O PÁTIO EM SOUTO DE MOURA História da Arquitectura Contemporânea
FAUP Junho 2012
Carla Lourenço 100201143.
Índice
I
Santa Maria do Bouro
1
o pátio aberto e o pátio fechado
Pousada de Santa Maria do Bouro
II
Laboratório
7
a casa do campo e a casa urbana
casa Nevogilde II casa Miramar I casa Avenida da Boavista casa Alcanena casa Serra da Arrábida casa Nevogilde I casa Maia casas-pátio casa Almansil
III
Referências
20
I Santa Maria do Bouro o pátio aberto e o pátio fechado
No Bouro encontramos dois pátios e um terraço. Considero estes três espaços os principais na relação entre o exterior e o interior na pousada, no entanto cada um tem a sua especificidade. Os pátios, preexistentes, são marcadamente distintos: o pátio aberto e o pátio fechado, o claustro. Desde o “Largo do Terreiro”, é possível vislumbrar a partir da “Porta dos Carros” o pátio aberto, à semelhança do “vestibulum” nas domus, um espaço de entrada que precedia o “atrium”, dando a entender este espaço como um pátio apenas quando nos aproximamos e cruzamos o espaço da entrada: tornam-se então visíveis os dois corpos transversais que delimitam o pátio. A sul é aberto para a paisagem, o mesmo pavimento continua até ao limite do novo corpo de serviços. É um pátio que “deja de ser un espacio totalmente introvertido para abrirse lateralmente al mundo exterior, generando una situación híbrida entre la terraza y el patio” 1: admito ser esta a melhor definição deste pátio aberto no lado oposto da entrada principal. O percurso e sobretudo o olhar são direcionados numa linha horizontal desde a rua que atravessa a entrada e termina na verde paisagem. Gonzalo Recasens define a “terraza” como “la visión y extensión horizontal de la arquitectura al medio natural (...)” 2, no pátio aberto rectangular a extensão horizontal da arquitectura ao meio natural é limitada a uma única direção, a sul, numa linha acentuada pelos dois corpos que se lançam nesta direção, coincidindo com o lado maior do pátio, aumentando a perspectiva, reforçada ainda pelas quatro fileiras de laranjeiras implantadas por Eduardo Souto de Moura (ESM). O momento de transição, entre o pátio aberto e o terraço, é marcado pela diferença de cotas entre ambos, existindo um corpo de escadas, assim como pela diferença de pavimento. Apenas na segunda metade do século XVI, aquando da construção do corpo em “L” a Oeste do Convento, foi formado o pátio aberto, ao contrário do claustro que remonta ao primórdio convento, em torno do qual se encontrava articulado o complexo monacal. O claustro é o outro pátio que encontramos no edifício, o pátio fechado. Uma “referencia ancestral del patio podríamos encontrarla en su valor como un espacio interior, una arquitectura cerrada, iluminada y ventilada cenitalmente, que a modo de una ventana al cielo pone en contacto al hombre con lo inconmensurable; un espacio con fuerte carácter simbólico, no contaminado de lo terrenal (…)” 3. Um forte carácter simbólico, um claustro, ligado à clausura e meditação dos monges, uma janela direcionada para o céu. Ao contrário da anterior forte direcção horizontal do pátio aberto, neste existe sobretudo a direção vertical, cuja intervenção de ESM demarca e enfatiza esta verticalidade ao retirar as coberturas que ladeiam e caracterizam o claustro: passa a ser um pátio fechado onde existe a memória do claustro, com as 1
1. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 5
2. Gonzalo Díaz Recasens, “La Tradición del pátio en la arquitectura moderna”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 8
3. Idem.
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Santa Maria do Bouro 1. “Largo do Terreiro”. Entrada pela “Porta dos Carros”, a partir da qual já é visível o pátio aberto. 2. O pátio aberto. Vista desde a “Porta dos Carros”. Percepção do direccionamento do olhar e do percurso. Casa Nozze d’Argento. Pompeia 3. Átrio tetrástilo. 4. Planta do piso 0.
antigas arcadas ainda de pé, à semelhança do “claustro” da Quinta da Conceição, acentuando a verticalidade do pátio, o olhar para o céu. Alexandre Alves Costa escreve: “No Convento do Bouro, de Souto de Moura, o edifício preexistente é absorvido depois de estabelecer o seu carácter de ruína. É uma ruína habitada. A construção consolida-se sem interpretar nem reconhecer o seu carácter. Apagam-se os vestígios que possam perturbar a sua participação; o telhado não se reconstrói; as novas funções alojam-se com aparente pragmatismo sem a necessidade da reapropriação dos espaços que no passado tiveram funções idênticas. O usufruir da ruína é um prazer puramente estético: a intervenção apaga-se num absoluto minimalismo expressivo. O aparente romantismo desta atitude, humildemente passiva em relação aos valores da história do edifício, esconde a transformação total da construção numa obra de autor.” 4 Aquando da reabilitação do convento, o arquiteto projetou um novo corpo semienterrado a sul, onde se localizam as áreas de serviço, na sua cobertura encontra-se o terraço: um espaço exterior aberto sobre a paisagem, servindo a esplanada do restaurante. “La visón panorámica que la terraza propone es justamente lo opuesto al hueco cenital del atrio romano. El patio de la cultura tradicional mira al cielo y en él encuentra la explicación de la existencia humana. La terraza, en cambio mira a la tierra, al medio fisico cuya observación habrá de permitir, supuestamente, el avance de la ciencia y el progreso de la razón” 5.
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4. “En el Convento do Bouro, de Souto de Moura, el edificio preexistente es absorbido después de establecer su carácter de ruina. Es una ruina habitada. La construcción se consolida sin interpretar ni reconocer su carácter. Se apagan los vestigios que pudieran perturbar su participación; el tejado no se reconstruye; las nuevas funciones se alojan con aparente pragmatismo sin necesidad de nueva apropiación de los espacios que en el pasado tuvieron funciones idénticas. El usufructo de la ruina es un placer puramente estético: la intervención se apaga en un absoluto minimalismo expresivo. El aparente romanticismo de esta actitud, humildemente pasiva en relación a los valores de la historia del edificio, esconde la transformación total de la construcción en obra de autor” (citação original) Alexandre Alves Costa, “La Pousada de Santa Marinha o el fluir de la historia”. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 14, Dezembro 1998: Távora. Página 51 5: Carlos Martí Arís, “La casa binuclear según Marcel Breuer. El patio recobrado”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 47
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Santa Maria do Bouro 5. O Terraço. 6. O pátio fechado. Quinta da Conceição 7. O “claustro”.
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Santa Maria do Bouro 8. Planta do Piso 0 9. Planta do Piso 1
Legenda:
entrada pรกtio aberto pรกtio fechado terraรงo
II Laboratório a casa do campo e a casa urbana
O pátio é um tema recorrente na obra de Souto de Moura e é nas casas unifamiliares onde adquire diferentes tipos e formas, onde é experimentado à semelhança de um laboratório 6. No pátio reconhece-se o “imperecível”, como afirmava Mies, a dimensão do eterno, tendo estado na origem das primeiras formas do habitar, nos primeiros assentamentos do Homem aquando do domínio da agricultura, definido como um “mecanismo formal delimitador que encerra um lugar”, dando origem ao nome de “patu” ou “lugar de pasto comum”, “en su origen se encuentra su razón de ser, los fundamentos sustanciales y permanentes del ‘asentarse’ en un lugar” 7. É precisamente a dimensão do eterno a que se refere ESM quando afirma “ao final a casa não mudou muito, é sempre igual. Há materiais que mudam, mas no fundamental mudou pouco. No meu ponto de vista, os tipos de casa onde as pessoas gostam de viver são sempre os mesmos: os pátios, os corredores, os terraços, as coberturas. Eu penso que a casa tem muito haver com o corpo, o corpo em 2000 anos mudou pouco.” 8 “Lo término ‘patio’ para designar muchas situaciones formales (...) ha sido posible probablemente por la existencia de un arquetipo que, desde el subconsciente, viene a expresar su capacidad de controlar y dominar un lugar (...) en palabras de Christian Norberg-Schultz, ha sido posible porque viene a determinar el ‘espacio arquitectónico entendido como una concreción del espacio existencial del hombre’.” 9
O pátio, portador de uma lógica inicial da sua forma: de arquétipo, foi desenvolvida no movimento moderno, que numa tentativa de romper com a cidade industrial do século XVIII, procurou a essência da arquitetura, do imperecível, “un intento de recomponer los vínculos con la tradición positiva de la construcción de la ciudad.”10. É possível confirmá-lo por duas das principais obras da modernidade, ambas de 1929, a Villa Savoye de Le Corbusier e o Pavilhão da Alemanha em Barcelona de Mies van der Rohe, representativas da presença do pátio e da sua “capacidad para mezclarse, superponerse e hibridarse con otros elementos, convirtiéndose por derecho propio en ingrediente del espacio moderno” 11. É o percurso deste último que interessa, tendo-se concentrado no tema da casa pátio ao longo da década de 30 com uma série de projetos onde é evidente a influência nas obras de Souto de Moura. A partir de uma possível conjetura do tema lançada por Franz Schulze definindo as casas pátio como uma transformação da casa do campo numa casa urbana, distingo igualmente as casas pátio de ESM: garantir a liberdade cristalina que uma casa do campo permite, onde o privado se estende num terreno de grandes dimensões, por sua vez, num lote pequeno e vedado na cidade. 12 7
6. “A decisão de seleccionar só casas unifamiliares, é a que considero mais coerente, pois é o laboratório, onde ainda é possível ‘experimentar’ tipologias, linguagens e materiais.” Eduardo Souto de Moura, Vinte e Duas Casas Twenty Two Houses. Página 81.
7. Gonzalo Díaz Recasens, “La Tradición del pátio en la arquitectura moderna”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 7.
8. Eduardo Souto de Moura, http://vimeo.com/30762655.
9. Gonzalo Díaz Recasens, “La Tradición del pátio en la arquitectura moderna”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 6.
10. ARÍS, Carlos Martí. Las Formas de la Residencia en la Ciudad Moderna. Páginas 13.
11. Carlos Martí Arís, “La casa binuclear según Marcel Breuer. El patio recobrado”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 47.
12. SCHULZE, Franz. Mies Van der Rohe : una biografia critica. Página 198.
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10. Possível implantação de Priene. 11. Matmata, Tunísia 12. Jaipur, Índia
As “casas do campo” situadas em terrenos vastos, expandem-se e lançam-se sobre a paisagem, como uma casa mirador. “No norte, as casas são estreitas e compridas, com um longo corredor fechado para o exterior, por um muro que continua e define o perímetro do lote.” 13, como em parte se entende a Casa 2 em Nevogilde (1983) que se abre para o largo lote verde, “é uma construção simples, baseada num muro e num conjunto de formas organizadas em volta disso (...)” 14, um muro exterior que define o corredor estruturante que percorre a casa, terminando num pátio. Na transição para a zona privada dos quartos, o corredor alarga-se formando o que o arquitecto chama de “pátio” pela clarabóia que ilumina o espaço zenitalmente, seguindo a forma do quadrado desenhado no pavimento. Também se entende a mesma tipologia da casa que se desenvolve ao longo do corredor na Casa 1 em Miramar e na Casa na Avenida da Boavista ambas de 1987. No entanto esta última é diferente, não é um corredor periférico, mas sim dois corredores centrais em forma de “T”, que organizam a casa simetricamente. Nas duas casas encontra-se igualmente um pátio à entrada da casa, um espaço transição entre o exterior e o interior da casa, a partir do qual se entra no sistema de circulação do corredor. Na Casa em Alcanena (1987), à semelhança de Nevogilde, um conjunto de formas desenvolvem-se en torno de um muro que dá forma ao grande pátio de chegada: “a casa não se apresentou unitária, mas repartida em três corpos - quartos, salas e serviços - à volta de um pátio central. Uma galeria em U circundou o pátio e garantiu as circulações” 15 Um percurso por entre as vinhas guia ao pátio fechado, a partir do qual se organiza a casa que se abre sobre a paisagem - é um pátio centrífugo. As duas representam a “casa do sul”, onde pela distinta maneira de viver do Norte, o “tipo” de casa muda. “O ‘Tipo’ está relacionado com a disposição da casa a uma determinada forma de vida. (...) no Sul há uma actividade muito mais ligada ao exterior que no Norte; e aí as casas são mais abertas”16, como as villas, as casas rurais romanas, “também reflecte a Vila Romana. E não é por acaso que há ali uma Vila Romana... Uso as tipologias, mas não defendo que a tipologia seja a base do projecto, como o Rossi – “Sem a tipologia não há Arquitectura” – As tipologias que me fornecem são satisfactórias, porque os modos de vida não mudaram assim tanto. Uso as tipologias, estudo-as, desde o momento que não haja ruptura entre a tipologia e o novo programa que me fornecem. (...)” 17. Também na Casa na Serra da Arrábida (2003) os volumes desenvolvem-se a partir do pátio fechado quadrado de chegada e distribuição, e abrem-se para a serra. É interessante visualizar os desenhos da evolução da casa, aliás, das duas possíveis plantas que se foram desenvolvendo: o pátio é sempre o elemento principal em torno do qual se anexam volumes, que unifica e traça a forma da casa. Assim como nos esquiços do projecto da 9
13. Eduardo Souto de Moura, “Casas”. ESPOSITO, Antonio e LEONI, Giovanni. Eduardo Souto de Moura. Editorial Gustavo Gili, SA, Milão, 2003. Páginas 92 e 93. 14. Eduardo Souto de Moura, “Casa em Nevogilde”. ESPOSITO, Antonio e LEONI, Giovanni. Eduardo Souto de Moura. Editorial Gustavo Gili, SA, Milão, 2003. Página 142.
15. Eduardo Souto de Moura, “Casa em Alcanena”. Vinte e Duas Casas Twenty Two Houses. Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006. Página 37.
16. “A Ambição à Obra Anónima, numa conversa com Eduardo Souto de Moura”. Entrevista conduzida por Paulo Pais. Página 2. Monografia Blau, 1994.
17. Idem.
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Casa 2 em Nevogilde 13. Axonometria 14. Vista para pรกtio aberto 15. Vista desde o interior para o pรกtio aberto 16. Casa na Avenida da Boavista, vista desde o caminho de chegada
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Casa em Alcanena 17. Axonometria 18. Pรกtio de acesso do caminho de chegada 19. Espaรงo exterior ao volume dos quartos Casa na Serra de Arrรกbida 20. Planta, piso 0 21. Vista desde o pรกtio central 22. Domus ร urea, Roma, planta
casa Goldenberg, de Louis Kahn, o pátio “es un corredor perimetral, desde el que se traza la casa: el patio es el germen de su forma” 18. A este tipo de pátio, Gonzalo Recasens chama de “pátios da ordem” pela “capacidad de ordenar y relacionar las diferentes partes de un edificio(...) son antes un sistema de composición, un mecanismo que permite relacionar las diferentes partes, que un espacio o una estancia. Al entender así el patio, éste se convierte en el medio compositivo que permite agregar, trazar, o independizar, un elemento inicial desde donde hacer nacer la forma. (...) el Movimiento moderno persigue hacer patente la autonomia de las partes y el patio, siguiendo la tradición neoclásica, pasa a ser un sistema de composición, que si bien diluye su condición como estancia, por contra se convierte en el fundamento desde donde trazar el edificio.” 19 As cinco casas são abertas e expandidas, desde um corredor ou pátio, em direcção à envolvente, e é interessante que há sempre uma tentativa de controlar a visão desde o interior. A casa na Serra da Arrábida é a única que tem janelas, mas nas restantes, as paredes opacas interiores e estruturantes prolongam-se para o exterior como muros, direccionando o olhar, ganhando força face ao pano de vidro, com estreitos caixilhos. Podendo ser encarado como uma tentativa de amenizar a diferença entre o exterior e o interior, trabalhando a sua envolvente próxima como a continuação da casa. Muitas vezes, as paredes continuam com os mesmos materiais, continua visualmente o espaço, assim como o pavimento, até um certo ponto, onde se abre: formando um pátio aberto. Acerca deste aspecto, existe uma grande relação com as casas de Mies, como a de 1935 para Margarete Hubbe, mostrando o seu interesse pela “interpendencia de la casa y su entorno natural” 20, escreveu o seguinte: “la vista más deliciosa era del este, mientras que hacia el sur carecía de todo encanto, era casi un desorden. (...) Por tanto, extendí la zona de estar de la casa hacia el sur por medio de un patio ajardinado rodeado por muros, interrumpiendo así esta vista pero conservando al mismo tiempo toda la luz solar. Río abajo, por el contrario, la casa es completamente abierta, fluyendo libremente el jardín. Al hacerlo así no solo me adapté a las condiciones del lugar, sino que también conseguí un agradable contraste entre el recogimiento sereno y la expansión abierta.” 21 Nas Casas Pátio em Matosinhos (1991) de Souto de Moura estreita-se a relação com os projetos de Mies. No esquema de casa introvertida, que fazem parte a “casa com três pátios”, assim como grupo de três casas com pátio, “hacen del muro el elemeno arquitectónico primordial, que permite adueñarse de un lugar con una cerca y entendiendo como patio todo el espacio delimitado por ella. (...) Para Mies existe una búsqueda de la esencia y de la unidad de la casa con los patios, en la que todo alcanza a configurarse 11
18. Gonzalo Díaz Recasens, “La Tradición del pátio en la arquitectura moderna”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 9.
19. Idem. Página 8.
20. SCHULZE, Franz. Mies Van der Rohe : una biografia critica. Página 195.
21. Mies van der Rohe. SCHULZE, Franz. Mies Van der Rohe : una biografia critica. Página 199.
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Casa 1 em Miramar 23. Axonometria 24. Vista do interior, sala de jantar continua no pรกtio exterior aberto
unitariamente por medio del cerramiento (...)” 22. Encontra-se o valor do pátio como espaço interior, o muro que delimitava o “patu” converte-se na própria casa. As casas pátio fazem então já parte do esquema da casa urbana, como as domus que constituiam as residências romanas urbanas. A casa delimitada por altos muros, abre-se para o pátio - definindo-o um pátio centrípeto. À semelhança com os pátios das domus em Pompeia, tanto em Mies como em Souto de Moura existe a resolução do programa hierarquizado relacionado directamente com os pátios geométricos de dimensões diferentes que lhes estão associados, que ultrapassam a dimensão funcional de ventilar e iluminar, definindo também os aspetos qualitativos dos espaços. “De manera similar a como atrios y peristilos caracterizan el espacio interno de la casa pompeyana, cualquier estancia de las plantas de Mies adquiere un específico sentido a través de su relación con los patios” 23. O contraste na dimensão dos pátios e a premeditação de cada pátio, a hierarquização e a heterogeneidade dos espaços percepcionam-se em pátios maiores na entrada e pátios mais pequenos directamente relacionados com os espaços privados da casa nas casas de Mies. Em Matosinhos é diferente, na entrada, como na Avenida da Boavista, um pequeno pátio de entrada resolve a transição público-privado. A distribuição no núcleo dos quartos é solucionado, com um “pátio” quadrado iluminado por uma clarabóia, à maneira da Casa 2 em Nevogilde. Ao contrário das casas de Mies que se organizam compactamente dentro do lote, onde os pátios ocupam a periferia, em Matosinhos os três pátios (ou quatro?!) seguem um eixo longitudinal, à semalhança das casas pátio de Josep Luís Sert. No entanto, existe sempre o factor do pátio como protagonista, em qualquer lugar no interior da casa, é possível ter a percepção, visualizar, um ou mais pátios. ESM admite: “não conhecia sequer as casas com pátio de Sert, que depois vi e são iguais” 24 Na Casa Sert em Cambridge (1955) “el esquema se va haciendo cada vez más central, alejándose de los tipos ‘centrífugos’ de casa con ramas o brazos de Mies y Wright, hasta acabar cerrando el anillo de circulaciones alrededor de un patio que se configura como un cuadrado perfecto de 7,30 y 7,30m (medida, por cierto, no Modulor)” 25. É interessante como o esquema da Casa Sert se aproxima tanto das casas pátio de ESM, havendo apenas uma grande diferença na circulação, pois como o pátio é central, permite que esta se dê a toda a sua volta. Em Matosinhos a casa abre-se para um pátio central, também o único apavimentado, mas encostado ao limite do lote, como na Casa Braque, também na Casa em Alcanena, como já referido, que pelas dimensões se aproxima mais das casas de Sert. As casas em Matosinhos terminam, então, num grande pátio-jardim até ao limite do terreno. Os lotes estreitos e compridos funcionam como parcelas urbanas que 13
22. Gonzalo Díaz Recasens, “La Tradición del pátio en la arquitectura moderna”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 7.
23. Pere Joan Ravetllat, “Atrios y peristilos. Las casaspatio de Mies”. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 24.
24. Eduardo Souto de Moura, “Casas com pátio em Matosinhos”. ESPOSITO, Antonio e LEONI, Giovanni. Eduardo Souto de Moura. Editorial Gustavo Gili, SA, Milão, 2003. Páginas 144. 25. Jaume Freixa, “La reinvención del patio por Josep Lluís Sert”. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 38.
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Casas Pátio, Souto de Moura 25. Vista da agregação ao nível da cobertura 26. O pátio de chegada 27. Planta do Conjunto 28. Casa com três pátios, Mies van der Rohe 29. Estudo de distribuição na Casa Sert em Cambridge, Josep Lluís Sert
permitem a agregação e formação de um quarteirão, relacionadas igualmente com os variados esquemas da “cidade horizontal” no Movimento Moderno, como foram os projetos de Sert para a América Latina. “Os lotes são divididos por muros paralelos onde repousam três bandas de betão que fazem de coberturas. Os espaços entre elas são pátios, onde a vegetação ultrapassará as cérceas, fundindo-se com os jardins e os campos circundantes. O sítio, feito com muros e árvores, penso que manterá a sua identidade.” 26. Remetendo para a entrevista “Ambição à Obra Anónima” com Eduardo Souto de Moura, lembra as palavras de Sert: “las fachadas pueden ser vallas anónimas, tras las cuales palpita un mundo diverso que cada família construye por y para sí misma” 27. Igualmente casas urbanas, são a Casa 1 em Nevogilde (1982) e a Casa na Maia (1990). Em ambas as casas existe um espaço central que resolve os acessos e a distribuição, marcando uma posição charneira entre os dois núcleos da casa, um dos espaços coletivos - sala, e outro dos espaços privados - quartos, claramente distintos, e direcionados para lados opostos. Em Nevogilde a chegada é elaborada por um percurso ao longo do muro e daí para o interior da casa, para o grande espaço da sala, onde se encontra desalinhada com a porta de entrada, uma divisão quadrada fechada com uma clarabóia, novamente à semelhança da Casa em Nevogilde II, o arquiteto chama de pátio: “um pátio central quadrado garante as circulações.” 28. Na Maia, por sua vez, após um percurso de chegada semelhante ao anterior, encontra-se um pátio aberto, seguido de um vestíbulo, onde se dá o momento da entrada para o edfício - é o lugar de transição entre o exterior e o interior. Encontra-se então, o grande espaço central de distribuição também como espaço de entrada. São interessantes as relações que podem ser estabelecidas entre esta última casa e a investigação em torno da casa binuclear de Marcel Breuer, especialmente o projeto da Casa Clark de 1949, definida por Carles Martí como “un principio arquitectónico basado en la tensión espacial que provoca la escisión de la casa en dos núcleos conectados por un vestíbulo que actúa a modo de puente entre ambos y resuelve el sistema de accesso. El desglose del volumen en dos partes crea una brecha a través de la cual el espacio exterior penetra en la casa y la atraviesa virtualmente.” 29. Por último, refiro a Casa em Almansil (1984), como uma casa híbrida entre os temas lançados anteriormente. A casa organiza-se ao longo de um corredor, como as primeiras que enunciei, no entanto o corredor é central, e é como se organizasse dois volumes de cada lado aparentemente simétricos, mas são como duas casas: de um lado a casa é introvertida, com três pátios, cercada por um muro alto; do outro lado, à maneira de uma casa mirador, 15
26. Eduardo Souto de Moura, “Casas Pátio”. Vinte e Duas Casas Twenty Two Houses. Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006. Página 75. 27. Jose Lluís Sert. Jaume Freixa, “La reinvención del patio por Josep Lluís Sert”. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 41.
28. Eduardo Souto de Moura, “Casa 1 em Nevogilde”. Vinte e Duas Casas Twenty Two Houses. Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006. Página 23
29. Carlos Martí Arís, “La casa binuclear según Marcel Breuer. El patio recobrado”, Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 48
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Casa 1 na Maia, Souto de Moura 30. Jardim e Piscina desde a via de acesso. 31. O pรกtio fechado. 32. Axonometria Casa Clark, Marcel Breuer 33. Planta, piso 0 34. Vista da fachada principal
abre-se sobre a paisagem. É uma casa de campo que se direciona para a envolvente, mas ao mesmo tempo, com a sucessão de pátios fechados dentro dos regulares muros que definem o limite da casa, poderia fazer parte de mais um lote contido onde este limite seria do próprio terreno.
Finalmente, os diferentes esquemas das casas pátio de Eduardo Souto de Moura, os chamados ‘Laboratório’, pretendem complementar o estudo dos dois pátios na Pousada de Santa Maria da Costa. À semelhança desta, defini dois principais tipos de casa: a casa do campo e a casa urbana. A primeira relacionada com a casa extrovertida que se direciona para a paisagem. No Norte organiza-se a partir de um corredor, e no Sul a partir de um pátio central, caracterizada por tanto, pela presença do pátio centrífugo, com o qual interpreto o pátio aberto no Bouro, pela grande força visual que tem a direcção a Sul. Ao contrário do claustro, um pátio fechado e introvertido, com iluminação zenital, à volta do qual se desenvolveram as alas do convento, caracterizado assim como pátio centrípeto, à semelhança dos projectos das casas urbanas, numa relação estreita com os pátios que se desenvolvem dentro dos muros limite. O pátio “se trata de un tema que, contra lo que pudiera parecer, no tiene nada de localista o de particularista. Ya que, en efecto, lo primero que comprobamos al acercarnos sin prejuicios a la noción de patio es que, lejos de corresponder unívocamente a una cultura determinada o a un tiempo histórico concreto, constituye un principio de valor universal y permanente.” 30
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30. Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Página 4
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Casa em Almansil 35. Fachada Noroeste, com o acesso 36. Fachada Sudeste, com o jardim 37. Axonometria
III Referências
Livros ESPOSITO, Antonio e LEONI, Giovanni. Eduardo Souto de Moura. Editorial Gustavo Gili, SA, Milão, 2003 LÉON, Juan Hernández; COLLOVÀ, Roberto; FONTES, Luis. Santa Maria do Bouro: Eduardo Souto de Moura: construir uma pousada com as pedras de um mosteiro. Lisboa: White & Blue, 2001 MOURA, Eduardo Souto. Vinte e Duas Casas Twenty Two Houses. Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006 (Cat.p.147.2) REBELO, Camilo. Mesa : Eduardo Souto de Moura : 30 anos projectos seleccionados. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2011. ISBN 978-989-658-137-4 (M.p.20.18) ROVIRA, Josep M. José Luis Sert: 1901-1983. Milano: Electa 2000 (M.117.2) SCHULZE, Franz. Mies Van der Rohe : una biografia critica. Madrid : Hermann Blume, 1985. ISBN 84-7214-368-6 (M.14.2 Res) Revistas Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 13, Dezembro 1997: Patio y Casa. Revista do Departamento de Projectos Arquitectónicos da Universitat Politècnica de Catalunya (UPC) Documents de Projectes d’Arquitectura. Nº 14, Dezembro 1998: Távora. Revista do Departamento de Projectos Arquitectónicos da Universitat Politècnica de Catalunya (UPC) Compêndio de textos cedidos em HAC: ARÍS, Carlos Martí. Las Formas de la Residencia en la Ciudad Moderna CARTER, Peter. Mies van der Rohe at work “A Ambição à Obra Anónima, numa conversa com Eduardo Souto de Moura”. Entrevista conduzida por Paulo Pais, Monografia Blau, 1994 Entrevistas http://vimeo.com/30762655 http://vimeo.com/19465807