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COMO UMA SITUAÇÃO DE CRISE E EMERGÊNCIA PODE IMPACTAR A SAÚDE MENTAL?
Impactos psicossociais são esperados em uma situação de crise ou emergência como a de uma pandemia. Mas o modo como as pessoas reagem depende de fatores pessoais, familiares e comunitários. No caso da Covid-19, isso inclui pelo menos:
Fatores prévios:
Idade: crianças em diferentes faixas etárias reagem de modos distintos.
Gênero: ser menina ou menino pode fazer uma grande diferença.
Mulheres e meninas podem ter ficado mais expostas à exploração e ao abuso sexual, à violência doméstica, física e psicológica, ao casamento forçado/precoce/infantil. No geral, também recai sobre elas os trabalhos domésticos e os cuidados com a família, inclusive na condição de trabalho infantil. Tudo isso podendo levar a sérias consequências psicológicas.
Cor/raça: pretos e pardos são os que mais têm sido afetados pela pandemia no Brasil, tanto do ponto de vista da saúde, quanto nos aspectos socioeconômicos.
Condições de vida anteriores à pandemia: vivência anterior de situações de crise, rede de apoio (se mora com a família ou em uma
instituição de acolhimento, por exemplo), estado de saúde física e emocional, histórico pessoal e familiar de problemas de saúde mental.
Migrantes, refugiados e requerentes de asilo: o processo migratório traz impactos profundos no desenvolvimento físico e psicossocial das crianças e adolescentes, associado à pobreza, ao racismo e ao não acesso à língua do país de chegada.
Vulnerabilidades que são agravadas com a pandemia. É o caso dos migrantes e refugiados venezuelanos, por exemplo. Nos últimos anos, milhares de venezuelanos chegaram ao Brasil, muitos dos quais crianças e adolescentes desacompanhados ou com avós e tios. Cultura, tradições e crenças pessoais: é importante considerar como as diferentes populações dentro de um mesmo país lidam com o conhecimento científico e popular, o quanto confiam ou não em evidências científicas, a influência que os líderes têm em diversos contextos, o quanto a dimensão de afeto é perpassada pelo contato físico ou não.
Comunidades tradicionais: é importante olhar especialmente para os territórios e saberes das comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas - quais desafios já atravessam para terem acesso à saúde e educação de qualidade e aderente a suas práticas.
Natureza e severidade dos acontecimentos aos quais as pessoas estão expostas na crise:
Se foram contaminadas ou tiveram alguma pessoa próxima contaminada.
Se perderam parentes, amigos, conhecidos.
Se a família perdeu a fonte de renda, enfrentou escassez de alimentos, acumulou dívidas, teve que mudar de casa. A redução do contato com pessoas significativas em suas vidas. Se ficaram expostas a relações familiares estressantes ou mesmo à violência dentro de casa, durante o isolamento.
Se crianças e adolescentes passaram a estar em situação de trabalho infantil.
Se adolescentes tiveram de mudar seus projetos de vida, começar a trabalhar, por exemplo, mesmo que de forma protegida. Se sofreram mudanças significativas no corpo - ganho ou perda de peso, por exemplo, o que pode ter impacto na autoestima. Tempo e qualidade da exposição a conteúdos da internet: volume de notícias, de fakenews, de conteúdos impróprios para a idade.
Disponibilidade e qualidade de recursos e serviços com os quais têm contado:
Acesso à Internet.
Auxílios emergenciais. Continuidade/descontinuidade de acesso a uma rede de proteção e suporte, pública e comunitária. Continuidade/descontinuidade de acesso a serviços de saúde.
Vínculo com a escola:
Se já estavam fora da escola antes da situação de crise. Se conseguiram ou não manter uma rotina de aprendizagem. Se receberam conteúdos e informações durante o isolamento. Se a escola se manteve próxima aos estudantes, para além das atividades escolares.
Se foi possível a manutenção do contato com colegas da escola.
Reações psicológicas e emocionais
As reações psicológicas a uma crise são variadas e podem aparecer em curto, médio e longo prazos. No caso da Covid-19, os avanços e recuos nas políticas de isolamento também vão influenciar os tempos e a intensidade de manifestação dos sintomas. Será uma longa caminhada até que se possa falar em recuperação. Por isso, a
importância de se garantir atenção aos sinais de quem possa estar precisando de mais apoio.
É importante ressaltar que sentir medo, ansiedade, preocupação, dentre outros sentimentos, faz parte deste momento e não significa que todas as pessoas que os apresentam estejam doentes. É possível que a pessoa sinta apenas um sintoma, ou vários deles. Vários sintomas ou manifestações vão inclusive desaparecer a curto prazo. Mas outros podem permanecer. Uma diferença importante entre o normal e o patológico é o tempo de duração. Quanto mais tempo persistirem os sinais de alerta, associados a não manifestação de prazer ou indiferença nas atividades diárias ou de rotina, mais breve deve ocorrer a busca por ajuda profissional em saúde. Crianças, adolescentes e educadores podem estar sujeitos:
Educação Infantil
Ensino Fundamental Ensino Médio Educadores Sinais de alerta para buscar apoio profissional em saúde
Sintomas físicos: dores de cabeça, cansaço intenso, dores generalizadas, alergias, problemas com fezes e urina, agitação. Doenças recorrentes e sem causa aparente, cuja origem não tenha sido anteriormente identificada por profissionais da saúde.
Distúrbios do sono: passar a ter insônia ou a dormir demais, ter pesadelos frequentes.
Distúrbios alimentares: comer por ansiedade ou o contrário. Vários dias com distúrbios do sono, prejudicando as atividades diurnas.
Perda ou ganho de peso significativo, em curto espaço de tempo. Sinais de bulimia e anorexia.
Manifestações de medo e sofrimento: choro, tristeza, humor deprimido, apatia, pesar, medo (de adoecer e morrer, da família ficar sem sustento, de ser responsável pelo acontecimento de coisas ruins), preocupação em proteger outras pessoas, sentimentos de desamparo e solidão. É comum, quando a sensação ou as manifestações surgem, serem acompanhadas de sintomas físicos, como respiração ofegante, falta de ar, aumento do suor, tremores das mãos, sensação de fraqueza, náusea, tontura e vontade de chorar. Quando essas manifestações passam a ocupar os pensamentos e o comportamento do sujeito por um tempo maior (quantidade) e impedem que pense positivamente sobre as situações do cotidiano.
Manifestações de ansiedade: irritabilidade, preocupação de que algo muito ruim irá acontecer, medo de se contaminar ou ter contaminado alguém, ficar obcecado com algum assunto.
Mudanças bruscas de comportamento: de afetuosas a mais recolhidas, de calmas a mais agitadas e irritadas, ou o contrário. Dificuldades de aprendizagem e de concentração, que persistem no tempo.
Crianças podem regredir a comportamentos anteriores (por exemplo, urinar na cama ou chupar o dedo), podem se agarrar aos cuidadores (sofrendo ansiedade/ medo de que se separem), brincar menos, apresentar problemas de linguagem .
Adolescentes podem ficar desacreditados/ desalentados sobre o futuro. Podem se sentir diferentes ou isolados dos amigos ou ainda apresentar comportamentos que envolvem risco e atitudes negativas Comunicação verbal e corporal parecem voltar a estágios anteriores do desenvolvimento.
Sinais de automutilação e indicação de comportamentos suicidas. No caso de adolescentes, sinais de consumo de álcool e/ou outras drogas, inclusive abuso de medicações. No caso de adultos, o uso abusivo de substâncias psicoativas. Incapacidade de pensar positivamente sobre o futuro de forma persistente no tempo.
Baixa autoestima, perda de confiança em si mesmo e nas pessoas com as quais se relaciona, desequilíbrio emocional, dificuldades de socialização, que podem se agravar diante da comparação com pessoas que foram menos impactadas ou que reagiram de forma mais rápida. Perda do interesse em atividades prazerosas, descuido na higiene pessoal, falta de perspectiva no futuro e dificuldade de socialização de forma persistente no tempo.
Adaptado de: Primeiros Cuidados Psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília, DF: OPAS, 2015. Para conhecer, acesse: bit.ly/primeiroscuidadospsicologicos
Saúde mental da população negra
O racismo e as desigualdades étnicoraciais são fatores que impactam de forma decisiva as condições de saúde. Reconhecer isso é um passo significativo para a promoção da equidade em saúde. É preciso sensibilizar toda a equipe para garantir um olhar atento às condições psicossociais de crianças negras, sem minimizar sinais de sofrimento. Não esquecer que a população negra tem sido a mais afetada pela pandemia e que a segregação e o isolamento já marcam fortemente seu contexto de vulnerabilidade.