Assim Fala o Coração Johanna Lindsey Serie Ladies Escravas e Lordes Tiranos - 01
França, 972 Rowland não acredita que Brigitte é uma nobre lady, ela foi dada a ele como uma criada por sua tia que o fez acreditar que ela era amante do lord, o irmão dela Quinn. Ele a considera um fardo e a leva sob a promessa de nunca mais a levar ao castelo.
Bem quem conhece o estilo Johanna Lindsey sabe como são seu "mocinhos" . Rowland tem um histórico de torturas durante uma infância nada feliz, ele se considera rude sem jeito algum para com o sexo oposto, mais a Brigitte tem um jeito todo especial de abrir caminho pelo coração duro dele.
1 França, 972 d. de J .C. Brigitte do Louroux suspirou, sem apartar seus claros olhos azuis do ganso cevado que jazia frente a ela sobre a mesa de trabalho. Com o cenho franzido, concentrada, a jovem continuou depenando o animal, tal como lhe tinham ensinado recentemente. Era esta uma tarefa nova para essa garota de dezessete anos, mas só uma das muitas às que, com lentidão, já começava a habituar-se. Fatigada, a moça se separou do rosto uma mecha de sua larga cabeleira loira. O sangue do ganso sacrificado salpicou o avental e a parte inferior da túnica de lã parda, que aparecia por abaixo. Todos os finos vestidos do Brigitte se achavam danificados pelas imundas tarefas que agora lhe eram impostas. Entretanto, esse fatigante trabalho tinha sido escolhida por ela, recordou-se a jovem a si mesmo: sua própria e obstinada eleição. Ao outro lado da mesa se encontrava Eudora, cuja tarefa Brigitte se achava executando. Os olhos pardos da Eudora olharam compassivos a sua ama, até que esta levantou o olhar e sorriu com expressão protetora. -Não é justo!- vaiou a criada, e seus olhos ficaram subitamente redondos pela fúria.- Eu, que servi na casa de seu pai durante toda minha vida, e muito feliz de fazê-lo, devo permanecer ociosa enquanto vocês trabalham. Brigitte baixou o olhar e seus olhos azuis se umedeceram. -É melhor isto que me render aos planos que Druoda urdiu para mim -murmurou a menina. -Essa dama é muito cruel. -Sinto-me inclinada a assentir -disse Brigitte com voz suave.-Temo que não lhe agrado à tia de meu irmão. -É uma arpía! -exclamou Eudora com veemência. A mãe da Eudora, Althea, atravessou a cozinha, agitando uma enorme colher. -É muito benévola, Eudora. Druoda nos obriga a lhe chamar lady, mas não é mais que uma vaca preguiçosa. Cada dia que passa, volta-se mais obesa, enquanto que eu não tenho feito mais que perder peso desde que chegou. Há-me dito que me cortará os dedos se provar o alimento enquanto cozinho, mas, pergunto-me, que cozinheiro pode cozinhar sem provar sua comida? Devo provar o que cozinho, entretanto, ela me o proíbe. O que posso fazer? Eudora sorriu com uma careta. -Pode lhe jogar excrementos de frango em sua comida e rogar que ela não o descubra, isso pode fazer. Brigitte riu. -Você não te atreveria, Althea. Druoda te pegaria, ou inclusive, chegaria possivelmente a te despedir. Até poderia te matar. -Sem dúvida, estão no certo, milady. -Althea soltou uma breve risada, e todo seu enorme corpo se sacudiu. Mas foi agradável imaginá-lo, saboreá-lo como se se tratasse de uma deliciosa torta. Eudora voltou a ficar séria com rapidez. -Tudo foi terrível para nós desde que Druoda começou a mandar aqui. É uma dama muito cruel, e esse marido covarde que tem não faz nada por detê-la. Lady Brigitte não merece ser tratada como a faxineira mais humilde da mansão. -Sua fúria se intensificou -. Ela é a filha da casa e seu meio-irmão deveria ter assegurado o futuro da moça depois da morte de seu pai. Agora que ele... Eudora se deteve bruscamente e baixou a cabeça envergonhada, mas Brigitte sorriu. -Está bem, Eudora. Quintin está morto e sou consciente disso. -Só quis dizer que ele deveria ter feito certos acertos com seu senhor. Não é justo que vocês devam te submeter à vontade de uma mulher como Druoda. Ela e seu marido vieram aqui suplicando a
clemência de lorde Quintin logo que morreu o barão. O moço não deveria lhes haver admitido então. Agora já é muito tarde. Ambos parecem acreditar que este feudo lhes pertence, e não a você. Seu irmão foi um grande homem, mas neste caso... Brigitte silenciou à outra jovem com um olhar severo, e seus claros olhos azuis brilharam com ferocidade. -É injusta com o Quintin, Eudora. Meu meio-irmão não podia saber que Druoda me manteria afastada do conde Arnulf. Mas o conde é nosso senhor e, a partir de agora, meu legítimo tutor, não importa o que Druoda diga, ele mesmo se ocupará de estabelecer minha condição. Só devo chegar até ele. -E como conseguirão chegar ao conde se Druoda não lhes permite abandonar a mansão? -perguntou Eudora acaloradamente. -Encontrarei uma forma. -A voz do Brigitte não parecia convincente. -Se tão somente tivessem família em alguma parte.-Althea suspirou, sacudindo a cabeça. -Não tenho a ninguém. Você deveria sabê-lo, Althea, posto que te encontrava aqui quando meu pai se converteu no senhor do Lourox. Ele contava com poucos parentes, e os últimos pereceram na campanha do rei para recuperar Lotharingia. Por parte de minha mãe não havia ninguém, dado que ela se encontrava sob a tutela do conde Arnulf quando se casou com o barão. -Milady, Druoda lhes está forçando a trabalhar como se fosse uma mera serva. Logo começará a lhes golpear também -afirmou Eudora com tom sério-. Se conhecer a forma de chegar até o conde Arnulf, então, sugiro-te que o faça imediatamente. Não poderiam enviar a um mensageiro? Brigitte deixou escapar um profundo suspiro. -E a quem, Eudora? Os serventes fariam com agrado o que eu lhes pedisse, mas necessitam permissão para abandonar a mansão. -Leandor, sem dúvida, estaria disposto a lhes ajudar. Ou, inclusive, algum dos vassalos - insistiu Eudora. -Druoda mantém também ao Leandor confinado na mansão - declarou Brigitte-. Nem sequer lhe permite ir até a abadia do Bourges a comprar vinho. E convenceu aos vassalos de meu irmão de que seu marido, Walafrid, será senescal aqui uma vez que ela consiga me desposar, e de que me encontrará um marido que não se atreverá a despedi-los... de maneira que nenhum deles ousará lhe desobedecer por minha causa... O conde Arnulf se encontra a mais de um dia de viagem desde o Louroux. Como posso chegar até ele? -Mas... -te cale, Eudora! - ordenou Althea a sua filha com um olhar de advertência-. Está incomodando a nossa ama. Acaso lhe permitiria viajar sozinha pela campina? Deixaria que se convertesse em presa de ladrões e assassinos? Brigitte sentiu um calafrio, pese ao calor dos fogos da cozinha e ao suor que lhe corria pela frente. Observou com pesar o ganso ao meio depenar e pensou que suas perspectivas para o futuro não podiam ser piores. Eudora olhou à filha do barão com expressão compassiva. -por que não vai alimentar Wolff, milady? Eu terminarei de depenar o ganso em seu lugar. -Não. Se Hildegard entrasse e não me encontrasse trabalhando, correria a contar-lhe a Druoda. Quando Mavis se queixou de que me forçassem a realizar esta tarefa, foi golpeada e expulsa. E eu não pude fazer nada para ajudar a minha velha amiga. Os soldados seguem as ordens da Druoda, não as minhas. E logo, me inteirar de que Mavis tinha morrido na rota, assassinada por uns ladrões! Perder ao Mavis foi como perder outra vez a minha mãe. -A compostura do Brigitte começou a desmoronar-se com rapidez. Imediatamente, a jovem se secou as lágrimas que tinham brotado de seus olhos. Desde seu nascimento, Mavis se tinha encontrado a seu lado como sua dama de companhia. A anciã celta
tinha sido uma segunda mãe, um consolo e ajuda constante para sua pequena, protegida da morte da verdadeira mãe da menina. -Va, milady. -Althea apartou docemente ao Brigitte da mesa-. ides alimentar a seu cão. O sempre consegue te animar. -Sim, va, milady. -Eudora se aproximou da mesa para ocupar o lugar de sua ama-. Eu terminarei de depenar o ganso. E se vier Hildegard, derrubaremo-la a bofetadas. Brigitte sorriu ante a imagem da obesa faxineira da Druoda sendo esbofeteada. Logo, tomou um prato de sobras de comida para o Wolff. Permitiu que Althea lhe colocasse seu manto de lã sobre os ombros e, antes de abandonar a cozinha com cautela, assegurou-se de que o vestíbulo estivesse vazio. Por fortuna, só dois criados se encontravam ali, atarefados em pulverizar novos juncos no chão, e nenhum deles elevou o olhar. Brigitte conhecia todos os serventes da mansão por seu nome, posto que eles eram como da família; todos, exceto Hildegard, que tinha chegado com a Druoda e Walafrid. Essa tinha sido uma casa feliz antes da inesperada morte do Quintín e a pouco afortunada transformação da tia, de hóspede a ama. Fora, o ar estava fresco e o forte aroma dos redis de animais, situados para o oeste, voava com o vento. Brigitte caminhou nessa direção, passando junto às habitações da servidão, frente aos estábulos de cavalos e cabras. junto a estes, encontrava-se o curral das vacas e, mais à frente, o às pressas de carneiros e a porqueriza. Wolff se achava encerrado com outros sabujos em um imenso redil, ao lado do curral. Assim o tinha disposto Druoda. Wolff, o cão favorito do Brigitte, que nunca tinha conhecido mais que a liberdade, agora se encontrava tão prisioneiro como sua proprietária. O pai da menina tinha encontrado ao animal sete anos atrás, no bosque que cobria a maior parte das terras entre o Louroux e o rio Loira. Brigitte logo que tinha completo os dez anos, quando o barão levou o cachorrinho a casa. Era evidente o imenso tamanho que alcançaria o animal com o tempo e, sem dúvida, não tinha sido a intenção do homem destiná-lo como mascote de sua filha. Porém a pequena se apaixonou pelo Wolff a primeira vista e, mesmo que lhe estava proibido aproximar-se do cão, não era possível mantê-la afastada. Logo tirou o chapéu que o animal correspondia à devoção da menina, e já não houve mais razão para inquietar-se. Agora que Brigitte media um metro sessenta de altura, a imensa cabeça branca do Wolff lhe chegava quase ao queixo. E, quando o animal se levantava sobre suas patas traseiras, superava à menina em mais de trinta centímetros. Wolff tinha percebido a proximidade de sua proprietária e se sentou a aguardá-la impacientemente junto à entrada de seu redil. Era estranho, mas o cão sempre parecia conhecer os movimentos do Brigitte. Freqüentemente, no passado, tinha sabido quando ela abandonava a mansão e, de estar sujeito, desatou-se para unir-se o na rota. Sempre tinha resultado impossível para a menina dirigir-se a qualquer parte sem o Wolff. Mas Brigitte já não ia a nenhum lado, e tampouco o cão. A jovem sorriu quando abriu o portão do redil, para logo voltar a fechá-lo, uma vez que seu mascote esteve fora. -Sente-se como um rei, verdade?, ao não ter que aguardar com seus amigos até a hora do jantar. -inclinou-se para lhe abraçar, e suas largas tranças caíram sobre a imensa cabeça do animal. Mesmo que a maioria das mulheres do Berry acostumavam a usar largos mantos de linho, Brigitte sempre os tinha detestado. Suas tranças não eram indecentes, tinha decidido a menina, e lhe agradava a liberdade de não levar constantemente a cabeça coberta, embora sempre usava um manto de linho branco para a igreja.
Seu objeto interior consistia, pelo general, em um vestido de lã fileira parda ou, com tempo quente, de um leve algodão tingido de cor azul ou amarela. Suas túnicas eram usualmente azuis, de um linho claro no verão e de uma lã escura no inverno. -Pode agradecer-lhe a Althea por me jogar fora da cozinha, ou não estaria contigo agora. Wolff lançou um latido em direção à casa antes de atacar sua comida. Brigitte riu e se sentou junto ao cão, com as costas apoiada contra as estacas do redil. De ali, a jovem olhou por cima da elevada parede que circundava a mansão. Era difícil ver mais à frente do alto muro, a menos que se elevasse o olhar para a taça das árvores. Toda a mansão, os estábulos, as cabanas dos serventes e os parques estavam rodeados por grosas paredes de pedra, enegrecidas pelo passo dos anos e marcadas pelos conflitos bélicos. Na vida do Brigitte, a casa não se viu assediada, mas seu avô tinha lutado em várias batalhas para conservar seu feudo e, em sua juventude, seu pai tinha sofrido numerosos ataques contra sua herança. Os últimos vinte anos tinham visto tantas guerras com os sarracenos, que quase ninguém na França contava com os homens necessários para assediar a seus vizinhos. Brigitte apenas se pôde divisar a horta situado para o sul. A última vez que tinha visto florescer as árvores frutíferas, sua vida era completamente diferente. Um ano atrás, ainda tinha tido ao Quintin e ao Mavis. O feudo no que tinha arroxeado toda sua vida tinha passado à mãos do Quintin, embora ela sempre tinha conservado seu dote matrimonial. Agora tudo lhe pertencia, mas não podia governá-lo. Devia desposar-se, ou a posse do feudo voltaria a poder do conde Arnulf. Brigitte refletiu sobre seu patrimônio. Era uma propriedade valiosa, com numerosos acres de terra fértil no centro da França, abundante fauna nos bosques e uma próspera aldeia. E, durante vinte e sete anos, tudo tinha pertencido ao Thomas do Louroux, seu pai. A mansão era magnífica. Lorde Thomas a tinha construído no mesmo lugar da antiga casa, depois de ter sido esta incendiada durante um ataque dirigido por um vassalo rebelde do conde Arnulf. A metade da aldeia contígua à mansão também tinha sido queimada, com a conseguinte morte de muitos servos. As cabanas de argamassa e juncos do povo puderam substituir-se com facilidade, mas não assim os serventes. Com o tempo, entretanto, a aldeia tinha crescido, e agora contava com uma numerosa servidão, ligada à terra e ao Louroux. Um fortaleza se construiu para proteger a propriedade, levantado sobre uma colina nua a pouco mais de um Quilômetro para o norte. Brigitte olhou nessa direção e observou a elevada torre iluminada pelo sol da tarde. Ali tinha nascido Quintin. Um lugar em desuso para uma iluminação, mas a primeira esposa do Thomas do Louroux se encontrou inspecionando aí os equipamento, no momento de chegar as primeiras dores. Lorde Thomas havia desposado com Leonie da Gascuña pouco depois de converter-se em vassalo do conde Arnulf. Lady Leonie era a filha de um cavalheiro sem terras, mas a pobreza da dama não tinha sido suficiente para desanimar a um homem apaixonado. Ela brindou a seu marido felicidade e um formoso filho, nascido pouco depois das bodas. Mas a sorte não durou. Quando Quintin fez quatro anos, sua mãe viajou a Gascuña para assistir à bodas de sua única irmã, Druoda, com um escrivão, Walafrid da Gascuña. Leonie e todo seu séquito tinham sido cruelmente assassinados por soldados do Magyar, enquanto atravessavam Aquitaine na viagem de volta ao Louroux. Thomas se achou fora de si com sua pena e o conde Arnulf, aflito ante a desdita de seu vassalo predileto, persuadiu-lhe a casar-se com sua formosa pupila, Rosamond do Berry. depois de um adequado período de luto, Thomas obedeceu, e a encantada Rosamond conseguiu cativar seu coração. A abundante dote da dama resultou deste modo uma bênção para o Louroux. Acaso algum outro homem podia ser tão afortunado de amar a duas mulheres e encontrar a felicidade com cada uma delas?
Uns anos depois, Rosamond deu a luz uma menina, a quem ela e Thomas chamaram Brigitte, a beleza augusta da pequena foi evidente desde seu nascimento. Para então, Quintin tinha oito anos e já era pajem do conde Arnulf, em cujo castelo o moço se encontrava aprendendo as habilidades de um guerreiro. Brigitte era uma menina feliz, amada por seus pais e adorada por seu meio irmão. Embora só lhe via nas breves visita do moço à mansão, não poderia lhe haver amado mais mesmo que ele tivesse sido seu verdadeiro irmão, ou tivesse vivido em sua constante companhia. A vida era maravilhosa para Brigitte, até que aconteceu a morte de sua mãe, quando ela só contava com doze anos. Pouco depois, sentiu-se ainda mais desolada quando Quintin, armado cavalheiro dois anos antes, partiu com o conde Arnulf em uma peregrinação para Terra Santa. Seu pai a consolou tanto como pôde, embora sua própria pena também era tremenda. O homem consentiu terrivelmente a sua filha durante os anos seguintes. Brigitte se tornou arrogante e irascível, mas seu orgulho foi castigado quando morreu seu pai três anos mais tarde. Por fortuna, Quintin retornou a casa em 970, pouco depois da morte do barão, para assumir a autoridade no senhorio do Louroux, depois de uns meses, chegaram Druoda e seu marido, e insistiram ao moço a acolhê-los na mansão. Quintin não se atreveu a denegar as demandas de sua tia e o marido. Druoda parecia uma mulher total e retraída. De fato, Brigitte virtualmente não notava a presença da dama na casa, exceto durante as comidas. Seu irmão tinha chegado para ficar e isso era o único que lhe importava à pequena. Ambos se consolavam mutuamente pela morte de seu pai. Então, o abade do monastério borgoñés do Cluny foi seqüestrado por piratas sarracenos, enquanto cruzava os Alpes através do passado do Grande São Bernardo. O conde da Borgonha se encolerizou e solicitou a ajuda de seus vizinhos para desfazer-se das bandas de assaltantes sarracenos, que tinham aterrorizado tudas as passagens ocidentais dos Alpes e o sul da França durante mais de um século. Embora o Conde Arnulf jamais se viu acossado por tais piratas, necessitava a Borgonha como aliada, e aceitou enviar muitos de seus vassalos e cavalheiros para liberar batalha contra os hostigadores. E Quintin foi também destinado a lutar. O moço se sentia encantado. A vida de um cavalheiro era a guerra, e ele tinha estado ocioso durante mais de um ano. Tomou à maioria de seus vassalos e homens, e na metade de quão soldados vigiavam o fortaleza. Só deixou atrás a sir Charles e a sir Einhard, ambos os anciões e propensos a freqüentes enfermidades, e também a sir Stephen, um dos cavalheiros da casa. E assim, partiu Quintin em uma brilhante manhã, e foi essa a última vez que Brigitte viu seu meioirmão. A jovem não podia precisar com exatidão quando o escudeiro do Quintin, Hugh, tinha-lhe levado as notícias da morte do moço. Só sabia que tinham acontecido vários meses antes de que ela pudesse superar o forte impacto emocional e lhe dissessem que tinham transcorrido semanas das que não tinha tido consciência. Podia, porém, recordar com claridade as palavras do Hugh: "Lorde Quintin caiu quando os nobres franceses atacaram uma das bases piratas na desembocadura do Ródano." A dor jamais abandonou a jovem. Brigitte se achava muito aturdida pelas mortes acontecidas em sua família para advertir as mudanças que estavam tendo lugar na casa, ou para perguntar-se por que os vassalos do Quintin não retornavam, ou porquê Hugh tinha voltado para a costa sul, Mavis tinha tratado de lhe advertir que notasse tais mudanças, em particular, a transformação da Druoda. Mas não a não ser até encontrar ao Wolff encerrado com os outros cães, começou a menina a compreender. Brigitte se enfrentou a Druoda. Foi então quando, pela primeira vez, advertiu que a tia de seu irmão não era a mulher que ela tinha acreditado conhecer. -Não me chateie com pequenezes, menina! Tenho assuntos mais importantes que atender- disse Druoda com arrogância. Brigitte se irritou. -Com que direito...?
-Com todo o direito! -interrompeu-a Druoda como único parente de seu irmão, como seu único parente, tenho todo o direito de assumir a autoridade nesta casa. Você ainda é uma donzela e necessita um tutor. Naturalmente, Walafrid e eu seremos nomeados responsáveis. -Não! -replicou a menina-. O conde Arnulf será meu tutor. Ele se ocupará de velar por meus interesses. Druoda era quinze centímetros mais alta que Brigitte, e lhe aproximou para amedrontá-la. -Minha menina, você não terá voz no assunto. As donzelas não escolhem a seus tutores. Agora bem, se não tivesse parentes, então o conde Arnulf, como senhor de seu irmão, passaria a ser seu tutor. Mas você não está sozinha, Brigitte. Druoda esboçou um sorriso presumido ao adicionar: -Tem-nos para mim e ao Walafrid. O conde Arnulf nos outorgará seu tutoría. -Eu falarei com ele -respondeu a menina com segurança. -Como? Não pode abandonar Louroux sem uma escolta, e vejo que terei que lhe negar isso E o conde Arnulf não virá até aqui, posto que ainda não sabe que Quintin morreu. Brigitte afogou sua exclamação. -por que não foi informado? -Acreditei que seria melhor aguardar- disse Druoda com indiferença -. Até que te desposasse. Não há necessidade de incomodar a um homem tão ocupado com a busca de um marido adequado, quando eu sou perfeitamente capaz de escolhê-lo sem sua ajuda. -Escolhê-lo você? Jamais! - exclamou a menina com indignação-. Eu mesma escolherei meu marido. Meu pai me prometeu a liberdade de escolher, e Quintin esteve de acordo. O conde Arnulf sabe. -Não seja ridícula. Uma menina de sua idade é muito jovem para tomar uma decisão tão importante. Mas que idéia tão absurda! -Então não me casarei! - afirmou Brigitte impulsivamente-. Ordenarei-me em um convento de monjas! Druoda sorriu e começou a caminhar pela habitação com ar pensativo, enquanto falava. -Seriamente? Uma dama que jamais trabalhou em nada mais difícil que um volto de fiar? Pois então, se desejas ser noviça, deve começar imediatamente sua capacitação. - Voltou a sorrir -. Sabia você que as noviças trabalham dia e noite como vulgares faxineiras? Brigitte elevou o queixo com atitude desafiante, mas não respondeu. -Pode começar sua aprendizagem aqui e agora, Sim, isso poderia ajudar a melhorar sua disposição. A menina assentiu obstinadamente. Demonstraria a Druoda que poderia ser uma perfeita noviça. Tampouco se tornou atrás quando, uns poucos dias mais tarde, retornou a sua antecâmara para encontrar que todas seus pertences tinham desaparecido. Aí, Druoda a aguardava para lhe informar que às noviças não estava permitido possuir elegantes dormitórios e que, dali em mais, deveria viver em uma das choças dos serventes ao outro lado do pátio. Mesmo assim, Brigitte jamais considerou a idéia de abandonar a mansão. Nem sequer quando sir Stephen se recusou a levar sua mensagem ao Arnulf, pensou a menina em viajar sozinha para a casa do conde. Mas quando Mavis foi expulsa causar pena umas roupas nas costas, Brigitte teve que ser encerrada para impedir que partisse com a donzela. Três dias depois, a jovem foi liberada. O tempo perdido não deteve a menina. dirigiu-se diretamente ao estábulo, sem pensar nas conseqüências que poderia conduzir o abandonar sozinha a mansão. Leandor, o oficial do Louroux, detalhou-lhe os perigos quando a descobriu preparando suas arreios. -Se lhes partirem, arriscarão-lhes ao estrupro e ao assassinato -tinha-lhe advertido o homem, ofuscado ante a imprudência da menina-. Milady, não posso deixar ir sem escolta. -Irei, Leandor -tinha-lhe respondido Brigitte com tom firme-. Se não poder encontrar ao Mavis, então, cavalgarei até o castelo do conde Arnulf e conseguirei sua ajuda. Já é hora de que ele se inteire das sujas jogadas da tia de meu irmão. Deveria me haver partido muito antes.
-E se lhes atacam no caminho? -Ninguém se atreveria. A pena por ferir uma mulher nobre é muito grande. Devo encontrar ao Mavis. Leandor baixou a cabeça. -Não desejava revelaroós, mas sua dama de companhia foi encontrada ontem à noite. Está morta. A menina retrocedeu estupefata. -Não -sussurrou, sacudindo a cabeça-. Não, Leandor. -Uma mulher só nunca está segura, nem sequer uma tenra anciã como Mavis. E você, milady, com sua beleza, arriscaria-lhes a muito mais que ao assassinato. Ante a inesperada morte de seu fiel amiga, a jovem se havia sentido abatida uma vez mais. E as sinistras predições do Leandor tinham conseguido debilitar sua determinação de abandonar a casa sem escolta. Aguardaria. cedo ou tarde, o conde Arnulf teria que aparecer. Enquanto isso, Druoda devia acreditar que ela ainda tinha intenções de ingressar em um convento. Talvez, isso deteria os propósitos casamenteiros da dama... ao menos, por um tempo. 2 Arles, uma antiga cidade no coração da Provenza, tinha sido construída vários séculos atrás à beira do rio Ródano. Alguma vez foi uma importante comunidade romana, era denominada "a pequena Roma", e ainda se conservavam dessa época algumas antiguidades, como um palácio levantado pelo Constantino, um anfiteatro e uma areia, ainda intactos. Arles era uma cidade desconhecida para Rowland do Montville. Mas inclusive um lugar estranho jamais podia apresentar dificuldades para um jovem cavalheiro. Do momento de abandonar seu lar na Normandia seis anos atrás, o moço se enfrentou a incontáveis desafios e advertido quão deficiente era, em realidade, sua educação. Rowland tinha aprendido a arte de escrever, feito pouco comum entre os nobres, e era além disso um destro guerreiro. Mas muitos nobres franceses sem instrução lhe consideravam vulgar, intratável, porque o jovem não era refinado. O moço se assemelhava a seu pai, um rústico nobre rural. O jovem era consciente de sua falta de refinamento. Em todos esses anos, depois de abandonar ao Luthor do Montville, mais de uma vez tinha amaldiçoado a seu pai por ter descuidado esse aspecto de sua educação. As damas se sentiam ofendidas pelo Rowland. Os cavalheiros de menor categoria riam ante sua vulgaridade, o qual tinha provocado mais de uma rixa durante todo esse tempo. O moço tratou de melhorar. Fez que seu escudeiro lhe ensinasse as corretas regras de urbanidade, mas suas maneiras recentemente adquiridos lhe resultavam afetados e se sentia muito tolo. Como poderia desfazer-se dos dezoito anos de educação vulgar? Sem dúvida, não era essa uma tarefa fácil de executar. No Arles, o jovem se surpreendeu ao topar-se com outro cavalheiro instruído pelo Luthor. Roger do Mezidon tinha a alma negra, se era isso possível, e Rowland tinha esperado não voltar a ver o homem nunca mais. O moço ainda não se recuperou de seu assombro, quando foi abordado pelo GUI do Falaise, quem tinha viajado até o Arles precisamente para lhe encontrar. -As ordens de seu pai foram, como de costume, muito explícitas -declarou GUI, logo depois de abraçar-se com o Rowland e intercambiar-se notícias. Fazia seis anos que não se viam, mas, alguma vez, tinham sido muito íntimos amigos - Eu não devia retornar à mansão sem antes te haver encontrado! -Nesse caso, não faltaste a seu dever -afirmou Rowland com secura. Ao moço não lhe agradava que GUI tivesse jurado lealdade a seu pai, mas era consciente de que o homem não conhecia o Luthor tão bem como ele.
-Bom, te encontrar era só parte de minha missão- reconheceu GUI-. A outra parte é te levar de volta comigo. Rowland se surpreendeu, mas se forçou a ocultar seu assombro. -por que? -perguntou com tom severo-. Acaso a idade conseguiu enternecer a meu pai? Esqueceu ele que me expulsou da casa? -Segue ainda ressentido, Rowland? -Os olhos verdes do GUI refletiram uma profunda preocupação. -Você sabe que eu só queria lutar pelo rei da França, que era o senhor de nosso duque. Mas Luthor se negou. Converteu-me em um valoroso guerreiro, mas jamais me permitiu demonstrar minhas habilidades. Santo Deus, em toda minha vida não me tinha afastado do Montville nenhuma só vez, e ali estava eu, com dezoito anos e armado cavalheiro, e meu pai pretendia me reter em casa como se se tratasse de um bebê de fraldas. Não foi possível tolerá-lo. -Mas sua rixa com o Luthor não foi pior que outras - insistiu GUI-. Golpeou-te, como sempre o fazia, corpo a corpo. Os olhos azuis do Rowland se obscureceram. -Sim, isso viu você, mas não ouviu as palavras que se pronunciaram logo. Eu também fui responsável, admito-o, porque ele me provocou com sua presunção de que jamais perderia um combate frente a mim, nem mesmo quando se estivesse aproximando da tumba. Se ele não tivesse feito tal alarde diante de sua esposa e filhas, eu não teria afirmado que me partiria sem sua permissão para, provavelmente, não retornar jamais. Mas o disse ofuscado, e ele então respondeu: "Vete e será o fim! Jamais te permitirei que retorne!". -Não sabia que tinham chegado a tanto. Mas isso ocorreu faz seis anos, Rowland, e as palavras sortes com fúria não devem ser recordadas para sempre. -Mas ele o disse, e meu pai jamais se retrata. Mesmo que esteja equivocado, e sabe muito bem que o está, não é capaz de retificar. -Sinto muito, Rowland. Nunca soube a gravidade da disputa. Partiu-te, e eu sabia que tinha brigado com o Luthor, mas ele jamais voltou a falar disso desde que foi. Agora compreendo por que ele nunca esteve seguro de se voltaria para casa ou não. Mas sei que o velho guerreiro te sentiu falta de. Estou convencido de que teria enviado por ti muito antes, se tivesse encontrado a forma de fazê-lo sem perder seu prestígio. Você conhece o Luthor: é todo orgulho. -Ainda não me há dito por que foi levantada minha expulsão. - Seu pai quer que esteja perto para reclamar seu feudo em caso de que ele morra - informou-lhe GUI com brutalidade. O rosto do Rowland empalideceu lentamente. -Luthor está morrendo? -Não! Não quis dizer isso. Mas se está gerando certo problema. Sua meio-irmã, Brenda, casou-se. -De modo que a bruxa por fim conseguiu companheiro -Roland deixou escapar uma breve risada.Presumo que o sujeito tem que ser estúpido e de aspecto repugnante. -Não, Rowland, casou-se com o Thurston do Mezidon. -O irmão do Roger!- exclamou Rowland. -O mesmo. -por que? Thurston era um homem arrumado e agradava muito às damas. por que quereria ele casar-se com a Brenda? A moça não é só tão arpía como sua mãe, mas sim além disso é terrivelmente feia. -Acredito que o dote da jovem lhe atraiu -sugeriu GUI com tom vacilante. -Mas o dote matrimonial da Brenda não era muito grande. -Ouvi que lhe fez acreditar o contrário; assim de apaixonada estava a moça. Também se diz que Thurston quase o arbusto a golpes na noite de bodas, uma vez que descobriu que o dote não era nem a metade do que ele tinha esperado. -Suponho que isso não era mais do que essa jovem merecia - disse Rowland espontaneamente.
Era sabida a falta de amor entre o Rowland e suas duas meio-irmãs maiores. O moço tinha sofrido cruelmente em mãos das mulheres desde sua mais tenra infância sem ninguém que lhe protegesse. Na verdade não sentia nada por elas agora, nem sequer compaixão. -E minha irmã Ilse -prosseguiu Rowland-, ela e seu marido continuam vivendo com o Luthor? -OH, sim. Geoffrey jamais abandona suas bebedeiras o suficiente para construir uma mansão em seu pequeno feudo - respondeu GUI com tom depreciativo-. Mas se produziu uma importante mudança. Geoffrey subitamente cercou uma íntima amizade com o Thurston. - E? - Esse é um mau presságio para o Luthor. Tem um filho político que está furioso pela miserável dote da Brenda e que quer muito mais do Montville. Seu outro filho político vive sob seu mesmo teto e é afável com o Thurston. Luthor sente que deve manter-se em guarda agora, posto que é muito possível que seus dois filhos políticos se unam em seu contrário. -O que pode temer Luthor? Tem suficientes homens. -Não subestime ao Thurston. Esse sujeito tem a ambição e a cobiça de dois homens. Rapina na Bretaoa e em Maine, conseguiu juntar um exército bastante grande, o suficiente como para que Luthor tivesse que reforçar Montville. Seguro que se desatará uma guerra se não assassinarem antes ao ancião senhor. -Crie que Thurston seria capaz de recorrer ao assassinato? - Sim, Rowland, isso acredito. Já houve um acidente inexplicável. E se morrera Luthor sem que você estivesse ali para reclamar Montville, Thurston e Geoffrey 1o reclamariam para si e necessitaria um exército tão capitalista como o do duque para recuperá-lo. -E se não o quero? -Não pode dizer isso, Rowland! Seria capaz de abandonar os cavalos que amas, a terra que Luthor deseja para tí? Rowland enredou uma mão em sua abundante cabeleira ondulada. Não havia razão para fingir. -É verdade, desejo-o. É o único que quero do Luthor. -Então, retornará a casa? - perguntou GUI, esperançado-. Embora tenha jurado não fazê-lo? -Eu sou como meu pai em muitos aspectos, GUI, mas quando afirmo uma necedad, não me levo isso a tumba. Sustento-a durante uns poucos anos, talvez, mas não para sempre. - Rowland soltou uma leve risada -. Embora ele também se retratou, ou ao menos, isso parece. -trocaste, meu velho amigo. Recordo suas muitas brigas com o Roger do Mezidon só porque não queria retificar uma asseveração. Topaste-te com esse descarado em algum de suas viagens? -Está aqui, com o conde do Limousin.- GUI se surpreendeu. -Inteiramo-nos que a habilidade do Roger. conseguiu juntar terras por todo o reino. Pergunto-me como tem tempo de servir a tantos senhores. -É tão ambicioso como seu irmão maior, Thurston. -E falaste com o Roger? -pergunto GUI com ansiedade. Rowland se encolheu de ombros. -Sim, vi-lhe. Não me provocou tanto como estava acostumado a fazê-lo, mas agora não está tão seguro de poder me vencer. -cresceste muito da última vez que te vi. Está mais alto e mais musculoso também. Apostaria a que inclusive é mais alto que Luthor agora, e ainda não vi a um só homem que pudesse olhar ao ancião com desprezo de acima. Os lábios do Rowland se curvaram em uma careta de satisfação. -Seja como for, superei ao Roger, para desgraça do patife. -Mas trocaste em outros aspectos? -aventurou-se a perguntar GUI, e seus olhos verdes brilharam com picardia-. Acaso os francos conseguiram te abrandar? -Agachou súbitamente a cabeça,
antecipando o golpe burlesco de seu amigo -. Não? É de supor então que agora teremos dois Luthors em casa? Rowland soltou um grunhido. -Ao menos, eu só golpeio quando alguém me provoca, o qual é muito mais do que pode dizer-se de meu pai. Era verdade. Luthor do Montville era um homem rude, robusto, a quem outros senhores enviavam seus filhos para adestrar-se, dado que os meninos retornavam a casa convertidos em fortes e destros guerreiros. Rowland era o único filho varão do Luthor, seu bastardo. O lorde não dava importância a esse fato, mas o moço detestava sua condição. A mãe do Rowland procedia de uma aldeia próxima. Uma mulher sem fila nem família, tinha morrido no parto, conforme tinham informado ao moço, e a parteira tomou ao menino a seu cuidado. Luthor jamais soube da existência desse filho até um ano e meio mais tarde, quando a anciã que tinha atendido ao Rowland estava a ponto de morrer e fez chamar o lorde. Luthor não tinha outro filho varão, por isso levou a casa ao Rowland junto a sua esposa, expressando uma vez mais seu desprezo para a Hedda, porque esta só lhe tinha dado duas meninas. Hedda odiou ao bebê do primeiro momento e jamais se ocupou dele, até que o menino cresceu o suficiente para sentir a maldade de sua madrasta. Desde que Rowland cumpriu os três anos, Hedda e suas filhas lhe pegavam por qualquer razão. Luthor jamais fez nenhum esforço por impedir o cruel tratamento de que era objeto seu filho. O mesmo tinha sido criado com rudeza e acreditava que toda sua força se devia a sua dura juventude. Com seu pai, Rowland aprendeu a reprimir a ternura e a controlar todos seus sentimentos, exceto a ira. O moço foi treinado para correr, saltar, nadar, cavalgar, lançar a fêmea de javali ou a tocha de armas com incrível precisão, e empunhar a espada ou usar os punhos com brutalidade e destreza. Luthor soube ensinar bem a seu filho, lhe golpeando pelos enganos cometidos e lhe elogiando de muito má vontade os acertos. A infância do moço ficou marcada por surras recebidas não só dentro, mas também fora do lar, já que os filhos dos nobres levados ao Luthor para o adestramento eram maliciosos, em especial, Roger do Mezidon, quem era dois anos maior que Rowland e tinha chegado ao Montville quando o menino logo que tinha cinco. As sovas diárias continuaram até que Rowland adquiriu suficiente força para defender-se. E se Luthor não impediu os cruéis entendimentos da Hedda e suas duas filhas quando o moço era pequeno e indefeso, tampouco deteve o Rowland quando este cresceu o suficiente para devolver os golpes. A vida resultou mais fácil para o jovem uma vez que respondeu ao primeiro ataque. Em adiante, não voltou a exercer represálias contra as mulheres da casa. Preferiu as ignorar. Já não havia razão para temer o abuso das damas e só se ocupou de repelir os golpes dos moços maiores e do Luthor. -Podemos partir pela manhã? -perguntou GUI a seu amigo quando chegaram à loja do Rowland nos subúrbios do Arles. Uma vez ganha a batalha, a cidade inteira se entregou à celebração e já não havia razão para permanecer ali.- quanto antes nos partamos, melhor. Levou-me quase meio ano te encontrar. -E o que te fez me buscar aqui? -inquiriu Rowland. -A batalha, certamente -respondeu GUI com um amplo sorriso-. Se algo aprendi é que em qualquer lugar que esteja a guerra, ali estará você. Já deve ter tantos feudos como Roger, depois de todas as batalhas que livraste. Rowland deixou escapar uma breve risada e seus olhos brilharam como safiras. -Eu brigo por ouro, jamais por terra. A terra precisa cuidados, e me agrada a liberdade de vagar a meu prazer.
-Então, deve possuir uma cuantiosa fortuna em ouro. Rowland sacudiu a cabeça. -A maior parte se foi em mulheres e bebida, mas mesmo assim, tenho alguma fortuna. -E saques dos sarracenos? -Isso também. Esses piratas têm sedas e peças de cristal, ourivesaria e abajures em ouro, por não mencionar as jóias. -E a batalha? -Houve muitas batalhas -Respondeu Rowland- Os sarracenos têm acampamentos ao longo de toda a costa. Mas a mais importante se encontra na Niza. Entretanto, não tiveram uma boa atuação, porque brigavam sem armadura. Caíram como camponeses frente aos hábeis cavalheiros. Alguns conseguiram escapar em seus navios, mas saqueamos seus acampamentos e logo lhes prendemos fogo. -Suponho que cheguei bem a tempo, então. -Sim. Meus serviços ao duque da Borgonha terminaram. Podemos partir pela manhã. Mas esta noite, esta noite te farei passar um momento agradável, mon ami. Conheço um botequim apropriado junto à entrada do norte, onde servem uma saborosa sopa e cerveja doce. -Rowland riu de repente.- Não imagina quanto senti falta do ale de meu pai. Os franceses podem afogar-se em seu maldito vinho, eu sempre estarei disposto a beber ale com os camponeses. Rowland se sujeitou a correia da vagem e embainhou sua larga espada; logo, colocou-se um comprido manto de lã sobre os ombros. Atrás deixou a cota e a armadura. O moço tinha crescido para converter-se em um homem de esplêndida figura, pensou GUI com satisfação. Duro como uma rocha, firme e forte, Rowland era um verdadeiro guerreiro. Admitisse-o ou não, Luthor estaria orgulhoso de ter a este filho a seu lado na batalha. GUI deixou escapar um suspiro. Rowland tinha crescido sem o amor de uma só pessoa. Era natural que, em ocasiões, o moço fora áspero, cruel e irascível; tinha todo o direito a sê-lo. Mesmo assim, Rowland também possuía excelentes qualidades. Era capaz de demonstrar tanta lealdade por um homem, como ódio por outro. E não lhe faltava senso de humor. Na verdade, Rowland era um grande homem. -Devo te advertir, GUI -disse o moço quando entraram o a cidade.- Roger do Mezidon também tem descoberto as virtudes do botequim a que nos dirigimos, já que certa donzela apanhou seu interesse ali. -E o teu também, sem dúvida -demarcou GUI com tom divertido.- Você e ele sempre lhes sentastes atraídos pelas mesmas mulheres. Competiram também por esta? Rowland fez uma careta ante a lembrança recente. -Sim, brigamos. Mas o matreiro trapaceiro tomou despreparado, depois de que eu tinha tomado umas quantas taças de mais. -Então perdeu? -Não é isso acaso o que acabo de te dizer? -respondeu Rowland com brutalidade.- Mas essa será a última vez que brigarei com um homem por um pouco tão insignificante. As mulheres são todas iguais e muito fáceis de conseguir. O e eu temos suficientes raciocine para brigar sem necessidade de nos disputar umas saias. -Ainda não me perguntaste pela Amelia -fez-lhe notar GUI com cautela. -É verdade, não te perguntei -replicou Rowland. -Não sente curiosidade? -Não -respondeu o moço-. Perdi meus direitos sobre a Amelia ao partir. Se ela ainda seguir livre a minha volta, então, talvez, voltarei a reclamá-la. Se não... -encolheu-se de ombros.- Encontrarei outra. Não tem muita importância para mim. -A moça está livre Rowland. E te esperou fielmente durante estes seis anos. -Não lhe pedi que o fizesse.
-Não obstante, ela aguardou. A moça espera casar-se contigo e Luthor está de acordo. Já começou a tratá-la como a uma filha. Rowland deteve a marcha e franziu o sobrecenho. -Ela sabe que eu não estou disposto a me casar. O que lhe brindou o matrimônio a meu pai mais que um par de filhas feias e uma esposa harpia? -Não pode comparar a todas as mulheres com sua madrasta- indicou-lhe GUI.- Com segurança, suas viagens pela França lhe terão demonstrado que não todas as damas são iguais. -Ao contrário. Aprendi que uma mulher pode ser muito doce quando quer algo, mas, de outra maneira, é uma bruxa. Não, não desejo uma esposa que me esteja arreganhando todo o tempo. Preferiria me consumir no inferno antes de me desposar. -Está atuando como um tolo, Rowland -aventurou-se a afirmar GUI.- Já sei que há dito isto antes, mas pensei que tinha trocado de opinião. Deveria te casar. Desejará um filho algum dia. Deve ter a alguém a quem lhe deixar Montville. -Com segurança, terei um ou dois bastardos. Não preciso me casar para isso. -Mas... Os escuros olhos azuis do Rowland se entrecerraron. -Tenho uma opinião muito firme sobre isto, GUI, de maneira que não siga me perseguindo. -Muito bem -aceitou GUI com um suspiro-. Mas, o que acontecerá Amélia? -Ela já conhecia minhas idéias quando veio a minha cama. É muito tola se pensou que voltaria a considerá-lo- Reataram a marcha e Rowland suavizou seu tom ao prosseguir.- Além disso, é a última mulher que eu recomendaria por esposa. Tem uma boa figura e é bonita, mas infiel. Roger a teve antes que eu e sem dúvida, também muitos outros antes que ele. Você mesmo, possivelmente, também saboreaste à moça. Vamos admite-o. O rosto do GUI avermelhou e se apressou a trocar de tema. -Quanto falta para chegar a esse botequim? Rowland soltou uma estrondosa gargalhada ao perceber a inquietação de seu amigo e o deu uma palmada nas costas. -te tranqüilize, mon ami. Nenhuma mulher merece uma disputa entre amigos. Tem minha permissão para possuir a qualquer dama que eu tenha. Como te disse antes, todas são iguais e muito fáceis de conseguir, inclusive Amelia. E, com respeito a sua pergunta, o botequim está ali diante- Assinalou um edifício situado ao final da rua. Dois cavalheiros se encontravam deixando o lugar e ambos lhe saudaram com a mão.- Esses homens brigaram a meu lado na última batalha -explicou Rowland.- Borgoñeses do Lyon. Ao parecer, todo o reino colaborou na expulsão dos sarracenos. Inclusive os saxões enviaram a seus Cavalheiros. -De ter chegado antes, eu tivesse participado também -comentou GUI com melancolia. Rowland deixou escapar uma breve risada. -Ainda não saboreaste sua primeira batalha? Suponho que Luthor não terá estado ocioso durante todos estes anos, ou sim? -Não, mas foram só combate contra bandidos. Então, deve esperar ansioso o enfrentamento com o Thurston. GUI sorriu, ao tempo que chegavam ao botequim. -Para falar a verdade, não pensei muito nisso. O único que me preocupou desde que saí de casa foi o que fazer se te negava a voltar, dado que, se isso ocorria, eu tampouco poderia retornar. -Então, deve te sentir muito aliviado, né? -Sem dúvida. -GUI soltou uma gargalhada.- Preferiria me enfrentar ao demônio, antes que à fúria do Luthor. Ao entrar, encontraram o botequim repleto de cavalheiros que bebiam junto a seus escudeiros e soldados. O lugar era de pedra e muito espaçoso. Os homens se achavam junto à enorme fogueira, onde se assava a carne ou congregados em grupos, conversando. Havia uma vintena de mesas de madeira com bancos de pedra e a maioria se encontravam ocupados. face à existência de duas portas, uma a cada lado da imensa
habitação, o lugar estava muito quente e carregado. Quase todos os cavalheiros levavam postos trajes de couro e cotas; seus escudeiros, só o objeto de couro. Nenhum deles parecia muito cômodo. Em casa, longe da batalha, Rowland e seus vizinhos, GUI, Roger, Thurston e Geoffrey, todos preferiam a capa de três lados sobre a larga camisa que usavam sob o traje de couro. Sujeita sobre um só ombro, a capa lhes permitia livre acesso à espada que sempre levavam, mas não era tão incômoda como a cota ou a túnica de couro. Rowland, entretanto, estava acostumado a preferir a túnica, dado que nunca tinha conseguido habituar-se à capa. Resultava-lhe mulheril, e o fato de que Roger do Mezidon se visse efeminado com o objeto a tornava até mais suspeita aos olhos do moço. Roger se encontrava no botequim com dois de seus vassalos e seus escudeiros. GUI tinha viajado sem seu próprio escudeiro e o do Rowland tinha morrido sob uma cimitarra sarraceno e ainda não tinha sido substituído. Rowland conhecia um dos vassalos do Roger, sir Magnus, quem era tutelado do pai de seu senhor. Ao igual ao filho do Luthor, sir Magnus tinha vinte e quatro anos e tinha recebido seu treinamento junto com o GUI e Roger e o mesmo Rowland. Roger, de vinte e seis anos, era o major de todos e, de um princípio, transformou-se no líder. Tinha sofrido uma penosa juventude, com a certeza de que, como segundo filho, deveria lavrar seu próprio caminho no mundo. Invejava ao Rowland porque, bastardo ou não, o moço estava seguro de possuir Montville algum dia. O fato de que um bastardo fora a herdar, enquanto que ele, filho de um nobre, não contaria com tal privilégio, resultava-lhe muito irritante. Rowland e Roger rivalizavam em tudo e este, sendo o major, geralmente ganhava e, em cada oportunidade, regozijava-se com malícia pela vitória. Durante toda sua juventude, ambos os jovens tinha brigado e discutido mais que se tivessem sido irmãos, e a luta não tinha cessado com a idade. Roger advertiu a chegada do Rowland e decidiu lhe ignorar. Mas sir Magnus viu o GUI e se levantou para lhe saudar. -Santo Deus, GUI do Falaise, o miúdo! -exclamou Magnus com efusão- passaram anos da última vez que te vi. Não tomou ao velho Luthor do Montville como seu senhor? -Sim -respondeu GUI com tom severo. Encrespava-lhe o mote com que lhe tinham apelidado em sua juventude. O miúdo. Era curto de estatura, e esse fato não podia modificar-se. Isso lhe tinha convertido em objeto de brincadeiras quando era jovem e um branco fácil para homens como Roger e Magnus, que estavam acostumados a avassalar com seus enormes tamanhos. Rowland se tinha compadecido dele e tinha tentado lhe proteger, lutando freqüentemente em seu lugar. Isto tinha criado um vínculo entre ambos, e GUI sentia que, por essa razão, devia a seu amigo uma inflexível lealdade. -E o que trouxe para o vassalo do Luthor até o Arles? - perguntou Roger. -Há problemas... Antes de que GUI pudesse continuar, Rowland lhe deu uma cotovelada nas costelas e interveio. -Meu pai me sentiu falta de -disse com tom jovial, provocando que Magnus se engasgasse com seu ale. Todos os pressente sabiam que tal asseveração era absurda. Roger franziu o cenho ante a resposta e Rowland previu uma batalha anterior a que lhe aguardava na Normandía. O moço se sentou em um banco de pedra ao outro lado da mesa, frente a seu velho inimigo. Uma garçonete, aquela por quem ambos os jovens tinham lutado, serve a cerveja aos recém chegados e se manteve perto, deleitando-se com a tensão que tinha provocado sua presença. Já antes tinham combatido por ela, mas nunca dois homens tão brutais e, de uma vez, tão desejáveis, como esses dois jovens. GUI permaneceu de pé detrás do Rowland, inquieto ante a expressão sombria do Roger. Era este um homem arrumado, com os olhos azuis e o cabelo loiro característicos dos normandos, mas
agora seu rosto se achava marcado com linhas severas, ameaçadores. Estranha vez ria, exceto com sarcasmo, e seu sorriso estava acostumado a ser depreciativo. Rowland e Roger eram semelhantes em estatura; ambos, jovens musculosos e fortes, de considerável tamanho. Mas o semblante do Rowland não era tão duro como o de seu adversário. Sem lugar a dúvidas, de aparência agradável. Rowland também guardava um certo senso de humor e um toque de amabilidade. -De modo que seu pai te sente falta de, né? - comentou Roger lacónicamente.- Mas, por que enviar a um cavalheiro para te buscar, quando qualquer lacaio poderia te haver encontrado? -Demonstra um inadequado interesse em meus assuntos, Roger -observou Rowland de modo terminante. Roger esboçou um sorriso sarcástico. -Meu irmão se há desposado com sua irmã - disse, estendendo os braços para tomar à garçonete e sentá-la em seu regaço, ao tempo que jogava um olhar de soslaio para seu antigo rival. Um matrimônio desacertado, em minha opinião. -Espero que não cria que isso nos converte em parentes -grunho Rowland. -Jamais reconheceria parentesco algum com um bastardo -respondeu o outro com rudeza. O silêncio foi denso, até que as gargalhadas burlonas do Roger encheram a habitação. -O que ocorre? Acaso não tem resposta, Rowland? -provocou-lhe, e abraço à moça que tinha no regaço ao prosseguir- O bastardo perdeu seu valor desde que lhe derrotei. Uma explosão deveria ter acompanhado ao repentino esplendor que apareceu nos olhos do Rowland, mas o moço falou com incrível calma. -Sou um bastardo, isso é bem sabido. Mas um covarde, Roger? Tinha começado a suspeitar isso de ti. A última vez que combatemos, assegurou-te de que estivesse ébrio antes de me atacar. -Roger começou a levantar-se, jogando na menina para um lado, mas o severo olhar do Rowland lhe penetrou-. Equivoquei-me, Roger. Você não é um covarde. Você tenta à morte com suas palavras e o faz com intenção. -Rowland, não! -exclamou GUI, e tentou deter seu amigo, que já começava a incorporar-se. Mas o vulcão que ardia no interior do Rowland foi impossível de deter. O moço empurrou ao GUI para um lado, ficou de pé e extraiu sua espada, movendo-se com tal rapidez, que soltou o banco de pedra de seus suportes, este caiu sobre o chão, atirando aos outros. A atenção da sala se concentrou nos combatentes, mas Rowland e Roger o ignoraram tudo, exceto a seu adversário. Em um ato de alarde, Roger limpou o ale da mesa com um tapa. Mas a cerveja se derramou sobre um cavalheiro ébrio e o homem lhe equilibrou antes de que Rowland pudesse atacar. O moço esperou com impaciência, ao tempo que a ira bulia em seu interior, mas não aguardou muito. O combate entre o Roger e o cavalheiro insistiu aos outros a lutar e, em poucos instantes, a habitação se converteu em um campo de batalha. Os guerreiros bêbados atacavam, enquanto que os sóbrios tentavam defender-se. dois soldados se lançaram sobre o Rowland sem razão, e ele perdeu de vista ao Roger no tumulto. GUI foi em sua ajuda, e os dois amigos não demoraram para vencer a seus oponentes. Rowland estava a ponto de voltar-se em busca do Roger quando, detrás de si, ouviu o agudo estrépito do aço. Então, girou, para encontrar-se ao Roger, surpreso, posto que a espada lhe tinha sido arrebatada da mão. detrás dele, achava-se um cavalheiro, a quem Rowland não conseguiu identificar. O estranho olhou ao moço e estava a ponto de falar quando, repentinamente, Roger recolheu sua arma e atravessou ao homem. Rowland se sentiu muito indignado para lançar-se contra seu velho inimigo. antes de que pudesse recuperar-se, um escudeiro ébrio se equilibrou para o Roger por atrás e lhe arrojou o bordo plano da espada sobre a cabeça. Roger caiu aos pés do Rowland, junto ao cavalheiro que ele mesmo tinha ferido.
-Deixa-o, Rowland- suplicou-lhe GUI, lhe sujeitando a mão. O moço lhe lançou um olhar fulminante. -Acaso não o viu? Tentou me atacar pelas costas, e este bom homem o impediu. -Vi que Roger te aproximava, Rowland, isso é tudo. Com segurança, tivesse-te advertido antes de atacar. -Conheço o Roger melhor que você, GUI, e te asseguro que sua intenção era me matar sem prévio aviso -grunhiu Rowland. -Então, desafia-o quando se recuperar -implorou-lhe GUI-. Mas não apele ao assassinato. Deixa-o passar por agora. Rowland nunca tinha matado a um homem indefeso, e acessou à petição de seu amigo. inclinou-se junto ao cavalheiro que tinha ido em sua ajuda, quem provavelmente lhe tinha salvado a vida. -Este homem ainda vive, GUI -gritou- Levaremo-lhe a cirurgião de meu acampamento. GUI vacilou. -E o que faremos com o Roger? -lhe deixe -respondeu Rowland com chateio-. Talvez, um destes homens dita lhe atravessar com a espada e me economize a moléstia.
3 Rowland se encontrava aguardando ansiosamente junto à loja do médico, ao tempo que GUI se passeava pelos arredores, angustiado. -Já aconteceram três dias, Rowland -disse-lhe com impaciência-. Se o homem tiver que morrer, morrerá. Não há nada que possa fazer para lhe ajudar. Rowland lançou um olhar irado a seu amigo. Já tinham mantido esta mesma discussão pouco antes esse mesmo dia. -Devemos partir, Rowland. Roger fugiu furtivamente durante a noite, de modo que agora não pode lhe desafiar. Como estão as coisas, não chegaremos a casa antes da primeira nevada. -Uns poucos dias mais não importarão. -Mas você nem sequer conhece este homem. -Sua impaciência não diz muito em seu favor, GUI. Estou em dívida com ele. -Não pode estar tão seguro disso. -claro que sim. Finalmente, a porta da loja se abriu e o médico do duque se aproximou dos dois homens com ar fatigado. -Esteve consciente uns instantes, mas é muito logo para saber se viverá. A hemorragia cessou, mas pouco posso fazer pelas lesões que tem em seu interior. -Chegou a falar? O médico assentiu. -Ao despertar, acreditou encontrar-se em uma aldeia de pescadores. Ao parecer, passou várias semanas na costa, recuperando-se de umas feridas. Rowland franziu o sobrecenho. -Feridas? O doutor sacudiu a cabeça. -Esse jovem deve estar maldito. Foi deixado à mercê de uns camponeses. Apenas se conseguiu sobreviver. Afirma que permaneceu inconsciente uma semana e que não pôde mover-se nem pensar durante uns dias mais. Recebeu um mau golpe na cabeça. -Quem é? -perguntou Rowland com ansiedade. -Sir Rowland, o homem está gravemente ferido. Não lhe quis pressionar, só me dediquei a escutar o que desejava dizer. encontrava-se muito alterado. Quando insisti em que não podia levantar-se, tratou de explicar o de sua ferida. Disse
algo a respeito de uma irmã, sua preocupação pela moça, mas voltou a desabar-se antes de que pudesse me contar do que se tratava, parecia muito perturbado. -Posso lhe ver? -Está outra vez inconsciente. -Aguardarei na loja até que desperte. Devo falar com ele. -Muito bem. GUI continuou com suas súplicas uma vez que o doutor se partiu. -Vê?, o médico não parece muito preocupado. Partamos a casa. Já não há nada que possa fazer aqui. Rowland tinha perdido a paciência com seu velho amigo. sentia-se moralmente obrigado a permanecer ali. -Maldição! Atua como uma mulher resmungona! Se estiver tão ansioso por ir, então vete... vete! -Rowland, só acredito que é urgente nos apressar. Já pode ser muito tarde. É provável que em minha ausência, Thurston do Mezidon tenha atacado, antes da chegada do frio. -Parte já. Eu te alcançarei no caminho. -Mas não posso permitir que viaje só. Rowland lançou um olhar severo a seu amigo. -E desde quando necessito uma escolta? Ou é que não confia em que te seguirei? OH sim, já vejo que é isso. - Soltou uma breve risada-. Leva meus pertences contigo, então. Deixa só meu cavalo e minha armadura. Desse modo, poderá estar seguro de que te seguirei. Se não surgir dificuldades, reunirei-me contigo entre o Ródano e o Loira. Se não ser ali, então quando tiver deixado Loira. Não me espere se não conseguir te alcançar. Com certa relutância, GUI partiu e seu amigo permaneceu sentado junto à cama de armar da loja durante o resto da tarde. Essa noite, sua vigília se viu recompensada quando o ferido abriu os olhos. O homem tratou de incorporar-se, mas Rowland lhe deteve. -Não deve te mover. Sua ferida voltará a sangrar. Os brilhantes olhos pardos do doente se posaram sobre o Rowland. -Conheço-te? -Falou calmadamente em francês e logo, respondeu a sua própria pergunta-. Estava ontem à noite no botequim. -Isso passou faz três noites, meu amigo. -Três? -grunhiu o ferido-. Devo encontrar a meus homens e retornar ao Berry imediatamente. -Não irá a nenhuma parte, ao menos, não por algum tempo. O homem soltou um gemido. - Necessita ao médico? -Só se pode realizar um milagre e me curar neste instante -sussurrou o doente. Rowland sorriu. -O que posso fazer por ti? Salvou-me a vida e está sofrendo por isso. -Sofro por minha própria imprudência. Só duas vezes em minha vida elevei minha espada a sério combate e, em ambas as oportunidades, aproximei-me da morte. Jamais escuto as advertências. Sempre penso que os homens lutarão limpamente. Há-me flanco um alto preço aprender a lição. -Sei que acaba de te recuperar de uma ferida na cabeça. Foram os sarracenos? -Sim. Ia com outros três perseguindo uma banda que fugia. Quando os alcançamos, eles se voltaram para lutar. Então meu cavalo caiu e me jogou pelos ares. Quando por fim despertei, encontrei-me em uma aldeia de pescadores, com uma dor de cabeça que não desejo a ninguém e me informaram que tinha estado inconsciente durante uma semana. Vim ao Arles logo que me recuperei. Não tive sorte para encontrar a meus vassalos. Acreditava que acharia a um ou dois nesse botequim, mas não vi nenhum. -Mas, felizmente para mim, encontrava-te ali essa noite. -Não pude menos que atacar quando vi que um homem te aproximava por detrás -declarou o ferido. -Bom, salvaste a vida do Rowland do Montville. O que posso fazer em troca?
-Reza por minha rápida recuperação. Rowland riu, posto que o homem conservava o humor em que pese a seu lastimoso estado. -Sem dúvida, orarei por ti. E seu nome? Devo sabê-lo se tiver que implorar aos Santos. -Quintin do Louroux. -É franco? -Sim, do Berry. -Sua família vive ali? -Meus pais morreram. Só fica minha irmã Y... -O homem fez uma pausa-. Há algo que pode fazer por mim. -Não tem mais que mencioná-lo. -Meus vassalos, os três que traje comigo. Se pode encontrá-los por mim, estarei-te muito agradecido. Assim, poderia enviar um a casa para informar a minha irmã que estou vivo, mas que ainda não retornarei até dentro de algumas semanas. -Sua irmã te crie morto? Quintin assentiu, inclinando fracamente a cabeça. -Suponho que sim. Acreditei que só me levaria uns poucos dias reunir a meus homens e partir para o Berry. Mas agora o médico diz que devo permanecer nesta cama durante três semanas. Não posso tolerar a idéia de que minha irmã esteja chorando minha morte. Tanta preocupação por uma mulher era incompreensível para o Rowland. -Deve amá-la muito. -Estamos muito unidos. -Então pode estar tranqüilo, meu amigo. Encontrarei a seus cavalheiros e lhe enviarei isso. Mas me pede muito pouco. Consideraria-me honrado se me permitisse lhe levar as notícias a sua irmã em pessoa. te liberar dessa preocupação seria só um pequeno pagamento ao muito que devo. -Não posso te pedir tanto -negou-se Quintin. -Ofenderei-me se não o faz. De todos os modos, devo viajar para o norte, posto que meu pai requereu minha presença no Montville. Só me atrasei para me assegurar de seu estado. E não ouviste falar dos cavalos de guerra do Montville? Meu animal envergonharia ao corcel de seu cavalheiro e as novas boas chegariam muito antes a sua irmã. Os olhos do Quintin se iluminaram. -Encontrará minha casa sem dificuldade. Não tem mais que perguntar uma vez que te aproxime do Berry e lhe indicarão o caminho para o Louroux. -Encontrarei-o -assegurou-lhe Rowland-. Você só deve descansar e recuperar suas forças. -Agora já poderei descansar -afirmou Quintin com um suspiro-. Estou-te muito agradecido, Rowland. O moço se incorporou para partir. -É o menos que posso fazer por ti, e não é nada, considerando que me salvou a vida. -Sua dívida está saldada -assegurou-lhe o doente. -Não diga a minha irmã que me feriram outra vez. Não desejo lhe causar mais angustia. Só lhe diga que ainda devo permanecer ao serviço do duque, mas que logo retornarei. Depois de ter deixado atrás Arles, advertiu Rowland que desconhecia o nome da irmã do Quintin do Luoroux. Mas não tinha importância... encontraria a jovem de todos os modos.
4 Druoda da Garcuña se encontrava em suas antecâmaras, recostada sobre um comprido canapé verde, comendo passas de uva e saboreando seu néctar em um doce veio. Já tinha cansado a tarde e, embora o inverno tinha sido benigno até o momento, Druoda estava habituada aos climas mais
quentes do sul da França e insistia em manter acesa a chama de um braseiro para enfraquecer a habitação. A seus pés, encontrava-se ajoelhada Hildegard, preparando as unhas de sua ama para as pintar, outra das numerosas práticas que Druoda tinha aprendido das despreocupadas mulheres do sul. Não muito tempo atrás, ambas as damas se viram privadas de todo luxo. Só recentemente, tinham trabalhado dia e noite, alimentando a viajantes, lavando roupa suja de outras pessoas e cozinhando. Este deplorável trabalho tinha sido necessária, posto que o pai da Druoda não lhe tinha deixado nada. Seu marido Walafrid, possuía uma imensa casa, mas não contava com suficiente dinheiro para mantê-la. De modo que ambos tinham convertido a residência em uma estalagem e contratado ao Hildegard como ajuda. Graças à morte do sobrinho da Druoda, Quintin, os dias de árduo trabalho tinham terminado. Tudo tinha sido calculado: assumiriam a tutoría do Brigitte do Louroux y5 ocultariam a notícia da morte do barão a seu senhor. Druoda se sentia satisfeita por haver-se desembaraçado da única pessoa que poderia informar a má nova ao conde Arnulf. Sob suas ordens, Hugh tinha retornado à costa sul para verificar a morte do Quintin. Em realidade, ela não necessitava confirmação alguma, mas requeria tempo, e aguardar a que Hugh e os vassalos voltassem com as pertences de seu sobrinho lhe proporcionaria o lapso necessário para desposar ao Brigitte sem a intromissão do conde. Se se produzia as bodas antes de que Arnulf soubesse da morte do Quintin, então não haveria razão para nomear a um tutor, posto que a menina contaria com um marido. Só subtraía impedir que a dama fosse ao conde e isso poderia arrumar-se mantendo-os apartados. Uma vez que tivesse lugar o matrimônio, Arnulf não poderia entremeter-se. Não, o homem deixaria a propriedade em mãos do legítimo marido do Brigitte, quem, a sua vez, seria controlado pela Druoda. O marido, ah, essa era a parte mais difícil! Encontrar a um homem que desejasse a lady Brigitte o suficiente para submeter-se às exigências da Druoda tinha sido o maior desafio. A mulher contava com uma larga lista de possibilidades, uma lista obtida dos serventes, posto que a mão da moça tinha sido solicitada várias vezes ao longo dos anos. Druoda acreditava ter encontrado, por fim, o candidato adequado no Wilhelm, lorde do Arsnay. O homem já tinha requerido à dama em duas ocasiões, mas Thomas e Quintin tinham rechaçado a petição, incapazes de entregar a sua adorada Brigitte a alguém mais ancião que seu próprio pai e, menos ainda, com a desonrosa reputação de lorde do Arsnay. Wilhelm era perfeito para os planos da Druoda. Um homem que raramente deixava sua propriedade no Arsnay, que não acudiria freqüentemente ao Louroux para inspecionar o patrimônio de sua esposa; um homem que desejava tanto uma jovem virgem e formosa, que estava disposto a deixar ao Walafrid ao mando de todo Louroux. O velho tolo acreditava que só uma esposa virgem poderia lhe brindar o filho que com tanto desespero desejava. Não era especificamente Brigitte o que ele procurava, embora sua beleza lhe deslumbrava. Era a inocência da menina o que o homem requeria. E o que outra jovem aceitaria casar-se com um ancião? Lorde Wilhelm era também vassalo do Arnulf, de modo que o conde não questionaria a eleição da Druoda. A mulher se recostou sobre o respaldo do canapé e suspirou com satisfação. Wilhelm era a solução a seus planos e se sentia extremamente agradada consigo mesma, posto que apenas a noite anterior tinha concluído os acertos com o homem. O lorde se achava tão prendado do Brigitte que, sem dúvida, consentiria-a em tudo. E, perto de um ano mais tarde, a moça sofreria um desafortunado acidente, dado que não seria apropriado que sobrevivesse a seu marido e ficasse em uma situação capaz de ameaçar o meticuloso trabalho da Druoda. A mulher já tinha conseguido desfazer-se do Mavis com total facilidade; logo, chegaria- o turno ao Brigitte. A jovem
morreria, Wilhelm seria lorde do Louroux e Walafrid conservaria seu posto de senescal. Dessa forma, Druoda poderia governar para sempre os domínios do Louroux. -Quando o dirá à menina, Druoda? A pergunta do Hildegard provocou um sorriso no pálido e redondo rosto de sua ama. -Esta noite, quando Brigitte se encontre esgotada, depois de trabalhar durante todo o comprido dia. -por que está tão segura de que aceitará? Nem sequer eu admitiria me casar com o Wilhelm do Arsnay. -Tolices -mofou-se Druoda-. Pode que o homem não seja muito bonito em seu aspecto e que tenha idéias algo excêntricas a respeito das virgens e os filhos varões, mas possui uma fortuna. E não esqueça que a dama não tem alternativa. -Hildegard olhou a sua ama com incerteza, e Druoda riu.Deixa-a protestar. Não pode fazer nada para impedir este matrimônio. -E se escapar? -contratei a dois rufiões que a vigiarão até o momento da cerimônia. Os traje comigo ontem à noite. -pensaste em tudo -disse a criada com admiração. O ama esboçou um sinistro sorriso. -Tive que fazê-lo. Druoda tinha nascido amaldiçoada com a figura fornida e a cara de lua de seu pai, enquanto que sua irmã, Leonie, tinha sido benta com o delicado aspecto de sua mãe. Druoda sempre tinha invejado a beleza de sua irmã e, quando esta se casou com o esplêndido barão do Louroux, a inveja se transformou imediatamente em ódio fazia o casal. Uma vez mortos Leonie e seu marido, esse ódio se concentrou no Brigitte. Agora Druoda possuiria tudo o que, alguma vez, tinha tido sua irmã. Não contava com um marido tão magnífico entretanto, posto que Walafrid era um pobre exemplo da espécie. Mas isso convinha a Druoda. A mulher tinha uma férrea vontade e nunca tivesse tolerado a autoridade de nenhum homem. Aos quarenta e três anos, por fim, poderia alcançar todo aquilo que lhe tinha sido negado na vida. Com o Brigitte convenientemente casada e fora de seu caminho, poderia governar Louroux e se converteria em uma grande dama, uma dama de fortuna e influência. Essa noite, Brigitte foi chamada à espaçosa antecâmara da Druoda, habitação que, alguma vez, tinha pertencido a seus pais. Uns chamativos canapés tinham sido somados ao cenário e a imensa cama de madeira se achava coberta com uma recarregada colcha de seda vermelha. Os gigantescos armários se encontravam repletos com os numerosos mantos e túnicas que Druoda tinha encarregado confeccionar. As mesas de madeira tinham sido substituídas por umas de bronze, algumas das quais se achavam adornadas com candelabros de ouro puro. Brigitte detestava o estado atual da habitação, carregado com as extravagâncias da Druoda. A mulher se encontrava reclinada sobre um sofá com um ar majestoso. Seu tosco e pesado corpo estava talher com, ao menos, três túnicas de linho de diversas cores e tamanhos. O vestido exterior tinha mangas amplas e seus punhos se achavam bordados com pequenas esmeraldas. Estas gemas eram até mais exclusivas que os diamantes e custavam uma fortuna. O cinturão também estava salpicado de esmeraldas, ao igual ao adorno que levava o elaborado penteado de sua cabeleira escura. Brigitte tinha trabalhado durante todo o dia, arrancando a erva ao parque da mansão. No passado, esse trabalho sempre tinha sido atribuída a três ou quatro servos como parte dos trabalhos que deviam a seu senhor; entretanto, esta vez, a moça a tinha efetuado sem ajuda. E também tinha engarrafado as ervas invernais. encontrava-se exausta e esfomeada, posto que não lhe tinha sido permitido deter-se até não terminar com o trabalho, e logo que acabava de finalizá-lo. Mas ali estava Druoda, frente a um opíparo banquete tendido sobre a mesa. Havia ali mais comida da que a mulher poderia ingerir; um suculento porco, diversos pratos de verduras, pão, fruta e pastelillos.
-Eu gostaria de me retirar, Druoda. -Brigitte falou por fim, depois de uns quantos minutos de silêncio-. Se não ir me dizer por que estou aqui... -Sim, imagino que estará cansada e faminta disse Druoda com indiferença, ao tempo que se levava outro pastelillo à boca-. Me diga, moça, sente que está trabalhando em excesso? Mas não, não o crie assim, posto que nunca te queixa. -Druoda, agradeceria-te me dissesse por que me chamaste -insistiu a jovem com tom cansado. -Penso que sua obstinação foi muito longe, não o crie assim? -Logo, prosseguiu sem aguardar a resposta-. claro que sim. Esquece já essa tolice do convento. Tenho-te maravilhosas notícias, Brigitte. -Culminou sua frase com um sorriso. -Que notícia? Os lábios da Druoda se curvaram em uma careta de desagrado. -Sua atitude para mim não foi precisamente a que eu tivesse desejado. em que pese a isso, a bondade de meu coração me forçou a consertar um esplêndido matrimônio para ti. A revelação da mulher deixou sem fala com o Brigitte. Várias vezes havia dito a Druoda que ainda não desejava desposar-se. -E bem, moça? Não tem nada que dizer nestes momentos? -Não tinha idéia de que podia ser tão generosa, Druoda -disse finalmente a jovem, tratando de produzir um tom que não pudesse ser interpretado como sarcástico. -Sabia que me estaria agradecida, e com razão, porque seu prometido é um homem de importância. E se sentirá feliz ao saber que ele também é vassalo de seu senhor, o conde Arnulf, de modo que esse bom homem, sem dúvida, não se atreverá a lhe rechaçar. Sim, minha querida menina, é realmente afortunada. Brigitte continuou ainda reprimindo sua ira, embora seus olhos azuis brilharam perigosamente. -E o que ocorrerá com meu período de luto? Como ousa tratar de me casar quando ainda estou chorando a morte de meu irmão? -Seu prometido está ansioso por concretizar o enlace e não poderá atrasar-se. Pela manhã, iremos a sua mansão para celebrar as bodas. Posso confiar em que te vestirá adequadamente e estará lista para partir antes do meio-dia? A jovem vacilou. Assim, poderia abandonar à mansão e, talvez, inclusive viajassem de direção ao castelo do Arnulf -Estarei preparada -respondeu com calma, para logo adicionar- Mas ainda não me há dito seu nome. Druoda sorriu com infinito deleite. -Seu prometido é lorde Wilhelm do Arsnay. Brigitte afogou uma exclamação, e a outra mulher a observou com regozijo ao ver que o delicado rosto da menina perdia sua cor. -Está impressionada por sua boa fortuna? - perguntou Druoda com tom conciliador. -Lorde Wilhelm! -Um homem excelente. -É um obeso, lascivo, detestável e asqueroso porco! -exclamou a jovem, depois de ter perdido seu anterior cautela-. Preferiria morrer antes que me casar com ele! Druoda riu. -Que caráter! Primeiro, escolhe um convento e agora, é a morte antes que a desonra! -Falo a sério, Druoda! -Então, suponho que terá que te matar- disse a dama com um suspiro-. Pobre Wilhelm, estará muito decepcionado. -Não tenho que me casar com ele só porque você o decidiste. Partirei-me daqui se insistir. Não me preocupa o que possa me acontecer na rota, posto que nunca poderá ser pior que desposar ao homem mais repulsivo de todo Berry. -Temo-me que isso é inaceitável. Não me acreditará capaz de permitir que arrisque aos perigos do caminho, verdade? dei minha palavra com respeito a estas bodas e se celebrará.
Brigitte se ergueu com dignidade, tratando com desespero de controlar-se. -Não me pode forçar a me casar com esse homem tão detestável, Druoda. Esquece um fator muito importante. Mesmo que esse seja o candidato de sua eleição, o conde Arnulf segue sendo meu lorde e deve passar no enlace. O nunca seria capaz de me entregar ao Wilhelm do Arsnay, embora seja seu vassalo. -Crie que não? -Se que não! -Você me subestima, menina -grunho Druoda, abandonando já sua fingida atitude, e se inclinou para frente, em direção a sua presa-. O conde dará seu consentimento porque acreditará que este matrimônio é o que você deseja. Não é estranho que uma jovem escolha a um ancião como marido, posto que, dessa forma, estará segura de lhe sobreviver e gozar, algum dia, da liberdade da viuvez. E você, minha menina, com sua obstinação, é das que desejariam essa liberdade. O conde Arnulf, sem dúvida, acreditará que você deseja esta enlace. -Eu lhe revelarei o contrário, embora deva dizer-lhe no dia das bodas! Druoda a esbofeteou com crueldade, ferozmente e com prazer. -Não tolerarei mais arrebatamentos de ira, Brigitte. Casará-te antes de que o conde Arnulf possa assistir à cerimônia. Se me desafiar, verei-me obrigada a tomar medidas severas. Uma boa surra poderia te infundir o respeito apropriado. Agora, vete daqui. Fora!
5
O sonho do Brigitte foi interrompido depois de apenas umas poucas horas de descanso. antes de que a menina conseguisse avivar-se por completo, uma presunçosa Hildegard lhe informou que seria transladada uma vez mais a sua antiga antecâmara. Não era estranho que Druoda lhe permitisse então a volta, só a fim de lhe facilitar os preparativos para reunir-se com o prometido. Brigitte passou quase uma hora inundada em uma imensa banheira, relaxando seu dolorido corpo. Mas nada pôde fazer pela aspereza de suas mãos, nem por suas unhas rotas, evidências de comprimentos meses de árduo trabalho. Depois do banho, a jovem se dirigiu a seu guarda-roupa. Só lhe tinham deixado dois objetos respeitáveis. No interior do baú, havia um pequeno cofre, mas já não se encontravam as valiosas jóias que este alguma vez tinha contido. Um pente e um espelho de aço era tudo o que ficava do que, no passado, tinha sido uma fabulosa coleção de jóias. Brigitte revisou uma pilha de objetos de algodão e extraiu duas túnicas de fino linho azul, bordadas com fios de prata. O objeto mais largo, sem mangas, era para usar debaixo da mais curta, com mangas largas e amplas. surpreendeu-se ao ver que o sutiã do vestido exterior ainda seguia talher de deliciosas safiras incrustadas. Seu pai lhe tinha obsequiado o traje antes de morrer. O traje se completava com um comprido manto, bordeado com um cordoncillo de prata, que se sujeitava com uma imensa safira. por que razão não lhe teriam tirado as pedras? Brigitte só pôde imaginar que não tinham notado a presença desses objetos quando ela se transladou às choças dos servos. De outro modo, jamais tivesse seguido em posse de tão muito valiosos gema. Ao igual às esmeraldas, as safiras eram mais custosas que os diamantes ou as pérolas. Essas pedras, ao menos, poderiam comprar a liberdade. À hora do crepúsculo, aproximaram-lhe um cavalo à entrada da mansão. A moça levava postos seus vestidos azuis e o luxuoso manto aceso ao redor do pescoço. Uma vez mais, parecia ter recuperado seu antigo aspecto. A via formosa, inclusive desafiante, com seu cabelo dourado sujeito em duas largas tranças que lhe caíam sobre os ombros até a cintura.
Druoda já tinha montado e se encontrava aguardando-a. Também se achavam ali dois homens muito robustos, a quem Brigitte nunca antes tinha visto. Sem apresentar à moça, nem lhe oferecer explicações, Druoda conduziu o caminho através do portalón do muro de pedra que circundava a mansão. Os homens iniciaram o rodeio sem apartar-se de ambos os lados da jovem. Só umas horas mais tarde, quando se encontravam a dois quilômetros dos domínios de lorde Wilhelm, Druoda diminuiu a marcha o suficiente como para que Brigitte pudesse lhe perguntar a respeito dos sujeitos e confirmar assim suas suspeitas. -Estão aqui para te vigiar -informou-lhe a mulher com brutalidade-. Eles se encarregarão de que não desapareça antes da cerimônia. A jovem se enfureceu. Como poderia escapar se não cessavam de vigiá-la? O resto do dia não resultou menos penoso. Passaram a tarde com lorde Wilhelm e sua robusta filha. Wilhelm era um homem obeso, mais ancião que o pai do Brigitte, com mechas de cabelo espaçado e cinza que o bordeaban a cabeça. Era um sujeito repulsivo, com um nariz vermelho e bulboso e uns olhos pequenos e negros, que não se separaram de sua jovem prometida até que foi servido o banquete. Jantaram na sala principal, uma habitação vazia, exceto pelas mesas de madeira lavrada e a armadura que adornava as sombrias paredes de pedra. Brigitte não pôde provar a comida, e lhe revolvia o estômago ao observar aos outros deglutir seu mantimentos. Druoda se encontrava muito cômoda, em companhia de seus congêneres glutões. Primeiro, serviram-se medusas e ouriços de mar, que foram rapidamente devorados. O prato principal, carne assada de avestruz com molho doce, tórtola, carneiro e presunto, comeram-no com igual rapidez. Por último, chegaram as tortas e as tâmaras cheias fritas em mel, acompanhados por um vinho aromatizado com mirra. Em geral, um banquete estava acostumado a durar horas, mas este culminou em menos de uma. depois da comida, Brigitte acreditou que vomitaria quando foi forçada a presenciar o entretenimento que Wilhelm tinha planejado: a luta de um cão domesticado contra um lobo. A moça amava os animais e essa classe de espetáculos estavam acostumados a perturbá-la. Saiu correndo do vestíbulo e, ao chegar ao pátio, respirou profundo, feliz de encontrar-se afastada dos outros. Mas seu alívio não durou muito, já que a filha do Wilhelm a seguiu e lhe disse bruscamente: -Eu sou o ama desta casa e sempre será assim. Você será a quarta esposa jovem de meu pai e se pretende governar aqui, terminará como as outras...morta. Muito aturdida para responder, Brigitte se apartou, cambaleando-se. Logo abandonaram a casa do Wilhelm e a moça balbuciou seu adeus depois de um véu de lágrimas. O pranto continuou lhe nublando a visão enquanto cavalgavam de caminho a casa. Os guardas não se separavam de seu lado e se perguntou como poderá chegar até o castelo do Arnulf se esses dois fornidos sujeitos não cessavam de vigiá-la. Embora, em realidade, o que poderia perder se fazia cl desesperado intento de chegar até o conde? de repente, secou-se os olhos com fúria e cravou os talões a ambos os lados de seu cavalo. Por uns instantes, a moça e sua égua se afastaram dos outros. Mas os guardas tinham esperado este incidente e a alcançaram com facilidade, antes de que ela conseguisse deixar atrás a última choça da aldeia do Wilhelm. Os homens levaram a jovem ao lugar onde Druoda esperava, e Brigitte se enfrentou Á um golpe que tomou despreparada e a arrojou do cavalo. A moça caiu no lodo, quase sem respiração. Isso acrescentou sua ira até o ponto de explorar, mas não descarregou a fúria contra Druoda. Pelo contrário, reprimiu-a e foi golpeada. Logo se limpou o lodo do rosto e permitiu que a transladassem bruscamente até o lombo de sua égua.
Brigitte se sentiu ferver de raiva, mas guardou silêncio. Esperou com paciência a que seus acompanhantes afrouxassem a vigilância, cuidando sempre de cavalgar afundada na arreios e dar toda a impressão de obediência. Mas sua atitude estava muito longe de ser total. Tão enfrascada se achava em seus pensamentos, que não advertiu que já tinha escurecido até que o ar frio da noite lhe açoitou as bochechas. Imediatamente, elevou-se o capuz do manto para cobri-la cabeça. Ao fazê-lo, estudou furtivamente a seus companheiros e observou que só Druoda se encontrava cavalgando para seu lado. Os dois guardas se adiantaram a fim de proteger às mulheres contra os assaltantes noturnos. Esta era sua oportunidade. Queda a noite, poderia ocultar-se na escuridão. Nunca se encontraria tão perto do conde Arnulf como nesse momento. Sujeitou ambas as rédeas em um punho e depois de aproximar-se da Druoda, as uso para açoitar a égua da mulher, insistindo ao animal a equilibrar-se para os guardas, ao tempo que ela girou e se lançou ao galope na direção oposta. Esta vez, conseguiu afastar um considerável trecho, antes de que os homens iniciassem a perseguição. Logo depois de avançar um quilômetro pela rota, diminuiu a marcha e se internou no bosque onde as sombras, negras como, o ébano, proporcionavam-lhe um perfeito esconderijo. desembarcou da égua e começou a caminhar lentamente junto ao animal através da escura maleza. Uns instantes mais tarde, ouviu os guardas correr pelo antigo caminho. Brigitte conhecia esses bosques, já que freqüentemente os tinha atravessado com seus pais, em suas freqüentes visitas ao castelo do Arnulf. Ao outro lado das árvores, havia um caminho mais largo, a antiga rota entre o Orleáns e Bourges e esse atalho a levaria até o conde. Só lhe subtraía atravessar o bosque, embora era essa uma difícil façanha. À medida que seu temor pelos guardas da Druoda se diminuía, os aterradores sons dos bosques começaram a acossá-la e recordou as tétricas advertências do Leandor a respeito de ladrões e assassinos, grupos de bandidos que moravam por esses lugares. Acelerou o passo até que se encontrou quase correndo e de repente, lançou-se por entre as árvores, até chegar a um pequeno claro. O pânico a embargou. Olhou ao redor com desespero, esperando ver uma fogueira rodeada de homens. Deixou escapar uma exclamação de alívio, já que não era um claro onde se encontrava, a não ser o caminho... tinha saído ao caminho! Voltou a internar-se nas sombras e se despojou de todas suas roupas, exceto a velha túnica de lã que lhe cobria a pele. Logo, envolveu-se os objetos ao redor da cintura e se colocou, uma vez mais, o manto, embora não o prendeu, de modo que, se tropeçava com alguém, poderia tirar-lhe com rapidez e ficar novamente com o traje de uma camponesa. Voltou a montar a égua e cavalgou para o sul, sentindo-se livre, alvoroçada. Já não haveria bodas com o Wilhelm. E já não teria que seguir suportando a Druoda, posto que Arnulf não a aceitaria com agrado, uma vez que Brigitte lhe contasse as maldades da mulher no Louroux. A moça se sentiu quase enjoada, à medida que sua viçosa égua avançava a toda velocidade. Já nada poderia detê-la. Porém, de repente, algo interrompeu sua marcha. O cavalo se deteve e se levantou e, pela segunda vez no dia Brigitte se encontrou tiragem no chão, tratando de recuperar a respiração. ficou de pé logo que pôde, temerosa de que o animal pudesse desbocar-se. Mas a égua permaneceu imóvel e, ao aproximar-se, a moça advertiu a razão. -E o que temos aqui? O cavalheiro se encontrava dignamente montado em seu cavalo de guerra, o animal mais gigantesco que Brigitte tinha visto jamais. O homem era, do mesmo modo, imenso, provavelmente de mais de um metro oitenta de estatura. Levava posta uma armadura e oferecia um espetáculo verdadeiramente lhe impactem. Ao tirar o casco, surgiu uma abundante cabeleira loira que lhe caía justo debaixo da nuca, um estilo muito curto para um francês. Entre as sombras da noite, a jovem não conseguiu lhe ver os rasgos com claridade.
-E bem, mulher? A profunda voz do cavalheiro surpreendeu à moça. -É isto tudo o que pode dizer, cavalheiro, depois de ter arrojado a uma dama de seu corcel? -Uma dama, né? Muito tarde, Brigitte recordou que levava posta sua túnica camponesa. Decidiu permanecer em silêncio. Voltou a montar a égua com rapidez e tratou de arrebatar as rédeas da mão do homem. Mas não o obteve, posto que ele não deixou das sujeitar com seu punho de aço. -Como se atreve? -repreendeu-o a jovem-. Acaso não lhe basta tendo causado minha queda? Agora também tenta me deter? -O cavalheiro riu, e ela prosseguiu com arrogância.-O que pode lhe resultar tão divertido? -Poderia me convencer de que é uma senhora com esses ares tão altivos, mas não o é -declarou ele com tom zombador, para logo adicionar:- Uma dama sozinha, sem escolta? A mente do Brigitte começou a girar a grande velocidade, mas, antes de que pudesse escolher uma resposta, o cavalheiro continuou. -Virá comigo. -Aguarda! -gritou a moça, ao tempo que ele para girar a égua para arrastá-la consigo-. Deténte! -O cavalheiro a ignorou, e lhe lançou um olhar fulminante pelas costas-. aonde me leva? -Levarei-te para onde eu me dirijo, e outros poderão te devolver com seu amo. Estou seguro de que ele estará encantado de recuperar seu cavalo, se não seu serva. -Crie-me uma serva? -Sua égua é muito fina para pertencer a uma serva -prosseguiu o homem-. E nem mesmo um lorde convencido com seus favores daria de presente a uma serva um objeto as custosa como esse manto que leva. -O manto é meu, ao igual ao cavalo! -Não esbanje sua astúcia comigo, rapariga -ingeriu-lhe ele, com ar conciliador-. Não me importa o que diga. -Deixe ir. -Não. Você roubaste, e não posso encobrir a uma ladra -afirmou o cavalheiro com tom severo, e logo adicionou: -Se fosse um homem, atravessaria-te com minha espada sem perder o tempo em te devolver. Não me siga provocando com suas mentiras. "Bom, ao menos, não tudo estava perdido", pensou Brigitte. Em qualquer lugar que esse homem a levasse, sem dúvida, a gente a reconheceria e, então, esse ignóbil cavalheiro se precaveria do engano cometido. De algum modo obteria, ao menos, enviar sua mensagem ao conde Arnulf. Transcorreu uma hora, e logo outra, antes de que abandonassem a rota para encaminhar-se em direção ao Louroux. Então, Brigitte começou a sentir-se verdadeiramente aterrorizada. Não poderia tolerar que a devolvessem uma vez mais, com a Druoda. Jamais voltaria a ter outra oportunidade de escapar se falhava esta vez. A moça desembarcou do cavalo lentamente e correu com desespero para um bosquecillo próximo. Tropeçou e caiu, raspando-as mãos e o rosto contra o acidentado chão. Suas bochechas pareceram arder, e umas lágrimas apareceram em seus olhos. incorporou-se e correu, mas o cavalheiro a seguia e conseguiu lhe dar alcance antes de que ela pudesse voltar a internar-se no bosque. De pé, a seu lado, o homem a pareceu imponente, sem dúvida tão gigantesco como ela o tinha imaginado em um princípio. Como odiava a esse sujeito! -Quem é você? -perguntou Brigitte com rudeza-. Quero saber seu nome, porque, algum dia, fareilhe pagar por tudo o que me tem feito! -E que te tenho feito? -Traz-me de volta ao Louroux!
-Ah! De maneira que isso é. É do Louroux de onde está fugindo. -Ao culminar sua frase, o cavalheiro riu. Brigitte ficou tensa. -E lhe agrada que eu sofra por sua causa? -Não me importa. -encolheu-se de ombros-. Meu assunto aqui é com a ama do Louroux. -Que assunto lhe traz até a Druoda? -perguntou a moça, dando por sentado que era a Druoda a quem ele se referia. -Nada de sua incumbência, mulher -respondeu o cavalheiro com desdém. -Ainda não me há dito seu nome -recordou-lhe ela. Ou acaso me teme dizer isso -te temer eu? -repetiu ele com tom incrédulo- Se alguma vez for tão tolo para permitir que uma mulher me faça mal, então, não será isso mais do que mereço. Rowland do Montville, para lhes servir -adicionou a modo de brincadeira. Quando o cavalheiro voltou a arrastá-la para a égua, o pânico se apoderou do Brigitte. A moça se voltou e apoiou suas pequenas mãos sobre o peito do homem. -Por favor, sir Rowland do Montville, não me leve ao Louroux, Druoda me manterá encerrada. -Encerrada? Merece que lhe golpeiem por seus roubos. A dama será muito clemente se tão somente te encerrar. -Digo-lhe que não roubei nada! -Mentira! -grunhiu ele.- Suficiente! Minha paciência se acabou! O cavalheiro tomou as rédeas da jovem e assim continuaram o curto trecho que subtraía até o Louroux. Foi Hildegard quem os recebeu no pátio, e os olhos da criada se iluminaram ao ver o Brigitte com o alto cavaleiro. -Acaso alguma vez aprenderá, moça? Milady foi muito justa contigo, mas, esta vez, temo que terá que pagar por seu necessidade. Será melhor que a aguarde em sua antecâmara. -A qual te refere Hildegard? -perguntou a jovem com tom mordaz-. A minha antiga antecâmara ou a minha recente choça? Não me responda. Irei à choça, já que, sem dúvida, terminarei ali antes de que culmine a noite. Rowland sacudiu a cabeça, enquanto observava ao Brigitte, que atravessava orgulhosamente o pátio para uma curta fileira de cabanas. -Por todos os Santos -comentou com um suspiro, uma vez que a jovem teve entrado em uma das choças. Nunca vi uma serva tão insolente. -O que? -Hildegard olhou para a choça e logo, ao homem, obviamente confundida. Rowland soltou uma gargalhada irônica. -Tentou me convencer de que era uma dama. Mas eu não me deixei enganar tão facilmente. Não só deveria castigá-la por seus roubos, mas também também por sua audácia. Se me pertencesse, juro que essa moça não seria tão arrogante. Hildegard permaneceu em silêncio. Era evidente que o cavalheiro tinha confundido a lady Brigitte com uma simples serva! -Querem passar à sala, sir? Lady Druoda lhes estará muito agradecida por lhe haver devolvido seu... seu... propriedade. 6 Hildegard explicou rapidamente a Druoda o ocorrido, ao tempo que o cavalheiro se dispunha a tomar assento frente à mesa da grande sala. O jovem parecia muito satisfeito com o vinho e a comida que lhe tinham servido. Hildegard soltou uma tola risada e jogou um cauteloso olhar ao convidado. -Dava-lhe vinho com uns poucos pós para lhe soltar a língua. -Drogou-lhe?
-Precisamos saber o que lhe contaram que o Louroux, não é assim? Ainda lhe vê erguido, mas não durará assim muito tempo. Vêem. -Eu me encarregarei do normando. Tenho algo mais importante para ti -anunciou-lhe Druoda, lançando um olhar malicioso para os aposentos do Brigitte-. A moça hoje quase consegue escapar, até com esses tonitos que contratei para impedi-lo. Desde não ser pelo cavalheiro, tivesse-o conseguido e todos nossos lucros já estariam perdidos. Dez chicotadas lhe farão pensar duas vezes antes de voltar a tentá-lo. -Quer que a golpeiem? -Cruamente. E te assegure de lhe tampar a boca. Não desejo que se inteire toda a mansão, mas sim quero que a moça sofra o suficiente como para não estar em condições de voltar a escapar. Não lhe tire sangue. Wilhelm não aceitaria uma esposa desfigurada. -Druoda sorriu a sua velha amiga-. Estou segura de que o lorde se deleitará danificando-a ele mesmo, se for verdade o que se diz do homem. Depois de repartir as ordens, Druoda se aproximou do cavalheiro. O tinha os olhos fechados e a cabeça encurvada, como se estivesse lutando por manter-se acordado. -Devo-te meu agradecimento -expressou a mulher de modo altivo, enquanto avançava. O cavalheiro abriu os olhos, mas transcorreram vários segundos antes de que conseguisse fixá-los. Era um jovem incrivelmente arrumado, com um queixo forte, agressivo, um nariz aquilino e olhos azuis como a safira. Sim, era, sem dúvida, muito de aparência agradável. -É você o ama do Louroux? -Assim é. Rowland sacudiu a cabeça para esclarecer sua visão, mas o espetáculo que tinha diante de si não se alterou. A imensa, robusta mulher parecia lhe dobrar a idade e não concordava com a imagem da irmã do Quintin que ele se formou. por que razão teria esperado encontrar a uma dama formosa ou, ao menos, jovem? -Trago-te muito boas notícias, milady -anunciou Rowland subitamente-. Seu irmão ainda vive. -Comete um engano, sir- asseverou Druoda de modo cortante-. Eu não tenho irmãos. O jovem tentou incorporar-se, mas sua visão voltou a empanar-se e caiu sobre o banco, amaldiçoando em silencio à mulher por lhe haver servido um vinho tão forte. -Sei que crie que seu irmão morreu, mas estou aqui para te informar o contrário. Quintin do Louroux ainda segue com vida. -Quintin...vive! -Druoda se deixou cair sobre o banco, junto ao cavalheiro normando-. Como... como é possível? -O escudeiro de seu irmão acreditou que o tinham assassinado, e o tolo estava tão ansioso por abandonar o combate, que partiu sem antes certificar-se sobre a morte de seu amo. Uns pescadores encontraram a seu irmão e o levaram a sua aldeia. Levou-lhe muito tempo, mas se recuperou. Druoda recuperou rapidamente a compostura. Não havia razão de inquietar-se. Era óbvio que esse homem acreditava irmã do Quintin. -Onde está... meu querido irmão agora? -No Arles, de onde acabo de chegar. Dirigia-me para o norte, de modo que Quintín me pediu me deter e te trazer a notícia, dado que ele se atrasará. Não deseja que lhe chore mais do necessário. -demorou-se? E para quando devo esperar sua volta então? -Para dentro de um mês, ou talvez, menos. Druoda ficou de pé. -foste muito amável em vir até aqui para me trazer tão agradáveis notícias. Estou-te seriamente agradecida. -Milady, estou em dívida com seu irmão e este não é mais que um pequeno favor. Seu irmão me salvou a vida. A mulher não perdeu tempo em averiguar toda a história.
-Certamente, será meu hospede esta noite. Enviarei-te alguma jovenzinha para que te faça companhia. Rowland tratou de incorporar-se novamente e esta vez o obteve. -Obrigado, milady. Druoda sorriu, despediu-se com cortesia e lhe deixou aguardando o Hildegard, que conduziria às antecâmaras. Ao sair ao pátio, topou-se com a criada. -Encarregaste-te que a moça? -Acaso não ouviu os uivos de seu cão? Alegra-me que o animal esteja encerrado. -Maldição, Hildegard! Então, alguém sabe o que estiveste fazendo! -exclamou Druoda com rudeza. -Só o cão com seu agudo ouvido -assegurou-lhe Hildegard-. Ninguém mais estava ali para advertir quanto sofria a moça. -Logo, a criada perguntou: Que notícias trouxe o normando? -As piores. te apresse a lhe mostrar uma habitação e volta em seguida. Temos muito que fazer. Hildegard obedeceu as ordens e se dirigiu à antecâmara da Druoda, para encontrar a sua ama caminhando nervosamente pela habitação. -O que aconteceu? -Quintin está vivo. -OH não! -grito a criada-.Matará-nos! -Silêncio, mulher! -exclamou Druoda com voz áspera-. Já matei antes. E não duvidarei em voltar fazê-lo, se isso me permite conservar o que ganhei. Não deixarei que me arrebatem isso tudo. Meu sobrinho não retornará até dentro de umas quantas semanas; ou ao menos isso diz o normando. -Se Quintin vier aqui, Brigitte lhe contará tudo - lamentou-se Hildegard. -A moça não estará aqui para contar-lhe assegurou-lhe Druoda com firmeza-. Farei que a transladem à propriedade do Wilhelm para aguardar ali as bodas. Logo, irei levar lhe a notícia da morte do Quintin ao conde Arnulf. Desposaremos ao Brigitte antes de que retorne meu sobrinho. E, se posso arrumar tudo segundo meus planos, pode que o moço não retorne jamais -concluiu a dama com tom severo.
7 Brigitte permaneceu tendida em seu pobre leito, imóvel, permitindo que as lágrimas lhe brotassem com total liberdade. Mas o chorar só o fazia sacudir os músculos e o mais ligeiro movimento lhe resultava agonizante. Ainda lhe custava acreditar o que tinham feito com ela. Logo que acabava de lavar suas roupas enlodadas, quando Hildegard e os dois fornidos guardas irromperam na habitação. A moça foi amordaçada e despojada de seu gasto vestido, e nem sequer teve tempo de sentir-se humilhada ao ser exposta ante dois homens, antes de que fora jogada de cara contra a cama e sujeita com firmeza. Então, sobreveio a dor, quando Hildegard começou a açoitá-la com sua correia de couro. Era como se uma língua de fogo lhe consumisse as costas cada vez que o látego caía, e a moça não pôde a não ser gritar contra a mordaça que lhe cobria a boca. Perdeu o conhecimento antes de sentir o último golpe e, ao despertar, encontrou-se sozinha, ainda nua. Brigitte começou a chorar um vez mais, mas apenas por um instante. Não se renderia! Só teria que reunir suas roupas com as safiras e conseguir um pouco de comida. Faria um esforço por levantar da cama e, novamente, trataria de escapar. Esta vez, poderia levar ao Wolff consigo.
Rowland se sacudiu por intervalos enquanto dormia, perturbado por um sonho que se reiterava uma e outra vez desde que tinha memória. Os sonhos podiam ser prazenteiros ou inquietantes, alguns aterradores, mas a natureza de este, em particular, resultava incompreensível para o moço.
Não aparecia freqüentemente, ao menos, não com a freqüência com que o tinha atormentado em seu temprana juventude, mas sempre acudia quando sua mente se achava perturbada. O sonho estava acostumado a começar com um sentimento de satisfação. Então, apareciam umas imagens: o rosto de um jovem emergia da escuridão e logo, o de uma moça. Ambos os rostos permaneciam juntos, observando-o das alturas. Mas jamais tinham atemorizado ao Rowland. Havia uma grande ternura e felicidade nesses rostos, uma felicidade que ele nunca tinha conhecido em sua vida. Mas então, algo estava acostumado a quebrantar esse sentimento de sorte, embora o moço nunca conseguia averiguar o porquê. Os rostos se esfumavam e, em seu lugar, aconteciam-se uma série de efêmeras cenas, acompanhadas por uma sensação de angústia. Então, Rowland despertava com um terrível sentimento de perda e incapaz de compreender a razão. O mesmo aconteceu esta vez. Sacudida-las lhe derrubaram da cama e despertou bruscamente, com o sonho ainda vívido na memória. O moço voltou a deitar-se no leito e sacudiu a cabeça. Por muito que tivesse descansado, não tinha sido suficiente para despojar a seu corpo dos efeitos do álcool. De qualquer modo, ele detestava o vinho por que demônios não tinha pedido cerveja? Ainda drogado, levantou-se da cama e se dirigiu para o corredor. Caminhou lentamente pelo escuro corredor. Um tênue resplendor avermelhado se filtrava pelas escadas para o vestíbulo, criando sombras intermitentes sobre os gigantescos muros. Levou-lhe vários instantes orientar-se, e olhou em ambas as direções, para cima e para baixo, para ver se havia alguém por ali. Necessitava desesperadamente um pouco de ale para limpá-la mente. Brigitte conteve a respiração e pressionou as costas contra o muro. encontrava-se a apenas uns metros do cavalheiro. ele poderia reconhecê-la entre as sombras? Sentiu desejos de correr, mas suas pernas recusaram mover-se. Ainda sentia o corpo dolorido, e se corria agora, teria que partir sem seu cão, sem suas roupas, sem um cavalo. Tudo o que tinha conseguido reunir até o momento era um pouco de comida, que tinha envolto em um pequeno saco. Permaneceu imóvel, sem sequer atrever-se a respirar. Rowland a viu e ainda quando não chegou a reconhecê-la na penumbra, alcançou a divisar a larga cabeleira loira. Caminhou para a moça, ao tempo que a idéia do ale começou a desvanecer-se. Se não podia limpá-la mente com cerveja, passaria, ao menos, a noite com a encantada jovem que Druoda, obviamente, tinha-lhe enviado. Ao fim e ao cabo, era um mínimo gesto de cortesia entreter aos hóspedes com alguma companhia e, embora a moça parecia algo relutante a agradálo, ele logo conseguiria entusiasmá-la. Sem dizer uma palavra, Rowland introduziu a jovem em sua antecâmara e fechou a porta. Não cessou de sujeitá-la por temor a perdê-la na escuridão. Mas a liberou quando a ouviu choramingar. -Não te machucarei -assegurou-lhe com doçura-. Jamais machuco ninguém sem razão. Não tem por que me temer. O moço, ainda drogado, não advertiu que estava falando de maneira atropelada e indistinta, nem que alternava seu francês com alguns vocábulos da antiga língua escandinava que seu pai lhe tinha ensinado fazia muito tempo. -É meu enorme tamanho o que te atemoriza? -perguntou-lhe observando a pequena figura da jovem-. Não sou muito diferente de qualquer outro homem. -Continuou estudando à moça, até que, de repente, reconheceu-a-. Maldição, mulher, está pondo a prova minha paciência de uma maneira incrível! Acaso não causaste já suficientes problemas por um dia? Já não tratarei de te persuadir gentilmente. Tomarei o que sua ama me enviou e terminarei contigo! Brigitte se havia sentido aterrada do momento em que o cavalheiro tinha começado a falar, já que a habitação da Druoda se encontrava ao outro lado do corredor e com segurança, poderia ouvi-los. Mas a moça não podia entender o que esse homem lhe dizia. achava-se obviamente ébrio, falava de maneira confusa, mas também intercalava términos foráneos. O tom de sua masculina voz era
duro, severo, o suficiente para fazer notar a jovem que, uma vez mais, seus intentos tinham sido frustrados. Já não teria forma de escapar essa noite. Rowland interpretou o silêncio da moça como um consentimento e começou a tirar-se desmañadamente as roupas. Mas o vinho não só lhe tinha entorpecido a mente. O desejo tinha desaparecido. propôs-se, então, jogar com a mulher, arrojando-a sobre o leito e lhe abrindo a capa, sem surpreender-se absolutamente ao encontrá-la nua. Com os dedos, acariciou-lhe a suavidade das pernas e a tibieza entre as coxas. Continuou a exploração com rudeza, subindo para os seios. Eram peitos amplos, suaves, arredondados. Ficariam ali marca pela manhã, evidências da incrível força que exercia o moço sem notá-lo. Mesmo assim, não se encontrava machucando ao Brigitte. Já nada podia machucá-la. A moça se desmaiou assim que suas costas havia meio doido o leito com selvagem violência. Não se tinha vestido debaixo da capa por não poder suportar nada que lhe roçasse as costas. Logo que tinha sido capaz de suportar o manto. O contato de sua dolorida pele contra o áspero camastro lhe tinha resultado intolerável. Entretanto, Rowland não sabia que a jovem se achava inconsciente. Tampouco advertiu que seus próprios movimentos se tornavam mais e mais lentos, nem que estava a ponto de dormir. Assim que se colocou em posição para a cópula, o moço se desvaneceu.
8
Hildegard golpeou à porta do normando muito cedo à manhã seguinte, desejando que o cavalheiro decidisse partir logo que fora possível. Um instante depois, um aterrador grito proveio do interior da antecâmara e a criada abriu a porta imediatamente. -Santo Deus! -exclamou ao ver o Brigitte e ao normando com os corpos nus e entrelaçados sobre o leito-. Druoda matará a alguém por isso! A faxineira se apressou a sair da habitação, deixando ao Brigitte e ao Rowland olhando-se um ao outro, surpreendidos e envergonhados. A moça apartou ao homem, e deixou escapar um gemido ao pressionar as costas contra o colchão. Embora a pena já não era tão intensa, ainda continuava dolorida. Não tinha conseguido escapar da Druoda e era esse cavalheiro quem lhe tinha frustrado ambos os intentos. Já bastante tinha sofrido com o terrível tortura do dia anterior, para descobrir agora que também tinha sido violada. Podia existir uma mulher tão desafortunada como ela? Tinha sido violada, mas, graças a Deus, desmaiou-se e não podia recordar o momento. Por esse só gesto de misericórdia, Brigitte se sentiu agradecida. Rowland se incorporou e começou a vestir-se com rapidez. Não pôde evitar jogar um olhar à figura nua que tinha enfraquecido seu leito. Deixou escapar um grunhido. O corpo da jovem tinha sido agradável para acariciar e admirar, o qual era muito mais do que podia dizer do resto da moça. toda ela se achava imunda e enlodada. Nem sequer podia lhe adivinhar a idade, embora seu corpo era firme e seu rosto, doce e delicado. Ainda não tinha esquecido a feminina voz, jovial e melodiosa; porém, era isso tudo que podia recordar da dama. Morto de calor, o moço se voltou para evitar o olhar penetrante do Brigitte. Ela se esclareceu garganta. -Dá-te conta do que tem feito comigo? -Sim -respondeu Rowland com voz rouca-. Acaso tem importância? -adicionou, um pouco mais seguro, enquanto se colocava a capa de sua espada-. Não posso dizer que tenha sido um prazer. Com sinceridade, não recordo o momento em que te possuí.
A moça não esteve muito segura de ter ouvido corretamente. -Não recorda? -Estava ébrio -informou-lhe ele de modo categórico, incapaz de pensar em nada que não fora admitir a verdade. A jovem começou a soluçar e Rowland olhou ao redor como se procurasse ajuda. Jogo um olhar ofegante para a porta, mas nesse instante, Brigitte começou a rir e ele se voltou para enfrentá-la. -Tornaste-te louca, mulher? -Seu tom parecia confundido. -Talvez eu deva te agradecer. depois de tudo, o que é esta desgraça, comparada com o infortúnio do que me salvaste? Lorde Wilhelm já não me quererá, agora que fui violada por um cavalheiro ébrio. Rowland não teve oportunidade de responder, dado que, nesse instante, Druoda irrompeu na habitação, seguida muito de perto por sua fiel amiga Hildegard. Druoda se via furiosa e descarregou toda sua ira no Brigitte. -De modo que é certo! arruinaste todos meus planos ao te entregar a este homem! -exclamou com voz gritã- Lamentará isto toda sua vida, Brigitte! -Eu não me entreguei, Druoda -declarou a jovem com firmeza-. Ele me arrastou até aqui e me violou. -O que? -estalou a dama e seu rosto adquiriu um intenso tom púrpura. Brigitte se incorporou lentamente, cobrindo-se com o manto para preservar seu recato e se voltou para o Rowland. -lhe diga como cheguei até aqui. O moço olhou primeiro ao Brigitte e logo a Druoda. Compreendeu então, que tinha cometido um engano e como não era homem de deixar cair suas culpas sobre outros, admitiu a verdade. -Ocorreu tal como diz a jovem. Encontrei-a perto de minha antecâmara e supus que era para mim. Os anfitriões revistam me enviar a uma... -Mas o que estava fazendo você aqui? -perguntou Druoda a gritos, e Brigitte começou a pensar com rapidez, para oferecer uma desculpa parcialmente certa. -Vim em busca de mantimentos, posto que ontem quase não comi. -Mantimentos? -A Druoda estava resultando difícil acreditar toda essa história. A moça estendeu um braço para assinalar o chão. -Ali estão, nesse saco que deixei cair. -Rezou para que Druoda não decidisse revisar o interior, posto que havia ali muitos mais mantimentos dos que a jovem podia ingerir em uma só comida. Mas Druoda não estava interessada em detalhes irrelevantes. -E por que não gritou, Brigitte? Desejava que ele te possuísse para poder arruinar meus planos! -Não, isso não é verdade! -exclamou Brigitte com tanto temor como indignação. -por que não pediu ajuda então? A moça sob a cabeça e sussurrou lentamente: -Porque desmaie. Rowland se pôs-se a rir. -Não se tem feito nenhum dano então, se ela não pode recordá-lo. Tudo segue como se nada tivesse acontecido. -Nenhum dano! -exclamou Druoda-. A moça era virgem... e estava prometida a outro. -Virgem! -repetiu o jovem, surpreso. Pelo visto, isso não lhe tinha ocorrido. Em que diabos se colocou! Sobressaltada-a reação do moço fez pensar a Druoda. -Como é possível que você não te tenha precavido? -Estava muito... muito ébrio para notá-lo, por isso! -replicou Rowland com brutalidade, novamente furioso consigo mesmo. -Isso não arruma o que tem feito -queixou-se Druoda com amargura.
A mulher começou a passear-se ansiosamente por toda a habitação, ignorando aos jovens. Deveria ter matado à moça fazia muito tempo, mas já era muito tarde, posto que seu desaparecimento será questionado pelo desiludido noivo. E o que ocorreria agora com ele? E nunca aceitaria casar-se com o Brigitte, dado que só estava disposto a desposar-se com uma virgem. De todos os modos, devia desfazer-se da jovem e imediatamente, antes da volta do Quintin. -Druoda. -Hildegard lhe aproximou para lhe sussurrar ao ouvido. –Entrégas ela ao cavalheiro e assim, resolverá seu problema. -Como? -É óbvio que o homem a confundiu com uma serva e com segurança, ainda crie assim. Faz que a moça parta com ele. - Mas ela negará ser uma faxineira uma vez que se encontrem a sós -respondeu-lhe Druoda com o mesmo tom lhe sussurrem. -Provavelmente, já o tenha feito, mas não lhe acreditou, o moço a considera uma ladra e uma mentirosa, você só tem que confirmar essas crenças. Acusa a de embusteira. Ponha qualquer desculpa para que ele a leve e não a devolva jamais. -Hildegard, é um gênio! -vaiou Druoda com regozijo. -Primeiro, te apresse a tirar o cavalheiro desta habitação, antes de que advirta que não há sangue de virgem no leito. -O que? -Pelo visto, Brigitte já paquerou antes com outro. Druoda ficou tensa e a ira ardeu em seu interior. A jovenzinha os tinha enganado a todos. Por um lado, era melhor que tivesse ocorrido esse desafortunado incidente, já que Wilhelm do Arsnay tinha anulado o matrimônio logo que tivesse descoberto a verdade a respeito da noiva. A sugestão do Hildegard era perfeita. Brigitte se converteria em uma serva e o normando a levaria consigo. -Vá a minha antecâmara, Brigitte e me espere ali -ordenou-lhe Druoda com rudeza. A moça elevou a cabeça com indignação. -E o que passará com ele? -Faz o que te disse! Sem mais vacilação, a jovem recolheu seu saco de comida e abandonou a antecâmara com passo firme. Druoda a seguiu até a porta e ali se dispôs a aguardar, até que a curiosidade do cavalheiro lhe insistisse a romper o silêncio. A espera não foi muito larga. -O que pensa fazer com ela? A dama ignorou à pergunta e, com sua atitude mais altiva, jogou um olhar enojado à habitação. -Este lugar empresta a luxúria -afirmou com desagrado, e se retirou do quarto bruscamente. Rowland a seguiu, para detê-la assim que chegaram ao vestíbulo. -Perguntei-te o que faria com a moça. Sei que cometeu muitas faltas, mas nisto é inocente. Não a machuque. -Sei muito bem quem é o culpado de tudo isto - disse Druoda lentamente, condenando ao cavalheiro com os olhos. -Foi seriamente um engano, milady. Prometeu me enviar uma mulher durante a noite, a menos que não recorde suas palavras com precisão. A dama deixou escapar um suspiro de impaciência. -Deveu ter aguardado a moça que tinha destinada para ti, em lugar de tomar a esta, cujo único valor era sua inocência. -O valor de uma serva não se mede por sua castidade. -Neste caso, sim. Essa jovem é muito imaginativa... uma mentirosa, por dizê-lo sinceramente. -O que pensa fazer com ela? -Não penso fazer nada, nada absolutamente. Agora te pertence: tem minha bênção para tomá-la.
Rowland sacudiu lentamente a cabeça. -Não, milady, não a quero. -Não pensava o mesmo ontem à noite -recordou-lhe Druoda com tom severo-. Havia um senhor de umas terras longínquas que estava disposto a casar-se com ela só porque era inocente. Agora que isso já não é possível, não a quero mais aqui. Se não lhe levar isso, farei que a matem a pedradas por ser a rameira em que você lhe converteste. Como sua ama, tenho todo o direito de fazê-lo. -Sem dúvida, não será capaz de fazer semelhante coisa. -Você não compreende. -A mente da Druoda começou a partir a toda velocidade-. Essa moça era a debilidade de meu irmão. O se tinha apaixonado pela moça e a tratava como se fora uma lady. Por essa razão, ela é tão rebelde. crie-se por cima de sua condição. nasceu para serva, mas as cuidados de meu irmão a voltaram vaidosa. -Se seu irmão a ama tanto, a jovem deveria estar aqui para quando ele retorne. -E permitir que ele se inteire de que o homem a quem enviou em boa fé violou a sua amada? O moço reservava à moça para si - adicionou Druoda astutamente-. Quintin se volta tolo quando se trata dessa jovem. Detesto admiti-lo porque me envergonha, mas meu irmão tem toda a intenção de desposá-la. Devo afastá-la quanto antes daqui. Não posso permitir que ele a encontre na mansão a sua volta e se case com uma serva. Você lhe leva isso e te assegura de que não volte jamais, ou eu me verei obrigada a matá-la. Rowland se sentiu totalmente impotente, apanhado com uma faxineira a quem não necessitava, uma mulher que só seria um estorvo em sua viagem de volta a casa. Porém, não tinha outra alternativa. Não podia deixar morrer à moça. -irei preparar meu cavalo, milady -anunciou-lhe com tom ofuscado-. Faz que enviem à moça ao estábulo e a levarei comigo. -Não esteja tão molesto, sir. Estou segura de que terá mais sorte em lhe baixar essas fumaças arrogantes e uma vez que tenha conseguido domá-la, verá como satisfaz todas suas necessidades. -AO ver que não conseguia apaziguar o ânimo do moço, Druoda adicionou:- Na verdade sinto que sua visita tenha finalizado desta forma. E me permita te dar um conselho. Evitará-te muitos problemas com a moça sem não lhe diz que seu senhor ainda segue vivo. -por que? -A jovem acredita que Quintin morreu. Se soubesse que está vivo, faria algo para lhe encontrar. E não acredito que deseje isso mais que eu, se na verdade te considera amigo de meu irmão. O moço deixou escapar um grunhido. Não seria muito agradável para o Quintin inteirar-se de que Rowland tinha abusado da moça que ele planejava desposar, fora ou não sua faxineira. -Tem minha palavra. A jovem jamais retornará. logo que Rowland se partiu do vestíbulo. Druoda mandou chamar o Hildegard. O regozijo de ambas as mulheres era ilimitado. -vá ajudar ao Brigitte a recolher seus pertences. A moça deverá reunir-se com seu novo senhor no estábulo. O a esperará, mas não muito, de modo que te assegure de que se apresse -. O rosto da Druoda se iluminou de felicidade. -Mas, o que acontecerá a jovem se nega a ir com ele? -pergunto a criada. -lhe diga que eu renuncio a seu tutoría. Estará tão agradada, que não ousará questionar sua boa sorte até que seja muito tarde. lhe explique que o normando está arrependido do que lhe tem feito e insiste em levá-la com o conde Arnulf, quem se encontra visitando duque de Maine. -Mas isso não é verdade. -Claro que não, mas se ela assim crie, não se oporá a seguir a direção que tome o normando, até que deixem atrás os domínios de Maine. E, uma vez que a moça se encontre em algum ponto longínquo do norte, mesmo que consiga escapar à vigilância do cavalheiro, dificilmente consiga retornar sozinha ao Berry. -Druoda sorriu. Por fim, tudo tinha encaixado em seu lugar!
9
Brigitte se aproximou timidamente ao estábulo. Resultava-lhe estranho abandonar Louroux a plena luz do dia, em lugar de escapulir-se durante a noite. O milagre não era perfeito, certamente. Poderia partir, mas tinha que partir com o homem que a havia possuído, um homem a quem desprezava e que lhe conhecia intimamente, mesmo que ela não sabia nada dele. Embargava-a uma humilhação que nunca antes havia sentido, mas, de uma vez, experimentava uma profunda, infinita gratidão. Ao entrar no estábulo, encontrou ao cavalheiro de pé, junto a seu imenso corcel cinza. O potro não parecia amigável, mas tampouco seu amo parecia muito afável. Os escuros alhos azuis do Rowland lançaram labaredas de ira quando a jovem lhe aproximou. -Fiz-te esperar muito? -perguntou a moça com acanhamento. O moço conseguiu conter sua fúria. -Só sobe ao cavalo - ordenou-lhe, exalando um suspiro de frustração. Brigitte se apartou. -A seu cavalo? Mas eu posso viajar no meu. -Por Deus, ou subidas este corcel, ou te deixarei aqui! Deixá-la ali? Ela não podia correr esse risco. -Então, rogo-te me deixe cavalgar detrás de ti -suplicou-lhe, pensando em suas doloridas costas. -E o que fará com sua bolsa? -perguntou-lhe ele com impaciência. -Porei-o entre nós. -Ja! Tem medo de te aproximar muito? -OH, não! -apressou-se a responder Brigitte-. Disse que o que aconteceu ontem à noite foi um engano, e te acredito. -Isso pode apostá-lo. Eu gosto das mulheres dispostas ...e, certamente, mais atrativas que você -afirmou Rowland, observando o sujo manto e a emaranhada cabeleira da jovem. Brigitte se sentiu ferida em seu orgulho, e seus claros olhos azuis se encheram de lágrimas. Mesmo assim, permaneceu em silêncio. Esse homem não tinha direito a insultá-la, mas devia partir antes de que Druoda trocasse de opinião. Rowland se voltou para montar o imenso cavalo e logo, estendeu uma mão para ajudar à moça a subir. Brigitte aceitou o braço devotado, mas voltou a lhe soltar ao advertir o olhar ofuscado nos olhos do moço. -Se tanto me detesta, por que me leva contigo? -perguntou-lhe sem rodeios. -Não tenho alternativa. "De modo que isso era", pensou a jovem com pesar. Hildegard tinha mentido... o cavalheiro não desejava levá-la consigo. Mas Druoda era perita em impor às pessoas sua vontade, inclusive a um homem como esse. A moça se sentiu uma carga, mas não podia a não ser partir. Voltou a tomar a mão do cavalheiro e ele a subiu com facilidade até a arreios. A bagagem do moço se achava pendurado a ambos os lados do imenso potro cinza, o qual dificultava a posição da jovem, em especial, com seus próprias pertences sujeitas entre ambos. Brigitte tratou de acomodar-se da maneira mais confortável possível, endireitando-se lentamente para não danificar suas doloridas costas, e então esteve preparada. Esperou que Rowland empreendesse a marcha, mas ele também parecia estar aguardando. -O que acontece? -perguntou-lhe ela com vacilação, ao ver que o moço continuava sem mover-se-. Estou preparada. O deixou escapar um suspiro.
-É tão ignorante como parece ou me está provocando de propósito? -te provocando? por que? -Deve te sujeitar a mim, rapariga, ou te encontrará de cara contra o pó. -OH! -Brigitte se ruborizou e agradeceu que ele não pudesse vê-la. -Mas não alcanço a te rodear com os braços. Meu saco de roupas me impede isso. -Então, sujeita lhe de minha cota -ordenou-lhe Rowland com brutalidade, para logo olhar por cima do ombro e prosseguir com tom ainda mais severo.- E te advirto que trate de não te soltar. Se cair da arreios e te rompe alguma parte do corpo, eu não me deterei para te ajudar. -E se minhas feridas me impossibilitam o rodeio? -perguntou sobressaltada. -Liquidarei-te e acabarei com suas desditas. Ela soltou uma exclamação. -Não sou um animal para que me sacrifiquem quando estou ferida! -Não tente pô-lo a prova. Brigitte se sentiu muito surpreendida para continuar com o tema. Com grande relutância, aferrouse da cota do cavalheiro. Assim que esteve sujeita, ele empreendeu a marcha. Cruzaram a entrada a toda velocidade, para logo atravessar a aldeia. Concentrada em aferrar-se ao cavaleiro, a moça não pôde saudar os serventes que, a seu passo, agitavam as mãos em sinal de despedida. Rowland acelerou o passo quando chegaram ao caminho. Seus desejos por abandonar a área pareciam ser tão intensos como os do Brigitte, o humor da moça melhorou quando giraram para o norte, com rumo ao Orleáns, posto que Maine se encontrava nessa direção. Era uma lástima que Arnulf não se achasse no Berry, já que sua intenção era passar o menor tempo possível em companhia desse homem. Mesmo assim, levaria-lhes vários dias chegar a Maine, mas isso não podia remediar-se. Ah, mas seria agradável voltar a ver o Arnulf. O velho cavalheiro era, na verdade, temível; mas suas bruscos maneiras não intimidavam ao Brigitte, que sabia possuidor de um coração de ouro. O conde chorasse a morte do Quintin, e a moça tivesse desejado não ser portadora de tão desafortunada notícia, posto que, estava segura, voltaria a sentir, uma vez mais, a perda de seu irmão. O caminho os conduziu através do vale, rico em cultivos durante outono e verão. Os ciprestes, plantados uns trezentos anos atrás, achavam-se agora curvados e retorcidos, dando assim ao vale do Ródano um aspecto solitário e sombrio. À medida que Brigitte imaginava sua reunião com o conde, Rowland meditava com amargura. Sua cólera se voltava mais e mais intensa. A inoportuna carga que levava lhe custaria um alto preço, embora não receberia nada em troca, posto que nada queria dessa prostituta. Teria que alimentá-la no caminho e lhe pagar a passagem para atravessar o rio Loira, entre o Orleáns e Angers. Pior até, a jovem o atrasaria, já que o cavalo se achava sobrecarregado. A volta a casa já seria bastante penoso, mas essa demora o faria ainda mais difícil. O moço suspirou com mau humor e irritação. O largo caminho que atravessava o centro da França estava acostumada ser muito mais freqüentado que os numerosos de resíduo. Muitos viajavam para o sul, mas só uns poucos se dirigiam às regiões mais frite do norte, de modo que Rowland não se viu atrasado por outros viajantes. Mesmo assim, GUI já estaria, sem dúvida, muito adiantado, depois de ter viajado a maior parte do caminho pelo rio. E que notícias lhe aguardariam em casa? Haveria Thurston do Mezidon iniciado o ataque, tal como temia GUI? Ainda lhe subtraía, ao menos, uma semana de viagem antes de chegar a averiguá-lo. À medida que o corcel galopava com destino ao Montville, a irritação do moço começava a esfumar-se.
10
Já era meio-dia quando se aproximaram de uma estalagem, localizada-se sobre um flanco do caminho. Não chegariam ao Orleáns a não ser até a noite seguinte. O cavalo poderia descansar enquanto atravessassem o rio, mas logo, subtrairiam ainda mais de cem quilômetros de viagem antes de chegar ao Montville, o corcel era o mais prezado tesouro do Rowland, o melhor do estábulo de seu pai. O animal não estava habituado a transportar mais que o peso de seu dono e o moço detestava sobrecarregá-lo. Havia alguns outros paroquianos na estalagem administrada por monges. Mais à frente da hospedaria, estendia-se uma pequena aldeia. Um dos viajantes tinha o aspecto de um comerciante; outro era um velho cavalheiro, acompanhado por seu escudeiro, uma esposa e suas duas filhas. O terceiro era um peregrino. Rowland inclinou brevemente a cabeça para saudar os três homens, antes de conduzir seu cavalo para um borbulhante arroio. perguntou-se que pensariam os outros dele, ao vê-lo viajar sozinho com uma mulher. Certamente, não era ela seu escudeiro, mas lhe serviria como tal no momento. O moço desembarcou do potro e logo, estendeu um braço para ajudar à moça a descender. -Alguma vez te lava, mulher? Os olhos da jovem se dilataram, e Rowland advertiu que eram grandes e de uma cor azul clara, O queixo elevado da moça refletia seu orgulho, algo com o que ele deveria terminar antes de sua chegada ao Montville. Alguém serva insolente se veria imensamente afetada em mãos de sua madrasta. -Estou acostumado a me banhar com freqüência -respondeu Brigitte com voz suave embora olhar desafiante-. Mas ontem à noite caí no caminho antes de que me detivera e, após, não tive tempo de me assear. -Aproveita o arroio, agora que tem a oportunidade -sugeriu-lhe ele com tom brusco. -Mas há gente nos arredores -objetou a moça, horrorizada.- Não posso me banhar em presença de estranhos. -Não acredito que possa atrair a atenção destes homens -assegurou-lhe Rowland com deliberado sarcasmo.- te apresse. Partiremos em menos de uma hora. Por Deus, esse cavalheiro não voltaria a chamá-la imunda! Brigitte começou a caminhar para um lugar afastado do arroio, onde poderia ocultar-se de olhares curiosos, mas o moço lhe gritou: -Fique onde eu possa verte. A moça se zangou. Acaso ele temia que a atacassem ou acreditava capaz de escapar? Dificilmente pensasse em fugir agora. Necessitava amparo até chegar a Maine e ao conde Arnulf. Depois de encontrar uma pedra grandemente plaina junto à borda do arroio, a jovem se ajoelhou. tirou-se o manto e o enxaguou várias vezes, para logo se inclinar lentamente e esfregar o rosto com a água geada. Seguiram então os braços e, mais tarde, o lance das pernas que podia exibir-se sem perder o recato. Por último, soltou-se o cabelo, pegajoso pelo lodo, e afundou a cabeça no arroio. Pôde perceber o calor de um sem-fim de olhares e seu rosto ardeu com vergonha. Mas já tinha conseguido assear-se, e decidiu que se esse rústico cavalheiro voltava a pontuar a de suja, cuspirialhe na cara. Brigitte abriu o saco que continha seus pertences para extrair primeiro o alimento que tinha levado consigo e logo, seu pente. Seu espelho de aço lhe revelou que, em seu rosto, não havia verdadeiros talhos, a não ser umas leves marca rosadas que logo se esfumariam. Uma vez mais, tinha recuperado seu aspecto habitual. Um vento gelado ajudou a secar seu cabelo, ao tempo que o brilhante sol enfraquecia seu manto úmido. Brigitte devorou com avidez o pão doce e as tâmaras confeitadas da Althea, enquanto, de quando em quando, observava ao esbelto cavalheiro, quem, no pátio da estalagem, atendia a seu cavalo e a ignorava por completo.
Rowland fingiu estar completamente focado no asseio de Huno, mas não cessava de jogar olhadas ao Brigitte, sobressaltado com a beleza da moça. O banho tinha revelado as delicadas formas de seu delicioso rosto e sua cabeleira loira era uma maravilha. Tinha todo o aspecto de uma aristocrata, e compreendeu então Rowland o tolo comportamento do Quintin com a moça. Teria que ser cuidadoso, disse-se, em não permitir que essa moça advertisse que lhe tinha cativado com sua beleza. Não demonstraria a essa jovenzinha nem o mais ligeiro interesse. Ela era uma serva, e o seria sempre, afirmou o moço em silêncio. E se viu forçado a recordar tal asseveração quando se aproximaram os três homens uns instantes mais tarde. -Perdão, sir -começou a dizer um deles.vieste do sul? -Rowland assentiu, e o homem de barba prosseguiu.- Que notícias traz do conflito? foram expulsos os sarracenos? -Sim, todas as guaridas piratas foram incendiadas -respondeu o moço e, sem desejos de cercar conversação, voltou-se para continuar a limpeza do cavalo. -Já vê, Maynard -. O comerciante aplaudiu ao velho cavalheiro nas costas.- Disse-te que não lhe necessitariam. Deste-nos uma muito boa notícia, moço - afirmou, dirigindo-se ao Rowland.-Eu sou Nethard do Lyon e ele é meu irmão, sir Maynard. Vamos de entregar um carregamento de vinho ao bispo do Tours. E este bom homem é... -Jonás do Savoy -completou o peregrino-. Também venho do Tours, depois de visitar a tumba de São Martín. O ano próximo, irei a Terra Santa. Os bons maneiras forçaram ao Rowland a apresentar-se. Não pôde evitar sorrir com ironia ante o rude ancião com o característico aspecto de um acostumado peregrino. Havia muitos como ele, que viajavam cada ano a diferentes sepulcros e lugares sagrados. -Não podemos a não ser admirar a sua esposa, sir Rowland -comentou Nethard com tom amável.Não todos os homens são tão afortunados. -Deve nos perdoar, moço -adicionou Jonás. Meus olhos se deleitam ao olhar tanta beleza. -A moça não é minha esposa- explicou Rowland, antes de voltar-se uma vez mais para o cavalo, desejando que esses homens partissem. Mas os três permaneceram em seus lugares. -Sua irmã, então? -Não. -Sua companheira? -insistiu Nethard. -É minha faxineira -anunciou Rowland bruscamente. -Mas tem um porte aristocrático -disse Jonás, surpreso. -O sangue às vezes engana -afirmou Rowland-. A jovem é uma serva nata. -Bastarda, então? -Não sei nada a respeito de seus pais -respondeu o moço, já um pouco ofuscado. -Interessaria-te vendê-la? -inquiriu Nethard. O homem apanhou a completa atenção do Rowland. -Perdoa, o que há dito? Os olhos do Nethard do Lyon cintilaram. -Interessaria-te? Daria-te um preço justo pela ter adornando minha casa. O moço tivesse desejado desfazer-se da moça, mas tinha dado sua palavra a Druoda. -Acredito que não é possível. Quando deram de presente a jovem, prometi que jamais lhe permitiria retornar a esta área. -Lhe deram de presente isso! É incrível! -exclamou Nethard, sobressaltado-. Então, o dono deve ter sido uma mulher, ciumenta pela beleza da moça. -Uma mulher, sim. -Rowland aceitou a explicação oferecida, disposto a não brindar mais. -Mas você não a quer -continuou Nethard com perspicácia.- Isso é fácil notar. E uma jovem assim deve ser adulada.
Rowland soltou um rouco grunhido. -Mesmo que fora Vênus, seria uma carga para mim. Entretanto, devo levá-la comigo. O homem sacudiu a cabeça. -Ah, é uma lástima que tão valiosa gema não seja apreciada -comentou, deixando escapar um suspiro. -É uma moça bela -admitiu o jovem com expressão sombria.- Mas ainda segue sendo uma carga. -Está cego -afirmou o comerciante, depois de oferecer gentis despedidas, os três cavalheiros partiram. Rowland franziu o sobrecenho e seus olhos transpassaram aos viajantes que se afastavam. O que podiam saber esses homens? Os francos estavam acostumados a adular a suas mulheres e adorar sua beleza. Para o moço, essas não eram a não ser tolices. Uma mulher era só isso, uma mulher, e nada mais. Era ridículo lhe conferir alguma importância. Ela estava ali para servir e isso era tudo.
11
Uma vez que sua dourada cabeleira esteve seca e sedosa, Brigitte a sujeitou em duas largas tranças. Voltou a fechar o saco de seus pertences e, com renúncia, uniu-se ao Rowland no pátio. O moço lhe assinalou um banco na galeria da estalagem e lhe ordenou aguardar ali. A jovem se sentiu irritada ante a brutalidade desse homem. Tinha esperado que ele fizesse algum comentário a respeito de seu melhorado aspecto, e tanto desinteresse a exasperava. Porém, cumpriu as ordens do cavalheiro e se dispôs a esperá-lo pacientemente no lugar famoso. Os movimentos da estalagem não melhoraram seu humor, posto que muitos homens a observavam com descaramento e isso a incomodava. Rowland tinha entrado na hospedaria para pedir alimento, feliz de que a moça tivesse levado sua própria comida. Só uns minutos mais tarde, um jovem estranho se aproximou do Brigitte. A moça teria estado agradecida pela nova companhia, mas logo advertiu que o moço era estrangeiro, inglês ou irlandês segundo seu aspecto, e ela não podia compreender o idioma. Mesmo assim, ele não se apartou, mas sim continuou tratando de comunicar-se, admirando-a com o olhar, agradando-a com suas gentis maneiras. De repente, Rowland apareceu de um nada, para deter-se frente ao jovem com as pernas separadas, os braços em jarras e uma expressão irada no rosto. inclinou-se e, estendendo uma mão, levantou violentamente ao Brigitte. A moça começou a protestar por tanta rudeza, mas se deteve o topar-se com o olhar geada do cavalheiro. -Conhece este homem? -Não. -E, mesmo assim, convida-lhe a sentar-se a seu lado e lhe conversa -disse Rowland com fúria, sem apartar o olhar do atemorizado rosto da jovem. -Não foi assim -negou Brigitte.- Embora não me opus quando decidiu sentar-se. Não pude entender nada do que disse, de modo que não tem importância. -Sempre te comporta assim com estranhos? -perguntou ele com tom severo, ignorando as últimas palavras do Brigitte. Ela se apressou a defender-se. -Não fiz nada de mau. Só necessitava um sorriso amável. -Não é precisamente isso o que você necessita -afirmou Rowland com tom ameaçador. Sem esperar a resposta do Brigitte, ele a sujeitou do braço e a tirou empurrões da estalagem. A jovem se sentiu envergonhada ao ser tratada como um menino travesso, e tentou liberar-se.
-Quero que me solte! -grito-lhe. Rowland se deteve imediatamente e girou para olhar com uma expressão incrédula no rosto. -O que quer? -Não há razão para que me trate desta forma - queixou-se ela. -De modo que sua ama estava no certo. Sua audácia é na verdade surpreendente -grunhiu Rowland. Sem pronunciar outra palavra, montou seu corcel e subiu ao Brigitte detrás de si. Uma vez mais, empreenderam a marcha, cavalgando a toda velocidade. Nenhum dos dois voltou a falar durante o resto do dia. Ao cair a tarde, Rowland se separou do caminho para penetrar em um bosque. -por que tomamos este caminho? -perguntou timidamente a jovem logo depois de um breve instante, intimidada pela escuridão. -Seu silêncio foi uma bênção -respondeu ele com tom brusco.- Devo encontrar um lugar para passar a noite. Brigitte ficou estupefata. -Quer dizer que dormiremos aqui? -Acaso vê alguma aldeia nas cercanias? -inquiriu o moço com sarcasmo. A moça permaneceu em silêncio, e um sem-fim de perturbadoras imagens acossaram sua mente. Rowland se deteve em um lugar de vegetação tão densa, que a escuridão era completa. Havia um pequeno claro entre as árvores, e ele ordenou a quão jovem juntasse algumas lenhas para armar uma fogueira. Ela obedeceu sem protestar, enquanto o moço sujeitava seu cavalo. -Ainda fica um pouco de comida se desejas compartilhá-la -ofereceu-lhe Brigitte, caso que ele não tinha conseguido comprar provisões aos pobres monges da estalagem. -Traz-a -respondeu Rowland, antes de acender a lenha que ela tinha reunido. A jovem extraiu os últimos mantimentos de seu saco e ambos se sentaram a comer em silêncio. O crepitante fogo criava sombras ao redor, fazendo que o resto do bosque parecesse ainda mais escuro. Brigitte não pôde evitar perguntar-se por que um homem tão arrumado poderia ter um temperamento tão odioso. Acaso todos os normandos eram tão rudes, dominantes e constantemente mal-humorados? -Quanto falta para chegar a Maine? -arriscou-se a perguntar a moça, uma vez finalizada a comida. Nunca estive ao oeste do Berry. -por que o pergunta? -Só desejava saber -sussurrou ela, temerosa ante o intenso olhar do moço.- depois de tudo, separaremo-nos ali. -Não quero ouvir nada a respeito de nos separar e te advirto que não me provoque. -Mas não te agrada minha companhia- fez-lhe notar Brigitte com calma. -Isso já não importa! Fui obrigado a te aceitar e agora não posso me desfazer de ti. -por que me odeia tanto? -Acaso você não me odeia também? -perguntou Rowland com indiferença. Ela o olhou surpreendida. -Se crie que te odeio só porque me tratou com rudeza desde que abandonamos Louroux, está equivocado. O homem riu e todo seu rosto pareceu iluminar-se. Seus rasgos se viam muito mais agradável com um sorriso. -Então me considera rude, né? -claro que sim -respondeu Brigitte com indignação-. Não fez mais que me ameaçar e me intimidar, e na estalagem, tratou-me como se eu não tivesse direito de falar com quem me agrade. -Você não tem nenhum direito a nada -.Uma vez mais, seu tom era gelado, e seu olhar sorridente tinha desaparecido.- Sejamos claros, moça. Você não falará com ninguém sem permissão.
Brigitte esboçou um sorriso divertido. -Não fala a sério. Suponho que não pode evitar ser como é, mas acredito que está transpassando os limites. Estou seriamente agradecida por seu amparo, mas o fato de que seja minha escolta não te dá direito a me impor ordens. O moço afogou uma exclamação e logo, estalou. -Por todos os Santos! Ela tinha razão! Advertiu-me que estava acostumado a te dar presunções, mas jamais acreditei que seria tão tola de provar suas sacanagens comigo! Rowland já tinha tido suficiente. Sabia que o melhor seria apartar-se dessa moça. voltou-se e caminhou com passo firme para o cavalo, para cavalgar a toda velocidade em direção ao caminho. Um passeio poderia apaziguar sua cólera. Brigitte lhe observou partir, estupefata. Sua confusão logo se transformou em medo, quando os sons do cavalo se tornaram mais e mais distantes. -O que lhe tenho feito? -sussurrou-. por que me odeia tanto? A jovem se aproximou do calor do fogo e se cobriu com o manto. O retornaria, disse-se, tratando de convencer-se. Com segurança retornaria. Os sons da noite voavam com o vento e se voltavam cada vez mais potentes, aterradores. Brigitte se estremeceu e se aconchegou em um novelo sobre a terra geada, cobrindo-se até a cabeça com o manto. Orou pelo amparo do Rowland do Montville e logo, elevou suas súplicas a Deus. -Por favor, retorna -murmurou com ansiedade -Juro que não voltarei a te elevar a voz. Se for necessário, permanecerei muda, mas retorna! Finalmente, o crepitante fogo afogou outros sons da noite e a arrulhou até dormi-la. Assim a encontrou Rowland a sua volta. Extraiu uma manta de uma das alforjas de seu cavalo e se deitou sobre o chão junto a ela. 12 Rowland despertou imediatamente ao perceber um perigo iminente. ficou de pé, extraiu automaticamente sua espada e girou em busca do intruso. O céu do amanhecer criava escuras sombras difíceis de penetrar e, mesmo que se esforçou, não conseguiu distinguir nada. Extremamente tenso, permaneceu imóvel e se dispôs a aguardar. Foi então quando divisou à besta, sentada sobre suas enormes ancas, a menos de dois metros de distância. assemelhava-se a um cão, mas nunca antes tinha visto um tão imenso. Sem apartar os olhos do animal, Rowland estendeu uma bota para sacudir apenas à moça dormida. Brigitte se incorporou com lentidão e, ao vê-la mover-se, a besta se levantou. Avançou então o cão em direção a jovem, saltando graciosamente. -Oculta lhe detrás de mim, Rápido! -ordenou-lhe Rowland em um severo sussurro. -por que? -A moça se surpreendeu ante o tom de voz do moço e, ao vê-lo elevar a espada, sussurrou:-O que acontece? -Se seriamente apreciar sua vida, faz o que te digo! -respondeu ele com rudeza. Brigitte ficou de pé e, imediatamente, ocultou-se depois das imensas costas do cavalheiro. aterrorizou-se para ouvir o ameaçador grunhido de um animal e, com vacilação, apareceu lentamente a cabeça para espiar à besta. Até sob a tênue luz do amanhecer, não pôde confundir essa forma. Saiu correndo de seu esconderijo para deter-se entre o homem e o cão. Rowland a observou sobressaltado, enquanto ela abraçava ao imenso animal e ria quando este a lambia o rosto e gemia. -Acaso tem algum poder estranho para dominar às bestas? -perguntou Rowland, admirado. "Será bruxa essa moça?" Brigitte lhe olhou e esboçou um brilhante sorriso.
-É meu cão. Seguiu-me até aqui. Rowland embainhou a espada e deixou escapar um grunhido. -Me recuso a acreditar que te rastreou durante todo o trajeto desde o Louroux. -Eu o criei e me esteve seguindo durante anos. Deve ter escapado de sua jaula ontem à noite, na hora de comer. É um cão muito inteligente. Rowland se voltou em silêncio. Montou seu potro e, sem olhar em direção a jovem, separou-se do claro lentamente. -Aonde vai? -perguntou ela a gritos. O moço respondeu por cima do ombro. -Se tiver sorte, trarei carne fresca a minha volta. Você aproveita o tempo para preparar o fogo. E, então, partiu. Brigitte deixou escapar um suspiro. As promessas da noite anterior se estavam convertendo em uma pesada carga. Mas, ao menos, ele tinha retornado. Ao advertir que os imensos olhos pardos do Wolff a observavam, a moça sorriu com deleite. -Bom, pequeno, deve estar cansado atrás de seu comprido viaje. -Rodeou ao animal com os braços e o estreitou com força-. OH, Wolff, Wolff, faz-me tão feliz que tenha vindo! Deveria te haver trazido comigo, mas tive medo de perguntar. De todos os modos, encontraste-me e jamais voltaremos a nos separar. Sinto-me muito melhor agora. O normando me protegerá dos perigos do caminho e você, meu rei, protegerá-me dele! Os temores do Brigitte se esfumaram com a chegada do Wolff, e a moça não podia a não ser rir de prazer. -Vêem, temos que acender o fogo antes de que ele retorne, porque é um homem perverso e não gosta de esperar. Você deve estar faminto, Wolff -. A jovem começou a reunir paus e ramos para a fogueira, e o cão a seguiu, sem apartar um só instante de seu lado.Suponho que, ontem à noite, tomou ao Leandor por surpresa e não aguardou por seu jantar. Ou, o mesmo Leandor te permitiu escapar. Sim, é capaz de havê-lo feito se acreditava que eu te necessitava. Brigitte continuou conversando com o Wolff como sempre o tinha feito, expressando seus pensamentos em voz alta. O fogo não demorou para acender-se sobre as brasas da anterior fogueira, e logo pôde a moça enfraquecer suas mãos congeladas pelo ar frio da manhã. Logo que tinha acabado de pentear-se e se encontrava trancando sua larga cabeleira, quando Rowland retornou e arrojou uma robusta lebre sobre a terra. -Prepara-a e reserva a pele para guardar os restos uma vez que tenhamos comido -ordenou-lhe com tom brusco, para logo posar os olhos sobre o Wolff, que se encontrava jogado com a cabeça sobre o regaço de sua proprietária. E o cão deve ir-se. Não temos comida para compartilhar com ele. -Wolff não me deixará agora que conseguiu me encontrar -afirmou Brigitte com convicção-. Mas não tem que preocupar-se em alimentá-lo. É um excelente caçador e não lhe custará apanhar seu próprio jantar-. Tomou a imensa cabeça do animal entre suas mãos e o olhou fixamente aos olhos. -lhe mostre, Wolff. Traz seu jantar e eu a cozinharei. Rowland observou ao cão afastar do acampamento e sacudiu a cabeça: -Seriamente pensa cozinhar para a besta? -O não é uma besta -corrigiu-lhe Brigitte com tom reprovador.- Embora sua raça é desconhecida, possui um magnífico tamanho e uma incrível astúcia. E claro que cozinharei para ele. Wolff está domesticado. Não come mantimentos crudos. -Eu tampouco -replicou Rowland.- Date pressa com a tarefa. antes de culminar a frase, o moço arrojou uma adaga junto à lebre morta. Brigitte a recolheu e seus lábios se franziram em uma careta. Pouco tempo atrás, tinha aprendido a esfolar animais, mas o trabalho não era de seu agrado.
Porém, ele obviamente não tinha intenções de executá-lo. Já se tinha sentado frente ao fogo, para limpar o venablo que tinha utilizado em matar à presa. A moça pensou que deveria estar agradecida a Druoda, por havê-la obrigado a aprender vários trabalhos servis. -Como devo te chamar? -perguntou Brigitte a modo de conversação. O homem respondeu sem olhá-la. -Pode me dizer "senhor". -Senhor Rowland? -Só senhor. -Isso é ridículo - disse a jovem, sem apartar os olhos de sua tarefa.-Chamarei-te Rowland. E você já sabe meu nome. Agradeceria-te que o usasse. Não me agrada que me chamem "mulher" ou "moça" todo o tempo. Os olhos do Rowland lançaram labaredas. -De modo que começamos de novo -. Olhou-a com expressão severo. -O dia logo que acaba de começar, e você já está me dizendo o que você fará e o que você quer! Brigitte elevou a cabeça, confundida. -O que hei dito para que volte a te zangar? O moço ficou de pé e arrojou o venablo ao chão em um súbito arrebatamento de cólera. -Provoca-me de propósito, fingindo ser o que não é. Você é uma serva e eu sou seu amo, e te exijo que deixe de atuar como se assim não fora. Já dava minha palavra e estou obrigado a te conservar até o dia de sua morte. Mas não tente ao destino, ou esse dia chegará muito antes do que imagina. O assombro do Brigitte foi maior de que podia expressar. Algo, por fim, começava a esclarecer-se. -deste sua palavra a Druoda, é isso o que quer dizer? -Sim, quando ela te entregou para mim. -Essa mulher não tinha direito! -exclamou a jovem. Eu não sou uma faxineira. Jamais fui uma serva! -Druoda também me disse que amas a mentira muito mais que a verdade, e me advertiu que revista dar rédea solta a sua imaginação. -Você não compreende. Druoda é minha tutora, posto que meus familiares morreram. Essa mulher não é minha ama, a não ser a tia de meu meio irmão. Ela não podia me entregar a ti. -Sua ama tinha intenções de te matar a pedradas, moça e o tivesse feito, se eu não tivesse aceito te trazer comigo. -Sem dúvida, me teria assassinado, já que você arruinou os planos que ela tinha para mim. -Então admite que te salvei a vida. Me dê paz, embora só seja por essa única razão. -Não tem direito a me conservar como servo. Sou uma dama! Meu pai foi barão! Rowland lhe aproximou de tal forma, que seus olhos pareceram quase negros. -Não me interessa o que foi antes. Agora é minha faxineira. Está obrigada a me obedecer e se te ouço negá-lo uma só vez mais, castigarei a chicotadas. Agora te apresse a cozinhar essa carne! -bramou.- Já perdemos suficiente tempo por hoje. Brigitte caminhou aturdida para o fogo e umas lágrimas começaram a rodar por suas bochechas. Sentiu-se apanhada em um véu de impotência tão negro como a noite. Sentia-se muito curvada inclusive para perguntar por que não se detiveram em Maine. Sabia a razão. Também nisso, Druoda lhe tinha mentido. O que podia fazer agora? se tentava raciocinar com esse homem obstinado e lhe dizer quão equivocado estava, ele a golpearia. Não seria capaz de tolerar outros açoites em cima de suas ainda doloridas costas. Rowland observou à moça, ofuscado, até que lhe olhou com uma expressão tão desolada, que ele não pôde a não ser apartar o olhar, sentindo-se quase arrependido. Quase, embora não efetivamente. por que parecia essa jovem tão angustiada? Sua nova vida não poderia ser mais dura que a que tinha levado no passado. O moço lhe tinha visto as mãos calejadas e sabia que era uma moça
habituada ao trabalho árduo. Já não teria que servir a uma enorme família, só ao Rowland. E acaso não lhe tinha salvado a vida? Não poderia ela, ao menos, lhe estar agradecida por essa razão? Os pensamentos do Rowland se interromperam quando Wolff retornou ao acampamento e deposito dois gallinetas aos pés do Brigitte. O moço sacudiu a cabeça, admitindo, em silêncio, que, depois de tudo, o cão devia proceder do Louroux. Uma das tarefas da jovem ali tinha sido, provavelmente, encarregar do cuidado do animal. Do que outra forma poderia a besta ter completo com exatidão as ordens dessa mulher, a menos que estivesse habituado a obedecê-la? Com o reaparecimento do Wolff, as silenciosas lágrimas do Brigitte se transformaram em fortes soluços e Rowland ficou em pé bruscamente. -Maldição! Já derramaste suficientes lágrimas! Wolff começou a uivar, somando-se aos gemidos de sua proprietária, e Roland elevou os braços com irritação e se separou do fogo com passo irado. Por fim, a moça cessou de chorar e o cão lhe secou as lágrimas com a língua. Brigitte respirou profundamente e se dispôs a continuar a tarefa. Poucos instantes depois, a comida do cão se encontrava assando-se junto à lebre, e a jovem se sentou a descansar, olhando a seu adorada mascote com expressão angustiada. -O que vou fazer agora, Wolff? -perguntou-lhe, como se esperasse uma resposta.- O me converteu em sua faxineira e não há ninguém mais que eu para lhe dizer que não tem direito a fazê-lo. Druoda me fez isto! -exclamou com veemência, e seus olhos lançaram brilhos de ira. Quando Rowland retornou, a lebre já estava cozida e Wolff tinha devorado seu alimento. Enquanto comiam em silêncio, Brigitte não apartou os olhos da terra. -Falarei contigo, e espero te tranqüilizar -disse por fim Rowland com tom brusco.- Não tem por que me temer, sempre e quando fizer o que te ordeno. -E se não o faço? -perguntou a jovem logo depois de uma pausa. -Dispensarei-te o mesmo trato que a qualquer outra serva -afirmou ele de modo categórico. -Quantos serventes tem? -inquiriu Brigitte. -Jamais tive outro servente pessoal mais que meu escudeiro, que acaba de morrer. Há muitos trabalhando em casa, mas todos estão sob as ordens de meu pai. Você é a primeira que responde unicamente a mim. -Pensa me levar a sua casa? -Sim Ao tempo que Brigitte considerava a resposta, o moço prosseguiu. -Ocupará-te de minhas roupas, servirá-me a comida e limpasse minha habitação. Só obedecerá minhas ordens. Não é isso muito menos trabalho que aquele ao que estiveste habituada? -Muito menos -admitiu ela. Rowland ficou de pé e lhe olhou fixamente. -Pretendo obediência. Irá bem, sempre e quando não enfurecer. Está disposta a aceitar sua sorte e de uma vez por todas, com suas provocações? Brigitte vacilou, e logo se apressou a responder, por temor a perder a coragem. -Não quero te mentir. Servirei-te sempre que dever. Mas se encontro a oportunidade de te abandonar, não duvidarei em fazê-lo. A moça tinha esperado um novo arrebatamento de ira, mas ele só franziu o sobrecenho. -Não, não conseguirá escapar de mim -afirmou em uma língua estrangeira. -O que? -Pinjente que te conviria aprender o idioma nórdico, já que há muitos no Montville que não falam outra língua. -Todo isso disse com essas poucas palavras?-perguntou Brigitte com cepticismo. Mas Rowland não respondeu a sua pergunta. -Vamos, estamos perdendo tempo, o cão pode vir conosco. Será um fino obséquio para meu pai. Brigitte abriu a boca para protestar, mas se deteve.
Quando chegasse o momento, o normando descobriria que Wolff jamais voltaria a separar-se de sua proprietária.
13 Não chegaram ao Orleáns antes do anoitecer, e deveram voltar a acampar ao cair a tarde. Brigitte passou as intermináveis horas em sua incômoda posição detrás do Rowland, tratando de convencer-se de que ainda poderia seguir tolerando sua desafortunada situação durante um tempo. Ao fim e ao cabo, encontrava-se longe do Berry e Druoda. Um marido era o que necessitava, já que, uma vez que ela estivesse casada, Druoda não se beneficiaria com sua morte, nem poderia reclamar direito algum sobre o Louroux. Mas, para casarse, Brigitte necessitava a aprovação do Arnulf ou do senhor lorde do condado. O rei da França era o senhor do Arnulf, e ali estava, então, a solução. A moça poderia dirigir-se a corte e unir-se em matrimônio sem o conhecimento da Druoda. Só precisava encontrar a alguém que a levasse até o Ile-do France e a corte do Lothair. Então, seria livre e Druoda se veria forçada a abandonar Louroux. Quando acamparam essa noite, Brigitte se sentia tão satisfeita com seus próprios raciocínios, que começou a contemplar os sucessos mais recentes como uma verdadeira bênção. O terceiro dia transcorreu velozmente, já que Rowland se dedicou a lhe ensinar a língua de seus ancestros. Não era um idioma fácil de aprender, mas a moça não demorou para incorporar vários vocábulos, impressionando assim ao moço com sua rapidez. O começar de um novo dia era sempre prazenteiro, já que Rowland logo descobriu que Wolff era na verdade um excelente caçador. Despertavam pela manhã, para encontrar duas robustas lebres e um ganso silvestre aguardando-os. O homem estava admirado e, de uma vez, agradado, ao ter ao animal trabalhando para ele. Isto ajudou a dissipar sua fúria, a tal ponto, que chegou a cercar amizade com o cão e, para surpresa do Brigitte, Wolff se via muito satisfeito com seu novo amigo. Assim, com um feliz estado de ânimo, continuaram os três seu trajeto pelo caminho. Na tarde seguinte a sua chegada ao Orleáns, iniciaram a viagem pelo Rio e então o humor do Rowland pareceu melhorar até mais. Brigitte se precaveu de que a ira do normando se deveu, em parte, à demora em sua volta a casa. Essa noite, uma vez finalizada o jantar, a jovem decidiu interrogá-lo. -por que leva tanta pressa? Ela se achava debaixo das coberta, recostada sobre um flanco, com a cabeça sobre as mãos. Rowland se encontrava sentado a seus pés, absorto na contemplação do rio. Rowland lhe explicou brevemente que seu pai tinha enviado um vassalo para lhe encontrar e que logo se desataria uma guerra no Montville. -Por desgraça, GUI demorou vários meses em me achar, dado que eu me encontrava no sul da França. Pode que a batalha já tenha finalizado. A informação despertou o interesse do Brigitte. -De modo que acaba de vir do sul, não é assim? -Sim, depois de lutar contra os sarracenos. Os olhos da moça cintilaram. -Espero que tenha matado a muitos! -exclamou impulsivamente, sabendo que um sarraceno tinha sido o assassino de seu irmão. -Assim foi -grunhiu Rowland-. Mas por que isso teria que te interessar? Os piratas só ameaçaram o sul e você te encontrava muito longe de ali.
-Não temia por mim -lhe explicou ela, e seus olhos brilharam com odeio contra o homem que tinha assassinado ao Quintin.- Só espero que os sarracenos estejam todos mortos, cada um deles sem exceção. Rowland soltou uma breve risada. -Então minha Vênus é sanguinária. Jamais o tivesse acreditado. Brigitte baixou o olhar para o fogo e deixou escapar um comprido suspiro. Não valia a pena explicar como se sentia. Esse homem era alheio a todo sentimento. -Não sou sanguinária - afirmou com voz serena. Os sarracenos tinham que ser destruídos, isso é tudo. -E assim foi. Brigitte se voltou de costas para fogo, mas pôde perceber que os olhos do normando ainda continuavam observando-a e se sentiu algo incomoda. por que a teria chamado "sua Vênus" Significaria isso acaso que ela começava a lhe agradar? Então rezou para que assim fora. Com a certeza de que Rowland não cessava de observá-la, a jovem se sentiu mais e mais nervosa, até que recordou que não se encontrava sozinha na barcaça. Wolff se achava tendido a seu lado. Seu fiel mascote não permitiria que o normando a atacasse. Com essa reconfortable ideia, Brigitte por fim dormiu. Uma tormenta ameaçava estalando ao dia seguinte, mas não foi assim. O Loira se encontrava crescido e, com segurança, teria se transbordado com uma copiosa chuva, de modo que ambos contemplavam ansiosos o céu, à medida que as escuras nuvens ocultavam o sol. Um vento forte desminuyó a temperatura sobre o rio e obstaculizou o avanço da barcaça. Isto irritou ao Rowland, quem permaneceu em silêncio e mal-humorado durante a maior parte do dia. O moço estava furioso consigo mesmo por ver-se afetado pelo frio; já que o clima era benigno comparado com o que tinha sofrido durante a maior parte de sua vida. Os últimos seis meses no sul da França lhe tinham rarefeito o sangue, e o jovem o sentia como um sinal de debilidade. A noite resultou ser a mais fria da viagem. Brigitte se aconchegou junto ao Wolff para esquentar-se e não lhe importou que Rowland se deitasse a seu lado, já que, dessa forma, protegia-lhe as costas contra o vento gelado. Que momento para retornar a casa, em pleno inverno! Rowland desejou que a moça soubesse costurar, já que ele necessitaria roupa de casaco ao chegar ao Montville. voltou-se para a moça e, para ouvir sua respiração regular, soube que se achava profundamente dormida. Tomou entre suas mãos uma das largas tranças loiras e se acariciou a bochecha com a sedosa mecha do extremo. Mesmo que não podia ver o rosto da jovem, recordou seus encantadores rasgos, dado que, a noite anterior, tinha-a contemplado o suficiente para gravar-se eternamente essa imagem em sua mente. Rowland tinha começado a sentir-se orgulhoso por essa moça. Não só era extraordinariamente formosa, mas também inteligente, e já tinha começado a compreender a difícil língua nórdica. Parecia lhe haver aceito como senhor e se via disposta a lhe servir. Esse fato agradava ao moço, posto que, desse modo, já não teria que depender dos serventes de seu pai. Ainda podia recordar as múltiplos ocasione em que tinha sofrido a indiferença dos servos, todos ocupados em cumprir ordens da Hedda. A moça seria excelente criada. Por essa razão, sentia-se resistente a levá-la a sua cama. Tinha a certeza de que cometeria um grave engano ao alterar a relação que existia entre ambos. Finalmente, Rowland se colocou de costas ao Brigitte e exalou um prolongado suspiro, amaldiçoando-a por ser tão encantadora.
14
A tormenta se afastou para o sul, e o bom tempo lhes acompanhou durante todo o seguinte dia. Chegaram aos domínios do conde do Tournaine, e Brigitte sentiu desejos de visitar o monastério de San Miguel, mas a barcaça se deteve apenas o suficiente para descarregar passageiros e receber a dois novos viajantes antes de voltar a zarpar. Os recém chegados eram dois saxões altos e de aspecto rude. Os duques saxões tinham despojado aos francos do reino oriental, para governar a Alemanha sob as ordens do Otto, feito que não agradava aos franceses. Estes duas eram de tez escura e largas e desalinhadas jubas da cor da ferva seca de outono. Vestiam grosas túnicas de pele, que lhes conferiam um aspecto selvagem e ameaçador. encontravam-se armados. Os saxões se mantiveram apartados, mas quando posaram seus olhos sobre o Brigitte com evidente interesse, a jovem se sentiu um pouco perturbada e se aproximou ainda mais ao Rowland. O homem não a olhou, nem mesmo quando a mão da moça roçou acidentalmente a sua. Durante vários dias, ele parecia lhe haver evitado o olhar e Brigitte se perguntava por que. À tarde seguinte, depois de seis dias de viagem, chegaram ao ponto de confluência entre os rios Maine e Loira, e foi ali onde os jovens descenderam. A moça se sentia algo relutante a ocupar, uma vez mais seu incômodo assento na parte traseira da arreios e tivesse desejado caminhar, mas Rowland não o permitiu, já que estava decidido a cobrir a maior distancia possível antes do anoitecer. Logo obscureceu e se detiveram em um pequeno bosquecillo junto à borda esquerda do Maine. Com o rio a só uns poucos metros de distância, Brigitte pensou em banhar-se. logo que Rowland partiu em busca de alimento, a moça se apressou a juntar a lenha para o fogo e, depois de extrair uma túnica poda de sua bolsa, saiu correndo para a água. Ao outro lado do rio, havia uns pântanos desérticos de aspecto desolador sob a azulina luz do crepúsculo. de repente, Brigitte divisou uma figura negra, quadrada, que se aproximava flutuando sobre a água, e se paralisou. Em seguida, retrocedeu para a borda, e advertiu que se tratava de uma barcaça. ocultou-se, então, detrás de uma árvore. Wolff lhe aproximou para esconder-se a seu lado e lhe esfregou as orelhas, enquanto observava com impaciência o lento avanço da embarcação. Finalmente, jogou um olhar a seu cão e franziu o sobrecenho. -Será melhor que vás procurar seu próprio jantar, Wolff. O normando aceita a carne que lhe traz, mas não acredito capaz de te devolver o favor caçando para ti. - O animal não se moveu, e ela o empurrou brandamente -Vete já, eu estarei bem logo que passe essa barcaça. Observou ao cão afastar-se e logo, voltou o olhar para o rio, para ver que a barcaça continuava avançando com enlouquecedora lentidão. Brigitte sabia que devia terminar e voltar para acampamento antes da volta do Rowland. Por fim, a embarcação se afastou, e a moça se apressou a despir-se e inundar-se na água geada. Seus dentes começaram a tocar castanholas, e se esfregou rapidamente, sem deixar de permanecer alerta ante a possível aparição de uma nova barcaça. Finalizou logo que pôde e saiu correndo da água geada. Todo seu corpo começou a tremer, e se colocou pressurosa a túnica limpa, sem sequer secar-se. atou-se o cinturão de soga e, sem calçar-se, caminho cautelosamente para o acampamento, amaldiçoando-se por não ter aceso o fogo antes do banho. O lugar se via tão escuro como boca de lobo e ela se sentia congelada. de repente, avistou o chiado das chamas, e acreditou que enlouqueceria de terror. Conteve a respiração, até que reconheceu a familiar figura do Rowland agachada junto ao fogo. -Quase me matas do susto -disse Brigitte enquanto avançava, deixando escapar um comprido suspiro de alívio Quanto tempo leva aqui? O olhar do normando a fez estremecer. -O suficiente para me perguntar por que não se encontravam aqui nem o fogo nem a imprudente mulher.
-Não acreditei que retornasse tão logo. -Supõe acaso que tenho os olhos de seu cão que pode encontrar a presa na escuridão? -perguntou ele com tom mordaz. -Esperei muito para acampar. Não haverá carne a menos que seu Wolff tenha melhor sorte. Vejo que não está contigo. -Enviei-o a caçar depois de que você te partiu. Rowland ficou de pé para arreganhá-la. -Vêem aqui, moça. Onde estiveste? Brigitte vacilou. Conhecia esse tom. A barba tinha começado a crescer no queixo do normando e lhe conferia um aspecto ainda mais perverso. Seus olhos escuros refletiram o fogo que ardia em seu interior e, quando ele estendeu as mãos para tocá-la, a jovem soltou uma exclamação e retrocedeu de um salto. Mesmo assim, Rowland pôde lhe agarrar um de seus braços empapados. -De modo que nadar te pareceu mais importante que acender uma fogueira para nos proteger deste frio? O homem não a tinha golpeado e isso infundiu coragem à moça. -Não foi minha intenção te incomodar. -A mim? -grunhiu ele.- te olhe. Tem o braço congelado e os lábios azuis-. Empurrou-a bruscamente para o fogo.- te esquente. Se chegar a me vomitar em cima... Santo Deus!... Acaso perdeste o julgamento, moça? Brigitte se voltou e, de costas ao fogo, olhou-lhe com os lábios trementes. -Queria estar poda e não me posso banhar completamente se você estiver perto. -por que não? Ela baixou o olhar, e agradeceu que o homem não pudesse perceber o rubor de suas bochechas em meio da intensa escuridão. -Não seria correto. -Correto? -bramou ele, e se deteve imediatamente, para percorrer com os olhos a figura da jovem. Cada curva era visível sob o delicado tecido aderido à pele úmida. Quando, por fim, seu olhar se topou com a do Brigitte, seus escuros olhos azuis ardiam, mas não de ira. Era uma expressão que a moça não tinha visto com freqüência em sua resguardada vida, mas a reconheceu instintivamente. Então, sentiu-se aterrada. A jovem começou a retroceder, esquecendo a presença do fogo a suas costas. Mas Rowland sujeitou com rapidez uma de suas largas tranças e a atraiu rudamente para si. Brigitte começou a golpear com força o firme, musculoso peito, mas um dos poderosos braços do homem a tirou da cintura e se sentiu apanhada, incapaz de mover-se. Com a outra mão, Rowland lhe elevou a cabeça e seus olhos contemplaram o pálido, delicado rosto de maneira lenta e possessiva. -Talvez, eu possa te esquentar melhor que esse fogo, né? -disse-lhe com voz rouca, lhe lançando um olhar ofegante, e logo prosseguiu com suavidade.- Não obterá nada resistindo, se for isso o que tem em mente. E você sabe. Brigitte tinha estado tão segura de que ele não a desejava... O que lhe tinha feito trocar de opinião? Rowland a estreitou com mais força e logo, liberou-a para lhe desatar o cinturão. Nesse momento, a jovem saltou. Se tão somente conseguia apartar-se da luz das chamas, a escuridão lhe permitiria ocultar-se. Mas, logo que começou a afastar-se, as mãos do normando voltaram a apanhá-la. O moço a fez girar, para logo elevá-la entre seus braços. -Seriamente acredita que poderia escapar de mim? Seu tom de voz não era severo. De fato o jovem parecia divertido ante a reação da moça. Brigitte lhe lançou um olhar fulminante e ele riu, aparentemente encantado. -Onde está a mulher que se desmaiou de medo assim que a tendi sobre minha cama? Vejo que cobraste valor desde aquela noite.
-Vangloria-te muito -replicou ela com aspereza, irritada ante a divertida atitude do normando. Deprimi-me devido à dor das costas e não por temor a ti. -O que ocorreu a suas costas? -Fui golpeada... graças a ti -respondeu a moça com tom severo, lhe condenando com os olhos. Rowland franziu o cenho e a depositou brandamente sobre a manta que ele mesmo tinha tendido junto ao fogo. Contra os protestos da jovem, tirou-lhe o cinturão e a túnica, para logo lhe elevar o vestido e tocar a área machucada. Então, voltou a apoiar à moça sobre a manta e a olhou fixamente. -Dói-te ainda? -Não, por que? -Ainda tem machucados. Devem ter sido açoites muito violentos para que continuem as marcas uma semana depois. Claro que teria que havê-lo esperado, depois de ter roubado a sua ama. -Já te disse que não sou uma ladra. Fizeram-me isto porque tratei de escapar... Brigitte se deteve o advertir que ele não estava escutando, de repente, a boca do Rowland se apoderou de seus lábios e se sentiu completamente indefesa frente à força daquele homem. Só atinou a sujeitar-se da abundante juba loira para lhe apartar a cabeça. -Você nunca me terá! O se incorporou e lhe separou ambas as mãos com facilidade. -me pensa fazer isso difícil? -perguntou com um sorriso. Sem aguardar a resposta, soltou uma breve risada e se tirou a pesada cota e a túnica. A moça lançou uma exclamação e tentou levantarse, mas ele voltou a empurrá-la sobre a manta para sujeitá-la com uma mão, enquanto com a outra se despojava de suas calças. Brigitte fechou os olhos, forçando-se a não gritar, ao tempo que Rowland lhe capturava ambas as mãos junto aos ombros. Tudo tinha sido tão fácil para ele, tão condenadamente fácil! A jovem voltou a abrir os olhos, que cintilaram com fúria. -Odeio-te! O moço a contemplou durante um comprido instante e, ao olhar esses escuros olhos azuis, Brigitte se surpreendeu, já que descobriu subitamente que, em realidade, sentia-se atraída pelo Rowland. Não podia afirmar que lhe amava. depois de tudo, ele era rude e brusco e, freqüentemente, cruel com seus comentários. Mas também era forte, decidido e justo. Sim, embora lhe custava admiti-lo, esse jovem lhe agradava. Além disso pensou Brigitte, ele a olhava com ternura e, sim, até com amor. Mesmo que fingia estar tomando só o que lhe pertencia, havia muito mais nesse ataque, muito mais. Rowland pensava quão encantada era a moça e quanto a desejava. Era uma jovem especial, sedutora e tinha conseguido lhe cativar. Jamais se atreveria a admiti-lo frente a Brigitte, mas já começava a sentir um profundo afeto pela moça. depois de beijar o encantador rosto, os lábios do Rowland descenderam pelo delicado pescoço até chegar aos pequenos seios. Eram peitos frágeis como porcelana, mas suaves e arredondados como frutas amadurecidas, de repente impaciente por absorver a doçura da moça, o jovem lhe separou as coxas e a penetrou. Rowland afogou uma exclamação. A obstrução virginal ainda estava ali! sentiu-se confundido, mas não disse nada. Com doçura, moveu-se no interior da jovem, sentindo-a relaxar-se mais e mais depois do primeiro impacto. A trato com supremo cuidado, até que se estremeceu e caiu tendido sobre o delicado corpo feminino. Um instante depois, apartou-se, para recostar-se junto à moça e observá-la com um sorriso nos lábios. -por que te sorri com tanta presunção? -perguntou ela com fúria-. Disse que não me machucaria, mas o fez! -É natural, já que ainda era virgem.
-Mas... -começou a balbuciar Brigitte e Rowland riu ante a perturbação da moça. -Não pode me culpar por esse mal-entendido. Desde não te haver desacordado, teria-te dado conta. -Mas disse que me havia possuído. -Desvaneci-me. Um homem ébrio está acostumado a fazer coisas que não sempre recorda -. Encolheu-se de ombros. Só supus que te havia possuído. Mas não foi assim. Brigitte permaneceu imóvel, em silêncio, aturdida por um sem-fim de pensamentos perturbadores. Rowland lhe acariciou a curva do queixo com infinita doçura. -O que importa já isso, meu joyita? Tenha ocorrido então ou agora, ainda segue sendo minha. -Mas, de ter sabido a verdade, Druoda jamais me tivesse entregue a ti. -Mas te teria entregue a outro, então, onde está a diferença? Sem esperar a resposta, Rowland se apoderou dos lábios da jovem em um tenro, prolongado beijo. Quando por fim voltou a apartar-se, o moço perguntou: -Tenho-te feito muito dano? -Não. A resposta do Brigitte refletiu um tom de amargura, e ele sacudiu a cabeça. -Tratei de me reprimir. Desejei-te muito antes que isto, mas não quis te tocar. -Então, por que o tem feito agora? -A voz da jovem soou tão curiosa como reprovador. Rowland arqueou uma sobrancelha. -E me pergunta isso, depois de te haver apresentado com as roupas úmidas e aderidas a cada curva de seu corpo? Não sou de pedra, rapariga. Brigitte deixou escapa um suspiro. Tinha sido uma tola ao confiar nesse homem. -Disse que eu não te atraía -recordou-lhe.- Acaso todas suas afirmações são mentiras? -Não te via muito formosa então. Teria que ser cego para não me sentir atraído para ti. E me agrada saber que nenhum outro homem te teve. Rowland esboçou um sorriso agradado e sua arrogância irritou à moça. -Oxalá tivesse havida centenas de homens antes que você! O homem só riu ante esse repentino arrebatamento de ira e lhe empurrou com fúria. -te aparte, enorme caipira! Rowland lhe permitiu levantar-se e, sem cessar de rir, observou-a tomar a túnica e caminhar airadamente para o rio. -aonde vai? -gritou-lhe, mas ela não se deteve. -vou banhar me outra vez, agora que você me sujaste! -respondeu Brigitte por cima do ombro e as gargalhadas do moço a seguiram durante todo o caminho para a água.
15 Brigitte se encontrava imóvel junto ao fogo, com as mãos e pés atados com cintas de sua bolsa, sem conseguir conciliar o sonho. Rowland do Montville não só a havia possuído, mas também logo se viu tão agradado, tão seguro de si mesmo, que a moça tinha começado a detestá-lo. Por essa razão, uma vez que ele se dormiu, Brigitte começou a acariciar a idéia de escapar. "Sim", tinha pensado a jovem, "isso demonstraria a esse caipira que pouco significava para ela Rowland do Montville". Ainda não se tinha elevado a lua, quando Brigitte se separou do normando, tomou sua bolsa e depois de despertar ao Wolff, afastou-se sigilosamente do acampamento. Depois de apartar-se uns quantos metros do fogo, deteve-se para colocá-las sandálias e, então, pôs-se a correr a toda pressa.
Em sua fuga, só ouviu os sons de suas próprias pegadas, sem advertir que Rowland tinha saído em sua busca. Quando ele a agarrou bruscamente do braço, Brigitte lançou um alarido de terror. Em seguida, ele começou a arrastar a de retorno ao acampamento. Uma vez junto ao fogo, Rowland se deteve para olhá-la, com o corpo tenso pela fúria e uma expressão malévola em seus olhos. -Esta vez pode te considerar afortunada, porque não te adverti que não ousasse escapar. Mas te acautelo agora. Se voltar a tentá-lo, sentirá nas costas o castigo do látego: um açoite por cada hora que me leve te encontrar. Brigitte se estremeceu, sentindo de antemão a dor nas costas. -Então, a próxima vez, deverei me assegurar de que nunca poderá me encontrar -sussurrou com voz tão suave, que ele não alcançou para ouvi-la. Rowland franziu o sobrecenho. -Exijo-te que repita o que acaba de dizer, mulher. A jovem elevou o queixo com atitude desafiante e a mentira brotou espontaneamente de seus lábios. -Perguntava-me o que ocorreria se não conseguia me encontrar. -Sempre te encontrarei. Prometi que jamais permitiria que escapasse de mim, e minha palavra é minha vida. Se for tão tola para voltar a tentá-lo, mulher, me deixe te dizer algo. Meus açoites não são como aqueles que só lhe deixaram machucados. Meu látego tira sangue. Minhas marcas lhe acompanharão para sempre e, desse modo, nunca esquecerá que deve me obedecer. Então, Rowland tinha tomado a cinta para atar as mãos e pés da jovem e logo brincar de um modo sinistro. -Assim poderei descansar em paz. Foi apenas um instante depois quando Brigitte ouviu o som de umas pegadas junto ao acampamento e logo, o repentino latido do Wolff. Os seguintes sucessos ocorreram de uma maneira confusa para a jovem. Rowland se incorporou imediatamente, empunhando sua espada. Mas havia dois homens e ele só podia enfrentar-se com um. O outro lhe atacou pelas costas, lhe golpeando a cabeça com uma tocha. Com horror, Brigitte observou ao Rowland desabar-se. A jovem lançou um alarido e Wolff se equilibrou sobre o homem que tinha atacado ao normando. Entretanto, Brigitte não teve tempo de observar a cena, já que o outro assaltante correu para ela e se ajoelhou a seu lado. -te apresse em matar à besta -gritou ele a seu companheiro.- E logo, terá sua recompensa. Brigitte observou o rosto sorridente do homem. Era um dos saxões da barcaça! Mas eles não tinham abandonado o rio quando ela e Rowland descenderam. Como tinham conseguido chegar até ali? -por que te atou o cavalheiro? -perguntou o saxão, ao tempo que cortava as ligaduras da jovem-. Acaso ele te roubou da casa de seu amo? Brigitte se sentia muito aterrada para falar mas o homem não aguardou a resposta. -Não importa. Por ti, vale a pena ter abandonado nosso curso e assassinar a um homem. Sim, você o vale. Com os selvagens grunhidos do Wolff, que atacava ao outro homem, a jovem logo que pôde ouvir as palavras de saxão, mas mesmo assim, alcançou a compreender o suficiente. Esses velhacos tinham seguido e atacado ao Rowland com o propósito de raptá-la. Brigitte estava destinada a sair do inferno de um normando, só para internar-se no inferno de um saxão. A moça voltou a gritar quando o homem lhe apoiou a adaga no pescoço da túnica com a intenção de despi-la. Mas, no instante seguinte, desapareceu, já que Wolff lhe atacou por atrás, para lhe jogar em vários metros de distância. O saxão não voltou a incorporar-se. Brigitte se voltou, incapaz de observar a seu adorada mascote converter-se ao primitivo estado de seus antepassados e rasgar a seu vitima. Recordou a jovem aquela luta entre o cão e o lobo no castelo do Wilhelm, e se
estremeceu ante o parecido que guardava seu mascote com a besta selvagem do bosque. Quando Wolff culminou, sua vítima se converteu em uma disforme figura ensangüentada, ao igual ao cão doméstico em casa do Wilhelm ao finalizar a luta. Ambos os saxões tinham sido horrivelmente assassinados. O pescoço e o estômago do outro homem tinham sido rasgados com crueldade. Quando a calma voltou a reinar no acampamento, Brigitte olhou a seu redor e não pôde reprimir uns violentos espasmos. Wolff lhe aproximou, mas, ao vê-lo talher com o sangue das vítimas, a jovem sentiu náuseas. Brigitte nunca antes tinha visto assassinar a um homem; mas ali se encontrava, sozinha, no meio do bosque, com três homens mortos. Três? Depois de desfazer-se dos últimos vestígios das cordas que lhe atavam, a jovem correu para o corpo do Rowland, que jazia imóvel junto ao fogo. Não se via ensangüentado, mas estava tetricamente rígido. Encontrava-se livre, advertiu Brigitte, "Livre!Já poderia empreender o caminho para o rei Lothair! Rowland estava morto!" E, então, a monstruosidade do fato a golpeou. Acaso experimentava ela um sentimento diferente do alívio? -Não posso permanecer aqui -disse-se em voz alta. ficou de pé e tocou a cabeça do Wolff para tranqüilizá-lo, mas retirou a mão manchada de sangue. Imediatamente, esfregou-a na terra, para logo assinalar em direção ao rio. -vá lavar te, Wolff. vá nadar. -O cão não se moveu, até que ela estampou um pé no chão com fúria-. Faz o que ti digo. Eu reunirei minhas coisas e nos partiremos logo que esteja limpo. Wolff, então, partiu, mas Brigitte não começou a recolher seus pertences. Permaneceu imóvel, observando o corpo inerte do Rowland. O vento sacudiu as taças das árvores, e ela sentiu frio, mas não se agachou para tomar seu manto. Só baixou o olhar para a manta onde tinha estado tendida com aquele homem. No mesmo lugar se encontrava, tremendo, quando Wolff retornou ao acampamento. O cão se achava empapado, mas limpo, e ela o chamou, esboçando um débil sorriso. Recolheu a manta para secá-lo, mas se deteve, já que o animal se sacudiu e a banho com a água. Foi então quando ouviu o gemido. Brigitte se paralisou. Um dos homens continuava com vida. Mas, qual?, ela não desejava averiguálo, já que não queria voltar a enfrentar-se com nenhum deles. -Vamos Wolff! Devemos partir daqui. Arrojou a manta sobre o cão e o esfregou brevemente. Logo, recolheu pressurosa seus pertences e correu para o cavalo do Rowland, mas se deteve o chegar ao potro. O tamanho do animal a intimidava, em especial, sem a imensa figura do cavalheiro colocado na arreios. Como conseguiria montar sem a ajuda do normando? Depois de vários intentos, conseguiu subir ao gigantesco corcel e, agitada pelo esforço, jogou um olhar em busca do Wolff. Mas o cão ainda seguia junto ao fogo, farejando o corpo do Rowland. Brigitte o chamou uma e outra vez, mas o animal se sentou junto ao normando, recusando-se a mover-se. A jovem deixou escapar um suspiro de desespero. Então era ele. Era Rowland quem continuava com vida. Ela deveria ter suposto que esse arrogante caipira era muito rústico para morrer tão facilmente. desembarcou do cavalo e caminhou lentamente para o fogo. Depois de jogar um olhar fulminante ao Wolff, inclinou-se para examinar ao Rowland. Tinha uma enorme protuberância em à nuca. A arma do saxão devia ter girado ao golpear, pensou a jovem, e só o lado plano da tocha tinha causado a marca. de repente, notou que Rowland respirava. Embora com uma forte dor de cabeça, sem dúvida, o normando despertaria. Brigitte lançou um olhar penetrante ao Wolff, que continuava tendido junto ao corpo do moço. -Não esperará que fique lhe ajudando, ou sim? Devo partir. A moça ficou de pé, mas o cão não se levantou.
-Vou -advertiu-lhe com tom categórico-. Se ficar aqui, este homem me tirará de pulseira. É isso o que quer? Deseja conversar sofrer em suas asquerosas mãos? Ainda assim, a besta permaneceu imóvel junto ao ferido. Brigitte perdeu a paciência e exclamou. -Digo-te que este rufião não necessita nossa ajuda! Vamos já! A jovem começou a afastar do acampamento, mas olhou por cima do ombro para ver se Wolff a seguia. O cão se aproximou até mais ao normando, para apoiar a cabeça junto ao corpo tendido do Rowland. -Maldito seja, fica com ele então! -exclamou Brigitte.- Mas está muito equivocado se crie que este homem te tratará melhor que eu. Só receberá chutes em troca de seus esforços por lhe agradar, posto que ele é assim. Afastou-se indignada, resolvida a não olhar atrás. Mas, antes de que conseguisse alcançar o potro, Wolff deixou escapar o uivo mais desventurado que ela jamais tinha ouvido. O som retumbou no bosque, e Brigitte se voltou para encontrar ao cão tocando ligeiramente o flanco do normando, como se queria lhe dar a volta. -lhe deixe, Wolff! -ordenou-lhe ela, temerosa de que Rowland despertasse antes que pudessem partir. A jovem correu para apartar ao cão, mas se deteve o ver o fio de sangue que gotejava das costas do homem. Rowland se encontrava mal ferido. Mas, como tinha acontecido? Com grande esforço, Brigitte conseguiu lhe dar a volta. Então, viu a espada que o normando tinha deixado cair antes ao desabar-se. O extremo da arma tinha aterrissado sobre uma enorme pedra, na posição justa para internar-se no flanco do homem ao ser este derrubado. -Mereceria morrer com sua própria arma -comentou com frieza. Não alcançava a ver a gravidade da ferida, mas havia uma grande quantidade de sangue no chão e na túnica do Rowland. voltou-se para o Wolff, que a olhava com atitude espectador e lhe disse obstinadamente: -Não estou obrigada a lhe ajudar depois de tudo o que me tem feito. Se lhe curar a ferida, poderia despertar e perderia minha oportunidade de escapar. Além disso, não estou segura de que vá morrer se não lhe ajudo. Brigitte se deteve para olhar uma vez mais ao cavalheiro ferido. Logo, deixou cair os ombros e prosseguiu: -me escute. Estou falando com tanta frieza e malícia como ele. Não posso deixar morrer a um homem, nem sequer a este. -Alegra-me ouvir isso. A jovem afogou uma exclamação quando os escuros olhos do Rowland de abriram para olhá-la. -Quanto tempo estiveste consciente? -perguntou violentamente. -Desde que me voltou com tanta brutalidade - grunhiu ele-. Sinto uma terrível dor de cabeça. -te olhe o flanco, normando, está sangrando como um porco esfaqueado -declarou a jovem com aspereza. Rowland se incorporou lentamente, mas se deixou cair sobre um cotovelo, para levar a outra emano à cabeça. -Ai, Deus, sinto que me parte o crânio. - Em seguida jogou um olhar severo à moça.- Você me fez isto? -Se te doer, então desejaria havê-lo feito -respondeu ela.- Mas não foi assim. Um homem te golpeou por detrás sem que o advertisse. -Resultaria-me mais fácil acreditar que você o fez - comentou o moço com cepticismo. -Então, olhe a seu redor. Ali há dois corpos preparados para ser enterrados. Rowland olhou, sobressaltado, e logo seus olhos se posaram sobre o Wolff, que continuava tendido a seu lado. -Pelo visto, subestimei-te, cão.
-Recorda-o-a próxima vez que tente me atacar -advertiu-lhe Brigitte-. Se eu tivesse sabido quão temível é Wolff, você houvesse seu sentido afiadas presas muito antes, tal como lhes ocorreu com esses dois saxões. -Saxões? -São os dois que viajaram conosco pelo rio. O moço franziu o sobrecenho. -Devem ser ladrões. O que outra razão teriam para seguimos? -OH, sim, eram ladrões -assentiu Brigitte com amargura-. Mas era para mim a quem tentavam roubar. -Maldita seja! -grunho Rowland-. Sabia que me causaria problemas com esse atrativo rosto que tem. Suponho que paquerou com esses saxões na barcaça, não é assim? -Como te atreve! -exclamou a moça com tom severo-. Não posso alterar meu aspecto, mas jamais tato a um homem intencionadamente. Não me interessa despertar o desejo de nenhum rufião. O que me fez foi tão repugnante como sempre o tinha imaginado. -Suficiente! -Não, não é suficiente! -bramou a jovem, sentindo desejos de ferir até mais ao Rowland.Considera-te meu senhor, mas não me defendeu desses bandidos, quando se supõe que um amo deve proteger a seu serva. Afirmaria que perdeste seus direitos sobre mim, posto que não cumpriste com suas obrigações. -Machucaram-lhe? -perguntou ele. -Bom...não, mas não foi graças a ti. -Então, se não houve dano, não escutarei mais a respeito de direitos e obrigações. Além disso, eu fiz um esforço por te proteger. Tenho feridas para demonstrá-lo. Brigitte sentiu um pingo de remorso por lhe haver provocado, e decidiu permanecer em silêncio. -Conforme acredito, prometeu curar minha ferida, não foi assim? -Recordou-lhe Rowland. -Curarei-a, sempre que compreender isto: não me sinto obrigada a fazê-lo só porque você te considere meu senhor. -Então, faz-o como cristã- suplicou-lhe ele com tom fatigado, fechando os olhos fracamente.- Acaba já com isto. A jovem se voltou e caminhou para o cavalo, a fim de revisar as alforjas em busca de algo que pudesse servir como vendagem. Mas Rowland a deteve antes de que alcançasse às abrir. -Não encontrará nenhum tecido aí. Ela se voltou para lhe olhar. -Uma camisa velha servirá -As tiras de uma camisa não serão suficientemente largas. Terá que procurar entre suas roupas. Minhas roupas! -exclamou Brigitte, enquanto retornava graciosa para deter-se junto a ele.- Não tenho tantos vestidos para arruinar um por sua culpa. Usarei uma das mantas. -Necessitamos essas mantas, já que à medida que avancemos para o norte, o clima será cada vez mais frio -anunciou Rowland de modo categórico. A jovem tomou sua bolsa com impaciência e extraiu seu vestido mais gasto. Ao se voltar para o Rowland encontrou que ele já se desprendeu o cinturão e estava tratando de tirá-la túnica. A moça vacilou um instante, observando seus enormes esforços, até que por fim lhe separou as mãos e lhe ajudou a despojar-se do objeto. O jovem se encontrava pálido e débil, mas, ainda assim, não cessou de contemplá-la com atenção, enquanto limpava cuidadosamente a ferida e a enfaixava com as largas partes de seu vestido de linho. Uma vez finalizada a tarefa, Brigitte lhe ajudou a vestir-se com uma túnica limpa e detrás lhe cobrir com a manta, procedeu a acender uma nova fogueira. -Poderia lavar o sangue de meu vestido, rapariga? -perguntou Rowland. A moça assentiu imediatamente, já que ele tinha efetuado a petição sem ordenar. Recolheu a túnica do chão e se dirigiu para o rio. Ao retornar ao acampamento, pendurou o objeto do ramo de uma árvore e se aproximou dele para ver se se encontrava dormido. -Dói-te o inchaço da cabeça? -perguntou-lhe com voz suave.
-Sim -respondeu ele com uma careta-. Com o que me golpearam? -Com uma tocha -respondeu a jovem-. Teve sorte. O fio da folha se encontrava voltado para te pegar. -Grr!- grunhiu Rowland.- Sinto como se a tivesse inserida na cabeça. "Oxalá tivesse sido assim", pensou Brigitte, e se ruborizou ante sua própria crueldade.
16
O aroma a carne assada despertou ao Brigitte. Uma breve olhada ao acampamento lhe mostrou que os corpos dos saxões tinham sido retirados. Rowland se encontrava agachado frente ao fogo, com o Wolff tendido a seu lado. A jovem olhou a ambos com expressão severo. -meu deus, estiveste muito atarefado, considerando a gravidade de sua ferida -comentou com tom mordaz. -bom dia, rapariga. Ela ignorou a saudação. -me diga, por favor, te abriu a ferida? Rowland soltou uma breve risada. -Não, Huno fez o trabalho -respondeu, inclinando a cabeça em direção ao cavalo. -E a carne? -Seu cão se encarregou disso. Brigitte lançou um olhar reprovador a seu mascote. -Traidor! Acaso tem que gastar suas energias em lhe agradar a ele? -Sempre acostuma a falar com os animais? -perguntou Rowland, lhe jogando um olhar de soslaio. -Só com esse -respondeu a jovem com tom áspero.- Embora não parece estar comportando-se bem ultimamente. -Suponho que não esperará que te responda. -Claro que não -replicou ela, irritada.- Não sou tola, Rowland. O franziu o sobrecenho. -Acredito não te haver dada permissão para que me chamasse dessa forma. -Não pedi sua permissão. Os escuros olhos azuis do Rowland se entrecerraron. -Referirá-te para mim corretamente como "senhor". -Não o farei. Você não é meu senhor -negou Brigitte com firmeza-. Meu pai foi meu senhor e, logo meu irmão. Mas agora meu senhor é o conde do Berry. Lhe chamarei senhor, mas você é só Rowland do Montville. Referirei a ti como Rowland ou canalha normando, não importa qual. Rowland se incorporou para aproximar-se da moça com um brilho de ira nos olhos. -Advirto-te, mulher,... -Mulher! -exclamou ela-. Meu nome é Brigitte... Ouve-me? Brigitte! Se voltar a me chamar mulher, gritarei! A expressão sombria do Rowland se transformou em um olhar surpreendido ante o repentino arrebatamento de ira da jovem. -Acaso o demônio se apoderou de ti esta manhã? O que te aconteceu moça? -Você está diabólico! -gritou ela, ao bordo do pranto-. Não tem direito a te levantar e andar por aí, quando esteve a ponto de morrer faz apenas umas horas. Você tem ao demônio no corpo. Deveria estar débil, mas ele te dá forças!
-De maneira que isso é -Rowland soltou uma potente gargalhada. -Ainda planejava escapar e me acreditava muito fraco para te deter. Bom, lamento te decepcionar, mas desde pequeno me ensinaram a tolerar com coragem as dores.
Essa manhã, chegaram ao Aners, depois de umas quantas horas de lenta marcha, já que, esta vez, Rowland não insisto a Huno a cavalgar a toda velocidade. Em lugar de apresentar seus respeitos ao conde do Anjou, o moço se deteve no monastério para adquirir provisões e consertar os acertos necessários para os corpos dos dois saxões mortos. Logo, abandonaram imediatamente a cidade. Brigitte se sentiu algo molesta e confundida. -por que não ficamos para passar, ao menos, uma noite? Sem dúvida, faria-te bem o descanso. Um dia mais de atraso não importaria. -Não acredito necessário -respondeu Rowland com brutalidade. Ambos tinham permanecido em silencio durante o trajeto para o Angers, mas agora Brigitte se encontrava lista para iniciar a batalha uma vez mais. - Por que razão evita as cidades? Cada vez que chegamos a uma, apressa-te a abandoná-la logo que te é possível. Ele não se voltou para olhá-la. -Não é conveniente permanecer em um lugar desconhecido. -Claro que não. É muito melhor dormir à intempérie, sobre a terra geada - demarcou a jovem com sarcasmo. -Atua como uma esposa rabugenta - afirmou Rowland com tom severo-Deixa já de protestar, moça. Brigitte se sentiu ferida, mas também acovardada. Cavalgaram junto a uma larga sucessão de vinhedos sobre as colinas baixas dos subúrbios do Angers, para logo penetrar em uma zona pantanosa. E, à medida que se afastavam da cidade, a irritação da jovem aumentava. Já não poderia gozar de uma cama morna essa noite, nem teria companhia. Desse modo, jamais conseguiria conseguir ajuda. -Não posso acreditar que Angers não te resulte familiar. Com segurança, tem que conhecer alguém ali. Ainda estamos a tempo de retornar. -Não tenho intenções de retornar, moça. E não, não conheço ninguém ali. -Mas sua casa não se encontra muito longe daqui, não é verdade? -inquiriu Brigitte. -Ficam uns poucos dias mais de viagem. Mas isso não significa que deva conhecer gente no Angers. Jamais passei muito tempo ali. Meu pai nunca me permitiu me afastar de casa. E quando me parti, dirigi-me para o este. A jovem soltou uma breve risada ante o comentário -Alguma vez te permitiu te afastar? Que filho de nobre deve permanecer perto de casa? O filho de um lorde está acostumado a ser enviado a outra Corte para seu treinamento. Se não foi assim contigo, então deve proceder de um lar camponês. Rowland ficou tenso. -Meu pai preferiu me treinar em pessoa -disse com tom gelado-. E, uma vez que chegamos ao Montville, sem dúvida, se inteirará de que sou bastardo. Minha mãe foi uma serva e eu sou filho bastardo de meu pai. -OH. -Brigitte não pôde pensar em nenhum comentário inteligente. -Não me preocupa admiti-lo. -Eu faria o mesmo, se fosse esse meu caso -afirmou a moça-. Mas eu não sou bastarda. O moço deteve o corcel e logo, voltou-se para olhar a jovem.
-Sua língua necessita um descanso, rapariga- disse-lhe com frieza-. Uma breve caminhada poderia te ajudar. Imediatamente, desceu-a para a terra lamacenta, ignorando seus gritos de cólera. Logo, insistiu ao cavalo a prosseguir a marcha e Brigitte não teve mais alternativa que segui-lo em companhia do Wolff. 17 Rowland se deteve sobre o topo de uma colina, a cujos pés se estendia Montville, seu lar. Brigitte se inclinou por volta de um flanco para obter uma melhor visão do lugar onde residiria durante um tempo. Um grosso manto de neve cobria toda a paisagem: da fortaleza, situada sobre uma pequena colina, até a aldeia contígua e, mais atrás, as pradarias, os hortas, os cultivos e o bosque. A neve não cessava de cair, recordando a jovem os perturbadores instantes da noite anterior quando, ao descender os primeiros flocos, Rowland lhe tinha aproximado em busca de seu tibieza. Brigitte tivesse preferido congelar-se, mas ele tinha insistido em estreitar com força sua delicada figura feminina, ignorando seus reiteradas protestos. Mas, esta vez, ele não tinha tentado violá-la. Talvez, devido à ferida, ou aos roucos grunhidos do Wolff... a moça não estava segura. Só lhe tinha deixado cair uma chuva de tenros beijos no pescoço, até que lhe tinha afastado. depois disso, Rowland não havia tornado a incomodá-la, contentando-se lhe depositando uma pesada mão sobre o quadril como sinal de posse. Brigitte tratou de apagar a lembrança da noite anterior enquanto contemplava o lar do normando. Pensou, em troca, o que diria ao enfrentar-se ao lorde do Montville. Acreditaria-lhe quando lhe contasse quem era e o que lhe tinha acontecido? Rowland começou a descender pela colina, e ela sentiu os primeiros indícios de temor. O que ocorreria se ninguém acreditava em sua palavra? O que aconteceria se jamais conseguia abandonar esse lugar e se via forçada a passar o resto de sua vida trabalhando como servo? Atravessaram a entrada, e um guarda agitou uma mão para saudar o Rowland. Ninguém saiu a recebê-los. O pátio se via desértico e batido pelo vento. Nem sequer um encarregado do estábulo saiu ao encontro dos recém chegados para atender ao cavalo. -Acontece algo estranho aqui? -perguntou Brigitte com inquietação, ao tempo que Rowland desmontava frente às cavalariças e ajudava a jovem a descender. -Tudo parece em ordem. -Mas, por que ninguém veio a te receber? Os guardas devem ter informado a seu pai de sua chegada continuou a moça, enquanto começavam a caminhar para a mansão. -Sim, com segurança, ele já sabe que estou aqui. -E, ainda assim, não vem a te saudar? -inquiriu ela, sobressaltada. O moço esboçou um sorriso indulgente. -Só um tolo abandonaria um fogo quente em um dia como este. -Mas nem sequer um servente veio a te atender -insistiu Brigitte. Rowland se encolheu de ombros. -Já descobrirá que Montville não é um lugar muito hospitalar, Brigitte. Jamais esperei outro recebimento. -Disse que seu pai tinha muitos servos. -Assim é, mas todos dançam ao compasso da Hedda e, sem dúvida, ela se encarregou de atarefálos com um sem-fim de trabalhos quando se inteirou de minha chegada. A dama realiza enormes esforços para evitar que me sinta bem acolhido aqui. Não acredito que tenha trocado só porque me encontrei ausente durante estes últimos seis anos. Minha madrasta é uma mulher perversa. Aconselho-te que te mantenha fora de seu caminho, porque sei que não lhe agradará. -por que? Nem sequer me conhece.
-Não precisa te conhecer. -Rowland soltou uma risada afogada. -Hedda te desprezará só porque é minha serva. Essa mulher sente prazer me arruinando a vida. Sempre consegue assegurar-se de que não haja um servo perto quando eu o necessito. Mas agora te tenho, e ela não poderá te dar ordens. Isso não lhe agradará. -Hedda te odeia então? -Eu lhe recordo seu fracasso de não brindar a meu pai um filho varão. Minha mãe não era do Montville. Quando ela morreu, Luthor me trouxe aqui e me colocou por cima das duas filhas que Hedda lhe tinha dado. Tudo o que vê aqui será meu algum dia; um filho bastardo será dono da herança e não as filhas legítimas do Luthor. -Então, suponho que suas irmãs também lhe odeiam -comentou a jovem com um suspiro-. Que linda família tem, Rowland. E me traz aqui a viver entre esta gente tão desagradável. -Não tema, joyita- tranqüilizou-a ele com tom alegre-. Eu te protegerei contra a ira de todos. A mansão era imensa e a sala principal, cavernosa, construída em madeira e pedra. Os mantimentos se coziam no mesmo quarto onde se levantavam dois gigantescos fogões. Em um deles, borbulhavam os caldeirões e se assava uma gigantesca parte de carne. Vários serventes se moviam pressurosos, servindo o jantar a um numeroso grupo de comensais. No centro da sala, havia três mesas fraileras. Uma destas se encontrava elevada sobre um soalho, situada em paralelo com as outras dois, um pouco mais largas, repletas agora de soldados, homens de armas, pajens, cavalheiros, seus escudeiros e numerosas mulheres. O fogão mais pequeno se achava rodeado de bancos. Para a esquerda, no segundo piso, havia uma arcada que permitia ao espectador observar de ali tudo o que acontecia no salão. No centro da mesa principal, sobressaía-me a figura de um ancião de enorme tamanho, com cabelo da cor do trigo e talhado ao estilo normando. Não levava barba, e seu rosto estava marcado com profundas rugas. Sua expressão refletia um caráter forte. Embora não guardava um grande parecido com o Rowland, Brigitte soube que se tratava do Luthor, o lorde do Montville. A cada lado do homem havia duas mulheres; uma, apenas maior que Rowland; a outra, muito mais anciã. Eram, sem dúvida, mãe e filha, já que seus rasgos se viam idênticos: queixo bicudo, olhos pequenos, nariz proeminente e encurvado. Com o bulício da multidão, ninguém advertiu a presença dos recém chegados, e a jovem teve oportunidade de estudar tudo que ocorria na sala. Mas sua observação não durou muito. Ao perceber o aroma de quão galgos corriam pela habitação, Wolff deixou escapar um uivo desafiante, para logo atacar ao cão mais próximo antes de que Brigitte alcançasse a detê-lo. Os outros galgos se somaram à briga, causando um terrível alvoroço. O rosto do Brigitte adquiriu um brilhante tom carmesim. Seu mascote estava provocando um escândalo tão atroz, que o resto da sala guardou repentinamente silêncio. Nervosa, a moça tentou apartar ao Wolff, mas Rowland a deteve. -Deixa-o, Brigitte -disse-lhe entre risadas, incrivelmente divertido-. Este é um território novo para ele. É ardiloso ao impor-se do começo. -Mas me está envergonhando. -por que? -O moço arqueou uma sobrancelha. -Não esqueça que agora me pertence. E só está tentando demonstrar aos cães de meu pai que já têm um novo líder. Isso é algo que no Montville entendemos muito bem. -O que? Lutar para ganhar a autoridade? -Assim é. -Mas seu pai é o amo aqui, ou não? -claro que sim -assentiu Rowland-. Mas eu estou obrigado a lhe desafiar, quão mesmo ele a mim. -Isso é inaudito!
-Não aqui, rapariga. Luthor não o aceitaria de outra forma. O homem governa pela força, como o fizeram seus antecessores. Acredita que se não poder vencer a seus homens, então não está preparado para dirigi-los. E todos devem saber que ele ainda pode derrotar a seu herdeiro. -Isso é bárbaro! -exclamou Brigitte, e em seguida se recuperou o suficiente para adicionar: Você é bárbaro também. Rowland sorriu agradado, observando os claros olhos azuis da jovem. -E só agora o descobre? Nesse instante, uma jovem roliça de cachos castanhos lhes aproximou correndo. Surpreendida, Brigitte observou à moça jogar-se nos braços do Rowland e beijá-lo profusamente. -O que acontece? -protestou a jovem quando ele a separou de seu lado-. por que não pode me saudar corretamente, mon cher? O moço franziu o sobrecenho. -Amélia, o que houve alguma vez entre nós foi privado, entretanto, você insiste em fazê-lo público. Acaso não tem vergonha, mulher? Como te atreve a te jogar em meus braços ante os olhos de todos? Amelia afogou uma exclamação e seus olhos negros se dilataram pela ira. -aguardei sua volta durante todos estes anos. Luthor sabe e não se opõe. -O que sabe meu pai? -inquiriu Rowland-. Contou-lhe o de nossas relações? Acaso ousou desonrar a seu pai apregoando suas debilidades lascivas? -por que me ataca dessa forma? -perguntou Amélia-. Não contei a ninguém o nosso. Luthor só viu como sofri quando você te partiu. Encontrou-o muito divertido. -E o que supõe que pensará agora, depois de presenciar sua audácia? E seu pai que nos está observando? Maldita seja, Amélia! -grunhiu o moço-. Não te pedi que me aguardasse. por que o fez? Jamais te prometi matrimônio. -Eu acreditava... -Creste mau! -interrompeu-a ele-. E foi muito tola em me esperar, quando seu pai poderia te haver encontrado casal. Nunca tive intenção de retornar ao Montville, e você sabia. -OH, não, Rowland -apressou-se a dizer a jovem. Sempre soube que voltaria, e assim foi. -Suficiente, Amélia. Meu pai me espera. -Tolices! -A moça olhou alternativamente ao Rowland e ao Brigitte, quem se tinha afastado, incômoda ante semelhante conversação. -Ah! De maneira que isso é! -exclamou-. Já conseguiste uma esposa. Bastardo! -bramou com os olhos cheios de fúria-. Cão infiel! Rowland ficou tenso e lhe lançou um olhar fulminante. -Tome cuidado, mulher, ou sentirá o castigo de minha mão, e logo terei que matar a seu pai quando desafiar por isso. Se não poder pensar em ti, então faz-o por ele. Umas lágrimas brotaram nos olhos escuros da Amelia. -Como pôde te casar com outra? O exalou um suspiro de exasperação. -Não me casei! E jamais o farei, porque todas vocês são iguais, com suas malditas queixa e lamentos. São capazes de esgotar a paciência de qualquer homem. Nunca me desposarei com uma mulher de quem não posso me desfazer uma vez acabada a fascinação e que, além disso, pode converter-se em arpía. Rowland se afastou, deixando ao Brigitte sem saber o que fazer, já que ele tinha esquecido por completo sua presença. Amélia lhe lançou um olhar hostil, e ela se apressou a seguir ao normando. Ao caminhar, manteve a cabeça erguida, ignorando a multidão de olhos curiosos. Sentiu-se completamente sozinha, mas se animou quando Wolff lhe aproximou, depois de derrotar ao último galgo do Montville. Ao menos, seu mascote tinha brindado um espetáculo digno de admiração.
Luthor do Montville ficou de pé para receber ao Rowland, mas foi essa sua única manifestação ante a volta de seu herdeiro. Brigitte se sentiu aturdida frente a tão estranho encontro entre pai e filho. Nenhum dos dois sorriu, nem pronunciou uma palavra de afeto. Ambos permaneceram enfrentados, com expressão impávida, ao parecer, mais adversários que amigos. observaram-se um a outro por um instante, estudando as mudanças que tinham tido lugar nesses seis anos. Finalmente, Luthor se decidiu a falar. -Chega tarde. -Atrasaram-me. -Isso me informou GUI -assentiu Luthor com um marcado tom de desagrado-. Deteve-te atender o leito de morte de um francês. Isso te pareceu mais importante que o futuro do Montville? -O homem me salvou a vida. Só me levou uns poucos dias averiguar se continuaria vivo. -E foi assim? -Sim. -Já saldaste sua dívida? Rowland assentiu com uma leve inclinação de cabeça, e isso pareceu tranqüilizar a seu pai. -Bem. Não quero que nenhum ato de lealdade lhe além do Montville um vez que tenha começado o conflito. Viajou sozinho com esta carga? -perguntou Luthor, assinalando ao Brigitte, mas sem dignar-se a olhá-la-. Onde está seu escudeiro? -Perdi-lhe no sul -respondeu Rowland e logo, sorriu-. Mas esta carga é muito competente. Luthor soltou uma estrondosa gargalhada, ao igual ao resto dos homens. Amélia, quem já se somou ao grupo, apressou-se a formular um comentário agudo. -Não sabia que na França se acostuma a levar a uma prostituta como escudeiro. Rowland se voltou para ela com uma pronta réplica, mas seu olhar caiu sobre o Brigitte e pôde notar as lágrimas que brilhavam nos claros olhos azuis da moça. -Sinto muito, rapariga -disse-lhe com doçura.- Há muitas damas aqui que deveriam pertencer ao sob mundo. O comentário suscitou mais de uma exclamação, inclusive a do Brigitte. Surpreendeu-lhe que Rowland saísse em sua defesa quando, fazia apenas um instante, ele mesmo a tinha ultrajado. Antes de que ela pudesse reagir, Amélia falou com rudeza. -Como te atreve a me insultar dessa forma, Rowland? O lhe lançou um olhar geada. -Se não poder tolerar os insultos, Amélia, evita formulá-los. Amélia se voltou imediatamente para o Luthor. -Milord, seu filho não tem direito a me tratar desse modo. E não só me ofendeu. O disse "muitas damas". -Já! Isso fez?. -Luthor deixou escapar uma breve risada, sem sair em defesa da Amélia, nem de suas próprias damas, que mastigavam sua crescente fúria em silêncio. O lorde se voltou para o Brigitte e perguntou: -Tem nome mulher? -A mulher tem nome -respondeu a jovem com audácia-. Sou Brigitte do Louroux, milord. Rowland franziu o sobrecenho. -Agora é Brigitte do Montville, minha serva. -Isso é discutível- declarou Brigitte com voz cortante. Logo, voltou-se e caminhou com passo gracioso para o fogo, levando consigo ao Wolff. -Ja! -riu Luthor-. Entendo por que te demoraste. -Ainda tem que adaptar-se a seu novo amo. Até agora, não tem feito mais que causar problemas. -Como conseguiu uma jovem tão bela e um animal tão esplêndido? -A moça foi dada pela força -respondeu Rowland brevemente - e o cão a seguiu. Luthor estudou a jovem um instante.
-Essa mulher se comporta como uma dama. Juraria que é de berço aristocrático. Possui certo ar de arrogância. O moço lançou um olhar penetrante a seu pai. -Não permita que ela te ouça dizê-lo, pai, porque é isso justamente o que desejaria te fazer acreditar. -Quer dizer que a jovem afirma ser uma dama? -Sem dúvida, realizará enormes esforços para te convencer. Luthor franziu o sobrecenho. -Está seguro de que não o é? -Maldição! -exclamou Rowland-. Estou convencido! E já bastante me atormentou a moça, assim não me você chateie com isso, velho. -De maneira que velho, né? -grunhiu o lorde-. Te apresente no pátio ao amanhecer e veremos quem é velho. Rowland assentiu em silêncio. Não desejava repetir a antiga disputa. Depois de informar-se a respeito dos preparativos para a batalha contra Thurston do Mezidon, Rowland voltou o olhar para o Brigitte, quem se encontrava sentada frente ao fogo, de costas ao grupo. Sua magra mão acariciava distraidamente a imensa cabeça do Wolff. Rowland se perguntou que estaria pensando a jovem enquanto contemplava o dançar das chamas. O que ia fazer ele com essa pequena atrevida? por que insistiria ela em mentir a respeito de sua condição? Tinha-o tentado tudo, exceto jurar ante Deus. Embora Rowland sabia que Brigitte jamais se atreveria a fazê-lo, porque era uma jovem de fé. O tinha demonstrado ao ficar a lhe atender a ferida em lugar de escapar. Poderia lhe haver deixado morrer, mas não o fez. Talvez, não lhe odiava tanto como afirmava. O deteve uma criada e lhe sussurrou algo ao ouvido. Logo, observou-a aproximar-se do Brigitte, cuja imagem externa era incrivelmente serena, embora em seu interior fervia de ira contida. A jovem já não se acreditava capaz de suportar muito mais tempo ao Rowland e sua arrogância. Sumida em suas reflexões, Brigitte não ouviu aproximar-se da criada e se sobressaltou quando esta lhe deu uma palmada no ombro. -O que quer? -perguntou-lhe com rudeza. Os olhos da criada se dilataram confundidos. A jovem não sabia como comportar-se frente a essa formosa mulher francesa que, mesmo que seu senhor a considerava serva, parecia pertencer à nobreza. -Sir Rowland lhe ordena te sentar com ele à mesa e comer antes de retirar-se a descansar -informou-lhe com nervosismo. -isso quer, né? -Brigitte se voltou para o centro da sala para encontrar ao Rowland observando-a, e sua fúria se intensificou.- Bom, pode lhe dizer a esse mequetrefe arrogante que não estou disposta a me rebaixar me sentando à mesa com ele! Os olhos da criada pareceram sair-se das órbitas. -Nunca poderia lhe dizer isso! Brigitte ficou de pé. -Então, farei-o eu. -Por favor! Não o faça. Conheço-lhe e sei que se enfureceria, ama. Brigitte olhou à outra moça com expressão curiosa. -por que me chamou ama? A criada afundou a cabeça com acanhamento. -Me... pareceu-me adequado. Brigitte sorriu e, embora não o advertiu, seu sorriso deslumbrou a vários espectadores. -Tem-me feito muito bem. Qual é seu nome? -Meu nome é Goda. -Goda, sinto te haver tratado com rudeza. Jamais fui que os que descarregam sua fúria contra a servidão, e oxalá o céu não permita que me converta em alguém parecido ao Rowland.
-Reunirá-se com sir Rowland então? -Não. Mas pode me mostrar minha habitação. Só desejo um pouco de intimidade. -Sim, ama -assentiu Goda com calma. Os olhos do Rowland seguiram ao Brigitte, quem abandonou a sala com a criada. Recordou o sorriso que a jovem tinha brindado a Goda e, de repente, sentiu enormes desejos de voltar a ver essa expressão, mas dirigida só a ele. "te olhe, Rowland", pensou o jovem, divertido. Está começando a cortejar a uma serva!".
18 Brigitte foi conduzida até uma pequena cabana para serventes, situada ao outro lado do pátio. O quarto não era muito melhor que a choça que lhe tinham atribuído no Louroux, mas, ao menos, este contava com uma cama de armar limpo e numerosas mantas. depois de guardar seus pertences em um velho armário e limpar as telarañas da habitação, a jovem suplicou a Goda que a guiasse até o quarto de banho e lhe levasse um pouco de comida. A criada obedeceu sem protestar, pelo qual Brigitte se sentiu agradecida. Tinha chegado a sonhar com um banho quente e não lhe importou inundar-se na tina destinada à servidão. Já tinha quebrantado as regras ao pedir a Goda a comida, dado que a nenhum criado lhe estava permitido gozar dos privilégios do serviço. Algo mais tarde, Brigitte se encontrava sentada na cama de armar, secando o cabelo, junto ao braseiro aceso que amavelmente Goda lhe tinha proporcionado. de repente, Rowland abriu a porta sem chamar. Isso enfureceu a jovem, quem decidiu lhe ignore. -Conta a antecâmara com sua aprovação, rapariga? -perguntou ele depois de um prolongado silêncio. -O que te traz por aqui, Rowland? -inquiriu a moça com tom cansado. -Devi ver como te encontrava -respondeu ele. E ainda não me respondeste. -O que pode importar se o quarto conta ou não com minha aprovação? -perguntou Brigitte com amargura. -Sei que esta cabana é melhor que a que tinha no Louroux. -Você não sabe nada! -vaiou a jovem.- Só o supõe porque me viu entrar ali. -Imagino que agora me dirá que não era esse seu aposento no Louroux. -Não é minha intenção te dizer nada -replicou a moça com pesar-. Falar contigo é como conversar com um muro de pedra. Rowland ignorou o insulto. -Se esse não era seu aposento, Brigitte, então, por que entrou ali? -Porque sou obstinada. Ou acaso não o notaste? -OH, sim, claro que o notei -assentiu ele entre risadas. -Não é divertido, Rowland -arreganhou-lhe ela com tom severo-. Me creíste uma serva devido a circunstâncias que eu mesma provoquei com minha obstinação. -O que quer dizer? -Não acreditará nada do que te diga, e estou cansada de sua incredulidade. O atravessou a habitação para deter-se diante do Brigitte. Então, elevou-lhe o queixo com um dedo, forçando-a a suportar seu penetrante olhar. -Admite então que já é hora de que troque sua atitude? -perguntou-lhe com voz suave. -Você joga comigo, Rowland, E não me agrada! -exclamou a jovem com rudeza-. Jamais pensaria em te seduzir, embora fora esse meu único recurso. Rowland a tirou dos ombros e a atraiu para si. -me seduzir, joyita? Mas você já me seduziste. Tomou o rosto entre as mãos e lhe acariciou os lábios com um tenro beijo. Brigitte se surpreendeu ante a agradável sensação que experimentou nesse instante e transcorreram vários segundos antes de que lhe detivera, lhe golpeando o peito, até que ele por fim se apartou. -Se tivesse um pouco de decência, não submeteria a mais prazeres lascivos! -exclamou a jovem. -Ah, Brigitte, não cumpre com sua parte do jogo - disse Rowland com um suspiro de decepção. -Não é minha intenção participar de seu jogo! -replicou ela, indignada-. Pode me considerar sua serva, mas jamais poderá negar que era inocente até que você me tocou. E nunca serei sua prostituta!
-Só eu te tive, cheérie, e só eu te terei. Isso não te converte em uma prostituta. -Para mim, sim! Rowland deixou escapar um profundo suspiro. -O que terá que fazer para que seja mais complacente? -É uma brincadeira, não? -A jovem soltou uma risada irônica, e se separou do moço para caminhar para os pés da cama e logo, voltar-se com os braços em jarras e os olhos faiscantes de ira-. Primeiro, arrebata-me a inocência e logo diz que não importa. Humilha-me e me obriga a te servir. Supõe acaso que lhe devo agradecer isso -Maldita seja! -grunhiu Rowland-. Vim aqui para reparar os danos e só recebo reprimendas. -Nunca poderá reparar o dano que me tem feito ...nunca! -Então, perco meu tempo. -Rowland se voltou e caminhou irado para a porta. Ali, deteve-se para olhar ao Brigitte com expressão sombria. -Farei-te uma advertência, mulher. Eu posso te fazer a vida agradável ou intolerável... não me importa já. Depende de ti modificar ou não seu comportamento, porque eu me estou cansando de sua obstinação. Imediatamente, saiu e fechou a porta com violência. Brigitte se sentou na cama e um sentimento de autocompasión começou a embargá-la. Wolff lhe aproximou para lhe lamber o rosto. -O que vou fazer, Wolff? -perguntou-lhe com desgosto-. Este homem pretende que me renda alegremente e lhe sirva com um sorriso. Como poderia fazê-lo? -Seus olhos azuis se encheram de lágrimas.- Odeio-lhe! Devia deixar morrer! por que não o fiz? Devemos fugir deste lugar, Wolff, o antes possível!.
19
Ao reunir-se com seu pai no pátio a cedo da manhã seguinte, Rowland continuava mal-humorado. A apenas um dia de sua chegada a casa, já se via obrigado a demonstrar suas forças. Mas, não era essa a única razão que causava a expressão séria de seu rosto. Amélia também tinha colaborado. A noite anterior, para ouvir os suaves golpes em sua porta, o moço tinha acreditado que Brigitte tinha decidido desculpar-se e aceitar sua derrota. A só idéia provocou nele uma forte corrente de excitação e, quando abriu a porta, seu rosto deu marcadas amostras de pesar. -Sua desilusão é evidente, Rowland -comentou Amélia com um toque de amargura.- Esperava encontrar a essa prostituta de cabelos loiros. -Vete, Amélia -ordenou-lhe o moço, ofuscado-. Aqui não foi convidada. -Já me convidará quando te tiver cansado da resistência dessa jovem -afirmou ela com convicção. É só sua resistência o que te atrai, mas nada mais. - Deixou escapar uma falsa risada-. Sei que é algo brusco, com mão dura. Mas não me importa. Entretanto, a ela sim. Não é verdade? A expressão do Rowland se voltou ainda mais severo. -Será melhor que comece a procurar outro homem para que enfraqueça sua cama em uma noite de frio, Amélia. -devido a essa prostituta? -vaiou a moça. -Ela não importa. Amelia, compartilhamos várias noites de prazer, mas quando me parti daqui, todo o nosso terminou. Sinto que o tenha acreditado de outro modo. -Rowland não estava disposto a discutir o tema do Brigitte com essa jovem. Amélia se voltou para sair correndo da habitação. O moço fechou a porta com violência, furioso consigo mesmo por rechaçar o que tão generosamente lhe ofereciam. O certo era que ele desejava a outra, uma mulher a quem só poderia possuir pela força, e detestava ver-se obrigado a forçá-la.
Ao enfrentar a seu pai no frio amanhecer, o moço não cessava de refletir sobre seu encontro com a Amélia. Sua sombria expressão meditabunda não passou inadvertida. O que se preocupa, Rowland? -perguntou Luthor, ao tempo que alistava suas armas-. Acaso te abrandaste durante estes anos de ausência e teme não poder realizar uma boa demonstração? -Se alguém tiver medo aqui, esse é você, velho - respondeu Rowland com brutalidade. -Já veremos. -O lorde soltou uma breve risada e logo prosseguiu com tom amável-. soube que seus múltiplos aventura. Sim, devem te haver esgotado os reiterados esforços do rei Lothair por recuperar Lotharingia. O moço se encolheu de ombros. -Não havia emoção. Uma escaramuça ganha; outra, perdida. Toda batalha deve alcançar um desenlace algum dia, mas me pergunto se essa chegará a resolver alguma vez. -Então, dirigiu-te primeiro a Champanha e logo a Borgonha? -perguntou Luthor com indiferença. -Está muito bem informado -grunhiu Rowland. -Tenho muitos amigos que, de tanto em tanto, enviavam-me notícias a respeito de seu paradeiro. Meus ensinos lhe foram muito úteis na Provenza. Tivesse-me agradado participar dessa batalha. -Culminou em seguida. -Que rota tomou para atravessar o centro da França em sua volta a casa? Rowland se surpreendeu ante a curiosidade de seu pai, mas mesmo assim, respondeu. -Viajei pelo Loira até o Berry. Ali, entreguei a mensagem que me tinha sido crédulo e me entregaram à moça. -Então atravessou Blois e Maine em seu caminho direto para o Montville? -Não, viaje pelo Loira desde o Orleáns até a confluência com o Rio Maine. Logo, tomei um caminho direto para o norte. -Passou pelo Angers então? O moço advertiu a repentina nota de alarme na voz de seu pai, e franziu o sobrecenho. -Sim, mas isso o que pode importar? -Não, não tem importância -respondeu Luthor, e logo adicionou: comecemos. Rowland se encolheu de ombros ante o insistente interrogatório de seu pai, e se preparou para o desafio. Luthor estava acostumado a sobressair nessas demonstrações de força, mas só nos últimos anos anteriores a sua partida do Montville, tinha obtido o moço melhorar seu rendimento, o desejo de derrotar a seu pai sempre tinha obcecado, mas os meios para alcançar a vitória se demoraram em chegar. Os primeiros sons metálicos das espadas atraíram a outros até o pátio. Os ruídos da batalha despertaram ao Brigitte, quem correu pressurosa para a porta de seu quarto, temendo que Montville estivesse sendo atacado. A jovem soltou uma exclamação quando viu o Rowland e a seu pai em encarniçado combate. Imediatamente, colocou-se o manto de lã e correu para o lugar da cena, sem sequer deter-se em subir o capuz para cobrir-se sua larga cabeleira solta. deteve-se junto a dois soldados para observar com horror ao Luthor, que perseguia a seu filho com um e outro golpe de sua pesada espada, forçando ao moço a retroceder. Rowland não podia fazer mais que repelir os ataques com sabre e escudo. Assim continuaram a luta até chegar ao extremo final do pátio e, então, por fim o moço rechaçou com potência um golpe da espada do Luthor e começou seu próprio ataque, forçando a seu pai a retroceder. -Quanto faz que começaram com isto? -sussurrou Brigitte a um dos soldados, sem apartar os olhos do Rowland. -Não muito -respondeu o homem. Mas a luta durou até tornar-se interminável. O sol saiu e subiu pelo céu, e a batalha continuou, violenta, sem a rendição de nenhum dos dois combatentes. Brigitte se esgotou de só observar. Conhecia o enorme peso de uma espada de cavalheiro. Ela logo que podia levantar uma com
ambas as mãos. A força física e a vontade que esse prolongado combate demandava, não cessavam de admirá-la. O espetáculo logo se voltou monótono, já que os homens atravessavam o pátio uma e outra vez, alternativamente, atacando ou defendendo-se. de repente, o ritmo se alterou, como se os dois combatentes tivessem renovado suas reservas de energia. A espada do Rowland girou rapidamente para o flanco do Luthor, mas, em um segundo, trocou de direção e o atacou pela esquerda. O golpe tomou ao lorde despreparado. Não elevou o escudo com suficiente rapidez, e a arma de seu filho lhe rasgo os suspensórios da cota até internar-se no ombro. Ambos os homens se paralisaram. Brigitte supôs que a luta tinha finalizado. Então, para seu completo assombro, Luthor começou a rir. Que classe de gente era essa? No instante seguinte, o lorde despojou ao Rowland de sua espada e pressionou sua própria arma contra o peito do moço. Rowland arrojou seu escudo ao chão, admitindo em silêncio sua derrota, e Luthor baixou seu sabre. -Deveu ter contínuo depois de me ferir, Rowland -sugeriu o lorde entre risadas-, em lugar de te deter ver a gravidade no estado de seu inimigo. -Se tivesse sido um inimigo real, velho, sem dúvida, teria contínuo -respondeu o moço. -Então, talvez, devamos considerar esse fato e declarar um empate. Sim... por uma vez, não teremos vencedor. Está de acordo? Rowland assentiu, esboçando um grande sorriso de satisfação. Logo, assinalou o ombro de seu pai e lhe sugeriu: -Deve te fazer ver essa ferida. -Quase não sinto o arranhão -grunhiu Luthor.- Seus rasponazos necessitarão os cuidados de sua preciosa donzela. O moço se voltou para encontrar o olhar atento do Brigitte. A moça luzia encantada com o cabelo caindo desalinhado sobre os ombros, como raios de ouro sob a luz do sol. Ela baixou timidamente os olhos e Rowland, hipnotizado, esqueceu seus doloridos músculos. Mas, a estrondosa gargalhada de seu pai atraiu sua atenção. -Devora a pobre jovenzinha com os olhos, moço -arreganhou-lhe-. Não pode aguardar até que estejam sozinhos? O moço se ruborizou. -Hoje me orgulhaste, Rowland -continuou Luthor-. É um filho digno de respeito. Sim, foi um verdadeiro desafio com sua espada, e sei que sua ferida ainda não está completamente curada. Aprendeu bem todos os meus ensinos e mais ainda. Rowland não soube o que dizer. Era essa a primeira vez que seu pai lhe elogiava e, além disso, tão profusamente. Por fortuna, Luthor não esperou resposta alguma. voltou-se e caminhou para a casa, deixando ao moço lhe observando atônito. Seu pai tinha trocado. Talvez, estava-se fazendo velho na verdade. Brigitte e Rowland ficaram sozinhos no pátio, uma vez que os outros se partiram para a sala. -Temte aberto a ferida -arreganhou-lhe a jovem. O esboçou um sorriso conciliador. -Não foi intencionadamente. Ocupará-te de curá-la? -Suponho que não terei mais remédio, já que não vejo que ninguém se aproxime em sua ajudarespondeu ela com tom severo. -por que está molesta? -perguntou Rowland com incerteza. -Por ti! -respondeu Brigitte, levando-as mãos ao quadril para adotar uma pose ofuscada-. E por essa tolice que acabo de presenciar! -Foi tão somente um esporte, cherie. -Isso não foi esporte. Foi uma loucura -replicou a moça com veemência-. !Poderiam lhes haver matado um ao outro!
-Não lutamos para matar, Brigitte -explicou-lhe ele com paciência-. Não foi mais que uma prova de força. Acaso os franceses não acostumam provar suas habilidades com a espada? -Bom, sim -respondeu ela com relutância-, mas não tão encarnizadamente. Vocês brigaram como se estivesse em jogo sua honra. Rowland deixou escapar uma breve risada. -Em certa forma, assim foi. Nossas lutas são sempre encarniçadas aqui. Luthor insiste em que seus discípulos sejam os melhores. Meu pai é um perito guerreiro e para falar a verdade, nunca antes tinha durado tanto em um combate com ele. -Mas foi uma luta igualada -fez-lhe notar a jovem-. Inclusive eu pude adverti-lo. De fato, poderia havê-lo derrotado se não te tivesse detido. -Dá-te conta de que me está elogiando, cherie? -mofou-se o moço com um sorriso. Brigitte se ruborizou com acanhamento. -Eu... eu... -Vamos, vamos -interrompeu-a ele com fingida severidade-. Não arruíne o único elogio que ouvi que seus lábios com uma réplica mordaz. Sei piedosa, ao menos, por esta vez. -Burla-te de mim, Rowland. E trocaste que tema segundo sua conveniência. -Era um tema aborrecido- disse-lhe ele evasivamente. E além disso, já perdemos muito tempo aqui. Começo a acreditar que tenta me reter discutindo aqui contigo para me debilitar com uma perda de sangue. -Não é má idéia- demarcou Brigitte-. Mas vêem. Minha habitação está perto. -Não, preciso me trocar de roupa, e tenho ataduras em minha antecâmara. Você só me leve até ali. -Necessita ajuda para caminhar? -perguntou ela. O assentiu. -Sinto que não posso mover um só músculo - grunhiu-. Mas se você me dá a mão, cherie, seguireite aonde vá. -A mão, né? -repetiu a jovem com rudeza. Não sei se lhe quero dar isso Rowland a tirou da mão bruscamente e começou a caminhar para a mansão. -Então, suponho que você deverá me seguir -disse-lhe, ao tempo que a arrastava até a casa. A antecâmara do Rowland se achava em uma completa desordem, e os olhos do Brigitte voaram de um a outro armário aberto, as roupas disseminadas, a cama desfeita e o tapete espremido. Uma grosa capa de pó cobria a mesa de mármore e uma pequena cadeira e os muros estavam enegrecidos com fuligem. -Seriamente dorme aqui? -perguntou ela com expressão enojada. O moço sorriu. -A habitação esteve desocupada durante muitos anos e levava pressa esta manhã quando a deixei. Acredito que não te levará muito tempo ordená-la. -Eu? -exclamou ela, e se voltou para olhá-lo. Rowland deixou escapar um suspiro. -Por favor, Brigitte, não comece de novo com isso. É muito te pedir que satisfaça algumas de minhas necessidades? A jovem titubeou. Rowland pedia, não ordenava, e isso era suficiente, ao menos no momento. Uma vez finalizados as vendagens, Brigitte se dirigiu por volta de um dos armários. Rowland sorriu. encontrava-se a sós com a moça e, por uma vez, Wolff não se achava presente. Inclusive, ela parecia estar de bom humor. -Que cor crie que poderia me sentar bem, cherie? -O azul, sem dúvida, e possivelmente o castanho escuro. Acredito que o castanho escuro ficaria muito bem. -Então, não te importará me fazer uma ou duas túnicas novas, verdade? Tenho tão pouca roupa... -Não conseguirá me enganar com esse olhar inocente. Costurarei para ti, só para provar que sou capaz de fazê-lo. Mas não cria por isso que aceitarei ser sua amante.
Uma vez selecionada a velha túnica torrada e finalizados as vendagens, a jovem se dispôs a partir. Mas o moço a deteve. -Não quero que te parta ainda. -por que? -perguntou ela, elevando a voz. -Brigitte, te tranqüilize e deixa já de te escapulir para a porta. Não vou violar te. -Exalou um profundo suspiro-. Seriamente me tem tanto medo? -Sim -respondeu a jovem com franqueza. O franziu o sobrecenho. -fui muito rude contigo antes? Ao ver que ela não respondia, Rowland prosseguiu. -Considera-me um homem cruel, Brigitte? -foste muito cruel -voltou a responder a jovem com franqueza-. Suas maneiras deixam muito que desejar, Rowland, e é muito irascível. -Também você -fez-lhe notar ele. Brigitte sorriu. -Sei. Tenho muitos defeitos. Sou consciente deles. Mas estávamos discutindo os teus, os quais parece não advertir. O moço elevou uma mão para lhe acariciar a bochecha. -Por ti, estou disposto a mudar. Produziu-se uma larga pausa de surpresa, e logo a jovem perguntou: -por quê? -Para verte sorrir com mais freqüência. -Tenho poucas razões para sorrir, Rowland -asseverou ela sinceramente. -Prometo-te que logo as terá. Brigitte se apartou, e seus olhos começaram a obscurecer-se com indignação. -Está jogando comigo? -Não, sou sincero -assegurou-lhe Rowland com doçura. Imediatamente, inclinou-se para beijá-la; primeiro, brandamente para não atemorizá-la e logo, com maior intensidade. Ela estava seriamente aterrada e tratou de lhe apartar. Mas Rowland não a liberou, mas sim a rodeou com os braços para estreitá-la com força. Quando os seios da jovem pressionaram contra seu peito, o moço se sentiu morrer. Essa moça avivava seus sentidos, mas não cessava de lhe rechaçar. Com os lábios, acariciou-lhe a delicada curva do pescoço. -Ah, Brigitte, desejo-te -sussurrou-lhe ao ouvido. -Rowland, prometeu que não me violaria -balbuciou a jovem, sem fôlego, enquanto lutava para soltar-se. -me deixe te amar -murmurou ele com voz rouca-. Me deixe, Brigitte. Beijou-a antes de que ela pudesse resistir, mas a moça por fim conseguiu liberar-se. -Rowland, faz-me mal! -exclamou. O moço se inclinou para observá-la e pôde ver os machucados de seus delicados lábios. -Maldição, Brigitte! por que é tão frágil? - queixou-se. -Não posso evitá-lo -respondeu ela com voz trêmula-. Fui criada com doçura. Minha pele é sensível e não está habituada a semelhante tratamento. Rowland lhe elevou o queixo e lhe roçou brandamente os lábios com um dedo. -Não foi minha intenção te machucar -murmurou com ternura. -Sei -admitiu Brigitte-. Mas está tratando de me forçar: O moço sorriu com certo remorso. -Não posso evitá-lo. O comentário enfureceu à moça. -Ousa acaso me culpar novamente? Esta vez, minhas roupas não estão molhadas nem aderidas a meu corpo.
-Não. -Então, me diga o que fiz, para me assegurar de não voltar a fazê-lo jamais! -exclamou Brigitte com veemência. Rowland soltou uma estrondosa gargalhada. -Ah, joyita, é tão inocente! O mero feito de te ter perto me excita. Acaso não sabe que é muito formosa? -Deverá te manter afastado, então. -OH, não, Brigitte -recusou-se ele, sacudindo a cabeça lenta mas obstinadamente-. Você é o que todo homem deseja, mas só pertence a um: a mim. Jamais me afastarei de ti. -Eu não te pertenço, Rowland. -A jovem lutou até soltar-se e retrocedeu uns poucos passos-. E nunca te pertencerei. O moço se golpeou a coxa com um punho. -por que me odeia tanto? -bramou com desespero. -Você sabe por que. -Prometi que mudaria. -Isso disse, e imediatamente depois, voltou a tomar pela força. Não posso acreditar em sua palavra. -É muito severo ao me julgar, Brigitte. O que aconteceu faz apenas um instante esteve fora de meu controle. -Quer dizer que devo viver com um constante temor então? Desejo sabê-lo agora, Rowland. O franziu o sobrecenho. Não podia afirmar sinceramente que jamais voltaria a forçá-la, porque, embora não o queria dessa forma, sabia-se incapaz de controlar-se frente a essa moça. Mas, maldição, tampouco desejava aterrá-la e lhe irritava que ela pudesse lhe temer. -E bem, Rowland? O moço se voltou, perturbado. -Não me pressione, mulher! -bramou. Os olhos do Brigitte lhe buscaram suplicantes. -Devo conhecer a resposta. -Terei que pensá-lo. Agora, vamos -ordenou-lhe com rudeza-. É hora de comer.
20 A sala não se achava muito concorrida essa manhã, mas Luthor se encontrava ali e requereu a presença do Rowland a seu lado. Brigitte se dirigiu para uma imensa habitação próxima ao fogo, onde se armazenavam e preparavam os mantimentos. guardavam-se ali todos os utensílios de cozinha: caldeirões de ferro e couro, vasilhas de sal, gavetas de pão. Os copos e jarras de prata se achavam empilhados sobre umas prateleiras e em uma imensa despensa, as marmitas de lata e ferro, e os pratos de madeira e chumbo. Os frascos de especiarias se encontravam alinhados sobre prateleiras e, na parte traseira da habitação, estavam acumulados os barris de grãos. junto à entrada, uma gigantesca mesa se achava repleta de queijo e pão fresco, e a seu lado borbulhava um imenso caldeirão de cidra. Sem esperar ordens, Brigitte serviu uma enorme porção de pão e queijo ao Rowland, mas, uma vez depositado o prato frente ao moço, abandonou-o imediatamente para sentar-se junto ao fogo, onde a servidão recebia a comida. Era comida de serventes, mas não lhe importou: sentia-se muito perturbada para preocupar-se com o alimento. Logo que Rowland se partiu da sala, Brigitte pediu a Goda um pouco de sabão e artigos de limpeza e se dirigiu pressurosa à antecâmara do homem. Passou ali o resto do dia, esfregando e
ordenando. As roupas do normando eram escassas, mas seus armários estavam repletos de valiosos pertences: fina baixela de cristal, jóias e ouro, tapeçarias de desenho oriental e tanta quantidade de tecido, que a jovem se perguntou se planejaria converter-se em comerciante. Uma vez que Brigitte teve finalizado a tarefa, a habitação se transformou em um lugar atrativo e acolhedor. As peles que cobriam as janelas a protegiam do frio, de uma vez que permitiam o passo da luz. Sobre o chão, estendia-se um imenso tapete fabricado com retalhos de pele, muito mais confortável e original que as comuns esteira de junco. A gigantesca cama tinha travesseiros de plumas, lençóis de linho e um grosso edredom. Brigitte deixou os cuidados do leito para o final, receava aproximar-se. Não podia evitar perguntar-se quanto tempo transcorreria antes que se visse forçada a dormir ali. Esse era o desejo do Rowland e ele não se preocupou em dissimulá-lo. Ao diminuir a luz e aproximá-la hora de retornar à sala, a moça começou a sentir-se inquieta. Tinha-lhe resultado mais fácil combater ao normando durante a viagem. Tinha aceito sua rudeza, refugiando-se em seus próprios arrebatamentos de ira. Mas Rowland se via diferente agora, cuidadoso de não machucá-la. Isso tinha conseguido derrubá-la, posto que já não sabia como comportar-se. Ao retornar à sala, Brigitte já tinha tomado uma decisão. Até a natureza se encontrava em seu contrário, mas isso não podia remediar-se. Preferia arriscar-se a morrer congelada durante a fuga, antes de permanecer no Montville para satisfazer os caprichos do Rowland. Quando entrou no grande salão, a moça advertiu que ele ainda não se apresentou. Imediatamente, serve-se um prato de comida e se sentou sobre um banco vazio de um rincão, esperando terminar antes da chegada do normando. Serviria a maior brevidade possível, para logo retirar-se a sua habitação. Se o que ele havia dito era certo, e ela o tentava com sua mera cercania, então só o lhe subtraía uma noite de inquietação, já que estava disposta a partir pela manhã. Wolff se encontrava jogado junto à mesa do lorde. O mesmo Luthor lhe arrojava partes de carne e outras sobras, mas quando o cão advertiu a presença de sua ama, levantou-se para aproximar-se o e ela o recebeu com um sorriso. Outro galgo se aproximou, atraído pelo aroma a comida, mas Wolf não demorou para lhe afugentar. A moça se inclinou para acariciar a cabeça de seu mascote. - Vejo que o mesmo lorde se preocupa em te mimar. Mas não te afeiçoe muito com este lugar, já que logo nos partiremos. O cão lhe lambeu a mão e ela franziu o sobrecenho. -Esta vez, não me fará trocar de opinião, Wolff. Muito tarde, advertiu Brigitte que se encontrava falando em voz alta, e elevou o olhar imediatamente, mas só Wolff se achava a seu lado. Olhou por volta do centro da sala para ver se Rowland tinha entrado durante esse instante de distração, mas ainda não se apresentou para jantar. À mesa do lorde, encontrava-se sentado um arrumado cavalheiro, a quem a jovem nunca antes tinha visto. Os olhos do Brigitte se posaram sobre o jovem durante um instante, mas ele percebeu o olhar e a correspondeu com um sorriso nos lábios. Em seguida, incorporou-se e se aproximo da moça. -Milady. -Realizou uma pronunciada reverência frente a Brigitte-. Sou sir GUI do Falaise. Não me informaram que tínhamos convidados. A jovem conhecia de nomeie ao cavalheiro. Era o vassalo do Luthor que tinha sido enviado em busca do Rowland para levar o de retorno a casa. -Acaso ninguém te há dito quem sou, sir GUI? - perguntou ela com tom amável. -Acabo de retornar de uma ronda de vigilância, lady explicou GUI, e logo sorriu-. Mas esta sala jamais se viu agraciada por tanta beleza. Foi um verdadeiro descuido do Luthor o não mencionála-. Seus olhos verdes cintilaram ao contemplar a jovem.
-São muito amável -comentou Brigitte com acanhamento. -me digam -prosseguiu ele com um sorriso- qual é o nome de dama tão encantadora? A moça vacilou. GUI a tinha acreditado uma dama de um princípio. por que haveria então de lhe ocultar a verdade? -Sou lady Brigitte do Louroux -respondeu com calma. -Quem é seu senhor? Pode ser que lhe conheça. -O conde Arnulf do Berry é meu senhor agora -apressou-se a informar ela, como se ninguém pudesse ser capaz de duvidá-lo. -Vinísteis aqui com ele? -Não. -OH, não me dirão que tem um marido que a trouxe até aqui -disse GUI com evidente decepção. -Não estou casada -respondeu Brigitte, e logo decidiu revelar toda a verdade-. Sir Rowland me trouxe aqui contra minha vontade. O arrumado rosto do cavalheiro deu marcadas amostras de surpresa e confusão. -Rowland? Não compreendo. -É muito difícil de explicar, sir GUI -afirmou Brigitte algo inquieta. O se sentou a seu lado. -me devem contar isso Se Rowland a raptou... -Rowland não é totalmente culpado -admitiu ela com relutância-. Verão, meu pai foi barão do Lauroux e logo meu irmão lhe aconteceu. -Contou ao GUI toda a história, e o moço a escutou, absorto, até que ela teve terminado. -Mas Rowland não é tolo -protestou GUI-. Sem dúvida, pode notar que vocês são uma dama, sem importar o que Druoda lhe tenha contado. Brigitte exalou um suspiro. -Aconteceram muitas coisas que lhe fizeram acreditar na palavra da Druoda em lugar da minha. -Alguém deve forçar ao Rowland a precaver do engano que cometeu -afirmou GUI com veemência. -Tentei-o, sir GUI, seriamente, mas tudo foi inútil. Rowland me quer como servo, e acredito que prefere ignorar a verdade porquê esta não lhe convém. -GUI se surpreendeu porque o comentário era uma precisa descrição do temperamento de seu amigo. A gigantesca porta da sala se abriu para dar passo ao Rowland. Brigitte se incorporou imediatamente, já não muito segura de ter feito o correto. Mas, depois de tudo, que tinha feito ela a não ser contar a verdade? E sir GUI parecia acreditá-la. O poderia converter-se em seu paladín. – Rowland chegou -informou a moça a seu novo amigo-. Devo lhe servir a comida. GUI ficou de pé, indignado. -Não, lady Brigitte. Vocês não devem trabalhar como uma vulgar serva. -OH, claro que sim -respondeu ela-. Do contrário ele me golpeará. O rosto do GUI avermelhou de ira, ao tempo que a moça se voltou e se afastou pressurosa. Encheu um imenso prato com chouriços, salsichas e carne, e voltou o olhar bem a tempo para ver a efusiva saudação do Rowland e a fria resposta de seu amigo. Brigitte levou a comida e o ale do Rowland até a mesa do lorde, jogando breves olhadas por volta dos dois homens, que já tinham iniciado uma acalorada discussão. A disputa atraiu a atenção de muitos na sala, e a moça começou a sentir-se inquieta. Se tão somente pudesse ouvir o que estavam dizendo! Mas não tinha o suficiente valor para aproximarse. -Que ardil tramaste, mulher? Brigitte conteve a respiração e se voltou para o Luthor. -Não sei a que lhes referem, milord -respondeu-lhe com firmeza, mas sem atrever-se a lhe olhar.
-Vi-te falando com meu vassalo, e agora ele está discutindo com meu filho. Esses dois são bons amigos, moça. Nunca antes haviam renhido. -Eu não fiz nada que deva lamentar -replicou Brigitte obstinadamente, ao tempo que depositava o prato sobre a mesa. Luthor se incorporou e fez a um lado à moça. -Seja o que for, espero que o que tem feito não provoque um desafio. Não me agradaria perder um bom homem justo em vésperas de uma batalha. -Isso é tudo o que seu filho significa para você? Um bom homem que possa brigar por sua causa? -Estou falando de sir GUI, mulher, já que não há nenhuma dúvida de quem seria o vencedor. Se acreditasse que meu filho poderia estar em perigo por sua culpa, já te tivesse esfolado viva, dama ou não. Os olhos do Brigitte se dilataram. Luthor conhecia a verdade! Maldição! Esse homem sabia que ela era uma dama e, entretanto, não estava disposto a impedir que seu filho a humilhasse, até consciente da injustiça que isso implicava. -São desprezível! -vaiou a jovem, ofuscada. Sabem que sou uma dama e, mesmo assim, permitem que seu filho me trate como a uma serva. Luthor soltou uma breve risada. -Isso não tem importância para mim. Rowland afirma que é uma serva e eu o aceito. Não estou disposto a contrariá-lo. -Mas ele está equivocado! -exclamou ao jovem. -me compreenda, rapariga. Todo homem necessita um filho que lhe aconteça depois de sua morte. Mas eu além disso necessito ao Rowland a meu lado para brigar por meu feudo. Esse moço é motivo de orgulho para mim. Faz uns anos, estive a ponto de lhe perder por uma tolice, e só esta batalha preparada contra meu filho político o trouxe de volta. Mas agora ele está aqui, e não me arriscarei a lhe perder uma vez mais. -Brigitte! A jovem se estremeceu ante a ensurdecedora chamada, e se voltou para ver o Rowland, que lhe aproximava com o rosto vermelho de ira. Brigitte sentiu que os joelhos lhe tremiam. -Ah, rapariga -disse Luthor quase com tristeza- Temo-me que lamentará o que seja que afirma não ter feito. Lhe lançou um olhar fulminante. -E também permitirão que me golpeie, não é assim? -Você não é minha responsabilidade, moça -respondeu o ancião, apartando-se. -Não te refugie junto a meu pai, mulher -grunhiu Rowland-. ele não te ajudará. Brigitte falou com calma, em um desesperado tento de ocultar seu pânico. -Jamais esperei que o fizesse. Já me há dito que aprova tudo o que faça. -Então seriamente foi em sua ajuda? -Não, Rowland -interveio Luthor-. A moça não veio a mi. Eu lhe falei primeiro. -Não a defenda, pai -advertiu-lhe o moço com frieza. O lorde vacilou apenas um instante e logo partiu, deixando sozinhos aos jovens. Rowland tomou o braço da moça e ameaçou golpeando. Brigitte se aterrorizou, mas em lugar de apartar-se, jogou-se para ele e, tomando da túnica, estreitou seu corpo com força, até sentir o calor do firme e musculoso peito. -Se for me castigar, Rowland, utiliza o látego - suplicou-lhe- Não poderia sobreviver a um golpe de seu punho, não quando está tão furioso. Matará-me. -Maldita seja! -grunhiu ele, tratando de apartá-la. Mas Brigitte recusou soltar-se. -Não! Está ofuscado e não é consciente de sua própria força. Mataria-me com seus punhos. É isso o que quer?
-te aparte, Brigitte -ordenou-lhe Rowland com tom severo, embora sua ira já tinha começado a dissipar-se. Brigitte percebeu a mudança em sua voz; logo, percebeu também a alteração de seu corpo e lhe viu um estranho brilho nos olhos. Um temor substituiu a outro no interior da jovem e se apartou imediatamente. -Não... não quis me jogar em seus braços dessa forma -desculpou-se com vacilação. Rowland deixou escapar um suspiro. -Vá a sua habitação. Por hoje já causaste suficientes problemas aqui. -Não foi minha intenção te causar dificuldades -murmurou ela com tom moderador. Mas, os olhos do Rowland se obscureceram e todo seu corpo voltou a ficar tenso. -Sai de minha vista, mulher, antes de que troque de opinião! Brigitte chamou o Wolff e partiu pela porta que conduzia ao estábulo. Uma vez fora da sala, estremeceu-se. O que lhe tinha encolerizado dessa forma? Que lhe haveria dito GUI na disputa? Ao passar junto às cavalariças, advertiu que o corcel do Rowland se encontrava em companhia de outros quatro que ela não recordava ter visto jamais. Sem dúvida, esses cavalos pertenciam a sir GUI e a seus companheiros de patrullaje. Mas Luthor comandava a muitos homens. perguntou-se onde guardariam os outros animais, mas decidiu não averiguá-lo. Só lhe preocupava ter um corcel disponível quando chegasse o momento de escapar. cobriu-se com o manto e o capuz antes de atravessar o pátio para sua pequena choça. Não tinha nevado esse dia, mas o ar estava gelado. Com esse clima, a fuga lhe resultaria difícil. Entretanto, já estava decidida, e nada a faria trocar de opinião. Sua habitação se achava fria e escura, e não haveria braseiro para enfraquecê-la essa noite. Sem brasas nem velas. Tão valiosos artigos nunca eram esbanjados com os serventes. Brigitte não teve mais alternativa que deitar-se. Ao menos, sentiria-se mais cômoda na cama. Não se tirou a roupa, já que não desejava perder o tempo em vestir-se quando chegasse a hora de escapar. Ouviu o Wolff mover-se na escuridão e lhe falou com rudeza. -Fica aquieto e dorme enquanto possa, porque não descansaremos nem um instante uma vez que não tenhamos escapado deste lugar. E isso ocorrerá muito em breve, meu rei.
21 Várias horas mais tarde, depois de colocar-se outras duas túnicas para proteger-se contra o frio e tomar todas as mantas da habitação, Brigitte se dirigiu para o estábulo em companhia do Wolff. Tinha decidido não ir em busca de comida, por temor a que alguém a visse rondando pela sala. Sem dúvida, seu mascote poderia prover mantimentos para ambos, e ela ainda conservava a pedra de luz que Rowland lhe tinha dado no bosque. Por fortuna, os quatro cavalos estranhos se encontravam ainda no estábulo; desse modo, não se veria forçada a tomar o imenso corcel do normando. Huno era muito grande para ela e, pior ainda, Rowland jamais cessaria de procurá-la se se levava seu prezado animal, porque um cavalo de guerra era muito mais valioso que qualquer servo. Os outros quatro corcéis não eram tão gigantescos, e um deles, de cor castanha, não retrocedeu assustado quando a moça se aproximou para selá-lo. Com seus pertences sujeitas à arreios e as rédeas na mão, Brigitte caminhou cautelosamente para a escuridão do pátio. Então começaram seus verdadeiros temores. Sabia que a maioria das mansões contavam com outro meio de acesso, além da entrada principal vigiada por guardas; mas encontrá-lo seria uma tarefa difícil, já que, sem dúvida, dita porta deveria estar oculta no muro. Louroux tinha um túnel secreto para casos de sítio, mas só uns poucos na casa conheciam tal passadiço.
-Vamos, Wolff -sussurrou a jovem-. Devemos descobrir como sair desta fortaleza. me ajude a encontrar uma porta, Wolff... uma porta. Mas sem fazer ruído. Iniciou a busca junto às choças dos serventes e se dirigiu sigilosa para a parte traseira da mansão. Ali encontrou os currais de animais e um gigantesco refúgio. perguntou-se se guardariam aí o resto dos corcéis, mas decidiu não investigar. Continuou caminhando lentamente com o passar do muro, conduzindo consigo ao cavalo, ao tempo que Wolff lhes adiantava dando saltos. Uma vez que tiveram percorrido sem êxito a metade do círculo, a inquietação da jovem se intensificou. Começou então a considerar a possibilidade de atravessar a entrada dos guardas. Tinha que apressar-se. Se não se apresentava na mansão depois de umas poucas horas, Rowland seria informado de sua fuga e sairia em sua busca. Necessitava cada instante da noite para afastarse da casa tanto como o fora possível e evitar assim que o normando pudesse lhe seguir o rastro. Wolff ladrou, e Brigitte conteve a respiração, temendo que os outros galgos começassem a uivar e despertassem a toda a mansão. A moça correu nervosa para seu mascote e, então, respirou com alívio quando viu a porta. Esta se achava trancada, mas depois de várias sacudidas, a barra se levantou e a entrada se abriu facilmente. Foi então quando as esperanças do Brigitte voltaram a frustrar-se. Ao outro lado da porta, estendia-se um muro de pedra do menos um metro de alto. Embora não era isso o pior: na base dessa parede rochosa, havia uma estreita berma de terra, seguida de um íngreme ravina de uns cinco ou seis metros de comprimento, talher de um grosso manto de neve. Que passadiço tão estupendo! Como diabos obteria que o cavalo descendesse por esse declive sem romper o pescoço? Entretanto, teria que tentá-lo. Maldição! Não tinha mais saída! Sem soltar as rédeas do corcel, a moça descendeu até a berma e logo, voltou-se para chamar o Wolff. O cão olhou alternativamente a sua proprietária e à vasta saliente de terra, mas permaneceu imóvel. -Se eu pude fazê-lo, você também poderá -asseguro-lhe ela com tom severo-. Só o cavalo terá dificuldades para obtê-lo. Wolff avançou com cautela até o oco da entrada e, depois de vacilar apenas um instante, saltou. Aterrisso na metade do ravina, deslizou-se uns quantos metros e detrás recuperar novamente o equilíbrio, correu até a base do declive. Ao ver os repetidos tombos do cão, Brigitte se sentiu desolada. Que oportunidade de descender teria então o cavalo? O salto poderia lhe romper uma pata. Entretanto, necessitava o corcel. Sem ele, jamais poderia chegar ao Ile-do France. -Vamos, meu lindo corcel -insistiu-o a jovem com doçura, ao tempo que atirava das rédeas. Conseguiu arrastá-lo até o bordo da entrada, mas o animal soltou um bufo e retrocedeu-. Vamos te animem. Deslizará-te durante a maior parte do caminho. nos mostre o valor que os normandos infundem a um cavalo de guerra tão esplêndido como você. Porém, o animal recusou a mover-se, e ela não era o suficientemente forte para forçá-lo. Brigitte se deixou cair sobre a berma, desesperada-se. O que poderia fazer agora? Se partia a pé, Rowland não demoraria para encontrá-la. Então Wolff voltou a subir pelo ravina para deter-se seu lado. O cão se via excitado, preparado para partir. A moça deixou escapar um suspiro. -É inútil, meu rei. O cavalo não se moverá. Talvez, ele é mais inteligente que eu e sabe que não conseguirá saltar. -ficou de pé, mas afundou os ombros, desalentada. -Trataremos de enganar aos guardas. Não prevejo muito êxito ali, mas enfim, retornemos à fortaleza. Devo tentá-lo -concluiu com um suspiro. Wolff saltou através da entrada com facilidade. Um segundo mais tarde começou a mordiscar as patas traseiras do corcel, e Brigitte soltou as rédeas e se apartou bem a tempo para permitir o
passado do cavalo para o vazio. A moça observou sobressaltada ao animal deslizar-se pelo ravina, seguido pelo Wolff. Ao chegar à base do declive, o corcel se incorporou e, simplesmente, dispôs-se a aguardar. Brigitte não podia acreditar o que tinha visto. Em seguida, deslizou os dedos por debaixo da porta para fechá-la e se deixou cair pelo ravina. Ao chegar à base, rodeou ao Wolff com os braços e o estreitou com todas suas forças. -É magnífico -sussurrou-. Absolutamente magnífico! Ah, meu rei, salvaste-me. Agora, nos afastemos deste lugar! Examinou brevemente ao cavalo e se deteve um instante para tranqüilizá-lo e adulá-lo, antes de subir-se à arreios e insisti-lo a empreender a marcha. O corcel se lançou a tudo galope através das pradarias que rodeavam a fortaleza do Montville. A moça se sentiu voar com o vento, alvoroçada, e uma vez longe da mansão, riu alegremente com alívio. Tinha-o obtido! Rowland jamais poderia alcançá-la. Não importaria se a seguia durante todo o caminho até o Ile-do France, posto que, uma vez ali, Brigitte contaria com o amparo do rei. Lothair a recordaria, ou se não a ela, então a seu pai. E se Rowland ousava impor seus direitos frente ao rei, veria-se forçado a explicar suas razões. Não, já nada poderia detê-la. O resto da noite pareceu voar e, antes de que Brigitte o advertisse, o céu se esclareceu com a luz do amanhecer. O sol não saiu para derreter a neve, mas sim permaneceu oculto depois de uma espessa cortina de nuvens. Mesmo assim, o pálido reflexo foi suficiente para permitir à moça uma perfeita visão da desolado paragem e manter-se afastada de uma fortaleza que quase investiu a seu passo. Rodeou-a com cautela, sabendo que não podia confiar em nenhum normando. Tivesse-lhe sido mais fácil dirigir-se para o sul, dado que essa rota lhe resultava familiar. Porém, Paris e a corte do rei se encontravam para o este e chegaria ali muito antes se viajava sem desviarse nessa direção, mesmo que não conhecesse o caminho. O sol já se elevou no céu quando Brigitte se deteve em um denso bosque para permitir o descanso dos animais. Entretanto, a pausa foi muito breve. Tentou acender uma pequena fogueira para esquentar-se durante uns minutos, mas tudo os ramos que encontrou se achavam úmidas. Atou algumas lenhas para levar-se consigo, esperando que o vento as secasse durante o caminho, e continuou a viagem. Deixaram atrás o bosque e atravessaram uma extensa pradaria. Brigitte conseguiu evitar uma vasta zona pantanosa que tivesse diminuído sua marcha, mas não teve sorte quando se topou com uma imensa arvoredo que se estendia a ambos os lados da terra e não pôde a não ser penetrá-la. Ao cair a noite, ainda não tinha chegado ao outro extremo do bosque e a escuridão lhe impossibilitou continuar a viagem, por isso se viu forçada a acampar. Esta vez, conseguiu acender uma pequena fogueira com os ramos que tinha carregado consigo. Uma vez que o fogo esteve preparado, enviou ao Wolff em busca de alimento e, depois de retirar a arreios do cavalo e cobri-lo com uma manta, sentou-se frente às chamas a descansar. Seus pensamentos se centraram ao redor de uma vívida imagem do Rowland. Era um homem de esplêndida figura, robusto e arrumado. Tudo poderia ter sido diferente se lhe tivesse acreditado no abandonar Louroux e a tivesse levado até o conde Arnulf. Então, Brigitte se teria formado uma melhor opinião do normando, até poderia haver-se sentido atraída pelo moço, em que pese a sua incrível rudeza. Porém, as circunstâncias a tinham conduzido por um caminho diferente. O ódio era um sentimento novo para a moça e não lhe agradava experimentá-lo. Nunca antes havia-se sentido assim, nem sequer frente a Druoda. Detestava o que essa dama lhe tinha feito, mas não odiava à mulher. por que Rowland despertava um sentimento tão intenso em seu interior? De repente, ouviu o som de algo que se aproximava e conteve a respiração, até que Wolff apareceu por entre a maleza. O cão tinha apanhado uma excelente presa e Brigitte se apressou a preparar a
comida, para logo recostar-se junto ao fogo. dormiu quase instantaneamente, com o Wolff acurrucado a seus pés. Entretanto, não transcorreu muito tempo antes de que o rouco grunhido de seu mascote despertasse. De repente, o animal se equilibrou para a escuridão do bosque e se perdeu de vista. Brigitte lhe ordenou que retornasse, mas Wolff não obedeceu. As baixas chamas do fogo lhe indicaram que tinha dormido aproximadamente uma hora. Permaneceu sentada com os braços ao redor dos joelhos e o olhar fixo na direção em que tinha desaparecido Wolff, perguntando-se que classe de besta poderia ter atraído a seu mascote. Havia ursos selvagens nesses bosques? Conforme acreditava, Wolff jamais se enfrentou a um inimigo tão temível. Sua inquietação aumentou quando já não pôde ouvir os movimentos do cão na distância. Chamou-o uma e outra vez, mais e mais forte. ficou de pé e começou a passear-se por todo o acampamento, até que se deteve abruptamente e se arreganhou por dar rédea solta a sua imaginação. Sem dúvida, Wolff retornaria. Uma vez mais, sentou-se junto ao fogo e, para demonstrar quão ridículos tinham sido seus temores, o cão retornou saltando ao acampamento. Brigitte deixou escapar um suspiro de alívio, mas seus medos se reanimaram quando advertiu que Wolff não estava sozinho. Outro galgo o seguia e, mais atrás, um cavalo. A moça reconheceu ao corcel antes de identificar ao cavaleiro. Ali estava Rowland, sentado com o corpo rígido sobre seu prezado Huno, sem armadura, com uma grosa capa de pele que lhe cobria a túnica. Brigitte se sentiu muito surpreendida para falar, muito aturdida para mover-se, mesmo que o homem desmontou com uma pesada soga firmemente sujeita na mão. A jovem observou imóvel ao normando, quem chamou o Wolff a seu lado e esse crédulo tolo obedeceu. O cão nem sequer tentou apartar-se quando Rowland lhe atou a soga ao pescoço e, logo, sujeitou-a a uma árvore longínqua. Tudo estava acontecendo ante seus olhos, mas Brigitte quase não podia acreditá-lo. O galgo que tinha chegado com o normando encontrou os restos de carne e começou a devorá-los. A moça observou ao cão durante vários segundos e, de repente, todo lhe esclareceu. Assim tinha obtido Rowland encontrá-los! O galgo os tinha rastreado! A jovem voltou o olhar para o Rowland, quem acabava de sujeitar ao cão junto à árvore. Era evidente a razão pela qual ele tinha pacote ao animal antes de pronunciar uma palavra; seus planos eram tão maléficos, que não podia permitir 1a liberdade do Wolff. Ante semelhante ideia, Brigitte correu para seu corcel como se disso dependesse sua vida. Mas já era muito tarde. Seu manto foi sujeito com firmeza e, depois de deter-se, a moça se voltou novamente para o fogo. Caiu ao chão com força e se raspou as mãos. Wolff começou a grunhir, e Brigitte tratou de conter as lágrimas que já começavam a aparecer em seus olhos. Viu então as botas do Rowland a seu lado. Elevou o olhar e advertiu que as mãos do homem começavam a desabotoar seu cinturão. Elevou ainda mais o olhar e, ao observar a severo expressão no rosto do normando, empalideceu. antes de que Brigitte pudesse encontrar uma palavras de súplica, o cinturão do Rowland descendeu sobre suas costas. A moça chorou e gritou. Então, ele repetiu o golpe, e ela voltou a gritar. ao longe, ouviam-se os furiosos grunhidos do Wolff e suas terríveis resistências para liberarse da soga que o mantinha sujeito à árvore. Para então, a moça se encontrava acurrucada em um novelo, aguardando por uma terceira chicotada. O açoite não chegou, mas ela se sentiu muito aterrada para elevar o olhar e não advertiu que Rowland já tinha jogado até lado o cinturão, para afastar-se com passo irado, irritado consigo mesmo e profundamente perturbado. O respirou fundo várias vezes, tentando acalmar-se, e logo retornou, para ajoelhar-se junto à jovem.
Tomou com ternura entre seus braços, e ela não resistiu: necessitava consolo, embora proviesse desse homem. As lágrimas do Brigitte se secaram, mas Rowland continuou abraçando-a, lhe acariciando o cabelo com doçura. Ambos permaneceram em silencio durante um comprido tempo. Por fim, a jovem se apartou e ele advertiu uma expressão acusadora nesses claros olhos azuis. -Maldição! -grunhiu o moço, ao tempo que se incorporava para adotar uma pose ameaçadora-. Acaso não se sente arrependida? -Arrependida? -repetiu ela com rudeza-. depois do que acaba de me fazer? -Obrigou a um comprido dia de caçada, mulher. Mereceria muito mais do que recebeu! -que me tenha encontrado é meu castigo, muito mais de que posso tolerar -afirmou Brigitte, e ficou de pé para lhe olhar com uma faísca de ira nos olhos-. Mas isso não significa nada para ti. Seu desejo é me fazer sofrer! -Nunca quis te machucar! -exclamou ele com fúria- você me forçou a fazê-lo! -OH, certamente, milord -assentiu a jovem com idêntica fúria-. Eu sou a causa de todas minhas penas. Eu mesma me golpeio. -Rowland se adiantou de modo ameaçador, mas ela permaneceu imóvel-. O que? Acaso vou golpear me de novo, milord? -Atua com muita insolência para ser uma mulher a quem acabam de açoitar- asseverou o moço com o cenho franzido. Os olhos do Brigitte se dilataram. -Bastardo normando! Se eu fosse um homem, mataria-te! o soltou uma repentina gargalhada. -Se fosse um homem, chérie, o rumo de meus pensamentos seria muito pecaminosos. A jovem afogou uma exclamação e se separou dele. -Sou mulher e, mesmo assim, seus pensamentos seguem sendo pecaminosos. Rowland esboçou um sorriso. -Não precisa te afastar de mim, Brigitte. tive uma viagem muita comprido e só o descanso me atrai neste momento. A moça lhe observou com cautela, enquanto ele caminhava para seu corcel para procurar comida e algumas mantas. Logo retornou até o fogo e, depois de adicionar alguns lenhos, recostou-se junto ao calor das chamas. -Tem fome? -perguntou-lhe. Brigitte se sentiu sobressaltada. Esse homem atuava como se nada tivesse acontecido. -Não -respondeu-lhe com tensão-. Já comi. -Ah, seu mascote te conseguiu o alimento. - Rowland se voltou para o Wolff e franziu o sobrecenho com ar pensativo-. Crie que se me desfizera dessa besta não tentaria escapar novamente? O que faria se não tivesse ao cão para te prover a comida? -Não! -exclamou Brigitte, deixando cair de joelhos junto ao homem - Wolff é tudo o que tenho. -Tem-me -recordou-lhe o com doçura. A moça sacudiu a cabeça. -Você só me causa dores e angústias. Só Wolff me brinda consolo. Amo a esse cão. -E me odeia ? -Você me obriga a te odiar com seu comportamento. Rowland deixou escapar um rouco grunhido. -me prometa que não voltará a escapar. -Aceitaria a palavra de uma serva, milord? -perguntou ela com tom sarcástico. -Aceitaria sua palavra. Brigitte elevou o queixo com arrogância. -lhe poderia dar isso mas te mentiria. Jamais formulo promessas que não posso cumprir.
-Maldita seja! -exclamou o homem com voz áspera, arrojando um ramo ao fogo-. Então, não posso prometer que não voltarei a te golpear, e pode que a próxima vez não conte com tanta roupa para te proteger. -Não poderia esperar menos de ti! -bramou Brigitte. Rowland observou o rosto irado da jovem e suspirou. -Durma, Brigitte. Vejo que não há forma de ganhar contigo, nem de raciocinar tampouco. O homem se tendeu junto ao fogo, mas a moça permaneceu ajoelhada, com o corpo tenso. Depois de vários instantes de silêncio, ela decidiu falar com voz suave. -Há algo que pode fazer, Rowland, para te assegurar de que permanecerei contigo. -Sei muito bem a que te refere -comentou ele com raiva-. Mas não posso me manter afastado de ti. -Não é isso, Rowland. O homem se incorporou imediatamente, posto que a moça tinha conseguido despertar sua curiosidade. -O que é então? -Envia uma mensagem ao conde Arnulf exigindo a prova de minhas afirmações, e eu me sentirei satisfeita de aguardar no Montville a resposta. -E quando chegar essa bendita resposta e prove que é uma mentirosa... então, o que acontecerá? -Ainda está tão seguro de que minto, Rowland? -perguntou a jovem com tom solene. O deixou escapar um grunhido. -Muito bem. Enviarei o mensageiro só para acabar com todos estes problemas. Mas não posso entender o que pretende ganhar com isso. Brigitte sorriu, decidida a fingir. Até que fora enviado a mensagem, só precisava fazer que Rowland continuasse acreditando-se dono da verdade. -É muito singelo. Se envias a mensagem, estará admitindo a possibilidade de que poderia te haver equivocado. Posso viver com tal aceitação. -Ja! -replicou o jovem, voltando-se para deitar. Semelhante raciocínio só podia ser de uma mulher. A moça sentiu desejos de rir. Com que facilidade tinha aceito ele a mentira! Satisfeita, tendeu-se a uns quantos metros do homem e se dispôs a dormir.
22
Rowland despertou com o amanhecer. Permaneceu tendido no chão, observando com ar pensativo o pálido céu que aparecia por entre as taças das árvores. Brigitte dormia pacificamente, sem advertir a tremenda confusão que tinha provocado na mente do homem. Quanta fúria tinha sentido no dia anterior, nem tanto porque lhe tivesse abandonado, mas sim pelo risco que tinha deslocado ao partir sozinha. A infelíz poderia ter sido vítima de ladrões ou assassinos. Também lhe enfurecia que Brigitte tivesse tentado escapar dele, e muito mais lhe irritava o fato de que todo Montville se inteirou. Que estranho malefício lhe tinha jogado essa mulher? De repente, só queria dominá-la e, em seguida, sentia desejos de protegê-la. Não alcançava a compreender os sentimentos que essa jovem tinha despertado em seu interior e pela primeira vez em sua vida, sentia-se aturdido. Inclusive, tinha chegado a aceitar a ridícula demanda da moça. Rowland franziu o sobrecenho, pensando na mensagem que tinha aceito enviar. Ou a jovem pertencia na verdade à nobreza, ou esse conde Arnulf lhe guardava um profundo carinho e ela estava segura de contar com a ajuda do homem. De todos os modos, Rowland supunha que ia perder a, e isso o fazia sentir-se desventurado. Mesmo que logo que acabava de conhecê-la, sabia que não desejava perder a essa moça.
-Diabo! Maldição! -murmurou, e se voltou para enfrentar um novo dia. Ainda não era muito tarde quando Rowland e Brigitte atravessaram o portalón da entrada para o pátio do Montville. A moça se havia sentido confundida ao divisar a fortaleza pouco depois do crepúsculo, dado que, em que pese a ter cavalgado todo um dia e a metade de uma noite para afastar-se, o caminho de volta não lhe tinha resultado tão largo. Com segurança, desviou-se de algum modo, perdendo assim um tempo valioso. A jovem exalou um profundo suspiro. Já era muito tarde para lamentar-se. Ambos acabavam de desmontar e se encontravam conduzindo os corcéis para o estábulo, quando Brigitte perguntou: -Não terá esquecido a mensagem que aceitou enviar, verdade? -Não o esqueci -murmurou Rowland. Então, deteve-se e, depois de lhe retirar o capuz da cabeça, tirou-a de ambas as tranças e a atraiu para si-. Tampouco esqueci que pôde me haver pedido que jamais voltasse a te tocar, mas não o fez. -Você já me tinha advertido que nunca aceitaria tal demanda -recordou-lhe a jovem com aspereza. -Mas nem sequer tentou negociar, cherie -fez-lhe notar ele com um brilho pícaro nos olhos. -Obtive o que desejava, Rowland, e agora só me subtrai te tolerar durante umas poucas semanas mais. Sinto-me aliviada ao saber que logo culminarão minhas desditas. -Desditas, rapariga? Os lábios do homem roçaram apenas a boca da jovem; logo, acariciaram-lhe a bochecha e, por último, deslizaram-se para a vulnerável zona de seu delicado pescoço. Ao sentir que um calafrio lhe percorria 1a coluna, Brigitte gemeu. Então, ele se apartou e esboçou um diabólico sorriso. -Só umas poucas semanas mais? Então, terei que me aproveitar, não crie? Sem aguardar uma resposta, Rowland se afastou pela passagem do estábulo que conduzia à sala principal da mansão. Brigitte lhe seguiu com o olhar, aturdida, perguntando-se por que lhe tinha permitido que lhe beijasse. Que diabos estava acontecendo com ela? Esfregou-se as mãos energicamente e se apressou a seguir ao Rowland, sacudindo a cabeça. Era a doçura no normando, disse-se, o que sempre tomava por surpresa. Já tinha passado a hora do jantar, mas a imensa sala ainda não se achava vazia. Vários homens se encontravam bebendo nas mesas mais baixas. junto à fogueira mais pequena, Luthor arrojava jogo de dados com sir Robert e outro cavalheiro, enquanto que, a seu lado, Hedda, Ilse e suas donzelas pareciam muito atarefadas com seus bordados. Hedda era uma mulher alta, ossuda, cujo cabelo castanho se tornou cinza com o passado do tempo; Ilse era idêntica a sua mãe, só que com uns trinta anos menos. Os serventes continuavam ocupados na área da cozinha. Um moço se encarregava de manter os cães afastados da carne assada, enquanto outro se dedicava a abanar a fumaça para um buraco situado sobre o fosso do fogo. Rowland aguardou o Brigitte antes de entrar na sala. -Consegue um pouco de comida para ambos e te reúna comigo na mesa. -Elevou um dedo antes de que a moça pudesse protestar-. Insisto. Resistiremos juntos a tormenta. A mulher se deteve abruptamente. -Que tormenta? Rowland sorriu ante a repentina expressão de alarme que atravessou o rosto da jovem. -Cometeu um grave crime e minha madrasta estava muito alterada. Estava furiosa quando saí em sua busca e, sem dúvida, deve ter destrambelhado todo o dia sobre o terrível exemplo que é frente aos outros serventes. Nunca antes um servo tinha tentado escapar do Montville. Brigitte empalideceu. -O que... o que fará ela comigo? -Hedda? Absolutamente nada. Não esqueça que eu sou seu amo, o qual significa que só a mim deverá responder. Por esta vez, agradecerá estar sob meu amparo. -Sem lhe dar oportunidade de
responder, colocou uma mão sobre as costas da moça e a empurrou para o fogo-. Vamos, estou esfomeado. A jovem se apressou a procurar a comida. A cozinheira protestou pela tardança, posto que já tinha começado a cortar os restos de carne para preparar bolos. Mesmo assim, serve dois grandes pratos de comida, enquanto os outros serventes observavam atentamente ao Brigitte. A moça se sentiu cada vez mais inquieta. Tinha acreditado superar a pior parte, mas, pelo visto, não era assim. Começou a caminhar para a mesa do lorde, carregando com cuidado os dois pratos e uma jarra de cerveja, e advertiu que Hedda e Luthor se uniram ao Rowland. A moça diminuiu o passo, mas não pôde evitar ouvir a maior parte da conversação. -E bem? -perguntou Hedda ao moço-. Fará-a despir e açoitar no pátio? O horrível exemplo que deu essa prostituta deve ser corrigido. -Isso não te concerne, mulher -interpôs Luthor. -Claro que me concerne -bramou a dama, indignada-. Seu moço trouxe para aqui essa prostituta francesa, e a arrogância dessa jovenzinha já começou a afetar a meus serventes. Agora, ela escapa e, em cima, rouba para fazê-lo! Exijo... Brigitte, aturdida, deixou cair os pratos sobre a mesa derramando o ale sobre os largos tablones de madeira. Imediatamente, a moça voltou seus atemorizados alhos azuis para o Rowland. -Eu não roubei. -Dificilmente poderá afirmar que o cavalo era teu, rapariga -disse-lhe ele com tom alegre, ao parecer, divertido. A jovem sentiu que lhe tremiam os joelhos e Rowland se apressou a tomar a de um braço para sentá-la na cadeira contígua à sua. Do que estava sendo acusada? Já poderia ser merecedora de um severo castigo por só roubar comida. Mas nada menos que um cavalo? Um cavalo era o elemento vital de um cavalheiro, o mais prezado dos animais, muito mais valioso que um servente, mais valioso inclusive que a terra. Todo servo livre estaria encantado de vender sua granja em troca de um cavalo, porque o cavalo era sinal de riqueza, capaz de colocar a um homem por cima da classe camponesa. Roubar um corcel era um crime tão grave como o assassinato, e que um servente ousasse cometer semelhante delito era decididamente inconcebível. A expressão divertida do Rowland se desvaneceu ante o absoluto terror refletido no rosto da jovem. -Vamos, o que parece, feito está -tranqüilizou-a o moço. -Não... não foi minha intenção roubar -murmurou Brigitte com voz trêmula-. Jamais acreditei... quero dizer... não pensei que estava roubando quando tomei o cavalo... Nunca antes tinha tido que pedir permissão para montar um corcel e... Rowland, me ajude! Brigitte começou a chorar, e o moço se enfureceu consigo mesmo por permitir que seus temores aumentassem sem necessidade. -Brigitte, te acalme. Não tem por que temer. Roubou um cavalo, mas pertencia a sir GUI e ele não te causará problemas. -Mas... -Não -disse Rowland com doçura-. Falei com o GUI antes de sair em sua busca. Parecia mais preocupado por ti que por seu corcel. O não exigirá o castigo. -Sério? -Sim, sério. -Isto foi que o mais entretido -interpôs Hedda com seus pálidos olhos cinzas fixos no Brigitte-. Mas, sem dúvida, carente de sentido. Pode que GUI não exija o castigo, mas eu certamente o demandarei. -Quem é você para exigir algo de mim? -perguntou Rowland com tom ameaçador. O rosto cor oliva da Hedda adquiriu um intenso tom arroxeado.
-Você consente a essa rameira! -acusou-lhe-. por que razão? Acaso te enfeitiçou? -Eu não a consinto -respondeu o homem-. Já lhe castiguei. -Se for isso verdade, então, não foi suficiente! - exclamou a dama com rudeza-. A moça caminha facilmente, sem amostras de dor! Rowland ficou de pé com um amedrentador brilho nos olhos. -Acaso duvida de minha palavra, milady? Desejas sentir quão mesmo Brigitte? -levou-se as mãos para o cinturão, e Hedda, pálida, voltou o olhar para o Luthor. O lorde não olhou a sua esposa, continuou observando a seu filho. -Luthor! -Não, não recorra para mim, mulher. Você lhe provocou, mesmo que te adverti que não era teu assunto. Nunca sabe quando deve deixar em paz às pessoas. Assim que Rowland avançou um passo para a Hedda, a mulher se levantou de um salto e saiu correndo da sala. Luthor deixou escapar uma breve risada. -Ah, agrada-me ver a harpía mulher disparar acovardada. -incorporou-se para aplaudir as costas de seu filho e depois de tomar assento novamente, ordenou outra jarra de cerveja-. passaram muitos anos da última vez que essa dama sentiu meus punhos... muitos. -Talvez, com minha ausência, Hedda se tornou menos amarga -sugeriu Rowland. Luthor se encolheu de ombros. -Ou eu simplesmente a ignorei. O jovem evitou formular um comentário e se dispôs a devorar a comida. Com uma nova jarra de cerveja na mão, Luthor se reclinou sobre o respaldo para observar atentamente ao Brigitte. -Vejo que quase não provaste bocado, rapariga - comentou-. Acaso não te agrada a comida? -Temo-me que perdi o apetite, milord- respondeu a jovem com tom submisso. - Isso não está bem -disse-lhe o lorde com um sorriso- uma moça tão frágil como você necessitará muita comida para suportar a meu filho. -Nisso tem razão, milord. Rowland lançou um olhar reprovador a seu pai, e isso deleitou ao ancião. Depois de beber um abundante gole, o lorde se inclinou para a mesa e perguntou com tom sério. -Sabe meu galante vassalo que retornaste, Rowland? O homem não apartou o olhar do prato. -Deixarei que você o informe. Luthor franziu o sobrecenho. -A moça atrasou o encontro com sua fuga. tiveste tempo de reconsiderar o assunto? -Isso não me corresponde . Acaso ele o reconsiderou? -Não -admitiu o ancião com relutância-. Não compreendo a teima desse moço. -É muito firme em suas crenças, isso é tudo -explicou-lhe Rowland-: Não esperaria menos dele. -Mas ele sempre te idolatrou. Jamais tivesse acreditado que chegariam a isto. -O que pretende que fizesse eu? -perguntou o jovem com tom irritado-. Ignorar um desafio? -Não, claro que não. Mas se conversando pudessem resolver o assunto... -Não acredito possível, Luthor. -Embora só seja para evitar um derramamento de sangue? -Deixa-o como está! -bramou Rowland-. Não me agrada isto mais que a ti, mas já tentei raciocinar e ele não está disposto a trocar sua posição. -E você? -Tampouco. Luthor sacudiu a cabeça. -Ela poderia pôr fim a tudo isto, e sabe. -Eu não o pedirei. Brigitte já não pôde conter-se. -Quem é "ela"? -Você, rapariga -respondeu o lorde.
Rowland deixou cair ambos os punhos sobre a mesa. -Tinha que discutir este assunto em sua presença, não é assim? -acusou a seu pai com tom severo, lhe jogando um olhar fulminante. -Quer dizer que ela não sabe nada disto? -perguntou Luthor, surpreso. -Não. -Pois então, acredito que deveria sabê-lo -prosseguiu o ancião com chateio. -Saber o que? -perguntou a jovem, mas ambos os homens a ignoraram. -Não insista, Luthor, porque esta moça é mais obstinada que nós dois juntos. O lorde depositou a jarra sobre a mesa, incorporou-se ceremoniosamente e partiu. Era óbvio que se sentia muito irritado. Uma vez a sós com o Rowland, Brigitte esperou uma explicação, mas ele permaneceu calado, sem sequer olhá-la. Finalmente, ela decidiu lhe incitar. -E bem? -Termina já sua comida, Brigitte, e logo te acompanharei até seu quarto -ordenou-lhe ele com aborrecimento. -Rowland! Quem te desafiou? Imediatamente, afundou-se em sua cadeira ante o furioso olhar que lhe lançou o homem. -Se já terminaste que comer, partiremo-nos agora. 23 Rowland tomou ao Brigitte do braço e a arrastou fora da sala e através do pátio. Ao chegar à choça, abriu a porta com violência e empurrou à moça para o interior. Ele a seguiu e, ao entrar, advertiu a presença do braseiro e notou que as pertences da jovem tinham sido levadas do estábulo. A habitação estava iluminada. Os abajures de azeite encostadas ao muro se achavam acesas. -Alguém se ocupou que suas necessidades -fez-lhe notar o homem com aborrecimento-. Não irá bem a essa desventurada alma se Hedda se inteira de que um de seus serventes está atendendo a meu serva. -Eu não pedi que me servissem. -Não precisava fazê-lo -comentou ele com frieza-. Suas maneiras intimidam aos criados menos afortunados. -Afortunada, eu? -Sim, é obvio -afirmou Rowland com tom severo-. Não lhe doem os pés nem as costas ao final do dia, e suas mãos não sangram, ao menos, uma vez por semana. Não serve a muitos, só a um. Leva a vida de uma lady. voltou-se, disposto a partir, mas Brigitte lhe adiantou e fechou a porta com violência antes de que ele pudesse alcançá-la. -Aguarda, Rowland. -Olhou-lhe, com as mãos apoiadas sobre a porta para impedir a saída. -Ainda não me há dito quem te desafiou. Devo sabê-lo! !Preciso sabê-lo! -Para que? -perguntou ele com o cenho franzido- Para poder te regozijar? -Por favor, Rowland! -suplicou-lhe a moça-. Foi sir GUI? -Claro que foi sir GUI! -bramou ele-. Mas você sabia os problemas que tinha causado. -Juro que jamais quis causar nenhum problema - afirmou ela com veemência-. Só lhe contei a verdade. E não fui eu quem procurou sir GUI. O vinho a mim, caso que eu era uma convidada, e me chamou lady, Rowland, sem sequer me conhecer. -E, certamente, você te aproveitou desse engano. Os olhos do moço cintilaram. -E teve que lhe dizer que te traga aqui contra sua vontade. Fez-me ficar como um malvado, Brigitte! -Você é um malvado!
Aproximou-se da porta, mas a moça lhe sujeitou o braço com ambas as mãos. -Rowland! Se tão somente me houvesse dito isso antes poderia lhe haver tranqüilizado. -Acaso conhece algum estranho secredo relacionado com isto? -perguntou ele, entrecerrando os olhos. -Só sei que não haverá briga -declarou a jovem, elevando o queixo com atitude altiva. Rowland não pôde evitar sorrir ante sua arrogância. -E por que, se não ser muito perguntar? -Porque eu não o permitirei. -Você... -Ele a observou fixamente com expressão incrédula. -O que te resulta tão surpreendente? -perguntou Brigitte. -Você não o permitirá? -Falo a sério, Rowland. Eu não serei a causa de um derramamento de sangue! Rowland esboçou um leve sorriso. -Que pena que não o pensasse antes -disse-lhe com voz suave. -Ainda não é muito tarde. -OH, sim, claro que sim, joyita. -Roçou-lhe apenas a bochecha. -Queria um paladín e o encontraste em sir GUI. Acredita em ti e se sente moralmente obrigado a lutar par sua causa. Brigitte se alarmou. -Mas eu não quero que lute! Direi-lhe que não o faça! -Oxalá fora tão singelo, Brigitte. Mas GUI se sentiu afrontado pelo que, conforme crer, fiz a uma legítima dama. Ele é um cavalheiro de coração gentil, o homem mais galante que jamais conheci. Não ficará satisfeito até não brigar por sua honra. -Mas me escutará. -Ah, Brigitte, é tão ingênua como formosa. Rowland deixou escapar um suspiro. -Mas seu pai disse que só eu poderia deter a batalha -recordou-lhe ela-. Me diga o que devo fazer. -Acaso não adivinha? -murmurou Rowland com calma. Levou-lhe um instante compreender, e então os claros olhos azuis do Brigitte se dilataram. -Isso não! -exclamou, voltando-se abruptamente. -É a única forma, Brigitte. Se não admitir que mentiu, GUI lutará por sua honra, e talvez eu me veja obrigado a matar a meu melhor amigo. -Mas eu não menti! -Não pode te tragar o orgulho só por uma vez? -Fará-o você acaso? -Já o tenho feito. Estou-te suplicando este favor, ainda quando tinha decidido te manter à margem de tudo isto. Criei-me com o GUI e me habituei a lhe proteger contra todos aqueles que se aproveitavam dele devido a sua escassa altura. Aprendi a lhe querer como o irmão que nunca tive, e não desejo lutar em seu contrário. Brigitte se ergueu e voltou a olhar ao homem. sentia-se desolada, mas não tinha outra alternativa. -Muito bem -aceitou, resignada-. Farei o que me pede -Não bastará com que só admita que mentiu -advertiu-lhe Rowland -. Deverá lhe convencer. -Convencerei-lhe. Agora, me leve com ele -disse-lhe desconsoladamente. -Trarei-lhe aqui. A jovem se deixou cair sobre a cama, disposta a aguardar. sentia-se aturdida, angustiada. Não ficava mais alternativa que mentir. Não podia permitir que Rowland ferisse ou, menos ainda, matasse a seu melhor amigo. Apressou-se a tirar o manto e duas de suas túnicas, já que não tinha retornado a sua habitação depois de sua malograda fuga. Só um instante depois, a porta se abriu para dar passo ao Rowland, seguido por um confundido sir GUI. Brigitte se voltou, entrelaçando as mãos para dissimular seu tremor.
GUI lhe aproximou e realizou uma reverência com uma expressão solene em seus olhos cinzas. -Rowland disse que desejava conversar. -Urgentemente -assentiu ela em voz baixa, e logo se voltou para o Rowland-. Poderia nos deixar? Desejo falar a sós com sir GUI. -Não -respondeu Rowland, ao tempo que fechava a porta-. Ficarei. Brigitte lhe lançou um olhar fulminante, mas não se arriscou a iniciar uma disputa. Os serventes jamais ousavam contradizer a seus amos e, por esta vez, tinha que ser devidamente servil. Voltou-se uma vez mais para o GUI e esboçou um tímido sorriso. -Desejas tomar assento? -convidou-lhe, ao tempo que assinalava o cama de armar-. Temo que não posso te oferecer uma cadeira. GUI se sentou e jogou um olhar para a habitação. -Você dorme neste chiqueiro? -perguntou-lhe e imediatamente, lançou um olhar severo ao Rowland antes de que a moça pudesse responder. -É um quarto bastante confortável -apressou-se a explicar Brigitte-. Não... não estou habituada a nada mais. -Com segurança... -Sir GUI, me escute -interrompeu-lhe ela e se parou junto ao jovem cavalheiro, embora sem atrever-se a enfrentar seu olhar-. Temo que cometi uma grave injustiça ao representar contigo minhas infantis fantasias. -Que fantasias? -O outro dia, na sala, quando falamos... tudo o que pinjente foi mentira. Freqüentemente, finjo ser uma dama, em especial, com homens que não me conhecem. Sinto que tenha tomado a sério minhas palavras. Meu jogo sempre tinha resultado inofensivo. GUI franziu o sobrecenho. -Vejo que Rowland te obrigou a fazer isto, lady Brigitte. -Sou simplesmente Brigitte, e está equivocado, sir GUI -assegurou-lhe com firmeza-. Por favor, perdoa meu descaramento, mas agora não posso permitir que continue este mal-entendido. Sempre fui uma serva. Senti-me muito perturbada quando soube que tinha desafiado a meu lorde devido a minha estúpida farsa. Supliquei-lhe que te trouxesse aqui para poder te revelar a verdade antes de que fora muito tarde. Não devem lutar por minha causa. Não fui sincera contigo. Uma expressão de dúvida se refletiu nos olhos do GUI. -Adula-me que te tenha preocupado tanto por mim. É realmente muito amável, milady. -Acaso não me crie? -perguntou a jovem, surpreendida. -Absolutamente -respondeu ele com calma. -Então, é um tolo! -Já vê! -GUI esboçou um sorriso triunfal-. Uma mera serva jamais ousaria me falar desse modo. Brigitte se incorporou de um salto e se voltou para o Rowland, mas ele a observou sem lhe oferecer ajuda. A moça respirou fundo. Devia encontrar a forma de convencer ao jovem cavalheiro; do contrário, a batalha culminaria, sem dúvida, com sua morte. de repente, advertiu que Rowland a devorava com os olhos e teve um instante de inspiração. Voltou-se uma vez mais para o GUI com as mãos sobre os quadris e com uma expressão altiva nos olhos. -Nunca disse que era uma mera serva! Me olhe -ordenou-lhe com arrogância-. Crie que um homem poderia me ignorar por muito tempo, fora ou não lorde? -P... perdão? -balbuciou GUI. -Se sou atrevida às vezes, é porque meu último amo me tratava como a um igual. Eu era a amante do barão, sir GUI. -Sorriu com desenvoltura.- Era um homem ancião e solitário, e me malcriou estupendamente.
-Mas disse que o barão do Louroux era seu pai -exclamou o cavalheiro. Brigitte titubeou. sentia-se muito ferida, mas, o que outra alternativa ficava? -O foi como um pai para mim... exceto na cama. lhe pergunte a sir Rowland se não me crer. O te dirá que eu não era virgem quando veio para mim por primeira vez. -O comentário implicava que ela era agora a amante do Rowland, mas o normando não falou, por isso Brigitte decidiu prosseguir.- Já vê, ele não o nega. Retirará agora seu ridículo desafio? GUI se sentiu picado em seu orgulho. -Não acreditei que fora tão ridículo. "Santo Deus!", pensou Brigitte,"acaso ela não tinha falado já suficiente?. -Então, me permita adicionar algo. O homem que é agora meu lorde reúne todas as qualidades que eu poderia desejar em um amo. É forte, um excelente amante e estou muito satisfeita com ele. GUI ficou de pé súbitamente. -Então, por que tentou escapar? Pergunta-a tomou a jovem despreparada. Vacilou um instante, para logo responder. -Por favor, sir GUI, não me obrigue a dizê-lo em sua presença. -Insisto. Brigitte se espremeu as mãos e baixou o olhar para o chão, fingindo uma grande confusão. Logo, inclinou-se para o jovem cavalheiro e lhe falou com tom lhe sussurrem, de modo que Rowland não pudesse ouvi-la. -Não sabia da existência da Amélia quando ele me trouxe aqui. Ao me inteirar de que ela tinha sido seu amante e ainda lhe desejava, temi que me deixasse de lado. Não pude tolerá-lo e me parti. -E por que não quer que ele saiba? -pergunto GUI com cepticismo. -Acaso não vê que lhe amo? Já admiti mais do que tivesse desejado que ele ouvisse. Onde está o desafio se averiguar meus sentimentos? Cansará-se de mim e sairá em busca de outra. GUI a observou com olhar inquisidor durante um comprido instante. O desconcerto já começava a crispar os nervos da jovem. Estava exausta e sentia desejos de gritar que todo o dito não era mais que uma fileira de mentiras. Tinha cometido uma terrível injustiça consigo mesma ao representar essa espantosa farsa. Seria isso suficiente para salvar a sir GUI da morte? O cavalheiro, por fim, apartou-se, e a moça se voltou aliviada. Ao parecer, ele não a forçaria a continuar. Mas, o que pensaria agora dela? Tinha-o tentado tudo exceto desatar-se em lágrimas. Pelo visto, a constante humilhação se converteu em parte de sua vida. -Já não teria sentido nos enfrentar no campo de honra, Rowland. Posto que me trouxe aqui para escutar esta história, presumo que aceitará minhas desculpas. Brigitte não se voltou para ver o Rowland assentir. Sentia-se muito mortificada para olhar a qualquer desses dois homens. Só desejava estar sozinha e conteve a respiração, aguardando que a porta se abrisse para voltar logo, a fechar-se. Então, jogou-se sobre a cama e começou a chorar suas desditas. Que mentiras tão horríveis! Jamais poderia perdoar ele ter caluniado tão cruelmente a seu pai, mesmo que, dessa forma, tivesse salvado a vida de um jovem cavalheiro. E todas essas desatinadas palavras que havia dito a respeito do Rowland! De onde tinha tirado tantas mentiras? por que lhe tinham surto tão espontaneamente? -Foi muito doloroso, Brigitte? A jovem se sobressaltou e se voltou para encontrar ao Rowland de pé, junto a sua cama. -por que não te partiste ainda? -perguntou-lhe-. Vai embora! Voltou a afundar o rosto no travesseiro, e seu pranto se tornou ainda mais intenso. O homem não pôde tolerá-lo. Nunca antes lhe tinham perturbado as lágrimas de uma mulher, mas agora... voltou-se para partir, mas subitamente trocou de opinião e se sentou no bordo da cama, para logo tomar à moça entre seus braços.
Brigitte lutou para liberar-se. Não queria o consolo desse homem. Só desejava estar sozinha com sua desdita. Rowland a estreitou com doçura, mas não lhe permitiu soltar-se. Por fim, a jovem deixou de resistir e lhe apoiou uma bochecha sobre o peito, lhe molhando a túnica com as lágrimas. Então, ele começou a balançá-la brandamente, ao tempo que lhe acariciava as costas, o cabelo. Porém, ela não cessava de chorar e os soluços rasgavam o coração do jovem. -Ah, Brigitte, já te acalme -suplicou-lhe com ternura, inclinando-se para lhe beijar as bochechas-. Não suporto te ouvir chorar desse modo. Seus lábios acariciaram os da jovem, e ela não encontrou forças para resistir. A boca do Rowland continha toda a tibieza e o sabor salgado de suas próprias lágrimas. Quando ele começou a despila, Brigitte soube que era muito tarde para lhe deter e se entregou. Essa noite, lhe pertencia, e ambos sabiam. A moça entrou em um estado de selvagem desenfreio. Ele se ajoelhou junto à cama de armar e suas mãos e lábios a acariciaram magicamente, despertando uma paixão que ela jamais tinha acreditado possuir. Ele explorou cada porção de sua delicada figura com movimentos suaves, enlouquecedores. Então, a jovem sentiu desejos de receber todo o peso desse corpo masculino sobre o seu, perceber uma parte do Rowland nas profundidades de sua feminilidade. Quando, por fim, ambos os corpos se uniram, ele se moveu lenta, cuidadosamente, e Brigitte já não pôde tolerá-lo. Arqueou os quadris para lhe forçar a entregar toda a potência de sua masculinidade. Então, sobreveio um instante de êxtase. Um nó se formou no interior da jovem, que se tornava mais e mais tenso, até desatar-se com uma vibrante sensação que se estendeu por cada centímetro de seu corpo e continuou durante toda a eternidade. Um momento mais tarde, Rowland se apartou apenas para aliviar seu peso da delicada figura feminina. Mas a moça não lhe deixou partir, e ele se sentiu imensamente agradado. Ambos caíram em um profundo sonho, com os corpos entrelaçados e os rostos iluminados por um brilhante sorriso de satisfação.
24 - O tamanho é perfeito, não crie? Brigitte retrocedeu um passo para admirar ao Rowland com a túnica azul que ela acabava de finalizar. O objeto se ajustava aos largos ombros do jovem, destacando assim sua esplêndida figura, e o intenso tom azul da lã fazia ressaltar até mais a cor de seus olhos. A moça se sentia orgulhosa com sua obra e esperava com ansiedade o comentário do normando, mas ele estava tão ocupado em examinar as costuras, que parecia não ouvi-la. -E bem? -É bastante cômoda. -É isso tudo o que pode dizer? -protestou ela-. E o que opina de meus pontos? Alguma vez se abrirão nem desfiarão, sabe? -Vi-as melhores. -OH! -Brigitte lhe arrojou um fio de linho e lhe tivesse arrojado as tesouras das haver tido à mão. Já verá se me esmero tanto com a próxima! Rowland esboçou um amplo sorriso.
-Terá que aprender a interpretar minhas brincadeiras, Brigitte. Estou mais que satisfeito com seu trabalho. Todas minhas outras túnicas parecem farrapos comparadas com esta. Seus pontos são perfeitos. A moça pareceu transbordar de alegria. Tinha passado os últimos seis dias costurando na habitação do Rowland para confeccionar a túnica e um curto manto de lã da mesma cor. Uma trégua tinha estado em vigência a partir daquela noite de amor. Nenhum dos dois se atrevia a mencioná-lo, mas cada dia tinha sido diferente após. Mais que nunca advertia agora Brigitte o atrativo do moço: as suaves ondas de seu claro cabelo loiro sobre a nuca; as pequenas rugas nas comissuras de seus escuros olhos azuis quando sorria. E, ultimamente, o jovem ria com mais freqüência. Rowland continuava chateando-a, mas ela já não se ofendia. Ele já tinha tratado de reprimir sua rudeza, realizando tremendos esforços para suavizar suas maneiras. Já antes tinha advertido Brigitte os intentos de mudança no homem, mas só agora começavam a lhe importar. E cada vez com mais freqüência, encontrava-se observando ao Rowland, só lhe admirando, sem nenhuma razão em particular. O normando não tinha tentado forçá-la, obsequiando-a só com um casto beijo quando a escoltava cada noite até a habitação. E esse fato agradava ao Brigitte. Não estava segura de como poderia reagir se Rowland tentava possuí-la uma vez mais. Por um lado, encontrava-se o prazer, pelo outro, o pecado. Não desejava ter que decidir entre um ou outro, e lhe agradava o fato de que o moço não lhe forçasse. Ao deixá-la em paz, lhe estava dando tempo. Porém, esse tempo já começava a atuar contra a jovem, mesmo que ela não o advertisse. Esse mesmo dia, tinha experiente uma incrível ansiedade ao entregar a nova túnica ao normando. Brigitte não desejava deter-se analisar por que, de repente, a aprovação do Rowland lhe parecia tão importante. Tampouco desejava se perguntar porquê se tinha apressado a arrumar o cabelo e acomodá-las roupas antes de que ele entrasse na habitação. -Merece um dia de descanso, Brigitte -sugeriu-lhe Rowland, enquanto se colocava o manto sobre os ombros-. Agradaria-te ir dar um passeio pela manhã? Há umas quantas éguas mansas no estábulo de meu pai, e poderá escolher a que mais te convenha. A oferta surpreendeu a jovem. -Está seguro de que seu pai não se incomodará? -Absolutamente. -Mas não será perigoso? Os olhos do Rowland refletiram confusão durante um breve instante. -Ah, de maneira que ouviu a conversação, né? Thurston tinha estado treinando a seus homens durante várias semanas, mas ninguém é tão tolo para iniciar uma guerra no inverno. O aguardará o clima quente, ou ao menos, até assegurar-se de que pode levar alguma vantagem. Neste momento, não tem nenhuma. Nós sempre estamos bem providos de alimento no inverno, de modo que um sítio não beneficiaria a nenhum oponente. Além disso, Luthor jamais enviaria a seus homens a lutar na neve e Thurston sabe. Brigitte franziu o sobrecenho. -Não há forma de resolver este assunto sem uma guerra? -Não. Lorde Thurston é um homem ambicioso. A cobiça lhe levou a casar-se com minha meio-irmã Brenda, por quem não sente nenhum afeto. O homem espera receber mais terras das que obteve, e agora não se deterá até satisfazer suas expectativas. Deverá morrer. É essa a única forma de finalizar esta disputa. A expressão da jovem se tornou ainda mais sombria.
-Nunca antes estive em meio de uma guerra. Meu pai lutou por seu patrimônio, mas todas as batalhas do Louroux foram liberadas antes de que eu nascesse. Tanto ele como meu irmão brigaram em outras guerras, certamente, mas sempre longe do Louroux. -Nunca menciona a seu irmão -fez-lhe notar Rowland. -Porque está morto -explicou-lhe ela com voz suave-. Não me agrada falar dele. O homem não soube o que dizer, e decidiu trocar de tema. -Mesmo que te encontre em meio de nossa guerra, Brigitte, estará segura aqui. -E se Montville é derrotado? -Isso não é provável, chérie. -Mas tampouco impossível -fez-lhe notar a jovem. Logo, aspirou profundamente e deixou escapar um suspiro- De todos os modos, é possível que eu já não me encontre aqui quando começar a batalha. -O severo olhar do moço lhe fez gaguejar: -Quero dizer, eu ...OH, você sabe a que me referia. -Não, Brigitte, não sei. Se não te encontrará aqui então, onde estará? -Você enviou um mensageiro para o conde Arnulf. Acaso lhe preciso explicar isso? Rowland não respondeu, e então tocou a ela lançar um olhar severo - Você enviou ao mensageiro, não é verdade? O moço vacilou, mas o temor que subitamente se refletiu nos olhos da jovem lhe forçou a assentir com relutância. -Sim, assim foi. -Pois então, sabe a que me refiro. -Seriamente crie que o conde Arnulf poderá te apartar de meu lado? -O... ele te fará ver por fim a verdade -murmurou Brigitte com vacilação. Rowland a aproximou para lhe acariciar o queixo altivamente erguido. Seus olhos azuis revelaram uma marcada nota de pesar. -Teremos que passar por tudo isto de novo, joyita? Preferiria desfrutar de do prazer de sua companhia sem que uma disputa arruíne seu doce caráter. A moça não pôde evitar sorrir. Rowland tinha visto tão pouco de seu doce caráter, que a asseveração lhe resultava verdadeiramente ridícula. Entretanto, ele estava no certo. Não tinha sentido seguir discutindo. Logo, tudo teria terminado. A só idéia fez desvanecer seu sorriso, embora ela não conseguiu compreender a razão. Quando entraram na sala uns minutos mais tarde, Brigitte lançou um olhar escudriñadora por toda a habitação, conforme era seu costume. Devia atuar com cautela frente a Hedda e Ilse, essas imensas e desagradáveis mulheres que nunca cessavam de persegui-la. Em geral, não estava acostumado a jantar em companhia dessas damas, posto que ela não era mais que alguém serva. Mas Amélia era só uma donzela, de modo que, com freqüência, Brigitte devia sentar-se a seu lado e tolerar suas maliciosas olhadas. Essa noite, porém, Amelia não se achava ocupando seu lugar habitual na mesa, mas sim se encontrava servindo ale a um estranho, localizado-se junto à Hedda, à direita do Luthor. -Seu pai tem um convidado -anunciou Brigitte ao Rowland em voz baixa. O homem seguiu o olhar da moça com os olhos, e então se paralisou. Em seguida adotou uma expressão assassina e se levou uma mão à espada. No instante seguinte, Brigitte se sobressaltou, quando o normando se equilibrou imediatamente para a mesa do lorde. A jovem afogou uma exclamação ao ver o Rowland levantar o estranho de sua cadeira e lhe jogar para o outro lado da habitação. Todos os pressente se incorporaram de um saltou e Luthor tomou a seu filho do braço para lhe deter. -O que significa isto, Rowland? -perguntou o ancião com fúria. Era inconcebível que seu filho ousasse atacar a um convidado!
Rowland lutou para soltar-se e se voltou para seu pai com expressão irada. -Acaso GUI não te contou o que aconteceu no Arles? Luthor então compreendeu e tratou de tranqüilizar ao moço. -Sim, disse-me que você e Roger brigaram, mas essa disputa já ficou terminada. -Terminada? -bramou Rowland-. Como poderia estar terminada se esse cão infame ainda segue com vida? -Rowland! -Obviamente GUI não te contou que Roger tentou me assassinar. Atacou-me pelas costas, Luthor. O francês lhe deteve e por essa razão, tratou de lhe matar a ele também. -Mentiras! Pai e filho se voltaram para o homem de cabelos dourados. -Quem pode afirmar que te ataquei pelas costas? -perguntou Roger do Mezidon, indignado-. Sua acusação é falsa, Rowland. -Está-me chamando mentiroso, Roger? -inquiriu Rowland, desejando encontrar uma imediata razão para lutar contra seu eterno oponente. -Eu não hei dito isso -apressou-se a negar Roger- Só acredito que pode estar... mal informado. Avancei para ti, mas jamais te tivesse golpeado sem antes te advertir. Estava a ponto de te chamar quando um francês tolo me atacou e tive que me encarregar dele primeiro. -Atacou-te, diz?- gritou o outro jovem com cepticismo-. Impediu que me matasse e quase morre por isso. -Está equivocado -afirmou Roger com tom sereno-. Não houve intenção assassina. Luthor se interpôs entre ambos . -Temos uma disputa muito difícil de resolver. Não permitirei que se desate uma briga quando a causa é claramente duvidosa. -Não há nenhuma dúvida- declarou Rowland com obstinação. -Digamos, então, que eu tenho dúvidas -insistiu o lorde com aspereza-. Aqui fica terminada a disputa, Rowland. O jovem se sentiu indignado, mas seu pai já tinha pronunciado sua sentença e ele não podia oporse o sem envergonhá-lo. Porém, tampouco podia permanecer calado. -por que está ele aqui? Acaso agora nos dedicamos a alimentar a nosso inimigo? -Rowland! -exclamou Luthor com exasperação- Roger não será considerado inimigo do Montville até que se declare como tal. Jamais farei responsável a um homem pelas ações de seu irmão. -Mas ele brigará com o Thurston em seu contrário! -grunhiu Rowland. Roger sacudiu a cabeça. -Eu não tomarei partido entre o Luthor e meu irmão. Luthor foi como um pai para mim. Mesmo que Thurston seja meu irmão, não unirei a ele. -Isso diz -mofou-se Rowland. -Eu acredito -afirmou Luthor-. De modo que não quero ouvir uma só palavra mais disto. Durante muitos anos, este foi o lar do Roger. Será bem-vindo aqui até que haja uma verdadeira razão para lhe rechaçar. Agora vamos, nos sentemos juntos a comer. Rowland deixou escapar um rouco grunhido. -Ao menos, tenta melhorar seu ânimo, Rowland - arreganhou-lhe seu pai-. Tem muito confundida à encantada Brigitte com essa terrível atitude. O homem se voltou para a jovem, quem lhe observava aturdida e temerosa. Tentou aproximar-se o mas ela retrocedeu, intimidada pela sombria expressão no rosto do normando. O tratou de tranqüilizá-la, mas não obteve sequer esboçar um sorriso. Então, a moça se voltou, para afastar-se correndo da sala. -Brigitte!
A moça se deteve, mas o coração não cessou de lhe pulsar com violência. - O que te ocorre, Brigitte? Não é minha intenção te machucar -murmurou Rowland, ao tempo que lhe aproximava-. Me perdoe por te atemorizar. -Não compreendo, Rowland -começou a dizer ela com vacilação-. Alterou-te de repente... como um enlouquecido. por que atacou a esse homem sem razão? -Tinha uma razão, uma muito boa razão. Mas se falar disso, temo perder os estribos e lhe atacar novamente. Roger é um velho adversário. Brigitte se voltou com curiosidade para o moço de cabelos dourados, que se encontrava sentado junto à Hedda à mesa do lorde. Era um jovem arrumado, de pele bronzeada e majestosamente vestido. Era alto, robusto e de aspecto temível. Rowland seguiu com os olhos o olhar da jovem e franziu o sobrecenho. -Roger é imponente. Possivelmente, está pensando em usá-lo em meu contrário, tal como fez com o GUI. Brigitte lhe lançou um olhar penetrante. -Já te disse que não foi essa minha intenção! -exclamou com rudeza, mas ele ignorou o comentário. -Roger atrai às mulheres, em que pese a seu mau aspecto. te afaste dele -advertiu-lhe com severidade-. Esse homem não é de confiar. -Não tenho razões para lhe buscar -afirmou a jovem com aborrecimento. Os olhos do Rowland percorreram lentamente sua figura. -Mas ele teria um sem-fim de razões para te buscar a ti, rapariga. Brigitte se ergueu, um pouco chateada. -Não me agrada esta discussão, Rowland. E já perdemos muito tempo. irei procurar sua comida. -E a tua. -Não esta noite -disse ela com firmeza-. Jantarei com os serventes. -Ele a tirou da boneca. -por que? -me solte, Rowland. Há muita gente nos observando. O moço a liberou e permaneceu imóvel, contemplando com ar pensativo à moça, que se afastou pressurosa. Sacudiu a cabeça, confundido ante seu humor. Freqüentemente, perguntou-se se em realidade podiam existir dois aspectos tão diferentes no Brigitte. E quanto mais o pensava, mais advertia que a mulher colérica e rabugenta que tinha conhecido, poderia simplesmente ser uma doce dama aturdida e ofendida pelas atuais circunstâncias. Isso explicaria muito... muito, na verdade. Rowland rogou estar equivocado e que as qualidades gentis, doces e modestas que Brigitte tinha revelado nessa última semana fossem completamente falsas. Do contrário, teria que enfrentar a possibilidade de que ela era em realidade uma dama. E ele não desejava sequer considerá-lo.
25 A grande sala do Louroux se encontrava quase deserta, sombria. O barão, inclinado em sua majestosa cadeira, afogava suas desditas em um forte vinho. Não havia ninguém mais na habitação. Quintin do Louroux se achava novamente em casa, mas sua volta lhe tinha provocado um infinito pesar. A razão de seu retorno não se encontrava ali para lhe receber, e ele ainda não
conseguia compreender a causa dessa ausência. Sua formosa, vital irmã se confinou em um convento! Não era próprio do Brigitte afastar do mundo para encerrar-se em um sombrio monastério. Quintin o poderia ter compreendido se a moça lhe tivesse acreditado morto, mas Druoda lhe tinha contado que ele seguia com vida e, mesmo assim, sua irmã tinha escolhido a vida austera. A jovem se partiu sem sequer esperar a lhe ver, por que? Segundo Druoda, Brigitte se tinha tornado veementemente religiosa pouco depois da partida de seu irmão fazia o sul da França e tinha começado a preparar-se para a vida austera mudando-se às choças dos serventes e trabalhando sem cessar nas árduas tarefas da mansão. O fato mais penoso era que a jovem não tinha comentado a ninguém em que monastério planejava ingressar. Poderia levar anos ao Quintin encontrá-la e, para então, a moça estaria tão firmemente dedicada à vida monacal que lhe seria impossível convencer a de retornar a casa. -Pediu-me que te dissesse que não a buscasse, Quintin -afirmou Druoda com tom solene e uma expressão triste em seus olhos pardos-. Inclusive chegou a me comentar que adotaria um novo nome, de modo que jamais conseguisse encontrá-la. -Acaso não tentou dissuadir a desta idéia? - inquiriu Quintin. A notícia lhe tinha perturbado até o ponto de lhe irritar. -claro que sim, mas você sabe quão obstinada pode ser sua irmã. Inclusive lhe ofereci lhe buscar um bom marido, mas se negou. Em minha opinião, a idéia do matrimônio teve algo que ver com sua decisão. Acredito que sente certo temor pelos homens. Acaso Druoda tinha estado no certo? Temia Brigitte ao matrimônio? -Jamais deveria lhe haver permitido a eleição de um marido, Quintin -tinha agregado Druoda-. Deveu ter insistido em que se desposasse muito tempo atrás. Agora o moço se sentia afligido pelos remorsos. Se tivesse procurado um bom marido para sua irmã antes de partir, a moça se encontraria em casa, desposada e esperando um filho provavelmente. Como estavam as coisas, Brigitte nunca experimentaria a sorte da maternidade, jamais conheceria o amor de um homem devoto. Quintin voltou a beber da garrafa, ignorando já as taças. Os outros dois botellones de vinho se encontravam vazios sobre a mesa. Ali também se achava o copioso banquete preparado especialmente por sua tia, mas o moço não sentia desejos de comer e, de tanto em tanto, arrojava partes de carne aos três galgos que jaziam a seus pés. Ao retornar a casa, o jovem tinha encontrado encerrados aos cães, um costume totalmente inédito no Louroux. Porém, não era esse a única mudança. Os serventes se viram agradados ao lhe ver, mas já não pareciam tão alegres como sempre. Muitos tinham tentado lhe falar em privado, mas Druoda se encarregou de lhes afugentar, alegando que não desejava ver perturbar a seu sobrinho. Quintin não tinha visto mais que a sua tia a partir de sua chegada ao Louroux essa mesma tarde. Ao inteirar-se da ausência de sua irmã, o moço se encerrou na sala, para grunhir a qualquer que tentasse entrar. Já era tarde e se sentia exausto, embora totalmente acordado. Nem sequer o vinho parecia lhe ajudar, e começou a perguntar-se quantas garrafas deveria beber para conciliar o sonho. Haveria muito que fazer pela manhã e necessitava um descanso. Imediatamente, iniciaria a busca do Brigitte. Poderia ter começado esse mesmo dia se seus homens não tivessem estado tão atarefados em seu enfrentamento com uma banda de malfeitores. Dois de seus soldados tinham sido feridos, mas não havia tempo de pensar nisso. Tinha que decidir quais de seus homens levaria consigo na expedição e que direção tomaria. Havia, entretanto, um elo perdido; algo que poderia lhe facilitar a busca, mas não conseguia descobri-lo. Talvez, não se encontrava tão acordado como acreditava.
E então, um súbito pensamento lhe assaltou. Certamente! Brigitte não podia ter abandonado sozinha Louroux. Alguém teria que havê-la escoltado. E, com segurança, esse homem conheceria seu paradeiro. Druoda, sem dúvida, sabia a identidade da escolta! Ante a idéia, Quintin ficou de pé. Mas se cambaleou e voltou a cair sobre sua cadeira, deixando escapar um grunhido, posto que sua cabeça parecia a ponto de estalar. -Milord, permitiriam-me falar umas palavras com você? Quintin entrecerró os olhos, tentando olhar entre as sombras, mas não conseguiu ver ninguém. -Quem anda aí? -Eudora, milord- respondeu a jovem com acanhamento. -Ah, a filha da Althea. -O moço se reclinou sobre o respaldo. -E bem, onde está? te aproxime. Uma forma pequena surgiu da escada, vacilante, e detrás deter um instante, começou a avançar. As diminutas velas da mesa titilaram sobre o corpo da moça, fazendo que Quintin divisasse dois, não, três figuras dançando diante de si. -Fica aquieta, moça! -ordenou-lhe o moço com rudeza. -Isso... isso faço, milord. -O que é isto? -O franziu o sobrecenho. -Parece atemorizada. Maltratei-te alguma vez, Eudora? Não tem razão para me temer. A moça se retorceu nervosamente as mãos. -Tratei de lhes falar antes, milord, mas você... você arrojaram isso uma parte de queijo e me ordenaram que saísse. Quintin soltou uma breve risada. -Sério? Temo que não o recordo. -Estavam muito perturbado, e é natural, considerando o que aconteceu em sua ausência. O homem deixou escapar um profundo suspiro. -me diga, Eudora, por que o fez? -Não me corresponde falar mal de sua tia -respondeu a jovem com inquietação. -Minha tia? Eu referia a minha irmã. Mas suponho que você desconhece a razão. Onde está Mavis? Ela era íntima amiga do Brigitte. Sem dúvida, sabe por que minha irmã tomou esta decisão. -Acaso não foram informado? -perguntou Eudora, surpreendida-. Mavis morreu. Os olhos do Quintin se entrecerraron. -Mavis? Como aconteceu? -Sua tia a expulsou daqui e, esse mesmo dia, foi assassinada na rota... por uns ladrões. Embora, às vezes, pergunto-me se foram realmente ladrões quem a matou. O homem observou fixamente à moça, e sua embriaguez pareceu desvanecer-se de repente. -Com que direito fez minha tia semelhante costure? -A mulher se proclamou ama do Louroux logo que recebeu a notícia de sua morte. O jovem pareceu perturbado pelo comentário. -Quer dizer que foi nomeada tutora do Brigitte. não é assim? A inquietação da Eudora aumentou. -OH, não, milord, não sua tutora. O conde do Berry não foi informado de sua morte. Quintin se endireitou subitamente em seu assento. -Como é possível? -Druoda lhe ocultou a notícia. E não permitiu que Brigitte abandonasse Louroux para lhe levar a mensagem. Inclusive os vassalos se negaram a ajudar a sua irmã, posto que todos supunham que Druoda e seu marido se converteriam em tutores de milady. Todos seguiram cinicamente as ordens da Druoda. Nem sequer Walafrid ousou discutir as ações de sua esposa. -Dá-te conta do que está dizendo? -perguntou Quintin com voz grave e ofuscada. Eudora retrocedeu com nervosismo.
-É a verdade, milord, juro-lhes isso. Acreditei que, sem dúvida, Druoda já o tinha confessado tudo, de outro modo, jamais me tivesse atrevido a me apresentar ante você. Todos aqui sabem como tratou essa mulher a sua irmã... é absurdo que ela esperasse manter o segredo frente a você. -Minha tia não me disse nada disso. -Então, sinto muito. Não vim aqui para difamar a Druoda. Só me aproximei para averiguar se sabia o que aconteceu com lady Brigitte. estive muito preocupada. A moça já deveria ter retornado. -Retornado? O que está dizendo, Eudora? -perguntou Quintin com lentidão-. Talvez, será melhor que me conte tudo o que sabe a respeito de minha irmã. Isso fez a jovem; primeiro, com tom vacilante e logo, com incrível pressa. -Brigitte tratou de escapar e o tivesse obtido se o normando não a tivesse encontrado. Que normando? -que veio aqui procurando o ama do Louroux - explicou a moça. -Rowland do Montville? -Se... acredito que esse era seu nome. Brigitte partiu com esse cavalheiro normando. -Então, isso o explica tudo -assentiu Quintin- Já vê, Rowland do Montville deveria anunciar que eu seguia com vida. -Mas nós não fomos informados até uma semana mais tarde -apressou-se a explicar Eudora-, e lady Brigitte jamais se inteirou. Estou segura disso. -Fez uma pausa, para logo adicionar com veemência: -O que não entendo é como Druoda podia pretender lhes ocultar tudo isto... -de repente, deteve-se para olhar com olhos sobressaltados aos três cães que se encontravam aos pés do barão-. O que acontece com seus galgos, milord? - inquiriu com tom lhe sussurrem. Quintin se voltou para os cães, que, tendidos, tentavam em vão levantar-se. O moço observou os primeiro animais e logo, as partes de carne que ele mesmo lhes tinha arrojado. Pouco a pouco, tudo se esclareceu, e Quintin jogou um olhar ao copioso banquete preparado especialmente por sua tia. -O galgo negro parece muito quieto, milord -comentou Eudora com voz trêmula. -Temo-me que envenenei a meus próprios cães -disse Quintin com tom acalmado. -Você? -Alimentei-os com a comida especialmente preparada para mim -explicou o moço de modo tétrico- Ao parecer, o propósito era que eu cessasse de respirar. -Provaram vocês essa comida? -inquiriu Eudora, horrorizada. -Nem um bocado. Só o vinho. -Ela... ela tratou... de me matar -concluiu Quintin com veemência-. A irmã de minha mãe. De meu próprio sangue. É óbvio agora por que razão não confessou suas maldades e suplicou minha indulgência. Se não morria eu com este jantar, tivesse tentado me envenenar amanhã. E tivesse chegado a obtê-lo, posto que eu jamais tivesse suspeitado seus negros propósitos. Eudora, salvaste-me a vida ao vir a mi. Maldição! O que esperava ganhar minha tia com tanta maldade? -Com sua irmã ausente e você morto, não poderia ela haver-se proclamado ama do Louroux? -sugeriu a moça. Quintin exalou um suspiro. -Suponho que Arnulf não duvidaria em lhe conceder tal privilégio, posto que a mulher leva meu sangue. A muito cadela! -Meu Deus... onde está Brigitte? Se Druoda for capaz de me matar, poderia também tratar de assassinar a minha irmã! -Não acredito milord. Lady Brigitte partiu com o normando. Parecia bastante segura. -Mas, onde a levou Rowland? -gemeu o moço-. Juro que se Druoda não pode me dizer onde encontrar ao Brigitte, assassinarei-a com minhas próprias mãos!
Quintin se afastou com passo irado da sala, já completamente sóbrio, sentindo que uma geada onda de ira invadia todo seu ser.
26 -me retorne! O angustiado grito fez que Brigitte abrisse subitamente os olhos e se voltasse na gigantesca cama para observar ao Rowland. O moço se achava dormido, mas falava... de fato, suplicava. -me retorne! Rowland girou a cabeça de lado a lado e se sacudiu violentamente sob as mantas. Com uma mão, golpeou o peito do Brigitte, e a moça afogou uma exclamação e se sentou para acotovelá-lo no ombro. -Acorda! Os olhos do homem se abriram para olhá-la, e ela prosseguiu com irritação -Já bastante tenho com suas maus maneiras quando está acordado. Não necessito que me maltrate enquanto dorme. -Maldição, mulher -disse ele com um suspiro de indignação-. O que tenho feito agora? -Primeiro, despertou com seus gritos e logo, golpeou-me, Acaso era seu sonho tão perturbador? -Esse sonho é sempre perturbador. Nunca consegui compreendê-lo. -O homem franziu o sobrecenho em meio das penumbras. -Já tiveste antes este sonho? -perguntou a jovem surpreendida. -Sim. Perseguiu-me desde que tenho memória. -Sacudiu a cabeça. -Disse que tinha gritado. Quais foram minhas palavras? -me retorne. Disse-o com tom desesperado, Rowland. O voltou a suspirar. -No sonho, só há rostos, o de um jovem e uma mulher, a quem não consigo reconhecer. Vejo-os por um tempo, e quando já não posso divisá-los, experimento uma terrível sensação de perda, como se me estivessem arrebatando todo aquilo que mais quero. -Mas não sabe o que é? -Não. Jamais valorei nada até o ponto de temer perdê-lo. -Lançou ao jovem um olhar estranhamente tenra,- até agora. Brigitte se ruborizou e apartou o olhar. -Pode que esqueça antes seu sonho se já não falarmos mais do tema. -Já o esqueci -assegurou ele com um sorriso, ao tempo que deslizava um dedo pelo braço nu da moça. Ela se apartou. -Rowland... -Não! -O moço lhe rodeou a cintura com um braço para mantê-la a seu lado, e os olhos da jovem se dilataram de terror. Ele então, suspirou. -Ah, Brigitte, te deixe levar por seus sentimentos. -Isso faço! -exclamou ela. Rowland pressionou o delicado corpo da jovem sobre a cama e lhe aproximou para lhe falar com tom lhe sussurrem.
-Memore, joyita. Meu galanteio não te chateia absolutamente. Se fosse honesta, admitiria que te agrada que faça isto. -Acariciou-lhe docemente um peito através do fino linho do lençol.- E isto.inclinou-se para acariciar os lábios da moça em um tenro beijo.- E... -Não! -Brigitte lhe sujeitou a mão antes de que esta subisse por entre suas coxas-. Detenha-te! Os olhos do Rowland arderam de desejo ao observar a jovem, e tomou o rosto entre as mãos. -Por favor, Rowland. Não o arruíne tudo. -Arruinar? Face aos esforços da jovem para lhe deter, ele voltou a beijá-la, esta vez, com paixão. Mas então, a liberou abruptamente e se endireitou. -O único que me agradaria arruinar é sua decisão de permanecer impassível frente a minhas carícias, mas sei que desejas continuar com essa farsa de indiferença. Brigitte permaneceu em silêncio, posto que algo se despertou em seu interior ao receber o apaixonado beijo do jovem. Acaso ele tinha chegado a percebê-lo? Era Rowland consciente de que, se tivesse contínuo beijando-a, ela já não teria protestado? De fato, sentia-se um pouco desiludida ante a pronta rendição do normando. O que lhe estava acontecendo? teria se tornado lasciva sem notá-lo? -Está zangado comigo? -perguntou-lhe com tom vacilante, rogando uma resposta negativa. -Zangado, não. Decepcionado, talvez, e bastante frustrado, mas não zangado. Suponho que necessita tempo para te acostumar a mim. -É muito generoso, milord- afirmou a moça com sarcasmo, já tão frustrada como ele-. Continua me dando tempo, e me terei partido antes de acabar com sua paciência. Muito tarde advertiu a jovem a implicação de suas palavras e, então, ruborizou-se e começou a gaguejar, mas as gargalhadas do Rowland sufocaram seus murmúrios. -De maneira que assim é! Então parece que chateio a ambos com minha paciência, né? -Não, Rowland -apressou-se a negar Brigitte-. Interpretaste-me mau. -Não acredito assim. -O moço esboçou um amplo sorriso. Imediatamente, ele lhe aproximou, mas ela se levantou da cama e correu para suas roupas para vestir-se com incrível pressa. Depois de colocá-la túnica amarela, jogou um olhar vacilante ao Rowland, quem continuava sentado sobre o leito, sacudindo a cabeça. -Muito bem-concluiu ele, ao tempo que tomava suas roupas-. Mas algum dia, aprenderá que as relações entre um homem e sua esposa devem ser íntimas e freqüentes, não só de vez em quando. -Fez uma pausa, para logo adicionar com doçura: Nós poderíamos alcançar tal intimidade. -Está-me propondo matrimônio? O olhar do homem foi tão intensa e prolongada que a jovem começou a sentir-se inquieta. -Acaso aceitaria? -Eu... Brigitte franziu o cenho, consternada. O impulso de jogar no ar a cautela e responder afirmativamente era quase irresistível, mas conseguiu controlar-se. -Claro que não aceitaria- respondeu com teima. Rowland se encolheu de ombros. -Então, seria muito tolo em lhe propor isso não crie? Ela se voltou, profundamente ferida. Em realidade, o tema não interessava ao Rowland. O matrimônio não significava nada para ele. Talvez ela não significava nada para ele. Caminhou com passo firme para a porta e, depois de chamar o Wolff com um estalo, partiu sem aguardar normando. OH, por que se tinha deixado convencer de passar a noite nesse quarto? Maldição! Não havia término médio para esse homem. Ou mantinha ocultas suas emoções ou as tirava reluzir com incrível frenesi. Quais eram os verdadeiros sentimentos do Rowland? A sentiria falta de quando ela se partiu? Mas Brigitte nem sequer ousava formulá-la pergunta.
27 Cavalgar na geada amanhã com o Rowland era lhe vivifique. O vento frio açoitava as bochechas rosadas do Brigitte, mas a moça desfrutava do passeio e se sentia reanimada. Já se aproximava o meio-dia quando retornaram à mansão. Rowland se deteve uns minutos no estábulo e Brigitte se dirigiu sozinha à habitação do homem, para sentar-se a costurar... e a meditar. Quando se abriu a porta, a jovem sentiu alívio ao interromper seus perturbadores pensamentos. Mas, então, advertiu que não era Rowland a não ser Roger do Mezidon quem tinha entrado na antecâmara como se lhe pertencesse. Depois de fechar a porta, o moço atravessou a habitação para deter-se uns poucos passos do Brigitte, quem, surpreendida, tentou descobrir a razão dessa visita, mas só a advertência do Rowland foi a sua mente. Ao perceber o ardente olhar dos azuis olhos do Roger, a moça se precaveu de quanta verdade tinham encerrado aquele as palavras. -É tão encantada como recordava -comentou ele com tom congraciador. A adulação inquietou a jovem. -Não deveria estar aqui, sir Roger. -Ah, isso já sei. -Então, por- o que...? -Seu nome é Brigitte -interrompeu-a o moço, dando um passo adiante-. Um antigo nome francês... sinta-te bem. Falaram-me muito de ti. A segura atitude e a familiaridade desse homem desgostaram à moça. -Não me interessa o que lhe hajam dito de mim -assegurou-lhe com tom severo, feliz de que Wolff se encontrasse tendido sob a cama do Rowland. -Seu tom me machuca, rapariga. Suponho que Rowland te advertiu em meu contrário, não é verdade? -Acredita que puseste seus olhos em mim e abriga a idéia de um estupro. -Ah, rapariga, por que diz semelhante coisa? Não há necessidade de apregoá-lo. Brigitte se incorporou instantaneamente, alarmada. -Quer dizer que Rowland tem razão? Roger lhe aproximou o suficiente para lhe acariciar a bochecha. -Estou aqui, não? -disse-lhe como resposta, e soltou uma breve risada quando a moça deu um passo atrás. Busquei-te muito ontem à noite, até que por fim me dava conta de que Rowland não seria capaz de deixar tão valioso prêmio fora de seu alcance. O homem é na verdade afortunado, mas já é hora de que compartilhe comigo algo de sua sorte. -Jamais permitirei que me toque! -exclamou a jovem com rudeza. Entretanto, Roger não se deixaria vencer tão facilmente. Estendeu os braços para estreitá-la, mas lhe apartou a mão de uma bofetada. Imediatamente, o homem a tirou da nuca e, antes de que a moça pudesse protestar, cobriu-lhe a boca com uma beijo. Brigitte, aturdida, atrasou-se em reagir. O beijo não lhe resultou desagradável, mas não chegou a comovê-la. Se tivesse percebido um tremor nos joelhos, uma rápida agitação no estômago ou apenas uma vibrante sensação, provavelmente teria permitido que ele continuasse beijando-a, agradecida ante o descobrimento de que não era Rowland o único que podia perturbá-la. Mas não era esse o caso, e por fim a moça tratou de apartar ao Roger. O, entretanto, só a estreitou com mais força, lhe sujeitando a cara com ambas as mãos para seguir apoderando-se de seus delicados lábios. Brigitte não alcançou a perder a calma. A larga agulha que ainda sujeitava na mão era justo o que necessitava. Imediatamente, cravou o afiado extremo no braço do homem, sem imaginar que
provocaria tão surpreendente reação, ele retrocedeu de um salto, e a agulha rasgou a larga manga de sua túnica, desenhando na pele uma marcada linha cor carmesim. Durante um instante, ambos pareceram hipnotizados pelo fluxo de sangue. Então, os olhos do Roger se voltaram para a jovem, e ela se estremeceu ante tão furioso olhar. Nesse momento, Brigitte pôde imaginar a esse homem valendo-se de desonrosos médios para assassinar a um homem. Havia nele algo perverso e atemorizada a moça retrocedeu rapidamente para colocar uma cadeira entre ambos. -Não tem que fugir de mim, rapariga. -A sombria expressão no rosto do Roger contradisse seu suave tom de voz. -Só me arranhaste. Suas unhas poderiam causar muito mais danifico... e juro que te darei oportunidade das usar. -Comete um engano, sir Roger. Rowland te matará por isso. O moço arqueou uma sobrancelha. -Acaso você o contaria? Ousará lhe confessar que te hei possuído? Crie que te seguirá querendo depois disso? -E pensa acaso que seguirá com vida para averiguá-lo? -replicou ela com outra pergunta-. Rowland se valerá da mais insignificante razão para te desafiar. Não adverte acaso com quanta desespero deseja te matar? Não sei exatamente por que, mas agora estou segura de que é merecedor de todo seu ódio. -Vulgar rameira! -vaiou Roger. Assim que ele começou a aproximar-se o Brigitte, sem pensá-lo um instante, soltou um grito para chamar o Wolff. A imensa besta saiu de seu esconderijo sob a cama e saltou ‘no ar, jogando no Roger de costas contra o chão. O animal se lançou para o pescoço do homem e o fornido jovem não pôde mais que contê-lo. -me tire a este monstro de cima! Por amor de Deus, mulher! tire-me isso -¡Santo Dios! ¡Eres tan pagana como Rowland! A jovem vacilou o suficiente para aterrorizar ao Roger e logo, chamou o Wolff com relutância. O cão obedeceu, e ela se ajoelhou para acariciá-lo, sem apartar um olho cauteloso do homem, que já começava a levantar-se lentamente. O lhe lançou um olhar de assombro. -Está louca ao me atirar esse horrível monstro em cima. Poderia me haver matado! -OH, sim, sem dúvida, tivesse-o obtido facilmente - assentiu Brigitte com um sotaque de malícia-. Talvez, deveria haver o permitido. Já antes matou a outros homens que tentaram me atacar. E, com segurança, também tivesse desfrutado desta vez. É totalmente selvagem, sabe? -Santo Deus! É tão pagã como Rowland! -E o que é você, nobre lorde? -replicou ela com desdém-. Acaso não veio aqui para me atacar? Suponho que não vê nada de mau em te aproveitar de uma mera serva, né? Porco! -exclamou com fúria. -É muito ousada, harpia prostituta- grunhiu o homem com um ameaçador brilho nos olhos. -Isso crie? -Brigitte soltou uma áspera gargalhada, já não mais temerosa desse homem. -Sou ousada porque assim o exige minha estirpe. Disse que lhe tinham falado de mim? Pois bem, com segurança, foi mal informado, posto que ninguém aqui conhece minha verdadeira identidade. Eu sou Brigitte do Louroux do Berry, filha do defunto barão do Louroux, agora pupila do conde do Berry e herdeira do Louroux e todos seus domínios. -Não pôde resistir a dizer-lhe né? Roger e Brigitte se voltaram surpreendidos para encontrar ao Rowland junto à porta com uma inescrutável expressão no rosto. -Se tiver estado ali o suficiente, Rowland, então saberá que só estava explicando a sir Roger a razão de minha ousadia ao lhe chamar "porco".
A moça falou com tanta calma e simplicidade, que Rowland não pôde a não ser soltar um estalo de risadas. -É verdade o que esta jovem afirma, Rowland? -perguntou Roger-Pertence seriamente à nobreza? A resposta do Rowland assombrou a jovem. -Ela é tudo que afirma ser. -Então, por que finge ser uma serva? É ultrajante! -Sente-se ultrajado, Roger? -inquiriu o outro jovem com calma, enquanto se passeava lentamente pela habitação- Desejas, talvez, me desafiar pela honra da dama? Roger titubeou, tratando de evitar o olhar do outro homem. Brigitte acreditou lhe ver empalidecer. Rowland não se encontrava tão sereno como aparentava. De fato, parecia uma besta enjaulada. Não havia temor nele, só espera. Desejava que o outro lhe desafiasse... desejava-o com desespero. -E bem, Roger? -Não te desafiarei, Rowland, não aqui em sua casa. Sei que crie possuir o direito moral de me matar e a ira aumentaria suas forças. Mas está equivocado comigo, Rowland. -Não te acredito. -Mesmo assim, não sou tão tolo para brigar em seu contrário agora. Só senti curiosidade de saber por que a dama se encontra aqui com uma identidade falsa. Brigitte falou impulsivamente. -Isso não te concerne, sir Roger. -Bem dito, Brigitte -assentiu Rowland com tom gelado-. Mas, não crie que deveríamos esclarecer dúvidas deste bom amigo? depois de tudo, merece-se algo mais por seus esforços que esse leve arranhão no braço. -Jogou um penetrante olhar ao jovem-. Como foi que recebeu esse arranhão, Roger? Acaso milady se viu forçada a defender-se? É por isso que te chamou porco? A moça se interpôs imediatamente entre ambos jovens. -Suficiente, Rowland. Sei aonde quer chegar, mas não permitirei que me use dessa forma. -Estava muito perturbada quando cheguei -recordou-lhe ele com tom severo-. por que razão? -Senti-me ofendida pela atitude de sir Roger... muito semelhante à tua- respondeu a jovem com mordacidade, e sentiu prazer ao ver o moço estremecer-se. Então, Roger atraiu sua atenção com uma eloqüente reverencia. -De ter sabido que foi uma dama, rapariga, jamais me tivesse atrevido a te ofender. -Essa não é desculpa, sir Roger -disse Brigitte com frieza. -Fora daqui, Roger! -bramou Rowland com uma violenta expressão nos olhos-. Encarregarei-me de ti mas tarde se milady não tiver uma inocente justificação para explicar por que te feriu. No momento, só te advertirei que jamais volte a lhe aproximar isso -Muy bien. Sí, fue sólo una farsa. ¿Hubieras preferido que te llamara mentirosa frente a Roger? Roger abandonou imediatamente a habitação. Brigitte se sentia furiosa com o Rowland, posto que tinha tentado utilizá-la como desculpa para assassinar a um homem. -Milady, né? E desde quando o sou para ti? -inquiriu logo que Roger teve fechado a porta-. Crieme por fim ou foi só uma farsa frente a ele? -Primeiro responderá a minha pergunta, Brigitte! -Não! -exclamou ela com obstinação. Rowland desviou o olhar. -Muito bem. Sim, foi só uma farsa. Tivesse preferido que te chamasse mentirosa frente a Roger? -Tivesse preferido que seus motivos não fossem tão detestáveis -respondeu a jovem, decepcionada-. Desejava que te desafiasse para poder lutar em seu contrário. -Isso não o nego! -grunhiu ele, olhando-a fixamente com expressão sombria-. Quando lhe vi contigo, sentia desejos de lhe despedaçar. Entretanto, não queria que se sentisse culpado por sua morte. Se Roger me desafiava, só o seria responsável.
-Está exagerando, Rowland -afirmou Brigitte, cada vez mais irritada-. Roger só me beijou e, por isso, recebeu o que merecia. O homem se voltou e começou a caminhar para ela -Alegra-me que o tenha feito! -Acaso lhe provocou? -perguntou com voz baixa. -Não. -Mas o beijo te agradou. -Crie que lhe tivesse detido se me tivesse agradado? -inquiriu ela com irritação-. Só disse que me tinha alegrado de que isso acontecesse. Esse beijo me demonstrou algo. -O que? Ela baixou os olhos e sussurrou com uma voz apenas audível. -Não me comoveu. Esse breve comentário revelou ao Rowland muito mais que um milhar de palavras. O moço compreendeu. Só ele era capaz de comovê-la. Não Roger. Nem, talvez, nenhum outro homem. E que ela tivesse chegado a admiti-lo... Aproximou-se lentamente à moça, tomou o rosto entre as mãos e a beijou com doçura. Brigitte sentiu um tremor nos joelhos, uma agitação na boca do estômago; todo seu corpo vibrou. E quando Rowland a elevou entre seus braços para levá-la até a cama, ela não protesto. Essa noite, um mesmo desejo lhes unia. A jovem desejava a esse homem. E só esse irresistível desejo ocupou seus pensamentos enquanto lhe tirava o vestido com impaciência para tocar sua pele nua. Um homem forte, esplêndido; um homem doce e violento e vingativo; o único homem que desejava abraçar, acariciar, saborear. E quando o moço a elevou lentamente até esse glorioso momento de êxtase, a moça, por um instante, perguntou-se se se tinha apaixonado pelo Rowland do Montville.
O dia amanheceu com um sol brilhante, um motivo de alegria nessas geladas manhãs. Assim que Rowland teve abandonado a sala para realizar seus exercícios matutinos no pátio, Brigitte saiu em busca da Goda, que se encontrava na despensa, esfolando um coelho para a comida. -Necessitaria sua ajuda se estiver disposta, Goda - pediu-lhe Brigitte, ao tempo que se sentava sobre o banco junto à moça-. Rowland insiste em que deixe de costurar para ele por um tempo e faça um vestido para mim. Mas necessito ajuda para cortar o gênero. -Ajudarei-te com agrado, ama, logo que termine aqui. Lady Hedda me impôs esta tarefa e não me atrevo a abandoná-la até ter finalizado. A menção da madrasta do Rowland despertou reprimida curiosidade do Brigitte. -Seriamente Hedda odeia ao Rowland? O assim o afirma, mas o encontro difícil de acreditar. -OH, certamente. Sempre foi desse modo. Sir Rowland levou uma vida muito dura aqui. Entristece-me pensar tudo o que sofreu quando era menino. -me fale de sua infância Te encontrava você aqui? -Então, eu era muito pequena para servir na mansão, mas minha mãe sim trabalhava aqui. OH, quantas histórias trazia ela a minha casa da aldeia. Nessa época, eu acreditava que mamãe só inventava esses contos para me atemorizar e me obrigar assim a ser boa. Senti-me horrorizada mais tarde quando me inteirei de que todas eram verdadeiras. -Que histórias? -Histórias de como tratava lady Hedda ao pequeno menino -respondeu Goda e em seguida, enmudecíó, ao tempo que desprezava o pele do coelho e tomava uma cuchilla. -E bem?-perguntou Brigitte com impaciência-. Não te detenha agora. Goda olhou em redor com nervosismo antes de responder.
-Lady Hedda aproveitava qualquer oportunidade para lhe golpear e nem sequer procurava uma razão quando lorde Luthor não se encontrava perto. Ilse e lady Brenda eram como sua mãe, se não pior. Um dia, encontraram a lady Brenda açoitando ao menino com um látego. O moço estava sangrando e inconsciente, mas, ainda assim, ela continuava lhe golpeando. -por que? -inquiriu Brigitte, horrorizada. -O tinha ousado chamar "irmã" a lady Brenda. -Santo Deus! Goda esboçou uma fraca, pormenorizado sorriso. -O homem levou uma vida muito dura aqui. Uma vez que cresceu com suficientes força para defender-se das damas, teve que lutar com seu pai. E meu lorde Luthor é o professor mais exigente e rigoroso que existe. Se Rowland não era capaz de aprender com rapidez as habilidades que seu pai lhe ensinava, recebia severos golpes por seu fracasso. E também estavam aqui os outros moços maiores, a quem tinha que enfrentar-se. Brigitte guardou silêncio, enquanto observava a Goda trabalhar. Uma imensa tristeza a embargou ao pensar na terrível vida do Rowland. Sentiu compaixão pelo pequeno menino que tinha sido tão maltratado. Mais que nunca, apreciava agora o aspecto doce do Rowland que ela tinha chegado a conhecer. Era incrível que o homem tivesse tendido a demonstrar uma cota de ternura. Uns instantes mais tarde, Brigitte e Goda se encontraram atravessando a sala, ansiosas por empreendê-la tarefa de cortar o tecido para os novos vestidos. Brigitte se achava enfrascada em suas meditações, que quase não advertiu quando chegaram às escadas que conduziam ao piso superior. Mas então, deteve-se quando uma estridente voz interrompeu seus pensamentos. -aonde crie que vai? Uma expressão de terror se refletiu no rosto da Goda. Brigitte se voltou para encontrar a Hedda caminhando com passo firme para a escada. Ilse a seguia e mais atrás, aproximavam-se sua donzela e Amelia. -E bem? -perguntou Hedda, ao tempo que lhes aproximava com as mãos em seus ossudos quadris e uma expressão severo nos olhos-. Responde! Goda empalideceu, consciente das conseqüências que seguiriam a esse sucesso. -Eu ...eu... A moça não conseguiu culminar sua frase, e Brigitte se enfureceu ao ver seu amiga tão atemorizada. -Goda me estava acompanhando para a antecâmara de meu amo- informou com tom brusco, sem ocultar seu desagrado pela madrasta do Rowland. -por que razão? Ele não necessita uma serva. O menosprezo da dama irritou a jovem e as risadas afogadas das outras três mulheres a enfureceram, mas conseguiu controlar seu arrebatamento de ira. -Não foi sir Rowland a não ser eu quem requere a ajuda da Goda- explicou com calma. A súbita reação da Hedda a surpreendeu. -Você! -bramou a mulher- Por todos os céus! Por amor de Deus... -Senhora, não tem razão para te comportar como se se cometeu um crime -interrompeu-a Brigitte com tom severo-. Só supliquei a Goda dispensasse um minuto de seu tempo. A moça já tinha terminado sua tarefa. Não a estava se separando de suas obrigações. -Silêncio! -gritou Hedda com fúria-. As obrigações da Goda nunca culminam. Seu tempo não lhe pertence. Ela me serve e a todos os que eu lhe ordene servir... mas, certamente, não à prostituta de um bastardo! Brigitte soltou uma exclamação. Não se tivesse surpreso mais se a dama a tivesse esbofeteado. As tolas risadas das outras três mulheres retumbaram com mais e mais intensidade no interior de sua cabeça, e notou que todas se estavam divertindo com a cena.
-Goda! -exclamou Hedda-. Volta para seu lugar de trabalho. Encarregarei-me de ti mais tarde. A moça partiu correndo da sala com lágrimas nos olhos. Brigitte a observou partir, sabendo que se sentiria responsável se castigavam a seu amiga. Entretanto, fazia acaso um pouco tão terrível? Hedda tinha estado esperando uma oportunidade para infligir sua crueldade. -E Você! -A dama se voltou uma vez mais para o Brigitte. -Vete daqui. Estou obrigada a tolerar sua presença quando te encontra perto do bastardo, mas não de outro modo. A jovem se ergueu com arrogância, sentindo um irresistível desejo de golpear à velha bruxa. Ainda assim, manteve a calma quando falou. -Você, senhora, tem os maneiras de uma vaca. -Hedda avermelhou e começou a balbuciar, mas Brigitte prosseguiu-. E qualquer que te chame dama o faz só para burlar-se! A moça se voltou, mas antes de que alcançasse o primeiro degrau da escada, a mão curva da Hedda a tirou do ombro e a forçou a girar. A mulher a esbofeteou com tanta violência, que a cabeça do Brigitte se sacudiu. As delicadas bochechas da jovem arderam com a marca de tão selvagem castigo, mas ela não se alterou. Permaneceu imóvel, indignada e desafiou à dama com uma expressão depreciativa nos olhos. O desdém do Brigitte provocou um alarido da Hedda, habituada a serventes que se arrojavam temerosos a seus pés ante o menor arrebatamento de cólera. Com o rosto arroxeado, a mulher voltou a elevar a mão, mas esta foi súbitamente sujeita por detrás. Em seguida, Hedda foi lançada para o grupo de damas que a secundavam. As quatro mulheres caíram sobre os tapetes ao receber o impacto de seu corpo. Ajeitada sobre o chão, sobressaltada, Amélia foi primeira em levantar-se e fugir, Ilse e sua donzela ficaram então de pé e correram fora da sala sem sequer olhar atrás. Hedda se incorporou dificultosamente e se voltou para enfrentar ao Rowland, que a olhava com expressão furiosa. -Se alguma vez voltar a pôr as mãos em cima de Brigitte, matarei-te, velha bruxa! -advertiu-lhe o moço com uma voz capaz de gelar o sangue da dama-. Arrebatarei essa depravada vida de seu corpo com minhas próprias mãos! Está claro? Em resposta, Hedda soltou um violento alarido. Em poucos instantes, os cavalheiros, escudeiros e pajens se aproximaram correndo do pátio, e um sem-fim de serventes apareceram de todos os rincões da sala. Brigitte ascendeu nervosa as escadas e se escondeu entre as sombras, aterrorizada. Estava isto acontecendo por sua culpa? Ninguém se aproximou dos dois combatentes uma vez que advertiram quem se achava enfrentando à ama. De ter sido outro o adversário, todos tivessem entregue a vida para proteger à esposa do lorde. Mas ninguém ousava levantar-se em contra do filho do Luthor. Todos conheciam a predileção do ancião. -Que diabos está acontecendo? -Luthor avançou, abrindo-se passo entre a multidão e franziu o sobrecenho ao ver a Hedda e ao Rowland tornando-se um a outro olhadas fulminantes. -Luthor! -gemeu Hedda-. Tratou de me matar! O lorde se voltou para seu filho para topar-se com a expressão furiosa do jovem. -Se tivesse tentado matá-la, a bruxa já estaria morta -grunhiu Rowland-. Adverti-lhe que a mataria se alguma vez voltava a golpear ao Brigitte. Ninguém toca o que é meu, ninguém! Nem sequer você -concluiu com firmeza. Um absoluto silêncio invadiu a grande sala. Todos aguardavam nervosos a reação do lorde. Não muitos anos atrás, o comentário do Rowland tivesse provocado um severo castigo de seu pai. -Ele não é o lorde aqui -apressou-se a dizer Hedda-. Com que direito lhas te indicar o que pode ou não pode fazer? -te cale, mulher! -ordenou-lhe Luthor com uma expressão geada nos olhos e logo, grunhiu: Fora! Fora todo mundo!
Imediatamente, suscitou-se uma precipitada carreira para as portas, e Hedda também se preparou para fugir, até que o lorde bramou: -Você não, mulher! Em um instante, a cavernosa sala ficou completamente vazia, exceto pela presença do Luthor, sua esposa, Rowland e Brigitte, quem se encontrava esquecida nas escadas, muito aterrada para mover-se. A moça conteve a respiração. Seria Rowland expulso da mansão? Como ousava falar com seu pai desse modo frente a tão público? Entretanto, a fúria do Luthor não estava dirigida para seu filho. O homem propinó a sua esposa um golpe tão violento, que a voltou a jogar sobre os tapetes, e logo lhe aproximou para deter-se os pés da dama com o rosto avermelhado pela ira. -Você obrigou ao Rowland a formular semelhante asseveração, mulher. Ele estava em seu direito, posto que eu não tenho nada que ver com essa moça. Só pertence a ele! -O ancião se apartou, aborrecido, para logo prosseguir com tom gelado.- Já te advertiu, Hedda, que essa jovem não é teu assunto. Está ligada ao Rowland, e ele está obrigado a protegê-la. Acaso supõe que porque é minha esposa não tem que escutar as advertências do Rowland? Mulher, se te matar por causa da moça, juro que não farei nada a respeito. Estará-me tirando de cima uma gangrenosa chaga da que faz anos devia haver liberado. -Ante a sobressaltada exclamação da mulher, o ancião adicionoudeveria me agradecer por não te haver envergonhado diante dos outros com estas palavras, mas este será o último gesto de consideração que receberá de minha parte, Hedda. Depois de semelhante advertência, Luthor abandono a sala. Dois dias tinham transcorrido da disputa com a Hedda. Dias mais acalmados, posto que tanto a dama como sua donzela não se arriscavam a entrar na sala em presença do Brigitte. A moça, pois, não as tinha visto após, e se sentia muito agradada. Eram jornadas severas, entretanto, empanadas por um constante véu de nuvens violáceos. Uma nova tempestade se estava gerando. A última neve ainda não se derreteu e outra tormenta logo engrossaria o imenso manto branco que cobria as terras até o horizonte. Ainda, assim, a escuridão dos dias não alcançava a escurecer o ânimo do Brigitte. A moça se sentia feliz. Não entendia a razão, nem tentava compreendê-la. Só se sentia imensamente ditosa. Todos notaram a mudança. Com freqüência, podia ouvir-se seu suave, efusiva risada. Seus sorrisos provocavam comentários, em ocasiões, tímidas, dissimulados sorrisos, como a expressão de seus olhos ao topar-se com o olhar do Rowland. O velho lorde também o tinha advertido e se sentia agradado. Os jovens marotos estavam apaixonados, pensava o ancião com saudade, rememorando seu primeiro amor, ao que tinha perdido antes de conhecer e desposar a harpía que agora era sua esposa. Luthor jamais tinha esquecido a sua Gerda. Tampouco tinha amado nunca a outra mulher. De ter contínuo com vida, Gerda lhe tivesse brindado filhos varões. Filhos. Um véu de lágrimas sempre empanava os olhos do Luthor ante essa idéia. Um homem de seu valor, um homem de sua fortaleza devia ter filhos varões. Mas ele só tinha filhas, condenadas filhas idênticas a sua condenada mãe. Hedda já não havia tornado a conceber depois do nascimento do Ilse; tampouco tinham dado a luz suas outras companheiras de cama. Porém, Luthor tinha ao Rowland, um homem de que podia orgulhar-se, a resposta a todos seus rogos. O que o jovem desconhecia de seu nascimento jamais lhe machucaria. Não, o segredo morreria com o Luthor, e Montville contaria com um forte, poderoso lorde uma vez que o ancião morrera. O mesmo se ocupou disso. Rowland roçou apenas a bochecha de Brigitte com um ligeiro beijo. Acabavam de finalizar a comida matutina, e o homem riu ante o súbito rubor no rosto da jovem, para logo abandonar a sala. Observou-lhe partir com um sorriso, envergonhada embora agradada por essa repentina demonstração de afeto.
Rowland caminhou pressuroso para o estábulo, onde Huno aguardava já selado seu exercício matutino, que o jovem estranha vez negava a seu prezado corcel. As escuras nuvens do norte ainda sobrevoavam o horizonte, movendo-se para o este, logo ao oeste e, uma vez mais, para o este, como se não pudessem decidir em que direção desatar a tormenta. A tempestade prometia ser violenta e Rowland rogou que demorasse para estalar, posto que não desejava ver-se apanhado em uma espessa cortina de neve. Huno recebeu a seu dono com um potente bufo, e lhe falou com tom alegre, ao tempo que o conduzia fora do estábulo. O cavalo parecia algo nervoso. Sir GUI encontrou ao Rowland na entrada, enquanto levava seu próprio corcel às cavalariças. Ambos os jovens se detiveram para falar, mas um incômodo silêncio se produziu entre os dois velhos amigos. -saíste cedo, né? -comentou Rowland a modo de conversação, desejando que GUI, por uma vez, respondesse com tom amigável. O conciso "sim" de seu amigo lhe decepcionou e detrás observar as costas do moço e encolher-se de ombros, com irritação, dispôs-se a montar em seu corcel. Mas imediatamente trocou de opinião e seguiu ao GUI para o estábulo. -O que acontece, amigo? -perguntou-. Acaso não creíste as palavras do Brigitte aquela noite? GUI não desejava responder, mas ao ver a dor e confusão refletidas no rosto do Rowland, enterneceu-se. -Se a relação entre vocês tivesse sido então melhor agora, poderia lhe haver acreditado. Mas não me enganaram, Rowland. Foi um gesto muito louvável o seu ao mentir para impedir a morte de um de nós... minha morte -admitiu-. Sou consciente de que minhas habilidades não podem ser comparadas com as tuas. -Maldição! -exclamou Rowland com exasperação- por que, então, não voltou a me desafiar? -E ignorar assim os esforços da dama? -perguntou GUI, sobressaltado. A nota de amargura no tom de seu amigo perturbou ao Rowland. -Eu não a mautrato, GUI. Você mesmo pode ver que a jovem é feliz. Acaso não compreende que me condenaria e a nosso amor se admitisse que ela é o que afirma ser? Mas você desconhece as circunstâncias. Levei-me isso do Louroux e ninguém me impediu isso. Brigitte foi entregue pela força. Se na verdade fosse a filha de um barão, crie que tudo tivesse acontecido desse modo? Maldição, Berry inteiro se encontraria aqui agora exigindo a liberação da jovem! GUI entrecerrou os olhos com fúria. -E quem diz que isso não ocorrerá? Quem diz que a felicidade da dama não se deve a que está segura de que isso por fim acontecerá? Como sabe, ela tem a errônea idéia de que enviou um mensageiro ao Berry. Mas eu sei que não foi assim! Rowland afogou uma exclamação. -E como sabe? GUI se encolheu de ombros, feliz ante a perturbação de seu amigo. -Considerando a fofoca dos serventes, é surpreendente que a mesma dama ainda não se inteirou de seu engano. Pergunto-me como reagirá quando o descobrir. Crie que continuará vendo-se tão feliz? -Brigitte já não tem desejos de me abandonar -afirmou Rowland, algo tenso. -Está seguro? Por um instante, o filho do Luthor desejou depositar seu poderoso punho sobre o sorriso zombador de seu amigo. O impulso foi intenso, mas conseguiu controlá-lo e só deixou escapar um rouco grunhido de fúria, para logo jogar-se sobre a arreios de Huno, desejoso de pôr a maior distancia possível entre ele e o homem que tinha expresso suas próprias dúvidas.
Cavalgou velozmente para o pátio, interrompendo os exercícios de um cavalheiro e seu pajem, que deveram saltar a ambos os lados de seu caminho, para cair ajeitados sobre a neve. Rowland insistiu cruelmente a seu cavalo para avançar para o campo aberto. Porém, pela primeira vez em sua vida, o homem perdeu o controle de seu corcel. O potro girou em uma pronunciada curva, passou frente às choças da servidão arrojando lodo a seu passo, voltou a galopar para o pátio, perturbando as práticas de quão guerreiros lutaram por esquivar a gigantesca besta e, finalmente, lançou-se em louca carreira sem rumo determinado. Rowland se sentiu alienado. Não conseguia controlar ao animal, e o corcel parecia cego em seu desenfreado avanço para o muro de pedras que circundava a mansão. Só no último instante, girou Huno para galopar enlouquecido para a parte posterior da casa. Assim que chegou ao imenso pátio traseiro, o cavalo começou a corcovear violentamente em um desesperado tento de jogar em seu cavaleiro. E, por fim, obteve-o. Rowland saiu voando sobre o testruz de Huno para aterrissar no lodo. Então, rodou com incrível velocidade para esquivar o passado do animal, cujas patas dianteiras estiveram a ponto de lhe destroçar o ombro. O jovem se sentou com lentidão, dolorido, para observar a seu prezado corcel, que continuou corcoveando de modo selvagem durante vários minutos até que, finalmente, se calmo. Rowland não se sentiu irritado pela vergonha de ter sido arrojado de suas arreios. Só experimentou uma terrível sensação de perda, ao advertir que Huno tinha enlouquecido e deveria ser sacrificado. A só idéia esgarró o coração do moço. Esse cavalo era objeto de seu orgulho, o mais fino corcel de todo Montville. Jamais voltaria a possuir outro como ele. Vários homens correram dos distintos pátios para congregar-se ao redor do Rowland, quem, lentamente, ficou de pé. Uns criados se aproximaram com cautela ao corcel, mas o moço lhes ordenou deter-se. Huno deveria ser sacrificado, mas só ele, nenhum outro, cravaria-lhe a faca no pescoço. Sir GUI lhe aproximou e lhe ofereceu um lenço para limpar o lodo das mãos e rosto. -Está ferido? Rowland sacudiu a cabeça. -Só um pequeno arranhão, é tudo. -Meu Deus, o que pôde ter causado isto? Jamais vi um cavalo tão possuído. Cães e lobos, talvez, mas nunca um cavalo e menos ainda, este! -Está possuído -confirmou Rowland com idêntico assombro. A dor nos olhos de seu amigo revelou ao GUI a tarefa que devia executar-se. -Rowland, sinto muito. Preferiria que eu...? -Não -interrompeu-lhe o jovem e, depois de extrair a adaga de seu cinturão, começou a caminhar com passo lento para o corcel. GUI se apressou a segui-lo. -Ao menos, me permita te ajudar. Pode que não consiga mantê-lo quieto. Rowland assentiu e juntos se aproximaram do espantadiço animal. Huno sei apartou inquieto, agitou as patas no lodo e fez girar os olhos de modo selvagem, mas finalmente a voz serena de seu dono o acalmou o suficiente para que o jovem pudesse sujeitar as rédeas. -Tirarei-lhe os arreios -ofereceu-se GUI-. Será difícil retirar a arreios... depois. Rowland lhe lançou um olhar penetrante. -Ao diabo com os arreios! O cavalo... ah- gemeu, afundando os ombros, derrotado. -Faz-o, então. Eu o sujeitarei. Seu amigo retirou com cuidado a arreios para entregar-lhe a um criado. Um profundo silêncio invadiu o pátio quando todos observaram tensos a preparação do Rowland para cortar o pescoço de seu adorado cavalo. E, em meio desse silêncio, o agudo chiado de sir GUI soou como um trovão.
Ao ver o sangue e as puas afundadas no lombo de Huno, Rowland sentiu um imenso alívio. Porém, essa reconfortable sensação logo se viu tinta com um leve sotaque de horror, já que tinha estado a ponto de sacrificar injustamente a seu prezado corcel. Desde não ter retirado GUI a arreios, ele tivesse descoberto as puas muito tarde. -Roger -vaiou o moço. GUI que se encontrava a seu lado, alcançou a perceber o formigamento que percorreu o corpo de seu amigo ao pronunciar o nome de seu mais acérrimo adversário. -Rowland, não pode estar seguro. Mas o moço não pareceu ter ouvido. voltou-se sobre os talões e começou a caminhar para a mansão. -Rowland, me escute -suplicou-lhe GUI com ansiedade, movendo-se depressa para alcançar os largos passos de seu amigo-. Não tem nenhuma prova! Rowland se deteve e se voltou, obtendo logo que controlar-se. Tinha muito ódio para descarregar, mas não sobre sir GUI. -Tampouco tenho dúvidas. -E se está equivocado? -Já duas vezes trataste que defender a esse patife. Não esbanje seus esforços, GUI -advertiu-lhe -.Sua intenção era me romper o pescoço, ou matar a meu corcel. Toda minha vida sofri por culpa do e estou cansado. -Mas, se seriamente está equivocado? -insistiu seu fiel amigo. -Francamente, não me importa. Já faz muito tempo que deveria ter liquidado ao Roger. Rowland continuou seu caminho para a sala com firme determinação. Esta vez, sir GUI decidiu não lhe seguir. Solo deixou escapar um suspiro. Mesmo que Roger não fora o responsável por essa espantosa ação, era, sem dúvida, culpado de muitas outras faltas igualmente terríveis.
30 Com os braços carregados de roupa, Brigitte abandonou a antecâmara do Rowland, fechou a porta com o pé e começou a caminhar pelo corredor. de repente, deteve-se quando viu o Roger do Mezidon sentado na janela arqueada que dava a grande sala. O moço não olhava para o piso inferior, a não ser diretamente para a moça, como se tivesse estado aguardando-a. Imediatamente, a jovem se voltou e deixou escapar um grunhido ao advertir que Wolff não lhe tinha seguido, mas sim se tinha ficado encerrado na habitação. Brigitte sentiu desejos de arrojar a carga de seus braços e correr, mas Roger se incorporou e lhe saiu ao encontro. Ela, entretanto, não perdeu a calma: sem dúvida, o homem não seria tão tolo para ignorar as severas advertências do Rowland. -Caramba, lady Brigitte -começou a dizer Roger com desdém-. Vejo que não só finge ser uma serva, mas também além disso representa à perfeição seu papel. Pergunto-me por que. -me deixe passar. -Não faça a um lado, milady, quando te estive aguardando com tanto esmero. Já tinha começado a abandonar a esperança de te encontrar alguma vez sem a escolta de alguma de suas bestas. O lobo e o leão sabem vigiar muito bem. -Estou segura de que ao Rowland divertirá sua descrição -afirmou a jovem-. Já inclusive posso ouvir suas estrondosas gargalhadas. -Joga comigo, milady -disse Roger com irritação-. Acaso crie que temo a esse caipira? Ela arqueou uma sobrancelha.
-Não é assim? Não, vejo que não, posto que não atendeste as advertências do Rowland. Vive arriesgadamente, milord. Algum dia, cantarão-se balidas em honra a sua coragem. -Não esbanje seus sarcasmos, rapariga. -O homem não tentou dissimular seu aborrecimento-. Reserva-os para o Rowland que é capaz de enternecer-se com suas palavras. O estendeu os braços para tomá-la, mas Brigitte retrocedeu imediatamente com uma expressão ameaçadora nos olhos. -Se me tocar, gritarei. É desprezível! -Pode ser, mas, ao menos, eu estaria disposto a te converter em minha esposa. -Sua esposa? -Parece surpreendida. Acaso Rowland não te valoriza o suficiente para te propor matrimônio? -Ele não sabe... A moça se deteve de repente, sobressaltada ante seus próprios esforços por defender a atitude do Rowland. Acaso ele não a respeitava? Ela lhe tinha entregue por completo e, talvez, por essa razão ele a considerava vulgar, desdenhável. Jogou ao Roger um intenso olhar de ódio por haver despertado a dúvida e falou com firmeza. -Já hei dito tudo... Uma voz que ambos reconheceram bramou o nome do Roger da sala, sufocando as palavras do Brigitte. A moça observou a seu acompanhante e pôde perceber seu temor. Uma vez mais, Rowland tinha ido em seu resgate. Entretanto, ele não podia saber que Roger lhe tinha interceptado. Haveria acaso alguma outra razão que pudesse provocar o tom sinistro na voz de seu amigo? Rowland apareceu ao final do corredor para deter-se de costas à arcada. um segundo mais tarde, equilibro-se para os jovens, profiriendo um alarido de ira. Brigitte se paralisou e conteve a respiração quando as imensas mãos do Rowland se fecharam ao redor do pescoço de seu antigo inimigo. As resistências do Roger fizeram cambalear a jovem, que caiu ao chão, esparramando toda a carga em redor. Quando voltou a olhar aos dois homens, Roger estava a ponto de ser asfixiado, já que não conseguia liberar-se dos poderosos dedos de seu hostigador. A moça sentiu náuseas ao advertir que se achava presenciando um assassinato. Não podia tolerar a só idéia de que Rowland fora seriamente capaz de matar a seu adversário. -Basta! -exclamou Brigitte, quando já não pôde suportar o horrendo espetáculo. Rowland elevou então os olhos, brindando ao Roger a oportunidade de levantar ambos os braços e, depois de liberar-se, atirar um violento murro na mandíbula de seu oponente. Entretanto, Rowland não se moveu, nem sequer um centímetro. Aterrorizado, Roger encurvou as pernas para lançar um feroz chute, que aterrissou no peito de seu adversário, jogando no jovem para a janela arqueada. Brigitte soltou um potente alarido ao ver o Rowland desaparecer detrás da abertura. A moça fechou os olhos, recusando-se a aceitar que Rowland tinha cansado. Quantas vezes se deteve ela frente a essa janela para olhar para a sala, antes de descender pelas escadas contígua? A arcada se achava a uma altura mortal do duro piso de pedra do gigantesco salão. E Roger o tinha empurrado! Roger! Brigitte voltou a abrir os olhos, mas Roger já não se encontrava a seu lado, mas sim se achava de pé, junto à janela, olhando para baixo com perversa satisfação. Ao observar ao jovem contemplando a seu inimigo através da arcada, a moça se sentiu acossada por um repentino desejo até então desconhecido: o terrível desejo de matar. O impulso assassino a insistiu a incorporar-se e avançar lenta e cautelosamente. Enquanto se aproximava, teve tempo de considerar que estava a ponto de cometer um crime. Entretanto, não se deteve, mas sim estendeu ambos os braços para sua possível vítima. Roger, ainda de pé frente à janela, continuava imóvel, observando com malícia. Brigitte tratou de infundir-se coragem. Suas mãos se encontravam a escassos centímetros das costas de seu inimigo e só precisava inclinar-se. Mas nesse instante, Roger se agachou e começou a golpear a saliente da
arcada com os punhos. Foi então quando a moça advertiu os dedos obstinados do bordo. Eram os dedos do Rowland! O moço tinha conseguido sujeitar-se da saliente e agora Roger estava tratando de lhe soltar. Brigitte, mais tarde, perguntaria-se de onde tinha extraído forças para apartar ao moço dessa janela e lhe jogar para as escadas, brindando ao Rowland a oportunidade que necessitava para subir para a salvação. Depois de vários tombos sobre os degraus de pedra, Roger se incorporou ileso e se lançou à fuga, seguido pelas velozes pisadas de seu adversário. Rowland conseguiu lhe alcançar no estábulo e, imediatamente, Roger saiu voando através das portas abertas para deslizar-se vários metros no pátio enlodado e receber, um segundo mais tarde, o peso de seu adversário, que lhe equilibrou de um salto. Logo se congregou uma multidão ao redor de ambos os combatentes e, um instante depois, Brigitte chegou também ao lugar da cena. Ali se encontrava Luthor, observando a seu filho matar a seu inimigo só com as mãos, e a seu lado, achava-se sir GUI, também presenciando a luta. A moça correu para eles e afundou os dedos no braço do lorde, quem se voltou com uma expressão inescrutável nos olhos. -Não vais deter os? -suplicou-lhe ela com veemência. -Não, rapariga -respondeu o ancião brevemente, antes de voltar-se uma vez mais para o sangrento espetáculo. -Por favor, Luthor! Se a tinha ouvido, ele soube dissimulá-lo. A moça voltou a olhar aos dois combatentes. Roger já não se movia, mas os punhos do Rowland continuavam esmurrando-o sem compaixão. Brigitte se voltou e, com lágrimas nos olhos, começou a correr para a sala. Não alcançou a ver o Rowland deter o ataque; tampouco lhe viu abandonar o pátio. Roger se encontrava seriamente ferido, mas ainda continuava com vida.
31 Brigitte passou o resto do dia encerrada na antecâmara do Rowland, meditando, chorando e amaldiçoando ao jovem. Não foi a não ser até a noite quando se inteirou de que ele não tinha matado ao Roger depois de tudo. Goda lhe comunicou a notícia. Rowland a tinha enviado para chamar o Brigitte a grande sala. Em geral, ele mesmo estava acostumado a escoltá-la até a mesa na hora do jantar, mas essa noite tinha enviado à criada. A jovem não demorou para averiguar o porquê. -Sir Rowland está ébrio, ama -informou-lhe Goda com relutância-. Entregou-se à cerveja logo que lorde Roger foi conduzido através da entrada por seu escudeiro. Em boa hora nos liberamos de esse! -Mas estava bem? -Está muito mal-humorado e não faz mais que amaldiçoar a todos -respondeu a criada-. Mas se encontra ébrio. Não acredito que saiba o que diz. -Referia ao Roger encontrava-se bem quando se foi? -Considerando os fatos, sim -respondeu Goda-. Tem o rosto terrivelmente inchado e alguns ossos quebrados... um dedo e umas costelas, conforme acredito. Mas logo sanará... é uma lástima. -Isso é cruel, Goda -repreendeu-a Brigitte e, logo deixou escapar um suspiro de pesar-. Me perdoe, não sou eu a mais indicada para julgar, quando quase estive a ponto de matar ao Roger. -Quando foi isso?-inquiriu a criada com os olhos dilatados pela surpresa. -Esta manhã -reconheceu Brigitte-. Quando se iniciou a luta. -Mas sir Rowland não morreu. por que está então tão perturbada?
-por que? -perguntou a jovem, elevando a voz. Como pode me perguntar por que? Roger é um homem mau, mas mesmo assim, sentiu-se apavorado frente a Rowland. Não foi uma briga justa e isso é o que me adoece. Rowland estava muito encolerizado para que fora justa. Desejava ver sangue e o conseguiu. Tentou matar ao Roger com suas próprias mãos. Goda lhe colocou brandamente uma mão no ombro. -Acaso você não tentou o mesmo? -Isso foi diferente -afirmou Brigitte com tom gelado-. Acreditei que Rowland tinha morrido. A criada partiu um instante mais tarde, e Brigitte se deixou cair sobre uma cadeira. Não, não desejava reunir-se com o Rowland na sala, não se se encontrava embriagado. O homem, entretanto, não se achava tão ébrio como para não perceber que algo mau estava acontecendo. Goda retornou sozinha à sala. por que Brigitte não tinha respondido a suas chamadas? Franziu o sobrecenho com expressão sombria. A resposta não demorou para chegar. tratava-se da mesma razão que lhe tinha mantido enchendo uma e outra vez seu copo de cerveja, a mesma razão pela que tinha permanecido na sala, temeroso de ficar frente à jovem. Brigitte já conhecia seu engano. Com segurança, alguém o tinha contado. Talvez, o mesmo Roger. por que outra razão poderia o patife ter procurado à moça quando lhe tinha advertido que se mantivesse afastado? Sim, isso era. Brigitte sabia que Rowland não tinha completo com o trato, que jamais tinha enviado ao mensageiro para o castelo do Arnulf. O moço afundou a cabeça entre os braços e exalou um profundo suspiro. por que tinha que acontecer uso quando tudo parecia partir tão bem? Ao diabo com esse maldito dia! Entretanto, já nada podia fazer mais que apresentar-se ante a jovem. Lhe consideraria um mentiroso e se sentiria furiosa, mas tinha que vê-la. Rowland abandonou a sala. Uns segundos mais tarde, entrou em sua antecâmara para encontrar ao Brigitte atando sua confusão de pertences, os poucos artigos que tinha levado consigo ao mudar-se à habitação do homem. Ao ver a jovem empacotar, Rowland se sentiu desolado. Advertiu que a perdia. Soube que voltaria a separar-se e a só idéia lhe resultou intolerável. Brigitte se dignou a lhe olhar brevemente, para logo retirar os olhos imediatamente. -claro que sim. Roger se foi. Já não há razão para que continue dormindo nesta antecâmara. Por ele quis que me mudasse aqui, não foi assim? -E se te suplicasse que ficasse? Sei que veio aqui pelo Roger, mas... -Embora insista, não desejo permanecer nesta habitação, não depois de hoje. A moça falou com voz de gelo e isso lhe desalentou ainda mais. -Brigitte compreendo que esteja zangada... -O que sinto é muito mais que simples aborrecimento lhe corrigiu a jovem com rudeza. -Então, me amaldiçoe. Mas acaba com isto de uma vez. Se pudesse retirar a mentira, juro-te que o faria. -Mentira? -perguntou ela, confundida. Ao advertir a surpresa da moça, Rowland tivesse desejado mordê-la língua. Mas se não era o engano o que lhe tinha irritado, então... -por que estas zangada? Brigitte ignorou a pergunta. -Que mentira, Rowland? Ele se fingiu inocente. -Do que está falando? -Você ...OH! -exclamou a jovem-. Nego-me falar contigo quando está bêbado! Brigitte começou a caminhar para a porta, esquecendo seus pertences, mas ele lhe adiantou para interpor-se em seu caminho. -por que está tão zangada? -inquiriu, tratando de produzir um tom congraciador-. Porque bebi muito?
-No que a mim respeita, pode te afogar em cerveja se assim o desejar -vaiou ela com um brilho nos olhos-. Sua brutalidade é o que me consterna. Foi selvagem hoje em sua sede de sangue. Quase assassinas ao Roger! -Mas não lhe matei, Brigitte -fez-lhe notar o jovem com suavidade. Ainda quando o tentava, não conseguia compreender a fúria da jovem. Rowland elevou uma mão para lhe acariciar a bochecha, mas ela se apartou. -Não posso tolerar que me toque depois de presenciar semelhante crueldade. O moço finalmente perdeu a compostura. -Atreve-te a apoiar a esse canalha em meu contrário! Minhas carícias lhe repugnam, né? Maldita seja, mulher, não faço mais que te proteger. É uma serva e, ainda assim, trato-te como a uma rainha. Sou seu senhor, e, entretanto, condena-me! -Eu não pedi seu amparo -apressou-se a esclarecer Brigitte. -Santo Deus! Então, retirarei-a, e já veremos como vai sem minha defesa! -Rowland! -Sua deslealdade me aborrecimenta. Maldita seja! -bramou ele-. Sofri piores castigos em mãos do Roger quando era mais jovem. Agora que, finalmente, posso lhe devolver seu castigo, condena-me e diz que não pode tolerar minhas carícias. -Rowland, por favor- gemeu Brigitte-. Não foi minha intenção parecer desleal. -Troca de tom agora porque tem medo, mas conheço seus verdadeiros sentimentos! -A ira do jovem era infinita -Vete daqui, Brigitte. Darei-te o que desejas. Já é livre, você Libero de mim! A moça sentiu um nó entupido na garganta e não pôde articular nenhuma palavra. Imediatamente, tomou seu maço de pertences e correu fora da habitação. Uma vez que teve fechado a porta, desatou-se em lágrimas. O que tinha feito? Por todos os céus, o que tinha feito?
32 -De modo que Rowland quebrou seu vínculo contigo? Brigitte se encontrava agitando distraídamente o tigela do café da manhã, nervosa sob o olhar escrutinador do Luthor. A moça não se atrevia a olhar ao ancião. achava-se sentada no banco onde comiam os serventes, o qual indicava a todos que algo mau acontecia entre ela e o filho do lorde. E a aparente indiferença do Rowland para a jovem o confirmava. Luthor conhecia toda a história, posto que seu filho a tinha crédulo. -Não foi algo dura com ele? -perguntou o ancião, de pé junto ao banco da servidão, com o olhar fixo nela. Brigitte manteve a cabeça encurvada, incapaz de lhe olhar. -Sim, fui muito dura. -por que, rapariga? -inquiriu Luthor com doçura-. Ele não tinha feito nada do que tivesse que envergonhar-se. -Agora me dou conta -confessou Brigitte-. Muitos feitos perturbadores se aconteceram com muita rapidez ontem e me senti confundida e zangada. -E agora é meu filho quem se encontra de um péssimo humor. Talvez, se lhe dissesse o que acaba de me confessar, ele compreenderia. Brigitte olhou por fim ao ancião. -Você não crie isso mais que eu. Machuquei-lhe, e agora deseja conversar sofrer por isso. -Rowland finalmente cederá -afirmou Luthor com voz áspera.
-Talvez -assentiu ela com saudade e seus claros olhos azuis se empanaram-, mas eu não estarei aqui quando isso aconteça. -E onde estará, rapariga? -Já não posso permanecer aqui por mais tempo. Hoje mesmo me partirei. -A pé? -Não possuo um cavalo, milord. Luthor sacudiu a cabeça com determinação. -Não permitirei que abandone Montville a pé. -Todos aqui aceitaram os direitos que Rowland, afirmou possuir sobre minha pessoa, e agora devem admitir que já não tenho senhor porque ele me conferiu a liberdade. Ninguém aqui pode me impedir que vá aonde me agrade. -Eu sim -afirmou o ancião, irritado-. Como amo deste lugar, não posso permitir que tente algo tão imprudente como caminhar daqui até o próximo feudo. -Uma vez requere sua ajuda, milord, e me negou isso. Agora me oferece isso, quando não a desejo. -Mas essa vez me pediu que opor a meu filho -recordou-lhe o lorde. -Ah! Não é minha segurança o que se preocupa, a não ser Rowland. Quer me reter aqui porque crie que ele trocará de opinião. -Estou seguro disso. -Devo interpretar, então, que me está oferecendo seu amparo? -Sim. -Sua intromissão desgostará ao Rowland, milord. Ele espera que me parta. -Tolices -resmungou o ancião-. Meu filho logo voltará para seus cabais. Brigitte se encolheu de ombros. - Muito bem. Ficarei por um tempo. De todos os modos meu senhor logo enviará alguém para me buscar. Então, terá que me deixar partir ou te arriscar a iniciar uma guerra com o conde Berry. -Que demônios quer dizer? -perguntou Luthor. A moça sorriu. - Rowland enviou um mensageiro para o Berry para indagar a respeito de minhas asseverações. Inteirará-se então de que sou na verdade a filha do falecido lorde do Louroux. Quando o conde Arnulf envie por mim, seu filho saberá por fim que não lhe menti e que tudo isto não foi mas que um lamentável engano. -Um mensageiro, né? -pensou o ancião em voz alta. - Rowland te disse que tinha enviado a alguém? -Sim -respondeu a jovem-. Essa foi sua parte do trato, se eu prometia não tentar escapar outra vez. -Já vejo.- Luthor adotou um ar pensativo-. Há-te conta de que a prova de suas afirmações poderia prejudicar ao Rowland? Ele é um homem de honra e aceitará qualquer punição que imponha Arnulf. Se o conde exigir um combate a morte contra um paladín do Berry, meu filho acessará. Ele poderia morrer. -Não! -exclamou Brigitte com veemência-. Não permitirei que isso aconteça. Seu filho não é absolutamente responsável por tudo isto. Alguém mais é o culpado. E eu... Eu não desejo que nada mau ocorra ao Rowland. -Bom, só nos subtrai aguardar e ver o que nos proporciona o futuro. -O lorde soltou uma breve risada.- Talvez, você nos abandone, ou possivelmente, permaneça aqui para que suas relações com meu filho voltem a ser como antes. -Minha relação com o Rowland nunca voltará a ser como antes. -Tal como pinjente, isso já o veremos. O certo é que não passarão muitos dias antes de que Rowland ceda - vaticinou Luthor, agitando um dedo frente ao rosto da jovem- Recorda minhas palavras, rapariga.
Brigitte franziu o sobrecenho. Apenas um instante atrás, o lorde se viu preocupado pelas possíveis conseqüências que poderia conduzir a ira do conde Arnulf e, agora, parecia incrivelmente sereno. Sem lugar a dúvidas, esse era um homem muito estranho. Ao tempo que o ancião começou a apartar-se, ela decidiu falar súbitamente. -Aceitarei seu amparo, milord, mas não estou disposta a te servir. Luthor se voltou, observou à moça por um instante e logo, deixou escapar uma estrondosa gargalhada. -Não pretendo que me sirva, rapariga. É livre de fazer o que te agrade. Só peço que não tente abandonar Montville sem escolta. -E lady Hedda? Manterá-a afastada de mim? -A dama não te incomodará-. Depois de inclinar a cabeça a modo de zombadora reverência, Luthor se retirou. Brigitte se sentiu imensamente aliviada. Não tinha desejado abandonar Montville sem um cavalo. Agora poderia esperar ao conde Arnulf ou a seu emissário para retornar a casa. Pouco depois, abandonou a sala para dirigir-se fazia a choça. Ali tinha passado uma miserável noite, em solidão. Rowland se encontrava no pátio quando ela apareceu. O moço a viu e ela se deteve, mas ele em seguida se voltou. Brigitte lhe lançou um breve olhar e continuou pressurosa seu caminho. Com infinito pesar, fechou a porta de seu pequeno quarto. sentia-se completamente desventurada. sentou-se sobre o cama de armar e gemeu. -Não deveria me importar. Mas sim... sim me importa! Chorou durante o resto da manhã, tendida sobre a cama. Perto do meio-dia, arrastou-se até o velho armário, onde tinha arrojado seu maço de pertences a noite anterior. Examinou seus vestidos e decidiu lavá-los, inclusive o de linho azul, que não tinha usado desde que tinha visto o Rowland pela primeira vez. Acariciou as brilhantes safiras e se perguntou como reagiria o moço se a via entrar essa noite na sala vestindo esse mesmo traje. Deixou escapar um suspiro. Só ocasionaria dificuldades. Inclusive, poderiam acusar a de havê-lo roubado. Mas, mesmo assim, lavaria-o. Empilhou os vestidos sobre um braço e caminhou para a porta, mas quando a abriu, encontrou a Amélia do outro lado, que a observava com um brilho perverso nos olhos. O que quer? Amélia riu intensamente, sacudiu sua acobreada cabeça, depois de cruzar-se de braços, apoiou-se contra o marco da porta para lhe impedir o passo. -Ainda segue sendo a prostituta arrogante, né? -Suponho que crie que ele voltará a te levar a sua cama, não é assim? Brigitte se ruborizou, mas tratou de ocultar sua perturbação. Jamais conseguiria habituar-se ao desatino da Amélia. Entretanto, não permitiria que essa jovem advertisse quanto a perturbava com sua vulgaridade. -Como quer que te responda? -perguntou-lhe com calma-. Certamente, poderia lhe fazer retornar para mim se assim o desejasse, mas não é esse meu desejo. Os olhos da outra moça se dilataram, para logo entrecerrarse. -Mentirosa! Ele terminou contigo. E não lhe levou muito tempo cansar-se de ti. -Soltou uma gargalhada irônica-. Eu lhe tive muito mais que você, e voltará a ser meu. Rowland se desposará comigo, não com uma frígida prostituta francesa que não sabe como lhe agradar. Já vê que logo lhe fartou. Brigitte sentiu um intenso ardor nas bochechas. em que pese a seus impetuosos esforços por manter-se indiferente, Amélia tinha conseguido machucá-la. -Eu conheci a um só homem, Amélia -apressou-se a afirmar, incapaz de controlar-se-. Talvez, agradará-te acreditar que não consegui lhe agradar, mas eu sei que não é assim. Era virgem quando me topei com o Rowland, e ele sabe. Você não poderia dizer o mesmo, ou sim? -Cadela!
Brigitte riu com sarcasmo. -Bom, talvez eu seja uma cadela, mas das duas, você é a prostituta. ouvi o que se comenta sobre ti e com segurança, as mesmas intrigas chegaram também para ouvidos do Rowland. -Mentiras! Todos eles mentem! -exclamo Amelia com seus olhos pardos enegrecidos pela ira. -OH, acredito que Rowland sabe muito a respeito de ti, Amélia -afirmou Brigitte com voz grave, lhe ronronem. -Pois há algo que você não sabe -chiou a outra jovem com fúria-. Ele te enganou, e nunca me mentiu! -Esboçou um amplo sorriso de satisfação ao advertir a evidente confusão da outra moça-. É uma tola! Todo mundo aqui conhece o trato que vós pactuaram. A pequena Goda não faz nada melhor que fofocar. Todos sabem que Rowland não cumpriu com sua parte do trato. Tão pouco lhe importa, que simplesmente não se incomodou em cumpri-lo. Brigitte fechou as mãos em um punho com tal violência que machucou as Palmas com as unhas. -Quer dizer que não enviou um mensageiro para o Berry? -Claro que não. Por que teria que fazê-lo? - Amelia esboçou um presunçoso sorriso-. Que ingênua é. -Isso não é verdade! -exclamou Brigitte e, depois de arrojar os vestidos sobre a cama de armar, esquivou à outra jovem e correu para o pátio em busca do Rowland. O moço se encontrava perto do estábulo, montado sobre um cavalo. Não era este Huno, posto que o animal ainda não se recuperou de suas feridas. A moça correu para o Rowland e gritou sem mais preâmbulo: -Cumpriu sua parte do trato? Enviou o mensageiro ao conde Arnulf? -Não -respondeu ele de modo categórico e um leve brilho nos olhos. Produziu-se um breve silêncio e, logo, a jovem deixou escapar um lastimoso chiado. -por que não? -Pareceu-me uma petição absurda -respondeu o homem sem rodeios, tratando de dissimular sua vergonha. -Tanto me menospreza, que não te importou me mentir, não é assim? Rowland se inclinou para a jovem com seus olhos azuis escuros como a noite, mas antes de que pudesse responder, ela prosseguiu. -É um canalha! Nunca te perdoarei! O homem fez girar seu cavalo e se afastou sem formular comentário. Essa aparente indiferença irritou imensamente à moça. -Odeio-te, Rowland! -gritou-lhe à figura que se apartava mais e mais-. Oxalá o diabo te esteja aguardando com impaciência! Maldito seja, maldito seja, maldito seja! Umas mãos a conduziram de retorno a sua choça, mas ela não as sentiu. Durante um comprido tempo, não sentiu nada, nada absolutamente. Essa noite, Rowland se passeou pelo pátio como um leão enjaulado. aproximou-se uma, dois, três vezes ao quarto do Brigitte para logo, afastar-se abruptamente. Em cada ocasião, ouviu seu pranto e retrocedeu. Não era o momento de lhe suplicar o perdão. Ela necessitava tempo. E, essa mesma noite, o homem teve o velho perturbador sonho de sua infância. Mas, esta vez, ao despertar, sentiu que já começava a compreendê-lo. Esta vez, realmente tinha perdido o que mais amava no mundo.
33 Já tinham transcorrido três dias, e Brigitte se sentia exausta quando chegou por fim ao destino. Tinha cavalgado sem cessar durante as primeiras duas jornadas e tivesse chegado ao Angers essa
manhã de não haver-se desatado uma tormenta. Por fortuna, o mau tempo o tinha deixado atrás ao cair a tarde. A partir de ali, a marcha se tornou mais lenta e penosa: era duro cavalgar sobre o espesso manto de neve, perdendo de vista ao Wolff uma e outra vez. Porém, a pior parte da viagem tinha finalizado. Encontrou uma cama morna no monastério, embora, ao ser tomada por uma pobre camponesa, não obteve uma habitação privada, mas sim deveu compartilhar um imenso dormitório. Ainda assim, era uma cama, e se sentia muito cansada para protestar. Não contava com dinheiro para pagar algo melhor e, depois de tudo, não era mais que uma mendiga. Entretanto, pela manhã, solicitaria uma audiência com o conde do Anjou. Não lhe conhecia, mas, sem dúvida, o homem lhe ofereceria ajuda uma vez que lhe tivesse contado a história. Assim, a jovem dormiu, segura de que, pela manhã, encontraria por fim sua salvação. Lamentava ter enganado ao amável sir GUI mediante uma suja artimanha, mas, de ter conhecido seus planos de fuga, jamais lhe tivesse permitido levar um cavalo. Logo chegou a manhã. Brigitte solicitou uma quarta privado e água para lavar-se, ante o qual, o jovem clérigo franziu o sobrecenho, mas mesmo assim, satisfez suas demandas. A moça passou duas horas no banheiro, polindo-se com especial cuidado e, logo, vestiu-se com o traje azul. Envolta em tão deliciosos ornamentos, com os olhos de um tom azul mais intenso pelo reflexo das safiras e suas largas tranças douradas aparecendo sob o capuz do manto, Brigitte parecia uma rainha. Depois de evitar ao jovem clérigo para não alarmá-lo com a transformação, a moça abandonou o monastério em direção ao palácio do conde. Não teve dificuldade em atravessar a entrada, até sem escolta. Um encarregado do estábulo lhe saiu ao encontro para tomar as rédeas do cavalo e lhe indicou o caminho para a grande sala da corte. Brigitte se sentiu algo inquieta ao ver o sem-fim de nobres que corriam pressurosos pelos numerosos corredores do castelo. O conde do Anjou era um homem poderoso. Dispensaria-lhe algo de seu tempo para atender suas súplicas? A jovem só necessitava uma escolta, uns poucos homens que a levassem até o Berry. Poderia pagar o favor com suas safiras se era necessário. A habitação era cavernosa e tão gigantesca como a grande sala do Montville. Centenas de pessoas rondavam por ali: todos nobres elegantemente vestidos em companhia de suas deliciosas damas. Era o espetáculo mais impressionante que Brigitte tinha presenciado jamais, e não pôde evitar sentir admiração, de uma vez que temor. Qual de todos esses homens majestosamente vestidos era o conde do Anjou? A corte era informal e não havia plataforma, por isso não havia modo de averiguar qual de todos eles era o conde. -Está aqui para ver o conde, milady? A moça se voltou para o corpulento cavalheiro calvo e esboçou um nervoso sorriso. -encontra-se ele aqui? O homem sorriu com presunção, e seus pequenos olhos cinzas cintilaram. -Sua alteza se acha, sem lugar a dúvidas, presente, milady. Brigitte se sentiu algo incômoda ante o evidente desdém do cavalheiro, Seria acaso um inimigo do conde? Algum ciumento lorde? Por fortuna, ela jamais se viu envolta nas intrigas cortesãs. Com segurança Druoda se sentiria feliz ali, mas não a moça. -Jamais vi ao conde, milord -admitiu Brigitte, esperando que o homem não lhe formulasse muitas perguntas. -Pois não te custará reconhecê-lo com todo seu esplendor. Ali. -O cavalheiro assinalou para o centro da habitação-. o de veludo vermelho, com uma esmeralda tão grande como seu nariz no pescoço. A jóia era minha; a entreguei em pago por um favor que jamais recebi. A jovem se sentiu desalentada. Trataria-a o conde com a mesma dureza? Aceitaria ele ajudá-la para só tomar as safiras e logo, esquecê-la? Ao tempo que examinava ao homem de veludo vermelho, seus olhos se posaram sobre o alto, robusto cavalheiro que se encontrava a seu lado. Então, paralisou-se.
- Rowland! Não era possível! Mas ali estava ele, majestosamente vestido com uma túnica negra de cetim e uma capa de veludo cotelê da mesma cor. Brigitte nem sequer sabia que o moço possuísse tão elegantes ornamentos. Obviamente, lhe tinha mentido ao afirmar que não conhecia ninguém no Angers, posto que o conde lhe falava como se se tratasse de um velho amigo. sentiu-se ainda mais aturdida quando viu a formosa jovem que se achava obstinada do braço do Rowland. Acaso alguém mais que o homem juraria não conhecer? OH, Deus! Brigitte se ocultou detrás de uma imensa coluna. Do que estaria falando o jovem com o conde? Estaria-lhe advertindo a respeito de uma serva que afirmava ser dama e a quem deveriam enviar diretamente para ele? Maldição! Sem dúvida, isso lhe diria! O muito canalha. Como teria conseguido chegar primeiro a corte? A moça se voltou e abandonou sigilosamente a sala, tratando de ocultar o rosto sob o capuz de seu manto. Mas, assim que chegou ao corredor, começou a correr sem deter-se até chegar ao estábulo, onde esteve a ponto de enrolar ao jovem encarregado. -Onde está minha égua? Onde? Depressa! -A...ali... milady -gaguejou o homem, ao tempo que assinalava uma das cavalariças. Brigitte correu até o cavalo e o conduziu fora do estábulo. Subiu à arreios sem ajuda e se forçou a manter um passo sereno até atravessar o portalón do castelo. Enquanto cruzava o pátio, não pôde evitar olhar uma e outra vez para trás, temerosa de que Rowland saísse a persegui-la. Por fim, encontrou-se além dos muros que circundavam o palácio. Ninguém a seguia; ao menos, não no momento. Começou a galopar para o sul, mas se deteve abruptamente. Wolff! Tinha abandonado a seu mascote no monastério! Girou imediatamente e cavalgou de retorno ao convento, cuidando agora de não acelerar muito a marcha e atrair assim a atenção da gente. Enquanto avançava, preocupada com seu novo dilema, não cessou de olhar uma e outra vez por cima do ombro. Ante o mais ligeiro som, não podia evitar sobressaltar-se, já que imaginava ao Rowland galopando por detrás. E, então, de repente, viu-lhe aproximando-se pela rota. A moça se ergueu, muito sobressaltada para perguntar-se como tinha obtido ele avançar do norte, em lugar de segui-la do castelo. Sacudiu a cabeça, terrivelmente confundida. O se aproximava mais e mais, com sua capa negra revoando no vento. Presa do pânico, Brigitte girou e sapateou com força os flancos de seu corcel. Mas Rowland não demorou para alcançá-la. Não conseguiu sujeitar as rédeas da égua e, em seu lugar, apanhou o corpo da moça para colocá-la sobre seu regaço. A jovem lutou, fazendo cambalear a ambos sobre o cavalo. -Detenha, Brigitte, ou ambos cairemos -advertiu-lhe o moço. -Pois, caiamos, então! -exclamou ela. Ele conseguiu sujeitá-la com um braço e deter o cavalo com o outro. -Já está. Agora, se não deixar de chiar, porei-te de barriga para baixo sobre meu regaço e te darei uma surra que atrairá a toda uma multidão. Rowland lhe falou com tom te sussurrem junto ao ouvido, e a moça se tranqüilizou imediatamente. -Seria capaz, sem dúvida, bruto que é -disse-lhe com mais calma. E1 homem soltou uma breve risada. -Uma vez mais, forçaste a uma larga caçada, joyita. -Não tinha direito a me perseguir -espetou-lhe ela-. Esqueceu que já me liberaste? -Ah, bom, troquei minha opinião a respeito - informou-lhe Rowland com tom pausado. A jovem se sentiu furiosa. -Caipira insofrível! Assim não se dirigem estes vínculos, e sabe. Não pode me fazer a um lado, para logo voltar a tomar segundo seu prazer! Em primeiro lugar, nunca foi meu senhor. Jamais te jurei fidelidade.
-Eu o jurei e com isso é suficiente. Agora vêem, não deveríamos estar discutindo isto aqui. Termina já com seus protestos. Tenho-te e sabe que é inútil resistir. A moça guardou silêncio, e ele avançou para recuperar as rédeas da égua. Uma vez mais, tinha ao Brigitte em seu poder. Ela se sentia indignada e, de uma vez, imensamente ditosa. Rowland tinha saído em sua busca, tinha-a seguido durante todo o caminho até o Angers. -aonde me leva? -perguntou-lhe com calma. -A casa. -Ao Berry? -apressou-se a inquirir a jovem. -Ao Montville. Esse é seu lar agora, e sempre o será. Jurei que nunca retornaria ao Berry, e essa foi uma promessa que tinha esquecido quando te liberei. Brigitte ficou tensa. -De modo que foi essa a razão pela que me seguiu? Só pela promessa! Odeio-te! -Brigitte -grunhiu Rowland, sujeitando-a ainda com mais força-. Que desejas ouvir de meus lábios? Que não posso tolerar a só idéia de verte partir? Que quando te afasta sinto que perdi uma parte de mim? Sou um guerreiro, Brigitte. Não sei nada de tenras palavras. De modo que não espere que as diga. -Já as disse, Rowland -sussurrou ela com doçura. Ambos guardaram silêncio, Brigitte se relaxou entre os fortes braços do moço, sentindo que uma intensa corrente de felicidade fluía em todo seu corpo. E não tentou resistir, mas sim permitiu que essa cálida sensação a embargasse. Então, de repente, recordou a seu mascote. -Aguarda! -endireitou-se subitamente, golpeando o queixo do Rowland com a cabeça, e lhe ouviu amaldiçoar. A moça lhe explicou a causa de sua abrupta reação, e o moço seguiu suas indicações. Não encontraram ao Wolff no monastério. O cão se partiu com um grupo de galgos pouco depois da partida do Brigitte, informou-lhes o clérigo, e ainda não tinha retornado. Só subtraía aguardar sua volta. Ao solicitar um quarto privado, Rowland afirmou ante o sacerdote que Brigitte era sua esposa. Frente a semelhante descaramento, ela se sentiu indignada. -Há-lhe dito a todo mundo que sou seu serva -arreganhou-o assim que se encontraram a sós-. por que não ao clérigo? O moço estendeu os braços para estreitá-la, mas ela se apartou. -O que se supõe que está fazendo? -Vamos, chérie, você sabe exatamente quais são meus planos. Já transcorreram sete dias desde que te tive em meus braços por última vez e isso é muito tempo. -Estive em seus braços quando vínhamos para aqui -recordou-lhe a moça com aspereza. -Maldita seja, bem sabe a que me refiro. -Maldito você seja, não estou segura de querer estar contigo. -Mentirosa. Não poderia te amoldar a outros braços melhor que a meus. Vamos, te aproxime. -Rowland, é um lugar sagrado. Não tem vergonha? -Não, quanto a ti concerne. Tirou-a dos ombros para atraí-la para si então a delicada forma da jovem se amoldou à forma masculina. Depois de uns instantes, Brigitte teve a sensação de que seu corpo formava parte do Rowland. Pôde perceber o fogo nos olhos do jovem quando ele se inclinou a beijá-la. A moça entreabriu os lábios ante esse doce toque sensual, e essa tibieza masculina pareceu embriagá-la, até tal ponto, que de não havê-la sujeito Rowland com firmeza, ela se tivesse desabado. Amoldar-se? Brigitte estava feita exclusivamente para esses braços. O jovem separou por fim os lábios e a elevou. A moça se sentiu inundada em um sonho, um sonho de olhos que lhe amavam, olhos que ardiam com o desejo de possui-la. Mas quando caiu sobre a cama e as mãos do Rowland começaram a explorá-la, soube que tudo era realidade. O homem a
despiu lentamente e logo, soltou-lhe as largas tranças para enredar os dedos na dourada cabeleira. Brigitte se deleitou com cada roce: uma mão, um braço, a bochecha... não cessava de vibrar nem ante a mais ligeira carícia. Quando finalmente ambos se encontraram nus, a jovem se inclinou para acariciar o musculoso peito do homem e lhe deixar cair uma chuva de beijos sobre os largos ombros. Desejava fazer o amor com esse homem; desejava lhe demonstrar quão feliz se sentia ao lhe ter uma vez mais a seu lado. Voltou a inclinar-se sobre o Rowland e seus largos cabelos dourados caíram sobre o peito do moço como uma carícia de seda. Então, beijou-lhe os lábios masculinos com ternura, para logo deslizarse para a orelha e descender pelo pescoço até o musculoso peito. Desejava lhe explorar integralmente, tal como ele tantas vezes o tinha feito com seu corpo. Mas quando começou a descender, Rowland a sujeitou dos ombros e a atraiu para si. -Bruxa -sussurrou-lhe com voz rouca-. Já acendeste o fogo em meu interior. Jamais te desejei tanto como agora. Se continua descendendo, derramarei muito logo minha semente. -Então, já tome, amante. -Brigitte esboçou um sorriso de satisfação-. Tome. Rowland girou para apoiar-se sobre o delicado corpo da jovem e possuir a de maneira selvagem, apaixonada. Juntos subiram até as enlevadas alturas, para logo descender rapidamente da gigantesca, magnífica onda de paixão. Depois de um instante, o homem se apartou para estreitá-la a seu lado. Brigitte se aconchegou junto ao largo ombro e apoiou uma mão sobre o imponente peito de maneira possessiva. Jamais se havia sentido tão ditosa e, assim, inundou-se em um profundo sonho, já livre de temores, sem mais inquietações pelo distante e remoto futuro.
34
-Brigitte. Uma mão agitou docemente o quadril da moça e ela se sacudiu com um sorriso antes de abrir os olhos. Rowland se apoiou sobre a cama e lhe deixou cair um tenro beijo sobre a bochecha. O homem já se encontrava vestido e a observava com expressão satisfeita. -Dormiu durante quase uma hora, joyita. Agora, vamos. Devemos estar longe daqui antes do crepúsculo. Brigitte sorriu e se desperezó lánguidamente. -Está seguro de que já deseja partir ? -perguntou-lhe com um significativo brilho nos olhos. -Ah, rapariga, não me tente -grunhiu ele e, ante a risada afogada da jovem, rocogió suas roupas e as jogou na cara como castigo-. Esta noite, pagará por isso, juro-lhe isso -assegurou-lhe com voz rouca. -Esperarei ansiosa o castigo -brincou a moça, sentindo-se imensamente feliz-. retornou Wolff então? -perguntou-lhe, ao tempo que se colocava o vestido. -Sim. Rowland se sentou sobre a cama e se dispôs a observá-la. Então, tirou-a da cintura e a atraiu para si. Brigitte lhe acariciou os braços, surpreendida, ao tempo que lhe apoiava a cabeça entre os arredondados seios. Assim permaneceu o homem, imóvel, durante vários segundos. Ela se sentiu profundamente comovida e o estreitou com força, posto que compreendia o que ele tentava lhe dizer. -Ama-me, Brigitte? Ante essa pergunta, a jovem sentiu irresistíveis desejos de chorar, já que, em realidade, ignorava a resposta.
-conheci muitas formas de amor em minha vida. O amor de minha mãe e meu pai, o amor de meu irmão, de meus serventes e amigos. Mas o que sinto por ti é diferente. Não estou segura de que isto seja amor, Rowland. Nunca antes amei a um homem, de modo que não posso afirmá-lo. -Nem sequer A... - O homem não pôde culminar a frase. Não desejava lhe recordar ao Brigitte a figura daquele lorde do Louroux, aquele que a tinha amado e mimado, aquele que, provavelmente, tinha-lhe obsequiado a túnica bordada com safiras. A moça tomou o rosto entre as mãos e lhe forçou a olhá-la. -Nem sequer a quem? -Só me ocorreu que poderia ter havido alguém no Berry -disse ele evasivamente-. Alguém com quem, talvez, tivesse-te desejado desposar ou alguém com quem passou muito tempo. Brigitte sorriu. -Não houve ninguém. E te direi algo mais, Rowland. Sou muito feliz contigo. Senti-me desolada quando fez a um lado. E me devastou a só idéia de pensar que seu interesse em mim era tão ínfimo, que nem sequer tinha sido capaz de cumprir com nosso trato. Poderia me dizer agora por que razão me enganou? -Temi que alguém pudesse vir e te arrebatar de meu lado -respondeu ele com franqueza, e a jovem lhe abraçou com mais força-. Ainda deseja que envie a alguém ao Berry? -sussurrou o jovem. -Não -murmurou a moça-. Já não. -Nem sequer desejava pensar nessa possibilidade. Rowland a estreitou com força uma vez mais, para logo liberá-la e lhe aplaudir brandamente o traseiro. -Vístete, mulher. O recuperou sua acostumada rudeza. sentia-se muito bem com a infinita ternura que essa moça despertava em seu interior. Necessitava ao Brigitte mais à frente que pelo simples enlace de seus corpos. Acaso a amava? ele podia responder a essa pergunta com maior certeza que a jovem? Rowland jamais tinha conhecido o amor, nenhuma forma de amor. Ainda assim, estava seguro de desejar o carinho do Brigitte Talvez, algum dia, ela chegaria a conhecer a respuesta,y a revelaria. No momento, bastava-lhe saber que ela era feliz, que já não haveria mais ameaças do Berry, que jamais voltaria a perdê-la. -Esse vestido é muito magro para viajar - comentou Brigitte, interrompendo os pensamentos do jovem- Vejo que trocou de roupa- adicionou, ao notar que ele levava uma túnica de lã parda sob a capa negra. Rowland se olhou o vestido. -Não me troquei, chérie. Não traga mais roupa comigo. Não havia tempo de empacotar. -Rowland, isso é uma descarada mentira -afirmou a jovem surpreendida. -Mentira? -Sei que trouxe outro vestido contigo. Vi-te esta manhã no palácio e levava posta uma luxuosa túnica. Rowland soltou uma estrondosa gargalhada. -Está equivocada. Acabava de chegar ao Angers quando encontrei na rua. -Mas te digo que te vi falando com o conde -insistiu ela. -Não, não pode ser -negou ele com firmeza-. Deve ter sido alguém parecido a mim. -Posso te reconhecer quando te vejo, Rowland -afirmou a moça com tom brusco-. Surpreendeu-me te encontrar ali, com uma mulher pendurada de seu braço, falando com o conde como se fossem velhos amigos. Havia-me dito que não conhecia ninguém no Angers. -E não te menti, Brigitte. Eu não estive no palácio esta manhã. Jamais vi ao conde do Anjou. Jurolhe isso. Brigitte franziu o sobrecenho e observou ao moço, confundida. Que razão teria Rowland para lhe mentir? Rememorou em seguida aquele momento em que lhe tinha visto cavalgando na rua. Então, tinha-lhe surpreso encontrá-lo ali, quando acabava de lhe deixar no palácio. Não pôde
recordar que ele levasse posta a luxuosa túnica negra nesse instante, e não tinha reparado em suas roupas ao entrar na habitação do convento. -Não compreendo, Rowland -disse-lhe lentamente, desconcertada-. O homem que vi no palácio foi você. Tinha seu mesmo rosto... e seu tamanho. Era de sua mesma altura. Quantos homens conhece tão altos como você? Até tinha a mesma cor de cabelo. -Então, deteve-se de repente, e seus olhos azuis se dilataram-. Talvez, seu peito não era tão largo. Não, acredito que não o era. Rowland se sentiu tão aturdido como a jovem. -Quem era esse homem tão semelhante a mim em qualquer outro aspecto? -Parecia um aristocrático lorde. E a mulher que tinha a seu lado se encontrava elegantemente vestida com veludo e jóias. O conde lhe falava de maneira amigável. Rowland, não posso entendêlo. Não era só um simples parecido. O homem que vi parecia ser sua imagem refletida em um espelho. Poderia ter sido seu irmão gêmeo. O moço deixou escapar um rouco grunhido. -De maneira que gêmeos. Se Luthor tivesse tido gêmeos, pode apostar a vida a que teria levado a ambos a casa. Agradaria-me ver esse homem por mim mesmo - disse Rowland de repente-. Vístete com seus elegantes ornamentos, Brigitte. Iremos a corte do conde.
35 -Evarard do Martel. Deveria te sentir envergonhado. Rowland se voltou para a roliça mulher que detrás lhe observar com fúria, lançou um olhar fulminante ao Brigitte e se afastou abruptamente. Os jovens acabavam de entrar no palácio, em uma de cujas antecâmaras privadas se encontrava o conde atendendo às visitas. Dezenas de homens e mulheres aguardavam na sala para lhe ver. Já se aproximava a hora do crepúsculo e, com segurança, muitos teriam que retornar ao dia seguinte. -Falava-me essa mulher? -sussurrou-lhe Rowland a jovem, que não deixava de lhe sujeitar o braço com firmeza. -dirigia-se a ti, sem dúvida, e acredito que eu não lhe agradei muito. -Chamou-me Evarard do Martel. Brigitte assentiu. -Obviamente, cometeu o mesmo engano que eu, só que à inversa. Evarard deve ser o nome do sujeito. -Como conseguiremos lhe encontrar? -perguntou ele com inquietação. A vida cortesã sempre lhe tinha desagradado. Durante todos seus anos de serviço ao rei da França, tinha cuidado de manter-se afastado da corte real. -Pode lhe ver? -inquiriu Rowland. Brigitte já tinha examinado duas vezes a gigantesca sala. -O não se encontra aqui. -Ah, lorde Evarard, vejo que retornaste. De maneira que fazendo travessuras esta vez, né? -O corpulento homem que Brigitte tinha conhecido pela manhã se aproximou do casal.- Tão logo te cansaste que seu flamejante algema? -adicionou, piscando os olhos um olho com picardia antes de dirigir-se a jovem-. Milady, conseguiu sua audiência com o conde? -Não, temo que me parti com muita pressa - respondeu Brigitte com ire congraciador. -Suficiente -disse Rowland com rudeza, para logo arrastar à moça para o outro lado da habitação, longe do loquaz cavalheiro-. Sei que esteve aqui esta manhã, mas com que propósito? Deveste viu ao conde. Para que? -perguntou-lhe com tom brusco. -Não tem razão para te zangar, Rowland- tranqüilizou-lhe Brigitte-. Vim aqui a solicitar uma escolta para viajar ao Berry. Não acreditará que planejava atravessar sozinha todo esse comprido caminho, ou sim?
-me perdoe -murmurou ele com um suspiro, enredando os dedos na dourada cabeleira da moça-. Este assunto do Evarard do Martel me perturbou. -Esboçou então um amplo sorriso.- Suponho que terei que agradecer ao homem. Por ele, não alcançou a solicitar o amparo do conde, mas sim escapou do palácio para te arrojar diretamente a meus braços. Não o crie assim? -Suponho que sim. -Pois então, vamos lhe buscar para que possa lhe apresentar meu agradecimento. Aguarda aqui, enquanto eu averiguo onde vive. O homem começou a afastar-se, mas Brigitte lhe tirou do braço para lhe deter. -Você não pode fazê-lo, Rowland. Todos acreditarão que está louco, posto que supõem que é lorde Evarard. Permite que eu interrogue a alguém. Averiguarei onde vive o homem e todo o referente a ele. Rowland assentiu com relutância. A jovem falou com duas damas antes de encontrar a alguém que conhecia lorde Evarard. A mulher, prima do conde do Anjou, parecia uma excelente informante. -Espero que não tenha posto seus olhos no querido Evarard, posto que acaba de casar-se e lhe vê muito apaixonado por sua esposa- advertiu-lhe lady Anne em tom confidencial-. Temo que poderá te decepcionar. -OH, não, milady -tranqüilizou-a Brigitte-. É só curiosidade. O jovem lorde é um homem muito arrumado. Sua esposa é seriamente afortunada. -Sim, e formam um bonito casal -assegurou-lhe lady Mine- O mesmo conde arrumou as bodas, como favor para o barão Goddard do Cernay. -Barão Goddard? -O pai do Evarard. O barão e meu primo são íntimos amigos, sabe? -Cernay se encontra muito longe daqui, não é assim? inquiriu a jovem com tom vacilante, posto que jamais tinha ouvido falar do Cernay. -OH, não, não tão longe. Ao outro lado do Loira e logo, para o oeste. Cernay fica no Poitou. Brigitte conhecia uma velha rota romana que conduzia diretamente do Berry até o Poitou sobre a costa oeste. -Mas lorde Evarard vive aqui, no Anjou, não é verdade? -perguntou a moça. -O vive no Poitou, perto de seu pai, minha querida -esclareceu-lhe dama-. O e sua família são convidados do palácio. Aqui se celebrou as bodas; logo, o clima frio se adiantou e, então, meu primo insistiu em que toda a família permanecesse no castelo durante o inverno. -É uma família numerosa? Tem lorde Evarard algum irmão ou irmã? -Vá que é inquisidora, pequena. O é filho único. Conforme tenho entendido, lady Eleonore teve dificuldades na iluminação. Jamais voltou a conceber, a pobre mulher. Eu tenho sete filhos e trinta e quatro netos. E cada um deles é uma fonte de sorte para mim. -É muito afortunada, milady. E foste muito paciente comigo. Minha querida mãe sempre dizia que eu tinha nascido com mais curiosidade da necessária. Seriamente te agradeço a moléstia. Brigitte se afastou rapidamente, antes de que a mulher pudesse interrogá-la. Imediatamente, abandonou a habitação, sabendo que Rowland lhe estava observando. O a seguiu, para reunir-se com ela no corredor contigüo a grande sala. -E bem? -O está vivendo no palácio com sua família. Todos são convidados do conde. -Sua família? -Sua esposa, pai e mãe. Seu pai é o barão do Cernay e íntimo amigo do conde. -Jamais ouvi falar dele. -Tampouco eu -afirmou a jovem. -E bem? -perguntou Rowland com impaciência-. Sei que o averiguaste, Brigitte, de modo que acaba já com isso.
-É filho único -admitiu a jovem, esboçando um sorriso culpado. O jovem a conhecia bem e sabia o que ela tinha suspeitado. -Ainda sinto desejos de conhecer homem -confessou Rowland. -Também eu. -Brigitte sorriu com picardia-. É uma pena que esteja casado. Poderia me resultar muito mais agradável que você. -Isso crie, né? -disse ele, estendendo os braços para tomá-la. -Rowland -repreendeu-lhe, lhe apartando. Soltou uma breve risada e, logo, adotou uma expressão mais séria-. Procurarei um pajem para que conduza a suas antecâmaras. Você nos siga a uma distância prudente. E te assegure de que o pajem não te veja- advertiu-lhe com tom severo-. Acreditará que é Do Martel. As habitações do barão do Cernay se encontravam situadas na asa do palácio. O pajem não questionou a solicitude do Brigitte e logo a deixou no corredor, frente a uma porta fechada. Depois de uns instantes, Rowland se aproximou. A moça aguardou a que ele chamasse, mas ele só permaneceu imóvel, com o cenho franzido e os olhos fixos na porta, como se temesse descobrir o que encontraria do outro lado. Então, Brigitte compreendeu que Rowland, em realidade, não desejava golpear, mas sim preferia partir sem conhecer homem. -Isto é ridículo -protestou ele com voz áspera. Não temos direito de chatear a esta gente. Fez um movimento para partir, mas ela sussurrou: -Não há razão pela que não possamos conhecê-los, Rowland. -E o que lhes diríamos? -perguntou ele-. Que só sentimos curiosidade? -Suspeito que não haverá necessidade de lhes dizer nada -sugeriu Brigitte com o olhar fixo na porta, como se pudesse ver através da madeira. A jovem golpeou antes de que Rowland conseguisse detê-la e logo, teve que lhe sujeitar, enquanto aguardavam a que se abrisse a porta. Súbitamente, o jovem se liberou e começou a afastar-se com passo firme pelo corredor. -Rowland, retorna-le sussurrou Brigitte com ansiedade-. Terá que retornar, posto que não me partirei daqui se não o fizer. O se voltou e começou a caminhar com o cenho franzido para a jovem. Nesse instante, a porta se abriu e, então, ele se deteve abruptamente. Uma esbelta mulher se encontrou de pé frente a Brigitte, que parecia estar sozinha no corredor. Era uma dama de ao redor de quarenta anos, muito bela e elegante, de claro cabelo loiro e olhos de cor azul intensa, olhos de safira como os do Rowland. -Sim? O que posso fazer por ti? -perguntou a mulher com voz melódica. -vim a ver o Evarard do Martel, milady. Poderia falar umas palavras com ele? -Meu filho estará encantado de te atender -respondeu a dama com tom amável-. Posso te perguntar por que quer lhe ver? -É você a baronesa do Cernay? -Assim é. -Baronesa, meu lorde, Rowland do Montville, desejaria conhecer seu filho. -Brigitte se voltou para o jovem -Por favor, Rowland -suplicou-lhe. O emergiu com relutância das sombras, arrastando os pés como um homem que parte para sua execução. Por fim, deteve-se junto à jovem, que tomou fortemente da mão para lhe reter a seu lado. A mulher franziu o sobrecenho. -Evarard, que truque é este? -perguntou com tom severo.
Rowland não respondeu. encontrava-se absorto, observando o rosto de seu sonho, algo mais estragado pelo passo dos anos, mas, sem dúvida, o mesmo rosto que lhe tinha açoitado da infância. O jovem não conseguiu encontrar as palavras para expressar seu atordoamento. De repente, uma estrondosa gargalhada retumbou no interior da habitação e, logo, ouviu-se a voz de um homem brincando com sua companheira. A baronesa empalideceu. Deu um passo atrás e se cambaleou, como se estivesse a ponto de desvanecer-se. Rowland se adiantou para sujeitá-la, mas ela afogou uma exclamação e se ergueu com os olhos dilatados, de modo que ele não se atreveu a tocá-la. O homem não podia apartar o olhar desse rosto; tampouco a dama podia deixar de observar a esse jovem. Então, ela estendeu uma mão tremente para lhe acariciar o rosto com incrível ternura. -Raoul -sussurrou com um soluço, e logo retrocedeu outro passo para exclamar- Goddard! Goddard, vêem, depressa! -Um homem acudiu velozmente a suas chamadas e, então, lhe insistiu com voz entrecortada. -me diga... me diga que não estou sonhando. me diga que é real, Goddard! O cavalheiro empalideceu ao observar atônito o rosto do Rowland. O moço retrocedeu para o corredor, para colocar-se junto ao Brigitte. Era esse o homem de seu sonho. Ao parecer, ele tinha penetrado em seu próprio pesadelo. -Raoul? -perguntou Goddard. Rowland olhou alternativamente ao Brigitte e ao cavalheiro e sua confusão se transformou em fúria. -Eu sou Rowland do Montville -afirmou com veemência-. Meu nome não é Raoul! Quão jovem Brigitte tinha visto essa manhã com o Evarard do Martel apareceu então no quarto e sufoco uma exclamação ao ver o Rowland. Em seguida, seu marido entrou na habitação. -Emma? -perguntou Evarard, e logo seguiu a horrorizada expressão da moça até que seus olhos caíram sobre o jovem. -Santo Deus! -Rowland logo que conseguiu pronunciar essas palavras. Então, abriu-se passo entre o barão e a baronesa para caminhar lentamente para o outro jovem. Pareciam estar olhando sua imagem em um espelho, cada um de seus rasgos se achavam refletido nesse rosto. Por um instante, ambos permaneceram em silêncio, observando-se. Evarard elevou uma mão para roçar apenas a bochecha do Rowland em um gesto tenro, de incredulidade. Rowland, em troca, permaneceu completamente imóvel, com os olhos fixos no outro homem. -Irmão! -exclamou Evarard. Uma intensa dor se refletiu no olhar do Rowland, percebeu sinceridade em sua palavra. O horror de sua vida, sua penosa vida, atravessou-lhe a mente em um instante, e se voltou para o barão e a baronesa. -por que tinham que me dar de presente? -sussurrou com angústia-. Acaso dois filhos eram muito? Tiveram alguma razão para me detestar? -Meu Deus, Raoul, está equivocado! -exclamou Goodard, horrorizado-. Foram arrebatado... roubaram-lhe! Rowland lhe lançou um penetrante olhar suspicaz e começou a caminhar para a entrada. Brigitte, sabendo que ele partiria sem escutar os argumentos dessa gente, correu a fechar a porta para lhe impedir o caminho. Mas Rowland a tirou da boneca e detrás abrir novamente a porta com violência, jogou-a para o corredor. A moça tentou lhe deter gritos. -Não pode partir agora, Rowland! Os olhos do moço expressaram uma incrível angustia, um tortura infinito, quando observaram a jovem. Então, ele a estreito com força, lhe sentiu tremer. -Não posso lhes acreditar, Brigitte. Ou teria que matar ao Luthor! -Não, Rowland! Não. Deve ter em conta as razões do Luthor. Um homem tão desesperado por um filho, que deveu roubar...
-Minha vida foi um inferno com ele! Evarard tinha deslocado detrás do casal, mas se deteve o vê-los abraçados e escutou o que diziam. -Deve retornar a esse quarto, Rowland -disse Brigitte com firmeza-. Não pode lhes rechaçar. E seu irmão, Rowland não sente curiosidade por saber dele? Acaso não deseja lhe conhecer? A moça secou as lágrimas do homem com seu manto, sobressaltada ao advertir que ele era capaz de chorar. -Ah, chérie. -Rowland a beijou com ternura. -O que faria eu sim não estivesse aqui para me falar com prudência? -Teria que lutar comigo -interrompeu-os por fim Evarard-. Porque jamais te deixaria partir. Rowland se voltou para olhar a seu irmão. Sorriu súbitamente ao observar sua magra textura e suas roupas cortesãs. -Tivesse encontrado dificuldades... irmão. Vejo que não é um homem de guerra. -E eu vejo que você se o for -respondeu Evarard com um amplo sorriso. Produziu-se um profundo silêncio, enquanto ambos os jovens se examinavam mutuamente. Brigitte sacudiu a cabeça. Rowland necessitava um impulso. -Adiante, maldito seja, insistiu-lhe com um ligeiro empurrão-. Saúda seu irmão corretamente. Ele está muito intimidado por sua malvada expressão para atrever-se a fazê-lo. Rowland avançou lentamente, para logo tirar do braço a seu irmão e lhe abraçar com incrível força. Evarard riu e Brigitte se desatou em lágrimas. Quando os três jovens voltaram para a habitação. Eleonore se encontrava chorando nos braços de seu marido. Goddard a sacudiu brandamente para lhe fazer notar que Rowland tinha retornado e, ante a presença do jovem, o pranto da dama se tornou ainda mais intenso. Logo, Eleonore se voltou para abraçar ao filho que todos esses anos lhe tinham negado. Tomou o rosto do jovem entre as mãos e seus olhos brilharam através das lágrimas. Rowland sentiu um repentino calafrio. Apenas se podia respirar, mas nem por um instante apartou o olhar da dama. Ela era sua mãe, sua própria mãe. Deixou escapar um rouco gemido e a estreitou com força entre seus braços, para afundar o rosto junto ao pescoço da mulher e lhe murmurar algo ao ouvido. -Meu Raoul -sussurrou ela, sem deixar de lhe abraçar acreditei que te tinha perdido pela segunda vez quando te partiu por essa porta. Não tivesse podido tolerá-lo. Mas retornou, meu filho, retornou para mim. Rowland prorrompeu em prantos. Sua mãe. Quanto tinha necessitado a essa mãe durante sua infância. Quanto tinha desejado tê-la a seu lado em todos esses anos. E, agora, ela estava ali, lhe brindando todo o amor que ele sempre tinha desejado com desespero. Goddard se adiantou para abraçar a seu filho em silêncio. O jovem vacilou por um instante. Jamais tinha conhecido a um irmão, nem a uma mãe, mas sempre tinha conhecido a um pai. Entretanto, Luthor não era seu verdadeiro pai e, em realidade, nunca tinha parecido sê-lo. Finalmente, Rowland correspondeu ao afetuoso abraço do barão. Então soltou uma repentina gargalhada e tirou da mão ao Brigitte para atrai-la para si. -Dá-te conta, cherie, de que já não sou um bastardo? Ela sorriu ante a brilhante expressão do jovem. -OH, Raoul. -Eleonore deixou escapar uma breve exclamação. -É isso o que acreditava? -Isso me disse, milady, o cavalheiro que afirma ser meu pai. -Quem é o homem que te arrebatou de nosso lado? -perguntou Goddard. -Luthor do Montville. -Pagará-o com acréscimo! -exclamou Evarard com fúria. -Eu me encarregarei dele, irmão -assegurou-lhe Rowland com frieza, para logo adicionar em tom mais alegre-. Mas não desejo falar do Luthor. São vocês franceses? -Goddard assentiu com a
cabeça e ele soltou então uma risada afogada. -portanto, eu também sou francês. Ja! -Giñó um olho em direção ao Brigitte-. Já nunca mais poderá me chamar normando a modo de insulto. -Rowland! -exclamou a moça, morta de calor. -Foi criado na Normandía? -inquiriu Goddard-. Foi ali onde te levou esse homem? -Sim. -Não me surpreende que não pudéssemos te encontrar. Buscamo-lhe por todo Anjou e as regiões vizinhas, mas jamais nos ocorreu nos estender até um lugar tão longínquo como Normandía. -Mas, o que te trouxe até o Angers?- perguntou Evarard. -A caça desta mulher -respondeu Rowland ao tempo que abraçava ao Brigitte e soltava uma breve risada-. Tenho que te agradecer por havê-la encontrado e a ela, por haver achado a ti. Viu-te está amanhã quando deveu ver ao conde. Supôs que foi eu e saiu correndo do palácio. Se não tivesse escapado então, jamais a tivesse encontrado. -Ante as aturdidos olhares de todos, o jovem adicionou-. É uma larga história; será melhor reservá-la para outro momento. -voltou-se para seus pais.- Agora, me contem o que aconteceu então. Como obteve Luthor me arrebatar de seu lado? Eleonore se apressou a responder. -Encontrávamo-nos no Angers para a celebração do dia de São Remi. O conde tinha obtido uma excelente colheita esse ano e quis festejá-lo organizando um enorme banquete com nobres de todas partes do reino. Nós tínhamos levado a nossos filhos, você e Evarard, a grande sala... para presumir, temo-me. Sentíamo-nos muito orgulhosos de nossos gêmeos. Vós foram muito pequenos então, e realmente encantadores. -Rowland se ruborizou, mas Evarard soltou uma gargalhada, habituado aos mímicos de sua mãe-. Algo mais tarde, minha donzela, trouxe-lhes de volta a esta mesma habitação. E essa foi a última vez que lhe vimos, Raoul. -Rowland, meu amor- corrigiu-lhe Goddard com doçura. Ele se chamou Rowland durante a maior parte de sua vida. Teremos que esquecer o nome que lhe demos quando nasceu. -Para mim, sempre será Raoul. -Eleonor sacudiu a cabeça com obstinação. -Sua mãe é uma dama muito sentimental, Rowland lhe explicou o barão-. Ambos nos sentimos desolados quando retornamos à habitação e encontramos à donzela inconsciente e só ao Evarard em sua cama. Você já não estava. Eu tinha inimigos. Que homem não os tem? Temi que um deles te tivesse levado, e supus que teria morrido. Mas sua mãe jamais perdeu as esperança. Durante todos estes anos, nunca as perdeu. -Foi este homem, Luthor, bom contigo? -pergunto Eleonore com suavidade -Bom? -Rowland franziu o sobrecenho com ar pensativo. Havia coisas que jamais poderia contar a essa gente. Quem seria realmente capaz de compreender a dureza de sua vida? Como poderia explicar tanta crueldade a sua família? -Luthor é um rude guerreiro -começou a dizer o jovem-. É muito respeitado na Normandía. Os nobres aguardam durante anos até lhe enviar a seus filhos para o treinamento, em lugar de recorrer a qualquer outro lorde. Minha própria capacitação começou logo que fui capaz de sujeitar uma espada. Luthor se dedicou para mim com especial cuidado. Sempre foi um... um rigoroso professor. Não só me ensinou as habilidades de um soldado, mas também as estratégias da guerra. Obrigou-me a me esforçar para alcançar a perfeição. -Esboçou um irônico sorriso.- Desde muito novo, fui preparado para assumir a autoridade no Montville e conservá-la contra qualquer desavença, dada que, embora Luthor tem duas filhas de seu matrimônio, eu serei o herdeiro de seu patrimônio. Embora agora que sei que não sou de seu sangue, suponho que Montville já não me pertence. -Isso é indiscutível, certamente, posto que há filhas -fez-lhe notar Goddard-. Mas você... Rowland lhe interrompeu com um marcado tom severo. -Eu poderia dar procuração do Montville ainda quando não tivesse o mínimo direito. Não cabe dúvida a respeito. O comentário revelou à família muito mais sobre a natureza do homem que qualquer outro relato. Rowland era um
guerreiro, um homem rude, poderoso, preparado para obter o que desejasse. Seria difícil para essas gentis pessoas compreender tanta rudeza. -Rowland é algo parco -apressou-se a comentar Brigitte, a fim de quebrar o silêncio-. Não quis dizer que tenta apoderar-se do Montville pela força, mas sim poderia fazê-lo se assim o desejasse. O moço olhou a jovem com o cenho franzido, já que não considerava que suas palavras necessitassem explicação. Lhe respondeu com um beliscão, e recebeu em troca uma expressão até mais sombria. -Não deveria sentir que perdeste algo porque não é verdadeiro filho desse homem -assegurou-lhe o barão-. Não conheço Montville, mas você possui uma imensa propriedade no Poitou, que foi entregue ao nascer por meu senhor, o conde do Poitou. Evarard administrou suas terras com mesmo cuidado que as próprias. Ao igual a sua mãe, seu irmão jamais perdeu a esperança de que retornasse algum dia. -Bem, irmão. -Rowland sorriu-. Sou um homem rico então? -É bastante mais rico que eu -assentiu Evarard, encantado-, já que suas rendas se acumularam durante, todos estes anos, enquanto que eu tive que as usar para viver. E devo reconhecer que jamais me privei que luxos. Rowland riu. -Pois então, dada a moléstia que te ocasionei, insisto em que aceite minhas rendas acumuladas como se lhe pertencessem. -OH, não posso as aceitar! -exclamou Evarard, surpreso. -claro que sim -insistiu Rowland-. Não quero nada que não tenha ganho por mim mesmo. E te estaria agradecido se continuasse te ocupando de minhas terras até que eu as comercial. -Não vais reclamar as agora? -Agora, -começou a dizer Rowland com expresión,sombría -, devo retornar ao Montville. -Acompanharei a Normandía -ofereceu-lhe seu irmão. Mas Rowland sacudiu a cabeça com obstinação. -Deverei me enfrentar só ao Luthor. O homem te detestará, irmão, já que, de não ser por seu rosto, já jamais me tivesse informado da existência de minha família, nem tivesse descoberto seu engano. Sua vida correrá um sério perigo no Montville. -E que me diz da tua? -Luthor e eu somos igualmente fortes. Eu não lhe temo. É ele quem deverá cuidar-se de mim. -Rowland -começou a dizer o outro jovem com vacilação, franzindo o sobrecenho-. Talvez, seria mais sensato que não voltasse a ver esse homem. Crie que poderia viver com sua consciência se lhe matasse? -Não poderia seguir vivendo sem escutar suas razões para ter feito o que fez -assegurou-lhe Rowland com voz acalmada, mas uma expressão severo nos olhos. Transladaram-se a uma confortável habitação, onde conversaram durante toda a noite e comeram como uma verdadeira família pela primeira vez em vinte e três anos. Rowland escutou em silêncio as histórias familiares, e Brigitte se perguntou se a lembrança de tantas vivencias não aumentaria a pena do homem, que jamais as tinha compartilhado. O parecia enfeitiçado e não podia apartar os olhos de seus recentemente adquiridos parentes. 36 -Dá-te conta, Brigitte, de que se não te tivesse escapado para o Angers, provavelmente eu jamais tivesse conhecido a minha família? Durante anos, Luthor me impediu de chegar até ali, por temor ao que eu pudesse encontrar. Nunca me perguntei o que tinha ele contra essa cidade. Mas, esta vez, não conseguiu me manter afastado do Angers, e toda graças a ti.
Os jovens se achavam contemplando os domínios do Montville da colina do sul. Brigitte se sentia algo inquieta devido ao vindouro enfrentamento, posto que um muito silencioso Rowland tinha cavalgado para seu lado durante três dias. O moço lhe sorriu. -Cada vez que fugiu de mim, algo bom me aconteceu. -O que aconteceu de bom a primeira vez? -Acaso não foi minha a partir de então? A moça se ruborizou. -Enfrentará ao Luthor em privado? -perguntou-lhe, voltando para seus imediatos temores. -Isso não tem importância. -Claro que tem importância, Rowland. Por favor, deve lhe falar a sós. Ninguém mais aqui precisa inteirar-se do acontecido. Luthor te considerou seu filho durante todos estes anos. Compartilha um estreito vínculo com ele, um vínculo de anos que pesa tanto como um parentesco. Recorda-o quando chegar o momento de te enfrentar a ele. Rowland começou a descender lentamente pela colina, em silêncio, sem aplacar os temores da jovem. Luthor se encontrava na grande sala quando eles entraram. Ao vê-los aproximar-se, o ancião adotou uma expressão cautelosa, como se já soubesse o acontecido. -De modo que a trouxe novamente de volta? -comentou o lorde com tom jovial, ao tempo que se incorporava de seu assento frente ao fogo. -Em efeito. Luthor se voltou para o Brigitte. -Não te disse que logo cederia, rapariga? -Isso disse, milord -respondeu ela com voz suave. -Esteve ausente durante uma semana -comentou o ancião, dirigindo-se a seu filho uma vez mais-. Suponho que a moça alcançou a chegar ao Angers, não é assim? -Assim foi. Produziu-se um prolongado silêncio e logo, Luthor exalou o suspiro de um homem angustiado. -Sabe? Rowland não respondeu. Não havia necessidade. -Desejaria falar contigo a sós, Luthor -disse-lhe-. Poderia cavalgar comigo um momento? O lorde assentiu e lhe seguiu fora da sala. Ao observá-los partir, Brigitte experimentou uma imensa compaixão pelo ancião. Tinha visto os ombros cansados do Luthor e a abatida resignação de seu rosto. Rowland desmontou no topo da colina onde ele e Brigitte se detiveram para apenas uns instantes. Recordou a advertência da jovem. Porém, havia em seu interior uma incontida ira que lutava por estalar; a ira de um pequeno menino golpeado, desprezado, cruelmente humilhado. Tanta perversidade, recordou-lhe essa mesma ira, não tinha sido mais que uma tremenda injustiça. Luthor desembarcou do cavalo e, ao olhar a seu filho, Rowland lhe perguntou com um tom entre furioso e angustiado: -Maldito seja, Luthor! Porquê? -Explicarei-lhe isso, Rowland -respondeu o ancião com calma-. Explicarei-te a vergonha de um homem que não tem filhos varões. -Isso não é motivo de vergonha! -disse o jovem. -Você não pode sabê-lo, Rowland -assegurou-lhe o lorde com veemência-. Não pode saber quanto desejava eu um filho até que você mesmo não deseje um de seu sangue. Filhas tive... dúzias de filhas por toda Normandía. Mas nenhum varão, nenhum! Já sou um ancião de quase sessenta anos. Comecei a me desesperar por ter um filho que pudesse administrar minhas terras. Quase Mato a Hedda quando deu outra mulher. É por isso que ela jamais voltou a conceber e por essa razão sempre te odiou.
-Mas, por que a mim, Luthor? por que não o filho de algum camponês... um menino o que, estaria agradecido por tudo o que pudesse lhe brindar? -Acaso você não está agradecido? Converti-te em um homem temível, um excelente guerreiro. -Trouxe-me aqui para ser criado por essa bruxa, para sofrer em suas mãos. Arrebatou-me do amor de minha mãe... para me entregar a Hedda! -Converti-te em um homem forte, Rowland. -Meu irmão é um homem forte e, entretanto, foi criado por pais afetuosos. Você me negou isso tudo. -Eu sempre te amei. -Você não conhece o amor! -Está equivocado -assegurou-lhe Luthor depois de uma pausa, e seus olhos refletiram uma infinita dor-. É só que não sei como demonstrá-lo. Mas eu te amo, Rowland. Sempre te amei como se fosse meu verdadeiro filho. Eu te converti em meu filho. O jovem resistiu frente a um súbito impulso compassivo e perguntou com voz áspera: -Mas, por que a mim? -Eles tinham dois filhos, dois filhos de um mesmo nascimento, quando eu com tanto desespero não pedia mais que um. Encontrava-me no Angers com o duque Richard. Quando vi o barão e a sua esposa com os pequenos gêmeos, senti-me afligido por tanta injustiça. Não tinha planejado te levar. Uma idéia me acossou súbitamente, e o impulso me venceu. Não senti remorsos, Rowland. Não direi que o senti. Eles tinham gêmeos. Perderiam a um, mas ainda ficaria o outro. Conservariam a um filho, e eu poderia ter o meu. Cavalguei durante dois dias sem cessar, esgotando ao cavalo, para te trazer diretamente até aqui. Você já foi meu. -Santo Deus! -exclamou Rowland em direção ao céu-. Não tinha direito, Luthor! -Sei. Alterei toda sua vida. Mas te direi algo. Não suplicarei seu perdão, porque se voltasse a apresentá-la oportunidade, faria exatamente o que fiz. Montville te necessita -concluiu o ancião com um tom um pouco mais firme. -Montville terá outro lorde depois de ti, mas não serei eu -afirmou o jovem com amargura. -Não, Rowland, não sabe o que diz. Dediquei quase a metade de minha vida a te preparar para assumir a autoridade de lorde aqui. Não é de meu mesmo sangue, mas a ninguém mais poderia confiar os domínios do Montville, só ti. -Não os quero. -E permitirá que Thurston os tenha, então? -perguntou Luthor com fúria-. O não se interessa por essa gente, nem pela terra, nem pelos cavalos que ambos amamos. Abaterá a ira do duque Richard com suas mesquinhas guerras para conseguir mais terras e Montville, então ficará destruído. É isso o que quer que aconteça aqui? -Já basta! -Rowland... -Pinjente basta! -bramou o moço, equilibrando-se para o cavalo-. Devo pensar, Luthor. Não estou seguro de poder te tolerar agora, sabendo o que sei. Devo pensar. Uns instantes mais tarde, Rowland entrou em sua habitação. A tibieza do quarto foi como um bálsamo para apaziguar sua cólera. Sua antecâmara jamais lhe tinha parecido um lugar acolhedor, mas com a presença do Brigitte... A moça lhe observou com ansiedade. O exalou um suspiro, deixou cair os ombros e se jogou sobre uma cadeira, evitando os olhos curiosos da jovem. -Não sei, Brigitte -disse-lhe com calma-. Não posso lhe perdoar, mas não sei o que fazer. -brigastes? -Só com palavras. -E sua razão?
-Tal como disse, desejava um filho com desespero. -Apoiou a cabeça nas mãos da moça e lhe lançou um breve olhar-. Oxalá não tivesse sido eu! Rasgada por essa angustiosa queixa, Brigitte se ajoelhou frente ao jovem e lhe rodeou com os braços, em silêncio. Rowland lhe acariciou o cabelo com ternura, comovido. -Ah, meu joyita. O que faria eu sem ti?
37 A primeira luz do amanhecer já penetrava através das peles que cobriam as janelas, quando os passos ansiosos do Rowland despertaram ao Brigitte. A diminuta chama de um abajur criava indistintas sombras ao redor da habitação. A jovem se apoiou sobre um cotovelo e sua larga cabeleira lhe caiu sobre os ombros como uma cascata dourada. -Não pôde dormir? O se sobressaltou. -Não. -continuou caminhando pelo quarto. -É muito difícil, Rowland? Posso te ajudar? O se aproximou da cama e se sentou sobre o bordo, de costas à moça. - Devo decidi-lo por mim mesmo. É Montville o que está em discussão, não Luthor. O ainda me quer como seu herdeiro. -E por que isso te desagrada? Acaso não soube sempre que algum dia seria o lorde aqui? -Quando me parti faz seis anos, renunciei a este patrimônio. Propu-me não retornar jamais. E agora, tornei a rechaçá-lo. -Retornou a casa porque lhe necessitavam. Ainda lhe necessitam. Montville segue sob ameaça. Isso é o que te perturba. Não pode partir sabendo que este lugar ainda te necessita. -Juro que é uma bruxa- afirmou Rowland, olhando à moça por cima do ombro. -Não pode separar ao Montville do Luthor, Rowland, esse é o problema. Mas deve distinguir um de outro. E Montville sempre necessitará um forte lorde. O moço se recostou sobre a cama junto a ela. -Mas Luthor ainda vive aqui. Se me partir agora e Montville entra em guerra, não terei direito a reclamá-lo mais tarde. Entretanto, se ficar, deverei conviver com o Luthor. E não estou seguro de poder obtê-lo. Quis lhe matar, Brigitte. Quis lhe desafiar à máxima prova de poder... uma batalha a morte. Não sei o que me deteve... você, talvez, e suas palavras. Mas, se permanecer aqui, pode que chegue a lhe desafiar. -Quem pode predizer o futuro? -perguntou Brigitte com suavidade, ao tempo que apoiava a cabeça sobre o peito do jovem-. Pode deixar que o tempo resolva seu problema, Rowland. Pode ficar e ver o que acontece. Se sua amargura se tornar muito intensa e alcança o limite onde deve matar ao Luthor ou partir... então, parte. No momento, deixa em paz o assunto. Controla seu rancor e permanece no Montville. Não é isso acaso o que em realidade deseja fazer? Rowland lhe elevou apenas o rosto para beijá-la docemente nos lábios. -Tal como pinjente, é uma bruxa. Várias horas mais tarde, quando Rowland e Brigitte se encontravam na sala, um cavalheiro irrompeu súbitamente para dirigir-se ao Luthor com a notícia do avanço de um exército. -Thurston do Mezidon não aguardou até o fim do inverno. Já se está aproximando! Rowland e Luthor ficaram de pé e intercambiaram rápidos olhares. -O que poderá estar planejando? -perguntou ele -Sabe que podemos resistir um sítio. Seu exército morrerá de frio.
-Estará seguro de que pode nos forçar a sair? -sugeriu GUI. -Talvez, planejou alguma forma de entrar -disse Luthor com voz áspera, olhando a sua filha Ilse, quem cravou os olhos sobre seu regaço-. aonde foi realmente seu marido, Geoffrey, quando partiu daqui faz três dias? A procurar o Thurston? -Não! -lady Ilse empalideceu ante a severo acusação de seu pai. -Geoffrey viajou ao Rouen a visitar sua família tal como te disse! -Se o vir o outro lado destes muros com o Thurton, juro que te matarei, mulher. Filha ou não, ninguém que se atreva a trair ao Montville continua com vida. Ilse se desatou em lágrimas ante as desumanas palavras do ancião e saiu correndo da sala. Fora, os aldeãos começavam a congregar-se no pátio, depois de ter recebido a advertência. Os portalones foram fechados e os muros, guarnecidos de efetivos. Rowland se voltou para o Luthor. -Saberemos a verdade sobre o Geoffrey quando virmos os movimentos do Thurston. A que distância se encontra o exercito? -perguntou ao cavalheiro informante. -Alguns, talvez a metade, foram vistos sobre a colina do sul. O resto ainda não apareceu. -Já chegarão -advertiu Rowland ominosamente. Sem dúvida, Thurston planeja nos encurralar. Aos muros, então. Todos correram fora da sala. Rowland ordenou ao Brigitte permanecer ali e não abandonar esse quarto por nenhuma razão. -Trarei-te notícias assim que tenha uma oportunidade. A jovem observou nervosa a partida do moço. Com que prontidão se resolveu o problema. O e Luthor não se falaram essa manhã. O frio silencio entre ambos tinha suscitado numerosos comentários. Porém, logo que começava a vislumbrar uma ameaça sobre o Montville e os dois voltavam a converter-se em aliados. Desde sua posição sobre o elevado muro, Rowland olhou através das colinas nevadas. Luthor, sir GUI e sir Robert se encontravam a seu lado. Não se via nem uma alma movendo-se em redor, em nenhuma direção. -tornou-se louco -afirmou Rowland com convicção-. Olhem toda essa neve. A última tormenta deixou vários metros de espessura. Deve estar louco. -Sim -assentiu Luthor-. Ou é muito inteligente. Entretanto, não posso imaginar seu plano. Não entendo como pensa obter agora a vitória. Rowland franziu o sobrecenho. -Quantos homens se aproximavam? Sir Robert chamou o cavalheiro que tinha divisado o exército durante seu patrullaje. -Contei mais de um centenar de cavaleiros e ao menos, a metade deles eram cavalheiros -respondeu o homem-. Levavam também dois carros. Rowland se sentiu sobressaltado. -Onde diabos terá conseguido tantos cavalheiros? -Roubou-os, sem dúvida -sugeriu GUI-. Aos bretães que assaltou. -E, entretanto, essa é só a metade de seu exército, ou inclusive menos, segundo o que sabemos até o momento -fez-lhes notar sir Robert. -Quantos vinham a pé? -inquiriu Rowland. -Nenhum. -Nenhum homem a pé? -Assim é -confirmou o cavalheiro com calma. -Mas tantos cavaleiros! Nem a metade de nossos homens estão treinados para cavalgar -bramou Luthor. -E Thurston sabe. Possivelmente seja essa a vantagem com que crie contar. -Olhem aí! -GUI cravou o olhar sobre o topo da colina. Um solitário cavaleiro apareceu e se deteve observar os domínios do Montville. Era um cavalheiro vestido com armadura, mas resultava difícil lhe identificar a distância.
-É Thurston? -perguntou GUI. -Não poderia assegurá-lo -respondeu Luthor-.Rowland? O homem se cobriu os olhos contra o reflexo da neve e sacudiu a cabeça. -Está muito longe. Finalmente, ao cavaleiro da colina se somou outro e logo muitos mais, até que uma larga fila de cavalheiros se estendeu ao longo do topo. Não eram esses todos os homens do Thurston e, ainda assim, esse único grupo de cavaleiros tinha um aspecto temível. Quase todos eles eram cavalheiros, um cavalheiro valia mais que dez soldados a pé. -Agora saberemos o que tem esse louco em mente - disse Luthor sinceramente quando o primeiro cavalheiro começou a descender pela colina para o Montville. Avançava sem escolta, e Rowland lhe observou, sobressaltado ante a audácia do Thurston. O que esperava esse homem ao aproximar-se sem companhia? Uma simples flecha poderia pôr fim a esse conflito. Rowland começou a franzir o sobrecenho à medida que o cavalheiro se aproximava mais e mais. Sem dúvida, não se tratava do Thurston. O cavaleiro, por fim, encontrou-se junto ao limite e elevou o olhar para os gigantescos muros do Montville, de modo que Rowland pôde lhe ver o rosto com claridade. O homem afogou uma exclamação. Era difícil acreditá-lo, mas ali estava ele. -Maldição! -grunhiu Rowland com o corpo tenso. -O que ocorre, Rowland? -perguntou Luthor. -O mesmo diabo lhe enviou aqui para me perseguir! -exclamou o moço com voz áspera. -Poderia falar com mais prudência! -Esse não é o exército do Thurston, Luthor. Montville terá que enfrentar ao Thurston em outra oportunidade. Esse exército de cavalheiros provém do Berry! -Rowland do Montville! Sal daí e te enfrente a mim! -exclamou o cavalheiro de abaixo. Rowland respirou fundo antes de gritar do parapeito. -Já vou! Luthor lhe sujeitou do braço. -Quem demônios é esse? -O barão do Louroux, o homem que me salvou a vida no Arles, o mesmo que enviou ao Louroux com a mensagem que demorou minha volta a casa. -Louroux? A moça é do Louroux! -Agora o compreendo. Por essa razão ele se encontra aqui. -Rowland poderia ter rido se não se houvesse sentido furioso. -Pode acreditá-lo? O homem tem feito partir um exército através da França em pleno inverno por uma mera serva. Tudo por uma serva! -Então, pode que não seja uma faxineira -murmurou o ancião. -Não me importa um cominho o que essa moça seja! -bramou Rowland-. O jamais a terá. -Lutará contra o homem que te salvou a vida? -Se for necessário, lutarei contra todo seu exército. -Rowland, então não tem necessidade de sairapressou-se a sugerir Luthor-. Eles não podem levar-se a jovem se não lhes abrirmos os portalones. -Então, Rowland compreendeu que o ancião estava disposto a lhe ajudar, ainda quando essa não fora sua luta. -Ainda assim, baixarei -afirmou o moço com um tom mais acalmado-. Devo-lhe, ao menos, essa cortesia. -Muito bem -assentiu Luthor-. Mas ante o primeiro sinal de perigo, uma flecha lhe atravessará o coração. Rowland cavalgou através da entrada a um ligeiro galope. Quintin tinha retrocedido até uma distância medeia entre o Montville e seu exército. Adeus à flecha Luthor, pensou o moço com irritação. sentia-se zangado. De outro modo, Quintin jamais tivesse conseguido adivinhar o
paradeiro do Brigitte. Entretanto, sua ira não se devia tanto ao engano, como a um forte sentimento de ciúmes. Outro homem desejava a seu Brigitte o suficiente para mobilizar a todo um exército em seu resgate. Acaso Quintin do Louroux seguia apaixonado pela moça? Com olhos entrecerrados observou Quintin o avanço do Rowland do Montville. Em seu interior ardia uma violenta, amarga sensação de ira, que lhe tinha acossado desde sua partida do Louroux duas semanas atrás. Após, sua cólera se intensificou, envenenado. Druoda o tinha confessado tudo; suas intrigas para apoderar-se do Louroux, suas intenções de desposar ao Brigitte com o Wilhelm do Arsnay, seus esforços por manter a sua irmã afastada do Arnulf, os castigos impostos à moça. Rowland do Montville tinha violado ao Brigitte. Ainda sabendo quem era a jovem, havia-lhe dito sua tia, o homem a tinha violado. E, ao fazê-lo, tinha arruinado os planos a Druoda. Então, a mulher, presa do pânico ante a volta do Quintín, tinha tentado lhe envenenar. A dama tinha suplicado clemência a seu sobrinho. E ele tinha sido clemente, posto que, ainda quando tivesse desejado assassiná-la, só a tinha expulso do Louroux. Mas era ao Rowland a quem desejava agora matar. Rowland, a quem tinha enviado de boa fé até o Louroux e quem lhe tinha pago a dívida violando a sua irmã e arrebatando a de seu lar. Os dois cavalos de guerra se enfrentaram em campo aberto. Huno transbordava os flancos do animal francês em quase meio metro. E, ao igual aos corcéis, seus cavaleiros também eram díspares. Rowland tinha desdenhado seu escudo e seu elmo para carregar apenas uma espada sujeita no quadril, enquanto que Quintin levava sua armadura completa. Ainda assim, Rowland era o mais robusto, o mais forte e, talvez; o mais destro. -encontra-se ela aqui, normando? -perguntou Quintin. -Sim. -Então, devo te matar. -Se desejas conversar morto, barão, terá que enviar a uma dúzia de seus homens mais fortes para me desafiar. -Sua arrogância não me intimida -afirmou o lorde do Louroux-. E jamais envio a outros para lutar em meu lugar, sir Rowland. Serei eu quem acaba contigo. E, logo lady Brigitte retornará a casa. Rowland assimilou essas palavras sem demonstrar que seus piores temores finalmente tinham sido confirmados. Lady Brigitte. Lady! Então, era verdade. -Este é agora o lar do Brigitte -asseverou com calma-. E logo ela será minha esposa. Quintin riu com desprezo. -Supõe acaso que lhe permitirei desposar-se com um sujeito como você? -Se morrer, duvido que possa te opor -advertiu-lhe Rowland com tom sereno. -Meu lorde Arnulf conhece meus desejos a respeito. Se morrer, o passará a ser lorde do Brigitte. O conde se encontra aqui agora para encarregar-se de afastar a jovem de seu lado. -De modo que trouxe para todo Berry para resgatá-la, né? Necessitará um exército muito mais capitalista que esse para atravessar os muros do Montville. -Assim se fará, se for necessário. Mas se seriamente sente algo pelo Brigitte, permitirá-lhe partir. Mesmo assim, nós lutaremos, mas ela não deve sentir que provocou alguma morte. E, sem dúvida haverá muitas mortes aqui. -Nunca renunciarei a jovem -afirmou Rowland com calma. -Então, te defenda -desafiou-lhe Quintin com voz áspera, ao tempo que extraía sua espada. O som das armas atraiu a vários homens para os parapeitos do Montville. Brigitte, já impaciente de tanto aguardar na sala, seguiu aos outros até os muros. Imediatamente, reconheceu ao Rowland e a seu cavalo de guerra, e então conteve a respiração. O estava liberando um encarniçado combate contra seu oponente, mesmo que não levava posta sua armadura. O muito tolo! Com que facilidade poderia morrer!
A moça divisou ao Luthor a uns metros de distância e correu para o ancião. -por que estão lutando? -perguntou com aspereza-. Acaso não haverá guerra... só esta batalha? O lorde se voltou para a jovem com expressão sombria. -Você não deveria estar aqui, rapariga. -me diga! -exigiu-lhe Brigitte, elevando a voz-, porquê Thurston se enfrenta só ao Rowland? -Não é Thurston. Mas se sua preocupação é Rowland, já pode estar tranqüila -afirmou Luthor com orgulho-. O francês é presa fácil. -O francês? É um exército francês? A jovem olhou por cima do muro em direção à larga fila de soldados que se encontravam apostados sobre o topo da colina. Alcançou a ver vários estandartes, alguns dos quais conseguiu identificar. Então, avistou a figura do Arnulf e afogou uma exclamação. O finalmente tinha ido a seu resgate! E junto a seu estandarte estava... OH, Deus! Instantaneamente, a moça cravou os olhos no cavalheiro que se enfrentava ao Rowland no campo e, então gritou. Quintin ouviu os alaridos do Brigitte profiriendo seu nome, e acreditou perceber um rogo de liberação. Rowland, em troca, percebeu alegria nessa voz. Entretanto, o efeito em ambos os homens foi idêntico. Cada um deles sentiu, mais que nunca, o desejo de acabar com seu adversário. Quintin foi arrojado de suas arreios e a luta continuou sobre a grama. Repetido-los ataques que deveu resistir foram reveladores. Soube então com certeza que sua hora tinha chegado. Porém, não estava disposto a morrer sem antes opor resistência e tratou de reunir todas suas forças. Tudo foi inútil, entretanto. Rowland era muito forte para ele e muito hábil. Depois de manter-se à defensiva durante vários minutos, Quintin sentiu a espada inimizade quebrar os suspensórios de sua cota e penetrar em seu ombro. A dor foi intolerável. Mesmo que tivesse desejado resistir, as pernas lhe traíram, e se deixou cair sobre os joelhos. Tratou de sujeitar a arma, mas perdeu também o controle das mãos. E, em um instante, a espada de seu adversário se encontrou junto a seu pescoço. -Seria muito fácil. Sabe? -disse Rowland com frieza, pressionando apenas a arma de modo que um fino fio de sangue correu pelo pescoço de sua vítima. Quintin se negou a responder. A dor do ombro era irresistível. Tinha fracassado. OH, Brigitte! A espada hostil caiu súbitamente para um flanco. -Perdoarei-te a vida, Quintin do Louroux -asseverou Rowland-. Perdoarei-lhe isso porque te devo o favor. Agora, minha dívida fica saldada. Depois de pronunciar essas palavras, voltou a montar seu cavalo e empreendeu a volta ao Montville, ao tempo que quatro cavalheiros franceses começaram a descender pela colina para recolher a seu derrotado lorde. Brigitte. A moça sabia... sabia! Tinha visto o Quintin. E na verdade era lady Brigitte. Uma dama, não uma serva. Druoda lhe tinha enganado! Entretanto, não lhe tinha mentido sobre o amor que existia entre o Quintin e a jovem. Isso era evidente. E era também óbvio o fato de que Brigitte jamais permaneceria voluntariamente a seu lado. Rowland tinha percebido alegria em sua voz ao pronunciar o nome do Quintin, seu amado.
38 -Que demônios estava fazendo Brigitte no muro? -perguntou Rowland quando Luthor foi receber lhe ao estábulo. -aproximou-se com os outros para presenciar um esplêndido combate -respondeu o ancião com regozijo-. Demonstrou a esses franceses quem é seu adversário. -Onde está ela agora? -inquiriu o moço com irritação. -Ah, pois a jovem não é tão forte como supus. desmaiou-se quando feriu o cavalheiro francês. Ordenei que a levassem a sua habitação.
Rowland correu do estábulo para a sala, subiu velozmente as escadas e abriu com violência a porta de sua antecâmara. Brigitte se encontrava tendida em 1a cama inconsciente. O ruído a perturbou e começou a gemer. Porém, não alcançou a despertar, mas sim continuou perdida em algum profundo tortura. O homem se sentou a seu lado e lhe apartou o cabelo do rosto. -Brigitte?... Brigitte! -chamou-a com mais firmeza ao tempo que lhe aplaudia as bochechas. Os olhos da moça se abriram e, logo, dilataram-se ao posar-se sobre o Rowland. Prorrompeu em soluços e começou a golpear o peito do homem com os punhos até que ele a sujeitou. -Matou-lhe! -chiou Brigitte-. Matou-lhe! O entrecerró os olhos com fúria. -Não está morto -anunciou-, a não ser ferido. Por um instante, ele observou o jogo de emoções que atravessaram o rosto da jovem. Ela se incorporou. -Devo ir com ele. Porém, Rowland a sujeitou com firmeza contra a cama. -Não, não irá, Brigitte. -Devo fazê-lo! -Não! -exclamou o jovem com aspereza, e logo adicionou: Sei quem é ele, Brigitte. A jovem se sentiu sobressaltada ante semelhante revelação. -Sabe? Sabe e, mesmo assim, lutou em seu contrário! OH, Deus, odeio-te! -gemeu entre soluços-. Acreditei que sentia algo por mim. Mas você não tem coração. É feito de pedra! Rowland se surpreendeu ante a profundidade de sua própria dor. -Não pude fazer nada mais que lutar! -bramou com fúria-. Jamais permitirei que ele te tenha! Só se eu morro poderá te desposar com esse homem. Juro-o, Brigitte! -me desposar? -perguntou ela com voz entrecortada-. Me desposar com meu próprio irmão? O moço a observou com olhar atônito. -Irmão? -E ousa te fingir inocente? Você sabe que Quintin é meu irmão! Acaba de afirmá-lo! Rowland sacudiu a cabeça, sobressaltado. -Acreditei que era seu senhor. Quintin do Louroux é seu irmão? por que não me disse isso? Brigitte não podia cessar de soluçar. -Pensei que tinha morrido e me resultava muito doloroso falar dele. -Então, quem é Druoda se não ser sua irmã? Disse-me que Quintin desejava casar-se contigo, mas que ela o impediria. Jurou-me que te mataria antes de que ele retornasse ao Louroux, a menos que eu aceitasse te levar comigo. -Mentiras, todas mentiras! -bramo a jovem- Ela é a tia do Quintin. Disse-te que tinha mentido sobre mim. por que não pôde acreditar...? -Brigitte deixou escapar uma exclamação-. antes de que Quintin retornasse ao Louroux? Sabia que ele retornaria? Sabia que meu irmão vivia e não me disse isso? Rowland não se atreveu a manter o olhar da moça. -Acreditei que lhe amava, que tentaria retornar a ele -começou a lhe explicar. Mas Brigitte se sentia muito irritada para escutar. -Creíste que lhe amava? Claro que lhe amo! Quintin é meu irmão. O é toda minha família. E irei com ele... agora! ficou de pé abruptamente, mas Rowland lhe tirou da cintura antes de que pudesse chegar até a porta. -Brigitte, não posso permiti-lo. Se te deixo partir, ele te impedirá de retornar para mim. Lhe olhou horrorizada. -Acaso supõe que desejo retornar? Não quero voltar a verte jamais! Lutou contra meu irmão, e esteve a ponto de lhe matar! -Você não te partirá daqui, Brigitte -afirmou ele de modo categórico.
-Odeio-te, Rowland! -vaiou a jovem-. Pode me reter aqui, mas nunca voltará a me possuir. Matarei-me se o faz! desabou-se sobre o chão em muito entrecortados soluços. Rowland a observou por um instante e logo, abandonou a habitação. Chegou a noite. O exército francês se retirou durante o dia, embora sem afastar-se muito. As espirais de fumaça provenientes do acampamento revelavam que os cavalheiros franceses se encontravam ao outro lado da colina. Sua intenção era permanecer ali. Em todo o dia, Rowland não tinha retornado a sua habitação. Não sabia como comportar-se ante o Brigitte. Cada vez que pensava em alguma desculpa, imaginava a resposta da jovem e se precavia de que não podia enfrentar-se a ela. Com obstinação, negou-se a acreditar na moça, mesmo que ela não tinha feito mais que dizer a verdade. Tinha desonrado a uma dama de alta linhagem. Tinha-a forçado a lhe servir e tratado com rudeza. E lhe tinha tolerado tudo. Milagrosamente, Brigitte lhe tinha tolerado. Mas nunca perdoaria por ter lutado contra Quintin. Nem lhe perdoaria jamais o lhe haver oculto o fato de que seu irmão continuava com vida. Rowland não tinha direito a retê-la, mas não podia suportar a só idéia de perdê-la. E Quintin jamais lhe permitiria desposar-se com a jovem. Talvez, quando advertisse que nunca voltaria a ver sua irmã a menos que aceitasse as bodas, então, o francês provavelmente cederia. Brigitte com segurança se oporia, mas uma mulher podia ser desposada sem seu consentimento. Só a aprovação do tutor era necessária. Talvez, se lhe demonstrava quanto sentia o dano ocasionado, ela cessaria de lhe detestar. Tinha que enfrentar-se a ela . Já não podia tolerar o sentir-se odiado pela jovem. Rowland abriu a porta de sua antecâmara com uma leve esperança. Porém, a habitação se encontrava vazia. As pertences do Brigitte continuavam ali, mas ela tinha desaparecido. Uma busca por toda a mansão não foi mais que uma perda de tempo. Nem a moça nem seu cão puderam ser encontrados. Finalmente, tirou o chapéu que a porta do muro traseiro tinha sido destravada do interior. O homem correu para o estábulo para selar a Huno. Com segurança, Brigitte tinha partido depois do anoitecer; de outro modo, alguém a teria visto atravessando os campos. Possivelmente, a moça ainda não tinha conseguido chegar ao acampamento francês. Talvez, só talvez, ele ainda tinha oportunidade de alcançá-la, pensou Rowland, esperançado. Por fim, cavalgou até o topo da colina. O coração começou a lhe pulsar com violência. Já não podia divisar-se nenhum exército ao outro lado do monte, nada exceto uma pradaria desértica e os restos de várias fogueiras já extintas. -Brigitte! Brigitte! -Foram gritos apaixonados, desesperançados, que ninguém ouviu, exceto o poderoso vento. 39 Brigitte se aconchegou na carreta junto a seu irmão. Não levava pressa, já que os cavalheiros franceses tivessem recebido com agrado uma perseguição de seus inimigos normandos. Era uma viagem lenta, mas cada minuto, cada dia os afastava mais e mais dos domínios do Montville. A jovem reclinou cansadamente a cabeça para observar o escuro céu da noite. Quintin dormia. Ardia de febre e de dor, gemia entre sonhos, mas ela não podia lhe ajudar. Inclusive tinha piorado o estado do moço ao sustentar uma violenta discussão, tão violenta como a que tinha mantido frente a Rowland. Quintin se havia oposto à partida. Desejava atacar Montville, reduzir a cascalho os gigantescos muros do feudo. Porém, seu maior desejo era obter a cabeça do Rowland. A moça tinha
empalidecido para ouvir essas palavras. Sem saber como tinha acontecido, encontrou-se súbitamente defendendo ao Rowland. -Ele te perdoou a vida! Permitiu-te viver quando poderia te haver matado! -tinha exclamado ela. Mas a temível cólera do Quintin não se apaziguou. -O homem deve morrer pelo que te tem feito! -Mas Rowland não é responsável pelo que aconteceu -insistiu Brigitte-. Druoda é a única culpada. -Não, Brigitte. O normando convenceu a Druoda de te entregar. A moça refletiu por um instante e logo, soltou uma amarga gargalhada ante tão absurda afirmação. -Disse-te ela isso? Ah, Quintin, acaso ainda não notaste a habilidade dessa mulher para mentir? Rowland não me queria consigo. enfureceu-se quando lhe forçaram a me levar. Pode que agora me queira, mas não então. Druoda lhe jurou que me mataria se ele não me levava consigo. E, devido ao que me tinha feito, ele aceitou. -Essa é outra razão pela que deve morrer! -Isso nem sequer aconteceu no Louroux! -replicou Brigitte. -Qui...quer dizer que não te violou? -Não. Estava ébrio, e muito apavorado para falar. Ambos os creímos que tinha acontecido, mas a verdade é que eu me deprimi e ele logo se desvaneceu. Pela manhã, demos por sentado que tinha ocorrido o estupro, e o mesmo pensou Druoda. Mas foi todo um equívoco. -Mesmo assim, ele te arrebatou de casa, sabendo que foi minha irmã e que Druoda não tinha direito a te entregar! -É essa outra mentira da dama? Rowland me acreditou uma serva. recusou-se a me acreditar quando afirmei o contrário porque Druoda lhe convenceu de que eu era uma serva. Inclusive hoje, quando você chegou, ele supôs que foi meu senhor. Não sabia que foi meu irmão. Pensou que Druoda era sua irmã. -Por que teria que me mentir minha tia, depois de ter confessado todos seus outros pecados? -Acaso não o adivinha? -perguntou Brigitte-. Não me resulta difícil imaginá-lo, posto que a conheço depois de ter convivido com ela tanto tempo. Ao te mentir a respeito das ações do Rowland fez que seus próprios pecados não parecessem tão atrozes. Matou-lhe acaso? -Não, expulsei-a. -Já vê. Deixou-lhe partir sem mais castigo e entretanto, veio aqui para matar ao Rowland. E ainda deseja lhe matar, em que pese a que te perdoou a vida. -Fez uma pausa e logo, refletiu em voz alta. -Embora Rowland sabia que você vivia e nunca me disse isso. Acreditei-te morto até hoje. -Aí não pode lhe defender, Brigitte, posto que enviei ao Louroux a te informar de que eu seguia vivo. -O comunicou a Druoda, acreditando que ela era sua irmã. Fez o que lhe ordenou, Quintin. -Não faz mais que lhe desculpar -acusou-lhe seu irmão-. por que insiste em lhe defender? Brigitte baixou o olhar antes de admitir em voz baixa: -fui feliz aqui, Quintin. Sofri ao princípio, mas logo me converti em uma mulher ditosa. Não desejo que mate ao Rowland, como tampouco desejo que ele lhe mate. E, sem dúvida, algum dos dois morrerá se não nos partimos daqui. Quero retornar a casa agora. Não preciso ser vingada, posto que minha honra não foi prejudicado. -Quer dizer que ele jamais te tocou em todo este tempo? -perguntou Quintin com suspicacia. -Jamais -respondeu a jovem com firmeza, esperando que a mentira conseguisse pôr fim a esse conflito. E assim foi. Finalmente, Quintin consentiu em partir. Já tudo tinha terminado. Brigitte jamais voltaria a ver o Rowland. Enterraria seus sentimentos por ele. De algum modo, conseguiria esquecer tudo que tinha acontecido entre ela e Rowland do Montville.
40 A cálida brisa da primavera enfraqueceu a terra e atraiu ao Thurston do Mezidon para o Montville. O exército normando não parecia temível, não depois da terrível ameaça que tinha inquietado ao feudo apenas uns meses atrás. Havia, ao menos, duzentos soldados com o Thurston, mas não mais de uma dúzia de capacitados cavalheiros. Rowland observou com desdém a congregação de homens que pretendiam lhe arrebatar os domínios do Montville. Mercenários em sua maioria, talvez alguns bons soldados, mas a maior parte do exército estava formada por camponeses que só tentavam aumentar seu patrimônio. Não existia lealdade ali. Nenhum homem contratado estaria disposto a lutar até o amargo final. Quatro cavalheiros cavalgaram para a entrada do Montville precedidos pelo Thurston. Rowland conseguiu reconhecer a outro dos homens e esboçou um sorriso depreciativo. Roger. O canalha se uniu a seu irmão, talvez, com a intenção de utilizar a batalha como desculpa para matar a seu antigo adversário. Sem dúvida, o caipira tinha informado a seu irmão sobre o poderio do Montville e, entretanto, Thurston era tão tolo para iniciar a guerra. Rowland estava seguro de que logo encontraria também ao Geoffrey entre o exército hostil. -Luthor! -bramou Thurston de abaixo-. Você desafio a lutar pelo domínio do Montville! -Com que direito? -perguntou o lorde. -Com o sagrado direito que me outorga o matrimônio com sua filha maior. Montville será minha depois de sua morte. E não desejo aguardar. -Cão infame. -Luthor soltou uma desdenhosa gargalhada. -Você não tem direitos aqui. Meu filho, Rowland, será quem herda a autoridade no Montville. Você? Jamais! -O é um bastardo! Não pode lhe favorecer frente a sua legítima filha. -Claro que posso, e já o tenho feito! -exclamou o ancião-. Criei-lhe para ocupar meu lugar, e assim será. -Então, desafio a seu bastardo! Rowland tinha escutado com impaciência esse intercâmbio de palavras. Todo seu ser ardia com o desejo de luta. O desespero em que se inundou depois da partida do Brigitte tinha chegado a converter-se em uma fúria incontrolável. Era essa a oportunidade que necessitava para descarregar sua ira. Porém, os planos do Luthor eram diferentes. O ancião sujeitou o braço do moço, lhe ordenando silencio. -Lorde de mercenários! -bramou Luthor-. Meu filho não se rebaixará lutando com um canalha como você. O não esbanja sua destreza com palurdos. -Covardes! -proferiu Thurston com cólera -Oculte-se depois dos muros, então. Mesmo assim, terão que enfrentar-se a mim! Os cavalheiros retrocederam para unir-se a seu exercito no campo. Rowland os observou partir e logo se voltou para o Luthor com aborrecimento. -por que? Poderíamos ter terminado este conflito me enfrentando a esse caipira. -OH, sim -assentiu o ancião com perspicácia-. Você te tivesse enfrentado... em uma luta limpa. Mas usa a cabeça, Rowland. Thurston recorreu para mim em sua juventude, mas foi sempre um folgazão, depreciativo frente a tudo meus ensinos. Jamais um cavalheiro mais desgraçado transpassou estes muros. Sabe que nunca poderia ganhar e, ainda assim nos desafiou. por que? Jamais se tivesse atrevido se não contassem com algum sujo plano para assegurá-la vitória. -Pensa te ocultar detrás destes muros, então? -Claro que não -grunhiu o ancião-. Pode que sua intenção tenha sido me matar para evitar a guerra, mas não o conseguirá. Livrará-se a batalha no campo, mas só quando eu o dita.
-E, enquanto isso, permitirá-lhe assolar as terras do Montville? -perguntou Rowland, enquanto observava a vários homens do Thurston que, com tochas acesas, dirigiam-se para a aldeia. Os olhos do Luthor cintilaram ao ver o espetáculo que o jovem estava contemplando. -O muito canalha! -grunhiu-. Pois, muito bem, sairemos agora e terminaremos já mesmo com este chato conflito. Rowland tratou de impedir qualquer ação precipitada do ancião, mas foi muito tarde. Luthor já não estava disposto a escutar. Tinha deixado de pensar com claridade, para permitir que a ira começasse a lhe governar, e esse era um luxo que nenhum guerreiro podia jamais confrontar. Ainda assim, o homem não teve mais alternativa que lhe seguir. Imediatamente, quarenta dos melhores cavalos de guerra dessas terras foram montados e Luthor começou a repartir as ordens. Um instante depois, os cavalheiros e soldados do Montville atravessaram os portalones ao galope para enfrentar-se ao lorde do Mezidon e seus homens. Rowland conduzia a metade das defesas, detrás da linha de hacheros. A aldeia se encontrava já em chamas: cada choça, cada refúgio caía depois de uma nuvem de fumaça em uma ardente bola alaranjada. Depois de acender as fogueiras em círculo ao redor da mansão, os homens do Thurston voltaram a reunir-se com seu exército. Rowland redobrou a marcha para segui-los. Assim que chegou ao campo de batalha, lhe congelou o sangue ante o horrendo espetáculo que ali presenciou. E, então, a pena lhe rasgou quando viu cair ao Luthor. Tudo aconteceu antes de que ele pudesse unir-se ao ancião, e não demorou para compreender que tinham sido enganados. Outros trinta cavaleiros tinham descendido da colina para atacar ao Luthor e seus homens. Uma muito antiga tática, mas tinha resultado. Luthor tinha sido derrubado e a metade dos homens tinham cansado com ele. Rowland cessou de pensar com claridade. Ao igual ao ancião uns momentos atrás, deixou-se governar por seus impulsos. Como um enlouquecido, equilibrou-se para o lugar do combate, seguido por uma vintena de seus fornidos guerreiros. Com repetidos golpes de sua espada, quebrou os flancos do exército inimigo, até chegar ao centro da luta. Então, viu o Luthor. O sabre do Thurston lhe tinha atravessado. Lorde Thurston do Mezidon se estremeceu ao ver a expressão nos olhos de seu adversário. Neles, a mesma morte parecia refletida. Rowland elevou sua espada ensangüentada para apanhar a seu oponente e proferiu um horripilante alarido de ira. Thurston se paralisou, pressentindo que o fim tinha chegado. O lorde do Mezidon lutou de modo selvagem, imprudente, e logo foi derrotado. Mas, ao tempo que Rowland extraiu sua espada do corpo do Thurston, outro sabre lhe penetrou nas costas. O moço abriu os olhos com surpresa, mas reagiu imediatamente girando para trás seu braço armado. Alcançou a golpear algo com a espada, mas sua dor era muito intenso para voltar-se para olhar. Sua sede de sangue ainda continuava lhe consumindo; ainda retumbava em sua cabeça o ensurdecedor clamor de batalha; entretanto, encontrava-se quase cego, e também muito aturdido, já que só podia ver a queda do capitalista Luthor, o forte, invencível Luthor derrubado por uma espada inimizade. Um cavalo se estrelou com Huno e Rowland caiu. O impacto intensificou sua dor até torná-lo irresistível. A partir desse instante, o moço já nada mais ouviu. -Está morto! -exclamou Hedda, ao tempo que dois cavalheiros entraram na sala carregando o corpo inerte do Rowland-. OH, por fim! GUI lhe lançou um olhar fulminante e, com um gesto, indicou aos dois cavalheiros que colocassem ao homem inconsciente junto aos outros feridos, para logo lhes ordenar que partissem. Então, voltou-se para a dama e lhe informou com frieza: -Não está morto, lady Hedda, ainda não. Os olhos pardos da mulher se dilataram decepcionados.
-Mas morrerá? O tom esperançado na voz da Hedda repugnou ao jovem, quem, por uma vez, permitiu-se esquecer a hierarquia da dama do Montville. -Fora daqui! -exclamou-. Acaba de perder a seu marido. Acaso não tem lágrimas? Os olhos da Hedda cintilaram. -Derramarei lágrimas por meu lorde quando tiver morrido seu bastardo! -vaiou-. E isso deveria ter acontecido muito tempo atrás. Seu cavalo teria que lhe haver matado. Estava tão segura! Tudo teria terminado! -Lady? -inquiriu GUI, sem atrever-se a expressar a pergunta. Ela retrocedeu, sacudindo a cabeça. -Não disse nada. Eu não fui!Eu não fui! Hedda correu para o Luthor. O corpo do ancião tinha sido colocado sobre os tapetes. A dama se jogou sobre o cadáver e seus pesarosos gemidos alagaram a gigantesca sala. Mas GUI sabia que não eram mais que falsas lágrimas. -Então me equivoquei ao suspeitar do Roger. GUI baixou o olhar para encontrar os olhos do Rowland abertos. -Ouviu-a? -perguntou-lhe -Sim, ouvi-a -respondeu o ferido. GUI se ajoelhou junto ao corpo jogado de seu amigo e falou com uma marcada nota de amargura. -Foi injusto com o Roger nessa ocasião, mas só nessa. Por ele, está tendido aqui agora. Rowland tratou de incorporar-se, mas voltou a cair com uma marcada careta de dor. -É muito grave a ferida? -É grave -admitiu seu amigo-. Mas você é forte. -Luthor também era forte -afirmou o ferido, e então a sangrenta cena voltou a lhe cruzar pela mente-. Luthor? -Sinto muito, Rowland. Está morto. O jovem fechou os olhos. Certamente. Tinha-o sabido do momento em que tinha visto o Luthor cair. Luthor. Não seu verdadeiro pai e, mesmo assim, seu pai. O vínculo de anos assim o tinha querido, tal como tinha afirmado Brigitte. E esse vínculo era muito mais forte do que Rowland sempre tinha suposto. O moço começou a sentir uma profunda dor, uma dor muito mais intenso do que jamais poderia ter imaginado. -O descansará em paz -disse finalmente-. foi vingado. -Vi que também vingou a ti mesmo -afirmou GUI com tom acalmado. Rowland franziu o sobrecenho. -O que quer dizer? -Acaso não sabe quem te feriu nas costas? - perguntou seu amigo-. Foi Roger. Mas sua própria espada lhe atravessou fatalmente, e caiu inclusive antes que você. Roger está morto. -Está seguro? -Se, E os homens do Thurston se lançaram à fuga. Mas a traição do Roger foi evidente. Sinto ter duvidado de ti na anterior ocasião. Não acreditei que ninguém, inclusive Roger, fosse capaz de atacar pelas costas. Mas você lhe conhecia melhor que eu. Rowland não alcançou para ouvir as últimas palavras de seu amigo já que, uma vez mais, o escuro mundo do inconsciente se deu procuração dele. O jovem já não pôde sentir a dor da perda, nem a dor da ferida. Ao tempo que Rowland lutava por aferrar-se à vida, Brigitte recebia os primeiros brotos da primavera com infinita tristeza. Já não podia continuar ocultando seu segredo. Quintin se tornou lívido quando ela decidiu abandonar as desculpas para justificar seu peso e admitiu, por fim, a verdade. -Um filho? -perguntou seu irmão com irritação-. Dará a luz um filho desse normando? -Meu filho.
-Mentiu-me, Brigitte! -bramou Quintin. Era essa a principal causa de sua ira: sua irmã lhe tinha mentido pela primeira vez na vida. A moça lhe tinha oculto a notícia de sua estado desde sua volta ao Louroux, ainda quando já o tinha sabido então, posto que levava quatro meses de embaraço. -por que? por que me mentiu? -inquiriu o jovem. Brigitte tratou de manter-se insensível frente ao angustiado tom da voz de seu irmão. -Acaso teria abandonado Montville se te tivesse revelado a verdade? -Claro que não. -Quintin se sentia realmente perturbado. -Ali tem a resposta, Quintin -explicou-lhe a jovem com frieza-. Não ia permitir que lutassem por minha honra quando fui eu quem entreguei essa honra. Não havia razão para liberar uma batalha. -Mas, no que outra coisa me mentiu? A moça sob os olhos, incapaz de enfrentar o olhar acusador de seu irmão. -Ocultei-te meus verdadeiros sentimentos -admitiu finalmente-. Estava furiosa esse dia. Odiava ao Rowland por haver-se enfrentado a ti. Sentia-me tão ferida, que desejava morrer. -E, mesmo assim, defendeu-lhe ante mim. -Sim -murmurou ela com suavidade. Quintin partiu, deixando sozinha ao Brigitte com suas lágrimas. Tinha decepcionado a seu irmão, e isso rasgava o coração da jovem. Só ela sabia quanto tinha saudades a presença do Rowland. Orava dia detrás dia, implorando que ele retornasse a seu lado. Mas, como poderia explicar-lhe ao Quintin?
41 Rowland se desperezó e, instantaneamente, deixou escapar um rouco grunhido. Pelo visto, a moléstia da ferida ainda não estava disposta a lhe abandonar. Jogou um olhar de soslaio a seu irmão e lhe encontrou sorridente. -Arrumado a que não tem nenhuma cicatriz, ou meu aroma não te divertiria tanto, irmão -grunhiu Rowland. -Vontades essa aposta -assegurou-lhe Evarard com uma breve risada-. Jamais adotei a guerra como uma forma de vida. Não sinto compaixão por aqueles que o fazem logo, grunhem bêbados quando os afligem as feridas. -De maneira que grunhem bêbados, né? -resmungou Rowland com mau humor-. Jamais me verá grunhindo bêbado por uma simples dor! -OH, não, só por ela. Rowland franziu o sobrecenho. -Não desejo falar dela. Revelei-te mais do que devia ontem à noite. -Quando estava grunhindo bêbado -demarcou Evarard com uma gargalhada. Rowland se incorporou abruptamente e, imediatamente deu um coice ante a intensa pontada de dor. Fazia apenas dois meses que tinha recebido a ferida e esta ainda não tinha cicatrizado. -Posso prescindir de sua jocosidade -afirmou com tom brusco. Evarard permaneceu impávido frente ao mau gênio de seu irmão. -Onde está seu senso de humor, homem? fugiu-se acaso com sua bela dama? -Evarard, juro-te que se não fosse meu irmão, despedaçaria-te! -grunhiu Rowland, fechando os punhos-. Não volte a mencioná-la. -Precisamente porque sou seu irmão posso te falar com sinceridade -afirmou o outro jovem com tom sério. Com segurança, pensaria-o duas vezes antes de me atirar um murro na cara, porque seria como te golpear a ti mesmo.
-Não esteja tão seguro, irmão. -Vê-o? -A expressão do Evarard se tornou muito solene-. Reage com irritação quando eu só estou brincando. Abriga uma intensa ira em seu interior, Rowland, e a deixa viver em lugar de combatêla. -Sua imaginação é muito ativa, Evarard. -Isso crie? -arriscou-se a perguntar o gêmeo- Ela te abandonou. Preferiu partir com seu irmão em lugar de permanecer a seu lado. Dirá-me que isso não te afetou? -Já basta, Evarard! -Nunca voltará a ver a dama. Isso não significa nada para ti, né? -Basta! -bramou Rowland. -Não chama a isso ira? -continuou Evarard, expondo-se a um violento golpe, já que o rosto de seu irmão começava a transformar-se em uma verdadeira máscara de cólera-. Te olhe, irmão. Está a ponto de me derrubar só porque te fiz notar que a fúria te está consumindo por dentro. por que não acaba de uma vez com sua vida? É óbvio que não deseja viver sem essa mulher e entretanto, não faz nenhum esforço por recuperá-la. -Maldito seja, Evarard. me diga como poderia recuperá-la se me despreza. Como poderia sequer me aproximar dela quando seu irmão está disposto a me matar apenas me veja? -Ah, Rowland, esses são só obstáculos que sua própria imaginação exagera. Nem sequer o tentaste. Teme fracassar. O fracasso seria seriamente o final. Mas você não sabe se fracassaria, e nunca saberá se não fazer o intento. Ante o completo silêncio de seu irmão, Evarard prosseguiu. -E se a dama se sente tão desolada como você? E se a ira de seu irmão já começou a apaziguar-se? Se cometeu enganos, deve te desculpar ante a jovem. Pode que ela entenda mais do que supõe. Mas, como saberá se não ir vê-la? Vê. Vá ao Berry, Rowland. Fala com o irmão e, logo, exprésale à moça seus sentimentos. Não tem nada que perder, mas se não ir, então tudo estará perdido. À medida que se aproximava mais e mais ao Louroux, Rowland refletia sobre sua conversação com o Evarard. A sensatez de seu irmão lhe tinha feito compreender quão obstinado e tolo era seu comportamento. Já tinha começado o verão. Durante muito tempo, tinha aceito seu infortúnio sem tentar modificálo. Durante muito tempo, tinha estado separado do Brigitte, permitindo que a ira lhe consumisse. -Lorde Rowland do Montville, milord -anunciou Leandor com inquietação. Rowland seguiu ao homem até a sala e, ao lhe ver, Quintin se incorporou abruptamente, ao tempo que se levava uma mão à espada. -Não aceitarei a provocação se me desafiar, barão -apressou-se a advertir Rowland. Quintin ficou sem fala, sobressaltado ante a aparição desse jovem. Jamais tivesse imaginado que o normando pudesse ser tão imprudente de apresentar-se no Louroux. depois de tudo, ele era o lorde ali e se o desejava, podia encerrar a esse homem para não lhe liberar jamais. -Ou já não tem desejos de viver ou é o tolo maior de toda a cristandade -afirmou Quintin quando por fim conseguiu recuperar a fala-. Não te tinha tomado por um tolo, Rowland. Claro que me equivoquei contigo desde o começo. Confiei em ti, e me ensinou uma valiosa lição. -Não vim aqui para brigar contigo, milord -assegurou-lhe Rowland-, a não ser para fazer as pazes. -As pazes? -bramou Quintin, irritado ante a calma de seu inoportuno visitante. Sem titubear, atirou um violento golpe no rosto do fornido homem. Mas Rowland permaneceu sem alterar-se, tratando de controlar seu mau gênio. -Maldito seja! -grunhiu o anfitrião-. Como te atreve a te apresentar em minha casa? -Vim porque a amo -confessou Rowland com firmeza. Surpreendeu-lhe a facilidade com que podia pronunciar essas palavras, e decidiu as repetir-. Amo ao Brigitte. Quero-a por esposa.
Quintin esteve a ponto de engasgar-se ante semelhante revelação. -Também a quis para satisfazer seu apetite carnal, e não duvidou em violá-la! Tomou pela força! -Disse-te ela isso? -A poseíste, e isso fala por si só! -Jamais fui violento com o Brigitte -afirmou Rowland-. Não fui gentil ao princípio, reconheço-o, porque era eu um homem muito rude então. Mas, em pouco tempo, sua irmã conseguiu me mudar, até que só comecei a sentir se desesperados desejos de agradá-la. -Isso já não é importante. Rowland perdeu a paciência. -Maldição! Ponha em meu lugar. Druoda entregou ao Brigitte e acreditei que essa mulher era sua irmã. A moça se converteu então em meu serva. Viajar sozinho com ela até o Montville foi um verdadeiro tortura, tal como tivesse sido para qualquer homem forçado a enfrentar-se a semelhante beleza. Ao igual à jovem, acreditei que já a tinha desvirginado aqui, no Louroux. Talvez, se tivesse sabido que ainda era virgem, não lhe houvesse possuído...não sei, não posso afirmá-lo. Mas não foi esse o caso. Acaso alguma vez levaste a uma mulher a sua cama sem lhe pedir consentimento? -Estamos falando de minha irmã, não de uma mera serva, obrigada do nascimento a servir a seu amo. Brigitte é uma dama de alta linhagem, e nenhuma dama deve sofrer o tortura a que você a tem exposto. -Ela me perdoou -asseverou Rowland. -Sério? Não poderia assegurá-lo, posto que jamais te menciona. -Minha briga contigo é o que a voltou contra mim. -Explicou o lorde do Montville. -O mesmo dá, posto que não voltará a vê-la jamais. -Sei razoável. Ofereço matrimônio. Sou o lorde do Montville agora e possuo além disso um imenso patrimônio no Cernay. Como minha esposa, Brigitte o teria tudo, especialmente amor. Estou disposto a dedicar toda minha vida em compensar o dano que lhe ocasionei. O passado já não pode modificar-se. Mas posso, entretanto, te jurar que jamais voltarei a lhe causar penas. -Já não há forma de remediar o que tem feito com o Brigitte -afirmou Quintin com frieza. -O que opina ela? -Isso não tem importância. Rowland voltou a perder a paciência. -Ao menos, permitirá-me vê-la? -Já te disse que não voltaria a vê-la jamais! Agora, vete daqui, normando, quando ainda estou disposto a te deixar partir livremente. Não esqueça onde te encontra. -Não o esquecimento, barão -afirmou Rowland com calma, olhando ao outro homem fixamente-. Brigitte significa para mim muito mais que minha própria vida. Depois desse comentário, voltou-se e se retirou imediatamente da sala. Quintin lhe observou em silêncio, mas não teve tempo de meditar as sentidas palavras do normando, já que sua irmã irrompeu de repente na sala. Maldição! Quão último necessitava Brigitte era enfrentar-se a esse velhaco. A moça parecia muito desventurada e irascível ultimamente. -Diz Leandor que temos uma visita -comentou a jovem, ao tempo que se aproximava de seu irmão. -Leandor está equivocado -afirmou Quintin com mais brutalidade da que tivesse desejado. -Equivocado? -Era só um mensageiro -explicou o homem. Um jovem se apresentou essa manhã sem que sua irmã se inteirou-. Arnulf organizará um festejo o mês entrante. Celebrará-se as bodas de uma sobrinha. Convidou-me à festa. -Então, pode que não esteja aqui quando...
-Não -interrompeu-a ele com rudeza-. Pode que não. Quintin abandonou a sala imediatamente. Incomodava-lhe falar do nascimento. Envergonhava-lhe o estado de sua irmã; lhe morria de calor saber o que lhe tinham feito à moça, mas acima de tudo, chateava-lhe que o homem que a havia possuído ainda continuasse com vida. Cada dia que passava, resultava-lhe mais e mais difícil ficar frente a Brigitte. A jovem era consciente de seu fracasso em seus intentos de vingá-la. Ela tinha fingido subtrair importância ao assunto, mas Quintin conhecia sua irmã e sabia quais deviam ser seus sentimentos. Entretanto, não podia culpála por ter perdido a fé nele.
42 Brigitte se encontrava caminhando lenta e indolentemente pelo horta. Uma e outra vez, tentava apanhar as folhas secas do outono que revoavam para o chão. Logo, levava-se as mãos ao ventre, agora novamente plano. Durante um comprido tempo tinha levado sua carga, mas já tudo tinha culminado. Não tinha sido uma iluminação difícil, segundo as palavras da Eudora. A opinião do Brigitte tinha sido diferente no momento, OH, sim! muito diferente. Entretanto, a moça já não recordava essa dor e se sentia muito feliz como mãe. Porém, quando se encontrava sozinha, uma imensa sensação de desdita a afligia. Detestava pensar no Rowland, mas, mesmo assim, não conseguia lhe esquecer. Odiava a pena que esse homem lhe tinha causado, odiava sentir o desejo de lhe ter a seu lado, mas não podia a não ser pensar nele constantemente. Brigitte acreditou estar imaginando quando viu um cavaleiro aproximar-se da entrada do Louroux. A moça caminhou por entre as árvores até os limites do horta, com a certeza de que a visão não demorasse para desaparecer. Algo no cavalo lhe recordava ao gigantesco Huno. arreganhou-se a si mesmo por permitir tanto vôo a sua imaginação. recolheu-se as saias para dirigir-se para a mansão. Acelerou o passo gradualmente, até atravessar correndo os imensos portalones. Ao chegar ao pátio, deteve-se de repente, já que reconheceu ao enorme cavalo que um encarregado conduzia para o estábulo. O cavaleiro já tinha desaparecido. O coração da jovem começou a pulsar com violência. Correu então até a sala e, ao atravessar as portas, voltou a deter-se abruptamente. -Rowland! -exclamou. Entretanto, ninguém pôde ouvi-la frente aos ferozes gritos de seu irmão. Ambos os jovens se encontravam enfrentados a uns escassos metros de distância: Quintin, enfurecido e Rowland, preparado para extrair sua espada. -Detenha! -exclamou Brigitte, ao tempo que corria para os homens-. Ordeno-te que te detenha! -Empurrou ao Rowland, quem retrocedeu sem lhe apartar o olhar. Logo, ela se voltou para seu irmão. -O que significa tudo isto? -O não é bem-vindo aqui. -Seria capaz de lhe expulsar -perguntou a jovem com irritação- sem saber por que veio? -Sei muito bem por que veio! -por que? -Por ti. Rowland tinha respondido. Brigitte se voltou para lhe olhar e continuou lhe observando durante um comprido instante incapaz de apartar o olhar, ao tempo que o homem a devorava com seus escuros olhos azuis. -nos deixe sozinhos. Quintin -murmurou a moça, sem olhar a seu irmão. Quintin a sujeitou do braço e lhe forçou a lhe olhar.
-Não te deixarei sozinha com ele. -Agradaria-me falar com o Rowland em privado Quintin. -Não. -Tenho direito. Agora, nos deixe sozinhos. Por favor. Quintin se sentiu furioso, mas, ainda assim, aceitou partir. -Estarei perto se me necessitar, Brigitte. -Maldição -grunhiu Rowland, logo que estiveram a sós-. Seu irmão é um agressivo e obstinado... -Cuidado, Rowland -interrompeu-lhe Brigitte com uma expressão geada em seus olhos azuis. -Começou a gritar assim que entrei. Se você não tivesse chegado nesse instante, eu houvesse... O moço avermelhou com um intenso sentimento de culpa e a hostilidade nos olhos da jovem conseguiu lhe silenciar. -Sei exatamente o que tivesse feito, Rowland -afirmou ela com calma-. Conheço-te muito bem. Tivesse desafiado a meu irmão. -Não, -assegurou-lhe ele imediatamente-. Só tentava deter seus gritos. -Só me diga por que vieste -ordenou-lhe a moça com brutalidade. Rowland exalou um profundo suspiro. O começo tinha sido lamentável. Mas Brigitte se encontrava por fim ante seus olhos e, OH, Deus!, que formosa se via, inclusive mais formosa do que ele acreditava recordar. -Não sabe quanto senti saudades, chérie -confessou ele impulsivamente, surpreendendo a jovem com tão súbita revelação. Rowland não tinha planejado começar desse modo. As palavras tinham fluido por própria vontade, e tinham tomado despreparada à moça. -estivemos separados durante muitos meses, Brigitte -prosseguiu ele com doçura-. Em realidade, pareceram-me anos... o tempo se tornou irresistivelmente comprido sem sua companhia. Brigitte entrecerró os olhos. -Acaso espera que eu cria que me jogaste tanto de menos? -Todo isso é verdade, e muito mais -assegurou-lhe ele com ternura-. Desejo que retorne a casa comigo. Luthor morreu e agora Montville me pertence. Os olhos da moça se dilataram. -Luthor está morto? Você não... -Não, não fui eu. Thurston apareceu na primavera, e se desatou uma batalha. Ocupei-me de vingar ao Luthor. Descobri que... amava ao ancião mais do que acreditava. -Seriamente sinto o do Luthor -murmurou a moça com franqueza-. Morreram muitos? -Não, houve mais feridos que mortos. Mas Thurston e Roger, ambos caíram sob minha espada. Já não voltarão a nos chatear. -Roger está morto? -Apunhalou-me e lhe ataquei em ação reflete. Nem sequer alcancei a lhe ver antes de cair. -Você caiu? Feriram-lhe então? -Os olhos do Brigitte examinaram temerosos ao homem. -Nas costas -respondeu Rowland pausadamente. -De modo que voltou a atacar pelas costas, tal como aconteceu no Arles? -Você sabe isso? Lhe lançou um olhar fulminante. -Um pequeno detalhe que jamais mencionou... meu irmão te salvou a vida! E você lhe correspondeu com grande amabilidade, não é assim? -adicionou a jovem com amargura. -Brigitte... -Admito que não sabia que eu era sua irmã, mas supunha que ele era meu senhor. Acreditava que ele desejava desposar-se comigo e, ainda assim, arrebatou-me do Louroux! Traiu-lhe, Rowland. -Fiz-o sem saber, Brigitte, quando se dava por sentado que eu te tinha violado aqui, Já tudo parecia e não podia modificar-se. Acaso crie que me sentia orgulhoso? Estava furioso comigo mesmo não
só por isso, mas também também por trair a seu irmão ao te afastar daqui. Mas, o que outra coisa podia fazer? Druoda ameaçou te matando se te deixava no Louroux. O que tivesse feito você em meu lugar? -Há algo que sim poderia ter feito, Rowland, poderia ter renunciado a mim quando Quintin foi me buscar em lugar de liberar um combate? -Não era tão singelo, cherie -murmurou Rowland com doçura-. Não podia te entregar, não quando acreditava que ele desejava desposar-se contigo. Eu te queria por esposa. Brigitte se voltou, e as palavras continuaram retumbando em seus ouvidos. "Eu te queria por esposa". Rowland confundiu a reação da moça com um arrebatamento de ira. -Nunca me atreveria a desafiar novamente ao Quintin, Brigitte, sabendo agora que é seu irmão. Tratei de fazer as pazes com ele, mas se recusou a me escutar. Ofereci-lhe me casar contigo e se negou. Não posso lutar por ti, e Quintin nunca aceitará te entregar a mim. Brigitte, quero te converter em minha dama. Jamais desejei nada tanto como desejo a ti. Os olhos da jovem se encheram de lágrimas. Quantas vezes tinha implorado ouvir essas palavras? Mas já havia trascurrido muito tempo e ela tinha detido seus rogos. sentia-se ferida em seu orgulho. Agora seu coração só abrigava amargura, porque Rowland lhe tinha abandonado. Durante todo o embaraço, durante esses largos meses em que tanto lhe tinha necessitado, ele tinha estado ausente. -Já é muito tarde, Rowland -sussurrou finalmente. O coração do moço se deteve. -Casaste-te? -Não. -Então, não é muito tarde -afirmou ele, aliviado. Imediatamente, estendeu os braços para tomar à moça, mas ela ficou rígida e apartando o rosto para um lado, suplicou-lhe: -Não me toque, Rowland. Não tem direito a vir aqui agora e me propor matrimônio. Onde estava todos esses meses quando ...quando... -Um nó lhe entupiu na garganta e ameaçou sufocando. Sentiu desejos de chorar e resistiu com desespero-. Não me casarei contigo, Rowland. Deveria ter chegado antes quando... quando ainda sentia algo por ti. Agora já... já não sinto nada. Rowland a tirou dos ombros com fúria e a forçou a lhe olhar. -Eu vim antes, meses atrás, mas seu irmão me jogou! estive vagando após. Não pude retornar a casa. Meu lar já não significa nada para mim se você não estiver ali. A jovem sacudiu a cabeça com violência. -Não te acredito. Quintin me haveria isso dito se seriamente tivesse vindo aqui antes. -Maldição, Brigitte! -bramou o moço- Eu te amo! -Se na verdade me amasse -gritou ela-, teria-me procurado antes! Desesperado, Rowland a atraiu bruscamente para se para apoderar-se dos delicados lábios da jovem em um selvagem beijo. O lhe tinha aberto o coração e ela tentava lhe destroçar. Essa moça lhe estava rasgando. Brigitte lutou com violência, até que ele se viu forçado a liberá-la. Lhe condenou com o olhar quando falou. -Não deveu fazer isso. Eu já não te amo, Rowland. O reuniu os últimos restos de seu orgulho e se voltou, para afastar-se da jovem sem sequer olhar atrás. -OH, Deus, não me importa! -gritou ela para a sala vazia. -Que não te importa? Brigitte se voltou, para encontrar a seu irmão de pé junto à porta, e fechou com força os punhos para controlar seus puxadores desejos de chorar. -Não me importa que Rowland se partiu -repetiu com firmeza. -Alegra-me ouvir isso -afirmou Quintin, embora sua voz revelou uma marcada nota de incerteza.
O homem se sentia tão afligido pelo remorso, que não soube como reagir frente a sua irmã. Tinha ouvido toda a conversação, e tivesse desejado não fazê-lo. Conhecia-a muito bem à moça. Brigitte, em realidade, não havia sentido tudo que havia dito ao Rowland. por que seu próprio irmão não tinha sido capaz de compreender quanto amava ela a esse homem? por que tinha sido tão néscio de permitir que a ira lhe cegasse? Entretanto, ainda não era muito tarde para emendar os enganos. Mas, como poderia confessar à moça seu terrível pecado? Acaso a revelação a voltaria em seu contrário? Finalmente, Quintin se armou de coragem e decidiu enfrentar-se a ela. -Jamais conheci a um homem com tanto valor como seu Rowland -começou a dizer-, nem com tanto amor. -O que significa isso? -O já veio aqui uma vez, Brigitte, faz vários meses. Não lhe disse isso porque acreditei que te perturbaria, especialmente em seu estado. Tratou de fazer as pazes comigo, mas eu me neguei. Adverti-lhe que não retornasse nunca, mas, como vê, ele não escutou minha advertência. E agora só posso te suplicar perdão por não haver lhe contado isso. O é um bruto bárbaro, mas se o quer, farei que retorne. -OH, Deus, Quintin! -Brigitte liberou por fim suas lágrimas-. Não crie que será muito tarde? -Deterei-lhe. -!Não! -exclamou a moça-. Eu sou quem deve lhe deter. Brigitte saiu correndo da sala. Quintin a seguiu até a porta e lhe observou atravessar velozmente o pátio até o portalón, para logo perder a de vista. O jovem se forçou a permanecer em seu lugar. Não desejava voltar a interferir no destino de sua irmã. Rowland se afastava mais e mais, cavalgando pela rota, mas ainda se encontrava o suficientemente perto para ouvir os frenéticos alaridos da jovem. Entretanto, ele não se deteve. Nem sequer se dignou a olhar atrás. Brigitte lhe seguiu, gritando seu nome uma e outra vez. Seu condenado orgulho tinha causado a partida do homem. Ao diabo com esse orgulho! A moça começou a soluçar, temerosa de que fora muito tarde, temerosa de lhe haver ferido irremediavelmente. -Rowland, por favor! de repente, tropeçou com as saias e caiu, soluçando com desespero. incorporou-se, mas ele tinha contínuo afastando-se e, então, duvidou de que pudesse ouvi-la. -Rowland ...retorna! Esse foi seu último lastimoso grito, e o jovem o ignorou. Então, Brigitte se desabou sobre os joelhos em meio da rota, com a cabeça encurvada, derrotada e o corpo tremendo com angustiados soluços. Não advertiu que Rowland se tornou, para encontrá-la arremesso no caminho. O se deteve, vacilou durante uns instantes e retornou velozmente para ela. Brigitte ouviu o galope do cavalo e ficou de pé, mas a ira refletida no rosto do Rowland lhe impediu de falar. -Que loucura é esta? -perguntou ele com fúria-. Tem acaso mais palavras hirientes para me rasgue o coração? Brigitte não pôde lhe culpar. Tinha sido desumana. -Rowland... -aproximou-se com vacilação e detrás lhe colocar uma mão sobre a perna, olhou-lhe com expressão suplicante-. Rowland, amo-te. Os olhos do homem arderam mais intensamente. -Então -começou a dizer ele com tom gelado-. o que se supõe que devo fazer eu agora? te pedir que seja minha uma vez mais, de modo que possa voltar a me rechaçar? Acaso não te bastou uma estocada da faca? -Rowland, senti-me ferida porque te tinha levado muito tempo vir a me buscar. Orei muito por sua volta e finalmente abandonei os rogos. Sentia-me desventurada e comecei a abrigar um intenso rancor porque acreditei que já não me queria. Tratei com desespero de te esquecer, mas não o obtive.
-Se me amasse, Brigitte, não me teria rechaçado. -Era a voz de meu orgulho ferido a que falava. Sentia que se seriamente me amava, tivesse vindo antes por mim. -Isso fiz. -Agora sei. Quintin acaba de confessá-lo. Não me disse isso antes porque não sabia que eu te amava. Nunca me atrevi a lhe revelar meus verdadeiros sentimentos porque ele se negava a te perdoar. -Quer dizer que você sim me perdoou pelo que aconteceu com seu irmão? -Amo-te, Rowland. Seria capaz de te perdoar tudo... Por favor, não permita que seu orgulho se interponha entre nós, tal como eu o fiz... Do contrário, morrerei! Rowland desembarcou do cavalo para estreitá-la em um forte abraço. -Meu joyita -sussurrou-lhe com voz rouca-. Nenhum homem desta terra poderia amar a uma mulher tanto como eu te amo. Será minha para sempre. Já nada no mundo pode impedi-lo, agora que sei que você também me ama. -Olhou-a fixamente aos olhos-. Está segura? Não tem dúvidas? -Sinto-me segura, muito, muito segura -afirmou ela com um sorriso. Rowland riu com deleite. -Agora podemos retornar a casa.
43 Quintin não se surpreendeu ao ver sua irmã e ao jovem entrar na sala intimamente abraçados, mas a expressão de sorte enlevada no rosto do Brigitte lhe deixou sem fala. O casal se deteve no centro do salão, e Rowland olhou ao outro jovem com cautela. Então, Quintin se incorporou abruptamente. -Pelo amor de Deus, Rowland. Não sou um perverso ogro. -Sorriu com afabilidade-. E tampouco sou tão néscio como para não admitir que estava equivocado. Desejo a felicidade do Brigitte, e posso ver que só contigo será feliz. -Contamos com sua bênção, então? -Minha bênção e meus mais sinceros desejos para uma larga e ditosa vida juntos -afirmou o homem com calma. -Já vê por que amo tanto ao Quintin. -Brigitte sorriu e se aproximou de seu irmão para lhe abraçar com força -Obrigado, Quintin. -Não me agradeça isso, pequena. Só sinto que tenha estado tanto tempo separada do homem que amas. Espero que possa me perdoar por toda a pena que te causei. -Claro que te perdôo. Agora tenho ao Rowland e já nada voltará a nos separar. Quintin lhe sorriu com carinho. -E já lhe falou a respeito de...? Brigitte se voltou para o Rowland e lhe tirou da mão. -Vêem. Tenho uma agradável surpresa para ti. Conduziu ao homem pelas escadas e logo, pelo corredor, até deter-se frente a uma porta fechada. No chão, achava-se tendida uma gigantesca besta peluda. -Espero que não me tenha miserável até aqui só para me mostrar ao Wolff -brincou Rowland com fingida severidade. A moça sorriu e seu olhar se topou com os escuros alhos azuis de seu amado. -Não, não se trata dele. -Então, com segurança, isso pode esperar - murmurou o moço com voz rouca para logo beijá-la apaixonadamente. Porém, Brigitte se apressou a desligar do abraço.
-Rowland, por favor... -Esboçou um doce sorriso, sacudindo a cabeça, e logo abriu a porta com supremo cuidado. Conduziu-lhe para o interior do quarto e lhe arrastou até o centro da habitação, onde se encontrava um berço totalmente revestido com delicados encaixes brancos. Rowland franziu o sobrecenho, confundido. -Bebês? Trouxe-me até aqui para ver uns bebês? -Não são formosos? -Suponho que sim -grunhiu o moço. Brigitte se inclinou sobre o berço para tomar uma das diminutas manecitas. -parecem-se, não é verdade? -Isso acredito. -Não os vê idênticos? Rowland olhou alternativamente cada um dos pequenos rostos e, então, notou que os cabelos loiros, os diminutos olhos escuros, todos os rasgos eram na verdade idênticos. de repente, compreendeu e soltou uma gargalhada. -Ja! São gêmeos! Quis me mostrar dois bebês gêmeos, como Evarard e eu. A moça se sentiu decepcionada. O não tinha compreendido. -Estes gêmeos são muito especiais. -Levantou um dos bebês para entregar-lhe ao Rowland. -Esta é Judith. Toma, sujeita a. -Não! -O retrocedeu, alarmado. -Não te machucará, Rowland -assegurou-lhe Brigitte com um sorriso. O franziu o sobrecenho. -É um bebê muito pequeno. Sou eu quem poderia machucá-la. -Tolices. Mesmo assim, a jovem decidiu não lhe pressionar. Era óbvio que Rowland jamais tinha elevado antes um bebê, mas deveria aprender. Voltou a colocar ao Judith no berço e levantou o outro pequeno. -E este é Arland. -Um menino? -perguntou o jovem, aturdido. -Um menino -assentiu ela, divertida. -Mas disse que eram gêmeos. -Assim é. Rowland voltou a observar aos bebês com mais detalhe, e perguntou com vacilação: -Como soube qual era qual? Brigitte voltou a colocar ao Arland em seu berço e lhe fez cócegas festivamente a diminuta pancita. -Sei, Rowland. E, muito em breve, você também aprenderá a reconhecê-los. -Olhou ao jovem com expressão espectador, mas advertiu que ele ainda não tinha adivinhado. Então, adicionou significativamente: Acredito que ambos se parecem com ti. Nesse instante, tudo se esclareceu para o Rowland e, imediatamente, seu rosto empalideceu. -Teus... e meus? -Nossos filhos, meu amor. O a atraiu para si, para observar aos meninos por cima do ombro da jovem. -E pensar que deveu fazer frente a tudo isto sem mim... Jamais imaginei que... -de repente, apartou à moça bruscamente-. E tivesse permitido que me partisse daqui sem sequer saber o dos meninos? -Assim é -admitiu ela, elevando o queixo com sua acostumada atitude desafiante. Rowland sacudiu a cabeça. -É uma bruxa obstinada- afirmou, deixando escapar um suspiro de resignação. -Em efeito -reconheceu Brigitte, curvando os lábios. O homem voltou a tomá-la entre seus braços para lhe falar com infinita ternura.
-Mas é minha bruxa obstinada. Minha! -Abraçou-a com mais força-. E eles são meus, um filho e uma filha, duas jóias de meu joyita. É maravilhosa, Brigitte! E quanto te amo, milady. OH, Deus, quanto te amo! Nunca me separarei de ti. Imediatamente, Rowland selou essa promessa com um apaixonado beijo e Brigitte não teve oportunidade de lhe expressar quanto lhe amava ela também. Mas o diria mais tarde, e uma e outra vez, durante o resto de suas vidas. FIM
SÉRIE LADIES ESCRAVAS E LORDES TIRANOS 01. ASSIM FALA O CORAÇÃO 02. A NOIVA EM CATIVEIRO 03. ESCRAVA DO DESEJO 04. FOGO SECRETO 05. O AMOR DO PIRATA