Revista FOLLOW

Page 1


na moda

05 Uma forma de

expressão e integração na sociedade moderna

08 E se um dia todos

usarmos a mesma Roupa?

cultura

10 ao molde da sociedade 13 quatro séries que

estão influenciando a moda

14 é super legal ser

negro se você não for negro

trends 15 o que é tendência? 18 “sustentabilidade é

olhar para o outro”

mercado 21 inovação, moda e

economia criativa pelas mãos de germana uchôa

23 lavou, tá novo e na moda

25 old is cool


editora

A brasiliense Carol Borges assina o editorial da primeira edição da revista Follow. Residente no Recife desde 2015, a jovem de 22 anos busca, nesta edição, apresentar um cenário de empoderamento das minorias como protagonistas, tanto na produção de moda quanto no seu consumo. Ao longo de sua conexão com o meio fashion, Carol acredita que política e moda tem se encontrado dentro e fora das passarelas, apresentando um espaço propício para expressão e busca por reconhecimento.

designe r

Emanuel Martins é um jovem paulista que foi para o Recife aos três anos e se descobriu nos desafios do design gráfico. Formado pela Unibratec desde 2016, já passou por grandes empresas e grupos nacionais, apaixonando-se pelas várias formas de expressões artísticas e gráficas. Na busca de expandir suas áreas de atuação no mercado, ele apresenta o design da Follow com um visual moderno e contemporâneo, de modo a não somente agregar valor estético, como, também, a prender a atenção do leitor do início ao fim.


Todos os dias abrimos nossos guarda-roupas e selecionamos o que vestir. Intencionalmente ou não, escolhemos como queremos aparecer para o mundo. Pensar em vestuário é pensar no objeto de consumo em que nossa personalidade aparece de forma mais clara. Tal personalização repousa principalmente na escolha e no vasto universo de estilos. Nesta edição, apresentaremos o comportamento humano expressado por meio do vestuário, envidenciando a indústria da moda como um meio que abarca muito mais que a produção e comercialização de roupas e acessórios. Ela envolve toda a mídia de massa, agências de propaganda, agências de modelos, identidades, consultorias empresariais e especializadas. Moda é um dispositivo social de comunicação intencional, é negociação em que mensagens são trocadas baseadas na motivação de todos os participantes na expectativa de resposta mútua, pois até quem diz que não segue modismos está comunicando sobre si. Ela funciona como uma capa que dá pistas sobre nossa identidade social, cultura, status, idade, pensamentos políticos e humor. Estudar o mercado da moda é desafiante. Os consumidores, as empresas, os funcionários, ou seja, o mundo da moda, demonstra claramente o seu sentimento pelo produto, e a escolha de cada ato do sujeito significa o registro de sua presença no universo, uma consolidação da sua subjetividade. Escolha suas capas. Vista-as quando quiser. Mude. Troque. Rasgue. Customize. Expresse a sua personalidade, pois não compramos produtos, serviços e marcas: adquirimos imagens de nós mesmos.


Mateus Rodrigues é a prova de que a roupa auxilia na composição de diversas identidades que são formadas para buscar a proximidade do que se deseja ser

Foto: Vinicius de Brito/Arquivo pessoal

Uma forma de expressão e integração na sociedade moderna


na moda

A

s roupas não são apenas vestimentas que protegem o corpo ou adereços e adornos que nos embelezam. As roupas, como todos os objetos usados no cotidiano pelos seres humanos, são partes da nossa existência diária, traduzem estados de espírito e identidades pessoais. Elas inundam o mundo de sentido e significado e auxiliam a construir diversas narrativas e expressões sobre as pessoas, sobre quem elas são ou como querem ser vistas, a diferenciar ou criar identificações, a ocupar posições ou oposições dentro do grupo. A roupa constrói e tem poder. Ela é um elemento forte da cultura material. Não se pode querer entender, porém, o comportamento e as atitudes do consumidor sem entender antes o que a posse, os usos e representações destes bens significam para ele. Uma forma de se fazer isso é reconhecer que ele considera e vê suas posses como partes dele, conscientemente ou não, intencionalmente ou não. As roupas são, dentre todos os objetos, aquelas que sempre carregaram a maior carga de valor sígnico. Por meio das roupas podemos entender a organização e a dinâmica político-social de um período, os tipos de interações e relações humanas e sociais, entender o comportamento e a sensibilidade de uma época e também contar histórias pessoais da vida cotidiana, pois as roupas nos falam, acima de tudo, de emoções, experiências e conquistas. O consumo preenche pouco as necessidades materiais e funcionais. Ele é atravessado por um profundo valor emocional e simbólico. O corpo, por exemplo, é um suporte sobre o qual se inscrevem projetos e narrativas, mensagens e códigos, um grande sistema de comunicação, uma comunicação rica em metáforas e aliterações. Dessa forma, Simone Barros, professora do departamento de design, da Universi06

dade Federal de Pernambuco, destaca que a moda, além de ser um incentivo ao consumo, possui códigos, sendo um relevante fenômeno cultural. “Ao escolher uma peça de roupa e ao decidir o que se deseja vestir, de determinada forma, o indivíduo está se comunicando, mas não só isso, ele está acionando o poder de recompensa, nesse caso definido como a aceitação social gerada pela escolha realizada, a depender dos papéis que se queira desempenhar”, afirma a professora. A roupa auxilia na composição de diversas identidades que a realidade propicia. Neste aspecto, os contextos e as relações sociais que se está inserido se transformam rapidamente, estimulando sempre o desafio de segui-las no decorrer do tempo, alterando atitudes, crenças, valores e desejos, por exemplo. A roupa é integrante das identidades que são formadas para buscar a proximidade do que se almeja ser, ou do que se deseja parecer ser. Segundo Simone, há uma multiplicidade de maneiras de se vestir, que permitem que os indivíduos montem e desmontem visuais com estilos estéticos, ideológicos e artísticos singulares. “A vida social impõe essa variedade de formas de ser e de viver. É possível encontrar uma pessoa três vezes por dia e em cada momento ela se apresentar com uma versão diferente dela mesma. A escolha do que vestir não é por acaso, é um ato, perceptível ou não, de se comunicar com a sociedade. Essa escolha parte muitas vezes através da influência da mídia, e estabelece uma rede de relacionamento”, completa Simone. É o que acontece com Mateus Rodrigues, 21, estudante de comunicação, blogueiro e maquiador. Para ele, a exata função da moda é a de expressar quem se é. Fazendo referência à

modernidade, é como a selfie diária do seu próprio eu se transformando todos os dias. “A moda expressa mais quem eu estou do que quem eu sou, porque, para mim, a atitude de pegar uma roupa todas as manhãs, por mais que a gente diga que optou pela primeira ou escolheu a roupa super rápido, nunca pegamos de fato a primeira. A gravitação do olhar pelas peças expressa o sentimento que estamos passando naquele momento, mesmo que não percebamos isso”, relata o maquiador. Inspirado pela forma como a blogueira americana Leandra Medine enxerga a moda e as suas roupas, Mateus define seu estilo como um “buffet visual”. “Geralmente eu sou muito chamativo e carrego vários elementos na minha roupa. Sendo bem sincero, eu nunca sou básico, e isso define bem o meu estilo. Eu sou expansivo, bagunceiro. Eu sou exatamente como eu me visto”, afirma. Há quatro anos, Mateus começou

follow


na moda Outras formas de enxergar o mundo fashion também estão sendo levantadas. Pessoas de grupos que até o século 21 tinham pouca ou nenhuma representatividade estão passando a ter suas vozes ouvidas, e isso vem impactando diretamente as tendências no mundo fashion. Para a Worth Global Style Network ( WGSN), portal de estilo que busca tendências de comportamento pelo mundo, em sua análise “O consumidor do futuro: 2020”, o foco na diversidade é fundamental para marcas que desejam se consolidar no futuro como estratégia de negócio, e isso vai além da inclusão de modelos negras em passarelas e campanhas.

Foto: Arquivo pessoal

a desbravar ainda mais o universo da maquiagem. O que antes era apenas a junção de um pó com um corretivo básico, deu lugar a produções cada vez mais elaboradas, firmando um propósito certo: enxergar a maquiagem como um acessório da sua própria moda. Um novo olhar sobre o meio. Foto: Arquivo pessoal

Discursos de empoderamento, questões de gênero e diferentes tons de nude fazem parte da sutil revolução que começa a tomar forma nos departamentos de estilo. Já é possível notar no meio da moda perfis de indivíduos que antes não participavam desse ambiente, tais como: mulheres mais velhas, público LGBT, pessoas com alguma deficiência física, entre outros. A própria legitimação desses grupos na sociedade, a mudança de mentalidade da população e uma postura mais crítica sobre aquilo que se considera como padrão a ser seguido são alguns dos fatores que aumentaram a flexibilidade dos biotipos que se encontram atualmente como representantes da moda.

ainda não está saturado. “Não acho que seja um mercado difícil de entrar, mas acredito que seja um mercado difícil de se estar, porque a pressão no meio é muito grande e tudo é totalmente volátil. A foma como as pessoas compram hoje é muito diferente das de antigamente, então, as próprias fórmulas de venda estão sendo questionadas. É um mercado em constante mutação e que bom que está mudando”, pontua o blogueiro. O fato é que o ser humano fala através das roupas, da casa e dos objetos. São signos visíveis da condição social e da autoexpressão. Produtos e marcas pessoais ajudam a confirmar a própria imagem e definir as frágeis fronteiras de subjetividade, mas também prometem a experiência de novas identidades e da transformação de si.

No entanto, o mundo fashion ainda é lento para fazer mudanças. De acordo com o Report de Diversidade do outono de 2016, dos 9.538 modelos selecionados para a temporada, 80% eram brancos. A moda caminha em passos lentos, mas está cada vez mais imersa em um processo de potencialização de essências e experiências, mostrando-se como reflexo do que se vê nas calçadas ao redor do mundo. Para Mateus, o mercado da moda 07

Foto: Arquivo pessoal

follow


na moda

E se um dia usarmos todos a mesma roupa? Além de atenuar os limites entre o feminino e masculino, moda genderless também estimula discussões sobre gênero Foto: Reprodução/Internet

U

m dos movimentos mais discutidos no mundo da moda é o movimento andrógino, termo do qual os fashionistas se apoderaram para compor peças que envolvam elementos do guarda-roupa do gênero oposto, com o objetivo de fazer com que os produtos se identifiquem, ao mesmo tempo, com os dois gêneros.

quanto mulheres representando coleções femininas. Mas não é de hoje que o mercado da moda revela traços da não-categorização por gênero. Já na década de 20, a estilista Coco Chanel ousou ao criar roupas para mulheres a partir de peças masculinas. Desde então, a moda tem se direcionado, cada vez mais, para um universo sem gênero.

As composições andróginas estão cada vez mais recorrentes nas passarelas, tendo destaque nos desfiles de marcas como Louis Vuitton e Gucci, que apresentaram seus acervos com castings compostos tanto por homens

O retorno dessa moda livre de distinções, também chamada de genderless, desperta interesse em assuntos que não eram colocados em pauta pela sociedade, como a pregação contra o binarismo, o abandono de

08

marcadores distintivos de gêneros e questionamentos sobre as cores certas para crianças. Propor novas maneiras de pensar sobre esses temas estimulam polêmicas e discussões acaloradas, especialmente no âmbito conservador. Para Dayanne Holanda, sócia da Armária, primeira loja de roupa sem gênero da capital federal, apresentar esse tipo de moda não excluirá o binarismo do mundo fashion por completo. “O objetivo do movimento, na realidade, é criar um ambiente confortável para que pessoas possam ser quem são, fiquem livres de limitações

follow


na moda e encontrem na moda uma forma de expressar ao máximo a sua personalidade, sem excluir aquelas que preferem o padrão binário. A proposta da moda sem gênero é quebrar preconceitos e abrir espaço para que todas as pessoas sejam aceitas e respeitadas”, expõe a empreendedora.

madas, sempre com roupas brilhosas, e isso me fazia andar assim também para tentar ser aceita nos grupos e lugares que elas frequentavam. A verdade é que eu só queria colocar um camisetão do meu primo, mas tinha medo dos meninos não me paquerarem e se interessarem só por elas”.

Dayanne afirma que o que é importante entender sobre a moda sem gênero é que modelagens, cores e formas responsáveis por valorizar atributos femininos ou masculinos existem para servir o público e não apenas para serem enquadradas em uma dicotomia rígida de gêneros. “Não estamos dizendo que vamos voltar no tempo e regredir em todos os aprendizados de modelagem para corpos masculinos e femininos, afinal, moda é sobre valorizar o corpo, sobre se sentir bem, é falar algo sobre você sem precisar de palavras. Um sapato unissex pode ter uma estampa interessante para qualquer pessoa e não existe necessidade em enquadrá-lo em um gênero ou outro”, relata. Apesar das marcas ainda considerarem muito importante a divisão entre roupas masculinas e femininas, já há uma geração de consumidores que não se importa tanto com isso. As pessoas estão querendo cada vez mais se libertar de certos códigos pré-estabelecidos, dando destaque à moda sem gênero, que vem para quebrar esses paradigmas, apresentando-se enquanto elemento livre, independente de quem seja o público final. Mariana Oliveira é fotógrafa e compõe a parcela de novos consumidores que aderiram à moda genderless, mas garante que nem sempre foi fácil assumir seu estilo. “Eu comecei a usar roupas sem gênero quando fui deixando minha personalidade mais forte. Antes eu me vestia no estilo patricinha, mas não era o que eu realmente gostava. Minhas amigas andavam muito arru09

sexual. As pessoas acham que, por eu me vestir com roupas sem gênero, eu sou lésbica, mas não é bem assim. Espero que um dia todos entendam que as roupas não possuem gênero ou sexualidade, são apenas uma forma de expressar um sentimento livre”, desabafa a estudante. Provavelmente, só em uma sociedade com plena igualdade de gênero seria possível fundir guarda-roupas sem se prender a preconceitos. Enquanto isso, designers de moda, ativistas e grandes multinacionais vão criando as suas investidas. A luta pelo entendimento de moda sem gênero como a liberdade de cada um poder usar aquilo que bem entender, sem ser alvo de juízos normativos, continua.

Foto: Carol Borges

A jovem, que se inspira em influenciadoras como Maju Trindade, conta que começou a se sentir mais confiante com sua aparência depois que passou a criar o seu próprio estilo, apesar de ainda encontrar várias barreiras perante a sociedade. “As pessoas acham que eu estou sempre desarrumada, só que levei horas pra escolher aquela roupa. Estou arrumada de acordo com o meu estilo, mesmo que para elas eu não esteja com uma roupa adequada para trabalhar, ficar em casa ou ir para uma festa. É importante frisar que a forma como me visto também não tem relação com minha orientação

Foto: Carol Borges

follow


Ao molde da sociedade Como a moda acompanhou e traduziu as pressĂľes culturais sobre o corpo feminino Foto: Carol Borges

cultura


a

cultura

P

ara além do biológico, com suas propriedades físicas e materiais, o corpo é histórico, social e cultural. Mais do que um conjunto de músculos, ossos e órgãos, reflexos e emoções, ele é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam e a imagem que dele se produz. O corpo é uma produção constante de ressignificados, sobre os quais são realizadas diferentes leituras e inscritas variadas marcas por distintas sociedades e culturas ao longo da história. O corpo que mais sofre influências do meio social tem sido o feminino. No decorrer do tempo, o corpo feminino foi torcido, esticado, alargado, puxado e reformado em função do tipo de revestimento e de estruturação que a roupa lhe oferecia, transformando e modelando as aparências em um misto de prazer e tirania. No século 18, a noção do “corpo ideal” era um anseio principalmente das camadas mais altas da sociedade. O uso de espartilhos era considerado essencial naquela época, mas não somente com o objetivo de afinar a silhueta. A generalização do uso da peça envolvia fatores muito mais complexos e relacionados a noções culturais de propriedade, classe e aspecto físico da mulher. Caminhar com elegância enquanto vestia um traje tão desconfortável era um sinal de status, e ainda existia a crença de que o corpo feminino era inerentemente fraco e precisava de apoio.

A volta da cintura fina, destacada pelas volumosas crinolinas, armações feitas de arcos de aço para moldar a forma das saias, em voga de 1845 a 1870, chamava a atenção para a parte superior do corpo, considerada “a mais valiosa” para a época, segundo Simone Barros, professora do departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco. “Para os povos do ocidente, as partes inferiores do corpo feminino não eram estimadas, por esse fato, as pernas das mulheres ficaram encobertas durante séculos sob saias e anáguas”, analisa a professora. A partir de 1870, a moda foi se tornando progressivamente mais democrática. Os avanços técnicos e a proliferação das lojas de departamento

fizeram com que mulheres de classes sociais distintas passassem a comprar estilos de roupa parecidos, fazendo surgir uma certa padronização de “silhueta modelo” e uma pressão para se adequar em todas as camadas da sociedade. Porém, o fato de muitos lojistas ofertarem produtos com medidas que variavam de 45,7 a 76,2 cm de cintura, deixava claro que muitas mulheres não atendiam ao ideal de magreza da época. Foi então que, no início do século 20, a influência do movimento estético, representado por vestidos elegantes e mais folgados criados pela loja de departamentos Liberty, em Londres, na tentativa de libertar as mulheres do total confinamento do espartilho, ganhou mais força. Mulhe-

Foi ao final da Revolução Francesa, em 1789, quando a aparência aristocrática se tornou facilmente censurável, que o espartilho perdeu por um curto período de tempo a sua força no guarda-roupa feminino. As mulheres passaram a adotar peças de caimento mais leve e cintura alta estilo império, mas, mesmo assim, algum acessório de suporte ainda era utilizado. 11

follow


cultura res que não conseguiam se adequar ao look encontraram outras maneiras de ser fashion. Mesmo com o tipo físico magro e atlético ainda voga para grande parte da indústria fashion, no início do século 21, a ascensão das mídias sociais começou a mudar gradualmente a forma como as pessoas consomem e interagem com a moda. Blogs de estilo e plataformas digitais, como Instagram e Twitter, abriram as portas do mundo da moda para uma parcela cada vez maior de pessoas. Determinadas marcas adotaram com entusiasmo uma visão mais inclusiva do corpo. A estilista americana Becca McCharen-Tran, da Chromat, tem dado um show de diversidade nas passarelas, apresentando modelos de diferentes raças, medidas e identidade de gêneros. Sâmia Veras, presidente da Associação das Mulheres Plus Size de Pernambuco e idealizadora do projeto “As Mil Faces de uma Plus”, fundado em 2017, reafirma que aconteceu uma mudança significativa no mercado, mas que ainda existem muitos muros para serem desconstruídos. “Hoje em dia a moda tem um grande e sério problema, ela ainda é para mulheres majoritariamente ‘slim’. O mundo fashion tentou se adequar às gordinhas, afinal, somos a maioria, mas ainda assim começaram a impor um padrão base. Para os lojistas, a mulher plus é aquela gordinha que não tem barriga, nem um tamanho maior de seio, mas eles precisam saber que esse padrão não atende a todo mundo. A gente precisa transpor essa barreira porque ainda há muito tabu e preconceito na sociedade”, relata a também pedagoga.

“Eu posso tudo o que eu quero. Toda mulher é linda e sensual, independente de ser gorda ou ser magra. Às vezes eu costumo dizer que até de burca eu sou sexy, porque se você se sente assim, você pode ser sexy até apenas com os olhos de fora”, afirma. Vanessa Oliveira, plus size há cerca de 20 anos, concorda plenamente com Sâmia. Para ela, que vivenciou a transformação do seu corpo, a beleza está na autoconfiança. “Durante toda a minha adolescência e parte da vida adulta, eu fui uma mulher magra, uma mulher padrão. Hoje, aos 42 anos e com alguns quilos a mais, eu continuo me enxergando como uma deusa. Não é a sociedade, as lojas e o mercado da moda e beleza que irão dizer o que serve para mim ou não. Eu digo o que eu devo ser. Não preciso buscar o corpo perfeito, porque eu já o tenho desde que nasci”, declara Vanessa. A crescente voz do empoderamento feminino nas mídias, e consequentemente no mundo, permite que cada vez mais mulheres experimentem o poder de serem e se vestirem da maneira que bem entendem. Esse empoderamento dá poder e força às mulheres, além de visar o posicionamento psicológico, social, político e educacional delas na sociedade. A mulher está ficando mais livre para ser quem quiser e quebrar padrões. Ela não necessita mais da aprovação masculina para se vestir e o paradoxo “ser x pertencer” deixa aos poucos de fazer parte do seu dia a dia, em nome de sua liberdade de estilo.

Para Sâmia, os padrões impostos sobre o seu corpo não a fazem inferior, e incentivar a autoaceitação das mulheres plus se tornou sua luta diária. 12

Ilustração: Carol Borges

follow


cultura

que influenciaram a moda

P

assar horas assistindo a seriados já virou o hobby preferido de muita gente, mas o que está realmente chamando a atenção são os toques fashionistas dessas produções, atraindo olhares dos estilistas e ditando a moda das principais vitrines do mundo. Desde a moda urbana das grandes cidades a nostalgia das tendências de décadas passadas, se você se interessa por moda, ou está apenas buscando inspirações para construir bons looks, não pode deixar de conferir esta seleção das séries que influenciaram o universo fashion. Sex and the City

Muito antes do sucesso das digital influencers, Carrie Bradshaw desfilava pelas ruas de Manhattan com looks que despertavam desejo em mulheres do mundo todo. Carrie, Miranda Hobbes, Samantha Jones e Charlotte York integram o quarteto de amigas que desbrava Nova York no autêntico estilo Sexy and the City. O seriado ganhou uma versão para os cinemas e colocou em evidências designers como Manolo Blahnik e Christian Louboutin, transformando a moda dos anos 2000. Lançado em 1998, Sexy and the City criou tendências 13

que são usadas ainda hoje pelas mulheres, como o icônico colar de Carrie com seu próprio nome. Mad Men

Desenvolvido por Jane Bryant, o figurino retrô de Mad Men ganha as ruas em pleno século XXI. A trama que retrata um grupo de publicitários do anos 60, conta com um styling impecável, consagrando Don Draper, protagonista da série, como modelo para vários figurinistas. Brincos enormes, estampas coloridas, pérolas e lenços, além dos ternos bem alinhados são o destaque da produção. A influência de moda da série é tão intensa que a loja Banana Republic criou uma coleção inteira baseada no figurino do seriado. Scandal

A série de sucesso da ABC traz como protagonista uma mulher madura, imponente e bem elegante. Olívia Pope, interpretada por Kerry Washington, é

uma advogada renomada, dona de um estilo sofisticado, destacado por grifes como Prada e Louboutin. O figurino da personagem ganhou o varejo na coleção da grife estadunidense The Limited, trazendo a estética “gladiadora de terno” para a população. A coleção foi uma parceria entre a marca, a própria Kerry e a figurinista da série, Lyn Paolo. Na época do lançamento, o acervo contava com 70 peças, entre tops, calças e jaquetas, que variavam de 49 a 250 dólares. GirlBoss

GirlBoss, lançada em 2017 pela Netflix, é uma das preferidas dos fashionistas. A série é baseada na história de Sophia Amoruso, fundadora da Nasty Gal, marca estadunidense especializada em moda para mulheres jovens. Sophia aparece logo no primeiro episódio com uma peça-desejo: a east jacket metalizada, revelando seu olhar apurado na hora de garimpar roupas vintage, uma marca registrada da empresária. A produção da personagem principal representa uma mulher bem decidida, descolada e segura, com peças bem rock n’roll, transparências, tons fortes e modelagens ajustadas ao corpo.

follow


Apropriação cultural estimula discussões sobre racismo, etnocentrismo e capitalismo na indústria da moda

A

cadência acelerada de produções na moda sempre levou os estilistas a incorporarem elementos de outras culturas em seus trabalhos para se manterem renovados. O problema se dá quando, nessa absorção cultural, ocorre um esvaziamento de conteúdo. Já que, apesar de estarem trabalhando constantemente com o uso de códigos culturais, grifes são rotineiramente acusadas de desconsiderar a diversidade étnica na hora de selecionar modelos e fazer contratações. O debate sobre a apropriação cultural trata, principalmente, de uma discussão sobre racismo, etnocentrismo, capitalismo e sobre o uso que instituições, como a indústria da moda, fazem de produções de grupos minorizados. Pesquisadora na área de representação do negro na mídia, a professora de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco, Liana Lewis, explica como se dá o processo de apropriação cultural. “Nos conceitos da antropologia, o termo ‘apropriação cultural’ se refere ao momento em que alguns elementos específicos de uma determinada cultura são adotados por pessoas ou um grupo cultural diferente. Mas não só isso. Esse conceito passa por uma reflexão política. É um processo que primeiro a gente tem de pensar que se dá dentro de uma relação de poder, em que as hierarquias são vistas de maneiras distintas, dentro de padrões hegemônicos e não hegemônicos, a partir do pressuposto de que uma cultura é melhor que outra. São pessoas da indústria de moda, indústria cultural ou até indivíduos no seu dia a dia 14

que não participam efetivamente de um movimento de apoio a esses grupos subalternizados e se apropriam de alguns elementos estéticos dessa cultura para fetichizar e tirar do seu contexto. Essa apropriação configura uma violência simbólica muito forte. Não é uma violência física que você vê marcas no corpo, mas vai se perpetuando porque atua no nível da subjetividade”, esclarece a professora. Assim, explica ela, existe um aval sistêmico para o uso dessa apropriação, reforçado pela mídia e pela publicidade. Por outro lado, pondera, o mesmo não ocorre com uma mulher negra que toma as mesmas decisões. “É essa diferença de tratamento e de percepção na sociedade que causa a nossa crítica. A abordagem diferenciada entre brancos e negros, que se dá quando estes estão utilizando seus elementos não só estéticos, mas de resistência”, reitera Liana. O problema começa quando uma pessoa, que transita em outros espaços, tira vantagem da cultura de quem deveria ser protagonista. A exemplo do turbante, herança africana que tem grande simbologia nas religiões afro. Ele não é apenas um pano que você simplesmente amarra na cabeça. O fato de usá-lo tem valor religioso e étnico. Quando a moda utiliza essa peça em modelos de passarela brancas funciona como uma ofensa ao povo negro, pois se esvazia de todo significado. Para Geisa Agrício, jornalista e ativista negra, a moda black traz uma ideia falsa de maior aceitação dos negros. “As chances de você já ter escutado

cultura alguém falar que o cabelo rastafári daquele negro no ônibus deve ser sujo ou que o black power daquela adolescente não deve ver água há anos, já que nem um pente entra ali, são grandes. Muitas dessas pessoas, porém, ao ver uma modelo ou artista branca utilizando os mesmos elementos, dizem que ela é cool, moderna e bonita. E o motivo é simples: apesar de estar toda montada para se parecer com uma menina negra, ela não tem traços de alguém afrodescendente. Ser negra é ser morta, chamada de vadia e silenciada o tempo todo. Não é uma opção. Foras das redes sociais o genocídio e o racismo continuam. É preciso que as questões ultrapassem a estética”, afirma.

Foto: Arquivo pessoal

É super legal se você não for negro

Apesar de toda a problematização, Liana acredita que seja possível produzir uma moda intercultural de uma forma responsável. “A indústria da moda consegue sim criar desfiles conscientes, basta estar atenta a maneira como são apresentados e pesquisados. É possível trabalhar uma moda indiana e africana, por exemplo, fazendo uma pesquisa com historiadores, costureiras e modelos dessas culturas. A relação está na forma como você produz e como apresenta”, destaca. Certamente a temática da apropriação cultural não pode ser debatida de forma individual. Ela vai muito além disso. Evitar o contato e a troca é inviável, porém é preciso estar em constante atenção a maneira com que a cultura de grupos oprimidos é tratada.

follow


o que é tendência? Os caçadores de tendências, ou coolhunters, conseguem antever o que um grupo ou uma grande maioria de pessoas desejarão num futuro próximo. Foto: Reprodução/Internet

rends


trends

F

oi-se o tempo em que só as grandes marcas ditavam o que ia estar nas ruas. A tendência, hoje, é um somatório de vários valores e desejos, e a facilidade de informação, com a internet e as mídias sociais, trouxe outros parâmetros de influências e rapidez instantânea.

Foto: Reprodução/Internet

Segundo Dario Caldas, em seu livro “Observatório de sinais”, atualmente, além dos significados etimológicos, como “tender para” e “ser atraído por”, a palavra tendência também passou a se relacionar com a ideia de mudança. Em resumo, é possível entender uma tendência como uma “mudança” da moda que aponta para determinadas propostas estéticas a cada temporada. A tendência de moda, seja ela um estilo, uma cor, estampa ou padronagem, segue um ciclo. Não há nada realmente inédito e sim novas propostas em cima de estéticas já existentes. Esses novos direcionamentos são baseados na observação dos desejos e das novas necessidades dos consumidores. Então, antes que você pense que os grandes criadores de tendências sejam os estilistas, saiba que esta cadeia é feita também de eventos muito anteriores a eles. O caminho tradicional tem início nas tecelagens. Este é o primeiro setor do processo que vai atrás de informações comportamentais. Geralmente, aqui, um bureaux (agência) de tendências, que conta com profissionais de diversas áreas, é contratado para mapear quais são os novos desejos do público alvo. De acordo com Alexandre Bergamo, professor adjunto do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina, os bureaux buscam as macrotendências, ou seja, detectam, por meio da observação, os novos comporta16

mentos das pessoas e analisam que rumos tomarão os hábitos de consumo da população. Essa pesquisa inicial está muito mais focada nas ações comportamentais do público do que nos produtos. Só depois é que as aspirações das pessoas serão traduzidas em tecidos, cores e texturas. Nessa fase, entram em ação os caçadores de tendências, conhecidos como coolhunters, que conseguem antever o que um grupo ou uma grande maioria de pessoas estão ansiando e o que desejarão num futuro próximo. A partir de então, essas informações são apresentadas em um bureaux de estilo para que profissionais especializados possam trabalhar seus respectivos produtos.

gião. Se a situação econômica tende a ficar cada vez pior e se espera que a taxa de desemprego do público alvo suba, então, é provável que os pigmentos escolhidos terão menos saturação e também menor valor. Assim, os estilistas deverão criar peças ainda atraentes para a venda, porém com cores mais sóbrias. Foto: Reprodução/Internet

A depender dos resultados das pesquisas, é decidido o que será lançado nas novas coleções. Um bom exemplo para entender esse processo é avaliar como está a economia do país ou re-

follow


trends Se for identificado no público alvo um retorno pelo interesse em atividades manuais, em contraponto com a saturação tecnológica do século, é possível que o bureaux sugira a criação de uma quantidade maior de tecidos que tenham em sua trama um destaque na textura, talvez algo que se assemelhe a um tecido feito à mão, podendo utilizar uma trama irregular ou mesmo uma que tenha aquelas bolinhas de linha saltadas que pareçam defeitos. É claro que nem só de estudo comportamental vive a criação. Mesmo nessa etapa inicial de feitura dos tecidos, outros fatores podem pesar no resultado final, como a tecnologia, a política, no caso das guerras, por exemplo, e o clima. O fato é que há tendências que podem permanecer por um longo período e outras que explodem, são usadas e descartadas em um curto espaço de tempo. Tudo é muito volátil. Essa vida útil inconstante das tendências é conhecida como Ciclo de Moda. Dentro

Foto: Reprodução/Internet

17

do Ciclo de Moda podemos identificar diferentes categorias de tendências examinando sua vida útil e a velocidade entre a ascensão e o declínio do período de adoção. Uma tendência pode vir a ser um estilo ou pode simplesmente ser esquecida rapidamente, como observamos nos modismos. Segundo o designer de moda, Kledir Salgado, para categorizar os tipos de tendência, existem três teorias base na liderança de moda. A Trickle Down, também conhecida como teoria do gotejamento, em que a moda se difunde de cima para baixo, ou seja, é lançada nas passarelas e cai no gosto popular. A Trickle Across, com a difusão da moda entre todos os grupos ao mesmo tempo, como se fosse uma febre coletiva, um fluxo horizontal. E a Bubble-up, ou teoria da ebulição, em que a moda surge entre os pequenos grupos e sobe para as passarelas, como no exemplo dos punks da Inglaterra que inspiraram a estilista Vivienne Westwood e tornou-se um estilo.

organização dos setores de moda, se as tendências analisadas não fossem amplamente divulgadas, fazendo-se visíveis e desejadas pelos consumidores. A mídia surge como o principal aliado propagador dessa ação, empregando como notícia os grandes desfiles dos principais criadores e suas marcas, ou até mesmo nas produções das novelas.

De nada adiantaria, porém, toda a

Foto: Reprodução/Internet

follow


trends

“sustentabilidade é olhar para o outro” Carol Monteiro, figurinista há 15 anos, relata os desafios de produzir moda sustentável em um mundo imerso no fast fashion Foto: Carol Borges

F

ormada em Educação Física e Varejo de Moda pela primeira turma da Faculdade de Boa Viagem, Carolina Monteiro atua como figurinista desde 2003, apresentando a sustentabilidade como a base da sua produção. Tal proposta foi levada às passarelas, mais recentemente, na 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), pelo desfile “Moda Sustentável”, realizado pela figurinista, em parceria com os produtores locais. Em meio ao seu novo projeto realizado com pedras encontradas no sertão pernambucano, Carol contou à Follow os desafios que encontra na produção de uma moda sustentável. F: Como teve início a sua trajetória na moda? C: Primeiramente, eu comecei pela educação física, porque na época eu era atleta. Ainda dei aula de educação física por algum tempo, mas vi que 18

não era isso que eu realmente queria, então comecei a me interessar por moda, por essa forma de expressão, porque para mim a moda é isso, é a forma que você pode se expressar, que você pode falar sobre si. F: Como a bandeira da sustentabilidade entrou no seu trabalho? C: Na verdade, eu acho que sustentabilidade é um caminho que você escolhe para a sua vida. Eu aprendi com a minha mãe, uma educadora, mãe de oito filhos, que saiu de Belo Jardim para estudar no Recife. Tudo o que ela conseguiu foi com muito trabalho e, por isso, ela não jogava nada fora, tentava reaproveitar tudo. As roupas dos meus irmãos, por exemplo, eram passadas de um para o outro, para não jogar fora o que ainda estava servindo. Uma roupa pode servir do jeito que está ou pode ser transformada para servir de outra forma uma outra

pessoa. Eu acredito que ser sustentável tem muito de educação, de como você foi educada e de como você enxerga o outro. Quando eu entrei na moda como figurinista, eu trouxe esse “ser sustentável” para o meu trabalho. Comecei a criar figurinos para minha turma da escola, para os meus alunos de educação física, todos utilizando materiais inusitados, que iam para o lixo, por exemplo. F: O que caracteriza a moda sustentável? C: Para mim, moda sustentável é você ser um ser sustentável, causando menos impacto para a natureza. É você ver que o lixo de um pode ser o luxo para outro, que você pode fazer um trabalho que agregue uma maior quantidade de pessoas. É não alimentar um consumo inconsciente. F: Como você vê, atualmente, a

follow


trends questão da sustentabilidade na moda brasileira? C: A moda sustentável no Brasil ainda tem muito o que crescer, mas eu acho que estão surgindo várias representações significativas. Estilistas renomados que antes faziam quatro coleções por ano hoje em dia estão diminuindo essa quantidade. Existem estilistas, inclusive, que estão saindo das grandes temporadas de moda para seguir uma carreira mais artesanal, feita à mão, que não dá a possibilidade de ter muitas coleções por ano. Creio que estamos no caminho, na forma orgânica de fazer produtos com trabalho manual, utilizando materiais sustentáveis. O ramo está crescendo e vai crescer muito mais. F: Você acredita que seja possível uma moda 100% sustentável? C: Eu quero acreditar nisso, mas sei que é difícil. Às vezes eu me pego entrando em uma loja de departamento, por exemplo, que a gente sabe que tem um trabalho escravo por trás. As indústrias são muito agressivas, mas ainda quero acreditar que é possível. F: Quais os desafios de produzir moda sustentável? C: Eu acho que é superar essa indústria do vestuário, que acha que a moda tem de ser descartável. Eu prezo muito mais por qualidade, hoje em dia, que por quantidade. Não quero produzir vestimentas e acessórios que não aguentem uma lavagem ou muito uso, é preciso procurar roupas que tenham uma vida útil maior, como nos brechós. F: Como conscientizar os consumidores em uma época imersa nos fast fashions? C: Mostrando o valor real das coisas, que você pode se vestir com estilo gastando pouco, trocando e tendo um guarda-roupa reduzido. Não é tão difícil quanto parece. Na minha casa, por exemplo, quase todos os obje19

tos foram comprados em brechós ou achados no lixo. F: Muitas marcas se baseiam apenas no pilar “verde” da sustentabilidade, esquecendo outros aspectos, como o social, por exemplo. Como você equilibra os três pilares, social, econômico e ambiental, da sustentabilidade na sua produção? C: Eu me preocupo muito com quem eu vou trabalhar, quem vai me fornecer os materiais que preciso, quem eu vou fomentar para construir o meu trabalho. Estou fazendo agora o lançamento das minhas biojoias, em que 99% das pessoas que estão comigo nessa luta são mulheres. Quando eu procuro comprar alguma coisa ou então fazer algum trabalho manual, eu sempre escolho de quem é menos fomentado, de quem é minoria. Eu acredito que o problema do mundo, do Brasil, é a diferença social, então se a gente não se juntar, não se preocupar com isso, estamos sendo sustentáveis apenas da boca para fora. Para mim, a sustentabilidade é olhar para o outro. Eu não quero comprar mais, eu quero usar o que já tem no universo, esse é o meu lema. F: Como é o seu processo de criação? C: O meu processo de criação é tão longo, tão minucioso, eu presto atenção em tudo, nos mínimos detalhes. São anos de cuidado, de analisar com quem eu vou trabalhar, que material eu vou utilizar, quem eu quero que use minhas peças, e a criação vem com tudo isso. Você vai amadurecendo durante o processo, até o jeito que você olha para as pessoas, para sua matéria prima é diferente. Eu comecei costurando barro, hoje estou costurando pedra, pedras que encontro no meio do caminho, ossos que encontro no meio do caminho, a história que eu encontro. Essa é exatamente a minha forma de criar, é de verdade, é o que vem da minha infância, vem de

dentro. F: Em seu desfile “Moda Sustentável”, realizado durante o FIG 2018, você contou com a participação de modelos de várias etnias, gêneros e orientações sexuais. Qual a importância de trazer essa diversidade para as passarelas? C: Eu creio que todo mundo que acredita em um universo melhor, sustentável, tem de estar junto. As diferenças têm de estar juntas. E como o tema que foi muito abordado no FIG foi essa liberdade, tantas vezes esquecida e silenciada, trazer essa proposta foi de extrema importância. Criamos esse desfile todos juntos lá em Garanhuns, garimpamos e criamos todas as peças por lá, e não deu outra, foi um sucesso. Conseguimos juntar todas essas diferenças em prol do bem comum para o planeta. F: Como é possível valorizar a cultura local na moda quando as tendências são ditas do outro lado do mundo? C: Eu acho que a moda, na verdade, tem de ser universal, tem de falar para o mundo inteiro, valorizando o que há em cada cultura. No meu trabalho, a cultura local é a minha base. Eu passei muito tempo da minha vida em Sertânia, que é o sertão “brabo” de Pernambuco, e, quando eu quero criar, volto para lá. Estou fomentando as mulheres sertanejas, que todo mundo sabe que tem uma vida sofrida. Fomento as minhas raízes, e acho que devemos ficar muito atentos quanto a isso, porque tem muitas pessoas vindo de fora, utilizando a nossa cultura, mas esquecendo de incentivar os produtores locais, sem realmente dar crédito para quem merece. Vivemos em um estado rico e cheio de materiais que podem servir de inspiração para muita gente.

follow


mercado

Foto: Reprodução/Internet


mercado

Inovação, moda e economia criativa pelas mãos de Germana Uchôa Empreendedora recebeu o prêmio internacional “Young Creative Entrepreneur”, do British Council, na categoria “Moda”, em 2013 Foto: Arquivo pessoal

E

m frente à Praça de Casa Forte, na Zona Norte do Recife, está a Livraria da Praça. Chego, por volta das 17h, a um ambiente completamente novo para mim. Sentada, apreciando o café do local, está uma das grandes empreendedoras criativas do Brasil, Germana Uchôa, pernambucana, coolhunter, publicitária e garimpeira. Mais que um nome que se tornou referência e inspiração no que diz respeito a moda, arte, sustentabilidade e economia criativa, Germana é uma mulher que desde pequena tem uma relação com este mundo que criou para si na vida adulta. 21

Formada em Publicidade e com pósgraduação em Cultura de Moda, pela Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo, Germana morou por um bom tempo na Alemanha e retornou ao Brasil em outubro de 2015, adquirindo um vasto currículo no setor criativo da economia. Ela revela que a moda foi o seu canal de entrada nesse setor, mas que, hoje, atua em várias outras áreas. Mãe de três filhos, Germana começou a empreender desde cedo. Já esteve a frente de muitos negócios, mas foi na Espaço Garimpo, plataforma de empreendedorismo, criatividade e inovação, idealizada pela própria empreendedora, que ela

se encontrou. Foi depois que completou sua graduação que a moda tomou destaque na sua rotina. Em 2007, Germana decidiu vivenciar o mercado apresentando a marca Ballux, uma marca sustentável que utilizava tecidos descartados em testes de estamparia para a confecção de suas peças. Nessa volta ao mercado, a publicitária identificou os desafios enfrentados pelos profissionais que estavam começando a empreender: essas pessoas precisavam de alguém “fora da caixa” para ajudar nos bastidores dos negócios! Nada era adequado naquela época. Toda ajuda

follow


mercado oferecida era conservadora e tradicional. Os processos, em si, eram ultrapassados e não faziam mais sentido algum para as mentes criativas desse novo perfil de empreendedores que estavam entrando no mercado. A Espaço Garimpo surgiu nesse contexto. No início, como uma pop-up store itinerante, com o objetivo de reunir pessoas que estavam enfrentando as mesmas dificuldades na hora de empreender. Assim, o mercado começou a mudar, novas marcas surgiram e parcerias também. Formou-se um espaço divertido que gerava oportunidades de negócio e conectava a moda com outras áreas criativas, como a fotografia, o cinema, a gastronomia, música, dança, design e por aí vai.

Foto: Arquivo pessoal

Depois de doze anos no mercado, a Garimpo é hoje uma plataforma de empreendedorismo, atividade e inovação, um espaço com vários tipos de produtos, serviços e projetos voltados para a economia criativa. A plataforma inclui programas como o TRAMA, um seminário de moda e tecnologia em conexão com outros mercados, o Startup Kids, projeto que leva criatividade e empreendedorismo para crianças de 8 a 13 anos dentro de escolas e em espaços de atividades ao ar livre, e o Cool Maps, que é um projeto voltado para tours de experiências empreendedoras e criativas na busca de conectar pessoas e lugares para trocar ideias, gerar negócios, parcerias, transformação, conexão e muito 22

aprendizado com quem já está fazendo a economia criativa girar. Em 2013, Germana foi a vencedora do prêmio internacional “Young Creative Entrepreneur”, do British Council, na categoria “Moda”, tornando-se parceira de grandes empresas e órgãos como SEBRAE, Governo do Estado de Pernambuco e Ministério da Cultura, na busca de estar sempre conectada a tudo que fomente a economia criativa. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), esse novo formato de indústria, no setor da moda, representou 2,6% do PIB brasileiro, em 2017. Essa nova forma de economia é baseada exatamente no insumo criativo, é aquilo que faz com que determinado produto tenha um valor agregado que o torna mais autoral, que traz um valor que não se mede, que é intangível. Ela não visa apenas o lucro, mas também propõe um impacto positivo na vida do cliente, o que já começa a dar resultado em um cenário mais amplo.

nomia criativa da tradicional: primeiro a área que a pessoa está trabalhando, pois foi definido, dentro de um plano da economia criativa no Brasil, que existem ramos que naturalmente se encontram nessa visão do intangível, como a área de games, moda, arquitetura e design, por exemplo, e, em segundo, a forma como a pessoa gira aquele negócio, a maneira de distribuir, criar, produzir e de se comunicar com o consumidor, que são completamente diferentes da tradicional. São novas configurações que as pessoas vão descobrindo e inserindo no seu próprio negócio. Germana acredita que a moda que se conhece hoje está se desenvolvendo cada vez mais, tanto para quem produz, quanto para quem consome. Segundo ela, a tomada de consciência da população fez com que o mundo da moda revisse os seus modelos de negócio, de produção e contratação de valores, tanto no âmbito ambiental quanto no social. O sustentável e criativo está voltando para a economia, mesmo que a passos de formiga.

Para Germana, duas coisas são muito importantes para distinguir a eco-

Foto: Arquivo pessoal

follow


Q

mercado

uem nunca se viu pechinchando para comprar um produto por um preço mais barato, que atire a primeira pedra. Encontrar roupas de qualidade em um valor mais baixo que o habitual é uma missão para os corajosos. Nesse caso, o segredo é recorrer aos brechós. Durante muito tempo os brasileiros criaram um grande preconceito por esses estabelecimentos. Como a maioria dos brechós eram bagunçados, por vezes um pouco escuros e empoeirados e com aquele cheiro de antigo, ninguém acreditava que pudesse encontrar roupas de qualidade nesses ambientes, mas isso mudou. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) o crescimento dos brechós chegou a 23% no período de 2013 à 2015. Hoje, usar peças usadas se tornou tendência. Realmente, o brechó está com tudo e não é à toa. Seu segredo sempre foi trazer ao seu público a possibilidade de comprar e montar vários looks, sejam eles mais novos ou que foram tendência anteriormente, como também, de conseguir peças únicas por um valor muito menor em relação às lojas, mas não para por aí.

Lavou, tá novo e na moda

Novos brechós apostam na união entre sustentabilidade e fashionismo para alcançar o público jovem, que busca tendências e preço baixo em suas compras. Foto: Carol Borges

Além de ser uma boa opção em momentos de crise, ele é considerado uma alternativa sustentável, pois há o reaproveitamento das peças. Segundo Wilsa Sette, coordenadora nacional de projetos do varejo da moda do Sebrae, a consciência ambiental das pessoas favoreceu o crescimento desse mercado. A modernização dos espaços e o melhor cuidado com a higiene das peças também foram fatores importantes para que o consumidor passasse a adquirir mais produtos de segunda mão. As redes sociais são grandes aliadas

23

follow


mercado da modernização dos chamados “novos brechós”, lojas online que possuem uma pegada mais alternativa e voltada para os jovens, trazendo opções despojadas, que vão desde roupas mais caras até o fast fashion das lojas de departamento. Uma ótima opção para os pequenos empreendedores, que veem na facilidade da loja online um meio de começar um negócio. Isla Andrade, 26, é uma dessas pessoas que resolveram se aventurar no empreendedorismo. Apesar de nunca ter tido interesse por moda, ela resolveu criar a sua própria loja virtual, o Seu Brechó. Hoje, garante que se apaixonou pelo ramo e acabou desenvolvendo não só o seu próprio estilo, como também o estilo das peças que quer vender. “Eu comecei desapegando de roupas minhas que estavam em bom estado, mas que eu não queria usar mais. No início, eu geralmente postava as peças em um grupo de amigas no Whatsapp e sempre tinha êxito na venda. Depois de alguns meses, encontrei uma instituição que vendia roupas por um preço bem em conta e vi ali uma oportunidade de revender as peças. Peguei as roupas, a princípio em consignação, e criei o Instagram. Fui informando as amigas e aos poucos o Instagram foi se tornando conhecido. A partir daí, fui investindo na qualidade das fotos, das peças e promovendo os produtos na própria rede social”, relembra a trajetória do brechó. Com 11,2 mil seguidores, o Seu Brechó oferece muitos benefícios: apresenta um conceito de moda, traz comodidade e tem total cuidado com as peças expostas. Isla afirma que já conhece o gosto das consumidoras e seleciona seus produtos de acordo com esse estilo. “Hoje em dia, tenho um critério muito maior para a seleção das peças, visto que já conheço o 24

Foto: Carol Borges

meu público e sei o que ele consome ou não. Se as peças fugirem muito do estilo, eu não recebo. Esse é um dos grandes diferenciais do Seu Brechó para outros brechós que existem. Muitos aceitam qualquer peça e deixam que os clientes garimpem. Eu não gosto da ideia de garimpar. As minhas peças já são selecionadas. O cliente não tem trabalho algum, escolhe apenas aquilo que mais condiz com seu gosto”, ressalta a empreendedora. A estudante de direito, Brenda Beatriz, 19, escolhe suas roupas no Seu Brechó há um ano e relata que já se tornou uma cliente fidelizada. “Depois que comecei a comprar lá, não costumo mais ir ao shopping. O preço dos brechós são muito mais acessíveis do que os das lojas de marca ou departamento, isso é uma das coisas que mais me chama atenção, além de que, no Seu Brechó, eu também posso encontrar qualidade nas peças”. Com toda essa programação e organização, o trabalho dos donos de brechós, como Isla, não é pequeno. Escolher as peças do acervo pessoal, receber de outras pessoas e lojas, selecionar as roupas e analisar o estado de uso são apenas um dos percalços de quem empreende na área. “No início, eu tinha uma grande dificuldade para a manutenção de um bom estoque, pois dependia muito

de aparecer fornecedor. Contudo, atualmente tem crescido o número de pessoas que desejam fornecer peças, além de que, muitas vezes encontro boas oportunidades e compro roupas para que o estilo que eu escolhi para o brechó permaneça. Hoje minhas maiores dificuldades são a necessidade de ter um espaço físico, pois com a loja eu também conseguiria atingir as pessoas que não estão habituadas a comprar em redes sociais e também um público mais velho, além de precisar contratar mais uma pessoa, para que eu consiga delegar tarefas e ficar um pouco menos sobrecarregada”.

Foto: Carol Borges

Apostar no fashionismo das tendências e em preços baixos de produtos bem conservados, sem dúvidas, é a fórmula para manter o mercado em expansão, atraindo mais consumidores. Deve-se destacar, porém, que fazer parte dessa moda, não é só estar vestido com as últimas tendências e ter um guarda roupas repleto de peças. É, também, saber se expressar de forma simples, reciclando e renovando o visual, fugindo do consumismo massificado e do padrão descartável.

follow


follow

Isla Andrade veste cropped preto (R$ 29,90) e short listrado (R$ 29,90)

Seu Brechó lança coleção de verão com peças novas e seminovas Foto: Carol Borges



Isla Andrade veste vestido na cor rosa chรก (R$ 49,90)

Foto: Carol Borges


Foto: Carol Borges

Isla Andrade veste cropped de girassol (R$ 29,90) e short amarelo (R$ 35)


Carol Borges, @coecah. Emanuel Martins, @manofawkr. Isaltina Gomes, @isaltina. Mateus Rodrigues, @phynocomph_, phynocomph@gmail.com. Simone Barros, @simonegbarros. Mariana Oliveira, @mrianaoliveira, mriana.contato@outlook.com.br. Loja Armรกria, @ armarialoja, Tel. (61) 98114-6886, falecomarmaria@gmail.com. Vanessa Oliveira, @vanessaos_. As mil faces de uma plus, @asmilfacesdeumaplus, Tel. (81) 98803-9766. Geisa Agricio, @ neghageisa. Carol Monteiro, @carolhaddadmonteiro. Mapa da Mina Recife, @mapadaminarecife, www.mapadamina.com.br. Espaรงo Garimpo, @espacogarimpo, Tel. (81) 99952-5327, germana@ espacogarimpo.com. Brenda Beatriz, @brendabiaa. Seu Brechรณ, @seuubrecho, Tel. (81) 996016083, www.seubrecho.com. Casa Antica, @casa.antica, Tel. (81) 3221-6028, www.casaantica.com. br.

Trabalho de Conclusรฃo do Curso de Jornalismo apresentado pela aluna Anna Caroline Rodrigues Borges e orientado pela professora Isaltina Gomes.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.