são o agente do crime e a sua vítima que podem chegar a um acordo que vêem como adequado à pacificação do conflito que entre eles existe, construindo eles próprios a sua solução. Feitas estas ressalvas quanto aos cuidados que devem merecer as formas de reagir ao crime distintas dos procedimentos da justiça penal agora ditos “tradicionais”, deve voltar-se àquele que se julga ser, nesta sede, o ponto crucial: esses outros modos de lidar com o crime podem contribuir para uma maior parcimónia da justiça penal105. E, A razão principal pela qual se recorre aqui ao conceito de “parcimónia” prende-se com o destaque que adquiriu na doutrina restaurativa depois de John BRAITHWAITE e Philip PETTIT o terem tornado elemento da sua “teoria republicana da justiça criminal” (in Not Just Desert. A Republican Theory of Criminal Justice, Oxford, Clarendon Press: 1990). A ideia de que a punição estadual coerciva deve ser usada com a maior parcimónia abriu caminho para a procura de outras soluções – que alguns apodam de “informais” – para o conflito criminal. Assim, quanto mais sucesso tiverem as práticas restaurativas – afirma-se – mais parcimoniosa poderá de facto ser a justiça penal. Com aquela obra, os Autores reconhecem que procuraram contrariar a prévia crítica de Andrew von Hirsch, para quem a rejeição do pensamento da retribuição por Braithwaite tinha um conteúdo puramente “destrutivo”, não oferecendo qualquer “alternativa teórica coerente”. Braithwaite e Pettit reconhecem que precisaram de oito anos para encontrarem um sentido de resposta para aquele desafio. Fundam a intervenção do Estado através da justiça penal em um conceito de “dominion”, que definem como “liberdade num sentido republicano”, o que exige mais do que a mera ausência de interferência, “mais do que a noção liberal de liberdade” (ob. cit., p. 203) que impede os outros de invadirem o espaço de cada um: exige iguais perspectivas de liberdade e o conhecimento, partilhado com os outros, da titularidade dessas expectativas. Afirmam, por isso, que o conceito tem uma dimensão subjectiva e uma dimensão social. Cada pessoa tem o direito de esperar que os outros respeitem o seu “dominion”, não a agredindo por exemplo na sua integridade pessoal ou no seu património. Se essa agressão ocorrer, a intervenção do Estado tem por finalidade assegurar o respeito que tal “dominion” merece. Os Autores afirmam (ob. cit., p. 69) que “promover o dominion – ou minimizar a invasão do dominion – é um objectivo incontroverso do sistema de justiça criminal, pela mesma espécie de razão pela qual minimizar o mal associado ao crime é incontroverso”. Um dos pontos centrais do pensamento de Braithwaite e de Pettit é o de que essa defesa do dominion – cuja compreensão parece assentar em um certo espaço de inviolabilidade da pessoa – que também incumbe ao Estado é melhor servida através da parcimónia, uma “presunção em favor de uma menor intervenção, e não maior”, o “que dá à teoria uma qualidade minimalista que estabelece pontos comuns, quer com a tradição liberal, quer com tradição libertária”. Posteriormente, 105
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nessa medida, a proposta restaurativa, se adequadamente compreendida e aplicada, pode surgir como uma solução “amiga” de uma justiça penal que se pretende não conformada a partir da ideia do “inimigo”106. 4.
Considerações finais
Resta-nos, também pelas razões antes expostas, reavaliar o sistema público de mediação penal em Portugal, procurando identificar as principais razões para o seu insucesso de modo a que, invertendo-se tal tendência, possamos vir a afirmar a efectiva existência de práticas restaurativas em moldes que contribuam para um modelo mais justo de reacção ao crime. Uma das interrogações com que a investigação sobre a justiça restaurativa necessariamente se depara na procura de sentidos de resposta para o seu porquê é a de saber se ela corresponde ainda a exigências de uma ideia de justiça ou se, pelo contrário, se esgota em um conjunto de práticas orientadas para a obtenção de mais economia e rapidez, porventura com prejuízo para outros valores. Aquilo que a esse propósito se julga é que na justiça restaurativa está implícita uma certa ideia de realização da justiça cujas pautas não são apenas as da utilidade numa perspectiva de celeridade e de economia, à luz de um modelo estadual e punitivo de reacção ao crime. Por um lado, há no sentido de justiça afirmado pelos cultores da proposta restaurativa um reconhecimento da exigência liberal de mais liberdade e de restrição da decisão autoritária do conflito às hipóteses em que ela seja indispensável. Por outro lado, na compreensão da justiça inerente à proposta restaurativa assume destaque a ideia de solidariedade associada às concepções de justiça que sustentam o Estado Social. Em terceiro lugar, pode afirmar-se que, para além da solidariedade, são convocadas pela proposta restaurativa as exigências de fraternidade e de responsabilidade centrais na teoria republicana. Todavia, aquilo que parece existir de específico na compreensão restaurativa é a ideia de que uma reacção justa ao crime pressupõe o reconhecimento de uma sua dimensão (inter)pessoal, que não se confunde com a dimensão pública inerente à sua definição como ofensa a bens jurídicos cuja vigência tem de ser reafirmada. Nessa Autores como Lode WALGRAVE encontraram na “teoria republicana da justiça criminal, construída a partir do conceito de dominion, uma base para os princípios e as regras que devem limitar e orientar a justiça restaurativa” (in Lode WALGRAVE, “Imposing Restoration Instead of Inflicting Pain” cit., p. 74). 106 Encontrou-se inspiração para esta afirmação no significativo título do estudo de Ferrando MANTOVANI, “Il diritto penale del nemico, il diritto penale dell’amico, il nemico del diritto penale e l’amico del diritto penale”, Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 2007, 50, fasc. 2/3, p. 470 ss.
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medida, convergem na proposta restaurativa a valorização da subjectividade, da alteridade e da comunicação que constituem património de correntes filosóficas e sociológicas contemporâneas associadas à teorização sobre o sentido da justiça. Referências bibliográficas: ANDRADE; Manuel da Costa, «A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, fasc. 2, 1992 ARÁN, Mercedes García, “Despenalización y privatización: tendencias contrarias?”, Crítica y Justificación del Derecho Penal en el Cambio del Siglo, coord. Luis Arroyo ZAPATERO/Ulfrid NEUMANN/Adán NIETO, Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2003 BELEZA, José Merêa Pizarro, “A pena de prisão, a reforma das cadeias e o Ensayo sobre o Plano mais Conveniente para a Fundação das Cadêas (notas para a história do direito penal vintista)”, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora: 2003 BRAITHWAITE, John/PETTIT, Philip, Not Just Desert. A Republican Theory of Criminal Justice, Oxford, Clarendon Press: 1990 DIAS, Jorge de Figueiredo, “O papel do direito penal na protecção das gerações futuras”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo do 75º Tomo do BFD, Coimbra: 2003 COSTA, José de Faria, Noções Fundamentais de Direito Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2015 COSTA, José de Faria, “Um olhar doloroso sobre o direito penal (ou o encontro inescapável do homo dolens, enquanto corpo-próprio, com o direito penal)”, Linhas de Direito Penal e de Filosofia: alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra Editora, 2005 FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal, Trotta Editora, 2011 FRANCO, Alberto Silva, prefácio à obra Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, de Eugénio ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI, Editora Revista dos Tribunais, 1997 GARAPON, Antoine, O Guardador de Promessas, Instituto Piaget, 1998 HASSEMER, Winfried, Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoria de la imputación en Derecho Penal , tirant lo blanch,1999 HASSEMER, Winfried/MUÑOZ CONDE, Francisco, La responsabilidad por el producto en derecho penal, titant lo blanch, Valência, 1995
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HESPANHA, António, Guiando a Mão Invisível – Direitos, Estado e Lei no Liberalismo Monárquico Português, Coimbra: Almedina, 2004 JACCOUD, Mylène, “Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa”, Justiça Restaurativa, Ministério da Justiça e PNUD, Brasília, 2005 MANTOVANI, Ferrando, “Il diritto penale del nemico, il diritto penale dell’amico, il nemico del diritto penale e l’amico del diritto penale”, Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 2007, 50, fasc. 2/3 PRADO, Geraldo, Transação Penal, Lumen Iuris Editora, 2.ª edição: 2006 SANTOS, Cláudia, A Justiça Restaurativa, Coimbra: Coimbra Editora, 2014 SUBTIL, José, “Sistema Penal e Construção do Estado Liberal: Algumas Questões em Torno da Revolução de 1820”, Penélope, Edições Cosmos, n.º 5, 1991 TOCQUEVILLE, Alexis de, Da Democracia na América, prefácio de João Carlos Espada, tradução de Carlos Oliveira, Estoril: Princípia Editora Lda, 2007 WALGRAVE, Lode, “Imposing Restoration Instead of Inflicting Pain”, Restorative Justice and Criminal Justice: Competing or Reconciliable Paradigms?, Eds. Andrew von Hirsch et al., Hart Publishing, 2003
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Justiça Multiportas no Brasil: breve panorama
Trícia Navarro Xavier Cabral Pós-Doutoranda em Direito Processual pela USP Doutora em Direito Processual pela UERJ Mestre em Direito pela UFES Juíza Estadual no Espírito Santo Membro da Comissão Acadêmica do FONAMEC Membro-efetivo do IBDP tricianavarro@hotmail.com
Rafael Calmon Doutorando em Direito Processual Civil pela UERJ Mestre em Direito Processual Civil pela UFES Juiz Estadual no Espírito Santo Membro do IPDP Rafaelrangel.ufes@gmail.com
Área do Direito: Civil; Família; Processual Civil.
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a evolução da Justiça Multiportas no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no campo legislativo, quando na prática forense, trazendo um panorama sobre as principais dificuldades e desafios que envolvem a temática, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, sobretudo em razão da falta de estrutura física, material e pessoal dos órgãos destinados a resolver consensualmente o conflito, nos moldes exigidos pelo legislador. Também será abordado o posicionamento da doutrina nacional em torno das principais polêmicas que envolvem os métodos adequados de resolução de conflitos, embora estejamos, ainda, em processo de conhecimento e de amadurecimento das novidades introduzidas no ordenamento brasileiro. Palavras-chave: tribunal multiportas – mediação – conciliação – arbitragem Brasil. ABSTRACT:
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Abstract: this study aims to analyze the evolution of Multidoor Courthouse in Brazilian legal system, both in the legislative field, and in the forensic practice, bringing an overview about the main difficulties and challenges involving the themes, especially in our judiciary, whose lack of physical structure, material and qualified personnel makes it difficult to resolve the conflict by consensus, at the level required by the law. Will also be approached the doctrine around the major controversies involving the appropriate methods of dispute resolutions, although we are also in the process of knowledge and maturity of the legal novelties introduced by the brazilian legislature. Keywords: Justice – Multidoor Courthouse – Brazil. SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Origem do Tribunal Multiportas – 3. Evolução legislativa da Justiça Multiportas no Brasil – 4. A criação de uma estrutura judiciária – 5. Desafios da Justiça Multiportas no Brasil – 6. Referências bibliográficas. 1. Introdução Nos últimos anos o ordenamento jurídico brasileiro tem experimentado uma interessante transformação cultural, decorrente do aprimoramento de Leis que consagraram os métodos adequados de resolução de conflitos em nosso cotidiano forense. A conciliação e a arbitragem já possuíam seu tratamento normativo disciplinado pelo sistema107, enquanto que a mediação, por não haver previsão em lei, só era conhecida e utilizada por entidades ou pessoas do setor privado, sendo praticamente ignorada no âmbito no Poder Judiciário. Contudo, como se verá adiante, em 2015 o Brasil foi contemplado com um aparato legislativo que consagrou a ideia de tratamento apropriado dos conflitos, e que vem proporcionando uma releitura não só no aspecto doutrinário, mas também no que se relaciona ao comportamento dos profissionais de direito, que passaram a se preocupar em conhecer os diferentes mecanismos de resolução de controvérsias, como também oferecer essas técnicas aos jurisdicionados. Ademais, observa-se que há um interesse cada vez maior das universidades em incluir na grade curricular disciplinas que abordem a conciliação, a mediação, a arbitragem, e outros meios legítimos e adequados de resolução de conflitos.
A conciliação vem sendo prevista em textos normativos esparsos desde a Constituição Imperial de 1824, mas ganhou maior ênfase a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973. Já a Arbitragem foi incorporada no ordenamento brasileiro por meio da Lei n. 9.307/96. 107
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Registre-se que, antes de 2015, os eventos jurídicos não costumavam inserir a temática desses métodos no aperfeiçoamento das carreiras jurídicas, realidade hoje completamente alterada. Agora, congressos, seminários, oficinas e outras formas de fomento de conhecimento jurídico os têm prestigiado significativamente. A produção científica envolvendo a matéria, por sua vez, está cada vez maior e mais qualificada, além de atenta aos obstáculos e desafios que a realidade imprime. De qualquer forma, o diagnóstico preliminar do desenvolvimento da Justiça Multiportas no Brasil é extremamente animador, considerando as conquistas até aqui implementadas com apenas 02 (dois) anos de sedimentação desse microssistema legislativo de incentivo às variadas formas de resolução de disputas. Resta aos operadores do direito acompanhar o desenvolvimento desses institutos, bem como benefícios trazidos à sociedade. 2. Origem do Tribunal Multiportas A expressão “Tribunal Multiportas” teve origem na conferência “Variedades de processamento de conflitos”, proferida em 1976, em St. Paul, Minessota, na Pound Conference, pelo Professor de Harvard Frank E. A. Sander, que propôs que as Cortes fossem transformadas em “Centros de Resolução de Disputas”, onde o interessado primeiro seria atendido por um funcionário encarregado da triagem dos conflitos, que depois o encaminharia ao método de resolução de conflitos mais apropriado às particularidades do caso (conciliação, mediação, arbitragem, entre outras formas)108. Essa concepção, contudo, foi divulgada por uma das revistas da ABA (American Bar Association) como “Tribunal Multiportas”, e assim ficou mundialmente conhecida.109 De acordo com o Professor Sander seriam inúmeros os benefícios desse sistema. A justiça se tornaria mais acessível, barata, rápida, informal e compreensível, possibilitando o uso de técnicas que permitiriam às partes desenharem a própria solução para o conflito, eliminando muitas vezes a intimidação do processo litigioso, e conferindo mais satisfação e menos animosidade do que o processo adversarial.110 Assim, o termo “Tribunal Multiportas” acabou sendo difundido e ganhando adeptos em diversos ordenamentos jurídicos.
WATANABE, Kazuo. “Juizados Especiais” e política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses. CEJUSC e Tribunal Multiportas. In: BACELLAR, Roberto Portugal; LAGRASTA, Valeria Ferioli (Coords.). Conciliação e mediação: ensino em construção. 1. Edição. São Paulo: IPAM/ENFAM, 2016, p. 122-123. 109MENDES, Gardenia M. L. Tribunal multiportas e sua adequação no Brasil. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36758/tribunal-multiportas. Acesso em: 13.02.2018. 110 Gladys Kessler & Linda J. Finkelstein, The Evolution of a Multi-Door Courthouse, 37 Cath. U. L. Rev. 577 (1988). Available at: http://scholarship.law.edu/lawreview/vol37/iss3/2. Acesso em: 13.02.2018. 108
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No Brasil, quando a doutrina111 difundiu a terminologia “Justiça Multiportas”, a ela passou a se referir em um contexto mais abrangente, não se limitando ao âmbito do Poder Judiciário, mas agregando todas as formas adequadas de resolução de conflitos. Fala-se, então, na coexistência da justiça estatal, justiça arbitral, justiça consensual, trazendo, assim, um novo conceito de jurisdição.112 Portanto, todos os meios extrajudiciais e judiciais de resolução de conflitos estariam incluídos na concepção contemporânea de acesso à justiça, não mais como simples acesso ao Poder Judiciário, mas como acesso à ordem jurídica justa. 3. Evolução legislativa da Justiça Multiportas no Brasil No ordenamento jurídico brasileiro a autorização e o incentivo aos mecanismos adequados de solução de conflitos podem ser extraídos de diversos preceitos legais, a começar pelo preâmbulo da Constituição Federal de 1988113, que reconhece que o Judiciário e os demais Poderes (Executivo e Legislativo) são igualmente responsáveis pela harmonia social. Do texto constitucional ainda extrai-se do art. 4º, inciso VII114, que a solução pacífica dos conflitos é um princípio que rege as suas relações internacionais. Não obstante, a garantia ao acesso à justiça prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal do Brasil, deve ser interpretada como compreensiva de outras formas não adjudicatórias de resolução de conflitos, na medida em que solucionem a controvérsia de maneira adequada e, portanto, mais justa. Nesse contexto, a conciliação, mediação, arbitragem e outras formas legítimas de alcance da pacificação social estariam inseridas na leitura contemporânea de acesso à justiça, graças ao seu potencial de reduzir o número de processos judiciais e de combater o desvirtuamento da função judicial do Estado, que atualmente tem sido um dos maiores problemas do Poder Judiciário. ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada de conflitos. (Coleção Grandes Temas do Novo CPC – vol. 9). Salvador: JusPODIVM, 2017. 112 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a consensualidade. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 14-20. 113 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifei). 114 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. 111
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A mediação e a conciliação ainda são objeto do II Pacto Republicano, assinado em 13.04.2009 pelos três Poderes da Federação, em que, dentre os compromissos assumidos, constava o de “[...] fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados a maior pacificação social e menor judicialização [...]”. Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça115, atento à necessidade de implementação de meios adequados de solução de conflitos como forma de melhorar a justiça brasileira, editou a Resolução nº 125/10, que trata da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Cumpriu, assim, uma importante missão de chamar para este poder da república a responsabilidade pela transformação do modelo de Justiça existente no Brasil, abrindo a discussão e as perspectivas sobre tais métodos. Essa relevante iniciativa, embora não tenha, num primeiro momento, entusiasmado seus órgãos diante da grandiosidade estrutural demandada, desencadeou outras propostas legislativas que culminaram na formação de um microssistema de meios adequados de resolução de disputas no Brasil, o que ainda está sendo assimilado pela comunidade jurídica. Inspirado na Resolução nº 125/2010 do CNJ, no âmbito processual, o Projeto de Lei que deu origem ao novo Código de Processo Civil brasileiro (Lei n. 13.105/15), em boa hora, reconheceu o instituto da mediação como um mecanismo hábil à pacificação social. Como dito, a conciliação e a arbitragem, ao contrário da mediação, já possuíam previsão legal no país, de modo que o reconhecimento e a inclusão da mediação como um desses métodos foi essencial para complementar o conjunto de instrumentos aptos a atender ao jurisdicionado em seus conflitos. Assim, em 2015, foi publicada Lei nº 13.105/2015, que reformou o Código de Processo Civil, entrando em vigor em 18.03.2016. A nova codificação estabelece como um de seus principais objetivos o incentivo à utilização dos métodos adequados de solução consensual de controvérsias, conforme se vê do artigo 3º, § 3º, inserido no capítulo inicial que trata das normas fundamentais do processo civil. Não obstante, o CPC/2015 menciona a conciliação, a mediação e a arbitragem em diversas passagens, deixando clara a intenção do legislador de fomentar a utilização dos mais variados métodos de resolução de conflitos. Além disso, o novo Código trata dos mediadores e conciliadores judiciais, atribuindo-lhes a qualidade de auxiliares da
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma instituição pública que visa promover o controle da transparência administrativa e processual do sistema judiciário brasileiro, por meio do desenvolvimento de políticas judiciárias que promovam a efetividade e a unidade do Poder Judiciário. 115
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justiça (art. 149), estando sujeitos, inclusive, aos motivos de impedimento e suspeição (art. 148, II). Não bastasse isso, o CPC/2015 destinou a Seção V, do Capítulo III, para regulamentar as atividades dos conciliadores e mediadores judiciais e entre outras matérias, previu: a) a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos pelos tribunais, destinados à realização de audiências e pelo desenvolvimento de programas para auxiliar, orientar e estimular a autocomposição (art. 165); b) os princípios que informam a conciliação e a mediação (art. 166); c) o cadastro e a capacitação de conciliadores e mediadores (art. 167); d) a possibilidade de as partes escolherem, de comum acordo, o conciliador ou mediador (art. 168); e) as formas de remuneração dos conciliadores e mediadores (art. 169); f) os casos de impedimento (art. 170); g) a impossibilidade temporária do exercício da função (art. 171); g) o prazo de impedimento de um ano para o conciliador e mediador assessorar, representar ou patrocinar as partes (art. 172); h) as hipóteses de exclusão do cadastro (art. 173); i) a criação de câmaras de mediação e conciliação para a solução de controvérsias no âmbito da administração pública (art. 174); j) a possibilidade de outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais (art. 175). No que tange à mediação, a sua sedimentação para a solução adequada de conflitos atingiu seu ápice legislativo em 2015, não só pela promulgação do novo CPC, como também pela Lei nº 13.140/15 (Lei de Mediação). O marco legal do instituto, que entrou em vigor em 26/12/2015, consagrou o que a doutrina e a prática forenses já tentavam de forma persistente implementar em nossa cultura jurídica. As duas leis federais acima referidas tramitaram de modo paralelo, quase simultâneo, objetivando compatibilizar ao máximo os textos. E ainda assim, em alguns aspectos, foram utilizados critérios distintos para regulamentar o assunto, o que, em certos casos, chegou a indicar aparentes conflitos normativos. Em relação à arbitragem ocorreu, também no ano de 2015, a reforma da Lei nº 9.307/96, aprimorando e ampliando a sua utilização no Brasil por meio da Lei nº 13.129/15, que entrou em vigor em 27/07/2015. Portanto, a partir do ano de 2016, foi possível verificar uma paulatina transformação na realidade jurídica do País.
4. A criação de uma estrutura judiciária Conforme mencionado, a concepção de Justiça Multiportas foi introduzida no sistema brasileiro pelo Conselho Nacional de Justiça, que, atento à necessidade de implementação de meios adequados de resolução de conflitos como forma de melhorar a justiça brasileira, editou em 29.11.2010 a Resolução nº 125/10, que trata da Política
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Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Por meio dessa Política buscou-se assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por mecanismos adequados à sua natureza e complexidade, com vista à boa qualidade dos serviços judiciários e à disseminação da cultura da pacificação social, por meio da criação de uma estrutura física e pessoal própria, capaz de gerir as controvérsias de forma racional e profissional. Essa estrutura idealizada é composta pelo Conselho Nacional de Justiça, que fica responsável, no âmbito nacional, por implementar o programa com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino, pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs), que tratam dessa Política Judiciária no âmbito dos Tribunais Estaduais e Federais, e pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), responsáveis pela execução da Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos. Nesse contexto, os Centros assumem a função de verdadeiros “Tribunais Multiportas”, na medida em que são os responsáveis por oferecer as diversas opções de meios adequados de resolução dos conflitos, e ainda prestam serviços de orientação e informação ao cidadão.
Assim, o interessado pode se dirigir ao Centro para a
deliberação pré-processual do conflito, por meio da realização de sessões de conciliação ou de mediação, conforme o caso, ou para tentar resolver consensualmente conflitos já judicializados, bem como para obter serviços de cidadania. Trata-se, pois, de órgão do Poder Judiciário criado para efetuar a triagem, o tratamento, e a resolução adequada das disputas de interesses. Além disso, uma vez existindo o processo judicial, o juiz assume papel de suma importância nessa Política Judiciária, competindo-lhe efetuar a triagem dos casos, podendo designar audiência de conciliação ou mediação para tentar a autocomposição, analisar a alegação de existência de convenção de arbitragem, atender ao pedido das partes de suspensão do feito para a tentativa de acordo extrajudicial, ou, se for a hipótese, julgar o litígio com ou sem análise de seu mérito. Como se observa, saímos de um modelo de justiça em que só se oferecia ao jurisdicionado a solução judicial e adjudicada da disputa, para um formato em que são disponibilizados variados meios de resolução de conflitos, cada qual usando técnicas que sejam mais apropriadas para atender às peculiaridades do caso concreto. Com isso, o Poder Judiciário passa efetivamente a servir ao consumidor da justiça, e não o contrário. Muda-se a perspectiva única de decisão imposta pelo juiz,
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abrindo-se a possibilidade de decisão construída pelos litigantes, por meio do seu empoderamento. Por conseguinte, busca-se mais qualidade, com menor custo, complexidade e tempo na resolução da controvérsia, gerando mais sensação de legitimidade e, via reflexa, ensejando menos risco de descumprimento. 5. Desafios da Justiça Multiportas no Brasil O Brasil foi contemplado com um verdadeiro microssistema de meios adequados de solução de conflitos, sendo que, gradativamente, variados atos normativos são editados para possibilitar a ampla aplicação da conciliação, mediação, arbitragem e outros meios legítimos dotados de semelhante propósito. O maior desafio era vencer a barreira cultural, eliminando resistências que, em muitos casos, não se justificavam. E apesar de todos os receios, podemos dizer que o Brasil hoje conta com um efetivo aparato de meios adequados de solução de conflitos, que vem se aperfeiçoando ao longo do tempo e conseguindo cada vez mais adeptos. No Poder Judiciário, a dificuldade maior era adequar sua estrutura – de material e de pessoal - para implantar a audiência inaugural prevista pelo art. 334, do CPC116, que teve o mérito de trazer para o início do procedimento o primeiro contato entre os litigantes, antes mesmo da apresentação da defesa. Contudo, em razão dos obstáculos estruturais, a maioria das unidades judiciárias passou a dispensar o ato, retirando dos jurisdicionados a oportunidade de autocomposição nessa fase do procedimento, ou, ao menos, de tentar compreender o contexto conflituoso em que se encontravam. Entretanto, importa ressaltar que as varas que apostaram na audiência, especialmente as de família, alcançaram elevados índices de acordo. Não obstante, observou-se que a ideia da autocomposição judicial foi ficando cada vez mais palatável para juízes, advogados, partes e Ministério Público, embora os tribunais ainda se encontrem em fase de implementação da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos instituída pela Resolução nº 125/2010, do CNJ. Reconhece-se que ainda há muito que se avançar na esfera judicial. Os atores no Poder Judiciário precisam de mais engajamento na priorização da solução consensual dos conflitos, capacitando mediadores e conciliadores, criando Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), regulamentando a remuneração dos facilitadores, entre outras iniciativas, a fim de que se ofereça aos
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. 116
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litigantes mecanismos legítimos de resolução de disputas, com resultados justos e satisfatórios para todos. Verifica-se, ainda, na prática forense, que os jurisdicionados e muitos advogados não conhecem possibilidades disponibilizadas pelos CEJUSCs, como, por exemplo, a homologação de acordos para transformar avenças em título executivos judiciais. Para se ter uma melhor dimensão do que acaba de ser dito, hoje os interessados se valem de processo de jurisdição voluntária (CPC, arts. 719 e ss.) com o fim específico de se alcançar a homologação judicial de acordo, o que seria perfeitamente possível pela via desses Centros. No âmbito extrajudicial as conquistas foram maiores. Os mediadores privados, que já atuavam antes mesmo da edição das referidas leis, ampliaram seu negócios profissionais, com a criação de diversas câmaras de mediação, conciliação e arbitragem. Também cresceu de forma impressionante a procura por cursos de capacitação, nos moldes do CNJ, para fins de cadastro no referido órgão e também perante os tribunais, surgindo um novo mercado de trabalho. Outro movimento interessante foi a criação de plataformas on-line para a solução consensual dos conflitos, cujos resultados têm sido exitosos, com mais agilidade, menos custo e imediato encerramento da disputa, embora o seu controle e fiscalização ainda careçam de aperfeiçoamento. Além da criação das câmaras de mediação, conciliação e arbitragem, e de plataformas on-line, as empresas têm feito mutirões para solucionar amigavelmente os conflitos, e também procurado modificar por completo suas próprias políticas internas, visando diminuir a incidência de problemas que desaguem em processos judiciais. Essas iniciativas têm servido, inclusive, como fator de marketing e de tentativa de melhorar suas imagens perante a sociedade. No campo extrajudicial, mais um tópico merece destaque: a realização de sessões de mediação e conciliação pelas serventias extrajudiciais. A matéria sofreu recente regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça, que publicou o Provimento nº 67/2018117, padronizando a oferta de serviços de conciliação e mediação pelos cartórios em todo o País. Não há dúvida de que tais serventias, por serem dotadas de fé pública e ampla fiscalização, contribuiriam para a disseminação dos métodos autocompositivos na sociedade e ainda trariam grande segurança jurídica ao cidadão.118
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3415. Acesso em: 13.05.2018. 118 Ver artigo da autora deste ensaio sobre o tema publicado no blog Consultor Jurídico: CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Permitir que cartórios façam conciliação e mediação é medida bem-vinda. 117
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De qualquer modo, a desjudicialização dos conflitos está sendo cada vez mais estimulada, por meio da disponibilização de alternativas concretas ao cidadão que, até então só conhecia o modelo de resolução de controvérsias apresentado pelo Poder Judiciário. Aliás, não é por outra razão que tramita no Senado Federal brasileiro a Proposta de Emenda à Constituição nº 108/2015, que “inclui entre os direitos e deveres individuais e coletivos o estímulo pelo Estado à adoção de métodos extrajudiciais de solução de conflitos.” Tal proposta acrescenta o inciso LXXIX ao art. 5º da Constituição Federal, para estabelecer o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos como um direito fundamental. A última movimentação de sua tramitação ocorreu em 13/07/2017, estando pronta a proposta para pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. No âmbito da Administração Pública, os avanços foram tímidos, mas, nem por isso, despercebidos. Na realidade, como já mencionado, a abertura para a consensualidade tem permeado diversos ramos do Direito, inclusive os que envolvem elevado grau de interesse público, como o Direito Administrativo, o Direito Tributário e o Direito Penal. A grande dificuldade é que essas matérias dependem de edição de lei autorizativa, sendo que os órgãos públicos não têm tido a necessária agilidade em criar critérios objetivos para a realização de acordos, o que causa insegurança jurídica nos agentes públicos que temem sofrer procedimentos administrativos. Isso porque, embora a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil tenham disciplinado o assunto com regras gerais, é necessário que os órgãos públicos regulamentem parâmetros prévios, por meio de normas legais ou administrativas, e com a devida publicidade. Com efeito, sabendo-se que, ao lado dos bancos, os setores públicos municipal, federal e estadual são os maiores litigantes do País119, revela-se promissor o uso de meios consensuais de solução de conflitos que envolvam a Administração Pública, como se vê dos mutirões e programas destinados a resolver causas do Instituto Nacional do Seguro Social, da Caixa Econômica Federal, além de execuções fiscais e da mediação coletiva, entre outras possibilidades. Na seara do Direito das Famílias, tais métodos encontraram campo fértil de aplicação. O novo Código de Processo Civil chega a prever textualmente que “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-05/tricia-navarro-permitir-conciliacaocartorios-medida-bem-vinda. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/59351-orgaos-federais-e-estaduais-lideram-100-maioreslitigantes-da-justica 119
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conhecimento para a mediação e conciliação”, dispondo ainda que “a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar” (art. 694 caput e par. único). Outra inovação que corrobora o novo modelo de justiça implantado pelo legislador é aquela que impõe que, nesse tipo de demanda, o mandado de citação deverá ser cumprido na pessoa do réu - sem qualquer possibilidade de a diligência ser realizada por intermédio de um procurador, por exemplo -, e conterá apenas os dados necessários à audiência, devendo ser encaminhado ao seu endereço desacompanhado de cópia da petição inicial, muito embora lhe seja assegurado o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo (art. 695, §§1º e 3º). Prestigiando ainda mais os meios adequados de solução de conflitos, o art. 696 enuncia que “a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito” e que apenas na hipótese de não ser realizado o acordo é que passarão a incidir, a partir de então, as normas do procedimento comum (art. 697)120. O ensino jurídico também tem se transformado, com a modificação da grade curricular para incluir matérias e disciplinas que abordam tais meios, o que, certamente, refletirá na qualidade dos profissionais do futuro. Diante desse cenário otimista e promissor, constata-se que, apesar do pouco tempo de vigência da Lei de Mediação, Lei de Arbitragem e do novo Código de Processo Civil, houve uma rápida absorção do modelo de Justiça Multiportas pelo nosso ordenamento jurídico, restando doravante, aperfeiçoar-se a consolidação prática dessas novidades, cujas vantagens são inegáveis e revelam perfeita sintonia com as tendências dos sistemas jurídicos mais modernos da atualidade. 6. Referências bibliográficas CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Permitir que cartórios façam conciliação e mediação é medida bem-vinda. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr05/tricia-navarro-permitir-conciliacao-cartorios-medida-bem-vinda. CALMON, Rafael. Direito das Famílias e Processo Civil: interação, técnicas e procedimentos. São Paulo: Saraiva, 2017.
Sobre as técnicas e métodos apropriados à solução dos conflitos de família, consultar a obra do autor deste ensaio: CALMON, Rafael. Direito das Famílias e Processo Civil: interação, técnicas e procedimentos. São Paulo: Saraiva, 2017. 120
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Gladys Kessler & Linda J. Finkelstein, The Evolution of a Multi-Door Courthouse, 37
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http://scholarship.law.edu/lawreview/vol37/iss3/2. Acesso em: 13.02.2018. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a consensualidade. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 14-20. MENDES, Gardenia M. L. Tribunal multiportas e sua adequação no Brasil. Disponível
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"A Mediação de Conflitos nos Julgados de Paz: Uma mais valia?".
Luísa Almeida Soares Juíza de Paz121
Resumo: Ficam, em tom de nota de uma história pejada de curiosidades e vicissitudes, algumas linhas gerais dos julgados de paz em Portugal, assim como uma descrição simples da sua organização, competência e funcionamento. Falamos do juiz de paz enquanto pessoa e enquanto decisor integrado no “bem maior”, os julgados de paz. Focamos a atenção numa análise crítica da mediação endo processual nos julgados de paz e distinguimo-la da conciliação. I. Os julgados de paz em Portugal: 1.
Nota introdutória
Seria demasiado pretensioso da nossa parte tentar condensar um tão vasto serpentear da história dos julgados de paz num modesto e breve trabalho como este. Ficam, em tom de nota de uma história pejada de curiosidades e vicissitudes, algumas linhas gerais dos julgados de paz em Portugal. Os julgados de paz existem desde sempre integrados na estrutura judiciária portuguesa, desde os primórdios da nacionalidade, até ao Estado Novo. Com diferentes roupagens linguísticas – defensores ou assertores pacis; mandadeiro de paz; árbitros de paz; avindores; concertadores de demandas; juízos de conciliação – mas com um mesmo substrato, a equidade pacificadora, busca incessante de justiça e cidadania ativa, participação cívica, respeito absoluto pelo direito fundamental de acesso ao direito e à justiça122, um “veículo democratizador do sistema de justiça português”123. Não uma qualquer justiça, a do caso concreto124 que direciona e impulsiona, pela mediação e conciliação, a justiça de proximidade, mergulhada nos princípios da simplicidade, da adequação, da informalidade, da oralidade, da absoluta economia processual, da acessibilidade e da
A presente publicação e as opiniões nela expressas apenas vinculam a sua autora e não a instituição a que pertence. A autora exerceu funções no julgado de paz do agrupamento de concelhos de Câmara de Lobos e Funchal (de 25.07.2017 a 04.06.2018) e desde 04.06.2018 é juíza de paz no julgado de paz de Sintra. 122 Artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa; artigos 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; artigos 2.º n.º 3 e 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; artigos 6.º e 13.º da Convenção Europeia de Salvaguarda das Liberdades e Direitos Fundamentais e artigo 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. 123 Chumbinho, João, in “Julgados de Paz na Prática Processual Civil”, Editora Quid Iuris, 2007. 124 Aristóteles, no conceito de justiça que idealizou, entendia a igualdade num sentido proporcional, relacional, geométrico. 121
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proximidade, vertidos no artigo 2.º da Lei 78/2001 de 13 de julho (doravante designada LJP) na redação dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho e que traduzem um estímulo ao acordo e à participação cívica dos cidadãos na administração da justiça. 2. Organização, competência e funcionamento dos julgados de paz Os julgados de paz distinguem-se dos tribunais judiciais, na origem, jurisdicionalidade, institucionalização e tramitação processual. Têm subjacentes protocolos entre o Estado e as autarquias ou outras entidades públicas (artigo 9.º, n.º 3 da LJP). Os julgados de paz são criados por diploma do governo, ouvidos o Conselho dos Julgados de Paz, o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Advogados e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (artigo 3.º n.º 1 da LJP, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho), podem ser concelhios ou de agrupamento de concelhos, têm sede no concelho para que são exclusivamente criados, ou, no caso de agrupamento de concelhos, no concelho que é, para o efeito, designado no diploma de criação. Podem ainda ser constituídos julgados de paz junto de entidades públicas de reconhecido mérito, sendo o seu âmbito de jurisdição definido no respetivo ato constitutivo (artigo 4.º da LJP). Os juízes de paz têm formação especifica distinta dos magistrados judiciais, sendo no entanto que o 3.º concurso de recrutamento e seleção de juízes de paz teve a sua formação no Centro de Estudos Judiciários, onde foram prestadas todas as provas escritas, psicológica e oral. Na formação dos juízes de paz inserem-se a mediação e a conciliação, para além do processo civil, do direito civil, da ética e deontologia.Nos julgados de paz inexiste a figura do Ministério Público (sendo que face à ausência declarada do Demandado se nomeia Defensor Oficioso) e há uma mediação interna, integrada processualmente enquanto fase voluntária. Possuem um Conselho autónomo (Conselho dos julgados de paz), com caraterísticas próprias. A tramitação é “muito simples e harmónica com princípios de reconciliação, que começa com articulados que podem ser verbalmente expostos pelos interessados e se reflete no facto de o Juiz de paz poder concentrar toda a sua intervenção na homologação de acordo ou na realização de julgamento e prolação de sentença”125. Os julgados de paz são um órgão de soberania (artigo 110.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, doravante designada CRP), não integrado na ordem dos tribunais judiciais126 (artigo 209.º, nº 2 da CRP), com previsão constitucional (artigo 209.º, nº 1 alínea a) da CRP), independente (artigo 203.º CRP), com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º CRP), sendo as suas decisões obrigatórias para todas as Ferreira, J. O. Cardona, “Julgados de Paz. Organização, competência e funcionamento. O que foram, o que são os Julgados de Paz e o que podem vir a ser”, 3.ª edição, Coimbra editora, 2014, págs. 43 e 44. 126 Neste sentido o Parecer nº 10/2005 da P.G.R., Diário da República, 2ª série, de 2 de setembro de 2005. 125
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entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 205.º, n.º 2 da CRP), visando a obtenção da composição definitiva do litígio através da mediação127 (instrumento alternativo de resolução de litígios), conciliação ou através do julgamento (função contenciosa) das questões que lhe forem submetidas. A incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido de qualquer das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente (artigo 7.º da LJP). Os julgados de paz são, em razão do valor, competentes para julgar e decidir questões cujo valor não exceda €15.000 (redação dada pela Lei 54/2013 de 31 de julho). A competência em razão da matéria está estabelecida no artigo 9.º da LJP, a que acrescem a apreciação de incidentes (artigo 41.º LJP) e o julgamento de procedimentos cautelares (41.º-A da LJP, conjugado com os artigos 362.º, 547.º e 630.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 63.º da LJP). Relativamente à competência territorial, regem os artigos 10.º a 14.º da LJP, com algumas semelhanças com os normativos do Código de Processo Civil. O litisconsórcio, a coligação e a cumulação de pedidos só são admitidos no momento da propositura da ação (artigo 39.º e 44.º da LJP), a reconvenção só é admitida quando o Demandado se proponha obter a compensação (artigo 847.º Código Civil) ou tornar efetivo o direito a benfeitorias (artigo 216.º Código Civil), ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe seja pedida (artigos 48.º, n.º 1 da LJP, e artigos 583.º e 266.º alíneas b) e c) do Código de Processo Civil). Contrariamente ao que sucede nos tribunais judiciais (artigos 225.º n.º 6 e 243.º do Código de Processo Civil), a citação edital não é admitida nos julgados de paz (artigo 46.º, nº2 da LJP), o prazo para apresentação da contestação não pode ser prorrogado (artigo 47.º, nº 2 da LJP), a prova pericial, quando pertinente e não dilatória, determina a remessa dos autos ao tribunal da 1.ª instância competente, para a produção de prova necessária (artigo 59.º, n.º 3 da LJP, alteração introduzida pela Lei 54/2013, de 31 de julho) e os incidentes, não expressamente excluídos, são apreciados e decididos pelo juiz de paz (artigo 41º da LJP, alteração introduzida pela Lei 54/2013, de 31 de julho). O artigo 5.º da LJP (com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho) refere que nos julgados de paz há lugar a pagamento de custas, sendo a tabela de custas aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. Refira-se que a taxa de justiça é muito inferior à devida nos tribunais judiciais, sendo de 70,00€ 128, com possibilidade de ser reduzida
A introdução da mediação como fase voluntária no âmbito do procedimento nos julgados de paz permite às partes, ajudados por um terceiro neutro e independente, o mediador, experimentarem a auto-gestão do conflito, participando ativamente na construção de uma solução aceitável e justa, ao invés de se manterem intransigentemente agarradas a posições inultrapassáveis e antagónicas. 128 Nos termos do artigo 3.º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de dezembro (fixa uma taxa única por cada processo tramitado nos julgados de paz, Ministério da Justiça, S.I-B, DR n.º 299, p. 8504-8504, alterada 127
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para 50,00€ caso na fase de mediação exista acordo entre as partes129. Poderão ainda aqueles que recorram aos julgados de paz beneficiar de apoio judiciário130 e fazer-se acompanhar de Advogado, Advogado-Estagiário ou Solicitador (sendo essa assistência obrigatória131 no caso de a parte ser analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa ou, por qualquer outro motivo, se encontrar numa posição de manifesta inferioridade, assim como se exige a constituição de advogado na fase de recurso (artigos 38º, nº 2 e 3 da LJP, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho)). Cada julgado de paz tem um serviço de atendimento e um serviço de apoio administrativo (artigo 17.º da LJP), não tendo quadro de pessoal (artigo 19.º da LJP) e funcionam em horário a definir no respetivo diploma de criação (artigo 20.º da LJP). O processo inicia-se pela apresentação do requerimento na secretaria do julgado de paz, verbalmente ou por escrito, em formulário próprio, com indicação do nome e do domicílio do Demandante e do Demandado, contendo a exposição sucinta dos factos, o pedido e o valor da causa. Se o requerimento for efetuado verbalmente, deve o funcionário reduzi-lo a escrito. Não há lugar a entrega de duplicados legais, cabendo à secretaria facultar às partes cópia das peças processuais. Caso o requerimento inicial seja apresentado pessoalmente, é logo o Demandante notificado da data em que tem lugar a sessão de pré-mediação. A apresentação do requerimento determina a interrupção da prescrição, nos termos gerais (artigo 43.º da LJP). Quanto à citação do Demandado, caso não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do Demandante. Da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia (artigo 45.º da LJP). As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas
pela Portaria n.º 209/2005 de 24 de fevereiro, Ministério da Justiça, S.I-B, DR n.º 39, p. 1731-1731). Com a apresentação do requerimento o Demandante faz a entrega inicial da quantia de 35,00€, sendo que a sua falta, de acordo com o artigo 4.º do mesmo diploma, determinará a recusa do requerimento inicial. Os restantes 35,00€ de taxa única serão pagos pela parte vencida e tem de ser paga num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da decisão (sob pena de uma sobretaxa de 10,00€ por cada dia de atraso – artigo 8º a 10º da Portaria nº 1456/2001 de 28.12). A final, o julgado de paz reembolsa a entrega inicial de 35,00€ à parte vencedora. 129 Portaria nº 1456/2001 de 28 de dezembro, com as alterações da Portaria n.º 209/2005, de 24 de fevereiro. Caso seja conseguido um acordo no âmbito de uma mediação de conflitos excluída da competência dos julgados de paz, a taxa de justiça é de 25,00€ (artigo 16º, nº 4 da LJP e Despacho nº 8386/2002 in DR, 2ª série, de 24 de abril de 2002). 130 Artigo 40º da LJP e artigos 16.º e 17.º da Lei 30/2004, de 29 de julho e Dec.-Lei nº 391/88, de 26 de outubro, alterado pelo Dec. Lei 112/89, pela Lei 46/96, de 03.09, pelo Dec.-Lei 192/92, de 30.05, pelo Dec.-Lei 133/96, de 13/08 e pelo Dec.-Lei 231/99, de 24-06, Lei 30-E/2000 de 20.12, mantém-se em vigor, em virtude de não ter sido expressamente revogado por qualquer diploma, designadamente pela Lei nº 34/2004, de 29 de julho. 131 À falta de constituição de advogado, aplica-se o regime do artigo 41.º do Código de Processo Civil.
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pessoalmente, pelo funcionário. As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia ou via postal e podem ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do Demandado. Não há lugar à expedição de cartas rogatórias e precatórias (artigo 46.º da LJP). A contestação pode ser apresentada por escrito ou verbalmente, caso em que é reduzida a escrito pelo funcionário, no prazo de 10 dias a contar da citação. Não há lugar à prorrogação do prazo para apresentar a contestação. O Demandante é imediatamente notificado da contestação e, se não o houver sido anteriormente, da data da sessão de pré-mediação (artigo 47.º da LJP). Em caso de irregularidade formal ou material das peças processuais, são as partes convidadas a aperfeiçoá-las oralmente no início da audiência de julgamento. Na audiência de julgamento são ouvidas as partes, produzida a prova e proferida sentença. Não é admissível mais do que um adiamento de audiência ou de sessão de audiência de julgamento, mesmo que por acordo das partes e não é admissível o adiamento da audiência de julgamento por acordo das partes por período superior a 10 dias (artigo 57.º da LJP). Quando o Demandante, tendo sido regularmente notificado, não comparecer no dia da audiência de julgamento nem apresentar justificação no prazo de três dias, considera-se tal falta como desistência do pedido. Quando o Demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideramse confessados os factos articulados pelo autor (artigo 58.º n.º 1 e 2 LJP). Compete à secretaria marcar, sem possibilidade de adiamento, nova data para a audiência de julgamento, dentro dos cinco dias seguintes à apresentação de justificação. Até ao dia da audiência de julgamento devem as partes apresentar as provas que reputem necessárias ou úteis, não podendo cada parte oferecer mais de cinco testemunhas (artigo 59.º LJP). As testemunhas não são notificadas, incumbindo às partes apresentálas na audiência de julgamento. Requerida a prova pericial e ouvida a parte contrária, se o juiz de paz entender que a diligência é pertinente ou não dilatória, manda remeter os autos ao tribunal de 1.ª instância competente, para a produção da prova necessária. Produzida a prova pericial, são os autos devolvidos ao julgado de paz onde a ação corria termos para aí prosseguir o julgamento da causa (artigo 59.º da LJP). A sentença é proferida na audiência de julgamento e reduzida a escrito, e nos processos em que sejam partes incapazes, incertos e ausentes é notificada ao Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente (artigo 60.º da LJP). As decisões proferidas pelos julgados de paz têm o valor de sentença proferida por tribunal de 1.ª instância (artigo 61.º da LJP). Quanto ao recurso das decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância (2.500,01€), podem ser impugnadas por meio de recurso, com efeito devolutivo, a interpor para a secção
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competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz (artigo 62.º da LJP), sendo obrigatória a constituição de advogado (artigo 38.º n.º 3 da LJP). Nos julgados de paz aplica-se subsidiariamente e no que não seja incompatível com a LJP e os seus princípios gerais, o disposto no código de processo civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes (artigo 63.º da LJP, na redação da Lei 54/2013 de 31 de julho). 3. O Juiz de Paz O Juiz de Paz é um “gestor de conflitos”. Deve ser empático, assertivo, ter bom senso, ser um pacificador, ter uma linguagem simples, direta, entendível sobretudo por quem não é letrado. É uma pessoa comum que exerce uma função incomum, um cidadão encarregue de fazer a paz entre cidadãos, que tem o dever de dar o exemplo de respeito e simplicidade e que exerce uma judicatura de paz cumprindo na sua plenitude a função jurisdicional. É um magistrado não judicial que exerce jurisdição, diz o Direito, a quem compete tentar conciliar, mas também julgar e sentenciar. Cardona Ferreira, Presidente do Conselho dos Julgados de Paz, na obra em que anotou a LJP132 entende que “um juiz de paz tem de ser e parecer imparcial e isento, tem de transmitir uma imagem cautelosa e preventiva face à atenção que as posições dos utentes dos julgados de paz têm de merecer. Se o juiz de paz não compreender e não se fizer compreender, pode ser um bom executivo, pode até ser um bom jurista, mas não é com certeza bom juiz e muito menos de paz”. O mesmo Juiz Conselheiro refere “O Juiz de paz só se valoriza se tiver humildade para entender que não é superior às partes, está sim numa função diferente e compete-lhe respeitar a vontade de cada um. O acordo pertence às partes, não ao Juiz”. Dulce Nascimento, que exerceu funções de juíza de paz, escreveu o “Juiz de paz como numa engrenagem, por vezes impõe um movimento uniforme e contínuo entre as partes, com isenção, imparcialidade e equilíbrio, controlando a velocidade com que as mesmas se interrelacionam de forma a ir reduzindo o grau de conflitualidade e aumentando a disponibilidade para o diálogo e obtenção de resolução para os litígios”133. João Sevivas134 refere-se-lhe deste modo “Um bom Juiz não é o que se engrandece em meandros de saber teórico. É-o aquele
Ob. Cit. “Julgados de paz. Organização, competência e funcionamento. O que foram, o que são os Julgados de Paz e o que podem vir a ser”, pág. 141. 133 “Julgados de paz e conciliação: sua importância no paradigma da justiça restaurativa”, Repositório das Universidades Lusíada, dissertação de mestrado, junho de 2013, aprovada em 16.01.2014 (em http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/716/1/md_dulce_nascimento_dissertacao.pdf). 134 Sevivas, João, “Julgados de Paz e o Direito”, Rei dos Livros, Lisboa, 2007. 132
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que se torna grande por uma aplicação correta e oportuna da lei, com simplicidade, clareza e eficácia (...) O mais importante não é a força memorizada da norma, antes a sua aplicação humanizada (...) Os despachos, promoções e sentenças devem deixar de ser tratados de eloquência ou de ser vitrinas de saber teórico, porque se destinam ao cidadão. Devem ser sim, entendíveis, claros, sucintos e ter a grandeza da simplicidade”. O juíz de paz é um juiz não togado, com poderes jurisdicionais e compete-lhe proferir, de acordo com a lei ou equidade, as decisões relativas a questões que sejam submetidas aos julgados de paz, devendo, previamente, procurar conciliar as partes. Não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo, se as partes assim o acordarem, decidir segundo juízos de equidade quando o valor da ação não exceda metade do valor da alçada do julgado de paz (artigo 26.º da LJP). Ao juiz de paz cabe a direção do julgado (artigos 15.º e 42.º da LJP), a conciliação das partes (artigos 26.º n.º 1 da LJP e 594.º do CPC ex vi artigo 63.º da LJP) e a prolação de decisões, no exercício pleno da função jurisdicional (artigos 26.º n.º 1 e 61.º da LJP). Os juízes de paz em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, podendo, no entanto, exercer funções docentes ou de investigação científica, desde que autorizados pelo Conselho dos Julgados de Paz e que não envolvam prejuízo para o serviço (artigo 27.º da LJP). Élhes aplicável subsidiariamente, quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, o regime dos trabalhadores que exercem funções públicas, em tudo quanto não seja incompatível com a lei dos julgados de paz (artigo 63.º da LJP, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho e Lei 35/2014 de 20 de junho). II. A conciliação nos julgados de paz Através da conciliação, as partes de modo informal e com a intervenção de um terceiro (o juiz de paz), tentam encontrar solução para o seu conflito. É a esse terceiro, o juiz de paz, que cabe conduzir o processo conjuntamente com as partes, convidandoas a discutir os pontos divergentes e procurando auxiliá-las a encontrar voluntariamente um acordo (26.º n.º 1 da LJP). Na conciliação esse terceiro, conciliador, tem uma posição mais ativa que o mediador, sendo-lhe permitido propor uma solução para o conflito, o que não sucede quanto ao mediador a quem apenas cabe pôr as partes em diálogo, de modo a que elas próprias cheguem a um entendimento no conflito que as opõe. A conciliação sempre existiu e sempre foi aplicada quer por magistrados judiciais, quer mesmo pelos remotos juízes de paz, tendo lugar quer nos tribunais judicias, quer nos julgados de paz como um ato judicial que se desenrola entre as partes mas perante o juiz, procurando pôr fim ao litígio de forma amigável e orientado pelo
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objetivo de pacificação. A nível estatístico, do 17.º Relatório do Conselho dos Julgados de Paz de 2017, relativamente ao ano de 2016 resultam a nível nacional findos por conciliação 1367 processos (16%) e em 2017 resultam findos pelo mesmo modo 1256 processos (16%). Quanto ao julgado de paz do Agrupamento de Concelhos de Câmara de Lobos e Funchal, no que respeita à conciliação, resulta daquele Relatório que terminaram dessa forma em 2016, 31 processos (7%) e em 2017, 19 processos (7%). III. A mediação A mediação pode e deve ser vista como um conjunto de fases, sucessivas e interligadas: partilha, busca de soluções e, finalmente quando bem sucedida, acordo. “Mediação” deriva do termo latino mediar e à letra significa se interpor, que tem lugar num conflito latente, emergente ou manifesto em que as pessoas envolvidas sintam dificuldade em preveni-lo, é como que um processo intermédio entre a conciliação e a arbitragem, pois implica a intervenção de um terceiro que, no entanto, não tem poder para resolver o litígio. A mediação carateriza-se por ser realizada por um mediador, ter caráter confidencial e facultativo, sendo diferente por isso da conciliação (feita por um juiz com poder de decisão, uma fase obrigatória e não confidencial). O objetivo primordial da mediação é fomentar o diálogo entre as partes em litígio, de modo a que estas exponham os problemas e as suas motivações enquanto participantes, de modo a que os mediadores obtenham uma compreensão precisa do foco do conflito e dos reais interesses a serem satisfeitos. Muitos dos que escrevem sobre o tema da mediação entendem ser de considerar não só o conflito apresentado, visível, como também o subjacente, as verdadeiras motivações e os interesses das partes em diálogo. Identificada a causa do conflito, as partes poderão em conjunto procurar encontrar o acordo que as aproximará e que resolverá a questão, através de uma solução mutuamente consensual e que seja estruturada de modo a desejavelmente manter a continuidade das suas relações. Trata-se de uma forma de solução extrajudicial de litígios, que se revela extremamente adequada para situações em que as partes opositoras têm de manter o seu relacionamento no futuro, ou por motivos de vizinhança, ou por motivos familiares, procurando, mais do que resolver apenas o conflito latente no momento, resolver antes o conflito em termos futuros. Subjacente à mediação está a noção de que ninguém há melhor do que as próprias partes para resolver convenientemente o litígio que as opõe, cabendo ao mediador apenas estimular o diálogo e não impor qualquer tipo de solução, não existindo no desfecho do conflito qualquer intervenção por parte do Estado. Muitas vezes as partes tendem inicialmente nas sessões de mediação a apresentar-se com um espírito competitivo e adversarial, como quando recorrem ao tribunal para obter uma solução no conflito, porém,
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gradualmente, as partes vão além do que aparenta ser o problema que as opõe, obtendo os mediados uma visão global do problema, emergindo os motivos que inicialmente se encontravam submersos e que ninguém pretendia revelar como sendo os verdadeiros motivadores do conflito que emergiu logo desde o início. A mediação, enquanto procedimento, visa proporcionar um espaço de diálogo e de investigação dos problemas e das motivações dos participantes, para que os mediados alcancem uma clara compreensão do conflito e dos reais interesses a serem satisfeitos. Apresenta inúmeras vantagens em relação aos restantes meios alternativos, nomeadamente, por ser amigável e conducente à paz social e estimular a autodeterminação. Hoje a mediação está espalhada pela empresa, pela escola, pela família, pelo trabalho e pelo penal. A mediação de conflitos, encontra-se regulada na Lei 29/2013 e, pela publicação da Portaria 344/2013 de 27 de novembro. Nos termos do artigo 13.º da Lei 29/2013 as partes podem previamente à apresentação de qualquer litígio em Tribunal recorrer à mediação de conflitos, suspendendo-se os prazos de caducidade e de prescrição a partir da data em que for assinado o protocolo de mediação. Como Jorge Macieira, entendemos que “na Mediação de Conflitos as partes podem sair da lógica do jogo da corda, em que o ganho de um equivale à perda do outro, e abraçar a da colaboração em que ambos puxam para o mesmo lado. Porque em Mediação a criatividade é admitida e muito bem acolhida, porque é permitido às partes pensar fora-da-caixa, porque lhes foi permitido descobrir e explorar os interesses de um e de outro, em conjunto poderão descobrir suficientes pontos de encontro entre os interesses de ambos para construir uma solução que satisfaça ambos de igual forma”. 3.1.
A mediação nos julgados de paz
O artigo 2.º a) da Lei nº 29/2013 de 19 de Abril prevê “«mediação» a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos.”135 Nos julgados de paz o sistema público de mediação, criado pela LJP, assumiu uma dupla natureza: enquanto fase processual dentro da tramitação136 e a resolução pelos serviços de mediação de quaisquer litígios
Em anotação ao artigo 2.º da Lei 29/2013 de 19 de abril, Dulce Lopes e Afonso Patrão, “Lei da Mediação Comentada”, 2.ª Edição, Almedina, 2016, entendem que “Na Lei n.º 29/2013, porventura distanciando-se da definição adoptada no diploma dos Julgados de Paz, o legislador optou inequivocamente pela acepção ampla, abdicando da menção à confidencialidade como atinente à própria noção de mediação – embora a afirme enquanto princípio de observância necessária”. 136 Paula Costa e Silva, “A nova face da justiça - os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias”, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 32, chama-lhe “mediação endojudicial.” 135
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suscetíveis de serem mediáveis, ainda que não abrigados na competência material dos julgados de paz. Pelos serviços prestados nos julgados de paz os mediadores são remunerados137, sendo-lhe devidos 25,00€ por cada sessão de pré-mediação, e pelo serviço de mediação é-lhe devida remuneração de 110,00€ (caso o processo seja concluído por acordo das partes através da mediação) ou 90,00€ (quando as partes não cheguem a acordo através da mediação). O número de pré-mediações e mediações, assim como a indicação de se ter ou não logrado o acordo, é mensalmente comunicado pelos serviços dos julgados de paz à Direção Geral da Política da Justiça que procede ao pagamento da remuneração devida aos mediadores. A Lei 54/2013 de 31 de julho revogou vários artigos da LJP, atendendo à entrada em vigor da Lei n.º 29/2013 de 19 de abril que estabeleceu os princípios gerais aplicáveis à mediação138 em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública. Como anotam Dulce Lopes e Afonso Patrão139, “na verdade, o panorama normativo da mediação era, até à entrada em vigor da presente lei, assaz distinto: assistíamos a uma regulação detalhada dos sistemas públicos de mediação (especializada - familiar, laboral e penal - e nos julgados de paz) e a um vazio legal quase completo no que dizia respeito à mediação privada. Ademais, subsistiam muitas questões por resolver (como a eficácia da convenção de mediação ou o regime jurídico do levantamento da confidencialidade na mediação) e questões controvertidas (como a da executoriedade do acordo obtido em mediação ou a do padrão da homologação)”. Tal como resulta em relação à sentença proferida na fase de julgamento, também em relação ao acordo homologado por sentença na fase de mediação não existe a possibilidade de execução no próprio julgado de paz, tendo isso sim as partes de recorrer a uma ação executiva junto dos tribunais judiciais. A Portaria n.º 1112/2005 de 28 de outubro aprovou o regulamento que disciplina a organização e o funcionamento dos serviços de mediação disponíveis nos julgados de paz e estabeleceu as condições de acesso aos mesmos, bem como as regras por que deve pautar-se a atividade dos mediadores de conflitos, revogando a Portaria n.º 436/2002, de 22 de abril. Retira-se do artigo 16.º, n.º 1 da LJP que, nos julgados de paz coexistem a mediação (que o regime legal assume como objetivo e que lhe confere contornos não adversariais e de
Despacho do Secretário de Estado da Justiça n.º 22, 312/2005 (2.ª série), de 14 de outubro de 2005, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de outubro de 2005. 138 Os princípios da mediação encontram-se previstos no Capítulo II da Lei 29/2013 de 19 de abril, nos artigos 3.º a 9.º enunciando-se como voluntariedade (artigo 4.º), confidencialidade (artigo 5.º), igualdade e imparcialidade (artigo 6.º), independência (artigo 7.º), competência e responsabilidade (artigo 8.º), executoriedade (artigo 9.º) 139 ob. cit., p. 5. 137
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pacificação social) fase que é conduzida pelo mediador de conflitos e a via contenciosa, ou seja o julgamento propriamente dito, realizado pelo juiz de paz. Aquando da apresentação do requerimento inicial o cidadão, agora Demandante, é informado sobre a fase de mediação, questionando-o o técnico de atendimento se pretende indicar um mediador de conflitos, ou se o quer indicar entre os que se encontram a prestar serviços naquele julgado de paz (artigos 33.º n.º 1 e 51.º, n.º 2 da LJP e artigo 9.º do Código de Ética e Deontologia dos Mediadores de Conflitos). Após a sua indicação ou escolha, o mediador tem de ser aceite pelo Demandado, sendo assim uma escolha consensual. Assim, se o Demandante não declinar imediata e expressamente qualquer possibilidade de mediação, inicia-se a fase da pré-mediação (artigos 49.º e 50.º da LJP e artigo 16.º da Lei 29/2013 de 19 de abril), sendo notificado sobre a data da referida sessão (artigo 43.º, n.º 7 da LJP) assim como é a mesma transmitida ao Demandado no ofício da citação que lhe é feita (artigo 45.º da LJP). Acresce que às partes é comunicado que poderão obter esclarecimentos caso pretendam alterar a data e hora da sessão de pré-mediação. Na pré-mediação transmitem-se às partes os objetivos da mediação e auscultam-se para a possibilidade de acordo, assim como se procede à assinatura de um protocolo de mediação caso se conclua existir essa disponibilidade (artigo 16.º da Lei 26/2013 de 19 de Abril). A mediação terá lugar nas instalações (sede) do julgado de paz (artigo 51.º, n.º 3 da LJP), podendo até, caso seja possível, ter lugar de imediato (artigos 49.º, n.º 2 in fine e 50.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1 da LJP), sob a orientação do mediador140. Na sessão de mediação podem estar presentes as partes, que se podem fazer acompanhar ou representar por advogados, advogados estagiários ou solicitadores, e/ou outros técnicos (artigo 18.º da Lei 29/2013 de 19 de abril). Se, pelo contrário, a auscultação para a “paz” resultar negativa (quando se não obtenha acordo, quando se verifique a desistência de qualquer das partes, quando o mediador de conflitos, fundamentadamente, assim o decida, quando se verifique a impossibilidade de obtenção de acordo, tudo nos termos do artigo 19.º da Lei 29/2013 de 19 de abril), o mediador remete o processo ao juiz de paz para que este designe data para julgamento (artigo 50.º, n.º 3 da LJP). Caso o acordo (cujo conteúdo será livremente fixado pelas partes e é reduzido a escrito nos termos do artigo A condução da mediação é feita pelo mediador (arts. 35º, nº3 e 53º, nº 6 da LJP), enquanto profissional independente, neutro, imparcial, desprovido de poderes de imposição, habilitado a prestar serviços de mediação, em colaboração com os julgados de paz, mediante a sua inscrição em lista (Portaria 1005/2001, de 18 de agosto, artigo 35.º, n.º 2 da LJP), podendo as partes ser assistidas por advogados, peritos ou técnicos (artigo 53.º, n.º 5 da LJP). Segundo Zulema D. Wilde e Luis M. Gaibrois, in “O que é a mediação”, Ministério da Justiça – Direção Geral da Administração Extrajudicial, Agora Publicações, 2003, pág. 66 “ há que concordar que, no mínimo, devem ser sensatos, serenos, perceptivos, pacientes, predispostos a escutar, criativos e desprovidos de sentimentos de omnipotência (…) deve ainda, entre muitas outras condições, ter capacidade para poder identificar os temas, traduzir a posição das partes em bens, princípios e relações em jogo e saber reconhecer os interesse e assuntos comuns”. 140
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20.º da Lei 29/2013 de 19 de abril) seja alcançado, o juiz de paz homologá-lo-á (a não ser que o entenda não homologável) e conferir-lhe-á força de sentença (artigo 56.º da LJP e 14.º da Lei 29/2013 de 19 de abril). O acordo obtido, com a sentença homologatória que preferencialmente deverá ser proferida de imediato e perante as partes, terá então força vinculativa, força essa que resultará, não só do facto de ser homologado pelo juiz de paz, quando celebrado no âmbito de um processo que corra termos num julgado de paz, mas essencialmente pelo facto de resultar da vontade das partes o que muitas vezes leva a que estejam mais motivadas em cumpri-lo. A audiência de julgamento ocorrerá quando uma das partes tenha expressamente afastado a possibilidade da pré-mediação (artigo 49.º, n.º 1 da LJP), não houver acordo das partes no decorrer da mediação (artigo 50.º, n.º 3 da LJP), uma das partes faltar à sessão de pré-mediação ou de mediação e não justificar a falta (artigo 54.º, n.º 1 da LJP), houver desistência da mediação (artigo 55.º da LJP), as partes não chegarem a acordo na mediação (artigo 56.º, n.º 2 da LJP) ou quando o Demandado seja ausente ou incerto. Da nossa curta experiência (desde 25.07.2017 até ao presente) como juíza de paz no Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Câmara de Lobos e Funchal e pugnando pela homologação imediata e presencial do acordo quando ele é logrado (entendendo que o desiderato legislativo visado é o de agilizar ao máximo a tramitação dos processos nos julgados de paz), resulta que, regra geral, Demandante e Demandado não sentem na fase de mediação o mesmo “peso” da aproximação do momento de produção da prova e da sentença, como sucede na conciliação. Na sala de mediação o ambiente é descontraído, as partes mesmo desavindas tendem ao diálogo, a procurar entender o “porquê” do outro. O juiz de paz é recebido e acolhido quer pelos mediados quer pelo mediador e o facto de levarem consigo cópia do acordo celebrado, parece diminuir, ou até sanar por completo o conflito. Do 17.º Relatório Anual do Conselho dos julgados de paz de 2017141, resulta que a eficácia da mediação em 2016 se traduz em 8463 processos findos, em que houve recusa de mediação em 3362142 e tendo-se realizado a mediação em 2327, foram obtidos 1241 acordos, com eficácia da mediação de 53%. Relativamente ao ano de 2017 dos 7668 processos findos, em que houve recusa de mediação em 47 e tendo-se
Aprovado pela Deliberação n.º 24/2018, na Sessão de 27 de abril de 2018 do Conselho dos Julgados de paz, disponível para consulta no site do Conselho dos Julgados de Paz (http://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/). 142 Sendo que de acordo com o mesmo Relatório (p. 36), em 2016 a recusa se verificou em 2530 processos (30%) pelo Demandante, em 699 (8%) processos pelo Demandado e na pré-mediação em 133 processos (2%). Já relativamente ao ano de 2017, as recusas pelo Demandante foram feitas em 2043 processos (27%), pelo Demandado em 633 processos (8%) e na pré-mediação em 82 processos (1%). 141
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realizado a mediação em 2120, foram obtidos 1133 acordos, com eficácia da mediação de 53%. No concreto do julgado de paz do Agrupamento de Concelhos de Câmara de Lobos e Funchal, realidade que melhor conhecemos, em 2016 dos 438 processos findos, foram realizadas 152 mediações, sendo obtidos 123 acordos, com uma eficácia de 81%. No ano de 2017 dos 275 procesos findos, foram realizadas 109 mediações, sendo obtidos 91 acordos, com uma eficácia de 83%. Os dados, por si, revelam o êxito do sistema de mediação a nível nacional e no concreto do agrupamento que coordenamos. O mediador é fundamental na gestão construtiva do conflito e na preservação das relações interpessoais. É um estimulador do envolvimento, da reflexão, da visão do conflito sob a perspetiva da solução cooperativa e consensual, anulando as diferenças entre os mediados. Pela pós graduação em mediação de conflitos e sendo membro do Groupment Européen des Magistrates pour la Médiation (GEMME)143 cedo ganhamos a consciência das “entranhas” e “sentires” dos mediados, da importância da mediação, do quão relevante é o facto de serem as partes a elaborar os termos do seu acordo e de que é este serviço, presente em cada julgado de paz uma indubitável mais-valia que contribui para a pacificação do conflito e a sua erradicação (neste mesmo sentido, entre muitos outros, os autores, Cunha & Leitão, 2012; Cunha & Lopes, 2011; Folberg & Taylor, 1992; Serrano, 1996). Por Lurdes Guerra e Pedro Cunha foi elaborado um estudo144 , intitulado “A mediação nos julgados de paz: perspetivas de alguns atores da justiça em Portugal” com uma amostra de 70 pessoas, em 25 julgados de paz, que procurou analisar alguns aspetos da realidade da mediação de conflitos concluindo que “Quanto ao serviço de mediação, é praticamente unânime a perceção relativamente à sua utilidade (91,5% do total dos sujeitos da amostra), não variando em função nem do tempo de experiência profissional, nem da atividade exercida pelos inquiridos”. Mais recentemente (16.05.2018) foi feita uma sondagem através da internet a uma amostra de 1009 franceses com mais de 18 anos, nos dias 28 e 29 de março de 2018,
intitulada
“La
médiation,
une
procédure
connue,
appréciée
et/MAIS
insuffisamment développée”145 e que teve uma participação de 82%. A referida
Associação europeia, com secções em cerca de 20 países e sede em França sendo a secção portuguesa presidida pela Sr.ª Juíza Desembargadora Albertina Pereira e de que o Sr. Juiz Conselheiro Cardona Ferreira foi já Presidente, pertencendo atualmente ao Conselho de Administração. 144 Centro de Investigação em Ciências Sociais, Revista de Sociologia, Trabalho e Justiça, 13, 2014. pp. 119-131, consultavel em https://journals.openedition.org/configuracoes/2461. 145 Sondagem feita pela associação pluridisciplinar tolusaine de mediadores ad hoc publicada em 16.05.2018 em http://www.odoxa.fr/sondage/mediation-procedure-connue-appreciee-insuffisammentdeveloppee/ . 143
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sondagem teve como principais conclusões o facto de a mediação gozar de uma boa imagem entre 83% dos franceses e que 86% lhe reconhecem inúmeras vantagens, como a redução dos custos judiciais e a celeridade quando comparada com as longas batalhas jurídicas. Por outro lado, 48% dos inquiridos escolheram entre as respostas possíveis, que a forma mais eficaz de desenvolver a mediação em França seria propôla sistematicamente às partes que se encontrassem em conflito antes de ser submetida ao tribunal. 3.2.
Mediação extra competência
No caso em que, por qualquer motivo, a causa extravasa a competência do julgado de paz (competência territorial, em razão da matéria ou do valor), dispõe o artigo 16.º n.º 3 da LJP, na redação da Lei 54/2013 de 31 de julho (com produção de efeitos a partir de 18.05.2013) que ainda assim o serviço de mediação é competente para mediar, desde que obviamente as partes assim o pretendam. Contrariamente às matérias que estão materialmente abrangidas pelo artigo 9.º da LJP, neste caso o acordo não será submetido à homologação pelo juiz de paz. José António de França Pitão e Gustavo França Pitão146, anotam o n.º 3 do artigo 16.º da LJP no sentido de que “(…) o legislador foi mais longe, tentando impulsionar a resolução de conflitos sem o recurso à via judicial. Assim, o serviço de mediação junto do julgado de paz assume natureza funcional autónoma, na medida em que, conforme estabelecido no n.º 3 deste artigo, tem competência para mediar quaisquer litígios que possam ser objeto de mediação, ou seja, todos aqueles em que o objeto do litígio esteja na disponibilidade das partes, na medida em que não colidam com direitos indisponíveis. E essa competência extravasa os litígios que estão dentro da competência dos julgados de paz, permitindo, portanto, que estes serviços possam mediar litígios que, futuramente, gorado o acordo, irão ser discutidos e decididos nos tribunais comuns.” A nossa ainda, repetimos, curta experiência é a de que, no julgado de paz onde exercemos funções, predomina aquela que se insere no âmbito das matérias previstas no artigo 9.º da LJP, com as alterações introduzidas pela Lei 54/2013 de 31 de julho). Entendemos que o fenómeno da pouca adesão à mediação extra competência nos julgados de paz se deve ao desconhecimento dos utentes, concordando com o Juiz Conselheiro, Cardona Ferreira, Presidente do Conselho dos julgados de paz quando afirma que “ninguém pode não gostar do que não conhece”.
146
“Lei dos Julgados de Paz Anotada”, Quid Juris Sociedade Editora, 2017, p. 132.
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mestrado,
junho
de
2013,
aprovada
16.01.2014
(em
http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/716/1/md_dulce_nascimento_dissertacao .pdf) Pitão, José António de França e Pitão, Gustavo França, “Lei dos Julgados de paz Anotada”, Quid Juris Sociedade Editora, 2017. Sevivas, João “Julgados de paz e o Direito”, Rei dos Livros, Lisboa, 2007. Silva, Paula Costa e, “A nova face da justiça-os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias”, Coimbra Editora, Coimbra, 2009. Six, Jean-François, “Dinâmica de la Mediación”, Editorial Paidós Barcelos, Espanha, 1997. Torremorell, Maria Carmen Boqué, “Cultura de Mediação e Mudança Social”, coleção ciências da educação século XXI, Porto Editora, 2008. Vargas, Lucia Dias, “Julgados de paz e Mediação, Uma Nova Face da Justiça”, Almedina, 2006. Wilde, Zulema D. e Gaibrois, Luis M., “O que é a mediação”, Ministério da Justiça – Direção Geral da Administração Extrajudicial, Agora Publicações. Recursos legislativos Código de Ética e Deontologia dos Mediadores de Conflitos. Constituição da República Portuguesa.
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ad
hoc
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