Vozeiro de Primeira Linha
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Ano XI • Nº 40 • Segunda jeira • Abril, Maio e Junho de 2006
1º de Maio, Dia do Internacionalismo Proletário
Contra o Capital, Resistência Operária Editorial Venhem tempos duros para a classe operária galega. O Capital acha-se em plena execuçom dum ataque de proporçons desmedidas contra as condiçons laborais e de existência das trabalhadoras e trabalhadores. Obedientemente, todas as instituiçons políticas operantes na nossa naçom tomam posiçons para darem cobertura à ofensiva. Os golpes chegam de todos os lados. A nível europeu, a Uniom aprova directivas como a Bolkestein ou a de ordenaçom do mercado de trabalho, que despejam o terreno para a rapina das multinacionais, generalizando a precariedade e a desprotecçom social. Simultaneamente, o bipartido de Tourinho e Quintana, aliado com empresários e dirigentes das centrais sindicais maioritárias, senta as bases de um “pacto social” que acabe de vez com a pouca capacidade de resistência que ainda resta à nossa classe. Para fechar o círculo, umha nova reforma laboral cozinha-se desde há meses nos gabinetes madrilenos do patronato e das burocracias sindicais espanholas, sob a atenta tutela do governo neoliberal do PSOE. Em datas próximas, conheceremos os conteúdos exactos deste novo golpe de chicote nas costas do povo trabalhador, embora o pouco que durante o processo foi trascendendo nom augure mais do que terríveis conseqüências para o conjunto das massas exploradas. Vejamos alguns exemplos do que exploradores, negociantes e vende-obreir@s estám a preparar-nos: • O despedimento será facilitado e ficará mais barato para os empresários por diversos meios. Eliminando os obstáculos legais para o despedimento colectivo; eliminando o despedimento nulo, que até a altura podia obrigar o empresário a reincorporar a despedida ou despedido; subvencionando o empresário até em 40% dos custos por despedi-
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mento (com dinheiro público!); Generalizando, em substituiçom da contrataçom indefinida, o chamado “contrato de fomento do emprego”, que, entre outras “virtudes”, tem a de reduzir as indemnizaçons por finalizaçom de contrato de 45 a 33 dias por ano trabalhado. • Aprofundará-se a precarizaçom do mercado laboral, promocionando a subcontrataçom que, como bem conhecemos já na actualidade, tem lugar em condiçons deploráveis tanto no referente a salários como a segurança, jornada laboral, protecçom social e um longo e trágico etcétera. Criará-se, para tal fim, um novo modelo contractual que permite o despedimento automático com indemnizaçons de miséria. • Promocionará-se a actividade das ETTs, no caminho de privatizar completamente os já inoperantes serviços públicos de emprego. • As pensons verám-se reduzidas, eliminará-se o direito à reforma aos 60 anos e promocionará-se o trabalho além dos 65. Novamente, a burguesia espanhola, desesperada na sua incapacidade para atingir umha posiçom cómoda no competitivo mercado europeu, pretende alargar a sua taxa de ganho radicalizando a exploraçom da nossa força de trabalho. Volta a ficar à vista de tod@s que, independentemente da cor política dos governos de turno na Galiza, em Espanha ou na Europa, na guerra que enfrenta os capitalistas contra nós, nom há trégua nem cessar-fogo. Perante esta nova agressom que se aproxima, o movimento operário nom pode permanecer impassível ou contentar-se com umha tímida resposta dentro dos estreitos limites da paz entre classes. Está na hora
Sumário 3 Autonomia e substituiçom lingüística na Galiza (1981-2006) Maurício Castro
4 Sucesso das X Jornadas Independentistas Galegas
5-6 José A. Brandariz 6-7 Igor Lugris 7 Carlos Taibo 8 Joseba Alvarez 9 Francisco Martins Rodrigues10 Carlos Morais 11 Três vitórias desde o cessar-fogo permanente Iñaki Gil de San Vicente
12 Fraternidade comunista presidiu comemoraçom do X Aniversário de Primeira Linha
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EDITORIAL
de abandonarmos a resignaçom a que o discurso pactista das burocracias sindicais nos conduz, e botarmos abaixo esta reforma laboral com toda a contundência que for necessária, recorrendo sem medo a todos os métodos de pressom, mobilizaçom e luita de que dispomos, obrigando os sindicatos de classe a situarem-se do nosso lado e a abandonarem o imobilismo que apenas benefícia os promotores da ofensiva capitalista. Nos próximos meses, @s comunistas galeg@s estaremos pront@s a contribuir para organizar a resistência operária que bote por terra os planos do Capital. *** A tentativa, por parte do Estado francês, de actualizar os seus instrumentos de exploraçom específicos para a juventude, por meio do Contrato de Primeiro Emprego, vem de fracassar estrepitosamente, deixando atrás umha experiência que merece a nossa atençom por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque o povo trabalhador francês acabou de dar umha liçom histórica às exploradas e explorados
PSOE, patronato e máfia “sindical” espanhola pactuárom nova reforma laboral
da Europa ocidental. Implicando multitude de segmentos sociais -desde o proletariado industrial até o estudantado universitário- durante semanas de greves, cortes de tránsito, manifestaçons maciças, combates na rua e actos públicos; o CPE foi derrogado e o Estado ficou vencido. Devemos parabenizar as trabalhadoras e tra-
balhadores franceses nom só por terem atingido tam rotunda vitória, mas também por demonstrárem que na Europa, no centro do sistema capitalista, a mobilizaçom e a luita operária som ainda métodos válidos e eficazes para frear a ofensiva da burguesia. Em segundo lugar, porque os acon-
tecimentos som umha boa mostra do preocupante estado de saúde do nosso próprio movimento operário. Na Galiza, condiçons laborais muito semelhantes ou piores das que o CPE pretendia legalizar som dia após dia aplicadas a milhares de jovens em praticamente todos os ramos da produçom assalariada, sem que haja
nem de longe dumha resposta de firmeza e contundência comparáveis com a que o Estado francês viveu nestes dias. *** O Abrente alcança o seu número 40 após dez anos de publicaçom regular e ininterrompida, após ter dado acolhida a decenas de vozes anti-sistémicas de diversas correntes da esquerda nacional e internacional, mantendo sempre a qualidade editorial, chegando às maos de milhares de trabalhadoras e trabalhadores galegos. Nesta Galiza de inícios de século, para umha revista das características da nossa, trata-se dum repto cuja superaçom nos enche de orgulho e de ilusom para o futuro. É por isso que nom podemos deixar passar a ocasiom sem dedicarmos umhas linhas de sincero agradecimento a quem tem feito isto possível: a tod@s @s camaradas de Primeira Linha, às nossas colaboradoras e colaboradores e, como nom, a todas e todos os que cada três meses procurades na caixa do correio, no centro social ou entre o tumulto da manifestaçom estas cinco colunas comunistas, independentistas e antipatriarcais.
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Objectivos assimilistas parcialmente conseguidos A própria aprovaçom do Estatuto (1981) e a posta em andamento da Administraçom autonómica galega um ano antes acompanhou a progressiva substituiçom da própria sociedade como agente normalizador. De umha parte, a adscriçom da Política Lingüística ao departamento de Educaçom e Cultura da Junta definiu bem o sentido parcial da planificaçom, reduzida a umha área concreta da actuaçom dos sucessivos governos e alheia a umha visom global e abrangente. De outra parte, a assunçom pola Administraçom autonómica da actividade dita “normalizadora”, serviu para desactivar progressivamente, se bem nom por completo, o significativo movimento social pola normalizaçom da década anterior. Primeiro objectivo parcialmente conseguido. A acomodaçom do idioma ao guiom previsto obrigou a que os primeiros passos dados pola Junta pré-autonómica (1980), no sentido de ser oficialmente reconhecida a unidade lingüística galego-portuguesa, fossem rapidamente emendados. Forçouse entom, mediante a intervençom directa do poder político-institucional, a ruptura da linha histórica nom apenas do nacionalismo galego desde os seus primórdios, mas também do próprio mundo científico da romanística tradicional, e inclusive da tradiçom documentalmente recolhida nas enciclopédias espanholas, já a partir dos anos 20 do século passado, que sempre reconheceu a unidade lingüística enquanto o nosso idioma se mantivo afastado de qualquer possibilidade de recuperaçom funcional. Porém, na nova situaçom, o galego devia constituir-se em idioma “independente”, facilitando assim a sua posiçom de fraqueza face ao todo-poderoso e internacional espanhol. Daí que o isolacionismo, umha posiçom sem qualquer sustento teórico anterior, passasse a constituir-se em doutrina oficial, a partir da aprovaçom do Decreto Filgueira, em 1982, e até hoje. Se o objectivo do “golpe normativo” tivesse sido a verdadeira recuperaçom e normalizaçom do galego, em que cabeça teria cabido descartar séculos de história e o seu potencial de futuro como língua
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Maurício Castro
Se algo tem caracterizado a política lingüística aplicada na Galiza desde 1981, ano em que cristaliza num Estatuto a Espanha das Autonomias prevista pola Constituiçom de 1978, é umha medida intervençom a caminho entre o deixar fazer, esse recurso que Carvalho Calero denominou “liberalismo lingüístico”, e umha actuaçom aparentemente desleixada ou fruto da improvisaçom, o que poderíamos denominar “fazer de conta que se fai”. No entanto, seria este um diagnóstico simplista de mais. A substituiçom da rígida doutrina franquista em matéria lingüística, abertamente intervencionista frente à ameaça do que a ditadura sempre considerou e tratou de “línguas separatistas”, deu passagem, é certo, a um liberalismo muito caro ao espírito da Transiçom; bem se pode dizer que essa visom liberal assentou como umha luva a esse processo transformista da arquitectura institucional espanhola. O tempo véu a demonstrar que, tal e como calculárom os “pais da Constituiçom”, nada custava reconhecer determinados direitos individuais em relaçom ao uso das “línguas cooficiais”, desde que ficasse garantida a preservaçom do espanhol como único idioma necessário e obrigatório, e assim de facto continua a ser hoje, 25 anos depois da aprovaçom do Estatuto de Autonomia. Tal fica demonstrado, em diferente grau e com diversos matizes, nos casos galego, catalám e basco. Foi com essa perspectiva que se articulárom e aplicárom, umha por umha, as medidas legislativas e políticas tendentes a configurar umha nova situaçom de aparência democrática, em que o galego, na altura língua maioritária mas subordinada, iria ocupar o papel de língua minoritária digna de protecçom e cuidados especiais, sem em nengum caso pôr em causa a hegemonia da única língua oficial do Estado.
ACTUALIDADE
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Autonomia e substituiçom lingüística na Galiza (1981-2006)
estatal e oficial nos principais organismos internacionais? É certo que a dissidência reintegracionista subsiste, e ainda cresce ao mesmo ritmo que a consciência lingüística dos sectores mais dinámicos do nosso povo; mas as quase três décadas perdidas neste terreno nom deixam de constituir um êxito reconhecível na política lingüística oficial: o seu segundo objectivo parcialmente conseguido. A sucessiva aprovaçom do Decreto de Bilingüismo (1979), da Lei de Normalizaçom Lingüística (1983), e dos decretos e ordens posteriores, deu forma à estratégia que iria ser seguida nas décadas seguintes e até a actualidade, estabelecendo como impossível objectivo, carente de qualquer referente teórico ou precedente prático em qualquer outro contexto de conflito lingüístico, o chamado “bilingüismo equilibrado”, assim formulado sobretodo para o ámbito do ensino. Com grandes palavras, os mesmos que até essa altura participaram abertamente na censura e marginalizaçom de quaisquer usos do galego para além das lareiras, as leiras e as tabernas, erigiam-se em novos defensores da convivência lingüística e inimigos do conflito. Umha grande embalagem legislativa e normativa, embrulhada com crescentes somas de dinheiro e projectos tam caros e fastosos como inúteis para o avanço social do galego, tem servido durante todos estes anos para, como dizíamos, “fazer de conta que se fai”. Seria errado, portanto, concluirmos que nom existiu política lingüística, ou que a sua caracterizaçom tenha sido o puro desleixo. Houvo objectivos, estratégia e medidas concretas que conduzírom à situaçom actual. Houvo também desleixo, é verdade, mas um desleixo medido e aplicado como parte de umha política sistemática e de umha efectividade indiscutível. Além do combate surdo contra os sectores fiéis ao idioma, marginalizados na elaboraçom e aplicaçom dos estéreis projectos; oculto no incumprimento de todo o que a legislaçom pudesse ter de favorável para o galego (o ensino é o caso paradigmático), mantivo-se durante todo este tempo umha evidente renúncia a conhecer a fundo o terreno sobre o qual se agia, incluídos os resultados das medidas aplicadas pola própria administraçom. Vejamos só dous exemplos significativos. O primeiro, visível por contraste num período em que o Governo basco realizou e publicou três inquéritos globais sobre falantes, usos, atitudes, atitudes, etc, de
periodicidade quinquenal (1991, 1996, 2001)1 nom apenas para essa Comunidade Autonóma, mas para o conjunto dos territórios históricos de fala basca. Entretanto, na Galiza só foi publicada umha ediçom do chamado Mapa Sociolingüístico Galego (1993), de alcance só autonómico, e cujos resultados teriam acendido a luz de alarme de qualquer governo que tivesse o mais mínimo interesse em levar a bom fim o suposto objectivo de “bilingüismo equilibrado”. A realidade daquele estudo parcial confirmou a inviabilidade da estratégia autonómica para a normalizaçom do galego, mas nengumha medida foi tomada para corrigir o rumo empreendido em 1978-79. O segundo exemplo é referente à avaliaçom do próprio trabalho concreto da Administraçom. Milhons de euros tenhem sido investidos nestes anos na formaçom do professorado e de pessoas adultas em geral, através dos tam numerosos como limitados “cursos de iniciaçom e aperfeiçoamento”. Alguém conhece a existência de um acompanhamento oficial dos resultados dessas actividades formativas? Todo indica que se tratou apenas de justificar gastos em Política Lingüística sem mais objectivo que fornecer diplomas, tendo sido mui discutida a sua utilidade para a incorporaçom de novos falantes e até para o aumento da competência lingüística das pessoas que os freqüentam. No entanto, nom havendo estudos concretos sobre tam ampla como etérea rede formativa, quase ninguém se deu nestes anos ao trabalho de pedir contas aos sucessivos executivos autonómicos. Como se vê, estamos diante de exemplos claros de funcionamento exemplar da estratégia de “fazer de conta que se fai”; umha estratégia que, além do mais, conseguiu criar umha percepçom social bastante estendida de que, efectivamente, existe umha política oficial favorável ao galego. Terceiro objectivo parcialmente conseguido. É verdade que o grau de desfiguraçom actual do que era um país com língua própria de uso muito maioritário, embora subordinada a funçons só primárias e informais, responde a umha mais complexa evoluçom socioeconómica do próprio capitalismo num país secularmente atrasado e incorporado bruscamente à modernizaçom na sua fase neoliberal. Mas nom é menos certo que o franquismo primeiro, e a segunda Restauraçom bourbónica depois, soubérom acompanhar essa dinámica histórica conduzindo-nos para a inaniçom como povo. Certamente, houvo e há resistências a esse processo, mas a grave situaçom actual da língua é a me-
lhor prova do bom desempenho histórico do Estado espanhol nas últimas décadas, e da insuficiência da nossa resposta em chave nacional. A assunçom por parte da maior parte do nosso nacionalismo, nomeadamente por parte da sua direcçom política nas últimas duas décadas, dessa dinámica desnacionalizadora e assimilista imposta na Constituiçom de 78 e encarnada no Estatuto de Autonomia de 1981, é, nesse sentido, um dos maiores sucessos para um espanholismo hoje trajado de autonomista. Embora relacionado com o primeiro, podemos considerá-lo, pola sua especificidade no plano político-institucional, o quarto objectivo parcialmente conseguido.
Presente e futuro do conflito lingüístico A recente publicaçom, por parte do oficialista Conselho da Cultura Galega, de um estudo comparativo entre o referido Mapa Sociolingüístico Galego (com dados de 1992) e o mais recente Inquérito de Condiçons de Vida das Famílias (ECVF) por parte do Instituto Galego de Estatística (dados de 2003)2, apesar de nom tomar em consideraçom as falhas do estudo de campo do IGE3, só véu a confirmar os principais problemas detectados em estudos parciais anteriores e no próprio Mapa Sociolingüístico Galego publicado em 1993. Continua a queda percentual do galego como língua habitual na Galiza (passando de um índice de 2,97 sobre 4 em 1992 para 2,89 em 2003, e ficando por baixo do ponto médio da escala nos menores de 25 anos); o de monolíngües em espanhol é o grupo sociolingüístico que mais cresceu nesse mesmo período (de 10,6% em 1992 para 18,5% em 2003), mantendo-se a diminuiçom do grupo de monolíngües em galego; assistimos à primeira geraçom em que o espanhol é a língua habitual maioritária, sem que o ligeiro incremento de monolíngües em galego nas cidades compense a desgaleguizaçom geral do meio urbano e da gente mais nova; continua a espanholizaçom dos usos lingüísticos no seio das famílias e o espanhol é já a língua em que a maioria aprende a falar; o espanhol continua a ser mui maioritário nos usos escritos (82,3% face a 14%); e carência de monolíngües galegos completados lingüisticamente no próprio idioma (que o falem e escrevam sempre), face ao carácter completo dos monolíngües em espanhol, questiona a solidez do minoritário sector caracterizado polos diversos estudos de campo como “monolíngües em galego”.
Estamos, como se vê, perante dados contundentes, apesar de maquilhados por um deficiente procedimento estatístico, e à espera de umha nova ediçom do Mapa Sociolingüístico Galego, cuja publicaçom se prevê para o próximo Outono. Nom temos nengumha dúvida de que essa nova ediçom, catorze anos depois da primeira, apresentará dados que confirmarám a ameaça histórica que paira sobre o galego. Nom devia ser necessário dizê-lo, mas de facto convém sublinharmos que a abafante pressom do espanhol, e nom outras variantes estatais do próprio galego como o português ou o brasileiro, é a única ameaça real que enfrentamos. A evoluçom da processo de substituiçom lingüística em curso na Galiza continua, ninguém pode negá-lo, a ameaçar seriamente a sobrevivência e o futuro da nossa comunidade lingüística, e a fórmula política-institucional encarnada no autonomismo tem-se revelado em todos estes anos como a melhor fórmula para dar continuidade ao brutal processo de imposiçom franquista, inclusive superando-o, por outras vias de aparência mais amável, no cumprimento de uns objectivos substancialmente comuns. As novas ferramentas que agora se nos oferecem para fazer frente à situaçom nom mudam substancialmente a estratégia dos últimos vinte e cinco anos: nem o falso consenso normativo (assinado em 2003), nem o Plano Geral de Normalizaçom da Língua Galega (aprovado em 2004), que nom passa de umha série de formulaçons inconcretas que nom questionam os objectivos bilingüistas gestados e impostos entre os anos 1978 e 1981, mas que sim apresenta a novidade de contar com o apoio unánime dos três partidos parlamentares. O próprio ensaio do primeiro ano de governo alternativo ao PP à frente da Junta está a confirmar o continuísmo em matéria lingüística, enquanto o debate sobre a reforma estatutária tampouco parece apontar para qualquer mudança substancial no novo Estatuto, que continuará a consagrar a estratégia lingüicida que o espanholismo tem aplicado historicamente na Galiza. Só a articulaçom das forças sociais comprometidas com a língua à volta de uns objectivos verdadeiramente normalizadores, para a defesa activa dos nossos direitos lingüísticos, individuais e colectivos, em todos os campos da vida social, poderá possibilitar essa mudança, mais necessária do que nunca. Existem iniciativas que caminham nessa direcçom, e outras muitas irám surgir sem dúvida. Cumpre insistir, organizar, coordenar, empurrar de todas as frentes possíveis, com toda a diversidade que quigermos e formos capazes de alimentar; mas numha única direcçom, a da plena e efectiva oficializaçom do galego como língua nacional da Galiza. Só assim evitaremos que o projecto nacional espanhol poda finalmente entoar, sobre os restos de um corpo nacional galego já liquidado, o que seria o seu quinto e definitivo objectivo conseguido. 1
Os chamados Inquéritos Sociolingüísticos de Euskal Herria (I, II e III) A sociedade galega e o idioma. A evolución sociolingüística de Galicia (1992-2003). Consello da Cultura Galega (Sección de Lingua), 2006. 3 Segundo detectou Bernardo Maiz Bar, o ECVF de 2003 falseia a realidade ao sobredimensionar as povoaçons de menos de 10.000 habitantes (as menos espanholizadas) em relaçom às entidades urbanas mais povoadas (as mais espanholizadas), tomando como referência as percentagens reais recolhidas no censo de habitantes do mesmo ano. Assim, se as primeiras representavam em 2003 32,58%, no inquérito do IGE representam 56,6% das entrevistas, dando assim à populaçom rural um peso que já nom lhe corresponde na Galiza actual. 2
Maurício Castro é membro do Comité Central de Primeira Linha
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X ANIVERSÁRIO
Sucesso das X Jornadas Independentistas Galegas
Dentro da série de actos e iniciativas políticas previstas polo nosso partido para este ano, o do décimo aniversário da fundaçom de Primeira Linha, a décima ediçom das nossas Jornadas Independentistas Galegas ocupava lugar de destaque. O nosso partido interpretou o actual como um bom momento para promover um debate a fundo sobre os desafios e necessidades da esquerda do século XXI. Para tal, e sempre com a Galiza como contexto referencial, conseguimos juntar à mesma mesa um grupo de pessoas representativas de diversas tendências dentro da esquerda actual. Por diversos motivos, nom pudérom finalmente assistir o marxista brasileiro e especialista na questom nacional, Michael Löwy, o filósofo Santiago Alba, o professor da Universidade de Coimbra Boaventura de Sousas Santos, e o dirigente da esquerda revolucionária italiana Mauro Bulgarelli. Todos eles manifestárom a adesom às X Jornadas Independentistas Galegas e manifestárom a sua disponibilidade para poderem participar em vindouras ediçons deste evento. Quem nos conhece e tem acompanhado a nossa trajectória política, sabe que Primeira Linha sempre se caracterizou pola sua abertura aos contributos dessa diversidade que caracteriza a esquerda. Sem ocultarmos a nossa identidade marxista e leninista, de partido comunista de nova planta, nom duvidamos da possibilidade de enriquecer um projecto revolucionário que, sem renunciar à sua matriz anticapitalista, sintetize o melhor dos contributos das diversas experiências e escolas da esquerda rupturista que nom se conforma com reformar o capitalismo. Na décima ediçom, realizadas num hotel central da capital da Galiza a 18 de Março, as Jornadas Independentistas Galegas nom só se consolidárom como o espaço referencial de debate e reflexom marxista da Galiza, como demonstrárom mais umha vez essa característica do nosso partido, que tanto desconcerta aqueles que se cobrem com o manto do doutrinarismo teórico e a prática sectária para ocultarem as próprias carências como projecto emancipatório, quando nom a sua renúncia e integraçom no sistema que dim combater.
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Desenvolvimento das Jornadas Em sessons de manhá e tarde, as X Jornadas Independentistas Galegas, submetidas ao título “Desafios e necessidades da esquerda do século XXI”, começárom o seu desenvolvimento polas 11 horas, com um debate moderado polo camarada Alberte Moço Quintela em que participárom José A. Brandariz, professor de Direito Penal na Universidade da Corunha e membro do Centro Social Atreu da mesma cidade; Igor Lugris, integrante da Direcçom Nacional de NÓS-Unidade Popular e activista cultural na comarca
galega do Berzo; Luísa Ocampo, militante da organizaçom feminista Mulheres Nacionalistas Galegas (MNG); e o professor de Ciências Políticas na Universidade Autónoma de Madrid e especialista em política internacional Carlos Taibo, velho amigo do nosso partido. Foi um debate de interesse, com vozes diversas a reflectirem sobre as mudanças operadas na composiçom das forças populares susceptíveis de encabeçarem ou, no mínimo, integrarem um processo revolucionário que transforme o sistema mundialmente hegemónico após a queda
dos sistemas ditos de “socialismo real”. O protagonismo de formas de organizaçom plurais, assembleares e horizontais, e a articulaçom dos movimentos sociais numha perspectiva superadora do capitalismo, a importáncia do feminismo como ingrediente desse projecto, o estado actual do movimento antiglobalizaçom como expressom do mesmo, fôrom alguns dos pontos tratados primeiro polas pessoas que falárom à mesa e, logo a seguir, polo público que, em número superior à centena, assistiu ao debate da manhá. Polas 17 horas, e prolongando-se
Interferência da Audiência Nacional A nossa intençom como BATASUNA era participar neste interessante debate na Galiza sobre o futro da esquerda no século XXI, umha reflexom hoje mais necessária do que nunca, polo rumo que está a tomar o planeta guiado pola política neoliberal e o imperialismo norte-americano. Pensamos, aliás, que as naçons sem Estado, os povos oprimidos, temos a obrigaçom de contribuir com o nosso próprio ponto de vista, sem o qual a referida reflexom ficaria incompleta. Com esse intuito, íamos a Santiago de Compostela com dous trabalhos. O primeiro, “A esquerda no século XXI”, para ser lido como introduçom ao debate; e o segundo, “A Globalizaçom e a questom nacional”, como material de desenvolvimento. Infelizmente, hoje ao meio-dia, sexta-feira e véspera do deslocamento, acabei de receber umha citaçom desse outro grande juiz substituto de Garzón, chamado Grande Marlaska,
para me apresentar perante ele no próximo dia 22, quartafeira, às 17.30 horas. Tendo em conta que nesta mesma dous dos meus companheiros, Juan Mari Olano de Askatasuna e Juan José Petrikorena de Batasuna já fôrom levados a prisom, é mais do que provável que o citado juiz ordene o meu encarceramento. Perante tal possibilidade, decidim passar este fim de semana com a minha família. Pido-vos desculpa por isso, mas nom tenho nengumha dúvida que entenderám a minha posiçom pessoal. Comprometo-me, sim, a voltar à Galiza logo que poda, oxalá seja na próxima quinta-feira, ou, entom, aginha que fique em liberdade. Um abraço a tod@s e boa reflexom. Joseba Álvarez Donostia, 17 de Março de 2006
durante mais de três horas, a sessom da tarde começou com a confirmaçom da ausência de um dos participantes previstos: o dirigente de Batasuna Joseba Álvarez, que tinha prevista a sua participaçom, enviou umha carta dirigida ao público e ao nosso partido, escusando-se pola nom assistência, que reproduzimos integralmente. A ameaça iminente de prisom por parte das forças repressivas do Estado espanhol impediu, mais umha vez, o diálogo entre os povos basco e galego, mas nom poderá impedir que a nossa camaradagem e mútuo reconhecimento solidário continue a fortalecer-se no futuro como até agora tem acontecido. Umha ovaçom geral das pessoas assistentes seguiu-se à leitura da carta remetida polo companheiro Joseba Álvarez. A camarada Íria Medranho deu leitura à comunicaçom que o dirigente da esquerda abertzale tinha previsto realizar. O nosso camarada Francisco Martins Rodrigues, director da revista comunista portuguesa Política Operária; o líder histórico da expressom maioritária do nacionalismo galego, Xosé Manuel Beiras; e o secretário geral do nosso partido, o camarada Carlos Morais, expugérom nos seus discursos as particulares leituras do estado actual da esquerda na Europa e no mundo, suscitando um grande interesse nas quase duas centenas de pessoas que lotárom a sala de actos do Hotel Compostela. O público participou activamente também numha reflexom colectiva que quijo contribuir para a definiçom de espaços comuns de debate e acçom revolucionária com umha perspectiva nacional em nengum caso contraditória, senom dialecticamente imbricada, num internacionalismo que sempre foi sinal de identidade da esquerda anticapitalista. Polo seu interesse, este número especial do Abrente reproduz na íntegra a maioria das intervençons em ambas sessons. A própria composiçom do público assistente, muito variado na sua procedência e definiçom ideológica dentro do campo da esquerda nacional, dá conta do acerto de fazer desta décima ediçom das nossas Jornadas um espaço de debate amplo que sirva para o fortalecimento do movimento revolucionário galego.
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Sirvam estas breves notas para fazer um modesto contributo para um tema tam formidável como o que se plasma no título da intervençom, e das Jornadas. Contodo, o contributo, na sua humildade, orienta-se para marcar algumhas pinceladas do panorama em que nos inserimos, a modo de pintura impressionista. Mesmo com esse objectivo, o contributo parte de duas premissas fundamentais, de jeito metodológico: a) a irredutível polissemia do conceito de comunismo; essa polissemia, prenhada de heterodoxia, é a via por que transitam estas reflexons; b) a formidável magnitude do tema de reflexom, a respeito do qual seguramente ninguém pode pressumir de possuir respostas certas, senom que todos e todas abordamos este debate como reflexom em contínua construçom, como experimentaçom de soluçons que ganham forma através dum incessante movimento. Para centrar o objecto de reflexom que considero de interesse abordar, cumpre primeiro assinalar a paisagem, o cenário em que se tenhem de enquadrar esses reptos de esquerda do presente. Penso que umha das tonalidades fundamentais dessa paisagem é a da guerra global permanente, que hoje desponta com clareza como a morfologia do actual modo de mando do sistema global. Por conseqüência, e sem necessidade de se aproximar em maior medida dessa noçom, podemos seguramente consensualizar que vivemos umha etapa de profunda desvalorizaçom democrática, em que o estado de excepçom tende para se generalizar como paradigma hegemónico de governo. Esta mençom serve para emoldurar algo mais o que vai ser o objecto de atençom inicial: a análise do devir do movimento global, altermundialista ou ‘antiglobalizaçom’. E digo que pode valer para emoldurar essa análise porque, no quadro da guerra global, aparecem com força um lugar, o planeta Terra, e umha data, 15 de Fevereiro de 2003. Nessa data, seguramente momento maior da evoluçom do movimento, como é bem conhecido, várias dúzias de milhons de pessoas saem às ruas do planeta para expressarem a oposiçom à guerra global, num facto que foi avaliado polo New York Times como a expressom da verdadeira segunda superpotência planetária: o movimento global. Contodo, a referência a este facto só vai ser tomada em consideraçom aqui como medida de comparaçom com outra data de mobilizaçom, 145 meses antes, 15 de Janeiro de 1991. A comparaçom com esse outro momento, data de luita na vigília do começo dos ataques da que foi denominada 1ª Guerra do Golfo, esclarece algumhas das características que o movimento global tem expressado, e que podem servir para centrar a discussom sobre como pode/deve ser umha esquerda anti-sistémica à altura do presente.
Características do movimento global a) O devir global. O ocaso do quadro estatal de referência. Se a comparaçom que se sugeria for realizada, a primeira nota do movimento global que desponta é precisamente o seu devir global. Nas mobilizaçons de 15 de Janeiro de 1991, ainda o quadro da luita era fundamentalmente estatal; de facto, podem interpretar-se sem dificuldade as características daquelas mobilizaçons a partir das diferentes coordenadas estatais dos lugares em que tivérom lugar. Mais ainda, as demandas daquelas luitas mostravam a presença dum jeito de pensar ainda internacional, nom global; nom em vao, daquela a apelaçom ao respeito pola legalidade internacional gozava dum sentido que em 2003 estava já ausente. É possível que as mobilizaçons no contexto da guerra de 1991 podam interpretarse como a última grande luita internacional, expressada num quadro de centralidade
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Intervençom de José A. Brandariz estatal, quase coincidente no tempo com o ocaso dos regimes de capitalismo de estado da europa central e oriental. Com posterioridade, pode seguramente ler-se a emergência dum processo de devir global do movimento. Trata-se, contodo, dum processo nom linear nem mecánico, dum processo contraditório, assimétrico, variável, fluido. Mas dum processo efectivo, como se plasma na contemplaçom dos momentos maiores de articulaçom do movimento global: o 1 de Janeiro de 1994, com a 1ª Declaraçom da Selva Lacandona, as jornadas de Seattle, a batalha de Génova ou o próprio 15 de Fevereiro. Esse devir global do movimento, no que neste momento interessa, da forma a algumha das suas características morfológicas mais salientáveis: a) a afirmaçom dumha estrutura irredutívelmente reticular, pouco dada tanto à sua hierarquizaçom quanto à sua ‘reificaçom’; b) a centralidade dos processos comunicativos na conformaçom do movimento, que som precisamente os que lhe permitem garantir a sua fluidez e a sua horizontalidade. E, sobretodo, esse devir global vai afirmando a consciência da impossibilidade de sustentar umha verdadeira dinámica de contrapoder num quadro meramente estatal. b) A instauraçom dumha verdadeira ‘política de movimento’: Acho possível perceber que o movimento global tende cada vez mais para assumir que a política (antagonista) deve prescindir das lógicas de funcionamento do governo representativo; longe de aceitar o jogo do poder constituído, o movimento desprega-se, em toda a sua potência comunicativa, como verdadeiro ensaio de poder constituinte. Se calhar, a melhor expressom dessa dinámica é a superaçom dumha racionalidade especialmente difundida nos ‘lustros obscuros’ que antecedem a emergência do movimento global: a do entendimento da política movimentista na lógica do lobbismo, da ferramente de pressom na elaboraçom, reservada às instituçoms, das políticas públicas. A lógica do movimento global devém antitética da racionalidade das ONG’s, dos Greenpeaces e das OXFAMs que proliferam durante os anos ’80 e boa parte dos ’90. Mas a nota que estou a tentar salientar vai além disto. Mesmo poderia dizer-se que com o movimento global pode ver-se o emergir dumha verdadeira ‘política de movimento’, que tende para superar marcos de funcionamento prévios: a ‘política dos notáveis’, difundida e praticada durante o s. XIX, e a ‘política dos partidos’, hegemónica durante boa parte do séc. XX. Esta segunda, imediato antecedente do presente, institucionaliza-se após a Segunda Guerra Mundial, no ámbito do que, nom por acaso, tem sido denominado o modelo do ‘Estado de partidos’. É possível que umha expressom maior desta dinámica seja a crise do parlamentarismo em que estamos a viver. Umha crise que tem múltiplas manifestaçoms, desde o esvaziamento de poder efectivo do poder legislativo, até a crescente deserçom dos processos eleitorais por parte dos sujeitos com dereito a voto. É umha crise de que ainda temos moito que aprender: para pôr um exemplo recente no noso país, os medíocres resultados do BNG nas eleiçons municipais da Primavera de 2003, despois da sua tentativa de encabeçar, quando nom de patrimonializar o movimento social que por convençom denominamos ‘Nunca Mais’, podem ler-se como umha evidência dessa crise, tanto como devem ser interpretados na lógica da impossibilidade de reduçom da potência do movimento às estreitas formas partidárias da participaçom eleitoral. O movimento, portanto, desenvolve umha dinámica de participaçom que excede absolutamente a forma partidária-eleitoral; o
movimento supom a produçom interactiva de conflito sem mediaçom de intelligentsia algumha, com tendência para a horizontalidade, e com umha espontaneidade quase nom planificada. c) A centralidade da dimensom comunicativa na conformaçom do movimento. Os processos comunicativos sempre tenhem sido centrais na conformaçom dumha política antagonista. Para comprovar esta afirmaçom, nom é preciso chegar a Indymedia; basta com pensar, muitas décadas antes, num fenómeno como o dos pasquins ou, dito em termos mais gerais, na clássica propaganda política. Contodo, seguramente o movimento global reforça ainda mais esa centralidade, até a fazer componente nuclear do seu ADN político. O movimento global devém consciente de que a produçom dumha comunicaçom livre, isto é, nom mediada polo diversos aparelhos sistémicos, a produçom de símbolos, e mesmo a produçom de mitos (Luther Blisset, Wu Ming) é imprescindível para construir espaços de contrapoder social. Nom em vao, como se tem apontado, as dinámicas comunicativas reformatam as formas organizativas de que se dota o movimento, e mesmo veiculam os processos de subjectivaçom antagonista contemporáneos. E, ainda que isto merecesse umha explicaçom muito mais extensa, tal centralidade das dinámicas comunicativas nom aparece por acaso no momento presente; surge precisamente hoje, quando, no quadro do modelo de produçom ‘just im time’, os processos comunicativos (lingüísticos, relacionais, informacionais) se convertem na matéria prima fundamental da produçom no capitalismo contemporáneo. d) A complexa relaçom entre classeidentidade nos processos de subjectivaçom. Esta questom ganha inegável trascendência na hora de interpretarmos a evoluçom do movimento global. Trata-se, por sermos claros, de fugir das simplistas apelaçons ao fim das classes ou ao fim da classe obreira, e proceder a analisar as dinámicas que constroem hoje já nom os ‘sujeitos políticos’, mas os processos de subjectivaçom anti-sistémica. A risco de sermos extremamente sintéticos, no ámbito desta interrogante apontam, no mínimo, três teses fundamentais. Em primeiro lugar, um sector dos teóricos da postmodernidade, do qual seria expressom, por exemplo CASTELHS, que apontam que som os processos de subjec-
tivaçom identitária, e já nom as classes sociais, que permitem a construçom dum projecto político antagonista. Face a isto, cabe apontar que resulta altamente duvidoso que esses processos de subjectivaçom podam ser desligados de matrizes de interesses materiais. Em segundo lugar, outro sector de teóricos de esquerda considera que os processos de subjectivaçom som expressom, tendencialmente mecánica, das contradiçons objectivas de realidade social. Neste ponto se inscreveria o pensamento de gentes como WALLERSTEIN ou ARRIGHI. Contodo, esta orientaçom de pensamento seguramente desvaloriza o relevo da dimensom comunicativa dos processos políticos. Em terceiro lugar, outro sector, que poderia identificar-se com o ‘postoperaísmo’ italiano e com um sector do ‘postestruturalismo’ francês, considera que os processos de produçom de identidades interagem, no quadro do processo político, com matrizes de interesses concretos. Deste jeito, as identidades devenhem contingentes, dependentes do desenvolvimento dos correspondentes conflitos e, por outra banda, mostram-se operativas só quando logram articular interesses concretos. Partindo de todas estas notas, dumha brevidade digna de melhor causa, seguramente pode tentar-se umha sugestom de alguns reptos fundamentais que se colocam para umha política emancipatória do movimento.
Reptos dumha política emancipatória do movimento a) Compreender os novos espaços e os novos tempos do conflito. Se durante décadas assumimos que a figura de exploraçom por excelência e, portanto, o ‘sujeito político’ com maiúsculas, era o obreiro-massa, que tinha na fábrica o lugar privilegiado, quer da exploraçom, quer da luita, e que assumia o conflito em tanto que trabalhador, cingido ao seu tempo de trabalho, está na hora de constatarmos que há lustros que estas certezas passárom à história. As mutaçons produtivas que ponhem fim ao contínuo welfare-keynesianismo-fordismo, com a sua desterritorializaçom do lugar de produçom/exploraçom, com a desligaçom do tempo de produçom/exploraçom do relógio e com a multiplicaçom proliferante das formas de inserçom na mecánica produtiva, dam vida a umha nova figura produtiva, que seguramente pode ser de-
nominada o ‘obreiro-social’. Captar toda a potencialidade desta formidável mutaçom é seguramente um repto maior para umha política antagonista do presente. Compreender, dito do jeito mais sintético posível, que o tempo de produçom/explotaçom tende cada vez mais para coincidir com o tempo de vida. Compreender que o lugar de exploraçom é todo o território social, que cada vez se estrutura mais como forma reticular endereçada à produçom de valor. Compreender, em definitivo, que a política é hoje, ante todo, biopolítica. E compreender, no plano mais instrumental, que as ferramentas de agregaçom capazes de construir contrapoder social além da exploraçom nom podem ser o partido de massas ou o sindicato obreiro, que eran, em troca, as ferramentas da etapa do obreiro-massa. Nisto, quer dizer, na experimentaçom dessas novas ferramentas, é bem vinda toda inovaçom. Um desses laboratórios que deve ser ainda atravessado, aqui e egora, é o da potência emancipatória do centro social. b) Investigar a emergência do cognitariado como figura de classe por excelência. Se assumirmos, como já se apontou, que no capitalismo contemporáneo adquire crescente centralidade a produçom e difusom de fluxos de informaçom (o qual pode comprovar-se dando um olhar às formas produtivas de recente proliferaçom: as companhias dotcom, Inditex, os call centers), o cognitariado, isto é, o segmento da força de trabalho ocupado, no ámbito da produçom imaterial, da produçom, distribuiçom e recombinaçom desses fluxos comunicativos, pode estar a assentar a sua centralidade como figura de classe por excelência. Contodo, além de afirmar esta sugestom, cumpre, mesmo num exercício da maior das sínteses, indicar que esse cognitariado nom é, nem moito menos, umha figura unitária, senom umha verdadeira constelaçom de subjectividades. c) Superar o conceito de massa. A crise do obreiro-massa coincide no tempo, e nom por acaso, com o declínio de todo o aparelho categorial da modernidade. Enquanto o obreiro-massa se despregava num território liso, no presente habitamos um território crescentemente estriado, o território em que se desprega umha proliferaçom irredutivelmente plural de subjectividades. É óbvio que o conceito de massa é inútil para nomear, interpretar e, em último caso, contribuír para activar essa efervescência de subjectividades. Nisto seguramente resulta de muita maior utilidade, a efeitos experimentais, o conceito de multitude, isto é, essa rede de singularidades que reforça o comum ao reforçar o plural. Com independência do seu relançamento presente, convém apontar que nom estamos perante um conceito em absoluto novo. Olhando alguns séculos atrás, podemos ver a génese deste debate na discussom entre SPINOZA, que impulsava a noçom de multitude, e HOBBES, que defendia, no seu modelo totalitário, a reductio ad unum que implica a massa e, ligada a esta, a sua noçom de povo. Contodo, à margem disto, cumpre assumir igualmente que em tanto que multitude, a proliferaçom de subjectividades presente é irredutível para umha lógica da representaçom. d) A renúncia à toma do poder do Estado. Por um articulamento autónomo dos nodos contrapoder. Outro dos reptos maiores dumha política anti-sistémica contemporánea deve ser transitar em profundidade a hipótese da inutilidade da toma do poder do Estado. O Estado (moderno, ‘nacional’) está passa à página 6
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em crise, sacudido por dinámicas centrífugas para baixo e para cima. Nom está menos em crise a lógica representativa. E isto em vários sentidos. Em primeiro lugar, a simples experiência histórica fala-nos do inajeitado das operaçons vanguardistas e –ulteriormenteburocráticas, das Grandes Revoluçons. Em segundo lugar, o poder, devemos assumi-lo, nom reside só nas instituiçons, nos lugares aparentemente privilegiados do seu exercício; hoje, se nom sempre, vivemos umha etapa de profunda desterritorializaçom dos espaços de poder. É tempo de experimentar esa geometria do poder. É tempo de experimentar umha ordenaçom diversa, nom adiada, nom suspendida até o momento da ‘toma’ formal do poder. Umha ordenaçom diversa que deve aspirar, acima de todo, a umha libertaçom autónoma do desejo e a umha satisfaçom autónoma das necessidades (vivenda, renda, cultura, lazer, etc.). Nisto nom existen, afortunadamente, fórmulas mágicas, mas sim laboratórios privilegiados, lugares em que esta hipótese já se tem transitado, com interessantes resultados, lugares que tenhem nomes como Veneto ou KreuzbergPrençlauerberg. E temos, por cima disso, a experiência contemporánea das pessoas migrantes, que, marginadas do quadro formal de gozo dos direitos e das possibilidades de participaçom, reinventam de jeito quotidiano formas autónomas de satisfaçom das necessidades e de libertaçom do desejo. O objectivo é, em suma, a consolidaçom e o tecido de nodos capilares de contrapoder social. e) Por umha utilizaçom inteligente do interfaz representativo. Apesar de todo o dito, apesar das mutaçons em curso, a política representativa existe. Apesar da crise do modo de governo representativo (expressada na crescente abstençom, na volatilidade do voto, ou em experiências concretas como as que já se tenhem citado), continua a existir umha esquerda eleitoral que logra a custo mais que atingir umha posiçom de subalternidade em instituiçons cada vez mais carentes de poder real (quando menos, de transformaçom). Seria ingénuo desconsiderarmos esta realidade. Longe diso, um dos reptos da política do movimento deve ser indagar o emprego produtivo do(-s) interfaz(-ces) representativo(-s), mantendo-os sempre em funçom subalterna. Trata-se de lograr que esse interfaz seja expressom da potência do movimento, e nom de investigar como inserir-se no exercício do poder representativo. f) Pola procura doutro regime político. A democracia tem mostrado demasiado amiúde a sua versalitidade para dar corpo a dinámicas de dissociaçom autoritária, de dominaçom disciplinária mediante a lógica da representaçom, que hoje é antes a racionalidade da excepçom. Em conseqüência, o horizonte último, Mas também constante, em cada prática política, deve ser a consecuçom doutro regime político, mais ajeitado para a emancipaçom. E é óbvio que este regime nom pode ser a autocracia. Entom, cumpre intuir que só a acracia garante as condiçons de deliberaçom, participaçom e decisom ajeitadas para garantir a emancipaçom das subjectividades humanas. E nom se trata só dum mero desejo: muitas práticas do cognitariado expressam condiçons para ir adiantando essa consecuçom. Assim, a modo de conclusom, citaria neste sentido umha frase com que conclui num trabalho recente quem eu tenho por umha das mentes mais lúcidas da esquerda deste país, Raimundo VIEJO: ‘a acracia sempre foi, é, e seguirá a ser, o regime político do comunismo’. Ou, por dizê-lo doutro jeito: ‘enquanto existir o Estado, nom haverá liberdade. Só quando o Estado desaparecer, conseguiremos a liberdade’; neste caso, trata-se dumha cita de O Estado e a Revoluçom, de Vladimir Illich Ulianov, Lenine.
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1.- De que falamos quando falamos de esquerda? Como é que seguimos a empregar um termo que significa tam pouco, à força de significar tantas cousas? Di o título destas Jornadas “Desafios e necessidades da esquerda do século XXI”. Mas de que falamos? De que esquerda falamos? É ainda útil este significante?. Tendo em conta que abaixo deste guarda-chuva cabem, para resumir, desde o PSOE até o soberanismo socialista galego, que hoje existe dividido entre diversas forças como NÓS-UP, passando polo BNG, e as sucursuais galegas doutras forças estatais, para nom falarmos também de outras forças sociais, sindicais, etc... de que nos serve empregar ainda esta categoria?. Um dos mais, ou se calhar o mais importante desafio, e a mais urgente necessidade que tem a esquerda, neste século XXI, é o que se situa à volta da sua própria identidade. O que é que é a esquerda, o que é que significa o termo “esquerda”, para que realidade remete, o que queremos dizer quando falamos em termos de “esquerda”. 2.- O termo “esquerda”, no sentido político, surgiu em França, quando nos Estados Gerais franceses de 1789, o entom chamado “Terceiro Estado” ocupava os lugares situados à esquerda do rei, dado que os representantes da nobreza e do clero ocupavam o lugar situado à direita. Esta simples distinçom espacial, acabou por ser umha distinçom política, opondo assim progressistas e conservadores, a partir de entom nominados como de esquerdas ou de direitas, respeitivamente. Ainda hoje algumhas definiçons de esquerda fam referência a este primário significado político, e assim, por exemplo, o dicionário electrónico e-Estraviz, na terceira acepçom de esquerda explica que é a “parte de uma assembleia que toma lugar à esquerda do presidente e representa as tendências mais avançadas”. Outros dicionários oferecem umha definiçom mais política, e o da Academia Galega editado por Xerais e Galaxia, na sua quarta acepçom di que esquerda é a “colectividade política de carácter reformista e nom conservador”. Outros optam por oferecer ambas as definiçons. O da Porto Editora di-nos, como terceiro significado, que esquerda é o “grupo político partidário da doutrina socialista ou comunista”, mas também recolhe que é a “parte dumha assembleia que toma lugar à esquerda do presidente”. E o dicionário on-line Priberam recolhe um signficado mais restrito dizendo que é o “grupo parlamentar que se senta à esquerda do presidente”, como se nom pudesse existir outra política além da parlamentar, e acrescenta também que o termo pode ser referido ao “grupo político ou intelectual cuja ideologia é progressista, quando comparada com a de outros grupos”. Interessante definiçom esta última por quanto entra em cheio numha parte importante da questom: “grupo político ou intelectual cuja ideologia é progressista, quando comparada com a de outros grupos”. É claro que algumhas organizaçons só podem ser tidas por progressistas ou de esquerda quando comparadas com organizaçons declaradamente de direita. Ainda mais, muitas vezes, a única forma de sabermos se umha organizaçom ou umha pessoa é de esquerda, é comparando-a com umha outra organizaçom ou pessoa de direita. Porque quando essa comparaçom se fai entre organizaçons e pessoas de esquerda, o único que sabemos é que ficamos como estávamos. 3.- Sentei na casa diante do computador, liguei-no, liguei-me à internet e procurei num buscador a frase que dá título a estas jornadas “Desafios e necessidades da esquerda do século XXI”. Em menos de um segundo, pudem ver que ante mim se abria a possibilidade de aceder a mais de cem mil páginas que faziam referência, dumha ou outra forma, a essa frase. Já todas e todos sabemos que na rede podemos encontrar de todo, e que escrever num buscador qualquer palavra (mesmo que muitas vezes sejam palavras inventadas) e nom conseguir que
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Intervençom de Igor Lugris O sonho fai-se à mao e sem permissom 10 reflexons sobre o significado da esquerda
apareça nengum resultado é praticamente impossível. Ainda assim, a existência dessas mais de cem mil entradas, evidencia o que também todas e todos sabemos: que existe um debate, ou por melhor expressá-lo, que existem e co-existem muitos debates paralelos, algumhas vezes entremesclando-se, outras ignorando-se, sobre a esquerda, o seu presente e o seu futuro: o que é, o que deve ser, o que foi até agora e o que será proximamente, etc... Mas esse debate nom é novo, também o sabemos. É impossível percorrer a história do século XIX e do século XX (por nom viajarmos mais atrás no tempo) sem atender ao debate que sobre a sua própria identidade realiza a esquerda e as suas muito diversas e variadas expressons existentes ao longo desses anos. É umha característica própria, inerente, da esquerda. Nos seus genes leva escrito a necessidade de sempre estar a reflectir sobre ela própria. 4.- Infelizmente, esta necessidade da esquerda para estar sempre a interrogar-se sobre si própria, deu lugar nos últimos anos do século passado, a um debate que foi construído sob a influência da crise ideológica e política a que deu lugar a queda do muro de Berlim, primeiro, com todo o que isso simbolizava, e à dessapariçom, depois, da Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas e os demais estados denominados “socialistas” da Europa do Leste, com todo o que isso significou. A mescla de medo ao abismo que entom se abriu abaixo dos pés da esquerda, a desesperança, o pessimismo, provocou, dum modo inconsciente em muitas ocasions e plenamente consciente em outras muitas, um lamentável processo de autodestruiçom de grande parte da esquerda a nível mundial. Dia a dia, entravam em crise, em diversos pontos do planeta, todo o tipo de organizaçons comunistas, revolucionárias, marxistas, radicais, alternativas,... Parecia que o muro de Berlim tivesse caído directamente sobre essas organizaçons e, sobretodo, sobre as pessoas que dirigiam e conformavam essas organizaçons, que, seguindo as palavras de ordem de “Chegou o fim da história” e “Nom há futuro”, lançavam-se de cabeça a nadar, no melhor dos casos, nas águas do muito mais atractivo mundo das ONG’s ante o medo a ter que nadar na areia, quando nom optavam, decididamente, polas cómodas piscinas do sistema estabelecido e realmente existente, o capitalismo. Muitas vezes, muitas mais das que a simples vista poderíamos pensar, a atitude predominante naqueles sectores de esquerda dos anos 60 e 70 foi “repensar” –por dizê-lo de algum
modo- a esquerda a partir de ideias que implicavam renunciar à transformaçom e aos objectivos dumha mudança radical do sistema. Som muitas as vezes que temos visto pessoas a fazerem parte de organizaçons de esquerda (nem só políticas, também sociais, sindicais...) que um bom dia começam a deixar de sentar-se à esquerda e pouco a pouco vam abandonando posturas transformadoras até que um bom dia as escuitas dizer, ou lhes lês umha entrevista nalgum meio de propaganda do sistema, na qual dim isso de que “cada vez a palavra esquerda significa menos para mim”. Tem muitas variantes a frase, e alguns acrescentam, junto com a palavra esquerda, outros termos como “nacionalismo”, “independentismo”, “revoluçom”, etc... Mas a palavra esquerda continua a significar o mesmo, segue a significar muitas cousas, tal vez mesmo cada dia signifique mais cousas que o dia anterior. Nom é a palavra que mudou, nom é que perda significado nem sentido. Som essas pessoas que mudárom, que perdêrom o sentido. Som essas pessoas que optam por abandonarem a incómoda luita transformadora para ocuparem, primeiro, os cómodos gabinetes da política pretensamente reformista, e, depois, os muito agradáveis postos nas instituiçons burguesas. Lembremos que umha das definiçons vistas anteriormente dizia que a esquerda era a “colectividade política de carácter reformista e nom conservador”. Mas quando a esquerda começa a percorrer o caminho do reformismo para ir abandonando a ideia da transformaçom, entom, podemos ter certeza que essa esquerda começa a deixar de sentar-se à esquerda para se ir achegando dos cadeirons que oferece a direita. Já o di a tradiçom oral: “achegar, acheguei-me, fum-me achegando...” 5.- Aceitemos que actualmente ainda pode ser definida a “esquerda” como aquela corrente política, formada por pessoas, colectivos e organizaçons, que se situam acarom do povo, das trabalhadoras e dos trabalhadores, das classes populares, das pessoas oprimidas, na luita pola igualdade. A esquerda, recolhendo o significado primeiro que tivo naqueles Estados Gerais de 1789, seria, agora igual que entom, a promotora, a defensora, a impulsora daquela palavra de ordem revolucionária, tam revolucionária entom como agora: “Liberdade, igualdade, fraternidade”. A liberdade é a ausência de submissom, de servidom, quer dizer, a independência: do ser humano, dos povos, das naçons. A
igualdade é a nom existência de diferenças entre indivíduos, entre povos, entre naçons. A fraternidade é a relaçom de igualdade, de irmandade, que se estabelece com os semelhantes com os que vivemos em comunidade. Podemos assegurar, que de nom ser porque está escrito e fai parte da história, hoje haveria quem consideraria que defender o artigo primeiro da Declaraçom Universal dos Direitos Humanos seria umha mostra de utopismo, de falta de realismo, de pouca seriedade, de nom aceitar as regras que hoje em dia marcam o rumo do mundo capitalista existente, de nom ter os pês na terra: “Todos os homens –deveria dizer também: todas as mulheres- nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Estam dotados de razom e de consciência e devem agir uns para com @s outr@s em espírito de fraternidade”. Mas se esse artigo pode parecer mesmo subversivo a olhos de algumhas mentes bem-pensantes, que dizer doutros como por exemplo o quarto, que di que “ninguém será mantido em escravatura ou servidom; a escravatura e o tráfico de escravos serám proibidos em todas as suas formas”, ou o quinto: “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. E, para pôr um último exemplo, citaremos o artigo vinte e três, que estabelece que: “1º. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condiçons justas e favoráveis de trabalho e à proteçom contra o desemprego. 2º Toda pessoa, sem qualquer distinçom, tem direito a igual remuneraçom por igual trabalho. 3º Toda pessoa que trabalha tem direito a umha remuneraçom justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, umha existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarám, se for necessário, outros meios de protecçom social. 4º Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteçom dos seus interesses”. Nem som necessários os comentários. E o lido nom é, já o sabedes, nengum programa maximalista de nengumha organizaçom revolucionária, comunista, marxista ou anarquista. O lido som artigos da Declaraçom Universal dos Direitos Humanos adoptada e proclama pola Assembleia Geral das Naçons Unidas na sua resoluçom 217 A (III), de 10 de Dezembro de 1948. Todos ou praticamente todos os Estados que nom mundo som hoje em dia subscrevem esta declaraçom, ainda que nengum ou praticamente nengum a respeite completamente e muitos prefiram simplesmente ignorá-la, se-
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nom para o comum da sua populaçom, sim para partes muito significativas da mesma, como podem ser as pessoas emigrantes, as pessoas presas, @s independentistas etc... 6.- A esquerda precisa seguir na procura da sua razom de ser, do sentido da sua existência, na luita pola justiça. E essa justiça é a que se constrói sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade, porque é umha justiça para a humanidade, para todos os homens e para todas as mulheres. A prática política da esquerda, as suas ideias, os seus projectos, as suas iniciativas, só podem ser entendidas, só podem ter sentido aceitando que o que se pretende é a justiça para o ser humano, e nom só a liberdade para umha pequena parte da humanidade, a igualdade para uns quantos milhons de eleitos do mundo ocidental e a fraternidade entre os privilegiados. Mas é a injustiça a que reina no mundo. Milhons e milhons de pessoas sofrem e nem tam sequer tenhem a esperança de poderem solucionar as suas mais urgentes necessidades, sem direito a umha vida digna, a um trabalho digno, a umha educaçom e sanidade que garanta o seu presente e permita o seu futuro. Para eles, para elas, sobretodo para elas, nom há liberdade, nem mais igualdade que a que os fai ser igual que os seus irmaos na injustiça, mas sabendo que nunca jamais poderám ser iguais que aqueles que, comodamente, dos gabinetes das empresas e os governos, decidem se poderam malviver uns anos mais ou deverám morrer já mesmo. A fraternidade, a palavra de ordem mais esquecida, é entom o que deve chamar a esquerda à acçom. A acçom, a acçom transformadora, quer dizer, aquela destinada a transformar o mundo, é necessária porque ainda há injustiça, porque a pobreza pode e deve ser erradicada, porque existe a discriminaçom, porque a luita de classes ainda está presente, porque devemos pôr fim à destruiçom do meio ambiente, porque os povos oprimidos tenhem direito a se libertarem e a empregarem nessa luita todos os meios que considerarem oportunos, etc... Estas razons, junto com outras muitas, som suficientes para querermos que o mundo seja distinto, para querermos construir um outro mundo, para acreditarmos que um outro mundo é possível. 7.- Dixo Lenine que os seres humanos sempre fôrom vítimas do engano e a quimera, e que o seguiriam sendo enquanto nom aprendessem a descobrir quais som os interesses de classe que se ocultam por trás das frases, as declaraçons e as promessas morais, religiosas, políticas e sociais. E isso continua a ser umha grande verdade. Umha boa parte das organizaçons e as pessoas que se autodenominam “de esquerda”, ou “progressistas”, ou mesmo “socialistas”, seguem a fazer jogos de palavras, a lançar discursos ao sol, a entreter-se com jogos florais e batalhinhas dialécticas inofensivas e inócuas, para aparentarem e fazerem pensar que som o que realmente nom som. Por isso é fundamental que construamos umha definiçom de esquerda que faga funcional esse termo, e que evite que se converta (se é que nom se converteu já) num termo que signifique tantas cousas que praticamente nom signifique nada. Nom pode ser que esquerda signifique o mesmo que direita. Nom pode ser que esquerda seja defender a NATO, a Uniom Europeia ou Banco Mundial. Nom pode ser que esquerda signifique contribuir para manter com a prática diária o modelo patriarcal de sociedade. Nom pode ser que esquerda signifique defender a legitimidade dum estado imperialista construído sobre as bases do franquismo. Nom pode ser que esquerda signifique negar o direito de autodeterminaçom às naçons sem Estado da Península Ibérica, e mesmo negar a própria existência de tal direito. Nom pode ser que esquerda signifique defender a monarquia, os privilégios senhoriais, o
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exército ou as desigualdades sociais. Nom pode ser que esquerda signifique aplaudir ao opressor e reprender ao oprimido quando se defende, por citarmos só alguns exemplos de posturas mantidas por organizaçons, mais ou menos maioritárias, que conhecemos bem. 8.- Nom existe um receituário de aquilo que seja ou nom de esquerda. Ninguém conhece as cento e umha receitas mágicas para construir a esquerda, e melhor assim. A esquerda deve seguir a construir-se como sempre se construiu: nom de cima para baixo, mas de baixo para cima. A partir da realidade, da prática diária, do compromisso intransigente com a justiça, com a dignidade, com a liberdade em todos os terrenos e em todos os campos de acçom. A partir da rua, dos centros de trabalho, das escolas e universidades, e nom das cátedras, dos parlamentos ou dos púlpitos pagos polo sistema para tranquilizar algumhas consciências. Entre todos, entre todas, como sempre foi feito, devemos continuar a construir a esquerda, para, como di a cançom, bater no lume sagrado como ferreiros dum mundo melhor. Um outro mundo. Porque, e isto já está escrito em muitos sítios, falta talvez escrevê-lo novamente nas paredes das nossas ruas, o realmente revolucionário, o realmente imaginativo e transformador, nom é pedir o impossível, mas construir aquilo que é necessário. E a esquerda continua a ser necessária, porque a história nem se repete nem acabou e devemos seguir adiante. O que sucede é que aquela velha ideia, pobre ideia, de que o socialismo ou o marxismo eram umha ciência capaz de predizer o futuro nom pode ser o guia que empreguemos. Hoje sabemos (possivelmente há vinte, trinta, quarenta anos também o sabiam, mas as dirigências das organizaçons de esquerda preferiam ignorá-lo), que a queda do capitalismo nom é inevitável, e ainda mais: sabemos que o que venha depois do capitalismo, do capitalismo que hoje conhecemos, nom tem porque ser obrigatoriamente melhor, pode ser, tem muitas possibilidades para ser, infinitamente pior. Pior, claro, para as grandes maiorias sociais, para o povo trabalhador, para as mulheres, para os jovens, para os povos asobalhados, para as pequenas naçons que luitam pola sua liberdade. 9.- Isso é o que fai precisamente necessária e imprescindível a luita da esquerda. Nom há que luitar porque a vitória seja segura: há que luitar porque a vitória é necessária mas nom é o único futuro possível. O capitalismo nom leva no seu ADN os genes da autodestruiçom, o capitalismo nunca jamais se vai suicidar. Profetizar, como figérom umha boa parte dos partidos comunistas e socialistas de meados e finais do século passado, também na Galiza, que o advento do paraíso comunista era questom de tempo, que o mundo, que o capitalismo, caminhava para esse futuro irremediavelmente, foi umha das causas da derrota da esquerda e da desapariçom ou corrupçom da maior parte daquela esquerda. 10.- A esquerda nom pode fazer seu esse velho discurso rançoso, devedor de seculares imposiçons religiosas, de esperança numha idílica vida futura. A esquerda deve caminhar convencendo-se de que um futuro distinto e melhor só pode ser construído com base na solidariedade, na justiça, na resistência, na liberdade, na intransigente negaçom da validez do actual sistema,... Enfim: na firme e insubornável decisom de mudar, de transformar a sociedade, contando só com as próprias forças e nom aguardando umha intervençom divina, sobrenatural ou alheia. O socialismo continua a ser o velho sonho da humanidade oprimida. Nós todas, nós todos, devemos ser os protagonistas, @s primeiros combatentes, da nossa história, sem pedirmos licença a ninguém para caminharmos, porque, como di a cançom de Sílvio Rodríguez, “o sonho fai-se a mao e sem permissom”.
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Intervençom de Carlos Taibo
Devo confessar-vos que a minha presença aqui só pode justificar-se em virtude da minha amizade, de anos, com @s companheir@s de Primeira Linha. Actos como este demonstram que, por muito que amiúde se afirme o contrário, os organizadores desta palestra som qualquer cousa menos gentes sectárias. O que acabei de dizer na frase inicial justifica-se na certeza de que nesta altura sou incapaz de dizer algo genuinamente novo sobre a esquerda e os seus problemas. O facto de estarmos sempre a falar do mesmo configura por si só um indicador sólido –digamo-lo com clareza– de que eses problemas nom estám a recuar. Mesmo assim, e como quer que sou um profisional, vou propor-vos oito observaçons que, mal que bem, e a falta doutro horizonte, talvez podam servir para articular umha discussom entre tod@s nós. Adentremonos nelas. 1. É preciso considerar criticamente o que fôrom as duas grandes cosmovisons que marcaram a deriva das esquerdas do século XX. No que atinge à social-democracia, cumpre sublinhar que no melhor dos casos se contentou com limitar os estragos mais ferozes do capitalismo; na maioria das circunstáncias, acatou sem mais a lógica deste último, com conseqüências que é fácil determinar. No que se refere aos experimentos de socialismo irreal registados em cenários diferentes, todos se vírom lastrados pola alegada existência dumha ciência social que nos outorgaria certezas, pola paralela gestom dessa ciência por umha vanguarda iluminada e pola dramática marginalizaçom, repressom e exploraçom dos grupos humanos que deveriam dirigir os processos correspondentes. Hoje som visíveis as pegadas das duas cosmovisons mencionadas na forma de partidos, sindicatos e organizaçons nom governamentais que merecem umha crítica urgente. 2. Cumpre defender sem fisuras a democracia de base e a autogestom, para rejeitar ao tempo a política como profissom e, com ela, os liberados e as hierarquias. Parece que destes aspectos som particularmente conscientes muitos dos integrantes dos movimentos antiglobalizazom, que respondem a um impulso libertário menos vinculado com umha leitura ideológica dos clássicos do anarquismo do que com umha percepçom vivencial das conseqüências que a política como profissom tem em organizaçons que se autodeclaram transformadoras. Por trás, o que agroma nom é outra cousa que a convicçom de que as sociedades podem e devem organizar-se sobre bases voluntárias, sem o concurso de fórmulas coercitivas. 3. Há que desenvolver desde já as regras próprias dum mundo novo, sem aguardar à
toma de palácios de inverno. Antes da Guerra Civil espanhola a Confederaçom Nacional do Trabalho, a CNT anarcosindicalista, dispunha dumha ampla rede de ateneus, escolas, quintas e fábricas que permitiam perfilar materialmente o conteúdo desse mundo novo que se tratava de criar. Que significativo é que hoje, polo contrário, os sindicatos que conhecemos pouco mais disponham que dumha agência de viagens e dum serviço de cabeleireiro! Quando me preguntam porque apoio o movimento de okupaçons respondo sempre o mesmo: porque, mesmo na sua humildade, implica umha transgressom material da lógica legal do sistema capitalista, e isso é, por si só, importante. 4. É preciso pescudar nos ámbitos da vida política e social em que o trabalho das nossas organizaçons é visivelmente deficitário. Proporei dous exemplos do que quero dizer. Se nos sindicatos há que estimular a presença crescente de desempregad@s e imigrantes, noutras muitas instáncias cumpre perguntar-se porque estám tam dramaticamente ausentes os velhos. Trabalhar para resolver estas carências bem pode ser um estímulo para o crescimento e a maturaçom de muitas organizaçons. 5. Por muito que seja evidente, cumpre rejeitar em todas as ordens a lógica própria do capitalismo. Se isto nom precisa de maior demonstraçom, sim convem sublinhar que organizaçons que dim contestar essa lógica aceitam nos factos a maioria das suas conseqüências. Que ilustrativo é, por exemplo, que as três forças políticas presentes no Parlamento da Galiza apoiem sem dúvidas um comboio de alta velocidade que só obedece aos interesses do grande capital. As tomadas de posiçom que falam da necessidade de defender os interesses galegos devem explicar, por outra parte, que é o que corresponde entender por estes. Nom som os mesmos os interesses das nossas elites políticas e económicas, dum lado, e os que abraça, polo outro, o resto da populaçom. 6. É prioritário discutir e reivindicar o que sistema considera que som questons fechadas. Umha das maiores urgências ao respeito é resgatar o debate sobre a autodeterminaçom, e apresentar esta como o que é: um direito democrático. Como pode ser que se iluda o problema suscitado polo facto de que numha comunidade política umha parte significada da cidadania se sinta incómoda no Estado em que é obrigada a viver? Por mencionar um segundo exemplo de questons marginalizadas da discussom pública, é preciso analizar com olhos hipercríticos umha Uniom Europea que até agora se viu beneficiada entre nos dumha franca censura no que respeita às consideraçons que se interessam polos seus problemas, e carências, reais.
7. Há que recuperar as palavras que o sistema quer que esqueçamos, e isso sem necesidade, bem é certo, de colocar o vocábulo ‘imperialismo’ cada três linhas. O termo adequado para descrever os movimentos de que antes falei é –creio eu– o de ‘movimentos antiglobalizaçom’, de tal jeito que cumpre fugir da atitude de tantas gentes que estám intensamente preocupadas polo que os poderosos ham de pensar ao respeito. Claro que convém irmos mais longe: quando, o passado Outono, nos sentimos na obrigaçom de reclamar um ensino público, gratuito, laico, universal e da qualidade –frente à lógica privatizadora imperante– amiúde esquecemos que há vinte anos adoitavamos criticar agremente, carregados de razom, o ensino público, por entender que este último configurava um elemento central na lógica reprodutora do capital. Devemos recuperar este tipo de consideraçons e incorporá-las ao nosso discurso. 8. Temos motivos suficientes para concluir que, mália certas aparências, as cousas nom vam a pior. Talvez isso seja assim devido à pressom, cada vez maior, que desenvolve o capitalismo globalizado. Mesmo nesse horizonte, por toda a parte se percebe o renascimento de iniciativas de resistência e transformaçom que convidam, como pouco, a um moderado optimismo. Termino como comecei. Os participantes nesta palestra emitimos umhas e outras ideas. Na maioria delas coincidimos; nalgumhas, como era lógico, discrepamos. Pouco importam os acordos e as dissidências, porque o nosso principal problema nom é este: o nosso principal problema consiste em determinarmos que é o que devemos fazer para que esas gentes que estám ai fora, na rua, sintam a necessidade imperiosa de modificar as suas vidas e de contestar a miserenta ordem existente. Porque nós, feliz ou infelizmente, nom podemos contentar-nos com a conclusom, tam habitual no discurso dos políticos, de que aos cidadaos há que falar-lhes das cousas mais imediatas, do custo da vida, dos preços dos alugueres, dos transportes ou das eivas do sistema sanitário. Temos que demandar-lhes precisamente que transcendam eses ámbitos e luitem por transformar as relaçons que explicam tantas misérias. Parafrasando Walter Benjamin, a nossa tarefa é difícil. Temos que arranjar um comboio avariado, mas nom é suficiente com mudar o óleo: devemos conseguir ao tempo que a locomotiva mude de via.
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O debate sobre o futuro da esquerda no mundo, na Europa e em Euskal Herria, é um motivo de preocupaçom e de reflexom permanente em Euskal Herria e, especialmente, no conjunto da Esquerda Abertzale, cuja expressom política é BATASUNA. E é um debate complexo, por abranger tanto o problema da ética como o da luita ideológica, a articulaçom dos diferentes métodos de luita, o modelo organizativo, a política de comunicaçom com a sociedade e, como nom, o modelo de integraçom económica que emana da contradiçom entre Capital e Trabalho no modelo neoliberal e globalizado a que estamos submetidos e submetidas todas e todos. A esquerda deve responder a todos esses reptos de maneira coerente, quer a nível teórico, quer na prática diária que desenvolve, a partir sempre das condiçons objectivas mutantes, e sem esquecer nunca a percepçom subjectiva que delas tem a militáncia e a sociedade que tenciona transformar. Portanto, pretendemos abordar um debate especialmente complexo e necessariamente com muitíssimos matizes. A nossa pretensom é simplesmente fazer umha aproximaçom do mesmo, sem pretendermos resolvê-lo. De outra parte, os que hoje cá estamos presentes, levamos anos a trabalhar esse enorme e complexo espaço social que corresponde à esquerda, por isso nom vamos enganar ninguém. Todos nos conhecemos, quer no que di respeito ao nosso ideário político, quer, e sobretodo, no que toca à nossa prática diária. Nom nos devedes analisar nem acreditar o que dizermos, senom conhecer o que fazemos para conferir se somos coerentes ou nom na nossa prática. Além disso, também somos cada qual, representamos cada qual, o resultado da nossa política, umha vez que o objectivo da esquerda é transformar a sociedade em que trabalha e nom ter razom sem dispor de capacidade de transformaçom. A esquerda nom deve viver no ciber-espaço, na rede, nem se limitar à ediçom de materiais… tem de ser um instrumento de mudança e, portanto, de luita. E esse é precisamente o núcleo do debate da esquerda no mundo: como enfrentar os planos de dominaçom capitalista, tanto mundiais, quanto regionais, estatais ou nacionais. Na América do Sul e na América Central, estám a debater e pôr em prática umha alternativa nom apenas ao Plano Colômbia, à Iniciativa Andina, ao Plano Puebla Panamá, mas à ALCA no seu conjunto. Nesse plano é que se situam modelos e realidades tam diferentes como os de Cuba, Venezuela e Bolívia, ou os do Brasil, Uruguai e a Argentina. Hugo Chávez e Fidel Castro proponhem a ALBA como modelo alternativo à ALCA. Na Colômbia, as FARC e os do ELN mantenhem em pé as guerrilhas. No México, Marcos, agora autoproclamado “delegado zero”, leva avante o seu plano. Som modelos e experiências bem diferentes, mas todas tenhem um denominador comum, fazerem frente ao capital, que é o objectivo da esquerda. Na Europa acontece a mesma cousa, a diferente escala e a diferente velocidade, com certeza. Cá o plano de dominaçom capitalista nom é a ALCA, mas o projecto constitucional europeu. O debate da esquerda lá é como defrontar a ALCA. Cá, o nosso debate é como defrontar o Tratado da Uniom. É verdade que a ALCA e a Constituiçom Europeia nom som a mesma cousa, mas os dous respondem ao mesmo modelo neoliberal de integraçom económico, apenas adaptado ao desenvolvimento capitalista imperante em cada umha das regions mundiais. Tanto lá como cá, nega-se
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Intervençom de Joseba Alvarez a existência dos povos, das suas línguas, das suas culturas, das suas economias, dos seus direitos humanos, civis e políticos, individuais e colectivos… lá, como cá, privatizam-se os sectores estratégicos, os recursos naturais, a energia, os serviços públicos, precariza-se o mundo laboral, deslocalizam-se e re-localizam-se as empresas, mantém-se o analfabetismo e a miséria, exploram-se selvagemente as mulheres e a juventude, maltratam-se os imigrantes legais e ilegais, antepom-se a segurança à democracia, limita-se o direito à liberdade de expressom, luita-se de maneira preventiva contra a dissidência e o suposto terrorismo, até há pouco fenómeno guerrilheiro, fazendo verdadeiro terrorismo de Estado e inclusive a guerra de alta ou baixa intensidade… em definitivo, garantem-se os privilégios de umha minoria, a que acumula os benefícios do capital, explorando a maioria e nom repartindo a riqueza. Isso acontece lá e cá, se bem que o nível e o método seja diferente, mas essas som as características do modelo neoliberal globalizado, que outra cousa nom é que a nova versom do capitalismo. É verdade que o mundo já nom é bipolar; é verdade que unilateralismo norte-americano fracassou, nomeadamente devido à resistência dos povos; é verdade que existem contradiçons internas ao capital, que devemos levar em conta; mas o capital é o capital, cá e lá. É verdade que a velha Europa nom coincide sempre com os EUA, mas a divergência vem mais polo reparto do novo imperialismo do que por umha contradiçom antagónica dos modelos que pretendem ser impostos. E, onde é que ficam as diferentes internacionais políticas de esquerda ou os movimentos traidicionais perante este mundo cada dia mais desequilibrado? O que é que andam a fazer perante a destruiçom do Estado de providência, perante a vulneraçom dos direitos humanos, dos direitos civis, dos direitos sindicais, dos direitos políticos, da democracia tam duramente conseguida pola luita da esquerda e d@s trabalhadores/as no século passado? Onde é que ficam os partidos comu-
nistas…? Onde a social-democracia…? Onde os sindicatos da CES…? O que foi que figérom nas três ou quatro últimas décadas se nom foi abandonar a luita e o ideário socialista e pactuarem todas as reconversons impostas polo capital…? É evidente que fracassárom. Fracassárom porque, para conquistar o poder, abandonárom o seu ideário e a luita, e quando o conquistárom, servírom a e pactuárom com o capital contra os interesses dos trabalhadores. Os indicadores mais evidentes desse fracasso, os mais socializados, embora nom sejam os únicos, som os foros sociais e assembleias dos movimentos sociais que neles se reúnem, quer nas suas ediçons mundiais, quer nas continentais ou locais. Um outro indicador claro desse fracasso da esquerda oficial está na sua falta de capacidade mobilizadora. Todas as últimas grandes manifestaçons internacionais contra a guerra do Iraque, por exemplo, ou todas as contra-cimeiras na Europa ou na América, emanam das assembleias dos movimentos sociais alter-mundialistas: Seattle, Génova, Florença, Edimburgo, Mar de Plata… Por se isto nom fosse suficiente, devemos reconhecer que as centenas de milhares de pessoas que nelas participam nom vem como referentes sindicais ou políticos as organizaçons tradicionais da esquerda, ao ponto de se gerar um claro divórcio entre as estruturas sociais e políticas. A conclusom a que chegamos é que toda a mobilizaçom teórica e social contra o neoliberalismo e a globalizaçom, ou polo menos grande parte dela, estrutura-se fora do espaço da esquerda tradicional, tanto no seu ámbito político quanto no sindical. Existem no mundo milhons de cidadás e cidadaos, antineoliberais, inclusive anticapitalistas, alheios por completo aos agentes da esquerda tradicional, e isso produz-se, além do mais, nos cinco continentes. A resistência ao neoliberalismo e a sua alternativa é muito plural e multicolor, quer nos temários como nos modos de participaçom. Nom queremos dizer com isso que os Foros Sociais sejam umha panaceia, mas sim, sem dúvida nengumha, que som umha clara expressom
do fracasso das organizaçons clássicas da esquerda, e devem por isso ser levadas muito em conta. Som o sujeito principal e reconhecido, inclusivamente contraditório, da luita por um outro mundo, por mais que poda pesar às organizaçons tradicionais da esquerda que continuam a tentar manipulá-los. De se manter esta divisom entre o mundo tradicional da esquerda e os movimentos sociais, a esquerda nom só nom vai renovar-se, como acabará por desaparecer das instituiçons públicas em benefício da direita. Por se fosse pouco, irá fomentar-se no espaço de luita social umha ideologia antipartido, nefasta na situaçom actual, porque som os partidos os únicos representados nas instituiçons e nos processos eleitorais que os conformam. Sem referentes político claro, esse movimento social também está condenado ao fracasso institucional, conclusom a que já chegárom os zapatistas no México, motivo que os levou a mudar de estratégia para criarem um movimento político que reagrupe toda a massa social alheia à esquerda tradicional reunida em torno do PRD ou do PT, sem falar de sectores progressistas do PRI. Um claro expoente do que afirmamos produziu-se em pouco tempo em dous eventos sociais maiores no Estado francês. O primeiro foi o rejeitamente no referendo do projecto constitucional europeu contra a opiniom das organizaçons da esquerda tradicional, tanto do ámbito político como no sindical. E a outra, os protestos incendiários das “banlieu” ou bairros periféricos das grandes cidades galas. A crise política e social aberta entre a classe política e a sociedade a que pretendem representar é maiúscula e transversal, tanto na esquerda como na direita. A crise política no Estado francês nom é territorial como no Estado espanhol, é ainda pior e ninguém consegue nem está legitimada para a resolver, nem a LCR, nem o PCF, nem o PSF à esquerda, nem a UMP à direita… Essa crise está a desenvolver-se na Europa toda, e só tem duas alternativas. A primeira, a criaçom de umha nova esquerda que termine de enterrar a tradicional,
algo que os sectores mais combativos propugnamos, BATASUNA está nessa aposta junto a um numerosos grupo de organizaçons, ou esse espaço altermundialista se converterá em espaço de luita das esquerdas tradicionais, mas com espírito eleitoralista, o qual, além de ser um desastre, acabaria por dividi-lo em benefício do capital e a direita.
Contributo da experiência basca Euskal Herria, espaço de luita e de alternativa desde há mais de quarenta anos, nom só é um laboratório para a luita “contra insurgente”, mas também um espaço de avanço para a nova esquerda e, além disso, tem sido em todo este tempo. A Esquerda Abertzale tem sido e é ainda hoje, inovadora em muitos aspectos. Foi a própria ETA que pujo os alicerces do nacionalismo moderno em Euskal Herria há mais de quarenta anos. Face ao nacionalismo conservador, confissional e até racista do PNB, a ETA propujo um nacionalismo revolucionário anti-étnico, lacio e socialista, baseado na língua e a cultura e nom na raça ou a religiom. Do pensamento da ETA surgírom com o passar do tempo as organizaçons bascas de esquerda como LKI (LCR basca), EMK (MCE basco), KAS, EHAS (socialistas bascos) ou Herri Batasuna, além de grande parte do tecido social e associativo basco, como as ikastolas, as gau estolas de AEK, as associaçons vicinais, os comités de bairro, muitíssimos comités de empresa, os comités anti-nucleares… se bem o juiz Garzón nom tem razom quando afirma que todo é ETA, sim é verdade que sem o contributo ideológico da ETA na década de sessenta, todo o que tem criado o movimento independentista basco, hoje nom existiria ou seria residual. O contributo histórico que a ETA fijo há mais de trinta anos, assinalando, contra o que pregava grande parte da esquerda tradicional internacional, que a luita de libertaçom nacional e a luita pola libertaçom social som dous lados da mesma moeda, marcou o devir da Esquerda Independentista Basca, além do confronto com todos os representantes políticos e
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sindicais da esquerda tradicional, a começar polo PCE e CCOO. No mesmo sentido, quando se produziu a transiçom, a esquerda independentista basca optou por nom criar um partido político, cousa que figérom todos os outros, mas criar umha unidade popular, plural, democrática e assemblear, expressom política do movimento social basco, um instrumento eleitoral e institucional para e ao serviço do movimento social e popular basco: HERRI BATASUNA. Para nós, o movimento social é o equivalente à água para o peixe. Essa é umha das principais razons que explicam hoje, quase trinta anos mais tarde, que a ilegalizaçom de BATASUNA nom implique a desapariçom da esquerda independentista basca que tivo de mudar de referente político institucional várias vezes nos últimos anos, tentando evitar o assédio do Governo de Madrid: Herri Batasuna, Batasuna, AuB, HZ… Inclusive quando EHAK ofereceu as suas siglas nas últimas eleiçons autonómicas ao Parlamento de Gasteiz, mais de 150.000 pessoas votárom com boletins comunistas com a fouce e o martelo sem nengum problema, apesar de nom ser comunistas na maioria dos casos, ainda que sim de esquerda. Sem movimento social de base fundamental e estratégico, todo isso teria sido impossível. Como conseqüência desta maneira de pensar e agir, em todos estes anos todas as iniciativas políticas de importáncia que lançou a Esquerda Independentista Basca, como som a Alternativa KAS (1975), a Alternativa Democrática (1995), Lizarra-Garazi (1998), Udalbiltza (1998), Foro de Debate Nacional (2000) e a Proposta de Anoeta (2005), por citarmos as mais importantes, sempre tivérom umha forte participaçom directa sindical e social, além de Bastasuna. Sempre fôrom, som e serám, iniciativas partilhadas do conjunto da Esquerda Independentista, e nom unicamente de BATASUNA. Portanto, até hoje, em Euskal Herria evitou-se, em grande medida, o divórcio entre o movimento social, o movimento sindical e o movimento político, e todo isso num cenário onde a repressom, a luita armada da ETA e a política institucional do PNB criárom sempre um clima político e social tenso e complicado. Hoje, após mais de trinta anos de luita pola libertaçom nacional e pola transformaçom social de Euskal Herria, depois de termos superado duas legislaturas do Partido Popular, quer dizer, após termos ganho a guerra de desgaste e da ilegalizaçom de inúmeras organizaçons políticas e sociais bascas, decidimos passar da resistência à construçom nacional, porque consideramos que criamos em Euskal Herria as condiçons políticas necessárias para a mudança. Por isso, no fim de 2005 e começo de 2006, em plena ilegalidade, realizamos um debate na militáncia da Esquerda Independentista basca em que tomárom parte directamente mais de sete mil pessoas, e polo menos outras tantas de maneira indirecta, para estabelecermos as bases do modelo de país que vamos oferecer nos próximos anos à sociedade basca. O debate chamou-se “Euskal Herria ezkerritik eraikz” (Construindo Euskal Herria a partir da esquerda). Nom vamos apenas resolver finalmente de maneira negociada o conflito histórico que o nosso país vive, por inúmeros entraves que nos forem colocados no caminho, como apostamos por ganhar a maioria social, sindical, política e institucional que nos permita construir umha outra Euskal Herria, a socialista, que nom só é possível, como necessária, se nom quigermos desaparecer como Povo no século XXI. Eis o melhor contributo que podemos fazer a partir de Euskal Herria a essa imensa luita popular mundial contra o neoliberalismo e a globalizaçom. Eis a nossa maneira de pensar no global e agir no local.
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As perspectivas da esquerda para o século XXI som seguramente muito duras. Há 50 anos, nós, comunistas, imaginávamos o século XXI como umha alvorada do socialismo mundial, alastrando imparavelmente a partir da Uniom Soviética. A vida ensinou-nos que a construçom do socialismo é muito mais complicada do que supúnhamos e que o estertor da agonia do sistema capitalista é mais prolongado e sangrento do que podíamos entom imaginar. Estamos em dificuldade, mas nom por falta de argumentos a nosso favor. A voracidade dos centros capitalistas, a decomposiçom moral da sociedade burguesa, a bestialidade da “guerra infinita” aos povos subjugados, com os EUA a seguir as pisadas da Alemanha hitleriana e a CIA transformada na Gestapo do ”mundo livre”, dispensam-nos de muito do nosso esforço de explicaçom. O mal está à vista de tod@s. A social-democracia, polo seu lado, tem cada vez menos espaço para fazer flores de esquerda. Quando governa é com a política de direita. Em Portugal temos agora um governo “socialista” que aplica o programa de espoliaçom d@s trabalhadores/as que os anteriores governos de direita nom tinham sido capazes de impor. Temos razom, mas isto nom basta para ganharmos as massas para o nosso campo. Para isso, falta-nos explicar, polo menos, duas cousas: primeira, o que será essa sociedade socialista de que falamos, sem patrons, sem mercado, sem concorrência, sem guerras; segunda, como conseguiremos reunir forças para lá chegar, isto é, como seremos capazes de desmantelar o Estado burguês e expropriar a burguesia. Por nom saber explicar nem umha cousa nem a outra, a esquerda atravessa um longo período de crise, de isolamento, de cisons e de reconstruçom. Naturalmente, também eu nom tenho resposta para estas questons. Mas podo falar-vos de três doenças que tenho observado na esquerda portuguesa e que julgo que som hoje gerais.
O medo de parecer umha seita Na situaçom péssima a que a esquerda chegou, instalou-se a ideia de que o que interessa é falar daquilo que pode agradar à maioria, abandonar os temas difíceis ou demasiado “ideológicos”, nom fazer figura de extremista, tornar-se umha espécie de comissom de melhoramentos. Em Portugal, o Bloco de Esquerda lançou-se a aplicar essa receita e temse dado muito bem: em poucos anos, ganhou um grupo parlamentar, um deputado europeu e é citado como exemplo de “esquerda moderna”. Os meus antigos camaradas exultam porque já ninguém lhes chama “seita de iluminados”. “Sabendo crescer, mesmo à custa de algumas concessons, dim eles, amanhá teremos força para aplicar um programa anticapitalista”. Mal sabem eles que estám a repetir umha “descoberta” da velha social-democracia que Rosa Luxemburgo comentava assim: “Os social-democratas alemáns tentam aplicar à revoluçom a sua sabedoria caseira: ‘Para conseguir fazer algumha cousa, precisamos primeiro de ganhar a maioria’. Mas a dialéctica da revoluçom é oposta. O avanço nom se fai da maioria para a táctica revolucionária, mas através da táctica revolucionária para a maioria”. Som grandes palavras estas, plenamente confirmadas polo partido bolchevique russo. Considerado umha seita em Fevereiro de 1917 devido ao radicalismo das suas posiçons, oito meses depois conduzia milhons de trabalhadores à tomada do poder. Eu sei que foi há muitos anos, mas ainda nom apareceu nengu-
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Intervençom de Francisco Martins Rodrigues Três doenças da esquerda na luita contra a guerra imperialista colaboramos com o PCP, sem dúvida a força mais à esquerda no leque partidário. Mas quando o PCP conduz os operários de umha grande fábrica à conciliaçom com o patronato, ou quando apresenta (como fijo agora) umha proposta de lei para que sejam dadas mais verbas às forças de segurança –aí combatemo-lo sem contemplaçons. A defesa de umha política revolucionária nom implica isolamento sistemático; exige sim umha participaçom independente em todas as acçons em que haja interesses comuns. Como dizia Lenine, “atacar juntos, marchar separados”.
O medo de ajustar contas com o passado mha experiência que desmentisse a justeza do leninismo. Com isto nom quero dizer que devemos ficar na toca a escrever proclamaçons, à espera que chegue o dia da revoluçom. De modo nengum. Só conservaremos a nossa identidade de revolucionári@s se intervinhermos diariamente na luita, com realismo, flexibilidade e abertura a outras correntes. É o que nós, da Política Operária, com a nossa pequenez, procuramos fazer. Nesse caso, qual é a diferença que nos separa da outra esquerda? A diferença é que recusamos fazer política com os olhos nos votos e nos subsídios. Vemos nas reivindicaçons e acçons diárias um meio de ajudar as massas a descobrir pola luita a sua razom e a sua força, um meio de cavar o antagonismo entre oprimidos e opressores –nom um meio de ganharmos popularidade fácil e lugares nas instituiçons. Gostemos ou nom, somos umha fortaleza assediada, em tremenda desvantagem debaixo do fogo inimigo. Com conversa mole e panos quentes nom iremos longe. A nossa única saída é falar claro, ser agressivos na denúncia do sistema, incutir desprezo polo inimigo, porque só assim formaremos umha corrente combativa. Na situaçom contra-revolucionária como a que se vive hoje na Europa, um partido de esquerda nom pode ser um partido de massas. Ou goza das vantagens de se instalar no sistema, ou sofre as conseqüências de ser revolucionário. Somos umha força estranha ao sistema, que a burguesia procura invariavelmente eliminar – a tiro, como fazia no tempo do fascismo, ou a dinheiro, como fai agora. Amanhá, quando surgir umha situaçom revolucionária, entom sim, a esquerda poderá e deverá crescer. Por agora é bom nom entrarmos em pánico por ser um partido “marginal”.
O medo de parecer “ortodoxo” O mundo mudou, e de que maneira! O proletariado já nom é o que era, crescem as novas classes médias, desaparecem os camponeses, surgem novas exigências, a vida social é muito mais complexa. Daqui partem muitos para a conclusom de que a política de classe contra classe, proletariado contra burguesia, já nom se aplica. Lenine, com a sua crítica impiedosa a todas as correntes intermédias e o seu plano para a conquista do poder, poderia estar certo na sociedade russa, dizem, mas nom serve para o nosso tempo. Experimentemos porém a afastar as ramagens das novidades que fazem andar a cabeça à roda a tantos. Se formos ao tronco da sociedade, ao osso das relaçons entre as classes, o que vemos?
Vemos que, por trás da aparente soberania dos cidadaos através do sistema representativo, a guerra de classes prossegue sem tréguas. O despotismo do capital sobre a vida dos seres humanos nom se afrouxou, polo contrário está a tornar-se asfixiante. A realidade imutável é que há um núcleo restrito que detém o poder apoiado em corpos de homens armados, leis, tribunais, ideólogos; que, abaixo dele, vem um segundo anel de auxiliares de confiança, cuja fidelidade é assegurada com fartos privilégios; mais abaixo, as classe médias, os pequenos patrons, os especialistas, ainda com direito a umhas sobras; e no fundo, o resto, que som os oito décimos da populaçom, a quem cabe a tarefa de fazer andar o carro e para os quais nom há bónus –assalariados de todo o tipo, operári@s, empregad@s, desempregad@s, precári@s, “donas de casa”... Som oito décimos da populaçom, mas como as suas vozes nom tenhem direito a fazer-se ouvir, há quem nom dê por eles. Estes som os factos da vida. Sendo assim, nom vejo como se pode contestar que a única tarefa do partido de esquerda é conferir identidade política e ideológica a essa massa oprimida e silenciosa, mostrar pola acçom diária que os seus interesses som diferentes dos de todas as camadas da burguesia, que a ordem social existente é a causa das suas frustraçons e que é possível mudá-la. Será isto muito cru, demasiado “ortodoxo”? Ou nom será que se passou a chamar “ortodoxia” aos factos brutais desta sociedade para nos descartarmos deles? Digo pois que a tarefa do partido de esquerda é elaborar um corpo de ideias revolucionárias –ideias, argumentos, demonstraçons, nom slogans–, e criar umha vanguarda de revolucionári@s profissionais –revolucionári@s, nom burocratas nem aparatchiks–, que sejam o fermento capaz de fazer subir a tensom revolucionária adormecida nas massas. Se o partido nom servir para isso, nom serve para nada, e mais vale deixar o campo livre aos sindicatos, movimentos cívicos, comissons, intervençom cultural, que, no seu ámbito próprio, defendem os interesses das massas. Preocupam-se alguns porque o partido que manifesta intransigência revolucionária na acçom e na crítica corre o risco de entrar em choque com as outras forças democráticas e progressistas. Mas essa é a condiçom imprescindível para se formar umha corrente revolucionária e para as massas franquearem um passo decisivo –de oposiçom crítica dentro do sistema à oposiçom contra o sistema. Vejam este exemplo: em Portugal,
Bombardeados diariamente com a “falência do comunismo”, julgam alguns que o melhor é evitar o assunto da Uniom Soviética e andar para a frente –como se as conseqüências da maior revoluçom da história se pudessem varrer para debaixo do tapete. Disse-o no início: nom vejo que a esquerda poda recuperar inteireza ideológica e postura ofensiva se nom explicar de forma convincente o que aconteceu. Ora, a posiçom assumida polo PCP (e nom só), exaltando por um lado as “conquistas do socialismo” e admitindo ao mesmo tempo “graves erros e desvios”, pode parecer umha forma de se demarcar do que houvo de negativo sem dar o flanco à campanha anticomunista da burguesia, mas indica umha estranha concepçom do que seja o socialismo. Que a antiga URSS, com as suas nacionalizaçons, planificaçom, medidas sociais, desenvolvimento económico, resistência anti-imperialista, desempenhou até certa altura um papel favorável à luita dos povos nom oferece dúvida. Basta pensar na derrota do nazismo. Mas partir daqui para a considerar socialista é dar um salto no absurdo. Teríamos entom que admitir que o socialismo pode ser compatível com um regime ditatorial, o unanimismo do partido único, o terror policial, o culto do líder supremo, a esterilizaçom da vida intelectual, a regressom de todos os direitos conquistados durante a revoluçom... Teríamos que admitir, sobretodo, que o socialismo poda existir sem o exercício efectivo do poder pol@s trabalhadores/as –ou atribuindo a um partido a representaçom desse poder, o que vem a dar no mesmo–, e esta aberraçom é verdadeiramente o que pensam os nostálgicos da antiga Uniom Soviética. Partido representante da pequena burguesia “esclarecida” e “amiga do povo”, o PCP nom consegue conceber o socialismo senom como um capitalismo de Estado, um “poder popular” sob tutela. Vende aos trabalhadores a trágica deriva da revoluçom de 1917, tornada inevitável apenas polo atraso económico-social da Rússia, como se fosse umha lei da “transiçom para o socialismo”. Procura, com essa miragem, amarrálos à menoridade política e desviá-los do verdadeiro objectivo da sua luita– a instauraçom da sua ditadura de classe sobre a burguesia, a edificaçom de umha autêntica democracia do Trabalho. Esta é outra das doenças da esquerda que temos que combater frontalmente para recuperarmos a iniciativa na luita contra o capital.
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X ANIVERSÁRIO
Intervençom de Carlos Morais O título escolhido nesta ocasiom para as Jornadas Independentistas Galegas poderia semelhar um mais daqueles estéreis debates que a finais do século XX, após a queda do muro de Berlim e posterior implosom da Uniom Soviética, estivérom tam em voga entre diversos sectores da esquerda confundida e assustada, a que, sem suficiente reflexom e perspectiva, identificou erroneamente o final do modelo do socialismo soviético com o fracasso do marxismo e do comunismo, assumindo os postulados de Fukuyama e os falazes prognósticos do fim da história. E, portanto, optou precipitadamente pola via mais cómoda: a do abandono das bandeiras que o movimento obreiro foi levantando em mais de 150 anos de luita de classes, e a simultánea capitulaçom e integraçom na lógica de exploraçom, dominaçom e opressom imposta pola ditadura burguesa, normalizando a sua participaçom no modelo da economia de mercado e a democracia parlamentar. Porém, nesta ocasiom, três lustros depois daqueles acontecimentos que contribuírom para abalar o mundo, desta vez em sentido inverso aos factos narrados setenta anos antes por John Reed, procuramos realizar umha paragem no caminho, “estamos em guerra, mas há que reflectir”, para analisarmos e reafirmarmos quais som os desafios e as necessidades da esquerda do século XXI que defendemos @s comunistas galeg@s. Antes de introduzir-nos em cheio na questom que hoje nos convoca, cumpre manifestar que existe umha interligaçom dialéctica entre os desafios e as necessidades da esquerda do século XXI. Os desafios estám vinculados com as necessidades, e as necessidades nom se podem compreender e superar sem interiorizar os desafios. Hoje, neste mundo globalizado, de caos sistémico, de guerra aberta e sem quartel do capitalismo contra os povos, contra a classe trabalhadora e as mulheres, de furioso imperialismo no sentido mais criminoso do conceito, de militarismo extremo e genocida, de destruiçom sistemática das conquistas sociais e laborais em aras desse totem chamado competitividade, de estrangulamento das liberdades sob a justificaçom do combate antiterrorista, de reforçamento do patriarcado e de todos aqueles mecanismos que submetem a mulher; a esquerda, lamentavelmente, a maioria da esquerda, continua à defensiva, acomplexada, com dificuldades para reagir. Segue instalada nos parámetros da derrota e da claudicaçom. A esquerda, entendida num sentido amplo como o conjunto de forças políticas e sindicais, organizaçons e colectivos sectoriais, os denominados movimentos sociais, assim como todas aquelas ferramentas de que se dota com o objectivo de contribuir para a tranformaçom do presente num sentido de progresso, emancipaçom e justiça, -da qual logicamente devemos excluir os velhos partidos social-democratas e “socialistas” de prática neoliberal-, tem três tarefas urgentes que realizar, três deveres pendentes que superar: Em primeiro lugar, renunciar categoricamente a gerir o presente seguindo os parámetros impostos polo neoliberalismo, ou seja, aplicar políticas socioeconómicas de direita sob um morno palavreado de esquerda, abandonando a sua natureza transformadora. A esquerda com representaçom parlamentar, -salvo contadas excepçons-, embora governe instituiçons municipais,
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regionais, comunidades autónomas, governos estatais, tam só aplica receitas semelhantes, às vezes idênticas e mesmo até em ocasions mais agressivas, às dos partidos tradicionais da burguesia. Ou seja: legislando para o patronato com reformas laborais permanentes, privatizando serviços públicos, restringindo ainda mais as raquíticas liberdades e os direitos cívicos, excluindo as maiorias da tomada de decisons. Um diagnóstico rigoroso da maioria destas experiências ditas de esquerda, -basicamente no nosso restrito ámbito ocidental-, conclui que fica reduzida a esporádicas e epidérmicas intervençons que tam só aperfeiçoam a perpetuaçom dos instrumentos de opressom, contribuindo para reforçar o descrédito da política entre os sectores populares. Em segundo lugar, deixar atrás todos aqueles tópicos assumidos como indiscutível dogma, emanados da interiorizaçom do desconcerto e da derrota. A esquerda deve ser capaz de desmarcar-se da rigidez, do mimetismo, da fosilizaçom, dos anacronismos disfarçados de modernidade e futuro em que parece estar instalada. Isto é: deve abandonar a aplicaçom supersticiosa do parlamentarismo burguês como única via plausível, recuperando portanto a movimentaçom de massas, o combate político na rua, empregando, sem excepçons, todos os método de luita em dialéctica sintonia com as condiçons subjectivas sobre as quais age. A esquerda maioritária que conhecemos hoje a nível mundial tem constrangido a sua acçom, e mesmo o seu ser, às eleiçons. Tem entregado a sua alma libertadora ao demo eleitoral. A lógica eleitoral, a conquista de votos a qualquer preço tem absorvido a funçom de combate e movimentaçom, tem fascinado, integrado e subornado as suas elites na perversa lógica da burguesia. Em terceiro lugar, é precisamente a composiçom maioritária de classe das direcçons dos partidos, e mesmo do sindicalismo, com umha afogante presença de quadros pertencentes à pequena-burguesia, que provoca e explica as derivas reformistas e social-democratizantes da esquerda a escala mundial que se venhem agudizando desde há mais de 15 anos. É à classe obreira que compete dirigir a sua própria emancipaçom. Nom necessita, nem deve delegar a direcçom política sobre aquelas camadas mais próximas,
objectivamente mais preparadas e instruídas, -o semiproletariado e a pequenaburguesia-, mas que pola sua natureza de classe sempre tendem à colaboraçom e concertaçom com o Capital. O proletariado continua a ser, é sem lugar a dúvidas, o sector mais avançado e objectivamente mais capaz do povo trabalhador para exercer de vanguarda nas mudanças sociais. Sem estas três premisas, nom é possível exercer umha política de esquerda. Ou, dito de outro jeito, sem estas três condiçons, nengumha força política, sindical ou social, por muito que se autodefinir de esquerda, poderá merecer este qualificativo, e muito menos aplicar políticas ao serviço das maiorias oprimidas. Poderá ser esquerda na simbologia, poderá ser esquerda nas siglas, poderá ser esquerda nas origens, na trajectória e na sua particular experiência histórica, mas carecerá do mais importante e definitivo: umha coerente acçom teórico-prática, digna e definitória deste qualificativo. A esquerda tem que erradicar esse cancro que como umha metástase tem corroído na última década o cerne do corpo organizado do movimento obreiro e popular: o possibilismo. A realpolitik foi inundando como um letal veneno a consciência média das massas: o descrédito na possibilidade de qualquer perspectiva de transformaçom colectiva e organizada que só a luita pode conferir, reforçando deste modo a resignaçom, a passividade, o conservadorismo, em definitivo: a derrota subjectiva d@s oprimid@s, sejam obreir@s, mulheres, jovens, povos negados, massas deserdadas.
Chegados a este ponto de crítica implacável contra o presente, que esquerda necessitamos? Fugindo de absurdas generalizaçons e incorrectas visons universalistas, consideramos que a reconstruçom da esquerda do século XXI tem umhas tarefas comuns, das quais destacamos: ·Passar à ofensiva contra o Capital, combinando dialecticamente, em funçom de cada conjuntura específica, medidas de resistência, de desobediência, com a participaçom em todos aqueles campos de batalha, -sem nengumha excepçom-, que servirem para avançar na direcçom correcta. Portanto, isto exige deixar de
seguir conduzindo as massas de derrota em derrota, de retrocesso em retrocesso com base em falsas promessas eleitorais. ·Ser capaz de integrar, ser capaz de incorporar à luita do Trabalho contra o Capital, as outras contradiçons consubstanciais ao capitalismo, ou que este incorporou simbioticamente e mesmo agudizou. A opressom das mulheres, nom entendidas como um colectivo minoritário, mais como a juventude ou os desempregados, senom como a metade, e nalgumhas formaçons sociais concretas, mais de metade da força de trabalho social. Sem Feminismo nom é possível construir umha sociedade Socialista merecente deste nome. Ou se o preferirdes assim, sem Feminismo nom há Revoluçom. -Mas também a luita pola autodeterminaçom e a independência naqueles projectos colectivos negados como o galego que padecem umha opressom nacional. -A defesa do meio natural e dum modelo de consumo alternativo à esbanjadora e suicida corrida ao abismo a que o modo de produçom capitalista está guiando o planeta. A crise ecológica global só terá soluçom superando as cuasas que a provocam. -Os direitos sexuais, d@s imigrantes, das minorias esmagadas e oprimidas, recolhendo todas aquelas bandeiras velhas e novas, cómodas ou incómodas, que levantam excluídos, pobres e deserdadas. ·Superar o fetichismo eleitoral, a obsessom polo imediatismo dos votos. ·Renunciar à conciliaçom de classes, à política de negociaçom e adaptaçom às regras impostas pola burguesia. A esquerda deve manter umha fidelidade aos princípios gerais. ·Chamar as cousas polo seu nome, fugindo de eufemismos e maquilhagens da realidade, semelhantes e mesmo às vezes idênticas às que emprega essa imensa bateria de propaganda burguesa que som os grandes meios de comunicaçom de massas. O inimigo da humanidade é o Capitalismo e os seus bárbaros métodos de imposiçom: o imperialismo, o militarismo, a exploraçom. E quem se beneficia disto é essa minoria denominda burguesia ou oligarquia. Temos que combater a inércia e a comodidade intelectual disfarçada de modernidade. As categorias, os paradigmas, os conceitos, as ideias força, ou como quigerdes chamá-lo, empregados polo marxismo revolucionário no século XX,
seguem na sua prática totalidade vigentes neste século XXI. ·Conectar com e defender as reivindicaçons imediatas das massas. A esquerda tem que ser um movimento do presente em íntima relaçom com o futuro. Porém, nom pode renunciar aos objectivos estratégicos, ou seja, cair no imediatismo economicista, mas tampouco centrar-se no estrategismo agitando palavras de ordem correctas, mas desigadas do nível de consciência socialmente compartilhado. Nom temos que inventar luitas especiais, tam só participar em todas aquelas que se desenvolvem diante de nós, imprimindo consciência e enquadrando-as no seu carácter estratégico. ·Defender, promover, impulsionar todas as formas possíveis de democracia socialista. O comunismo, nom as deturpaçons estalinistas e maoistas, deve ser garante, um firme defensor das mais avançadas e aperfeiçoadas formas de democracia popular. Um povo organizado é a melhor vacina contra toda forma ou tendência autoritária, por muito popular e proletária que se declarar. ·Buscar fórmulas de entendimento e convergência entre todos ou polo menos entre o maior número de sectores do campo popular, fugindo de sectarismos e exclusons. As unidades populares som as fórmulas mais acaídas para o avanço da esquerda. ·A luita, hoje igual que há cem ou cinqüenta anos, nom pode ficar reduzida à escala local. A esquerda deve fomentar e aprofundar espaços internacionais de debate, coordenaçom, luita e combate. É urgente construir sólidas ferramentas organizativas supranacionais contra o Capital. Frente à agressom global, a resposta deve ser também global. Há que refundar e reforçar o internacionalismo proletário. Isto tem sido, -com todos os acertos e erros que acompanham umha experiência militante-, o horizonte genérico que provocou o nascimento há agora dez anos de Primeira Linha. A nossa particular trajectória sempre estivo presidida por estas ideias forças. Em muitas ocasions, fomos capazes de acertar e de transmitir correctamente o que defendíamos. Noutras nom estivemos tam acertad@s, nom atinamos, e mesmo erramos, e às vezes nom fomos capazes de reconhecê-lo publicamente. No entanto, como partido comunista, sempre fomos conscientes de que somos um corpo estranho na sociedade burguesa que pretendemos derrocar. Nunca nos acomplexou esta circunstância. Nom exigimos mais reconhecimento que o ganho a pulso polos nossos próprios méritos. Levamos umha década agindo nesta sociedade, tentando demonstrar sobre o terreno que umha outra esquerda nom só é possível, é necessária. Que os contributos teórico-práticas de Marx e Engels, aperfeiçoados e desenvolvidos por Lenine e tant@s outr@s, o que se denomina marxismo-leninismo, nom só nom estám obsoletos como afirmam os apologetas do Capital, som mais necessários do que nunca. Que a máxima luxemburguiana de “Socialismo ou barbárie” está desfasada polos acontecimentios históricos a que nos tem conduzido o capitalismo real. Hoje, mais que do nunca, -basta com subir essas escadas e observar sem paixons e preconceitos o mundo-, só há umha alternativa de futuro “Comunismo ou Caos”.
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Iñaki Gil de San Vicente
Ainda transcorreu mui pouco tempo desde que a ETA começou o seu cessarfogo permanente, e ainda nom dispomos da perspectiva suficiente como para realizarmos umha análise mais precisa. No entanto, sim podemos aventurar algumhas reflexons: 1. É claro que o seu comunicado abriu a caixa de Pandora, quer dizer, deixou as contradiçons, limitaçons, egoísmos e interesses particulares e egoístas de muitas forças políticas ao léu. A razom deve ser procurada tanto no alcance da decisom da ETA, inegável, como, sobretodo, no seu transfondo, nas suas razons estratégicas e nas forças sociais sobre as quais se apoia. Há que ter em conta que a ETA foi e é mais do que umha organizaçom política que se viu na necessidade de recorrer à violência política de resposta. Também é umha força simbólica que arreigou profundamente na consciência colectiva basca; além disso, é parte integrante de umha ampla e dinámica força social, criativa, na expressom mais forte e directa do termo: sem o que é o universo referencial mobilizado e gerado pola luita da ETA, muito dificilmente se teria produzido a impressionante recuperaçom cultural, anímica, psicológica e ético-moral do povo basco, nomeadamente das suas massas trabalhadoras e populares. Decerto há muito por fazer nalgumhas questons decisivas –nom se detivo o recuo do euskara em zonas do nosso país; noutras questons também importantes nom se avançou todo o que se esperava e se necessitava, etc; porém, se comparada a situaçom actual com a de há só meio século, para nom recuarmos mais no tempo, os avanços som apreciáveis. 2. Nengumha análise histórica pode ser sustentada sem um ponto de comparaçom entre fases dentro da realidade sempre móvel das contradiçons sociais. Sem maiores precisons, o ponto de comparaçom mais recente deve ser a situaçom basca há meio século, quando o surgimento da ETA, no meio da passividade das organizaçons antifranquistas, e do activo colaboracionismo da burguesia basca. Na altura, o nosso povo levava mais de século e meio a perder todas as guerras de resistência nacional às invasons espanholas e francesas, e na metade do século XX todo parecia ruir de vez. Parecia que já nom havia qualquer alternativa. De igual modo, a impressionante experiência de luita de classes, de greves operárias e até de insurreiçons armadas, bem como as gloriosas mas fugazes experiências do poder obreiro e popular, todo o acumulado por estas luitas, as últimas das quais fôrom vividas nos mais duros anos de chumbo da triunfante ditadura franquista, todo isto parecia ter desaparecido na década de 50. O mesmo devemos dizer do complexo lingüístico-cultural basco, do folclore e dos costumes, e das tradiçons populares. Em Iparralde, a situaçom também nom era melhor, senom inclusive pior. 3. Foi neste contexto de quase iminente extinçom como povo que o surgimento da ETA colocou com directa e crua sinceridade algumhas questons decisivas: o direito/necessidade da autodefesa e o rechaço do monopólio da violência por parte dos estados; o direito/necessidade à criatividade popular autoorganizada à margem dos aparelhos de poder, para a construçom a partir de baixo, das bases sociais, de umha nova sociedade basca; e o papel chave que em todo isso deviam protagonizar as massas trabalhadoras, sendo inegável que a burguesia nom era por jogar esse papel. Estas e outras
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INTERNACIONAL
Três vitórias desde o cessar-fogo permanente
ETA comunicou 22 de Março cessar-fogo permanente
obviedades, nem surgírom do nada, nem aparecêrom já formadas por completo, expressando umhas constantes históricas e, em simultáneo, fôrom-se formando e enriquecendo na própria luita. A praxe militante foi decisiva, e a legitimidade dessa militáncia que foi conquistando exprimia e sintetizava toda a sua razom histórica. Durante meio século, todas as forças que nunca se arriscárom, que quando se movêrom foi apenas no fim do franquismo e para obterem os seus próprios objectivos para depois viverem do maná do Estado, figérom o impossível para destruir a legitimidade da ETA, ou para a enfraquecer. Mas a realiadde é a realidade: “ETA mata, mas nom mente”, reconheceu Mayor Oreja. 4. A verdade é sempre revolucionária, di um princípio da dialéctica marxista, e quando a ETA deu o seu comunicado sobre o cessar-fogo permanente, irrompeu por mérito próprio, com a força da razom crítica e a crítica inegável da razom militante de meio século de luitas, sacrifícios, heroísmos, derrotas e vitórias, avanços e estagnamentos; meio século que na realidade sintetizavam duas longas centúrias. E quem tem pechinchas, regalias, e direitos exclusivos e excludentes, sentírom vertigem e medo nom só porque se iniciasse umha etapa nova dentro de umha continuidade, que também, mas sobretodo porque compreendêrom que o negado, reprimido e perseguido durante anos aparecia à luz pública graças à paciente acumulaçom de legitimidade social. 5. A birra histérica do PP e o gaguejar ansioso da UPN, os nervos e o baralhamento inicial do PNB, a face boquiaberta de IU, a incerteza de EA, a lamentável e amarga cegueira de Aralar, a cautela oportunista da Igreja, o suor do patronato, as precipitaçons dos media do sistema, e até a insegurança contida do PSOE; todo isto e mais estalou aos poucos segundos de ser conhecido o comunicado da ETA. Tinha-se produzido a primeira –mais umha- vitória desta organizaçom política, porque se bem era vox populi que qualquer cousa estava para chegar, foi só acontecer e produzir-se um sismo que desman-
chou as falsas verdades construídas durante décadas. Já nada era igual que um segundo antes e o inomeável, quer dizer, a razom histórica de um movimento global que estrutura a sociedade basca a partir mesmo do seu interior, isso de que nom se podia fazer porque era proibido, abriu as portas e as janelas para que na podre casa da submissom e a cobardia fosse arejada a dignidade de quem nunca se ajoelhou. 6. A esta primeira vitória da ETA sucedia-lhe dali a pouco umha outra segunda. Apesar de que aos poucos segundos do terramoto os agentes mais preparados da imprensa e dos partidos principiárom umha sistemática campanha de doutrinamento segundo o qual era a fraqueza da ETA que a tinha obrigado a dar este passo; ou seja, que a ETA estava derrotada, contodo, a realidade negava este conto. Durante meses antes, a ETA tinha passeado polo Estado e por Euskal Herria a colocar bombinhas aqui e acolá, a demonstrar umha consistência, força e visom teórico-política que desautorizava a mentira da sua fraqueza. Mais do que isso, o facto de as suas acçons nom terem feito mortes precisamente quando mais se endurecia o sistema repressivo espanhol; o facto de as suas bombinhas serem apenas isso, uns poucos gramas de explosivos, quando podiam ter sido de vários quilos com efeitos devastadores em resposta à vingativa repressom espanhola em odioso ascenso; semelhante frieza política numha praxe tam arriscada como a luita política armada, demonstrava todo o contrário do dito pola propaganda oficial. Demonstrava, antes de mais, que atrás das acçons existia umha lúcida e metódica estratégia política. Tem sido algo tam manifesto durante três anos que todas as mentiras sobre a derrota da ETA fôrom afundadas. 7. Esta segunda vitória viu-se reforçada e confirmada, além do mais, pola coerência demonstrada pola esquerda abertzale nestes anos, com destaque para o acontecido após o comunicado e durante o pouco tempo transcorrido desde esse momento. O Estado e o PSOE, com o apoio do PP
e da fiel imprensa, sem menosprezar os méritos de umha IU que fai a funçom de bordom do PSOE em todo o que di respeito à repressom, endurecêrom, alargárom e intensificárom os seus ataques à esquerda abertzale. Necessitam que a sua gente e a gente alienada julgue que a esquerda abertzale apoia este passo da ETA por fraqueza ou medo. Já que é óbvio que nom foi derrotada, polo menos que alguns acreditem que a esquerda abertzale sim está a ser derrotada e vencida. Mas nom se trata apenas de recuperar posiçons na guerra propagandística, que também; procurase, fundamentalmente, enfraquecer praticamente a esquerda abertzale para dificultar o mais possível o bom desenvolvimento da estratégia anunciada e sintetizada na Proposta de Anoeta. Eis o objectivo que está no fundo da repressom do Estado e do PSOE, e também para o PNB, que sabe que deve enfraquecer a esquerda abertzale e, para isso, deu via livre ao mais reaccionário da Ertzaintza. A desprezível actuaçom do PNB e da Ertzaintza inscreve-se nesta lógica da obediência a Madrid e à pechincha autonomista. 8. E aqui é que se produz precisamente a terceira vitória da ETA, consistente na socializaçom de que o processo aberto será complexo, prolongado, tenso, com altos e baixos e com agressons repressivas. De facto, todos os processos similares tenhem sido assim. Só as rendiçons incondicionais som automáticas, e por enquanto o poder espanhol nom vai render-se nem reconhecer os direitos bascos, nem de outros povos e classes sociais. O PSOE, com Rodríguez Zapatero como o seu porta-voz, já dixo publicamente que seria um processo longo, duro e tenso; fijo-o para avisar a sua gente, a burguesia e o espanholismo de que iam ir cendendo aos poucos, resistindo em todo o que pudesse, enfraquecendo no possível o avanço da libertaçom basca. Há um princípio da estratégia militar que di que o requisito imprescindível para que umha retirada nom degenere numha debandada caótica é que se mantenham sempre, além da disciplina, um número de combates e contra-ofensivas locais que avivem
a moral das tropas em retrocesso. O PSOE e o Estado aplicam este princípio: cederemos fazendo-lhes todo o dano possível. Espanha abandonou Cuba depois de ter exterminado várias centenas de milhares de cubanos. 9. Mas, ao contrário que a advertência do PSOE, a da ETA, a dizer aparentemente o mesmo, é de signo oposto. A terceira vitória da ETA consiste em avisar que a mobilizaçom popular é a única via que pode impulsionar este processo até o fim porque as forças conservadoras e reaccionárias porám todos os obstáculos possíveis. Enquanto a advertência do PSOE é defensiva, a da ETA é ofensiva no duplo sentido de manter a iniciativa e de impulsionar a mobilizaçom social. Umha crítica injusta e parcial do reformismo de esquerdas à ETA sempre foi que a sua luita armada paralisava a gente e rompia a autoorganizaçom popular. Além de a experiência passada ter demonstrado o contrário, a experiência actual confirma novamente a vitalidade da dialéctica da interrelaçom de todas as formas de luita, de maneira que umha forma táctica, por exemplo a luita armada, pode passar à inactividade porque outras tácticas nom armadas se reforçárom entretanto, passando a serem as mais efectivas a partir de umha dada altura. A advertência da ETA de que o processo será longo indica que há que continuar a fortalecer e alargar a autoorganizaçom a escala nacional basca com espírito criativo, de avanço, ofensivo e nom defensivo, nom passivo. Tratase de umha vitória muito importante, porque garante o aumento da certeza da vitória, da auto-estima colectiva, da moral de luita e da consciência de que somos nós, é o nosso povo, que deve dirigir o seu futuro. 10. As três vitórias nom som irreversíveis. Enquanto produtos de luita, por isso mesmo podem ficar abocadas à pántano da derrota se o processo nom continuar a avançar. Devem ser reforçadas por outras que se produzirám com o tempo, e inclusive podem e devem materializar-se num salto significativo na vertebraçom do nosso povo mediante novas instituiçons nacionais que ultrapassem a actual segmentaçom imposta polos estados que nos oprimem. Naturalmente, nestes poucos dias decorridos, também tenhem ocorrido falhas, lacunas e vazios que devem ser corrigidos e preenchidos; mas falar sobre estas novas situaçons exige, além de um outro artigo, também e sobretodo um debate colectivo no interior do nosso povo e da esquerda abertzale. Nom nos enganemos: um dos segredos que explicam os êxitos bascos radica na essência colectiva da praxe de libertaçom, algo inerente à ETA e à identidade do movimento independentista. Continuemos a exercitar esse saudável pensamento colectivo antes de outra elucubraçom individual qualquer. Iñaki Gil de San Vicente é militante comunista da esquerda abertzale
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Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua do Home Santo 29, 4º A. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 / www.primeiralinha.org Conselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correcçom lingüística: Galizaemgalego. Maqueta: ocumodeseño. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 22 de Abril de 2006 Correspondência: Rua do Home Santo 29, 4º A. 15703 Compostela. Galiza. Correios electrónicos: sgprimeiralinha@primeiralinha.org / primeiralinha@primeiralinha.org / Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta. Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados. Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997
Fraternidade comunista presidiu comemoraçom do X Aniversário de Primeira Linha Ao longo deste ano 2006, o nosso partido comemora os seus dez primeiros anos de vida, com diversos eventos que testemunham a consolidaçom do projecto comunista, independentista e antipatriarcal que representamos. No dia 22 de Abril, num conhecido restaurante compostelano, umha ceia-acto políticofesta serviu para juntar um bom número de camaradas, junto a companheir@s de organizaçons irmás e amig@s do partido. Foi um acto emocionante que começou polas 20’30 horas e que reuniu militantes que participárom, há dez anos, na fundaçom do nosso partido, junto a outros e outras incorporadas ao longo destes dez anos ao trabalho de construçom do partido comunista que o povo trabalhador galego necessita. Depois da ceia de confraternidade numha sala completamente lotada, começou o acto propriamente político, com intervençons de camaradas e inclusive ex-camaradas que, tendo abandonado o nosso partido por diversos motivos, nom quigérom deixar de estar presentes e tomar a palavra para mostrar a sua adesom ao projecto libertador que Primeira Linha, hoje como há dez anos, representa. Assim, Marcos Lopes Martins, fundador do partido e actualmente afastado da sua disciplina, foi o primeiro a tomar a palavra. Pedro Vila, Paulo Rico, André Seoane, Sérgio Pinheiro, Abraám Alonso… todos eles destacados dirigentes do nosso partido, em diversas etapas da última década ou na actualidade, junto a comunistas que, apesar da sua juventude, exercem destacado trabalho em diversos movimentos sociais, juvenis, estudantis, etc, como Rebeca Bravo, Maria Sanches ou Sabela Agrelo. Diferentes organizaçons irmás de países vizinhos enviárom também a sua saudaçom fraterna neste dia tam especial para as comunistas e os comunistas galegos: Batasuna, do País Basco; Endavant (OSAN) e MDT; dos Países Cataláns; o colectivo comunista Política Operária, de Portugal; e o presidente da Cámara Municipal de Belém (Palestina), Víctor Batarseh, remetêrom escritos que fôrom lidos e ovacionados pol@s presentes. A seguir, foi a vez das delegaçons de entidades sociais e políticas galegas convidadas e assistentes ao acto na capital compostelana. Tomárom a palavra: Bernardo Penabade, pola Associaçom Galega da Língua (AGAL); Senim Gonçales, pola organizaçom estudantil independentista AGIR; Antia Marinho, em representaçom da organizaçom juvenil da esquerda independentista, BRIGA; Xavier Moreda, em nome da Comissom pola Memória Histórica do 36, de Vigo; Lois Peres Leira, da Corrente Trabalhadores Galegos polo Socialismo; Roberto Laje, pola Corrente Vermelha; Laura Ogando, representando as Mulheres Nacionalistas Galegas (MNG); Gema Branco, pola Direcçom Nacional de NÓS-Unidade Popular; e José Colaço, do Comité Nacional do Partido Comunista do Povo Galego (PCPG). As últimas intervençons correspondêrom ao camarada Igor Lugris, polo Comité Central do nosso partido, e finalmente ao secretário geral de Primeira Linha, o nosso camarada Carlos Morais. A última fase da velada correspondeu à festa, garantida polo bom ánimo das numerosas pessoas presentes e a boa música de José Constenla, Tino Baz e o Grupo de Música Tradicional Avelaína, de Salvaterra de Minho. A celebraçom estendeu-se até passadas as três da madrugada e serviu para fortalecer os laços de irmandade comunista nom apenas no seio do nosso partido, mas com os companheiros, companheiras, amigos e amigas que nos honrárom com a sua presença nesta data tam especial para a nossa história partidária.
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Visons parciais do desenvolvimento da velada
Íria Medranho
Marcos Lopes
Pedro Vila Tábuas
Paulo Rico
André Seoane
Sérgio Pinheiro
Abraám Alonso
Rebeca Bravo
Maria Sanches
Sabela Agrelo
Bernardo Penabade
Senim Gonçales
Antia Marinho
Xavier Moreda
Lois Peres Leira
Roberto Laje
Laura Ogando
Gema Branco
José Colaço
Igor Lugris
Carlos Morais
José Constenla
Tino Baz
A celebraçom estivo presidida polo ambiente festivo em todo momento. Actuaçom do Grupo de Música Tradicional Avelaína
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