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ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XVI Nº 68 Janeiro/Fevereiro/Março 2010 ISSN 0104-8503


Bem Estar

Devido a mudanças ocorridas no sistema de informações do Ministério das Relações Exteriores, solicitamos que os associados informem o novo endereço eletrônico para que possamos atualizar a lista para envio de nossa correspondência.


Carta aos Associados

Quero deixar aqui registrados meus melhores agradecimentos aos colegas e amigos pela honra que me conferiram de ser presidente da ADB. Assumo este cargo com o firme propósito de dar continuidade ao trabalho realizado por meus predecessores e desenvolvê-lo em tudo quanto for possível. Uma de minhas principais ambições é a de poder contar com a mais ampla colaboração das jovens gerações de diplomatas e, por meio dessa cooperação, fazer que a ADB alcance dinâmica maior na realização dos objetivos enumerados no seu Estatuto Constitutivo. Nesse sentido, creio oportuno relembrar os termos do artigo 4º desse Estatuto: “A ADB tem por objetivo defender os interesses dos diplomatas brasileiros, como categoria profissional, podendo para isso: i. realizar gestões junto à Chefia e setores do Ministério das Relações Exteriores; ii. realizar gestões junto a outros setores do governo federal, assim como dos governos estaduais ou municipais; congressistas; reitores de universidades e diretores de outras instituições de ensino; diretores ou representantes de organizações e empresas privadas, no Brasil ou no exterior. iii. dar conhecimento ao Ministério das Relações Exteriores do pensamento predominante entre os associados a respeito de temas do seu interesse; iv. distribuir ou publicar notas informativas à imprensa, quando as circunstâncias o tornarem imperativo; v. promover intercâmbio com organizações brasileiras e estrangeiras interessadas nas disciplinas e temas relevantes para o serviço diplomático ou consular e a vida dos diplomatas brasileiros e seus familiares; vi. contribuir, direta ou indiretamente, para facilitar a adaptação no Brasil dos diplomatas removidos do exterior para a Secretaria de Estado das Relações Exteriores e seus familiares; vii. promover, direta ou indiretamente, a representação, no Brasil, dos interesses dos diplomatas que estiverem servindo no exterior; viii. sugerir ao Itamaraty a promoção de atividades de treinamento ou aperfeiçoamento em técnicas, procedimentos e temas que sejam relevantes para os diplomatas brasileiros; ix. instituir bolsas de estudos, fundos de previdência e outras facilidades para seus associados, mediante aprovação da Assembleia Geral. x. representar os seus filiados, servidores em atividade, aposentados ou pensionistas, em âmbito nacional, defendendo os seus interesses e direitos, judicial ou extrajudicialmente, individual ou coletivamente, na qualidade de representante ou substituta processual, podendo, para tanto, constituir advogado com todos os poderes e firmar contrato de honorários”. No que se refere ao Boletim da ADB, acredito que sua distribuição possa atingir público acadêmico mais abrangente, nele incluindo entidades estrangeiras, tais como estabelecimentos de ensino da língua portuguesa, instituições de estudos de temas brasileiros e/ou latino-americanos e bibliotecas afins. Quanto mais informativo for o Boletim, mais amplo será o aproveitamento de suas matérias por parte de nossas Missões Diplomáticas e nossas Repartições Consulares, no tão importante âmbito de suas atividades de divulgação externa. A ADB continuará acompanhando de perto as ações judiciais em andamento e informando seus associados. Ao reiterar aos meus colegas e amigos meus melhores agradecimentos, recorro à valiosa e indispensável colaboração de todos os associados da ADB, para o bom desempenho das tarefas de que fui incumbido Guy M. de Castro Brandão Presidente da ADB

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Por Dentro da ADB

Artigo

Artigo

Ensaio

Bem Estar

4 No início de

6 O PhD em

12 Em janeiro

14 Como parte da

fevereiro, durante a XVIII Assembléia Geral da ADB, foi eleito o novo presidente da instituição, o embaixador Guy Brandão. Na assembléia discutiu-se também posicionamentos em relação ao SindItamaraty

Ciências Políticas Marco Bavaglio avalia que o debate eleitoral neste ano não poderá ignorar temas da política externa brasileira como a ajuda humanitária prestada pelo País ao Haiti e a preparação para a Copa do Mundo e Olimpíadas

completou-se um século da morte do abolicionista, político, escritor e diplomata Joaquim Nabuco, ainda hoje um dos grandes nomes da intelectualidade brasileira

comemoração do cinqüentenário de Brasília, equipe do Boletim da ADB selecionou imagens de três fotógrafos que capturaram a luz da capital com sensibilidade e poesia

ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XVI Nº 68 Janeiro/Fevereiro/Março 2010 ISSN 0104-8503

Capa

8 Trocar as praias do Rio de Janeiro

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para o cerrado do Planalto Central não estava nos planos da maior parte dos diplomatas na década de 60. Mesmo com a resistência, o Ministério das Relações Exteriores mudou de endereço em uma história cheia de curiosidades


Artigo

Made in Brazil

Prata da Casa

18 As Exposições

22 Aos 80 anos,

24 Na Europa, nos

27 Nesta edição,

Mundiais já foram vitrines do poderio industrial e tecnológico das grandes potências. Atualmente são palcos de marketing nacional e promovem a divulgação da cultura e o debate acerca de temas internacionais

o embaixador Marcelo Raffaelli, voltou a morar nos Estados Unidos, onde pretende aproveitar a estrutura de pesquisa norteamericana para estudar

Estados Unidos e agora na Ásia, a Embrapa participa de pesquisas para desenvolver tecnologia agrícola de ponta. Na África, compartilha conhecimento e ajuda a desenvolver a produção em mais de dez países

O novelo, de Jorge Sá Earp e Recordações de um Removedor de mofo no Itamaraty: relatos de política externa de 1948 à atualidade, de Ovídio de Andrade Melo

Entrelinhas

Exposições Mundiais

Bem Estar

Convênio com creche “Enquanto o Ministério das Relações Exteriores não tem uma creche própria, a ADB tomou a iniciativa de firmar, em 16 de setembro de 2009, convênio com a creche Canarinho. O convênio vale para as três unidades da creche, que ficam nos seguintes endereços: W5, quadra 906 Sul (3244-3950), SQS 212/412 Sul (3345-0222) e SQN 208/408 Norte (3347-7776). Os associados terão direito a 10% de desconto, caso efetuem o pagamento em dia. Com atraso, o desconto será de 5%. Mesmo quem já tem filhos na Canarinho poderá solicitar o convênio, que, contudo, não terá caráter retroativo.” B o l e t im da A D B | 3


Po r d e n t r o d a A D B

Eleito

em fevereiro

novo presidente da

ADB Lívia Barreto

Mudança foi necessária, pois o antigo ocupante do posto, embaixador Luiz Brum, assumiu cargo no SindItamaraty

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a XVIII Assembleia Geral da ADB, ocorrida no dia 03 de fevereiro, foi eleito o novo presidente da instituição, o embaixador Guy M. de Castro Brandão. A nova eleição aconteceu pois o agora ex-presidente da ADB, embaixador Luiz Brum, passou a ocupar no final de 2009 a posição de secretário-geral do recém-

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criado SindItamaraty e não achou conveniente exercer os dois cargos simultaneamente. O novo presidente acredita que o mandato que inicia será tranquilo, mesmo com as discussões acerca da criação do referido sindicato. Durante a assembleia, o tema foi debatido por todos os presentes, que pesavam vantagens e eventuais desvantagens da

existência de uma instituição para a defesa dos interesses dos diplomatas. A posse do embaixador Brandão foi comemorada com um almoço dos integrantes da diretoria da ADB, na sexta-feira, 5 de fevereiro. O encontro foi descontraído, um bom indício da tranquilidade esperada pelo embaixador Guy Brandão nos próximos 12 meses.


Por dentro da ADB

Conheça o novo presidente da ADB Destacamos alguns dos principais momentos da carreira do embaixador Guy Brandão Lívia Barreto

O novo presidente da ADB fez parte do serviço diplomático brasileiro por 42 anos, até se aposentar, em 1998. Guy M. de Castro Brandão, brasileiro nascido em Paris em 1929, prestou o concurso para o Instituto Rio Branco, pois pretendia seguir o caminho já percorrido por outros integrantes de sua família, entre eles o pai, Roberto de Castro Brandão, oficial de chancelaria, e o primo, embaixador Mario de Pimentel Brandão. “Sempre acreditei no futuro do Brasil e ouvia os diplomatas da família conversarem sobre a projeção do País no exterior. Achava que poderia participar desse trabalho”, conta ele. Participou com muita disposição e trabalho em prol das relações internacionais brasileiras. Ainda como terceiro-secretário, em 1961, Brandão chegou a viver dias de pedreiro, ao carregar tijolos e cimento junto com os colegas que, por falta de verbas, precisaram construir com as próprias mãos um pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Lima, no Peru. Em 1974, foi assessor de imprensa do Itamaraty em plena ditadura militar. Enquanto os outros ministérios estavam fora do alcance da artilharia da imprensa, o MRE era um pouco mais vulnerável ao assédio da mídia. “Os jornalistas descontavam em cima de nós naquela época. Mas

até hoje, continuo amigo daqueles que cobriam o Itamaraty”, lembra o diplomata, rindo. Brandão destaca ainda o período em que foi embaixador em Quito. Em seu primeiro ano de trabalho, ele e sua equipe trabalharam duro e aumentaram em 50% as exportações de produtos brasileiros para o Equador. No ano seguinte, o aumento foi de 100%. Quando de uma visita oficial, o então chanceler Saraiva Guerreiro elogiou o trabalho de Brandão e de sua equipe: “Você colocou Quito no mapa”. Um assunto que o preocupa, desde o início da carreira, é a questão da imagem do Brasil no exterior. “Por incrível que pareça, em 42 anos de carreira, nunca con-

segui levar adiante esse projeto. Quando era ministro, meu grande chefe e grande amigo, embaixador Antônio Francisco Azeredo da Silveira, depois de muita insistência minha disse “Basta! Cria a tua divisão de divulgação. Criou-se a divisão, que tinha por sigla DDI, como se fosse a Discagem Direta Internacional”. Mas durou pouco. “Fui removido para o exterior e pouco tempo depois a chamada ‘mania do Guy Brandão’ foi, infelizmente, extinta. É uma pena, pois todas as chancelarias de países do peso do Brasil, com exceção dele próprio, dão à divulgação externa especial atenção, ja que a imagem de um país reflete-se em todos os seus interesses presentes e futuros no mundo”, pondera Brandão. B o l e t im da A D B | 5


Artigo

A política externa nas eleições presidenciais de 2010 Divulgação/ABr

T

ema geralmente secundário nas campanhas presidenciais em todos os tempos, não apenas no Brasil, a política externa pode, em 2010, ocupar posição central no debate préeleitoral, e não só momentaneamente, como ocorreu em 2006 em relação a alguns episódios mais marcantes (como a nacionalização do petróleo e do gás na Bolívia, por exemplo). Paradoxalmente, a política externa pode se situar no centro de alguns debates políticos entre o candidato da oposição e o, ou a, representante do governo, seja por boas ou más razões, tantos são os motivos para que a diplomacia do governo Lula seja, ao mesmo tempo, apreciada e criticada, em aspectos por vezes complexos e de difícil compreensão para o eleitor comum. É fato que a importância global do Brasil tem aumentado, e isso não se deve apenas à ação do governo, ou ao charme (muito pouco discreto) do presidente Lula. O Brasil 6 | B o l e t im da A D B

foi, de 2003 a 2008, intensamente beneficiado pelo crescimento da economia mundial, aumentando significativamente suas exportações – aliás mais em valor do que em volume, devido à elevação dos preços das commodities exportadas – e acolhendo fluxos consideráveis de investimentos estrangeiros. A sensata manutenção das mesmas linhas da política econômica da administração anterior pelo presidente Lula – a despeito de críticas mais emocionais do que racionais de seus próprios partidários, ainda presos a velhas receitas que nunca funcionaram – permitiu a estabilidade de que o Brasil necessitava para consolidar uma imagem de seriedade e responsabilidade na gestão macroeconômica, que se distinguiu das percepções que, no passado, os mesmos investidores estrangeiros mantinham sobre o País. Não ocorreram aqui os rompantes estatizantes da Venezuela, nem o enfrentamento com os mercados internacionais, como na Argentina.

A política externa, especificamente, tem sido especialmente ativa, projetando o Brasil, e especialmente o presidente Lula, em quase todos os foros e instâncias de maior relevância global: negociações comerciais multilaterais, meio ambiente, combate à pobreza, ajuda humanitária, com uma possível exceção nos temas de segurança, em que a presença do Brasil sempre foi menos significativa. Apesar de ter criticado seu antecessor pelo número de viagens internacionais, não existe nenhuma dúvida de que o presidente Lula bateu todos os recordes em matéria de viagens e visitas presidenciais, em um ritmo que será dificilmente superado ou nem sequer igualado por qualquer presidente que se eleja no futuro: se esses périplos internacionais foram, ou não, positivos para o Brasil, apenas uma análise qualitativa mais acurada pode determinar, mas eles foram certamente decisivos para a imagem pessoal do presidente, que se viu distinguido diversas vezes


Artigo

no cenário mundial por prêmios e homenagens diversas. Os críticos, todavia, não deixarão de sublinhar o surpreendente apoio do Brasil a regimes autoritários e violadores dos direitos humanos – como Cuba ou o Irã, por exemplo – ou a amizade entretida pelo próprio presidente com candidatos a ditadores, como Hugo Chávez. Talvez nem tão surpreendente assim, se levada a conta a tendência do partido do presidente a se alinhar com regimes de esquerda, supostamente “anti-imperialistas”: o atraso político desse tipo de atitude do PT é um prato feito para a oposição, que poderá ressaltar a mudança de voto do Brasil nos principais foros multilaterais do sistema de direitos humanos, abandonando seu prudente abstencionismo do passado – quando se dizia que o Brasil não queria “politizar” o assunto – para apoiar objetivamente algumas das ditaduras mais desprezíveis nesse campo. De fato, os mesmos críticos poderão ressaltar o fato de que a política externa era, no passado, conduzida em termos bem mais profissionais pelo próprio Itamaraty, quando agora ela tem parte de sua agenda determinada pela visão estreita de um partido de esquerda que ainda acredita estar vivendo em um mundo dividido entre o “grande capital monopolista internacional” e os “países periféricos”. A mesma oposição poderá ainda levantar a questão do excesso de tolerância demonstrado em relação às constantes violações das regras do Mercosul pela Argentina – com salvaguardas extensivas aplicadas a produtos brasileiros sem justificativa ou apoio no quadro jurídico do bloco ou até nos códigos comerciais

Os desafios que se colocam ao Brasil em termos de organização, de infraestrutura e de equilíbrio fiscal, para enfrentar os encargos dos próximos anos, são enormes da OMC – ou ainda a falta de cuidado com o ingresso da Venezuela no mesmo bloco, sem atender a todos os requisitos da união aduaneira e dificilmente defensável no plano democrático. A candidata governista poderá argumentar com os interesses de longo prazo do Brasil, que ultrapassam conjunturas políticas ou lideranças do momento, mas esse tipo de problema pode azedar novamente os debates que serão feitos em torno da questão. O governo simplesmente não parece ter incorporado a dimensão moral das relações internacionais na atualidade, e suas exigências para as diplomacias nacionais de países que requerem não só respeito, mas aprovação externa. Outras questões, de natureza mais complexa, podem ficar à margem dos debates, pelas dificuldades naturais de tratá-los com o eleitor comum, mas o cidadão mais educado poderia se interessar por elas. São basicamente três: a problemática do aquecimento global – na qual persistem muitas dúvidas sobre a realidade do fenômeno –, a própria crise internacional e os remédios que estão sendo elaborados para combatê-la – e o Brasil integra decididamente o bloco dos “regulacionistas” dos mercados financeiros, com uma posição bem mais cautelosa por partes dos países que abrigam esses mesmos mercados – e a questão do enorme comprometimento do Brasil com ajuda humanitária internacional,

especialmente em relação ao Haiti – quando os críticos poderão apontar para as imensas necessidades da própria população pobre ou atingida por catástrofes no Brasil, que não tem sido contemplada com igual generosidade. Em todas elas, o governo poderá argumentar com o aumento do prestígio e a importância renovada do Brasil nesses campos, com o dever de solidariedade em face de catástrofes tão gigantescas e, também, fazer um pouco de demagogia em torno do fato de que o Brasil está “emprestando” dinheiro para o FMI (mas deixando convenientemente de lado o enorme custo fiscal de carregar reservas tão exageradamente altas, que agravam a situação da dívida pública interna). Ele poderá ainda se vangloriar de ter trazido a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016) para o Brasil, como sinais inequívocos do prestígio do País, e do próprio presidente, no plano internacional. Tudo isso é real, mas os desafios que se colocam ao Brasil em termos de organização, de infraestrutura e de equilíbrio fiscal, para enfrentar os encargos dos próximos anos, são enormes, mas possivelmente esses temas não estarão em debate na campanha eleitoral que começa no meio do ano. Marco Bavaglio, Ph.D em Ciências Políticas, é consultor de risco de uma empresa estrangeira B o l e t im da A D B | 7


Capa

Walter Sotomayor

Os

diplomatas no cerrado

A história da transferência do Itamaraty para Brasília é marcada por resistência e descrença dos diplomatas e pela persistência de homens que acreditavam na nova capital

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o começo, era o barro vermelho do cerrado. Tratores, caminhões e candangos trabalhavam dia e noite para levantar os prédios da Esplanada dos Ministérios, as superquadras, as autarquias, os palácios da nova capital federal. Mesmo depois da inauguração, em 21 de abril de 1960, Brasília ainda era um sonho em construção e grande parte da cidade ainda estava apenas nas plantas dos urbanistas. A atmosfera de otimismo contagiava o planalto central e podia ser sentida por todos os que se aventuravam naquele imenso canteiro de obras. Esse otimismo, no entanto, não chegava até o Rio de Janeiro. Os

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funcionários públicos viam-se obrigados a deixar imóveis, amigos e parentes para embarcar em um sonho que não era o deles. A chamada “dobradinha” – gratificações que chegavam a dobrar o salário dos servidores – muitas vezes não era suficiente para entusiasmar funcionários já estabelecidos na carreira, que deixariam toda uma vida para trás. Os diplomatas estavam entre os mais resistentes à ideia de Juscelino. A inexistência de qualquer tipo de vida cultural e a parca estrutura urbana de Brasília eram alguns dos maiores obstáculos para qualquer desejo de mudança, assim como os mais de 300 km de estrada de terra batida e os altos preços

das passagens aéreas – na época, apenas a Pan American Airways do Brasil voava para a nova capital. As poucas exceções à contrariedade causada pela mudança obrigatória estavam entre aqueles em início de carreira, os solteiros ou aqueles com muito espírito de aventura. O então terceiro-secretário Rubens Ricupero voluntariou-se para trabalhar em Brasília entre 1961 e 1963, acreditando na importância que Jânio Quadros pretendia dar às relações internacionais de nosso País. Mesmo com o entusiasmo existente na capital, ele não pôde deixar de sentir as dificuldades da cidade que nascia. “No início, falta-


Capa va quase tudo. Havia ocasiões em que não havia açúcar, outras em que não havia óleo, os supermercados eram fracos, havia apenas um cinema, onde só passavam filmes brasileiros, pois a maioria dos candangos não sabia ler, era uma cidade difícil”, lembra ele. Havia, é claro, as boas surpresas possíveis apenas em situações extraordinárias. Ricupero recordase, por exemplo, de que as barreiras hierárquicas praticamente deixavam de existir em uma cidade tão pequena. “Todos conviviam e era muito comum que ministros almoçassem na casa de secretários, não havia distância entre as autoridades e os funcionários”. O ministro Flávio Mendes de Oliveira Castro também viveu essa época e lembra da resistência dos colegas que não acreditavam na mudança da capital e não faziam qualquer esforço para abandonar as instalações do aristocrático Palácio da rua Larga. “Eles não acreditavam na nova capital e muitos torciam para que a mudança nunca acontecesse”, diz ele. A impopularidade da nova capital entre os diplomatas foi a principal razão para que a transferência do Ministério das Relações Exteriores (MRE) levasse dez anos para ser concluída. Foi somente em 20 de abril de 1970, com a inauguração do Palácio do Itamaraty na Esplanada dos Ministérios, que Brasília passou a ser oficialmente a sala de visitas de nosso País. O processo de transferência pode ser dividido em duas fases. A primeira começou em 1963, com a indicação do então ministro Wladimir do Amaral Murtinho para a chefia da Comissão de Transferência do Itamaraty para a nova capital, cuja maior responsabilidade era levar

adiante o processo de construção das instalações do MRE. A segunda fase teve início em 1969, quando o prédio já estava pronto há um ano e o recémempossado chanceler Mário Gibson Barboza convocou o serviço diplomático definitivamente para Brasília. Os dois períodos foram marcados por dificuldades burocráticas e também pela simples má vontade daqueles que se viam na iminência de deixar Copacabana para trás. Murtinho, o herói da transferência – Em seu livro O Cerrado de casaca, no qual relata toda a história da transferência do Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro para Brasília, o jornalista Manuel Mendes deixa claras todas as dificuldades as quais o ministro Wladimir Murtinho teve de ultrapassar, entre eles a descrença e indiferença dos colegas do Rio de Janeiro e três incêndios durante as obras, os quais nunca tiveram suas causas bem explicadas. Cortes no orçamento previsto para a edificação fizeram de Murtinho figura constante no Ministério da Fazenda, na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), na Prefeitura do Distrito Federal, no Palácio do Planalto e em qualquer outra instância que pudesse oferecer as condições necessárias para a construção do Palácio e de seus anexos.

Durante o período de construção, o núcleo de representação do MRE funcionava na metade do segundo andar do Ministério da Saúde e o número de funcionários não chegava a trinta pessoas, contando com porteiros e contínuos. Havia apenas dois ou três diplomatas, com frequência em início de carreira. Assim como o núcleo do MRE, a equipe da Comissão de Transferência era enxuta. Além de Wladimir Murtinho, contava com os então terceiros-secretários Rubens Barbosa e Luiz Brun de Almeida, responsáveis, respectivamente, pelas relações com o governo federal e com a Novacap e a Prefeitura do Distrito Federal. O grupo contava ainda com o trabalho dos arquitetos do Itamaraty Olavo Redig e Milton Ramos, fundamentais para

A inexistência de qualquer tipo de vida cultural e a parca estrutura urbana de Brasília eram alguns dos maiores obstáculos para qualquer desejo de mudança B o l e t im da A D B | 9


Capa Arquivo ADB

O então ministro Wladimir Murtinho (à direita, na foto) foi o chefe da Comissão de Transferência do Itamaraty e enfrentou a resistência dos colegas e a burocracia governamental para cumprir a tarefa de levar a diplomacia para a nova capital

tornar exequíveis os amplos vãos e os belos arcos idealizados por Oscar Niemeyer. O palácio ficou pronto em 1968 e ainda foram necessários dois anos para que sua inauguração marcasse a conclusão do processo. Segundo Manuel Mendes, essa demora deveu-se principalmente à falta de apartamentos para pronta entrega na capital e à falta de organização do Grupo de Trabalho de Brasília, responsável pela distribuição dos imóveis entre os órgãos públicos. Desde o início da construção do Palácio do Itamaraty sabia-se da necessidade de apartamentos para alojar diplomatas e demais funcionários no MRE. A expectativa era de que para abrigá-los teriam de ser erguidos cerca de 900 apartamentos e um conjunto habitacional foi planejado para ser construído na então deserta Asa Norte, chamado Conjunto São Miguel – “porque esse é o santo das causas impossíveis”, teria dito Murtinho, de acordo com Manuel Mendes. O conjunto nunca saiu do papel e os diplomatas foram alojados em

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superquadras na Asa Sul, ao longo dos anos. Representações estrangeiras – Para que Brasília fosse nacional e internacionalmente reconhecida como a nova capital do País, era necessário não apenas que a sede do Ministério das Relações Exteriores estivesse definitivamente implantada na cidade, mas que as embaixadas estrangeiras também o estivessem. Enquanto o Itamaraty não era oficialmente transferido, as embaixadas continuavam no Rio de Janeiro. Havia, no entanto, pequenos grupos de representantes estrangeiros em Brasília, muitas vezes compostos de apenas um diplomata. Os Estados Unidos foram os primeiros a se fazer presentes na nova cidade, que foi visitada ainda em 1957 pelo embaixador Ellis Briggs, no ano seguinte pelo secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles e depois pelo próprio presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, em fevereiro de 1960.

A representação estadunidense era a que contava com o maior número de diplomatas, mas, no auge da Guerra Fria, conviveu de perto com as representações das então repúblicas socialistas Iugoslávia e Checoslováquia. A primeira embaixada a ser totalmente construída no planalto central foi a da Iugoslávia, ainda em 1963, mas, até a transferência de Brasília, foi ocupada por alguns poucos diplomatas e um zelador. Durante a maior parte da década de 60, os diplomatas de países como Canadá, África do Sul, Finlândia, França, Indonésia, Grã-Bretanha, Polônia, Suécia, Noruega, Japão, Áustria e os já citados Estados Unidos, Iugoslávia e Checoslováquia moravam e mantinham suas pequenas chancelarias em apartamentos da 113 Sul, primeira superquadra a ser construída pela iniciativa privada e a colocar apartamentos à venda. As famílias conviviam pacificamente, dividindo os blocos e os estacionamentos, até que suas embaixadas fossem consolidadas nas Avenidas das Nações Sul e Norte, o que só viria a acontecer maciçamente na década de 70.


Capa Finalmente, a transferência se completa – A inauguração do Palácio do Itamaraty aconteceu em 20 de abril de 1970, data instituída pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici como o Dia do Diplomata. O já embaixador Wladimir Murtinho, que fora enviado para a Índia em 1969, tão logo completada sua tarefa, foi trazido de volta especialmente para a solenidade pelo chanceler Mário Gibson. A beleza do novo Palácio

do Itamaraty foi reconhecida até mesmo pelos mais ferrenhos opositores da mudança e a festa foi grandiosa. O chanceler já havia convocado os servidores que estavam no Rio de Janeiro, que aos poucos instalavam-se nos apartamentos recémconstruídos. Restava ainda a transferência das embaixadas estrangeiras. Em 1970, Gibson emitiu uma nota para as embaixadas, na qual dava o prazo de dois anos para que

todas se mudassem definitivamente para Brasília. A data limite foi 7 de setembro de 1972, aniversário de 150 anos da independência do Brasil. Depois dessa data, o Itamaraty não reconheceria mais as imunidades a que as embaixadas tinham direito, caso não se localizassem na capital. Era definitivo. Brasília era a nova capital e o Palácio do Itamaraty de Juscelino, Niemeyer, Murtinho e Gibson era a sala de visita do Brasil. Walter Sotomayor

O Clube de Golfe de Brasília O jornalista Manuel Mendes lembra de inúmeras histórias paralelas ao grande drama da transferência como, por exemplo, a da criação do Clube do Golfe. O ministro Murtinho sabia que falta de entretenimento era um grande problema para a vinda e, para atenuá-lo, esforçou-se para criar um

clube onde os diplomatas pudessem praticar o golfe, esporte bastante popular entre a categoria. Sabendo que a companhia aérea Pan American Airways estava prestes a perder o direito a um amplo terreno à beira do futuro Lago Paranoá por não ter ainda dado nenhum passo em

direção à construção do prometido hotel da rede Intercontinental, Murtinho enxergou uma oportunidade. Entrou em contato com a Novacap e, em troca da extensão do prazo para a Pan Am, conseguiu que a companhia aérea construísse em parte do terreno o Clube de Golfe. B o l e t im da A D B | 11


Artigo

O

diplomata

Joaquim Nabuco

O estadista pernambucano é homenageado no centenário de sua morte

U

m monarquista representando a recém-instituída República do Brasil. Um eurocentrista defendendo o pan-americanismo e a influência dos Estados Unidos sobre as nações latino-americanas. O que parecem contradições profundas apenas demonstram o alcance da visão de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, abolicionista, escritor e diplomata, que sempre colocava os interesses brasileiros acima de suas visões pessoais. Para manter viva a memória do homem, de suas ideias e ações, celebra-se, em 2010, o Ano Nacional Joaquim Nabuco, no ano do centenário de sua morte. Concursos, documentários, livros, exposições e seminários serão promovidos em todo o Brasil, principalmente pela Fundação Joaquim Nabuco, sediada em Recife, sua cidade natal. Voluntariamente retirado da vida pública depois do sucesso de sua campanha a favor do fim da escravidão no Brasil, Joaquim Nabuco exerceu – a convite do então ministro das Relações Exteriores, barão do Rio Branco – a função de primeiro embaixador da República brasileira em Washington, entre 1905 e 1910. Durante esse período, realizou diversas conferências em universidades norte-americanas, argumentando a favor da aproxima-

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Artigo ção dos países da América Latina com os Estados Unidos. No artigo O pote de barro e o pote de ferro – a utopia de Nabuco para as duas Américas, o embaixador João Almino destaca os pensamentos do estadista acerca das potencialidades do relacionamento entre os Estados Unidos, um país cujo potencial de liderança ele previa, e a América Latina. Segundo Almino, “há [nas conferências de Nabuco] um equilíbrio entre uma avaliação realista das condições sociais e políticas e a visão idealista e utópica que conduz seu raciocínio. (...) Parte significativa do argumento central de Nabuco, é formulada em resposta à seguinte pergunta: que vantagens os Estados Unidos derivariam de suas relações com a América Latina? ‘Eu lhes diria com franqueza que a vantagem, inicialmente, se limitaria à vantagem que vem com o fazer amigos’, é a resposta de Nabuco. E então acrescenta: ‘mas acredito que não haja vantagem mais substantiva que essa para uma nação que é a líder de um continente’”. O embaixador aponta também o que Joaquim Nabuco acreditava ser as contribuições estadunidenses para a civilização: a democracia, o bem-sucedido processo de imigração que formou a sociedade dos Estados Unidos, a manutenção da paz, a igualdade e a educação. Para Nabuco, a contato com essas características norte-americanas seriam benéficas para os países latino-americanos, mesmo que tenham ritmos e culturas diferentes.

Carisma contra a escravidão – Joaquim Nabuco foi, antes de tudo, um homem apaixonado pelo Brasil. Seu maior legado foi a luta pelo fim do regime escravagista brasileiro. Abolicionista, estadista, escritor, jornalista e diplomata, todas as suas atividades públicas tinham como objetivo alçar nosso País ao patamar das nações mais influentes do mundo. Foi ainda criança que percebeu a injustiça e as violências cometidas contra os negros que trabalhavam na fazenda de sua madrinha, onde foi criado. Seu berço aristocrático nunca o impediu de entender a escravidão – e a cultura que a tolerava – como um entrave ao desenvolvimento brasileiro. A família de sua mãe, Ana Benigna Barreto, era tradicional proprietária de engenhos em Pernambuco. No lado paterno, várias gerações dedicaram-se à política. O avô e o pai do abolicionista, José Tomás Nabuco de Araújo, foram senadores e, ainda rapaz, “Quincas” acompanhou a luta do pai para a aprovação da Lei do Ventre Livre. Aos 20 anos, ainda estudante de Direito em Recife, escreveu o livro A escravidão e escandalizou a sociedade local ao defender um negro que havia assassinado seu

proprietário. Antes dos 25 anos já havia publicado três livros. Excelente orador, ficou conhecido pelo carisma com o qual conquistava novos adeptos à causa abolicionista. Seu primeiro emprego público foi o de adido de uma delegação brasileira nos Estados Unidos, em 1876. Dois anos depois foi eleito deputado-geral da província de Pernambuco e iniciou assim uma vida pública movimentada, defendendo a liberdade dos negros enquanto estava na Tribuna e também fora dela, nos períodos em que não era reeleito. Chegou a abrir, em sua própria casa, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, em 1880. O objetivo de sua luta foi alcançado oito anos mais tarde e, a partir de então, Nabuco retirou-se da política para dedicar-se a biografias: a sua e a do próprio pai. Anos mais tarde, não viu contradição e aceitar o convite para representar a República brasileira em outro país mesmo sendo notório defensor da monarquia. Para ele, cargos públicos deveriam ser preenchidos de acordo com o desempenho de um funcionário, não devido a interesses partidários. Para ele, o mais importante era servir ao Brasil.

Seu berço aristocrático nunca o impediu de entender a escravidão – e a cultura que a tolerava – como um entrave ao desenvolvimento brasileiro. B o l e t im da A D B | 13


Ensaio

B rasília

Walter Sotomayor

Os amplos gramados verdes, as curvas brancas dos prédios de Niemeyer, o céu azul que se tinge de laranja no final das tardes. A cidade planejada do Lúcio Costa é todos os dias objeto de contemplação de moradores e visitantes. Como forma de prestar uma pequena homenagem a Brasília, a equipe do Boletim da ADB selecionou imagens produzidas por três fotógrafos que registraram a luz da capital para mostrar a cidade de uma maneira diferente e, ao mesmo tempo, familiar.

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Ensaio Walter Sotomayor

Walter Sotomayor

Walter Sotomayor é jornalista. Trabalhou em Brasília como repórter e editor nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília e Gazeta Mercantil, como assessor o consultor de imprensa em organismos internacionais e na Confederação Nacional da Indústria. Atualmente é assessor de comunicação social da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Um dos seus temas prediletos na fotografia é a arquitetura de Oscar Niemeyer.

em detalhes B o l e t im da A D B | 15


Ensaio Chico Escher

Chico Escher

Francisco de Britto Escher Guimarães, ou Chico Escher, é um profissional eclético do mundo da arte e do entretenimento. Formado em arquitetura pela Universidade de São Paulo, já atuou como designer gráfico, diretor de arte de documentários, artista plástico e fotógrafo. Outras imagens produzidas por ele podem ser encontradas no site www.flickr.com/photos/chicoescher.

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Ensaio José Otávio de Souza

José Otávio de Souza é pernambucano, jornalista de formação e fotógrafo profissional. Já foi editor de fotografia do Diário de Pernambuco por nove anos e autor de imagens que estamparam as capas de revistas como Veja e Istoé. Entre seus trabalhos mais recentes está a execução do still do filme Lula, o filho do Brasil. Amostras do trabalho de Otávio de Souza podem ser vistas no site www.flickr.com/photos/otaviosz

José Otávio de Souza

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Exposições Mundiais

Janelas

para o mundo

Conheça a história das Exposições Mundiais, grandes eventos que apresentaram ao mundo invenções como o telefone e belezas como a Torre Eiffel

O Atomium foi construído para a exposição universal de 1958 e representa um cristal de ferro aumentado 1650 milhões de vezes.

V

itrines do desenvolvimento tecnológico, exibição da produção intelectual, demonstração de prestígio e poder de cada nação. Desde meados do século XIX, as Exposições Mundiais servem de pretexto para que países desenvolvidos, e em desenvolvimento, tenham chance de mostrar uns para os outros o que tem sido feito de mais interessante dentro de suas fronteiras. No século XXI,

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quando as notícias sobre descobertas científicas e tecnológicas já podem ser divulgadas de maneira quase instantânea por um semnúmero de meios de comunicação, as Expos, como também são chamadas, servem principalmente ao propósito de captar investimentos estrangeiros e abrir oportunidades de negócios. São hoje importantes ferramentas de marketing e acumulam a vantagem de atrair milhões

de turistas e promover a economia das regiões que sediam o evento. A primeira Exposição Mundial foi realizada em 1851, em Londres. A Revolução Industrial estava em seu auge e novas máquinas anunciavam a chegada do futuro. Inspirado em exposições de produtos nacionais que aconteciam na França, o consorte da rainha Vitória, príncipe Albert, idealizou um evento grandioso. Chamado de “A Grande


Exposições Mundiais Exposição dos Trabalhos das Indústrias de Todas as Nações”, o evento pretendia mostrar ao mundo a pujança inglesa de ideias, poder, criatividade. Para abrigar os pavilhões dos países expositores, foi erguida em seis hectares do Hyde Park uma estrutura inovadora de vidro e metal, o majestoso Chrystal Palace, desenhado pelo arquiteto Joseph Paxton. Os prédios dos pavilhões de cada nação simbolizavam a grandeza do país e eram tão importantes quanto o conteúdo que expunham. O investimento e os preparativos para a construção dos pavilhões e para toda a montagem das exibições eram de responsabilidade de cada país participante. Até hoje, são empregadas cifras milionárias para impressionar visitantes e concorrentes. Exemplos de grandiosidade não faltam. A exposição de 1899, em Paris, foi a causa do concurso público para a construção de um monumento que representasse a cidade e o evento. O resultado desse concurso foi a vitória do arquiteto Gustave Eiffel, o autor da torre que hoje é um dos principais símbolos da cidade-luz. Um grande número dos locais mais famosos da cidade foi construído para a exposição de 1900, incluindo a Gare de Lyon, a Gare d’Orsay (hoje um museu), o Grand Palais e o Petit Palais. A primeira linha do metrô da cidade também começou a funcionar para atender à exposição. De acordo com a professora do Departamento de História da Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria Clara Amado, “a partir desta exposição e

do Palácio de Cristal, estabelece-se uma nova relação entre os meios técnicos e os fins representativos e expressivos do edifício. As novas soluções da construção, os novos materiais, a aceleração da indústria da pré-fabricação e as novas possibilidades da estrutura metálica vão desencadear na construção uma relação baseada em custo-benefício. Reflexo imediato na construção de pontes e linhas férreas, ligando novos lugares e aumentando a velocidade dos transportes, o que influenciará também, uma nova organização urbana das cidades”. A evolução das Exposições – A história das Exposições Mundiais podem ser divididas em três grandes fases. A primeira delas se estende de 1851 até pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Nesse período a grandiosidade das exposições pode ser percebida pelos números crescentes de expositores, de visitantes e pela importância de algumas das invenções mostradas ao público pela primeira vez. A primeira exposição contou com 14 mil expositores e seis milhões de visitantes. Quarenta anos depois, na exposição de 1893, em Chicago, o número de expositores chegou a 70 mil e o de visitantes passou de 27 milhões de pessoas. Merece destaque também a exposição de 1876, realizada na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos, na qual o mundo pôde conhecer o telefone. Convidado a testar a invenção do cientista Graham Bell, Dom Pedro II maravilhou-se. “Mas ele fala!”, foi a reação do imperador brasileiro, frase que entrou para a história. Várias outras

inovações tiveram seu début em Exposições Mundiais. É o caso, por exemplo, da primeira locomotiva elétrica, inventada por Werner Von Siemens e apresentada pela primeira vez na Exposição de Berlim, em 1879. Outra inovação apresentada foi o telégrafo, apresentado ao mundo em 1851, em Londres. A segunda fase da história das Exposições Mundiais inicia-se em 1928, quando foi realizada em Paris uma conferência para que fossem estabelecidas regras de organização e regulamentação das exposições. Desde o início do século XX a necessidade de regras para o evento já se fazia sentir, mas a oportunidade para o acordo só foi possível depois da Primeira Guerra Mundial. Delegados de 31 países assinaram o primeiro tratado internacional para regular a organização das Exposições Mundiais. Para garantir a aplicação das regras estabelecidas na Convenção de Paris, foi criado em 1931 o Bureau Internacional des Expositions (BIE). Desde então, convencionou-se o intervalo de cinco anos entre cada Exposição Mundial e a designação de temas para nortear as apresentações dos países. Durante o século XX, os avanços da ciência e da tecnologia dominaram os pavilhões das Exposições. No evento realizado em Osaka, em 1970, por exemplo, uma das principais atrações era uma grande rocha lunar trazida pelos astronautas da missão Apollo 12 no ano anterior. Além disso, os eventos tornaram-se fortemente baseados em temas de importância cultural e começaram a se dirigir para questões de interesse da humanidade: B o l e t im da A D B | 19


Exposições Mundiais

mais preocupados com o futuro e com escopo mais utópico. Diálogo intercultural e a troca de soluções para problemas mundiais tornaramse os elementos definidores das Expos. Um dos principais eventos do século passado foi a Expo 67, de Montreal, que contou com mais de 50 milhões de visitantes e com a participação de 62 países. Foi durante esse período que os organizadores da BIE começaram a chamar os eventos de “Expos”.

Atualmente, as exposições encontram-se na terceira fase de sua história, que começou no final do século XX. A partir da Expo ’88, em Brisbane, os países começaram a usar as Exposições Mundiais como plataformas para melhorar a imagem de suas nações por meio de seus pavilhões. Em um mundo no qual uma forte imagem nacional é fator fundamental de sucesso, os pavilhões se tornaram campanhas publicitárias, e as Expos, um

Divulgação

O Edifício do Povo é um dos prédios da Expo Shanghai 2010 e foi projetado pelo grupo dinarmaquês Bjarke Ingels Group Expo Xangai 2010 Um dos maiores centros urbanos do mundo será o palco da próxima Exposição Mundial. Xangai é a maior cidade chinesa e possui 16,6 milhões de habitantes concentrados em cinco km2. A alta densidade populacional provavelmente

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foi a inspiração do tema do evento, “Better City – Better Life”. Entre os dias primeiro de maio e 31 de outubro de 2010, os 200 expositores dedicarão seus pavilhões a mostrar o que seus países têm feito na busca de soluções para problemas urbanos como favelas, enchentes,

veículo para esse marketing. Além de razões culturais e simbólicas, os países que recebem uma feira (assim suas cidades e regiões) como aproveitam o evento para se promover. As Expos atuais incorporam elementos de todas essas três eras. Elas apresentam inovações, facilitam as trocas culturais baseadas em um tema e são usadas como maneira de promover a cidade, a região e o país onde acontecem.

lixo, trânsito, déficit habitacional, poluição e outras mazelas. O pavilhão brasileiro, no qual já foram investidos cerca de US$ 35 milhões, possui 2.000 m2². Projetado pelo arquiteto Fernando Brandão, a estrutura que representará o espaço do Brasil será feita com pedaços sobrepostos de madeira reciclada e pintada de verde, tudo apoiado em uma estrutura metálica. O espaço, que já foi apelidado de “ninho verde”, conterá painéis virtuais interativos, com imagens de nossa cultura e do que nosso país está fazendo para minimizar o caos urbano. O grupo interministerial criado pelo governo brasileiro para a organização da participação do Brasil na Expo 2010 é presidido pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio, Ivan Ramalho e tem como comissário-geral o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Alessandro Teixeira.


Exposições Mundiais Paty Duft

Linha do tempo – Ano e locais das Exposições Mundiais 1851 – Londres (Inglaterra) 1855 – Paris (França) 1862 – Londres (Inglaterra) 1867 – Paris (França) 1873 – Viena (Áustria) 1876 – Filadélfia (EUA) 1878 – Paris (França) 1880 – Melbourne (Austrália) 1884 – Nova Orleans (EUA) 1888 – Barcelona (Espanha) 1889 – Paris (França) Participação do Brasil nas Exposições Mundiais De acordo com o diplomata Paulo Roberto de Almeida, comissáriogeral-adjunto na Expo Xangai 2010, o Brasil só iniciou sua participação nas Exposições Mundiais a partir do evento de 1862, realizado em Londres. Foram enviados para a capital inglesa o melhor que nosso País tinha a oferecer então: café, chá, erva-mate, guaraná, arroz, tabaco, borracha, madeira, algodão, feno, fibras naturais e abelhas. Até o final do século XIX, os pavilhões brasileiros apresentavam principalmente produtos agrícolas, enquanto nossos diplomatas e representantes dos produtores estavam atentos ao maquinário e a tudo que pudesse melhorar plantios e colheitas.

1893 – Chicago (EUA) 1897 – Bruxelas (Bélgica) 1900 – Paris (França) 1904 – Saint Louis (EUA) 1910 – Bruxelas (Bélgica) 1915 – São Francisco (EUA) 1929 – Barcelona (Espanha) 1933 – Chicago (EUA) 1935 – Bruxelas (Bélgica) 1937 – Paris (França) 1939 – Nova Iorque (EUA)

Os tipos de exposições Nessa reportagem utilizamos amplamente o termo Exposição Mundial, por ser o mais conhecido entre as pessoas. Mas o Bureau International des Expositions (BIE) adota outra nomenclatura para referir-se a esses eventos e diferenciá-los de outros semelhantes. Atualmente, existem dois tipo de exposições internacionais: as Registradas e as Reconhecidas. O nome oficial das Exposições Mundiais é Exposições Registradas. Nas exposições registradas, os participantes geralmente constroem seus próprios pavilhões. Costumam ser mais extravagantes e mais caras. Sua duração pode variar entre seis semanas e seis meses e sua periodicidade quinquenal. As Exposições Reconhecidas têm um escopo e investimentos menores e são mais curtas: duram entre três semanas e três meses. Há ainda outros dois tipos de eventos regulamentos pelo BIE, a Exposição Internacional de Horticultura – que deve ter duração mínima de três e máxima de seis meses – e a Exposição de Artes Decorativas e de Arquitetura Moderna Trienal de Milão. É preciso também haver um intervalo de dois anos entre cada exposição, que devem acontecer entre duas Exposições Mundiais.

1949 – Estocolmo (Suécia) 1957 – Berlim (Alemanha) 1962 – Seattle (EUA) 1967 – Montreal (Canadá) 1970 – Osaka (Japão) 1971 – Budapeste (Hungria) 1975 – Okinawa (Japão) 1984 – Nova Orleans (EUA) 1992 – Sevilha (Espanha) 1998 – Lisboa (Portugal) 2000 – Hannover (Alemanha) 2005 – Aichi (Japão) 2010 – Xangai (China) 2015 – Milão (Itália) Fonte: Bureau International des Expositions

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Vida que segue

Dedicando-se

à mudança

O embaixador Marcelo Raffaelli demonstra, aos 80 anos, muita vitalidade para mudar novamente o país de residência.Ele também não planeja parar de estudar

P

ara o embaixador aposentado e ex-presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros Marcelo Raffaelli, uma das “pragas” da vida diplomática é a constante mudança de endereço, que obriga os filhos de diplomatas a estudarem em diferentes países e os motivam, muitas vezes, a permanecerem nas nações onde estudaram. No caso de Raffaelli, o local em questão foram os Estados Unidos, onde moram quatro de seus cinco filhos. A vontade de estar com os rebentos, frutos do casamento de 53 anos com Sylvia Raffaelli, explica as idas e vindas ao país de Barack Obama e de George Bush. Depois da aposentadoria do embaixador, em 1990, o casal morou em Washington entre os anos 1996 e 2001 e, no ano passado, voltaram, instalando-se em Arlington, uma cidade próxima à capital norteamericana. “No momento, estamos totalmente dedicados à nossa instalação”, conta ele. A dedicação à mudança, no entanto, não impede o embaixador de praticar caminhadas na esteira presente do ginásio de seu prédio, nem de dedicar-se a leitura da resenha de imprensa disponível na página do MRE na internet. “É muito informativa, pois há noticias de jornais de todos os matizes políticos”, comenta ele.

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Lívia Barreto

O embaixador aposentado Marcelo Raffaelli mora atualmente na cidade de Arlington, nos arredores de Washington e pretende dedicar seu tempo à pesquisa no National Archive norte-americano Para as leituras mais prazerosas, ele prefere a literatura. A cada dez anos, relê Machado de Assis e Eça de Queiroz, assim como os romances O leopardo, de Guiseppe Tomasi di Lampedusa e Cartuxa de Parma, de Stendhal. “São livros

que valem a pena reler, pois sempre trazem elementos novos a cada leitura”, afirma. Planos – A proximidade com o National Archives tornará possível um dos planos a longo


Vida que segue

prazo de Raffaelli: pesquisar as correspondências entre as legações norte-americanas em Paris, Londres, Viena, Madri e Lisboa, e o Departamento de Estado dos EUA no período entre a vinda de Dom João VI e a Independência do Brasil. “Eu me interesso por esse assunto porque sempre existe a dúvida sobre a partir de que momento a Inglaterra passou a ser favorável à independência dos países latino-americanos. Também gostaria de saber como a França via esses acontecimentos. Meu objetivo é ter paciência, pois é um trabalho longo, e, quem sabe, colocar algo no papel. Daqui a cinco anos veremos os resultados”, explica o embaixador. Ao falar sobre a quantidade e a qualidade dos arquivos norteamericanos, Raffaelli não evita uma crítica ao MRE acerca do estado crítico de conservação dos documentos históricos brasileiros. “No século XIX, o papel continha muito ácido e por isso hoje ele está endurecido e quebradiço. Estamos perdendo nossa memória porque se diz que não há dinheiro para financiar uma microfilmagem. Sempre se tentou resolver esse problema procurando financiamento com a Petrobrás ou com o Banco do Brasil e outras instituições, mas o fato é que o MRE possui esse dinheiro, mas prefere investir de outras maneiras. É uma questão de prioridades”.

No Brasil – Depois de aposentar-se, Raffaeli publicou três livros - Rise and Demise of Commodity Agreements An Investigation into the Breakdown of International Commodity Agreements, de 1995; The drafting history of the agreement on textiles and clothing, em co-autoria com Tripti Jenkins, de 1995, e A Monarquia e a República – Aspectos das relações Brasil-Estados Unidos durante o Império, de 2006. Quando voltou dos Estados Unidos, em 2001, instalou-se em Brasília e, no ano seguinte foi convidado a fazer parte da equipe de assessoria do então presidente do Superior Tribunal de Justiça, Nilson Naves e, depois do término do mandato do ministro, Raffaelli continuou a fazer parte da assessoria do vice-presidente. Exerceu a função de assessor por dois anos e meio, entre 2002 e 2004. Nos anos seguintes, dedicou-se a trabalhar na publicação de seu livro mais recente (A Monarquia e a República) e, em 2007, foi eleito para a presidência da ADB. “Os dois anos que passei à frente da ADB foram tranqüilos, é uma função que não toma muito tempo, ao contrário do que muitos acreditam. É claro que exige

uma presença mais constante e muitos colegas telefonam, querem conversar, mas é bom manter esse contato. A maior parte dos associados hoje é de diplomatas na ativa e, embora eles sejam gentis com o presidente da ADB, existe um receio - eu diria um temor reverencial - de que a ADB seja uma instituição que contradiga o MRE e ninguém quer contradizer aquele que está acima de você, da mesma forma que ninguém quer contradizer um pai”, conta. Se você perguntar-lhe do que sente falta na carreira diplomática, ele responderá sem hesitação: “dos foros multilaterais, do debate, da discussão e do intercâmbio entre os delegados. A maior parte da minha carreira foi em organismos internacionais e o dá-e-leva das discussões era divertido”. E do que não sente falta alguma? A prontidão na resposta também é certa: “dos coquetéis e das recepções. Achava muito chato porque acredito que é possível conversar sem ter que estar em pé, com um coquetel na mão... Lembro-me do embaixador Roberto Campos, que comentou comigo em uma dessas ocasiões: ‘Marcelo, esse negócio só é bom para dar varizes!’”, lembra ele, rindo. B o l e t im da A D B | 2 3


Made in Brazil

Aprendendo

e ensinando

Cientistas da Embrapa estão espalhados pelo mundo estudando o que há de mais novo em pesquisa agropecuária e compartilhando conhecimento com países em desenvolvimento JG DI STEFANO/Embrapa

O presidente do Mali, Amadou Toumani Touré (de roupa azul) e o ministro Celso Amorim conferem a qualidade do algodão colorido da Embrapa.

A

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem como principal objetivo proporcionar aos produtores brasileiros as mais modernas e eficientes tecnologias e informações para que o setor agrícola aumente sua produtividade e o Brasil se torne cada vez mais competitivo nesse setor. Para cumprir essa meta é preciso manter-se atualizado acerca dos mais novos estudos da área, além de

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aplicar o conhecimento adquirido, compartilhando-o com nações em desenvolvimento. O primeiro passo nessa direção foi dado em 1998, quando a Embrapa decidiu investir na presença física de pesquisadores dentro de grandes centros de estudos do mundo, com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa em ciência avançada para beneficiar produtores agrícolas brasileiros. Essas parcerias constituem os Laboratórios Virtuais, chamados de Labex. Atualmente existem Labex nos Estados Unidos,

na França, Holanda, Inglaterra e, em janeiro deste ano, um deles foi aberto na Coreia do Sul. O primeiro laboratório na Ásia permitirá que os pesquisadores brasileiros não apenas conheçam os mais novos estudos e tecnologias coreanos, mas também absorvam espírito de inovação daquela sociedade, que em um período de pouco mais de 50 anos passou de nação paupérrima a um dos países mais modernos e ricos do mundo. Na área de pesquisa agrícola, a Embrapa pretende trocar recursos


Made in Brazil genéticos, dentro das leis brasileiras e coreanas, para que Brasil e Coreia do Sul possam melhorar suas produções, trocando informações sobre cultivo de cogumelos e morangos, por exemplo, acerca dos quais os asiáticos possuem técnicas avançadas que ainda não são dominadas pelos brasileiros. O sucesso dos Laboratórios Virtuais foi fundamental para a extensão da atuação da Embrapa em outros países, dessa vez para transferir conhecimento e tecnologia para países africanos e latinoamericanos, seguindo a atual estratégia da política externa brasileira de fortalecer as relações entre países em desenvolvimento, principalmente na África e na América Latina. Países dos dois continentes passaram a apresentar demandas por treinamento e melhoria de tecnologias agrícolas e a Embrapa se mostrou pronta para assumir o compromisso. Um dos principais colaboradores do trabalho é a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores. O primeiro projeto de transferência de tecnologia foi o Embrapa África, criado em novembro de 2006 em Acra, capital de Gana. Desde então, pesquisadores brasileiros atuam em mais de vinte países africanos, trabalhando no treinamento de cientistas e técnicos, em testes de sementes desenvolvidas pela Embrapa com o objetivo de aumentar e melhorar a produção agrícola de países como Moçambique, Burkina Fasso, Chade, Benin e Mali, por exemplo. Em Gana, os pesquisadores brasileiros trabalham em parceria com o Conselho de Pesquisa Científica e

Industrial de Gana (CSIR) e desenvolvem ações como o teste de 14 variedades de soja da Embrapa, para a aumentar a produtividade do vegetal em Gana, e a estruturação de consórcios para o plantio de mandioca. No Mali, a Embrapa testa dez variedades brasileiras de algodão como parte do projeto Cotton-4, que também é colocado em prática em Burkina Fasso, Chade e Benin. Em Moçambique, a empresa implementa importante projetos estruturantes para fortalecer o Instituto de Investigação Agrícola de Moçambique (IIAM) por meio do treinamento de pesquisadores locais. Esse fortalecimento será financiado por três países: Brasil, Moçambique e Estados Unidos. Há também planos para pesquisar o aproveitamento do cerrado moçambicano com a ajuda do governo local e também dos governos brasileiro e japonês. O Japão teve importância fundamental na “conquista” do cerrado brasileiro e vai colaborar também com os estudos na África. A Embrapa também foi convidada pelo governo de Angola para ajudar a criar um centro de pesquisa similar ao brasileiro. Com despesas pagas pelo governo angolano, cientistas da empresa têm ido ao país para estruturar o projeto.

Dificuldades e resultados– As principais dificuldades para a implantação dos projetos foram, em um primeiro momento, a falta de conhecimento sobre a realidade africana e, depois, o levantamento das demandas dos países interessados em ter ajuda da Embrapa. Para conseguir essas informações, foi feita uma pesquisa entre 2006 e 2009. Os pesquisadores também puderam contar com a ajuda das embaixadas brasileiras presentes no continente africano. Os três anos de atividade do projeto é um período curto para a obtenção de resultados concretos quando se trata de pesquisa de tecnologia agrícola. Mas já é possível observar resultados iniciais bem-sucedidos na produção de uma variedade brasileira de feijão, com maior teor de vitaminas, em Moçambique, por exemplo. Na área de pesquisa e produção de conhecimentos, os laboratórios virtuais também já apresentam resultados importantes para que o Brasil se mantenha entre os líderes da produção agrícola mundial. Os resultados da presença da Embrapa em outros países são vários. O primeiro é o reconhecimento internacional – atualmente a empresa é referência em todo o mundo e a sede em Brasília é visitada mais de 150 missões internacio-

Já é possível observar resultados bem-sucedidos nas pesquisas feitas na produção de feijão em Moçambique e na de algodão em Mali B o l e t im da A D B | 2 5


Made in Brazil nais por ano, recebendo ministros e presidentes estrangeiros. Outro resultado importante é o treinamento de cientistas brasileiros com profissionais de ponta. Um terceiro resultado também merece destaque: nos Estados Unidos, os pesquisadores já conseguiram introduzir 49.900 acessos a recursos genéticos nas coleções da empresa. Isso significa que, quando acontecem doenças vegetais ou animais, é necessário verificar os recursos genéticos disponíveis para que seja possível estudá-los para obtenção dos resultados procurados. O maior número de recursos genéticos disponíveis é essencial para a antecipação e a preparação para problemas em plantações ou criação de animais. Embrapa Américas – Um dos principais objetivos da empresa em 2010 é a implantação do projeto Embrapa Américas, que terá sede no Panamá. Os objetivos são a transferência de tecnologia para países da América Central, Caribe

e América do Sul, além do trabalho com instituições de pesquisa da região para a produção de conhecimento. A expectativa é de que até abril os primeiros dois cientistas da empresa já estejam no país. A escolha do Panamá foi feita após mais de dois anos de estudo sobre a melhor localização para o projeto. O local foi escolhido devido à infraestrutura de transporte, pois há voos diretos do Brasil para lá, e também porque o governo panamenho ofereceu espaço na Cidade do Saber, onde há outras instituições de pesquisa A Embrapa já possui alguns projetos com a ABC e o MRE em países como Cuba e o Haiti. O projeto Embrapa Américas tem o objetivo tornar mais eficiente a atuação da Embrapa e governo brasileiro na área de pesquisa agropecuária na região. Além da implantação da Embrapa Américas, a empresa deverá inaugurar ainda no primeiro semestre deste ano o Centro Internacional de Capacitação em Agricultura Tropical junto à sede da Embrapa, em Brasília.

Responsabilidade de ajudar – De acordo com o chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Embrapa, Elísio Contini, o Brasil tem hoje a responsabilidade de ajudar países mais pobres a se desenvolver, da mesma forma que recebeu ajuda nas décadas de 60, 70 e 80. “É nossa missão compartilhar pesquisa agropecuária para suprir de alimentos países que sofrem de fome. É uma ajuda humanitária de médio e longo prazo, pois não estamos dando comida: nós estamos ajudando esses países a ser capazes de produzir seus próprios alimentos. Nosso retorno não é financeiro nem comercial. Queremos criar uma boa imagem do Brasil no exterior e temos o dever de transferir nosso conhecimento acumulado ao longo de quase cinco décadas aos países que dele precisam. Estados Unidos, Japão e Europa fizeram isso por nós e devemos retribuir”, afirma Contini. Deva Rodrigues/Embrapa

Agrônomo trabalha em lavoura com mandioca e 14 variedades de soja da Embrapa para teste, em Gana.

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Prata da Casa

Flávio Mendes de Oliveira Castro e Francisco Mendes de Oliveira Castro: Dois séculos de história da organização do Itamaraty; 1: 1808-1979; 2: 19792008 (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 640 e 332 p.; ISBN: 978-85-7631-136-2 e 978-85-7631-158-4). O que já era, na edição original – há muito esgotada – da UnB, uma história minuciosa da estrutura evolutiva do Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois Relações Exteriores, tornou-se agora um relato completo sobre a Casa que passou a chamar-se Itamaraty já na República. A despeito do tom burocrático, trata-se de obra absolutamente indispensável a todo pesquisador que queira desvendar os segredos da alegada excelência da Casa na defesa dos interesses nacionais. Os Castros, reunidos para o segundo volume e o enriquecimento do primeiro, merecem cumprimentos pelo trabalho excepcional de compilação – e apresentação, em tom ameno – dos mais importantes documentos que balizam a construção de uma das melhores instituições diplomáticas do Hemisfério Sul (e talvez, também, de várias partes do Norte).

Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão: A Revolução de 1817 e a história do Brasil: um estudo de história diplomática (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 352 p.; ISBN: 978-857631-171-3) Segunda edição de uma obra relevante na historiografia da revolução em Pernambuco, cujos vínculos internacionais foram pesquisados com uma competência raramente vista nos anais da diplomacia brasileira. Em duas partes, a obra analisa a correspondência diplomática portuguesa e estrangeira a partir de capitais europeias, de Washington e do Prata, para reconstituir as ligações internacionais dos revoltosos do Recife; na segunda parte, a obra discute a opção pela monarquia no Brasil, a partir do impacto dessa revolução talvez mais federalista do que republicana, bem como a repercussão do precedente haitiano no Brasil do começo do século XIX: a imagem de escravos eliminando seus senhores brancos deve ter assustado as elites do Império. Poderia o Brasil ter sido um grande Haiti? Questão para uma história virtual...

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Prata da Casa

Ovídio de Andrade Melo: Recordações de um removedor de mofo no Itamaraty: relatos de política externa de 1948 à atualidade (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 192 p.; ISBN: 978-85-7631-175-5). Em três partes, o depoimento trata da política nuclear e da recusa ao TNP, do reconhecimento de Angola (com telegramas secretos revelados) e dos périplos afro-asiáticos do embaixador aposentado; na quarta parte, Ovídio diz que fez sua parte ao tentar remover do Itamaraty ideias antiquadas e desajustadas, entre elas a decisão de se assinar o TNP. Um dos fantasmas do passado é o imperialismo dos EUA na América Latina, um mofo muito pegajoso, a crer no embaixador. Cabem elogios ao “simpático casal Kirchner”, referências a “explosões nucleares pacíficas” e certa nostalgia pelas posições que o Brasil exibia no passado. O livro é importante pelo depoimento em si, menos talvez pela mensagem que pretende transmitir aos atuais removedores de mofo, pois caberia distinguir qual camada, exatamente, remover...

Jorge Sá Earp: O novelo (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008, 204 p.; ISBN: 978-85-7577-536-3) Autor de uma já impressionante obra de poeta, contista e romancista, Earp termina com esta novela, cujo formato é realmente o de um novelo (com perdão pelo jeux de mots), a trilogia começada com O olmo e a palmeira (2006) e O legado (2007): todo o romance se faz sob a forma de relatos dos personagens, cada um encadeando e misturando suas impressões e trajetórias pessoais com as dos demais. O itinerário total, de duas famílias entrelaçadas, vai, assim, do começo do século XIX ao AI-5, em 1969. Aqui, personagens históricos e imaginários se misturam numa trama que só pode ser seguida pelos relatos subjetivos destes últimos, et encore: ao final, o autor confessa que servia de “ponto” para os atores de uma longa peça de teatro, cujo enredo é a própria história do Brasil: um e outra terminam no escuro da noite. Bravo!

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Expediente Diretoria da ADB Embaixador Guy M. Castro Brandão – Presidente Ministro Paulo Roberto de Almeida – Vice-presidente executivo Ministro Carlos Augusto Loureiro de Carvalho – Diretor Conselheira Maria Sílvia Barbin Laurindo – Diretora Secretária Fernanda Magalhães Lamego – Diretora Secretário Sérgio Carvalho de Toledo Barros – Diretor Secretário Fábio Cereda Cordeiro – Diretor Conselho Fiscal Embaixador Oswaldo Biato Embaixador Sérgio Fernando Guarischi Bath Embaixador Luiz Orlando Carone Gélio Secretariado da ADB Gerente Administrativo: Térsio Arcúrio Assistente Administrativa: Jacqueline Francisca da Cruz ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XVI – nº 68 Edição Janeiro/Fevereiro/Março de 2010 – ISSN 0104-8503 Conselho Editorial Guy M. de Castro Brandão Paulo Roberto de Almeida Sérgio Carvalho de Toledo Barros Fernanda Magalhães Lamego Reportagem Lívia Barreto Edição Ana Luiza Aguiar e Patrícia Cunegundes Revisão Joíra Coelho Projeto Gráfico Fabrício Martins e Wagner Ulisses Capa e diagramação Fabrício Martins Impressão Gráfica Athalaia Tiragem 3 mil exemplares

Diretora responsável Patrícia Cunegundes (61) 3349 2561


ADB – Associação dos Diplomatas Brasileiros Ministério das Relações Exteriores – Esplanada dos Ministérios Palácio do Itamaraty, Anexo I, 3º andar, sala 329-A 70170-900 – Brasília – Brasil Fones: (61) 3411 6950 e 3224 8022 Fax: (61) 3322 0504 www.adb.org.br – e-mail: adb.diplomatas@gmail.com


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