Abrente nº 49

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Vozeiro de Primeira Linha

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Ano XIII • Nº 49 • Segunda jeira • Julho, Agosto e Setembro de 2008

Editorial A classe trabalhadora leva mais de duas décadas a padecer o retrocesso paulatino das conquistas e direitos adquiridos na luita de classes. Desde que no fim dos setenta a burguesia lançou umha ofensiva para recuperar parte da taxa de ganho que se tinha visto obrigada a ceder a conseqüência da luita operária e popular, passamos de posiçons combativas a ver instalada a nossa classe no actual marasmo e derrotismo. Boa parte das ferramentas defensivas de classe, os sindicatos, fôrom cooptados ou, no melhor dos casos, amansados polo regime, até os transformar em mais umha peça da engrenagem do sistema. Os “Pactos da Moncloa”, assinados em 1977, e as posteriores reediçons dos pactos sociais que desde aquele momento venhem rubricando legislatura após legislatura os sindicatos amarelos e entregusitas espanhóis, unido à derrota subjectiva com que a nossa classe interpretou a implosom do socialismo soviético em 1991, tenhem provocado o aumento do desconcerto, da frustraçom e da desmobilizaçom no seio do movimento obreiro. Amputados ou domesticados os principais instrumentos de combate para defendermos os logros atingidos, para evitarmos perder direitos, adquirirmos mais conquistas, a classe operária nom pode ficar inerte à espera de um milagre. A actual profunda crise do modo de produçom capitalista está afectando directamente às condiçons de trabalho e ao nível de vida da totalidade do povo trabalhador. Contrariamente às promessas eleitorias do PSOE ao longo das semanas

Sumário 3 Ao serviço do capitalismo nacional? André Seoane Antelo

4-5 Separatismo,

autodeterminaçom e imperialismo Carlos Morais

5-6 …, Maio-Junho do 68, …

Julho de 2008, … Contra o fim da História Domingos Antom Garcia Fernandes

7 As diabruras de um império pentagonizado Narciso Isa Conde


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Nº 49. Julho, Agosto e Setembro de 2008

Editorial

prévias ao mês de Março, negando a existência da crise, esta manifesta-se com total crueza, golpeia sem piedade. Embora Zapatero tenha mentido para ganhar as eleiçons e agora sem o mais mínimo rubor considere opinável a sua existência, a realidade nom deixa lugar a dúvidas. O desemprego aumenta, a flexibilidade e a precariedade laboral continua a subir, as jornadas laborais intermináveis vam-se impondo como algo natural, tal como a reduçom dos dias de férias; os produtos alimentares básicos, o combustível, a electricidade, o transporte, as hipotecas nom param de aumentar. Os salários continuam congelados e a inflaçom dispara. Cada dia que passa é mais difícil chegar a fim de mês. A queda do consumo é um inquietante e eloqüente dado que define a gravidade da situaçom. Mas o governo espanhol e o governinho autonómico nom só nom adoptam medidas para paliar a crise, como mantenhem similares políticas socioeconómicas neoliberais que agudizam as suas conseqüências e só favorecem os interesses do grande capital. Zapatero, Tourinho e Quintana governam só para os ricos, pretendendo maquilhar a realidade com retórica progressista. Mas cada vez é mais difícil enganar. As facturas chegam todos os meses, o cabaz da compra é cada vez mais caro e vem cada vez mais vazio. O depósito da gasolina é difícil de encher. Com os números reais das economias familiares, já nom se podem fazer malabarismos. Mas a lógica predadora do Capital nom tem limites. Enquanto a classe trabalhadora e os sectores populares temos que apertar o cinto, ver reduzir sensivelmente o nosso nível de vida, todos os dias constatamos –porque sem o mais mínimo pudor assim o arejam nos seus meios de (des)informaçom– que os bancos, as grandes empresas, ano após ano incrementam exponencialmente o seu ganho, como os directivos das companhias que aplicam reduçons do quadro de pessoal e solicitam sacrifícios aos trabalhadores e trabalhadoras, como a casta política ao seu serviço, aumentam os seus salários milionários.

Eles comem todo e nom deixam nada! A burguesia pretende manter os seus lucros à custa da classe trabalhadora. Mas se todo isto nom fosse suficiente ainda quer mais e mais. A Uniom Europeia, a que nos tinham “vendido” como a Europa social, acabou de aprovar a Directiva

Acordo pola Competitividade da Galiza 2008-2011 entre o Governo autónomo, os sindicatos espanhóis e a CEG

da semana laboral até as 65 horas, ou seja, a possibilidade de implantar jornadas de 10 a 12 horas de 6 dias por semana, que devem ser pactuadas individualmente entre o empresário e as trabalhadoras e os trabalhadores, para assim dinamitar a negociaçom colectiva e a representaçom sindical. Sem nengum voto contrário por parte dos ministros de Trabalho, (o espanhol abstivo-se), agora está em discussom no Parlamento Europeu. Se finalmente a directiva for ratificada, estaremos a assistir à restauraçom das condiçons de trabalho decimonónicas, pois em 1917 a OIT aceitou a jornada laboral das 8 horas diárias no que foi umha vitória histórica do movimento operário. A decisom adoptada nom nos deve surpreender. Fai parte da ofensiva estratégica e global das burguesias imperialistas contra o mundo do Trabalho, aplicada na Directiva Bolkenstein que refrenda a transferência de mao de obra de países com salários inferiores; na Directiva do Retorno, um ataque frontal aos direitos humanos das pessoas imigrantes sem papéis, que serám automaticamente conduzidas a cárceres eufemisticamente chamados “centros de detençom”, ondem poderám ficar até um ano e meio, quando serám finalmente expulsas por ordem judicial. A partir da expulsom, nom poderám entrar em território da UE durante cinco anos; ou a o Processo de Bolonha que privatiza e mercantiliza

o ensino universitário. Por este motivo, o nom ao Tratado de Lisboa no referendo irlandês é umha boa notícia que constata a oposiçom da classe obreira a um modelo de Europa contrária às promessas e aos dicursos das elites políticas. Tínhamos razom as organizaçons operárias e populares que nos manifestamos radicalmente contrárias à Constituiçom Europeia de 2005 e apelamos ao voto contrário no referendo. Esta é a Europa do Capital, dos estados, do patriarcado, do imperialismo e da guerra. Nom é nem pode ser o nosso modelo de Europa. Este é o capitalismo real que nos oferece a burguesia. Chegou pois o momento de começar a reagir. Nom podemos deixar-nos devorar pola lógica do capitalismo. Nom podemos aguardar mais agressons adiando a necessária resposta contundente. Nom podemos seguir continuar a depositar a confiança na casta política corrupta, nas forças vitualmente de “esquerda”, no PSOE, BNG e IU que agitam o medo da direita, para quando chega a hora da verdade na sua gestom institucional aplicarem idênticas políticas e receitas económicas que as do PP. A classe trabalhadora galega nom pode deixar-se enganar nem instrumentalizar polos êxitos desportivos de projectos nacionais alheios assentes sobre a nossa exploraçom de classe e a opressom nacional.

Contrariamente a participar nas celebraçons, com os símbolos dos nossos inimigos e responsáveis pola crise que hoje padecemos, a juventude trabalhadora, o conjunto do povo trabalhador tem que sair à rua a protestar contra o incremento dos preços, exigir incremento salarial, melhores condiçons laborais, reduçom das jornadas, liberdade e democracia nos centros de trabalho. Som tempos difíceis. Esta na hora de luitar nom de festejar. Que nom nos enganem. Há que gerar um movimento social com umha tabela reivindicativa clara. É necessário pressionar o sindicalismo nacional e de classe para que inicie um ciclo de mobilizaçons, com carácter integrador e global, incorporando o conjunto das reivindicaçons sectoriais, que transformem esse mal-estar geral e individual que escuitamos nos centros de trabalho, nos supermercados, nos bares, nos bairros, na rua… num programa concreto de reivindicaçons tangíveis. Nom se pode seguir à expectativa, deixar-se arrastar pola resignaçom. A CIG tem o dever e, sobretodo, a capacidade, de ser o motor deste processo. Mas como a maioria da direcçom da central nom vai promover um verdadeiro movimento de luita além de inofensivas iniciativas para cobrir o expediente, porque está hipotecada politicamente com o regionalismo que co-governa a Comunidade Autónoma Galega, tem que ser a filiaçom, a militáncia honesta, que pressione para mudar a hegemónica linha pactista, colaboracionista, conciliadora, disfarçada de retórica e inofensivos fogos de artifício. Há que caminhar face umha greve geral que paralise o País, que exija umha mudança radical de rumo ao bipartido e ao governo de Madrid. Há que castigar o PSOE e o BNG nas eleiçons autonómicas. A classe trabalhadora necessita luitar para se encontrar de novo consigo mesma, para ganhar confiança em si, para constatar a enorme capacidade de combate que temos se conseguimos agir de forma unida e independente, para evitarmos mais retrocessos e recuperarmos conquistas perdidas. Às portas das jornadas patrióticas do 24 e 25 de Julho, em que a classe trabalhadora galega, com destaque para a juventude, tem um papel protagónico, a esquerda independentista neste ciclo que cumpre abrir deve ser capaz de ligar o exercício do direito de autodeterminaçom, a necessidade de nos dotarmos de um Estado operário galego, como um objectivo consubstancial ao programa e às reivindicaçons populares.

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ANÁLISE

Umha das ladainhas mais ouvidas nos começos da minha vida militante foi aquela frase em que se lamentava a inexistência de umha burguesia nacional galega, como umha das grandes pejas para levar avante a libertaçom nacional do País. Normalmente, a enunciaçom vinha seguida da inescusável comparativa com bascos e cataláns: “a eles si que lhes vai bem, porque tenhem um nacionalismo de direita forte”, costumava dizer o analista de política comparada de serviço. De facto, em ocasions, mesmo tenho escuitado afirmar abertamente que no nosso país nom havia burguesia autóctone. Afirmaçom que saía da boca de pessoas com estudos universitários, mas com umha evidente miopia na hora de fazer analises sociais da realidade mais imediata. Eu, na minha ingenuidade, cheguei a acreditar nalgum momento nalgumha dessas afirmaçons. Por fortuna, com a experiência vai-se aprendendo, e finalmente cheguei à conclusom de que a inexistência dessa burguesia nacionalista era simplesmente o fruto da conformaçom da sociedade galega e nom umha maldiçom caída de nom se sabe bem onde. E que mesmo nom haveria que avaliar tal carência como umha peja, mas como umha virtude que permite colocar abertamente a luita pola libertaçom nacional do país como um projecto político exclusivo e próprio do povo trabalhador. De outra parte, nunca acreditei nessa suposta ausência de burguesia autóctone. De facto, é mais do que evidente que existem burgueses galegos, mesmo existe umha oligarquia no nível nacional, conformada por grandes fortunas amassadas sob relaçons de exploraçom que tivérom a sua origem dentro das fronteiras nacionais. Existe burguesia galega e existe um capitalismo galego, todo o raquítico, dependente e miserável que quigermos; o único problema é que essa burguesia considera de modo absolutamente maioritário que o projecto político que mais bem se corresponde com os seus interesses é o espanholista. Em todo o caso, eu, na minha ignoráncia de adolescente, cheguei a considerar que a ausência desse nacionalismo galego de direitas era um handicap para o nosso país; mas em nengum momento pensei que, se a burguesia galega nom dava o passo de conformar um projecto político nacional próprio, seria labor do nacionalismo de esquerdas oferecer-lho como presente. A meus olhos, a simples formulaçom dessa hipótese era umha aberraçom. Como iam os sectores mais avançados das classes trabalhadoras do nosso país dedicar décadas a construir ferramentas organizativas e políticas para vir a cedêlas aos amos do capital, aos patrons. Nom é acaso um absurdo? Ainda mais, como se pode tam sequer conceber que se a classe burguesa carece da vontade e iniciativa necessária para liderar um processo de construçom nacional, sejam as classes trabalhadoras que renunciem ao seu papel protagónico. Nom é isso umha garantia absoluta de fracasso? Será que alguém acredita que numha batalha pode ganhar um exército liderado por ferventes defensores do exército inimigo? Eu, na minha modesta opiniom, considero que tal ideia é um absoluto absurdo, mas a realidade demonstrou-nos que nom há nada que impida que os absurdos existam no mundo real. Porque é isto precisamente o que se está a acontecer com o BNG. Os três anos de governo bipartido na Junta confirmárom umha deriva que, para alguns de nós, já era previsível desde há mais de umha década, embora nom estivéssemos conscientes das situaçons aberrantes que nos tocaria presenciar. Estes três anos tenhem sido fecundos em multidom de exemplos de como o BNG está a fazer as beiras ao grande capital

André Seoane Antelo

Nº 49. Abril, Maio e Junho de 2008

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Ao serviço do capitalismo nacional?

Aperto de maos entre Fernando Branco (Conselheiro da Indústria) e o empresário Roberto Tojeiro, promotor de Reganosa

Anxo Quintana (BNG) cumprimenta o banqueiro José Luís Mendes (Caixa Galicia)

galego. Só por repassarmos alguns dos exemplos mais impactantes, poderíamos lembrar agora como o nacional-autonomismo foi o grande valedor da instalaçom da regasificadora de REGANOSA em Mugardos, ou a defesa que fijo no seu momento da privatizaçom de ASTANO e a sua venda à mui galega BARRERAS, ou simplesmente rever o currículo destes anos de governo do grande Fernando Branco (Conselheiro de Indústria e suposto “comunista”). Assim, podemos ver como na agenda do BNG está a defesa da indústria galega e dos sectores produtivos, o bom entendimento com as caixas de aforros, a defesa da produçom de energia eléctrica... Isso sim, sempre considerando que o fundamental a defender som os lucros do capital como único método para fomentar o desenvolvimento do País. Porque, postos a lembrar situaçons aberrantes e de um alto valor simbólico, nom sobeja termos em conta que, nestes três anos, o BNG nom deixou passar a mais mínima ocasiom para demonstrar o seu alinhamento com os interesses do grande capital galego. Som centenas as festas, merendinhas e “vinhos espanhóis” onde a presença de altos dirigentes do BNG aderia às mais díspares iniciativas do capital galego. Os jornais estám cheios

de declaraçons em que Quintana e os seus colegas apoiárom os interesses de Tojeiro, BARRERAS, PESCANOVA e, em geral, qualquer explorador etiquetado com a marca da galeguidade. Mas, tam ruidosos como estes apoios directos às grandes empresas, fôrom os silêncios ou as críticas dirigidas aos movimentos sociais e sindical que se oponhem à espoliaçom e ao saque capitalista. O BNG ficou mudo na hora de defender a exemplar luita do proletariado do metal de Vigo e, em todo o caso, mesmo chegou a criticar os “excessos” dos piquetes. No entanto, nem abriu a boca para criticar a patronal que incumpriu durante todo um ano os acordos negociados após a greve de 2006. Ou como esquecer as críticas lançadas polo grande líder “comunista” Francisco Rodríguez depois da primeira mobilizaçom de Galiza Nom se Vende. Ali onde convergiam as luitas de todo o País contra especulaçom e o saque de recursos do nosso território, Paco percebia confusionismo e má intençom. Mesmo poderíamos lembrar as recentes declaraçons de Emílio Lôpez Milucho, actual alto cargo da Conselharia de Meio Rural e antigo sindicalista labrego, dirigidas contra os gadeiros convocados polas Unions Agrarias em luita contra os preços de miséria que paga LEYMA polo leite pro-

duzido. Numha luita em que os gadeiros actuárom com umha contundência muito semelhante à empregada nas mobilizaçons convocadas polo SLG no tempo em que Milucho era um dos seus máximos dirigentes, agora o senhor Emílio Lôpez considera que se empregárom formas que nom som próprias do sindicalismo labrego. Ou Milucho tem umha memória nefasta, ou afinal vai ser um hipócrita de primeira ordem. Mas o certo é que esta deriva nom é completamente ilógica, se atendermos com rigor à formulaçom matriz do próprio BNG. Lembremos que esta força política nasceu desde um primeiro momento como umha força de carácter interclassista, e que em momento nengum colocou umha vontade revolucionária no sentido de alterar o ordenamento económico capitalista. Certo é que a praxe política do BNG da década de 80 está a anos luz da actual, mas na sua matriz ideológica incubava-se a doença que se véu a manifestar. A formulaçom de um projecto interclassista, especialmente quando nunca se manifesta a intençom de garantir a hegemonia dos interesses do povo trabalhador, tem que derivar na vitória dos interesses da burguesia. O BNG ansiava incluir no seu seio todas as classes e sectores sociais do País, e foi no momento de atingir umha quota consi-

derável de poder institucional que se lançou à conquista quase romántica da burguesia galega. Classe que demonstrou ao longo dos anos, umha imensa prudência na hora de se deixar conquistar por este ou aquele projecto político, e que tam só começa a dar ouvidos às insinuaçons do BNG quando este lhe pode dar algum benefício. Logicamente, a deriva do BNG nom se poderia explicar tampouco sem compreender que realmente esta força política nunca foi em puridade umha organizaçom da classe operária, mas umha amálgama de fracçons e sectores onde o predomínio corresponde a elementos da pequena burguesia e o funcionariado público. Assim, esta organizaçom reflecte a tradicional incapacidade da pequena burguesia para definir umha alternativa política própria acabando por se botar nos braços do grande capital. Todavia, o ansiado achegamento à burguesia galega também tem outros efeitos secundários, para além da traiçom aos interesses populares no sentido económico ou laboral. Seria muito pedir que toda umha classe se deixasse influir por um movimento político sem lhe transmitir parte das suas características. E assim está a suceder, de facto. Se bem o nacionalismo galego moderno desde os seus inícios, lá polas décadas de 60 e 70 do passado século, apresentou umha estranha tendência ao complexo e ao tabu na hora de assumir soluçons políticas radicais, nomeadamente de reivindicar a independência do País; hoje, essa moderaçom aumentou até limites há poucos anos inconcebíveis. A necessidade de fazer digerível o discurso político aos novos sectores sociais que se pretende atrair está a forçar que, cada dia mais, o discurso do BNG abandone o campo do nacionalismo mais moderado, onde se poderia situar na década de 90, para entrar em cheio num regionalismo um tanto radicalizado nalguns aspectos de ordem menor, mas completamente cómodo na ideia de Espanha. Contodo, embora aos actuais dirigentes do BNG lhes pareça que o rumo adoptado é o mais seguro para continuar a avançar na conquista de maiores quotas de poder institucional, o certo é que, fazendo umha analise minimamente rigorosa, qualquer pessoa pode ser consciente do imenso risco que estám a correr. Porque, em puridade, o BNG nom é umha organizaçom da grande burguesia e, apesar da aproximaçom de alguns elementos destacados, como é o caso do actual proprietário do semanário A Nosa Terra, o empresário imobiliário Jacinto Rei, ainda nom existe um compromisso equiparável entre algumha fracçom destacável da burguesia galega com o BNG, como o que esta organizaçom está a manifestar com os interesses dessa classe. Portanto, é bastante provável que o nacional-autonomismo esteja a cair numha piscina sem água. No fim de contas, em política existe umha tendência à economia de forças e, se o BNG nom conseguir deslocar o PSOE ou o PP da representaçom de algumha das fracçons da burguesia galega, corre o risco de entrar numha profunda crise. Ao mesmo tempo, ninguém deveria esquecer que o deslocamento para a direita do BNG está a deixar orfo politicamente a um amplo leque de sectores sociais que conformam os elementos mais conscientes do povo trabalhador galego. Abriu-se, pois, um tempo de reorganizaçom das forças populares que deveria ser aproveitado para levar avante um novo projecto aglutinador que ultrapasse as eivas do BNG, nom só as presentes, como também as passadas, e sirva como ferramenta de luita na defesa dos interesses das classes trabalhadoras. Oxalá respondamos a essa necessidade. André Seoane Antelo é membro do Comité Central de Primeira Linha


Carlos Morais

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Opiniom

Nº 49. Julho, Agosto e Setembro de 2008

Separatismo, autodeterminaçom e

A naçom como entidade política é umha construçom moderna, nom é umha realidade ontológica, um sujeito metafísico. Como processo vinculado ao factor vontade, a querer ser, a desejar reafirmar-se, tem que estar alicerçada sobre um conjunto de factores objectivos, tem que contar com um substrato que permita coesionar essa comunidade humana e entender porque deseja compartilhar um futuro comum, um mesmo projecto colectivo. Nestes fenómenos, nom podemos desconsiderar a existência de um território com similares características fraguado polo clima ou a topografia; umha língua e cultura semelhante cimentada em tradiçons orais, um folclore, umha gastronomia, umha literatura, etc; um povo com um passado e história comum com os seus mitos e a sua épica, em que se reconhece e que reivindica. Esta identidade é o que permite a umha comunidade humana, independentemente da sua dimensom quantitativa, baseada numha etnicidade comum, numha semelhante base orgánica, resistir a uniformizaçom e a homegenizaçom a que se vê submetida polo imperialismo ao longo da história. Porém, estas condiçons, por si mesmas, nom geram um projecto nacional se nom vam acompanhadas polo factor vontade, por essa consciência, esse sentimento de querer ser, que contribui para descobrir e valorizar esses traços comuns, e a luitar por conserválos. A estratégia secessionista nas regions nortenhas da Bolívia, os protestos contra a China no Tibete, as reivindicaçons nacionais curdas no Iraque, provocam sem lugar a dúvidas debate e polémica no conjunto das forças políticas e movimentos sociais que defendemos com decisom o exercício do direito de autodeterminaçom. A estes três exemplos de máxima actualidade, podemos acrescentar o dilatado processo de descomposiçom da ex-República Federal Jugoslava, acelerado na segunda metade da década passada, e culminado recentemente com a separaçom unilateral de Kosova da Sérvia. Embora estes quatro casos nom se podam considerar iguais, sim tenhem certas similitudes, porque as reivindicaçons secessionistas contam com o apoio do imperialismo, que coincide, com diferentes estratégias e graus de implicaçom, em dar cobertura política, económica, propagandística e militar aos sectores sociais que apostam abertamente na segregaçom. As “causas” promovidas pola oligarquia das províncias bolivianas de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando; pola teocracia budista tibetana; polas populaçons curdas assentadas na zona setentrional do Estado fantoche iraquiano; e pola maioria albano-cosovar da regiom meridional da Sérvia, nom tenhem mais nexos de uniom entre sim que o apoio imperialista. Perante a reclamaçom do direito de autodeterminaçom, os apelos à liberdade nacional, as denúncias da opressom e/ou discriminaçom que padecem a maioria das populaçons desses territórios, a esquerda independentista galega tem correctamente agido com prudência. Mas porquê? Como é possível que o movimento que sem ambigüidades e complexos defende abertamente a construçom de um Estado galego emancipando-se de Espanha opte por nom adoptar posiçom em conflitos “nacionais” aparentemente similares, alguns situados mesmo no hemisfério ocidental? Estas naturais perguntas nom tenhem respostas simples nem fáceis. De facto, esta análise pretende contribuir para aprofundar numha reflexom necessária. Quando começamos a sua elaboraçom, ainda nom tinha sido publicado o sugerente texto do professor James Petras, com o qual, embora coincidamos parcialmente, mantemos divergências de fundo.

Celebraçom popular da independência patrocinada polos EUA na Kosova

Prinícipios básicos para adoptar umha posiçom Umha das características elementares de um bom método de pensamento é duvidar, desconfiar de todo aquilo que provinher do inimigo. Quando a administraçom norte-americana apoia abertamente a secessom da chamada meia lua boliviana; quando os Estados Unidos e a Uniom Europeia orquestram umha campanha contra a China apoiando-se na “espiritualidade” dos monges tibetanos que tanto fascina as classes médias; quando som a forças de ocupaçom ianques no Iraque que permitem a existência de um pró-ocidental semi-Estado independente curdo, mas também o ataque à guerrilha do PKK polo regime turco; quando em Pristina a bandeira das barras e estrelas supera amplamente as albanesas nas celebraçons populares em prol da independência gestada no Pentágono e na Casa Branca; temos que reflectir e analisar a fundo o que realmente está acontecendo. Sem dúvida, os imperialismos ao longo da história procurárom, empregando sempre de forma dialéctica diversos graus de consenso e violência, conquistar povos no seu projecto uniformizador, por meio da destruiçom e/ou integraçom, para assim facilitar a apropriaçom das riquezas, da mao de obra e dos recursos energéticos e minerais dos territórios a submeter. A política do império romano na conquista da Gallaecia estivo baseada nesta estratégia de divisom e agudizaçom das contradiçons das diversas tribos assentadas em boa parte desse amplo território que com o tempo deu lugar ao que hoje denominamos Naçom Galega. Divide ut regna. O mesmo figérom os británicos no subcontinente índio, Portugal em África, o Estado francês no norte do continente negro, os espanhóis na América Latina e nas Caraíbas, etc. Para adoptar umha posiçom sólida, longe do conjunturalismo e do tacticismo, assente

em termos estritamente político-ideológicos, nom partimos do zero. O marxismo revolucionário tem elaborado uns consistentes princípios ao respeito, apoiados no exercício do direito de autodeterminaçom e no combate ao imperialismo. Para @s comunistas, som basicamente três as ideias força sobre as quais podermos elaborar posiçom na hora de intervir com “carácter universal” nos conflitos de índole nacional. Frente às reaccionárias concepçons orgánico-historicistas germánicas da naçom entendida como um ser vivo apoiada num espírito nacional (Volksgeist), ou as posteriores deturpaçons anti-dialécticas estalinianas, as naçons som produtos históricos, nom som entes eternos, naturais, que existam para além da vontade das pessoas que nela habitam. Em segundo lugar, umha naçom opressora nom pode ser livre. É completamente inviável construir umha sociedade emancipada baseada na igualdade, oprimindo povos ou minorias étnicas, praticando o imperialismo. Daí que, e chegamos à terceira premissa, a libertaçom da naçom oprimida seja condiçom sine qua non para a revoluçom socialista na mesma naçom dominante. Todavia, nem sempre é fácil aplicar estes princípios às diferentes casuísticas que se apresentam. Porque, na hora de emitir posiçom política, nom podemos desconsiderar um conjunto de factores que condicionam os princípios gerais. Obviamente, sendo a favor do direito de autodeterminaçom dos povos, nom podemos infravalorizar quais som os sectores sociais que o promovem, que apoios e alianças internacionais defende… em definitivo, quem se beneficia do processo. Sem que isto invalide o direito dos povos em causa, é fundamental evitar o apoio à instrumentalizaçom imperialista de conflitos nacionais que, no fim de contas, só costuma aspirar a defender espúreos interesses geoestratégicos e converter as naçons “emanci-

padas” em neo-colónias ao seu serviço. Sendo a favor de que o povo bretom exerça o direito de autodeterminaçom, inclusive a separaçom do Estado francês, nom podemos justificar o colaboracionismo que durante a “Segunda Guerra Mundial” mantivérom com o nazismo sectores nacionalistas bretons com base nas promesas de Berlim em reconhecer a sua independência após a vitória do III Reich. Mas, formulado ao invés, também o apoio dos sectores secessionistas ao nazismo nom anula por princípio o direito desse povo ao exercício da sua autodeterminaçom. Naqueles casos em que o sujeito que reivindica o direito à liberdade nom passa de um agente criado ou fomentado polo imperialismo, teremos que definir se realmente por trás das reclamaçons separatistas existe um projecto nacional real ou se tam só é umha manobra imperialista para enfraquecer um povo soberano, um processo transformador. Fôrom os casos, em Portugal durante a etapa posterior ao 25 de Abril, da iniciativa de Alberto João Jardim, um dos representantes da direita oligárquica nas Ilhas Madeira, agitando reclamaçons independentistas para desestabilizar o processo revolucionário com a anuência de Frank Carlucci, o embaixador norte-americano em Lisboa; e no arquipélago dos Açores, onde houvo até um movimento político pola independência (a Frente de Libertação dos Açores), que protagonizou acçons armadas claramente apoiado polos EUA através da importante populaçom imigrante dessas ilhas. É claro que nos acontecimentos que se desenvolvem nos Balcáns nos três últimos lustros, actualmente na Bolívia ou recentemente no Tibete, achamos a sombra das velhas estratégias imperialistas, neste caso implementada polos EUA. Assim foi parcialmente no processo de descomposiçom da ex-Jugoslávia e actualmente nas províncias setentrionais da

Bolívia, ou na campanha internacional contra a China, principal competidora dos EUA na hora de subtituí-lo na hegemonia da economia-mundo capitalista. Washington promove o separatismo para enfraquecer estados soberanos nom supeditados aos seus interesses no caso boliviano, ou bem para impor e/ou reforçar governos submissos e entreguistas como no Iraque, ou simplesmente constituir meros protectorados concebidos como umha gigantesca base militar de carácter geoestratégico como em Kosova. No entanto, o fomento deste separatismo, como anos antes foi o apoio as minorias étnicas na Nicarágua sandinista, prometendo autonomia; ou a parte dos povos periféricos da antiga URSS, nom se pode disvincular das concepçons, dinámicas e processos políticos internos dessas formaçons sociais. O sandinismo aplicou os piores paradigmas do marxismo eurocêntrico que desconsiderou e até negou a especificidade dos povos indígenas nos estados latino-americanos emanados da descolonizaçom espanhola. A nova Nicarágua emergente da Revoluçom popular de 1979, ao impor pola força umha absurda uniformizaçom do conjunto dos habitantes perdeu a oportunidade de incorporar boa parte dos povos indígenas da costa atántica: Miskito, Sumo, Mayagnas, Rama, Garifonas, no processo revolucionário, mas basicamente facilitou que a demagogia imperialista por meio da CIA os empregasse como cavalo de troia contrarrevolucionário. Nada novo nos processos revolucionários. Algo semelhante tinha acontecido muito antes quando na Rússia posterior à Revoluçom de 1917 o partido bolchevique incorporou, contrariamente à posiçom defendida por Lenine, o nacionalismo russo ao seu cerne reproduzindo assim o pior desse centralismo chauvinista grande russo que impregnava e justificava a existência do impêrio czarista e a inferioridade de facto dos


opiniom

e imperialismo

povos nom russos. Frente à simplista e idealizada versom manifestada por James Petras de umha teoricamente solucionada articulaçom nacional na URRS, como também na Jugoslávia, o resultado dos mais de setenta anos de “socialismo soviético” e da autogestom titista constatam que nom se resolvera a complexidade das tensons e conflitos nacionais. Embora na Constituiçom soviética de 1936 se recolhesse o exercício do direito de autodeterminaçom e no modelo jugoslavo se arbitrasse um sistema de rotaçom e equilíbrios étnicos na composiçom do governo federal, nom se pode infravalorizar que parte das causas da implosom da URSS em 1991 está motivada polo mal-estar existente entre as naçons e povos períféricos e o centralismo de Moscovo, e que as enormes contradiçons nacionais internas som anteriores à crise do Verao de 1991 e, portanto, nom fôrom alheias ao violento e brutal processo de desmembramento jugoslavo. A Bolívia constitui um Estado herdado directamente de umha realidade colonial. As suas actuais fronteiras som artificiais, mas nom menos do que as dos Estados Unidos. Frente ao processo constituinte do projecto multiétnico e plurinacional que pretende implementar o governo de Evo Morales como passo imprescindível para umha moderada redistribuiçom dos recursos e da riqueza entre a imensa maioria social indígena e camponesa, excluída polos governos brancos terratenentes, a rica oligarquia do norte, derrotada numha revolta popular que permitiu posteriomente a vitória eleitoral do MAS, responde com um processo secessionista. Mas foi a política conciliadora do presidente Morales, contrária a aprofundar na via revolucionária e firme defensora da legalidade burguesa, a que incumpre as promesas realizadas à classe operária, aos indígenas e moradores pobres das cidades, que facilitou a recomposiçom do bloco oligárquico crian-

do as condiçons para o desafio estratégico que lhe lançam os Estados Unidos. Os departamentos orientais de Santa Cruz, Pando, Tarija nom configuram unidades étnicas ou nacionais oprimidas polo governo de La Paz. Os genuínos “sentimentos nacionais” nom emergem de repente, nom se criam em gabinetes e laboratórios dos serviços de inteligência dos estados imperialistas, embora com habilidade estes sim podam instrumentalizar demagogicamente sentimentos de massas, valores soterrados. O caso boliviano é umha escusa de manual para derrubar o processo indigenista, o reconhecimento das naçons indígenas esmagadas pola naçom crioula, evitar umha reforma agrária, a nacionalizaçom dos recursos, e recuperar os privilégios políticos perdidos. Aqui fracassou o pactismo, a via reformista intermédia. Neste caso concreto, sim coincidimos com Petras. No Tibete tem lugar a aplicaçom de outro caso também de manual. A afirmaçom nacional do Estado feudal anexado pola China maoista continua viva entre os monges budistas do interior e basicamente no exílio por meio da figura do Dalai Lama. O pequeno “país das nuvens”, como a maioria dos actuais estados da área, fijo parte ao longo do século XIX e primeiras décadas do XX do denominado “grande jogo” entre as potências imperialistas polo controlo dos seus recursos. Perante as incapacidades da tutelagem británica em 1910, a China tentou infrutuosamente a anexaçom. Em 1912, o Tibet proclamou a independência, mas as dificuldades para definir fronteiras com o império británico e com a China provocou umha nova tentativa de anexaçom em 1918. Apesar de fracassar, sim logrou incorporar parte do seu território a partir de 1931-33, até que em 1950 Pekim opta por ocupar militarmente o país, e em 1956 passa oficialmente a considerá-lo umha regiom autónoma. Diante da resistência contra a ocupaçom, apoiada polos EUA, a China desatou umha forte repressom com milhares de vítimas. Desde 1965, o Tibete passa a ser parte da China.

Conclusom Como podemos observar, boa parte dos conflitos aparentemente de carácter nacional em que o imperialismo toma abertamente partido em prol do separatismo tornam mais do que questionável um apoio incondicional de movimentos revolucionários de libertaçom nacional como o galego. Mas é preocupante essa tendência a desqualificar legítimas causas nacionais com base nos erros políticos de carácter táctico e/ou estratégico, parcial e/ou global que cometam movimentos nacionais. Como também deixar em maos da reaccçom os profundos sentimentos nacionais que sobrevivem nas consciências colectivas dos povos. Se boa parte dos anseios nacionais das antigas repúblicas soviéticas tenhem sido instrumentalizados polos EUA, impondo governos pró-imperialistas, deve-se a ausência de forças populares, de classe, com um programa revolucionário, que disputem às forças conservadoras a direcçom e orientaçom dos sentimentos nacionais. A insubornável defesa do direito de autodeterminaçom como princípio geral e universal está condicionada pola pura e simples manipulaçom que em determinados contextos protagoniza o imperialismo, nomeadamente quando os supostos movimentos secessionistas carecem de forças endógenas como motor principal. Defendemos a independência dos povos a partir da plena e real soberania, nom independências fictícias que reproduzem, com outras formas, os velhos mecanismos de opressom neocolonial. Carlos Morais é Secretário-Geral de Primeira Linha

Domingos Antom Garcia Fernandes

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Há toda umha dramatologia arredor do Maio do 68, umha litúrgia (no sentido de serviço ou culto público aos deuses falsos e ainda aos verdadeiros), um actuar consumista devorador (a modo de exemplo: o dia 22 de Junho de 2008, na livraria Gallimard de Paris, figuravam 133 livros sob a legenda Mai 68), umha reproduçom alargada do Capital, um desmitificar e remitificar continuados… Daquela Raymond Aron tinha a impressom de que algo irracional estava a acontecer; do contrário Sartre vê relevante a acçom, que se produziu num momento em que todo o mundo cria que era impensável, pois se aconteceu pode voltar a reproduzirse. Maio pode esvaziar-se, domesticar-se, considerar que hoje está realizado e ultrapassado, que estamos no melhor dos mundos possíveis, que as democracias representativas som o fim da história, que a utopia perdeu vigência… A doxa (no sentido platónico de opiniom, como passo prévio aos saberes científico e filosófico. Talvez gostasse mais de empregar a palavra ‘ideologia’, com o significado de “falsa consciência”, ocultaçom do real…) do 68 em maos de “esquerdistas” reformados e de sociólogos descrevedores do status quo pode conduzir-nos a umha teleologia do presente, à volta à lógica do Mesmo, a nom olhar além de umha revolta geracional, a um revisionismo, a umha despolitizaçom, a um transitar de um Estado burguês autoritário a umha nova burguesia finaceira, liberal e moderna… Mas pode também convidar à subversom, a fazer memória, à criaçom, ao rescaldo redivivo… Som bem conhecidas as palavras de Sarkozy instrumentalizadoras, monopolizadoras e que incitam a ser amnésicos, ou melhor coveiros: “… Veu de impor-se a ideia de que todo valia, de que doravante nom há diferença algumha entre o Bem e o Mal, entre o verdadeiro e o falso, entre o belo e o feio. Eles tratavan de acreditar que o aluno valia o que o mestre (…) que nom existiam valores, nem hierarquia (…) Tratará-se de saber se a herança de Maio 68 deve ser perpetuada ou liquidada de vez.” Conhece-se bem a resposta de Sarkozy ao devandito dilema. Porém, há outras formas de encarar o assunto. Que aconteceu em Maio 68? Adentremo-nos com umhas palavras de Kristin Ross: “… Numha cidade em que as escolas estavam fechadas, nom era possível enviar umha carta nem um telegrama, nem comprar o jornal, nem cobrar um cheque, nem apanhar o autocarro nem o metro, nem deslocar-se de carro, nem comprar cigarros ou açúcar, nem olhar a televisom, nem ouvir as notícias na rádio, nem botar o lixo, nem partir da cidade de comboio, nem escuitar o prognóstico do tempo, nem dormir à noite em partes da cidade onde o gás lacrimogénio enchia os andares até o quinto andar, em dita cidade a leitura pode encher o tempo. Nestes pormenores acabou de esconder-se um sentido do que acontece com a vida quotidiana no tempo em que nove milhons de persoas, de todo o tipo de empresas, públicas e privadas, desde os empregados das lojas até os pedreiros, abandonam o seu posto de trabalho. Maio do 68 foi o maior movimento de massas na história francesa, a maior greve na história do movimento obreiro francês e a única insurreiçom “geral” que o mundo desenvolvido conheceu depois da segunda guerra mundial. Foi a primeira greve geral que se estendeu alem dos centros tradicionais de produçom industrial e afectou a trabalhadores dos sectores de serviços, telecomunicaçons e cultura, ao abranger deste modo toda a esfera da reproduçom social. Nem um sector profissional, nem umha categoria laboral, nem umha regiom, cidade ou vila de França se mantivo à margem da greve.” E logo de matinar sobre que poderia dizer a respeito do Maio 68, sem exceder os 12.000 caracteres, optei por reproduzir em parte um artigo publicado com motivo do vinte e cinco aniversário em o Xornal Diario de Ponte-Vedra (que só sobreviveu uns quantos meses), no dia 13 de Abril (o artigo era inédito e de cinco anos antes). Dizia assim: “O Maio do 68 nom foi um milagre, nem um facto inusitado, nem o acontecimento mais sobranceiro do século XX (…) Para entender minimamente o fenómeno haveria que se retrotrair aos eventos económicos que desembocárom na Primeira Guerra Mundial e, acima de todo, ao desenlace da mesma – cumpre ter em conta que a Segunda Guerra Mundial é, em boa medida, umha prolongaçom da primeira. As grandes quebras da ordem social e moral tradicionais som derivas dos anos finais da guerra e da angúria e desencanto

da posguerra. Os processos ali incoados vem-se incrementados pola Grande Depressom dos anos trinta, agravados pola Segunda Guerra e generalizados desde a década dos quarenta aos nossos dias (…) Ao centrar-se mais no assunto: O Maio françês nom era unicamente um movimento reivindicativo no ámbito do ensino – ou ao menos no seu processo deixou de o ser – era umha denúncia de umha ordem social dirigida a satisfazer um reduzido número de privilegiados em detrimento da maioria. Há que o vincular ao protesto estudantil dos anos 60: nos EUA em contra da guerra do Vietname, umha das mais macabras carnificinas do século; na Europa, em contra da sociedade de consumo (…); na América Latina, motivados polas palavras entusiásticas do Che Guevara e esperançosos numha alternativa que tivesse como paradigma a Revoluçom Cubana; na China, ao aguardar o sucesso da Revoluçom Cultural; nos países africanos, ao converter em irreversível o processo descolonizador, por mais que subjugados pola recolonizaçom; noutros lugares, ao luitar pola defenestraçom das ditaduras… Som revoluçons com umha boa dose de voluntarismo, que recusam o duplo jogo de valores da nossa sociedade: que fala de paz e fai a guerra, que fala de igualdade e pratica a espoliaçom, que fala de liberdade e Direitos Humanos ao tempo que apoia ditaduras e monopólios. Umha sociedade, em expressom de Helder Cámara, que exerce a violência institucional e provoca umha lógica violência insurreccional de resistência a que se dá resposta por meio da violência repressiva. Ao se situar (…) em França, há que dizer que, tal como a Europa industrializada, viveu um período de aceleraçom económica, de prosperidade neocapitalista, com enorme capacidade para atenuar todo o tipo de conflitos. Mas a guerra argelina e o ingresso na CEE induzem o governo de De Gaulle a um fortalecimento da economia nacional para proteger o capital francês que acabava de se ressentir dos dous referidos acontecimentos. E o financiamento de tal processo recaiu fundamentalmente sobre a classe obreira. Mas concretamente: no ano 66 tinha o horário semanal mais elevado da comunidade europeia e, ao invés, os salários mais reduzidos. Som muitos os milhons de horas de greve protagonizadas pola referida classe entre os anos 65 e 68. Em conclusom, e sem restar importáncia ao Maio do 68, nom cabe umha leitura isolada da infraestrutura económica do país e dos movimentos anticapitalistas a escala planetária. O movimento estudantil foi só o detonante de umha forte convulsom social. Segue a polémica a respeito do papel reformista ou nom dos partidos maioritários de esquerda (e mais em concrepasa a página 6


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to do PCF) e dos sindicatos (de modo principal a CGT). De feito a luita estudantil passou por umha primeira fase em solitário até o 10 de Maio. De 13 a 31 é quando se produz o vínculo entre luita universitária e luita obreira – um pouco a contragosto dos sindicatos e partidos de esquerda com mais implantaçom; de facto, entrou em declínio com os acordos de Grenelle. Por último, ficou controlada em os começos de Junho e voltou-se à ordem, ao tempo que se produzia umha forte repressom governamental fronte às organizaçons mais radicais (…) Que persiste vinte anos despois? umha importante constestaçom social, que pode traduzir-se em movimentos ecologistas, feministas, autogestionários, pacifistas, antiautoritários… Movimentos nacionalistas que som contestaçom aos monopólios – por vezes nom som outra cousa que meras organizaçoms sucursalistas dos mesmos. Um crescimento do movimento dos nom-alinhados de cara à quebra da política de blocos (…) Também há que constatar com amargueza (…) a execuçom de umha política fortalecedora do sistema (olhese o papel das social-democracias no cone Sul de Europa) (…) O Maio françês nom foi umha revoluçom. O aparelho estatal nom correu em nem umha ocasiom um sério perigo (…) Tampouco foi umha algaravia romántica. Foi umha luita por umha nova Universidade com capacidade para encarar a maciça concorrência. Umha luita polo trabalho (…) Nom foi, como pretendem muitos, umha guerrinha dos filhos de papá caprichosos (…) Fosse, como querem alguns, umha revoluçom proletária e um novo jeito de definir o proletariado numha sociedade informatizada, ou umha revoluçom cultural, ou umha simples rebeliom, ou somente umha manifestaçom em prol de umha pedagogia nom directiva, ou mesmo um fruto de imaturidade juvenil… está aí para aprender: Que nom há que desligar os obreiros do estudantado. Que as organizaçoms de massas nom tenhem de se esclerosar e devem estar preparadas para oferecer canais às novas iniciativas e abandonar os velhos dogmatismos ao ser guia e motor e nunca entrave. Que nom se tem de separar o estudantado da realidade social sob o falaz subterfúgio de neutralismo pedagógico. As Universidades, os liceus, as escolas … nom som umha ilha (…) Que a acçom antissistema tem de ser quotidiana

Raimon no concerto do estádio da Residência em 1967

e planificada. Que cada país pode assumir opçons revolucionárias específicas… Decerto que o Maio foi para o Poder “deixar ladrar os cans diante das fortalezas bem muradas e em disposiçom de aguentar todo o tipo de trombetearia”, mais nom se esqueça que nom ficou todo na mesma (…) Foi mais um berro, mas muito qualificado, em contra de umha sociedade desumanizada.” O artigo seguia com algumhas emendas, logo dese lustro entre a escrita e a publicaçom, que nom vou reproduzir… Sim quero dizer mais algo, já de volta a 2008 – precisamente o subtítulo do artigo alude a que Maio 68 nom é algo isolado, há uns antecedentes e uns prolongamentos. Quer-se indicar que os reducionismos som nefastos e arredor de Maio montáromse muitos. A modo de exemplo: som nove milhons de pessoas que vam à greve em Junho; Nantes, Caen e outros lugares som reclamos para abandonar o centralismo parisino; Bernard Lambert, activista ligado ao agro, deve ser recordado igual que os omnipresentes Serge July ou Daniel Cohn-Bendit… Nom se tem de confinar Maio ao Bairro Latino… Um Maio poliédrico que hoje, com demasiada freqüência, se confunde com revoluçom sexual ou com umha grande revoluçom cultural de signo libe-

ral ou libertário ao silenciar, entre outras, a crítica ao imperialismo. A tam cacarejada liberdade eclipsa os combates pola igualdade… Os obreiros e os militantes anticolonialistas som secundarizados ou obviados… O Gulag e o Holocausto, tam popularizados por os “novos filósofos”, a ubíqua ideologia dos Direitos Humanos, a presença nos media de determinados “intelectuais” vam na supradita linha de dissipar a memória, de amansar, docilizar, civilizar… ao presentar o mundo actual como o melhor dos possíveis. Nunca se deve confundir a assunçom do consumo ao estilo de EUA com os efeitos culturais de Maio… Portanto, nesta tentativa de mudar o crítico em orgánico (terminologia de Comte), nesta era neopositivista liquidadora de sonhos, nesta pretensom de apresentar o após-Maio como o grande rio que volta ao seu canal, neste desejo de trocar o fenómeno num episódio de luita geracional e de se referir aos jovens como descarreirados que regressam ao bom caminho, neste processo de banalizaçom… temos de reivindicar a acçom comunista, no sentido que tenho explicado noutros escritos (um comunismo de luita, como figura em A Ideologia Alemá de Marx, e nom um comunismo de etapa final), a luita anticapitalista e nom permitir que se elimine a componente fulcral de classe… Lembrar en funçom da luita e nom da claudicaçom e de umha justificaçom autocomplacente.

Para pôr ponto e final quero mencionar três escritos, que me parecem cruciais para se adentrar nas procelosas águas do Maio 68. Um deles é um longo artigo em três partes de Alain Bihr, que leva por título Maio-Junho 1968 em França (pode encontrar-se em: http://www.alecontre.org./ print/Bihr68­_1.html). A primeria parte, subtitulada o epicentro de umha crise de hegemonia, analisa o mundo na segunda metade dos anos 60 (que naceu nos dias que se seguem à Segunda Guerra Mundial); recorda com brevidade que se entende polo conceito gramsciano de hegemonia; e indaga com minuciosidade a crise do bloco hegemónico sob o gaullismo. A segunda parte pesquisa a ofensiva proletária e a contraofensiva capitalista: as transformaçons da condiçom proletária no seio do fordismo, a construçom de diques para conter as águas das luitas proletárias, e o refluxo dessas luitas. A terceira parte esculca a longa marcha desde a contestaçom até a submissom voluntária (lembrando com esta expressom o título do discurso de Etienne de la Boëtie). Outro é o livro de Kristin Ross, de que se transcreviam umhas palavras supra. O seu título, em versom espanhola, Mayo del 68 y sus vidas posteriores. Ensayo contra la despolitización de la memoria, onde se nos explica como o Poder nom pode deixar de governar a memória e trata de reduzir a mesma, de neutralizar a dimensom política, de liquidar qualquer indício de ruptura, de favorecer todo o tipo de amnésias, de dobregar subjectividades revolucionárias, de mudar en inofensivas as simbologias… E um terceiro seria umha enciclopédia da contestaçom, com perto de 900 páginas, sob o título de La France des années 1968, com quase que 80 colaboradores e que se pergunta se findará algum dia Maio 68. A direita, sempre disposta a trazer à memória, encarniça-se contra esse pasado. Quarenta anos despois ele, o Maio, denuncia as pegadas na sociedade francesa. A confissom é de tal proporçom e, paradoxalmente, indica bem a largura e intensidade de um acontecimento que nom pode circunscrever-se só ao mês de Maio de 1968, nem à França do general de Gaulle. Esta obra testemunha: que o desferrar das velas foi mais extenso, tocante a vários continentes, mais longo, ao se dilatar até o fim dos anos 1970. Esta enciclopédia, que abrange vozes muito diversas, relata esta despedaçadora época e analisa esta sublevaçom planetária… concluo o artigo com as palavras finais do limiar: Nom há história fechada, todo será de novo possível. Domingos Antom Garcia Fernandes é filósfo

LIVROS Robert Biel El nuevo imperialismo. Crisis y contradicciones en las relaciones Norte-Sur México, Siglo XXI editores, 2007. 591 páginas Tenta este livro fazer umha análise das origens e do curso da fase actual do capitalismo internacional que considera iniciada no final da década dos setenta do século pasado. Emprega o materialismo histórico como principal ferramenta, pois ajuiza que é a mais crítica das teorias por nom estar comprometida com a apologia dos sistemas existentes. E julga particularmente importantes os aspectos que venhen a seguir: O direito das classes trabalhadoras a defender os seus interesses ao tempo que salvaguardam os seus meios de vida imediatos no sistema existente. O método dialéctico que reconhece que a identidade de um fenómeno está determinada por forças contraditórias que operam dentro deste e que salienta a releváncia do nível subjectivo, isto é, o papel da vontade humana. Umha forma de entender a acumulaçom do Capital bem distinta da oferecida polas economias convencionais. No núcleo da mesma: o trabalho humano alienado. A modo de exemplo: amiúde fai-se crítica do Banco Mundial por nom promover o desenvolvimento. Mais umha visom non convencional compreende que a sua funçom é promover a devandita acumulaçom do Capital e a tranferência de riquezas do Sul. A teoria da dependência, em perspectiva Centro-Periferia, com umha dívida especial com o trabalho de Samir Amin. Um modelo explicativo em que se incluem quatro factores: a classe, a “raça”, o género e o ambiente. Mas vendo de evitar o eclecticismo ou a justaposiçom de distintas teorias sem un princípio unificador. Cuida que o traço esperançoso do período actual é a enorme quantidade de movimentos populares, um pouco disseminados hoje, mas que a crise demandará cada vez mais que se unam arredor de algumhas respostas, tanto imediatas como estratégicas. A ediçom inglesa é de 2000 e acrescentou-se às ediçons em árabe e em espanhol um novo capítulo final que analisa criticamente os sucessos acaecidos na entrada do século XXI, como a Guerra de Iraque… Em opiniom do mencionado Samir Amin, este livro está a centrar-se na essência do capitalismo global que nom permite que as “regions atrasadas” se emparelhem com as mais avançadas. Ao contrário: produz e reproduz umha fenda que está a se alargar de contínuo e que os economistas convencionais ignoram, pois nom estám a analisar o capitalismo existente, mas um sistema imaginário de mercados governados por leis económicas puras. (Domingos Antom Garcia Fernandes)

Néstor Kohan Marx en su (Tercer) Mundo. Hacia un socialismo no colonizado Ediciones Pensamiento Crítico, Bogotá, 2007 (3ª Ediçom). 363 páginas Recomendamos nesta ocasiom a leitura do livro de um autor de quem guardamos um grato recordo pola sua recente visita ao nosso país, como relator na última ediçom das Jornadas Independentistas Galegas, organizadas polo nosso partido. Se tivermos que destacar um aspecto do papel que joga o Néstor Kohan na sua actividade como propagandista e criador de teoria revolucionária, possivelmente seja a sua preocupaçom por combater o esquematismo da suposta ortodoxia marxista, herdado da nefasta influência da degeneraçom burocrática da URSS. O Néstor, em muitos dos seus escritos, encarregou-se de reivindicar a necessidade de entender o marxismo como umha filosofia viva, um método de interpretaçom da realidade em que os dogmas nom tenhem cabimento e que continuamente tem que contrastar a sua validez com a realidade. Umha visom antidogmática que fai umha especial ênfase na reivindicaçom das tradiçons marxistas nom eurocêntricas, com um peso destacado da herdança do pensamento de Mariátegui e Guevara; mas também de outros grandes hereges do marxismo, como António Gramsci. O presente livro é reivindicado polo próprio autor como umha ferramenta da combate, nascido numha primeira ediçom como umha defesa do marxismo no momento de refluxo após a queda da URSS e actualizado, já na década actual, para a conjuntura da emergência da nova onda revolucionária na América. Seja como for, advertimos que nom se trata de um panfleto, mas de um intenso livro de teoria marxista; que embora fique longe de ser um livro de filosofia academicista, nom deixa de obrigar a umha leitura atenta e cuidadosa para o perceber com a devida claridade. (André Seoane)

WEB Francisco Martins Rodrigues Os anos do silêncio Dinossauro Edições e Abrente Editora, Lisboa, 2008. 103 páginas. Os textos inéditos de Francisco Martins Rodrigues (1927-2008) que aqui se publicam, começounos ele a escrever em 2006 e versam sobre os seus primeiros tempos de clandestinidade e prisom. Sempre se manifestara contrário a essa ideia do velho militante que, no fim da vida, publica as suas memórias; aquelas que conhecia surgiam quase sempre embelezadas com fantasias moralizadoras. Mas foi sensível à noçom de que seria importante as geraçons que nom conhecêrom a terrível época da repressom salazarista terem à disposiçom depoimentos na primeira pessoa de protagonistas desses distantes anos do silêncio –como lhes chamou– que forçárom os “funcionários” comunistas a longos períodos de confronto com a repressom. Por isso se pujo a alinhavar estas recordaçons que, redigidas num registo pessoal e emotivo, transmitem, com toda a verdade e singeleza, várias das suas experiências de revolucionário profissional na regiom de Lisboa. No meio de mil e um afazeres que constantemente o solicitavam, o trabalho estava incompleto quando a doença fatal o surpreendeu. No último mês de vida, ainda acrescentou alguns apontamentos, que incluímos no texto em itálico. Na segunda parte deste livro e como complemento às narrativas redigidas em 2006, republicam-se dous textos seus, nunca editados na legalidade e há muito fora de circulaçom: o relatório sobre a tortura do sono (1966) e a defesa em tribunal (1970). A Dinossauro publica este volume em conjunto com a galega Abrente Editora, na seqüência de um protocolo de colaboraçom e amizade através do qual, em boa hora, as duas casas editoras se comprometem a divulgar a obra de Chico Martins, a cuja acçom política tanto devem. (Nota da Ediçom)

Associaçom Galega de Amizade com a Revoluçom Bolivariana www.agarb.blogspot.com A nova entidade galega solidária com a Venezuela revolucionária constituiuse no passado dia 7 de Junho na cidade de Vigo. A organizaçom da solidariedade com o processo bolivariano, que originou a AGARB, dá agora lugar a um blogue da entidade, em que se oferece toda a informaçom sobre o processo constitutivo, iniciado em Setembro de 2007. No blogue também se oferecem os seis Princípios que definem o colectivo, que nasce em sintonia com o Consulado da República Bolivariana da Venezuela em Vigo. Além das informaçons relativas às actividades próprias, a AGARB oferece no seu blogue ligaçom para notícias emitidas polo governo bolivariano, pola Agência Bolivaria de Notícias e por Aporrea, espaço web de referência para acompanhar o dia a dia do processo venezuelano. Recomendamos nom só visitar o novo blogue galaico-bolivariano, mas também aderir à nova entidade de amizade entre os dous povos.


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Isso da pentagonizaçom do imperialismo estadounidense nom é um simples falar, nem deve ser medido exclusivamente com os parámetros convencionais da militarizaçom da política exterior de um ‘superestado’ com delírios de domínio mundial. O nível actual de pentagonizaçom dos EUA guarda relaçom com a amálgama entre Estado, ciência, complexo industrial-militar e corporaçons privadas ligadas, numha fase de grande decadência e, portanto, de muita agressividade. Tem-se falado muito do ‘Echelon’, programa estado-unidense utilizado para espiar os seus aliados, nomeadamente empresas e empresários europeus. Também se conhece bastante de ‘Carnivore’, programa espia informático para monitorear a Internet (o que lá se escreve), criado e desenvolvido polo FBI no contexto do governo do ‘bonzinho’ Bill Clinton. Tem sido bastante analisada também a tese da guerra preventiva e todo o relativo à tristemente famosa ‘guerra antiterrorista’, ‘guerra global’ ou ‘guerra infinita’, posta em prática a patir do Pentágono e da Casa Branca para conquistar petróleo, gás, água, biodiversidade, ópio e minerais estratégicos; dadas as agudas carências dessa grande potência, predadora e consumista em extremo, temerosa de aportar por isso ao fim da vida como império. Reitera-se, além do mais, a cada passo, o programa de ‘guerra das galáxias tam questionado por amplos sectores do planeta. Agora mesmo, nom poucas mentes estám atentas à reabilitaçom e ao andamento da IV Frota da Armada dos Estados Unidos, comandada polo Contraalmirante Joseph Kernan, chefe do comando de Tácticas Especiais de Guerra Naval e ex-membro do Grupo SEAL, comando de elite de amplas experiências de extermínio no Vietname, Laos e Camboja. O ‘terrorismo’, o ‘narcotráfico’ e a ‘migraçom’ som os alvos proclamados desse operativo naval, que tenciona agora entrar à rede dos grandes rios sul-americanos para preparar o seu plano oculto: a tomada militar da Amazonia e das suas enórmes riquezas, sobretodo aquelas linhas em que os EUA exibe um dramático défice para a continuidade da sua vida imperial.

Narciso Isa Conde

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As diabruras de um império pentagonizado aos EUA dominar regions inteiras: “Seria a arma preventiva por excelência. Pode dirigir-se contra países inimigos ou ‘naçons amigas’ sem o conhecimento delas, utilizar-se para desestabilizar economias, ecossistemas e a agricultura. Poderia ainda devastar os mercados financeiros e comerciais. Umha agricultura desestabilizada cria maior

causar à humanidade os maiores danos na sua missom impossível de sobreviver dominando. E nada disto foge, além da pentagonizaçom extrema do poder estado-unidense, à enorme crise multifacética dessa grande potência, ao arrastamento da mesma em escala mundial e às grandes comoçons sociais e políticas que está chamada a provocar no nosso continente.

Atençom: Guerra climática! Mas todo isto fica curtinho quanto a vocaçom perversa e a capacidade de maldade para se impor pola via da força, a destruiçom, o ecocídio e o genocídio, ao determo-nos para observar o seu innovador e tenebroso capítulo sobre ‘guerra climática’. Vejamos: “Em Gakona, Alaska, a Força Aérea, a Marinha e o Gabinete de pesquisa de projectos avançados de defesa do Pentágono instalárom 180 antenas que funcionam como umha só e som capazes de emitir até um biliom de ondas de rádio de alta freqüência que introduzem umha massa ingente de energia na ionosfera, ou camada superior da atmosfera, que reenvia para esta radiaçons que aumentam a sua temperatura. Pode-se assim induzir umha mudança na ionosfera que permite alterar o clima de umha zona seleccionada da superfície terrestre com seqüelas desastrosas: chuvas excessivas, inundaçons, multiplicaçom dos furacáns, secas prolongadas, terramotos, a interrupçom da subministraçom eléctrica e das comunicaçons por cabo, acidentes graves em gasodutos e oleodutos, etc. Será umha arma de guerra geofísica?... “O economista canadiano Michel Chossudovsky assinala que a manipulaçom do clima permitiria

dependência da ajuda alimentar e da importaçom de grao procedente dos EUA e de outros países ocidentais” (Dezembro de 2007). Há mais: os seus efeitos podem ser graves para o cérebro e para o comportamento humanos”. (Da guerra climática. Juan Gelman). A partir dessa realidade, é lógico deduzir que a arma da guerra climática está a ser utiizada sem limites de escrúpulos contra a Bolívia, Equador, Venezuela, Cuba… por cérebros revirados ao serviço de um imperialismo realmente facineroso, capaz de

Faleceu Ramom Muntxaraz, velho militante independentista e comunista No passado dia 29 de Junho, o independentismo galego perdeu um dos mais veteranos e reconhecidos militantes pola independência e o socialismo. Ramom Muntxaraz, de 61 anos, participou durante décadas na luita pola ruptura democrática e pola revoluçom socialista da única maneira que é possível fazê-lo na Galiza: assumindo posiçons inequivocamente independentistas. Sempre enfrentado aos valores dominantes, a começar polo seu papel revolucionário no ámbito profissional da psiquiatria, destacou sempre polo seu compromisso, a sua solidariedade com os oprimidos

e marginalizados polo sistema, pola intransigência revolucionária. A sua militáncia começou na sua terra castelhana de origem e continuou durante décadas na Galiza, como integrante do nacionalismo galego maioritário quando ainda era digno de tal nome, e a partir de meados da década de oitenta como militante independentista na primeira FPG e depois na APU. De Primeira Linha, fazemos público reconhecimento da figura de Ramom Muntxaraz, que é já parte do património histórico do povo trabalhador galego que luita pola independência nacional e o socialismo.

Três perguntas incómodas Três perguntas me chegam à cabeça: Devem desarmar-se os estados e as forças antiimperialistas face a tal situaçom? Será que é o momento certo para as FARC pactuarem a paz com Uribe? O que é é que Barak Obama poderia fazer na Casa Branca contra esta marca imperial? O desarmamento militar das forças alternativas é tam suicida como o seu desarmamento ideológico. E, no caso colombiano, é particularmente nocivo nom

apenas para as perspectivas de umha mudança política substancial nesse país, o qual necessariamente passa pola derrota do engendro narco-paramilitar, oligárquico-imperialista e neoconservador representado polo regime de Uribe, como ainda para a defesa continental dos processos avançados latino-caribenhos, e muito especialmente para os da Venezuela e o Equador como países vizinhos. É verdade que essese tenebrosos planos e programas –especialmente os que tenhem que ver com a acçom destrutiva directa dentro dessa peculiar concepçom da política de defesa dos EUA como potência decadente– se sintonizam muito mais com a maneira de pensar de MacCain (como continuidade neoconservadora) do que com a ideia do imperialismo ‘suave e inteligente’ assumida por Obama e por certos ‘tanques pensantes’ do Centro para Estratégia e Estudos Internacionais (CSIS), da Comissom Trilateral e da Comissom de Relaçons Exteriores. Mas nom pode perder-se de vista que se trata de programas reais de umha espécie de ‘supra-poder’, de poder permanente ou fáctico, que nem passa por eleiçons nem é fácil de conter ou vergar. Por isso, Kennedy e a Baía dos Porcos venhem-me à mente, se bem que em lugar da agressom a umha baía e a umha ilha caribenha, agora se trate de umha missom de muito maior dimensom e intensidade, de umha missom de guerra que devemos converter em impossível: a tomada militar da Amazonia e de todo um continente com grandes mudanças em curso. E para tal, há que pensar numha resistência maciça e integral, num combate em todos os cenários, institucionais e extra-institucionais, regulares e irregulares, pacíficos e violentos, cívicos e insurgentes. Quer ganhe MacCain, quer Obama, ganhe o que mais harmoniza com o pentagonismo ou o que destoe em maior medida com ele, nom é aocnselhável depor firmezas nem clausurar vias, meios e roteiros. Há que proceder em funçom da dureza essencial com que o grande inimigo dos povos agir, qualquer que seja o seu rosto externo. Para dar a resposta merecida aos mercenários de Girón e frustrar o plano gringo, Fidel nom reparou na presença de Kennedy na Casa Branca. Por cima dela tivo lugar o desembarco contra-revolucionário em Cuba e o golpe de Estado contra Bosch na República Dominicana. Os factos som os factos e em frente deles e dos seus protagonistas é que cumpre actuar. A tese das ‘guerras preventivas’, o programa de ‘guerra global’, a mobilizaçom da IV Frota, Echelón, Carnívore, o Plano Haarp, o Plano Colômbia-Iniciativa Andina, a transferência da Base de Manta à Guajira colombiana (perto da fronteira com a Venezuela), os planos separatistas contra a integridade da Bolívia, Equador e a Venezuela, a infiltraçom paramilitar na Venezuela e Equador, a injecçom militarista para tentar converter a Colômbia num género de sub-imperialismo… nem som planos sem importáncia nem tenhem sido objectados por nengum dos componentes do bipartidarismo estado-unidense nem polos seus actuais candidatos. Nom há, portanto, razom para baixarmos a guarda, menos ainda quando a profunda crise do ‘centro do mundo (EUA) terá que abalar as nossas naçons periféricas-dependentes. Está na hora de pensar com determinaçom de combate o despregamento de criatividade, somando e articulando toda a diversidade revolucionária e progressista. Narciso Isa Conde é membro da Presidência Colectiva da Coordenadora Continental Bolivariana


Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 / www.primeiralinha.org Conselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correcçom lingüística: Galizaemgalego. Maqueta: ocumodeseño. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 10 de Julho de 2008 Correspondência: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Correios electrónicos: sgprimeiralinha@primeiralinha.org / primeiralinha@primeiralinha.org / Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta. Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados. Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997

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