Vozeiro de Primeira Linha
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Ano XII • Nº 45 • Segunda jeira • Julho, Agosto e Setembro de 2007
Unidade contra Espanha e o Capital
Editorial No titular da capa do anterior número do Abrente dizíamos que sem luita nom há futuro. Nom nos cansaremos de afirmar e de aplicar na nossa acçom teórico-prática que a luita é o único caminho para lograrmos avançar nos direitos, nas melhorias e conquistas concretas, aqui e agora, da classe trabalhadora, das mulheres e da juventude, numha estratégia de libertaçom nacional e social de género. Eis umha das linhas divisórias entre a prática reformista e a revolucionária. A existência de Primeira Linha, como partido comunista de libertaçom nacional, está intimamente ligada a este objectivo: sermos um instrumento útil e eficaz de combate operário, nacional e de género. Somos umha expressom diferenciada, com umhas características, um programa, umha táctica e estratégia próprias, de um movimento mais amplo, o MLNG, compartilhando similares concepçons e objectivos com NÓS-UP, BRIGA, AGIR e entidades, colectivos e centros sociais de carácter local ou comarcal. Este movimento, por sua vez, fai parte de um outro mais amplo, onde existem outras expressons políticas e sociais com que, embora mantenhamos divergências políticas e ideológicas profundas, também compartilhamos boa parte dos objectivos. A pluralidade da esquerda independentista é, pois, umha realidade intrínseca e tangível dos sectores populares que teimamos em construir umha ampla ferramenta de luita e combate independente do autonomismo neoliberal. Fazemo-lo porque é necessário, porque é imprescindível para evitarmos a destruiçom definitiva do projecto nacional galego, e para frear a escalada permanente de retrocessos laborais, sociais e democráticos que padecemos com a ofensiva do capitalismo neoliberal. Somos conscientes de que, para o sucesso e eficácia, para logramos referencialidade, confiança e representatividade sócio-política, é necessário criar espaços e estruturas comuns de intervençom e luita. Sem amplas unidades, nom é viável contar com apoios sólidos, deixarmos de ser marginais e passarmos a ser umha força minoritária e com influência, com capacidade para incidir no modelo de País e sociedade que defendemos. De facto, este objectivo tem consumido boa parte dos nossos esforços de praticamente a nossa génese. A breve, mas intensa, história da esquerda independentista desde 1999 está vinculada com as
diversas iniciativas promovidas por Primeira Linha. O Dia da Pátria unitário desse ano e do seguinte, a unidade de acçom realizada nesse intervalo de tempo, a criaçom das plataformas unitárias comarcais, as APCs, o Processo Espiral, a resposta anticapitalista contra a cimeira da UE em Compostela em 2002, a campanha contra a Constituiçom Europeia em 2004-2005, o processo de concorrer conjuntamente às eleiçons autonómicas de Junho de 2005 com umha candidatura unitária do soberanismo de esquerda, nom se podem entender sem a firme aposta d@s comunistas galeg@s em criar e desenvolver espaços unitários de luita. Sem esta determinaçom e coerente prática política, nom existiriam NÓS-UP, AGIR ou as Bases Democráticas Galegas. A nossa presença nestas iniciativas sempre estivo determinada por duas ideias-força: honestidade e generosidade. Sempre agimos guiad@s coerentemente por estes dous parámetros. O resultado de todas estas iniciativas é bem conhecida, tanto as que tivérom sucesso, como aquelas que nom chegárom a frutificar. A nossa trajectória é sobejamente conhecida. Assumimos com orgulho o percurso realizado, com as luzes e sombras, com os acertos e erros cometidos. Porém nunca ocultamos que qualquer iniciativa tendente a procurar fórmulas de intervençom unitárias, englobadoras das diversas correntes, devia respeitar três princípios inegociáveis e indiscutíveis para contarem com a nossa presença: 1- O carácter de esquerda anticapitalista do projecto soberanista galego. 2- O respeito polo pluralismo político-ideológico. 3- A independência frente ao regionalismo e às diversas variantes do reformismo espanholista. Sob estes eixos explícitos, temos sempre promovido e participado nas iniciativas mencionadas. Porém, tal como temos manifestado em diversas ocasions, nom vamos aderir a nengumha plataforma ou processo negador do carácter de esquerda da luita pola autodeterminaçom ou do pluralismo político, ideológico e organizativo do soberanismo galego. Eis os parámetros irrenunciáveis de Primeira Linha. Sempre que se derem estas condiçons, assumiremos projectos de mínimos, inclusive se estivermos em franca minoria. No caso contrário, nom existem as condiçons mais elementares
Sumário 3 Nom se nota nada André Seoane Antelo
4-5 A ética comunista de Che
Guevara Os valores éticos na sua concepçom do comunismo e na sua crítica do modelo soviético Michael Löwy
6 O Che vive Ana Barradas
7 Portugal: luita de classes, ou paninhos quentes? Vladimiro Guinot
Editorial
para encetar aventuras que estám condenadas ao fracasso. A corrente da qual fazemos parte, tal como as outras existentes, é insubstituível, é essencial para o êxito colectivo da esquerda independentista. Sem nós ou contra nós, nom há a mais mínima possibilidade de construir um amplo e plural movimento social pola autodeterminaçom. Como tampouco haveria condiçons de fazê-lo se outra das correntes ficasse excluída polas draconianas condiçons impostas, que impossibilitassem a sua cómoda participaçom. Confundem-se aqueles que, pretendendo alargar legítimos projectos partidários com ou sem partido, - embora nom coincidentes com o nosso, disfarçam este fim com “altruístas objectivos” em que a retórica pluralista se traduz na exclusom e na beligerância permanente, em que a bem intencionada procura do consenso, na hora da verdade, é simples e pura imposiçom mediante tretas e manobras da pior calanha, em que a síntese de ideias nom passa de umha virtual e hipócrita declaraçom. É óbvio que Primeira Linha está disposta a participar em plataformas contra a reforma estatutária e pola autodeterminaçom. De facto, a que convoca este Dia da Pátria é fruto de um processo que nós contribuimos para iniciar, por muito que teimem em negar, ocultar ou minusvalorizar aqueles que pretendem usurpar ilegitimamente a iniciativa. Participaremos em Causa Galiza sempre que se reconduza a situaçom, sempre
fazer contas sobre quem é ou quem nom é prescindível. Primeira Linha nom vai agir de comparsa de ninguém, como tampouco vai obstaculizar iniciativas condenadas inexoravelmente ao fracasso em questom de tempo. Participamos neste Dia da Pátria, assumindo as condiçons impostas que nom compartilhamos, mas após o Verao nom seguiremos se nom se produz umha mudança profunda na hora de orientar a luita autodeterminista e facilitar a convivência do ronsel de pessoas e entidades que coincidimos plenamente na necessidade de que a Galiza tenha direito a decidir para podermos construir umha República Socialista Galega.
que exista umha clara vontade de cumprir e respeitar com os acordos constituintes. Se nom for assim, connosco nom se pode contar. A nossa participaçom nom é possível a qualquer preço. Com cartas marcadas e sem a mínima honestidade política que deve caracterizar as forças e pessoas que nos situamos nas posiçons anti-sisté-
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micas, nom se dam as condiçons mínimas para avançar. Assim nom é possível caminhar conjuntamente. Temos a consciência tranquila na carência de qualquer responsabilidade neste possível fracasso que agora anunciamos. Tal como se gestou o processo desde os primeiros momentos constatamos mensagens e infames práticas bem conhecidas, tendentes a impossibilitar a presença do MLNG no interior dessa plataforma. Mas quem age de forma tam irresponsável, pensando que está protegido por umha invisível impunidade, algum dia terá que dar a cara, retirar a máscara, e submeter-se ao implacável, mas sempre justo veredicto da História. Os atalhos nunca fôrom eficazes para percursos com um elevado grau de dificuldade. A experiência histórica
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Santiago - A Coruña
do movimento operário, das luitas de libertaçom nacional ou de género estám cheias de exemplos que assim o constatam. O caminho da unidade de acçom do soberanismo galego é tarefa necessária, mas complexa, e nom pode ficar em maos de amadores, de quem tem demonstrado por activa ou por passiva ser contrário ou incapaz de o fazer. Nom se pode agir com fórmulas ultrapassadas, com sectarismo e prepotência, nom se pode pretender protagonizar iniciativas usando tamanhos superiores àqueles que se podem empregar. Poderá haver umha coincidência táctica na hora de excluir a nossa corrente, mas o preço a pagar nom compensa. Erram aqueles que se consideram proprietários da reivindicaçom pola autodeterminaçom e que calculam mal na hora de
É dramático que isto tenha lugar dous anos depois da chegada do tandem PSOEBNG ao governinho da Junta da Galiza. Dous anos depois em que as expectativas e esperanças nas mudanças anunciadas por Tourinho e Quintana se transformárom em decepçom e desmobilizaçom social. A prática demonstrou com os factos do dia a dia o continuísmo das políticas regionalistas e neoliberais aplicadas polo fraguismo nos seus 16 anos de poder absoluto. Frente à irreversível deriva neoliberal e autonomista do BNG, nom é possível mudá-lo a partir do seu interior, nom é viável regenerá-lo a partir de dentro. É mais necessário que nunca reconfigurar a esquerda soberanista para podermos ocupar essa cada vez maior espaço sócio-político orfo que reclama passos firmes e sólidos para levantar com responsabilidade e generosidade umha ampla e plural alternativa. Nós seguiremos empenhad@s nesta tarefa, construindo umha das correntes essenciais para o seu sucesso. Apesar da necessidade objectiva, talvez tampouco poda ser desta vez, mas a convergência será umha exigência que ninguém poderá evitar. Nom temos a menor dúvida. Viva Galiza ceive, socialista e nom patriarcal!
André Seoane Antelo
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actualidade
Nom se nota nada
Nom se nota nada!... Assim, com este slogan de penso para a higiene feminina, é como melhor poderíamos definir a política desenvolvida polo bipartido em relaçom ao que se costuma chamar “relaçons laborais”. Um termo próprio do pensamento oficial, politicamente correcto e que, com certeza, procura ocultar detrás da sua aparente neutralidade todas as tensons geradas pola exploraçom do capital sobre o trabalho. Nom se nota nada que no governo da Junta se sentem representantes de duas organizaçons ligadas historicamente ao movimento operário, umha delas mesmo recolhe o termo “obreiro” nas suas siglas e passa por ser a decana das organizaçons de matriz classista do Estado espanhol. Mesmo passa completamente desapercebido que o Conselheiro de Trabalho, Ricardo Varela, fosse num tempo nom muito afastado um dirigente sindical. E dizemos que nom se nota nada porque de facto é assim. De compararmos os discursos e as acçons que leva avante o bipartido em matéria “laboral” com as empreendidas no seu momento polo PP, temos que concluir que estám inspiradas pola mesma filosofia. E o que dizemos no cenário da CAG é completamente transportável ao cenário estatal. Mas deve-nos surpreender este facto? Bom, se fôssemos uns ilus@s que acreditamos na aparente pluralidade política existente no regime espanhol pois poderíamos ser apanhados por surpresa por esta descoberta. Porém, como nom é esse o nosso caso, o certo é que a cousa era previsível mas nom por isso nom deixa de ser denunciável. Quem conhecer um mínimo da história recente do Estado, sabe que o acordo político que leva à reconfiguraçom do regime franquista na monarquia constitucional bourbónica incluiu toda umha série de subacordos que estabelêcerom quais seriam as regras do jogo no cenário económico. Dentro desses acordos, os conhecidos genericamente como “Pactos da Moncloa”, inclui-se um muito concreto que alicerçou as condiçons sobre as quais deveriam girar num futuro as “relaçons laborais”. Dentro da filosofia do acordo entendia-se que haveria umha corresponsabilidade
entre o Estado, patronato e sindicatos para manter a pax social, comprometendo-se as organizaçons sindicais assinantes (UGT e CCOO) a manterem as reivindicaçons operárias no termo do assumível. O tempo, -embora se passasse por momentos de certa tensom em 1988, 1994 ou 2002-, tem demonstrado a eficiência do sistema enquanto os pactos assinados trinta anos atrás continuam vigorantes. De facto a mesma filosofia que emana dos pactos de 1977 é a que inspira a política laboral levada avante polo governo de Tourinho e Quintana. Umha política em que o fundamental é manter as cousas tranquilas para maior benefício do capital, embora nunca se exprima de um modo tam cru. A questom é tam evidente que até a história quer repetir as mesmas cenas do antigo teatro. Lembremos que nom há nem meio ano, lá polo mês de Fevereiro, Junta, patronato e parte dos sindicatos (CCOO e UGT) assinavam o “Acordo Galego polo Emprego”. Um outro pacto que vinha a manifestar a efectividade do chamado “diálogo social galego”, ou o que vem a ser o mesmo, a transplantar ao cenário autonómico as práticas generalizadas no nível estatal. Lamentavelmente para os assinantes, e afortunadamente para a classe operária galega, na mesa desse pacto faltou umha pata fundamental por parte sindical, já que a CIG levantara-se no 2006 da mesa de diálogo e acordou nom participar do circo. Com esta postura da central sindical nacional as “relaçons laborais” na Galiza continuam a manter a sua singularidade enquanto um dos sindicatos maioritários situa-se à margem da lógica do entreguismo pactista. Assim se manifestou de novo a existência de umha profunda contradiçom dentro do nacionalismo maioritário, já que enquanto a expressom política desse movimento tem entrado plenamente na lógica política da transiçom; o sindicato continua fora de tal lógica. Aguardemos que a contradiçom continue a se agravar e nom se permita umha domesticaçom da central sindical. Mas dizer que com o bipartido nada mudou nom é mesmo que dizer que nom haja mudanças no “ámbito laboral” na
Galiza, ou por ser mais correctos na estrutura de classes do nosso país e na sua dialéctica. Por dizê-lo doutro modo e recorrendo a aquela frase do romance “O Gatopardo”, “mudar todo, para nada mudar”. De facto, ao igual que pretendia explicar o Príncipe de Salina ao seu padre naquela ocasiom, é que através do processo histórico dérom-se umha série de mudanças na estrutura de classes que obriga a fazer umha série de reajustamentos para que as relaçons de poder continuem estáveis. Aconteceu na Sicília do XIX, acontece na Galiza do XXI e de facto acontece em todo lugar e a todo momento. O que ocorre no nosso caso é que o ajudam a fazer Tourinho e Quintana nom é a edificar umha nova estrutura política adaptada à realidade, mas a consolidar a existente antes de esta ruir polo seu próprio peso. As mudanças sofridas na estrutura de classes na Galiza nas últimas décadas som muito mais profundas do que pode parecer com umha simples olhadela. De facto, tal é como advertiu Marx no seu momento, a persistência de certos fetiches e mitos sociais, como o de: “Galiza país rural com umha sociedade dominada pola pequena propriedade agrária”, nom som mais que umha prova de que as mudanças na super-estrutura ideológica da sociedade em muitas ocasions vam detrás das transformaçons na infra-estrutura. Assim hoje na Galiza, que é um país habitado maioritariamente por assalariad@s, mantenhem-se maioritariamente hábitos, comportamentos e crenças próprias de umha sociedade de pequenos proprietários rurais. Mas para entender melhor de que vai o tema revejamos um pouco, mais umha vez qual é a situaçom actual d@s habitantes do país em relaçom ao seu meio de subsistência. Galiza é umha naçom que sofre um estancamento populacional desde há várias décadas polo que para dar os seguintes dados é melhor empregarmos cifras absolutas que som mais impactantes . A Comunidade Autónoma tem hoje Os dados estám tirados do web do Instituto Galego de Estatística (IGE) www.ige.eu
mais ou menos 2.767.000 habitantes, há dez anos a cifra era apenas 40.000 habitantes menos. No mesmo tempo a populaçom ocupada em labores agropesqueiras passou de 230.600 a 103.500; na construçom de 100.890 a 141.100; na indústria de 144.000 a 225.800; e nos serviços de 459.530 a 695.600. Atendendo a sua relaçom respeito à propriedade dos meios de produçom em 1997 havia 271.800 galeg@s que erám empresári@s, autonóm@s ou membros de cooperativas, dez anos depois o número baixou até 245.000. Polo contrário, em relaçom à populaçom assalariada esta passou de integrar 559.700 galeg@s há dez anos até @s 898.000 que a conformamos na actualidade. Finalmente, se cruzarmos os dados de assalariad@s e sector ocupacional o que temos é que o peso do salário como fonte de subsistência cresceu para toda a populaçom galega, inclusivamente para aquela que depende da agricultura ou da pesca, por que se bem caiu o total de populaçom dedicada a estas actividades no nosso país o peso da mao de obra assalariada no sector aumentou. Em definitiva, e para repeti-lo por enésima vez, a Galiza vive nas últimas décadas um processo de transformaçom que a está a converter num país urbano e habitado maioritariamente por trabalhadores/as assalariad@s. Este processo vai acompanhado de umha lógica activaçom económica, que após superar os traumas do desmantelamento das velhas estruturas que sustentavam a indústria naval, a agro-gadaria tradicional e a pesca, leva a umha descida do nível de desemprego e a umha estabilizaçom dos padrons de precariedade. Logicamente, nom é mérito do governo actual que em Maio de 2007 fosse o momento em que o índice de desemprego da Galiza baixasse até o melhor resultado nos últimos 25 anos. Em todo o caso, nom é unicamente só mérito dele mas partilhado por todos os agentes activos em manter o chamado “pacto social”. O sistema precisou no seu momento manter umhas cifras elevadas de emprego e umha maior
taxa de precariedade, hoje as condiçons tenhem mudado. Por dizê-lo de um modo mais claro, Tourinho e Quintana nom fam mais que continuar o começado por Fraga, da mesma maneira que de Suárez a González, de González a Aznar, e deste a Zapatero nom há mais que continuismo no referido a política económica e laboral. Os actores vam mudando mas o roteiro é sempre e o mesmo, e nom é mais que o ditado do capital. Hoje Tourinho ufana-se com a descida do desemprego até 8,5%, da queda dos acidentes laborais graves, mesmo da ligeira descida da temporalidade estancada à volta de 30%. Tourinho quando avalia estes dados lamenta a sua persistência mas considera que a via que indica a sua tendência é positiva. E quando se fam análises deste tipo do governo sempre se insiste na ideia de que som bons indicadores para a economia. O que importa no fundo é que a economia corra bem, apenas isso. Em inícios do mês de Julho deste ano eu próprio lim num panfleto publicitário num escritório do INEM um slogan que vinha a dizer algo assim como “o trabalhador fixo identifica-se mais com os objectivos da empresa”. Evidentemente era umha campanha polo fomento da contrataçom indefinida e o argumento reflectia toda a obscenidade das relaçons capitalistas. O importante nom é garantir que a maioria da populaçom tenha assegurado o seu meio de vida de umha forma estável para que assim poda simplesmente ser mais feliz, mas deve ficar absolutamente claro que a sua felicidade depende do bom funcionamento do sistema capitalista. Para este governo, como para os que o precedêrom, o bem-estar da maioria da populaçom galega nom é mais do que umha condiçom para garantir o bom sucesso no processo de reproduçom e acumulaçom de capital. Parece como se para tod@s @s que passam polas cadeiras de Sam Caetano @s galeg@s só nos apelidamos Tojeiro, Ortega, Rey, Cortizo ou Froiz. André Seoane Antelo é membro do Comité Central de Primeira Linha
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Michael Löwy
Opiniom
A ética comunista de
Os valores éticos na sua concepçom do comun Nom há dúvida que, quarenta anos depois da sua morte, Ernesto Guevara continua a ser umha referência, a escala planetária, para todos aqueles e aquelas que rejeitam a infámia da ordem –imperial e capitalista– estabelecida e acreditam que “um outro mundo é possível”. Há algo na vida e na mensagem do médico/guerrilheiro argentino/cubano que ainda fala às geraçons de 2007. De outro modo, como explicar esta pletora de obras, artigos, filmes e debates? Nom é um simples efeito comemorativo do aniversário: quem se interessava, em 2003, polos cinqüenta anos da morte de José Estaline? Para além da linguagem, da terminologia, de certos temas e obsessons datadas, fica na figura do Che Guevara um núcleo incandescente que continua a abrasar. Isto procede de modo particular para a América Latina. A herança do guevarismo, como sensibilidade revolucionária e como resistência irredutível à ordem estabelecida, resta vigorosa na esquerda radical, e em certos movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Camponeses Sem Terra) do Brasil ou os piqueteros argentinos. A componente guevarista está também bem presente na origem do grupo que forma o EZLN (Exército Zapatista de Libertaçom Nacional). O que está a acontecer na Bolívia, país em que Guevara derramou o seu sangue num derradeiro combate? No seu discurso de investidura presidencial em Janeiro de 2006, Evo Morales rendeu homenagem aos “nossos antepassados que luitárom”: “Tupak Katari para restaurar o Tahuantinsuyo, Simón Bolívar para a grande pátria e Che Guevara para um mundo novo feito de igualdade” . Nas luitas emancipadoras na América Latina, apercebem-se os traços, bem visíveis, bem invisíveis, do pensamento do Che. Está presente tanto no imaginário colectivo dos combatentes, como nos seus debates a respeito dos métodos, da estratégia e da natureza da luita. Pode-se considerar como um dos fios vermelhos com que se tecem, da Patagónia ao Rio Grande, os sonhos, as utopias e as acçons revolucionárias. Sem dúvida, existem muitas razons para esta sobrevivência de Guevara na entrada do século XXI, mas umha delas é certamente a importáncia da dimensom ética na sua vida e pensamento, nos seus escritos e nos seus actos. Eu proponho que se designe por umha ética comunista: “comunista” nom no senso estreito de aderir a um partido político –e menos ainda de partidário da URSS (senso usual da palavra na linguagem da Guerra Fria), aliás na significaçom originária do termo, tal como Marx e Engels a formulam em O Manifesto Comunista de 1848. Umha significaçom que reenvia aos séculos de luitas de classes, e de combates inspirados polo que Ernst Bloch chamava O Princípio Esperança, isto é, o sonho de umha marcha em pé da humanidade. O comunismo de Marx, que era também o de Lenine e Trotsky em Outubro de 1917, de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em Janeiro de 1919, de António Gramsci, de Júlio Mella, de José Carlos Mariátegui, de Farabundo Martí, e de tantos outros pensadores e combatentes, nom pode encerrar-se dentro de algum muro, e ainda menos no que caiu em Berlim em 1989. Antes de Guevara, Mariátegui foi um dos escassos marxistas latino-americanos em atribuir um lugar central à ética na sua Evo Morales Aima, Pour em finir avec l’État colonial, Paris, L’Esprit frappeur, 2006, p. 36.
interpretaçom do materialismo histórico. No seu livro (póstumo) Defensa del marxismo (1930) dedica muitas páginas à funçom ética do socialismo –publicadas em Cuba no primeiro número da revista Tricontinental– que concluem com esta afirmaçom: a ética socialista “nom surge mecanicamente do interesse económico: ela afirma-se na luita de classes, dada com um espírito heróico, umha vontade apaixonada” . Nom sabemos se o Che conhecia este texto de Mariátegui, tam próximo das suas ideias; nom está excluído que o tivesse lido, pois a sua companheira dos anos 50, a jovem peruana Hilda Gadea, lhe emprestara os escritos de Mariátegui. A ética comunista de Che Guevara, humanista e revolucionária, estava fundada em alguns valores essenciais: a liberdade (isto é, a libertaçom de toda opressom política ou económica), a igualdade, a solidariedade entre indivíduos e entre povos, a democracia revolucionária, o internacionalismo. A sua procura de um modelo alternativo vai inspirar, a partir de 1963, a tentativa de formular outra via ao socialismo, mais radical, mais igualitária, mais fraternal. O motor essencial desta procura de um caminho novo –para além de questons económicas específicas, sobre as quais havemos de voltar– é o convencimento de que o socialismo (o comunismo) nom tem senso, e nom pode triunfar, de nom representar um projecto de civilizaçom, umha ética social, um modelo de sociedade totalmente antagónico com os valores do individualismo mesquinho, do egoísmo feroz, da competitividade, da guerra de todos em contra de todos do sistema capitalista, este mundo em que “o ser humano é o lobo do ser humano”. Para Guevara, a construçom do socialismo é inseparável de certos valores éticos, contrariamente ao que proclamam as concepçons economicistas –desde Estaline até Krutchev e os seus sucessores– que nom se interessam mais que polo “desenvolvimento das forças produtivas”. Na sua célebre entrevista com o jornalista Jean Daniel (Julho de 1963) observava, no que seria umha crítica implícita ao “socialismo real”: “o socialismo económico, sem a moral comunista, nom me interessa. Nós luitamos contra a miséria mas, ao mesmo tempo, contra a alienaçom. (…) Caso o comunismo ignore os factos de consciência, pode ser um método de distribuiçom, mas nunca umha moral revolucionária” . Caso o socialismo queira luitar contra o capitalismo e vencê-lo no seu próprio terreno, o terreno do produtivismo e do consumismo, ao empregar as suas próprias armas –a forma mercantil, a concorrência, o individualismo egoísta– está condenado ao fracasso. Nom se pode dizer que Guevara avisou do desabamento da URSS mas, de certa forma, intuiu que um sistema “socialista” que nom tolera as divergências, que nom representa valores éticos novos, que pretende imitar o seu adversário e que nom possui umha outra ambiçom que “alcançar e ultrapassar” a produçom das metrópoles capitalistas, nom tem porvir. De 1959 a 1967, o pensamento do Che evoluiu muito. Afastou-se cada vez mais das ilusons iniciais a respeito do socialismo soviético e do marxismo de tipo soviético, quer dizer, do estalinismo. Numha carta de 1965 a um amigo cubano, criticava duramente o “seguidismo ideológico” que estava a manifestar-se em Cuba com a ediçom de ma Tricontinentale, nº 1, éd. Francesa, 1968, p. 20. In L’Express, 25 de Julho de 1963, p. 9.
nuais soviéticos para o ensino do marxismo –um ponto de vista coincidente com o defendido, nessa mesma época, por Fernando Martínez, Aurelio Alonso e os seus amigos do Departamento de Filosofia da Universidade de Havana e da revista Pensamiento crítico. Estes manuais –que nomeia como “os calhamaços soviéticos”– “tenhem o inconveniente de nom te deixarem pensar: o Partido já fai isso por ti e tu tés de o digerir” . Percebe-se, de modo cada vez mais explícito, mormente nos seus escritos a partir do debate económico de 1963, o rejeitamento crescente do “decalque e cópia” –estou a pensar aqui na célebre fórmula de Mariátegui: o socialismo indo-americano nom será decalque e cópia doutras experiências, aliás criaçom heróica– e a procura de um modelo alternativo. Nom é, pois, por acaso que a posiçom, no que di respeito à questom do socialismo “realmente existente” tomou, depois de 1965, a forma de umha crítica radical de um manual soviético. Trata-se das notas críticas ao Manual de Economia Política da URSS (ediçom em espanhol de 1963) que Che Guevara redigiu, na sua estadia na Tanzánia e em Praga, em 1965-66, após o fracasso da sua missom no Congo e antes de partir para a Bolívia. Há muito tempo, muitíssimo tempo que era esperada a publicaçom desta obra… Durante dezenas de anos, este documento ficou “fora de circulaçom”; logo a seguir à queda da URSS foi permitido consultá-lo a alguns investigadores cubanos, e extrair alguns curtos fragmentos para os seus trabalhos. E é agora, quarenta anos depois da sua redacçom, que se decidiu publicá-lo em Cuba, numha ediçom aumentada que contém outros materiais inéditos: umha carta do Che a Fidel Castro, de Abril de 1965, que serve de Prólogo ao livro, notas sobre escritos de Marx e de Lenine, umha selecçom de conversaçons entre Guevara e os seus colaboradores do Ministério da Indústria (196365) –já parcialmente publicadas em França e em Itália nos anos 70–, cartas a diversas personalidades (Paul Sweezy, Charles Bettelleim), e extractos de umha entrevista com o jornal egípcio El-Taliah (Abril de 1965) . Porque as notas de Guevara nom se publicárom mais cedo? Pode, no limite, compreender-se que, antes do fim da URSS, existissem razons “diplomáticas” para ocultar a verdade. Mais, depois de 1991? O prefácio do livro, de Maria del Carmem Ariet, do Centro de Estudos Che Guevara de Havana, nom explica nada, e limita-se a observar que “este texto foi durante anos um dos mais esperados” do Che. Por fim, este material está agora à disposiçom dos leitores interessados, e é, com efeito, apaixonante. Testemunha à vez a independência de espírito de Guevara, a sua tomada de distáncia crítica em face do modelo de “socialismo realmente existente”, e a sua procura de umha alternativa radical. Mas mostra em simultáneo os limites da sua reflexom. Principiemos por eles: o Che, neste momento –nom se sabe se o seu pensamento neste tema avançou em 1966-67– nom compreendeu a questom do estalinismo. Atribui os becos sem saída da URSS dos anos sessenta a… a NEP de Lenine! Certamente, ele pensa que, se Lenine tivesse vivido mais tempo –ele cometeu o erro de morrer, Esta carta fai parte dos materiais do Che que ficam inéditos por enquanto… Nom figura na colectánea de 2006. Carlos Tablada refere a mesma no seu artigo “Le marxisme du Che Guevara”, Alternatives Sud, vol. III, 1996, 2, p. 168. Ernesto Che Guevara, Apuntes críticos a la economía política. Ocean Press/Editorial de Ciencias Humanas, Havana, 2006.
anota com ironia– teria corrigido os efeitos mais retrógados dessa política. Mas está convencido de que a introduçom de elementos capitalistas pola NEP conduziu para nefastas tendências que observa na URSS em 1963, ao caminhar no senso de umha restauraçom do capitalismo. Todas as críticas de Guevara à NEP nom som sem interesse e, por vezes, coincidem com as da oposiçom de esquerda em 1925-27; por exemplo, quando está a constatar que no curso dos anos 20, “os quadros aliárom-se ao sistema ao constituirem umha casta privilegiada”. Pergunta a si próprio se nom leu Trotsky –que definia a burocracia como umha “casta”–, mais ele nom o menciona em parte algumha nestas notas… Em todo o caso, a hipótese histórica que fai da NEP responsável polas tendências pró-capitalistas na URSS de Brejnev é, às claras, pouco operativa. Excepto um ou dous comentários, as notas ignoram por completo, de um modo simples, o estalinismo e as monstruosas deformaçons que introduziu no sistema económico, social e político da URSS . Este documento –com outros materiais publicados nesta compilaçom de 2006– ao ser ainda pouco conhecido, vamos conceder-lhe um lugar central na nossa discussom da sua concepçom do socialismo. O socialismo para o Che era o projecto histórico de umha nova sociedade, fundada sobre os valores da igualdade, a solidariedade, o colectivismo, o altruísmo revolucionário, o internacionalismo, o livre debate e participaçom popular. Assim como as suas críticas, crescentes, ao modelo soviético pola sua prática como dirigente e a sua reflexom sobre a experiência cubana inspiradas nesta utopia –no senso que dá Ernst Bloch a esta palavra, umha “paisagem-dedesejo”– comunista. Quatro aspectos traduzem concretamente a ética revolucionária de Ernesto Guevara e a sua procura de um novo caminho: o internacionalismo; umha concepçom da construçom do socialismo que opom a solidariedade ao indiviualismo mercantil; a questom da livre expressom dos desacordos, e a perspectiva da democracia socialista. Som os dous primeiros que ocupam o lugar principal das suas reflexons: os outros dous –estreitamente ligados– estám muito menos desenvolvidos, com lacunas e contradiçons. Mas estám, contodo, presentes nas suas preocupaçons e na sua prática política. Nom se encontra, nos seus escritos, um pensamento acabado, sistemático, sobre estas questons: muitas pistas, aberturas, janelas que dam para “um outro mundo possível” .
1.- O internacionalismo socialista Há umha frase de José Marti que Guevara gostava de citar nos seus discursos e em que via “a bandeira da dignidade”: “Todo ser humano verdadeiro deve sentir sobre a sua face a pancada dada a nom importa que outro ser humano”. A traduçom política desta dignidade é o internacionalismo. Já agora, o internacionalismo é umha necesi Guevara, Apuntes críticos…pp. 27, 12, 195. Janette Habel observa, com razom: “Longe das deformaçons estalinistas, as premissas do Che eram humanistas e revolucionárias… Mas é verdade que punha o acento em excesso na crítica económica, sobre o peso das relaçons mercantis e insuficientemente sobre o carácter policial e repressivo do sistema político soviético”. (J. Habel, Prefácio a M. Löwy, La pensée de Che Guevara. Paris, Syllepse, 1997, p. 11). Fernando Martínez Heredia tem razom ao sublinhar: “o inacabamento do pensamento do Che (…) mesmo tem aspectos positivos. O grande pensador está a assinalar problemas e caminhos (…), ao exigir dos seus camaradas pensar, estudar, combinar a prática e a teoria. É impossível, quando se assume realmente o seu pensamento, dogmatizá-lo, convertê-lo noutro bastiom especulativo e noutro depósito de frases e receitas”. F. Martínez, “Che, el socialismo y el comunismo”, in Pensar el Che, Centro de Estudios sobre AméricaEditorial José Martí, Havana, 1989, tomo II, p. 30. Ver também o seu livro com o mesmo título Che, el socialismo y el comunismo, Havana, Premio Casa de las Américas, 1989.
dade, um imperativo estratégico no combate contra o imperialismo –é o tema central da sua Carta à Tricontinental (1966)–, mas é, também, umha alta exgigência moral: internacionalista é quem for capaz de “experimentar a angústia quando um homem é assassinado em qualquer parte do mundo e celebrar quando se ergue em qualquer parte umha nova bandeira da liberdade”; o que sente “como umha afronta pessoal toda agressom, toda afronta à dignidade e à felicidade do homem, nom importa em que parte do mundo” . No seu célebre “Discurso de Argel” (Fevereiro de 1965), Che Guevara exigia dos países que se reclamavam do socialismo “liquidar a sua complicidade tácita com os países exploradores de Ocidente”, que estava a traduzir-se em relaçons de intercámbio desigual com os povos em luita contra o imperialismo . Este assunto volta muitas vezes nas Notas Críticas sobre o Manual Soviético. Enquanto os autores desta obra oficial gabam “a ajuda mútua” entre países socialistas, o antigo Ministro da Indústria cubano está obrigado a constatar que esta nom está a corresponder-se com a realidade: “A presidir o internacionalismo proletário os actos dos governos de cada país socialista (…) isto seria um êxito. Mas o internacionalismo foi substituído polo chauvinismo (de grande potência ou de pequeno país) ou o submetimento à URSS (…). Isto fere (atenta contra) todos os sonhos honestos dos comunistas do mundo”. Algumhas páginas mais adiante, num comentário irónico a umha afirmaçom do Manual a respeito da divisom do trabalho entre países socialistas, fundada sobre umha “fraternal colaboraçom”, Guevara observa: “A gaiola de grilos (olla de grillos) que é o CAME10 desmente tal asseveraçom na prática. O texto está a referir-se a um ideal que poderia estabelecer-se somente com umha verdadeira prática do internacionalismo proletário, mas está lamentavelmente ausente hoje”. No mesmo senso, noutro fragmento constata, com amargura, que nas relaçons entre países que se reclamam do socialismo se encontram “fenómenos de expansionismo, de intercámbio desigual, de concorrência, mesmo um certo ponto de exploraçom e certamente de submetimento dos Estados fracos aos fortes”. Numha palavra, quando o Manual fala da necessidade do Estado para “a construçom do comunismo”, a crítica coloca esta questom retórica: “pode construir-se o socialismo num só país?”. Mesmo se Trotsky em modo nengum é mencionado nestas Notas, nom se pode outra cousa que certificar a analogia entre esta advertência e as posiçons da oposiçom comunista de esquerda de 1927… Outra nota interessante vai no mesmo senso: Lenine, observa o Che, “afirmou com claridade o carácter universal da revoluçom, cousa que de seguida foi negada” –umha referência transparente ao “socialismo num só país”, mas, mais umha vez, nom é questom de estalinismo11.
2.- Por um socialismo da fraternidade A solidariedade é um vector político e moral tanto para as relaçons entre povos como entre indivíduos: trata-se de momentos dialecticamente inseparáveis. No mesmo Ernesto Guevara, Textes politiques, Paris, Maspero, 1970, pp. 118, 137. Ernesto Che Guevara, Obras 1957–1967. Paris, François Maspero, 1970, tomo II, p. 574. 10 Conselho de Ajuda Económica Mútua, umha espécie de Mercado Comum dos países do “socialismo real”. 11 Apuntes críticos…pp. 130, 190-191, 228.
opiniom
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
e Che Guevara
nismo e na sua crítica do modelo soviético 3.- A liberdade de discussom
discurso de Argel, Guevara insistia: “nom pode existir o socialismo se nom operar nas consciências umha mudança que conduza para umha nova atitude fraternal com a humanidade, tanto a nível do indivíduo, na sociedade em que se constrói ou que constrói o socialismo, como a nível mundial, em relaçom com os povos que estám a sofrer a opressom imperialista”12. O socialismo nom é unicamente umha mudança económica, mas também umha profunda revoluçom moral e cultural –que Guevara designa com o conceito de “homem novo”– em ruptura com o utilitarismo egoísta e mercantil da civilizaçom do capital. Ao analisar no seu ensaio de Março de 1965, O socialismo e o homem em Cuba, os modelos de construçom do socialismo dominantes na Europa oriental, rejeitava a concepçom que pretendia “vencer o capitalismo com os seus próprios feitiços”: “Ao perseguir a quimera de realizar o socialismo com a ajuda das armas poluídas que nos legou o capitalismo –a mercadoria tomada como célula económica, o rendimento, o interesse material individual como alavanca, etc, pode desembocar-se numha via sem saída. Para construir o comunismo, é preciso, ao mesmo tempo que a base material, criar o homem novo”13. Este “homem novo”, portador de umha consciência revolucionária, nom pode desenvolver-se se nom for a partir de valores como a solidariedade e a igualdade. Um documento apaixonante sobre a evoluçom das ideias do Che Guevara som as actas das discussons periódicas que mantinha com os seus colaboradores do Ministério da Indústria. Longos extractos destas actas figuram no mesmo volume, publicado em 2006 em Havana, que as notas críticas sobre o Manual soviético. Despois de umha discussom em Dezembro de 1963, o camarada ministro observava: “O comunismo é um fenómeno de consciência e nom somente um fenómeno de produçom; nom se pode chegar ao comunismo pola simples acumulaçom mecánica de quantidades de produtos postos a disposiçom do povo. Nom se pode chegar ao que
Marx definia como comunismo (…) se nom existir um ser humano consciente”14. Num debate de Dezembro de 1964, o Che volta sobre a questom da ausência de igualdade verdadeira no “socialismo real”. Um dos principais perigos do modelo importado dos países do Leste europeu era o aumento da desigualdade social e a formaçom de umha minoria privilegiada de tecnocratas e burocratas: neste sistema de distribuiçom “som os directores os que ganham cada vez mais. Basta ver o último projecto da RDA, a releváncia que assume a gestom do director, ou melhor, a retribuiçom da gestom do director”15. Esta questom preocupa-o até o mais alto grau, a tal ponto que a menciona de novo numha carta a Fidel Castro de Abril de 1965 (um pouco antes da sua partida de Cuba) –também publicada, pola primeira vez, na colectánea de 2006– onde ele fai referência ao “interesse material dos dirigentes, princípio da corrupçom”16. O fundo do debate, em 1963-66, à vez com os partidários da “lei do valor no socialismo” -um dogma de Estaline defendido no debate económico cubano por Charles Bettelheim, e contestado por Ernest Mandel– e mais tarde, com as afirmaçons do Manual soviético, era um confronto entre umha visom economicista –a esfera económica como sistema autónomo, regida polas suas próprias leis, como a lei do valor ou as leis do mercado– e umha concepçom política e moral do socialismo, isto é, a tomada de decisons económicas –as prioridades produtivas, os preços, etc. –segundo critérios sociais, éticos e políticos. As proposiçons económicas de Guevara –a planificaçom contra o mercado, o sistema orçamental de financiamento, os estímulos colectivos ou “morais”– tinham como objectivo um modelo de construçom do socialismo fundado nestes critérios e diferente, portanto, do soviético.
A liberdade como valor ético é, para Ernesto Guevara, primeiro que toda a libertaçom em relaçom à dominaçom do capital e a alienaçom mercantil; segundo as Notas críticas ao Manual, trata-se de “libertar o ser humano da sua condiçom de cousa económica”17. O que se passa com a liberdade de expressom das divergências? Um aspecto político importante do debate económico dos anos 1963-64, que merece ser alegado, é o facto mesmo da discussom. Quer dizer, o reconhecimento de que a expressom pública dos desacordos é normal num processo de construçom do socialismo. Noutros termos, a legitimaçom de um certo pluralismo democrático na revoluçom. Esta problemática está apenas implícita no debate económico. Guevara nom a desenvolveu de forma explícita ou sistemática. Mas a sua atitude, com diversas retomadas no curso da década de 60, mostra que era favorável ao livre debate, e ao respeito da pluralidade de opinions. A modo de exemplo, numha das discusons com os seus colaboradores (Dezembro de 1964) dirige-se ao seu principal adversário no debate económico cubano, o comandante Alberto Mora : “Faltam ao trabalho de Alberto duas cousas. Ou que nos demonstre que nous avons tort (que estávamos enganados) –o que em modo algum pode ser mau– ou entom que demonstre a si próprio que nom tem razom, o que nom pode ser tampouco mau. Tanto num caso como no outro (Cualquiera de las dos cosas) vai enriquecer-se qualquer cousa que é bastante pobre e que precisa de um trabalho suplementar”18. Outro exemplo interessante é o seu comportamento a respeito dos trotskistas cubanos, com quem nom partilhava de nengum modo as análises (criticou-nos com dureza em diversas ocasions). Em 1961, numha entrevista com um intelectual da esquerda norte-americana Maurice Zeitlin, Guevara denunciou a destruiçom, pola polícia cubana, das placas de impressom de A Revoluçom Permanente de Trotsky, como um “erro” que “nom deveria ter lugar” e alguns anos mais tarde, pouco antes de abandonar Cuba em 1965, ele conseguiu tirar da cadeia o dirigente trotskista cubano Roberto Acosta Hechevarria, a quem manifesta, antes de o deixar com um abraço fraternal: “Acosta, as ideias nom se matam a golpe de matraca”19. Nom obstante, a sua reflexom mais importante neste terreno é a sua resposta –no debate de Dezembro de 1964 com os seus camaradas do Ministério da Indústria já mencionada– a crítica de certos soviéticos, que o acusavam de defender ideias “trotskistas”. “Neste tema, penso que, ou bem temos a capacidade de destruir com argumentos a opiniom contrária, ou bem debemos deixar que se expresse. Nom é possível destruir umha opiniom à força, pois esta bloqueia por completo o livre desenvolvimento da inteligência. Assim, no pensamento de Trotsky podem assumir-se umha série de cousas, mesmo se, como eu penso, está equivocado nas suas concepçons, e a sua acçom posterior foi equivocada” Guevara ajusta ironicamente que os soviéticos o tratárom de “trotskista”, ao aplicar-lhe esta etiqueta como um “Sam Benito” –isto é, o hábito com que a Inquisiçom em Espanha 17 Ibid., p. 130.
14 Apuntes críticos…, p. 270-271.
18 Ibid., p. 377.
12 Obras II, p. 574.
15 Apuntes críticos…, p. 372. Umha parte destas actas já fora publicada em italiano no jornal Il Manifesto e traduzida para francês sob o título “Le plan et les hommes”, num volume organizado em 1972: Ernesto Che Guevara, Oeuvres. Paris, Maspero, 1972, vol. VI, Textes inédits, p. 90.
13 Obras II, pp. 371-372.
16 Apuntes críticos…, p. 10.
19 “Interview with Maurice Zeitlin”, in R. E. Bonachea and N. P. Valdes (ed), Che: Selected Works of Ernesto Guevara. MIT Press, 1969, p. 391 and “Am Interwiew with Roberto Acosta Hechevarria”, in Gary Tennant, The Hiddem Pearl of the Caribbean: Trotskysm in Cuba. London, Porcupine Press, 2000, p. 246. Segundo Roberto Acosta, Guevara prometera-lhe que um dia, no futuro, as publicaçons trotskistas seriam legalmente permitidas em Cuba (p. 249).
cobria os hereges no momento de os conduzir à fogueira…20 Talvez nom seja um acaso que a defesa mais explícita da liberdade de expressom e a crítica mais directa de Guevara ao autoritarismo estaliniano venha de manifestar-se no terreno da arte. No seu célebre ensaio O Socialismo e o Homem em Cuba (1965) denuncia o “realismo socialista” de feitio soviético como imposiçom de umha forma de arte –a que “entendem os funcionários”. Com este método, sublinhava, “está a suprimir-se a autêntica procura artística” e está a impor-se “umha verdadeira camisa de força à expressom artística”21.
4.- A democracia socialista A democracia, ou o anti-autoritarismo, era também um valor ético importante para Che Guevara. Já agora, nunca elaborou umha reflexom teórica sustentada a respeito do papel da democracia na transiçom ao socialismo –talvez a maior lacuna da sua obra–, mas rejeitava as concepçons autoritárias e ditatoriais que prejudicárom a tal ponto o socialismo do século XX. Aos que pretendiam, por cima, “educar o povo” –falsa doutrina já criticada por Marx nas suas Teses sobre Feuerbach de 1845 (“quem vai educar os educadores?”), respondia, num discurso de 1960: “A primeira receita para educar o povo (…) é a de o fazer entrar na revoluçom. Nunca convém tentar educar um povo para que, unicamente por meio da educaçom, e um governo despótico por cima, aprenda a conquistar os seus direitos. Ensinade-lhe, antes de mais, a conquistar os seus direitos, e este povo, umha vez representado no governo, aprenderá todo quanto lhe for ensinado, e muito mais: ele será o mestre de todos, sem esforço nengum”. Por outras palavras: a única pedagogia emancipadora é a auto-educaçom dos povos pola própria prática revolucionária –ou, como escrevia Marx em A Ideologia Alemá (1846), “na actividade revolucionária, a mudança de um mesmo coincide com a transformaçom das condiçons”22. As notas críticas redigidas em 1966 sobre o Manual de Economia Política soviético vam no mesmo senso: “O terrível crime histórico de Estaline “foi” o de ter desprezado a educaçom comunista e instituído um culto ilimitado da autoridade”23. Mágoa que nom desenvolvesse esta ideia … Guevara rejeita a democracia burguesa, mas –apesar da sua sensibilidade antiburocrática e igualitária– está longe de ter umha visom clara das relaçons entre socialismo e democracia. Em O Socialismo e o Homem em Cuba, reconhece que o Estado revolucionário pode equivocar-se e provocar assim umha reacçom negativa das massas populares, o que o obriga a rectificar –o exemplo que refere é a política sectária do Partido sob a direcçom do quadro estaliniano Aníbal Escalante em 1961-62. Contodo, aponta que “é evidente que este mecanismo nom basta para assegurar umha sucessom de medidas razoáveis: falta umha ligaçom mais estruturada com as massas”. Num primeiro momento, parece encontrar umha soluçom numha vaga “interrelaçom dialéctica” entre os dirigentes e as massas. Nom obstante, umhas páginas mais à frente, avisa de que o problema está longe de ter achado umha soluçom ajeitada, que permita um controlo democrático efectivo: “Esta institucionalidade da Revoluçom ainda nom tivo êxito. Nos
estamos a procurar algo novo (…)24. No curso do debate económico de 196365, a sua principal limitaçom neste terreno era a insuficiência da sua reflexom sobre a relaçom entre democracia e planeamento. Os seus argumentos em defensa da planificaçom e em contra das categorias mercantis som muito importantes e cobram nova actualidade frente à vulgata neoliberal que domina hoje com a sua “religiom do mercado”. Mas deixam na sombra umha questom política chave: quem decide as grandes opçons do plano económico? Quem determina as prioridades da produçom e do consumo? Sem umha verdadeira democracia –isto é: a) pluralismo político; b) livre discussom de prioridades e c) livre eleiçom para a populaçom entre as diversas proposiçons e plataformas económicas propostas –a planificaçom transforma-se inevitavelmente num sistema burocrático, autoritário e ineficaz de “ditadura sobre as necessidades”, como o mostra sobejamente a história da ex-URSS. Por outras palavras: os problemas económicos da transiçom ao socialismo som inseparáveis da natureza do sistema político. A experiência cubana dos últimos trinta anos revela, ela também, as conseqüências negativas da ausência de instituçons democráticas/socialistas –mesmo se Cuba tivo êxito ao evitar as aberraçons burocráticas e totalitárias de outros Estados do assim nomeado “socialismo real”. Quem deve planificar? O debate de 1963-64 nom respondeu a esta questom. É neste tema que se encontram os avanços de mais interesse nas notas de 1965-66. Ao criticar umha vez mais o modelo soviético escreve: “Em contradiçom com umha concepçom do plano como decisom económica de massas conscientes dos interesses populares, oferece-se um placebo, em que só os elementos económicos decidem sobre o destino colectivo. É um procedimento mecanicista, anti-marxista. As massas devem ter a possibilidade de dirigirem o seu destino, de decidirem qual é a parte da produçom que irá à acumulaçom e qual será consumida. A técnica económica tem de operar nos limites destas indicaçons e a consciência das massas deve assegurar a sua aplicaçom”. Este tema é retomado em diversas ocasións: os obreiros, escreve, o povo em geral, “decidirám sobre os grandes problemas do país (taxas de crescimento, acumulaçom/consumo), mesmo se o plano é obra de especialistas”25. (25) Pode criticar-se esta separaçom em excesso mecánica entre as decisons económicas e a sua execuçom, mas por estas formulaçons Guevara está a aproximar-se consideravelmente da ideia de planificaçom socialista democrática, tal como, por exemplo, a formulava Ernest Mandel. Nom extrai todas as conclusons políticas –democratizaçom do poder, pluralismo político, liberdade de organizaçom–, mas nom se pode negar a releváncia desta visom nova da democracia económica. Podem-se considerar estas notas como umha etapa importante no caminho do Che Guevara de cara a umha alternativa comunista/democrática face ao modelo (estalinista) soviético. Um caminho brutalmente interrompido polos assassinos bolivianos ao serviço da CIA em Outubro de 1967. 24 E. Che Guevara, Obras II, pp. 369, 375. 25 Apuntes críticos…, pp. 132-133, 183.
20 Apuntes críticos…, pp. 369-370. Em francês, Oeuvres VI, p. 86-87. 21 E. Guevara, Obras II, p. 379. 22 E. Guevara, Obras II, p. 87. 23 Apuntes críticos…, p. 195.
Michael Löwy é teórico marxista, especialista na questom nacional e no Che Guevara, e militante da LCR francesa.
Evoluçom de um pensamento Na primeira etapa cubana da sua vida, Che Guevara acreditava ainda sem reservas na capacidade de o Partido Comunista Cubano conduzir a revoluçom, nom tendo consciência da distáncia que separava esse partido das tarefas de umha autêntica revoluçom proletária, socialista. Dizia entom: “Nom se pode estar com a Revoluçom e contra o Partido Comunista Cubano. A Revoluçom e o Partido Comunista avançam juntos.” Nunca se eximindo a qualquer missom, foi chefe das forças armadas, presidente do banco nacional de Cuba, responsável polas indústria, planeamento e reforma agrária. Conduziu também as necessárias medidas de repressom aos contra-revolucionários e representou Cuba nas relaçons internacionais (1959-1965). Entretanto, as suas concepçons sofrêrom alteraçons ao longo do tempo. Em 1960, os Estados Unidos decretárom o embargo comercial a Cuba e a crise dos mísseis soviéticos marcou a primeira grande discordáncia do Che com a linha que acabou por ser seguida polo executivo cubano. Considerou umha traiçom a retirada polo Kremlin da base de mísseis em Cuba e começou a fazer comentários favoráveis sobre a revoluçom chinesa. Ao voltar de umha viagem a Moscovo em 1964, nom compareceu ao Congresso dos Partidos Comunistas da América Latina em Havana. Passando a dedicar-se mais às tarefas internacionais, estabeleceu contactos com os dirigentes progressistas africanos e fijo viagens a diferentes países do continente. As suas críticas ao sistema soviético tenhem sido postas em surdina por Cuba, mas som umha realidade documentada nos seus escritos. Elas traduzem o crescente mal-estar de Che Guevara em relaçom aos dirigentes do país que na época era tido por muitos como modelo do socialismo mas cuja conciliaçom com o imperialismo norte-americano começava a causar alarme entre os revolucionários e os povos em luita. A sua desilusom foi-se tornando cada vez mais evidente. Enquanto Fidel tomou a defesa da Uniom Soviética na ruptura sino-soviética, louvando a política de ‘coexistência pacífica’, o Che postulava que só a guerra de guerrilhas poderia enfrentar o imperialismo na América Latina. Enquanto o objectivo pragmático de Fidel era consolidar a economia cubana e garantir a sua sobrevivência política –e para isso precisava do apoio da URSS– o Che estava mais interessado em propagar a revoluçom socialista e fazia apelos em favor da luita armada dos povos oprimidos. Em Dezembro de 1964, quando foi a Nova Iorque para discursar perante a Assembleia Geral da ONU, Che Guevara encontrou-se com Malcolm X, que lhe falou do seu projecto de criar umha brigada de voluntários negros afro-americanos para ajudar os guerrilheiros congoleses. Meses depois, Malcolm X foi assassinado, mas a ideia nom morreu. À medida que a natureza conservado-
Ana Barradas
Ernesto Guevara, jovem inquieto, viajou extensamente por toda a América do Sul e, médico recém-formado, começou a manifestar preocupaçom pola miséria e exploraçom dos mais pobres, deixando já adivinhar o seu futuro empenhamento na subversom revolucionária. Iniciou-se na luita política primeiro na Guatemala e em seguida no México, onde foi influenciado polas ideias marxistas, através da sua primeira mulher, a peruana Hilda Gadea, e outros exilados políticos. Depois de conhecer Fidel Castro e os rebeldes cubanos, aderiu ao plano de insurreiçom e partiu com eles para Cuba (1951-1959). Argentino de origem, sentia-se de facto latino-americano e fijo-se cubano por adopçom. Mergulhou a fundo, sem hesitar, na luita armada dos revolucionários da Sierra Maestra pola conquista do poder. Durante a guerrilha prestou tais provas de coragem e espírito combatente que foi nomeado comandante e membro do Comité Central. Tivo um papel importante nas primeiras tarefas do novo regime, que se reclamava do marxismo-leninismo.
Opiniom
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
O Che vive
ra e as necessidades do modelo cubano de pseudo-socialismo chocavam com o apelo de Guevara a umha luita intransigente contra o imperialismo, a sua honestidade intelectual ia-o levando numha rota de colisom dentro do regime cubano, ideologicamente subordinado ao “irmao mais velho” e mostrando sinais evidentes de burocratismo. Acusado de ser ora trotskista, ora maoísta, considerou que o seu papel em Cuba estava esgotado e no começo de 1965 decidiu partir. “Renuncio formalmente aos meus cargos na Direcçom do Partido, do meu posto de ministro, do meu grau de comandante, da minha condiçom de cubano”, escreveu numha carta secreta que entregou a Fidel e que este deveria tornar pública se ele morresse. E acrescentava: “Outras terras do mundo reclamam a ajuda dos meus modestos esforços. [...] Deixo o povo que me adoptou como a um filho; umha parte do meu coraçom está destroçada. Nos novos campos de batalha manterei […] o espírito revolucionário do meu povo, a sensaçom de cumprir o mais sagrado dos deveres: luitar contra o imperialismo onde ele se encontre. […] Repito que descarrego Cuba de toda a responsabilidade, excepto a inspirada polo seu exemplo”. Logo a seguir, no célebre Discurso de Argel, em Fevereiro de 1965, criticou abertamente a política externa da URSS pola primeira vez em público. “Cremos que é com este espírito que se deve enfrentar a responsabilidade de ajudar os países dependentes e que nom se chame comércio de vantagem recíproca aquele que é baseado nos preços que a lei do valor e as relaçons internacionais fundadas numha troca desigual, fruto da lei do valor, imponhem aos países atrasados. Como pode significar benefício mútuo vender a preços de mercado mundial as matériasprimas que custam suor e sofrimento inauditos aos países atrasados e comprar a preços de mercado mundial as máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas da actualidade? Se estas som as relaçons, os países socialistas som de certo modo cúmplices da exploraçom imperialista. Pode-se argumentar que o montante das trocas com os países subdesenvolvidos constitui umha parte insignificante do comércio externo desses países. É umha grande verdade, mas nom elimina o carácter imoral da troca. Os países socialistas têm o dever moral de liquidar a sua cumplicidade tácita com os países exploradores de Ocidente. (...) “Nom pode existir socialismo se nas consciências nom se operar umha mudança que provoque umha nova atitude fraterna para com a humanidade, tanto de índole individual, na sociedade em que se constrói ou está construído o socialismo, como de índole mundial em relaçom a todos os povos que sofrem a opressom imperialista.” Os soviéticos acusárom o Che de “desvio ideológico” e figérom-no saber a Fidel Castro. Este pediu-lhe que regressasse imediatamente a Cuba para acabar de umha vez por todas com a duplicidade do discurso político cubano. Mas Guevara, ainda em Argel, viajou para o Cairo e Pequim, onde esperava demonstrar com um acordo comercial “revolucionário e desinteressado” com a China como tinha razom nas suas acusaçons contra a URSS. Mao recebeu-o muito bem mas nom se comprometeu com nada. Logo a seguir, sempre obcecado com a solidariedade com os povos do mundo, Guevara partiu para o Congo e retomou a luita armada ao lado dos rebeldes que procuravam derrubar o regime de Tshombé entre Abril e Novembro de 1965. Entretanto, em Outubro de 1965, Fidel Castro tornara pública a carta de despedida que Guevara lhe entregara antes de partir. O Che reagiu dizendo: “Esta carta só devia publicar-se depois da minha
morte. Nom é agradável ser enterrado em vida. Intencionalmente ou nom, varrêrromme da cena internacional”. Desiludido com as incoerências dos chefes da insurreiçom congolesa (“Esta é a história de um fracasso. (...) mais exactamente, a de umha decomposiçom”), mais umha vez resolveu partir. Escreveu nessa altura: “Durante estas últimas horas no Congo, sentimme só como nunca me tinha sentido, nem em Cuba nem em nengum outro sítio, ao longo da minha vida errante por todo o mundo. Poderia dizer: nunca como hoje, neste momento, sentim até que ponto o meu caminho é solitário”. Passou quatro meses em Dar es Salam, na embaixada de Cuba. Obrigado à clandestinidade desde que se tornara pública a sua carta a Fidel, passou outros quatro meses em Praga antes de voltar a entrar em Cuba, disfarçado e sob anonimato. Apesar das reticências dos soviéticos e a instáncias de Che Guevara e do líder marroquino Mehdi Ben Barka, a V Conferência da Tricontinental foi realizada em Havana em Janeiro de 1966. A sua finalidade principal foi a de incrementar ao máximo os movimentos revolucionários, coordenar a forma de realizá-los e fortalecer o apoio moral e material para os tornar mais efectivos. A caminho da Bolívia e em paradeiro nom conhecido, Guevara enviou umha mensagem à Tricontinental, em que assinala: “A América, continente esquecido polas últimas luitas políticas de libertaçom, que começa a fazer-se sentir através da Tricontinental, na voz de vanguarda dos seus povos, que é a revoluçom cubana, terá umha tarefa de muito maior relevo: a criaçom de um, dous, três Vietnames em todo o mundo”. O Che foi para a Bolívia para desencadear a luita armada, apesar de lhe ser negado o apoio do Partido Comunista boliviano por se ter recusado a ficar sob as ordens da estrutura partidária. A aventura boliviana desenrolou-se em condiçons muito piores que as do Congo e muitos retiram da leitura do seu Diário da Bolívia a ideia de que se tratou de umha espécie de suicídio consciente. Feito prisioneiro, ferido e assassinado por ordem directa da CIA, morreu como guerrilheiro em 9 de Outubro de 1967.
O marxismo do Che Alguns pontos caracterizam a interpretaçom singular que Che Guevara fijo da sua
experiência como revolucionário, conjugada com as suas noçons de marxismo: – Humanismo revolucionário – o amor à humanidade oprimida, o desejo de combater a miséria, a injustiça e a exploraçom do proletariado devem guiar todas as acçons do combatente pola libertaçom. – A luita armada – é à vanguarda que cabe influenciar a marcha dos acontecimentos, dentro do que é objectivamente possível. A guerrilha, fruto da acçom consciente da vanguarda, é fundamentalmente o motor da mobilizaçom e o gerador da consciência revolucionária e do entusiasmo combativo das massas populares. O único modo de obter como resultado umha revoluçom socialista é a luita armada; e esta deve ser encabeçada pola guerrilha. – O homem novo – a revoluçom nom é só umha transformaçom das estruturas sociais ou das instituiçons do regime; é umha transformaçom profunda e radical das pessoas, das consciências e das relaçons sociais. No partido, esse homem novo é o quadro; ele nom é um simples transmissor de palavras de ordem ou de reivindicaçons, mas um criador que ajudará no desenvolvimento das massas e na informaçom dos dirigentes. – O internacionalismo – o Che já tinha dito, em Argel: “O desenvolvimento dos países que se comprometem na via da libertaçom deve ser pago pelos países socialistas.” É fácil de concluir que o internacionalismo guevarista estava mais dirigido para o Terceiro Mundo que para a ideologia comunista ortodoxa de Moscovo. Influenciado polas ideias maoístas, acreditava que a luita pola independência total dos continentes africano, sul-americano e asiático estava na vanguarda do combate contra o imperialismo. O Che fundiu o marxismo com a sua visom idealizada da revoluçom como acto de vontade dos revolucionários, independentemente da estrutura económico-social de cada país. Nunca questionou a natureza real do Estado soviético – como aliás a generalidade das correntes comunistas da época – convencido que estava da simples existência de vícios burocráticos, aburguesamento dos dirigentes, desprezo polo sofrimento das massas, etc. E assimilava esses factores também às limitaçons da revoluçom cubana, ao imaginá-la
socialista e nom nacional-burguesa, como de facto era. Nom se apercebia que possivelmente os destinos de Cuba nom poderiam ter sido conduzidos de outra maneira, pola própria natureza económico-social do país e nom pola origem de classe dos seus dirigentes. De resto, a questom coloca-se hoje mesmo: Estará a revoluçom cubana em crise por causa de umha conduçom errada por parte da sua classe dominante, ou o castrismo é o retrato dos limites da própria revoluçom? A segunda hipótese, sendo a verdadeira, nunca teria ocorrido a Che Guevara. Contodo, talvez se poda relacionar o seu engodo polo foquismo com a desilusom que lhe terá causado a experiência no PC cubano. Por outro lado, embora a estratégia da guerra de guerrilhas como foco de insurreiçom nom estivesse necessariamente condenada ao fracasso – como o prova a prolongada resistência armada na Colômbia, por exemplo – no caso da Bolívia nom poderia subsistir, por ser fruto de umha implantaçom exterior e nom ter sido gerada e desenvolvida no ámbito da revolta das massas camponesas. O Che, que se baseava na experiência vitoriosa da China, Vietname, etc., em que os campos cercárom as cidades, nom viveu o suficiente para compreender que é a necessidade das próprias massas que as leva a criar os instrumentos adequados, no processo de umha luita consciente para impor os seus objectivos. Na América Latina as condiçons sociais eram totalmente diferentes da Ásia e os meios de luita teriam de ser outros. E em África? Aí a luita só podia fazer-se a partir dos campos, mas também fracassou, talvez porque nom houvesse elementos de umha revoluçom agrária como na China ou na Rússia, nem massas de milhares de camponeses desejosos de tomar posse das terras. O foquismo revela umha incompreensom de fundo do Che quanto ao que fijo a força dos revolucionários vienamitas e chineses: organizavam-se em partidos que se tinham tornado, ao longo de muitos anos, a alma da resistência, estavam profundamente implantados nas massas populares, combinavam várias formas de luita. As improvisaçons tentadas por Guevara no Congo e na Bolívia eram meros “focos” sem raiz de massas, que demoraria muitos anos a construir. Demonstrárom que nom basta “enxertar” um grupo de revolucionários num país oprimido para a revoluçom avançar. E evidenciam um esquematismo na concepçom do Che, resultante de imaturidade política e de um certo romantismo pequeno-burguês. O Che foi um expoente do revolucionarismo nacionalista latino-americano. As suas respostas nom eram as que necessitava o proletariado europeu, por exemplo. Só que, no marasmo do reformismo, das capitulaçons e das traiçons em que os partidos comunistas europeus tinham afundado o movimento, o seu exemplo de combatividade tivo um efeito electrizante. Ele era de umha raça diferente dos Thorez, Togliatti, Cunhal e Brejnev. O foquismo, apesar das suas limitaçons, reavivou a ideia de que as condiçons objectivas favoráveis podem ser aceleradas polos factores subjectivos e que a luita armada é umha etapa obrigatória da conquista do poder polos revolucionários. Hoje o Che é em parte umha moda que o sistema procura recuperar e tornar inofensivo. Mas isso nom apaga o Che visionário anti-imperialista que inspira parte da juventude actual. A forma criadora como analisou as condiçons da época, a dedicaçom sem limites, a tenacidade que imprimiu à sua acçom, o espírito internacionalista de que deu provas e a coragem com que enfrentou a ortodoxia dominante fazem dele, quarenta anos após a sua morte, um símbolo de esperança e de força moral para todos os que aspiram à revoluçom dos explorados e oprimidos. Ana Barradas fai parte da revista comunista portuguesa Política Operária
internacional
Face a umha, esperada e agora concretizada, ofensiva capitalista -desenfreada e avassaladora- contra os interesses e direitos mais elementares dos trabalhadores, era necessário que estes dessem a resposta adequada, no caso, ao governo de Sócrates. Para isso, teria de ter havido um intenso trabalho de esclarecimento e preparaçom política das massas trabalhadoras, e definiçom precisa dos objectivos de luita, para que, quando chegasse a hora, como chegou, elas estivessem aptas a responder, taco a taco, à ofensiva da burguesia. A derrota sofrida polo proletariado português, com a imposiçom do Código burguês do Trabalho em 2003, provocou um recuo acentuado no ánimo dos trabalhadores para resistir às investidas capitalistas contra os seus interesses e direitos. Os arremedos de luita contra o Código, desencadeados polas forças sindicais e políticas com maior influência no campo laboral, CGTP e PCP, nom resultaram e os trabalhadores saíram a perder. Nem mesmo a greve geral de 2002 mudou algumha cousa. Porquê? Porque a luita ficou a meio caminho, ficou-se pola ameaça, polo arremedo. A adesom significativa dos trabalhadores a essa greve geral anunciava a sua disposiçom para prosseguir a luita até derrotar as pretensons do governo. Mas, os sindicatos e a esquerda parlamentar, em vez de insistirem na radicalizaçom da luita, optaram pola negociaçom e deu no que deu: derrota do movimento laboral e perda de confiança nas suas forças próprias. A estratégia dessas forças sindicais e políticas nom passa polo
Vladimiro Guinot
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Portugal: luita de classes, ou paninhos quentes?
afrontamento directo e radical ao sistema burguês. Nom é a sua intençom erguer o campo laboral contra a exploraçom capitalista e muito menos pôr em causa o sistema parlamentar burguês. Este é o sistema que mais lhes apraz, que lhes garante alguns privilégios a troco do sacrifício das grandes massas laboriosas. Garante-lhes notoriedade e protagonismo político. Som os burgueses bonzinhos que personificam a caridade polo proletariado. Na oposiçom, o PS protestou, até com algum radicalismo, contra a proposta do Código do Trabalho e contra as políticas do governo de direita da coligaçom CDS/PSD. Agora, no poder, assumiu-se como o representante legítimo das multinacionais e do capital financeiro, e comprometeu-se dar continuidade ao projecto neo-liberal que os partidos mais à sua direita nom conseguiram concretizar. Em todos os domínios da vida do povo trabalhador, o governo de Sócrates tem vindo a cortar a eito: na Saúde, na Segurança Social, na Educaçom e na Justiça, o governo está empenhado em acabar com o que é Serviço Público e entregar ao privado, para exploraçom lucrativa, áreas que deviam ser gratuitas, ou tendencialmente gratuitas, como prevê a Constituiçom.
No campo laboral a cousa nom anda melhor. O governo PS vai rever o Código do Trabalho para o piorar. Pretende incluir nesse código regulamentaçons que facilitem os des-
pedimentos, nomeadamente os sem justa causa, proibidos pola Constituiçom. Quer introduzir a Flexisegurança à portuguesa, ou seja, flexibilizar o despedimento, sem segurança
para os trabalhadores. A taxa real do desemprego em Portugal é das mais elevadas de toda a Uniom europeia –10,9%– e as perspectivas apontam para o seu crescimento. A miséria, a verdadeira, já atinge mais de dois milhons de pessoas –20% da populaçom– no país e, nos últimos três anos, mais de cem mil trabalhadores foram obrigados a emigrar para arranjar sustento. A política global do governo PS gerou um descontentamento generalizado na populaçom laboral do país. Mas também os sectores menores e intermédios da pequena burguesia se mostram descontentes com a política do governo. A esmagadora maioria do povo português tem razons de queixa desta governaçom. Som cada vez mais os movimentos de contestaçom que emergem por todo o país. As últimas manifestaçons nacionais, realizadas em Lisboa, trouxérom para a rua mais de 150 mil pessoas. A convocaçom da Greve Geral justificava-se plenamente. Mais umha vez, a CGTP e o PCP apostárom numha cartada política ardilosa: Para responder à vontade popular, que exigia formas de luita mais radicais contra o governo, convocam umha Greve Geral. Para quebrar algum ímpeto radical das massas, nom lhe atribuí-
rom um objectivo preciso, concreto. Levantárom exigências populares como: basta de precariedade, de desemprego, de desigualdades e nom à flexibilidade, mas nom orientárom a luita contra o responsável por essa política – o governo do PS –, exigindo a sua demissom. Pode parecer umha questom de menor valor, mas nom é! Os cerca de um milhom e quatrocentos mil trabalhadores em greve sentírom-se defraudados porque lhes soubérom a pouco as razons porque foram à luita. Partiram quase que derrotados mas, ainda assim, fôrom protestar. Só que isso “cansa” e desmobiliza. Precisamos de alcançar vitórias como de pam para a boca. Vitórias, sobre os patrons e os seus governos, que andam arredadas do movimento laboral e popular há mais de trinta anos. O proletariado português precisa de reganhar confiança em si e, com a sua mobilizaçom para a luita, arrastar consigo os outros sectores do campo popular, descontentes com a governaçom burguesa. O objectivo principal da greve tinha de ser a queda do governo. Aí, a mobilizaçom popular seria maior e a disposiçom de prosseguir a luita, seria também maior. Se quigermos perder umha batalha pomos os combatentes a disparar em vários sentidos. Se a quigermos ganhar, definimos o alvo principal e disparamos sobre ele, até que o inimigo se renda. Nom dispersamos muniçons nem esforços dos combatentes. A CGTP e o PCP optárom pola dispersom e pola derrota. Vladimiro Guinot é electricista e membro da Política Operária
LIVROS Memorial da Liberdade. Represión e resistencia en Galiza 1936-1977 Xunta de Galicia, Compostela, 2006. 666 páginas Umha cuidada ediçom em formato livro reproduz a modo de catálogo a prática totalidade dos objectos, fotografias, cartazes, desenhos, armamento e documentos da exposiçom instalada no Auditório da Galiza, em Compostela, entre Novembro de 2006 e Janeiro de 2007. O valor deste livro reside precisamente numha magnífica reproduçom de multidom de materiais dispersos em revistas e publicaçons, nom sempre fáceis de conseguir, nalguns casos indéditos, ou bem pertencentes a colecçons particulares, ou aos fundos de arquivos e instituiçons públicas de acesso restrito. As cascas de pinheiro contra que fusilárom Bóbeda na Caeira, carimbos do Exército Guerrilheiro da Galiza ou documentos internos do DRIL pudérom ser contemplados numha exposiçom mal montada e concebida, incapaz de projectar e multiplicar a importáncia histórica e ideológica do imenso material empregado. As mais de três horas e meia que era necessário investir para poder contemplar tam só superficialmente os objectos expostos reflecte a errónea concepçom de que a dia de hoje devem ser este tipo de iniciativas se pretendem realmente cumprir um papel pedagógico e didáctico com projecçom de massas, e nom ficar no armazenamento em vitrinas e painéis de materiais seguindo umha ordem cronológica que apenas podem interessar a eruditos e reduzidos sectores sociais. Essa mentalidade positivista decimonónica, -embora conte com um elevado orçamento e meios disponíveis, nom utilizou as novas tecnologias que facilitassem o seguimento e a atençom do público-, é parcialmente corrigida, agora, aqui, com este livro que permite a possibilidade de desfrutar e analisar com calma e sem a pressom deste tipo de eventos. Lástima que o preço e distribuiçom da obra aprofunde no carácter elitista de umha iniciativa que devia ter percorrrido a geografia nacional. É necessário pois que todos estes materiais, ou ao menos boa parte dos mesmos, podam ser comtemplados permanentemente polo povo galego. Reinstaurar o saqueado Seminário de Estudos Galegos seria umha boa opçom para o ano da memória nom ficar numha simples lembrança para apaziguar as contas do passado. (Carlos Morais)
Orlando Borrego Che. El camino del fuego Hombre Nuevo, Buenos Aires, 2001. 434 páginas Nestes tempos em que a figura do Che Guevara foi rebaixada a um mero ícone, no momento em que a maioria d@s habitantes do planeta que poderiam reconhecer a imortal imagem que do revolucionário cubano-argentino figera Korda mas que nom saberiam dizer dele muito mais que o seu nome. Mesmo quando de certo existem @s que admiram realmente a figura deste herói da humanidade mas só conhecem umha faceta parcial da sua actividade revolucionária como combatente e lider guerrilheiro. Nesta situaçom, ler este livro nom é simplesmente recomendável, mas inexcusável. Orlando Borrego, quem também foi combatente guerrilheiro na Revoluçom Cubana, foi o colaborador mais próximo ao Che no período em que este estivo à frente do Ministério da Indústria e outras instituiçons do governo cubano. Esta circunstáncia permite-lhe nom fazer umha biografia ao uso, mesmo poderia pensar-se que se trata de umha aproximaçom muito parcial umha vez que só atinge aqueles anos em que o Che exerceu como estadista do governo revolucionário. Mas se tivermos em conta a quantidade de biografias publicadas, e que na sua maior parte passam muito levemente por este preciso período, o certo é que o Che que nos descobre Orlando Borrego para muitos é um autêntico desconhecido. O obra nom nos mostra o herói de Sierra Maestra e da tomada de Santa Clara, nem ao combatente internacionalista no Congo e na Bolívia; também nom temos aqui o jovem argentino que com um empacho de romantismo se lança a percorrer a América do Sul de mota. Temos cá um Che maduro, solidamente formado e convencido no seu compromisso revolucionário com o comunismo, e que adopta a faceta de construtor empenhando tanto ou mais no desenvolvimento económico de Cuba como noutros momentos faria no combate armado contra o imperialismo. E este Che, que possivelmente seja o mais esquecido, revela-se-nos como um teórico marxista de primeiro nível. Um Guevara que da experiência prática e das suas convicçons comunistas lança-se ao combate contra a presença do capitalismo na economia cubana e chega a propor umha radical crítica contra o escolasticismo da economia política soviética. De facto, se de todo o livro tivermos que escolher umha pequena parte pola sua trascendência, sem dúvida esta seria o rascunho do prefácio para o estudo sobre economia política que o Che tinha projectado escrever, e do qual deixou numerosas anotaçons e apontamentos. Nessas três páginas escassas Guevara demonstra pola via dos factos que seguia aquela máxima marxista que remarca a obriga de fazer umha crítica radical de todo o existente, denunciando sem nengumha dúvida que o que existia na URSS nom era socialismo. Em resumo, um livro que nom é umha biografia completa do Che, mas que apresenta umha faceta dele sem a qual nom se pode entender a sua importáncia. (Manuel Pena)
Stephen Resnick e Richard Wolff Teoria de classe e história. Capitalismo e comunismo na URSS Campo da Comunicação, Lisboa, 2004. 424 páginas Stephen Resnick e Richard Wolff, professores de economia na Univesidade de Massachusetts, som dous desses intelectuais que nos podem surpreender ao elaborar análise marxista desde as instituiçons académicas do império. Contodo nom deixa de ter certa lógica que lá onde se formam as elites dirigentes dos EUA haja cabida para quem à hora de tentar explicar o funcionamento da sociedade pretenda fazer ciéncia e nom propaganda. A fim de contas Fukuyama pode servir para tentar enganar as massas, mas nom para entender o que se está a passar no mundo, para isso é preciso o marxismo. Os autores deste profundo estudo trabalhárom durante dez anos para achar umha explicaçom mais correcta das pré-existentes do que aconteceu com a Revoluçom e o estado soviético. Na linha da melhor tradiçom do pensamento materialista, o que se fai neste livro nom é umha simples colectánea escolástica das análises que com anterioridade se tinham achegado à questom tratada, mas realmente se propom umha nova tese que incide na estrutura de classes como elemento medular do problema. Resnick e Wolff afrontam a questom das classes na sociedade soviética de um enfoque novidoso. Proponhem que à hora de definir o conceito classe o importante nom é a situaçom que os grupos humanos mantenhem respeito à propriedade dos meios de producçom, tal e como se entenderia dento de umha concepçom ortodoxa do marxismo, nem também respeito à questom do poder, como algumhas visons reformistas e mais afastadas do materialismo histórico tenhem defendido. A novidade relativa que apresenta este livro está na importáncia central que teria a questom da produçom e da apropriaçom e reparto do excedente. Os autores argumentam que desta óptica umha sociedade comunista seria aquela integrada em exclusiva por elementos que som ao tempo produtores e apropriadores do excedente, enquanto a apropriaçom do excedente e o controlo da sua redistribuçom fique à margem d@s produtores/as, nom se pode falar de comunismo. Partindo desta tese fai-se umha análise da sociedade soviética na qual se pretende demonstrar que lá nom houvo comunismo, mas desenvolveu-se um modelo divergente do que poderíamos chamar capitalismo privado e que se define como capitalismo de estado. Na URSS o papel que nas sociedades ocidentais lhe corresponderia ao capital privado e à burguesia, foi assumido de um modo atípico polo aparelho de estado, embora o funcionamento básico do modo de produçom capitalista ficar inalterado. Em definitiva, esta é umha obra interessante que nom se cinge exclusivamente ao tema soviético, mas propom umha contribuiçom novidosa sobre a teoria das classes sociais nom exenta de discusom. (André Seoane)
WEB
Siareir@s Galeg@s www.siareirosgalegos.org / www.siareirasgalegas.org
Siareir@s Galeg@s, a organizaçom popular que pula pola formaçom e reconhecimento das selecçons desportivas nacionais do nosso país, conta com umha página na rede a través da qual podemos aceder a abundantes informaçons sobre as actividades e iniciativas que promovem. Mas como já é habitual na maioria dos webs das diferentes
asociaçons e entidades do movimento popular galego a cousa nom fica num simples painel publicitário virtual. Assim em www. siareirosgalegos.org encontramos, para além das notícias geradas pola actividade da associaçom ou ligadas aos jogos das diferentes selecçons nacionais, um arquivo gráfico onde aparecem imagens dessas actividades, umha loja onde comprar material editado pola
organizaçom e mesmo diferentes meios de contacto para contactar Siareir@s Galeg@s. A web conta também com um foro de acesso restringido para filiaçom da entidade que serve como meio de contacto ágil e directo, evitando a habitual contaminaçom de “trolls” conhecida na maioria dos foros abertos existentes na rede.
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A primeira ediçom galega do Diário da Bolívia, –um conjunto de textos que conformam o diário da campanha guerrilheira do Che iniciado em 7 de Novembro de 1966 e finalizado em 7 de Outubro de 1967–, vai acompanhado por cinco documentos. Em primeiro lugar incluímos a Carta de despedida do Che a Fidel Castro escrita em Abril de 1965 e difundida em 3 de Outubro desse ano, seguido do discurso de Fidel na velada solene em memória do Che realizada em 18 de Outubro de 1967; posteriormente a introduçom de Fidel à primeira ediçom cubana do Diário, e a “Mensagem aos povos do mundo”, transmitida na reuniom da Tricontinental realizada em Havana em Abril de 1967, embora escrito antes da sua partida para a Bolívia. Finalmente também reproduzimos os 5 comunicados do ELN e umha série de documentos gráficos. Graças a este documento histórico, podemos compreender e sentir o que foi umha das maiores epopeias da segunda metade do século XX. O Diário exprime as reflexons carregadas de realismo de um homem consciente do que fazia, entregado completamente à causa da emancipaçom humana, mas que nunca pensou que as suas breves pinceladas seriam publicadas e lidas por milhons de pessoas.
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