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NOTA DA ORGANIZADORA

O Parlamento brasileiro e a agenda da primeira infância têm vínculos sólidos cujas raízes foram fincadas na Constituição Federal de 1988, ao assegurar-se, em seu art. 227, o princípio da prioridade absoluta à criança, ao adolescente e ao jovem na efetivação de seus direitos. Esse é o paradigma que ilumina, ou pelo menos deveria iluminar, como um farol a ação legislativa e as políticas públicas para a primeira infância.

Nas últimas décadas, outro marco reforçou essa agenda. A ciência acumulou evidências sobre a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento do ser humano, o que possibilitou alinhar argumentos sociais e econômicos ao comando constitucional de prioridade absoluta da criança na garantia dos seus direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além da necessidade de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Dessa forma, a primeira infância passou a ter lugar de destaque na pauta dos atores que se ocupam da garantia de direitos e da promoção de políticas públicas voltadas à criança. Como não poderia deixar de ser, o Congresso Nacional não se furtou a atuar e vem exercendo papel relevante, no âmbito das suas atribuições, para garantir proteção e cuidados com o desenvolvimento integral da criança na primeira infância, seja por meio da promoção de audiências públicas e debates, da apresentação de proposições, da aprovação de normas ou ainda da fiscalização das ações e dos gastos do governo.

São exemplos já bastante conhecidos dessa atuação do Parlamento a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, de 1990, e do Marco Legal da Primeira Infância, em 2016, bem como a criação da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, cuja primeira composição data de 2013.

Há um conjunto muito maior de normas legais produzidas desde 1988 que alcançam a primeira infância, bem como um variado leque de proposições em tramitação na Câmara dos Deputados que buscam dar respostas às demandas atuais.

Recortes dessas normas e proposições são analisados ou mencionados ao longo dos textos da presente publicação.

Este quarto volume da publicação periódica Agenda Brasileira é fruto do esforço dos consultores legislativos para levar ao leitor questões contemporâneas sobre a primeira infância, vinculando-as à legislação em vigor, à agenda legislativa ou às políticas públicas em curso.

Graças à diversidade de áreas temáticas e à experiência profissional dos servidores que integram a Consultoria Legislativa, órgão técnico de assessoramento institucional da Casa, foi possível reunir uma boa variedade de temas na publicação. 1

Os nove artigos que compõem a edição revelam uma agenda extensa e multidimensional, com aderência às características e às necessidades relativas ao desenvolvimento da criança pequena.

Os dois primeiros artigos dizem respeito ao direito à educação, cobrindo, nesta ordem, os aspectos qualitativos da oferta de educação infantil e o desafio do acesso à creche.

O terceiro artigo trata do direito da criança à saúde, oferecendo um panorama do arcabouço jurídico que se consolidou com o advento da Constituição de 1988 e o rol de ações, programas e políticas que buscam dar concretude às normas produzidas.

O quarto artigo discute a evolução dos recursos do orçamento federal investidos nas ações voltadas para a primeira infância e apresenta sugestões para aperfeiçoar o acompanhamento orçamentário dessas ações.

O quinto artigo analisa os mecanismos jurídicos de promoção da convivência familiar na primeira infância, destacando as possibilidades de construção de relações responsivas.

1 Nesta publicação participaram consultores das seguintes áreas temáticas da Consultoria Legislativa: área II – direito civil, processual civil e internacional privado (Thiago Rosa Soares); área V – direito do trabalho e processual do trabalho (Nilton Rodrigues da Paixão Júnior); área XI – meio ambiente e direito ambiental, organização territorial, desenvolvimento urbano e regional (Lívia de Souza Viana); área XIII – desenvolvimento urbano, trânsito e transportes (Ludimila Penna Lamounier); área XV –educação, cultura e desporto (Ana Valeska Amaral Gomes, Bárbara Aguiar Lopes e Jefferson Ricardo Ferreira Chaves); área XVI – saúde pública e sanitarismo (Cláudio Viveiros de Carvalho e Marcelo Ferraz de Oliveira Souto); área XXI – previdência e direito previdenciário (Symone Maria Machado Bonfim) e área XXII – direito penal, direito processual penal e procedimentos investigatórios parlamentares (Juliana Sousa Feitoza). A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Júlia Alves Marinho Rodrigues) também participou desta edição do Agenda Brasileira.

O sexto artigo faz uma abordagem comparativa entre o conceito de cidades inteligentes, humanas e sustentáveis, adotado pelo Centro de Estudos e Debates da CD, e o Marco Legal da Primeira Infância, com fito de garantir a inserção da primeira infância na construção desse novo paradigma.

O sétimo artigo, mais um no campo da saúde, aborda a história da triagem neonatal laboratorial no Brasil e no mundo, descrevendo a situação atual nos países desenvolvidos.

O oitavo artigo defende a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como bússola orientadora da atividade legislativa, a fim de encontrar a melhor alternativa de licença parental que atenda tanto o princípio do melhor interesse da criança quanto o afastamento de preconceitos de gênero.

O nono e último artigo analisa proposições legislativas cujo foco são as licenças para cuidado infantil, em especial de crianças na primeira infância, destacando o cuidado como eixo organizador do ciclo da vida e a legislação atual sobre licença para cuidados infantis.

A gratificante experiência de organizar este volume e de compartilhar leituras com os colegas consultores que participam da edição permitiu consolidar minha percepção de que o tempo da criança é o presente.

O momento atual, marcado por uma duradoura pandemia provocada pelo novo coronavírus (Covid-19), veio reforçar a importância de políticas públicas estruturadas e duradouras no âmbito do Estado, que viabilizam proteção e cuidado para a primeira infância. Outro ponto de destaque é o de que alguns avanços legais conquistados até aqui dependem do direcionamento de esforços para potencializar a fiscalização e garantir prioridade na alocação do orçamento público.

Oxalá o olhar alargado sobre a primeira infância desta Agenda Brasileira colabore para a compreensão da criança como sujeito de direitos e ofereça subsídios para novos passos em direção ao efetivo cumprimento do princípio da prioridade absoluta.

25 de janeiro de 2022

Ana Valeska Gomes Consultora legislativa

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