A classe obreira na história da Galiza

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A Galiza do Século XXI Ensaios para a Revoluçom Galega



Carlos Taibo Carlos Morais Carlos Velasco Ángel R. Gallardo Marta Rodrigues Braúlio Amaro Francisco Martins Rodrigues José Maria Garcia Vila Verde Maurício Castro Limiar Domingos Antom Garcia

A Galiza do Século XXI Ensaios para a Revoluçom Galega

Galiza, 2007

Colecçom Construirmos Galiza • 12


A Galiza do Século XXI. Ensaios para a Revoluçom Galega Primeira ediçom, Setembro de 2007 Autor: VVAA Edita: Abrente Editora Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao, 15703 Compostela (Galiza) Telefone: 616 868 589 abrenteeditora@primeiralinha.org www.primeiralinha.org Imprime: Tórculo Artes Gráficas Tiragem: 500 exemplares Data de impressom: Setembro de 2007 Impresso em papel reciclado ISBN: Depósito Legal:


ÍNDICE A modo de limiar Domingos Antom Garcia

...............................................................7

Umha nota sobre a Galiza na globalizaçom capitalista Carlos Taibo ..............................................................................23 Velhos e novos paradigmas da esquerda independentista. Umha leitura comunista Carlos Morais ............................................................................39 A classe obreira na História da Galiza. A negaçom dum sujeito determinante Carlos F. Velasco Souto ..............................................................51 A imprescindível recuperaçom da memória histórica da Galiza contemporánea Ángel Rodríguez Gallardo ............................................................69 Indústria de conteúdos, indústria de consciências Marta Rodrigues .......................................................................95 A autodeterminaçom, um direito e umha necessidade Bráulio Amaro .........................................................................105 Ibéria Francisco Martins Rodrigues

......................................................119

Pararmos as agressons à Terra, em e da Galiza José Maria Vila Verde ...............................................................127 A sorte está lançada? Sobre a continuidade do galego-português na Galiza do século XXI Maurício Castro ........................................................................151



A classe obreira na História da Galiza. A negaçom de um sujeito determinante Carlos F. Velasco Souto é historiador do movimento operário galego e professor de História na Universidade da Corunha

Em períodos relativamente dilatados do nosso passado recente tem estado vigente na opiniom pública galega, e incluso em boa parte do discurso da nossa “classe política”, umha visom tópica da Galiza como que país constituído quase em exclusiva, nos seus segmentos populares, por labregos e marinheiros. A classe operária, quando existia, era vista como algo secundário, quase anedótico, em qualquer caso nom fazendo parte da essência profunda da nossa sociedade (para uns) ou do nosso ser nacional (para outros) que até certo ponto vinha distorcer. Pouco importava a este respeito, mesmamente, que a maioria dos marinheiros mencionados fossem na realidade trabalhadores assalariados e, portanto, susceptíveis de serem integrados de pleno direito na categoria genérica de proletariado. Esta visom, de ressaibos inequivocamente conservadores, impregnou também fundamente o nacionalismo galego através da sua corrente neotradicionalista, aquela que por minoritária, clerical e reaccionária acabaria por abandonar o Partido Galeguista no trecho final da II

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República . Mas nom havia ficar restrita a ela. Sem ir mais longe, o Sempre en Galiza de Castelao é em boa medida tributário desse discurso, embora o matize substancialmente para dar cabida aos obreiros no projecto de construçom nacional galego, tal como demandavam os ventos de progresso imperantes na etapa republicana e fazia aconselhável a política de alianças empreendida na altura polo PG . A contrapartida a esta relativa invisibilidade da massa operária vinha dada, como é natural, da perspectiva das suas organizaçons de classe, fossem partidos ou sindicatos. Se acaso o seu discurso característico, de perfis nitidamente diferenciados face ao do pensamento dominante, enfermava por vezes do defeito contrário ao assinalado até aqui, isto é, de conceder umha centralidade quase assovalhante ao elemento proletário que redundava numha certa abstracçom a respeito do contexto social maioritário. Bem é verdade, porém, que as tentativas de ligaçom com este último fôrom constantes na vida real. Daí as iniciativas de socialistas, comunistas e anarquistas, em diversos momentos do século XX, para incorporarem à luita de classes os segmentos mais conscientizados da sociedade camponesa. Umhas iniciativas, todo há que dizê-lo, coroadas por um relativo êxito tanto nos compassos finais do regime republicano (na etapa da Frente Popular) como no imediato pós-franquismo. Os tempos mais propícios para umha revalorizaçom sociológica do mundo dos trabalhadores assalariados fôrom sem dúvida —à parte os da II república— os do franquismo serôdio e primeiros anos da restauraçom monárquica. Daquela, o maciço incremento do número de operários da indústria e os serviços, de umha parte, e o fortalecimento da sua consciência de classe e prática organizativa a conferir-lhes um protagonismo decisivo na luita polas liberdades democráticas, de outra, tornárom inquestionável a releváncia do elemento obreiro na sociedade; ao ponto de ele se manifestar, mesmo, como o principal agente dinamizador das estruturas económicas e sócio-políticas da nossa Terra.

. A caracterizaçom de neotradicionalista é da autoria de Justo G. Beramendi e Xosé Manoel Seixas (1995): O Nacionalismo Galego. Vigo, Eds. A nosa Terra, pp. 99 e ss. . Alfonso Rodríguez Castelao (1976): Sempre en Galiza. Madrid, Ed. Akal, pp. 4750, 53-54 e passim.

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Pois bem, partindo destas premissas, este artigo persegue um duplo objectivo. De umha parte, aquilatar a releváncia qualitativa da classe

. No início da década de oitenta o índice de populaçom activa ocupada no sector primário situava-se em torno dos 45%, enquanto os assalariados industriais supunham pouco mais de 21%. Vid. Galicia en cifras. Anuario. Santiago, Xunta de Galicia, conselleríade Economía e Facenda, 1987.

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Assim e todo, a sobrevivência da sociedade agrária tradicional até bem entrada a década de sessenta e o próprio peso que conservava o sector primário no conjunto da nossa economia, decerto avultado ainda no princípio dos anos oitenta num país caracterizado pola grande dispersom da populaçom e a ausência de grandes centros urbanos, voltárom a incidir numha nova subestimaçom do dimensionamento qualitativo da classe operária . Subestimaçom se calhar um chisco mais interesseira agora do que antes, porquanto a burguesia beneficiária do modelo de transiçom democrática triunfante (o da reforma pactuada) precisava a todo o custo de manter na subalternidade um sector sócio-laboral que, desde as luitas do setenta e dous, dera mostras de possuir um potencial de transformaçom social nada desprezível, ameaçador em qualquer caso do projecto de hegemonia liberal-conservadora que ela (a burguesia) encarnava. Em tais condiçons, nada melhor que elaborar um discurso que minimizasse a importáncia do adversário, esvaecendo os seus perfis. O resultado nom podia ser outro que a revitalizaçom dos consabidos preconceitos de sociedade rural, conservadora, apegada a tradiçom, ainda por modernizar… tam caros ao pensamento dominante e o seu aparelho de endoutrinaçom inerente, e a sua relativa interiorizaçom por amplos segmentos da nossa populaçom. Acresçam-se a isto os efeitos devastadores que as políticas neoliberais ensaiadas de jeito implacável daí em diante polos sucessivos governos do Reino, causariam numha classe obreira progressivamente segmentada, desmoralizada e privada (polos pactos da Transiçom e a capitulaçom de umha parte dos seus dirigentes) de boa parte dos seus mecanismos tradicionais de defensa, entre os quais a sua própria cultura proletaria noutrora norteada por valores como a identidade de classe, a combatividade e a solidariedade. Até o decisivo contributo dos trabalhadores para a chegada da democracia era agora posto em causa impunemente...


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operária e o seu segmento de vanguarda (quer dizer, o movimento obreiro organizado) na História da Galiza, mais alá da sua dimensom estritamente quantitativa. De outra, salientar a sua contribuiçom para a democratizaçom e modernizaçom da nossa sociedade, sem passarmos por alto o seu conflituoso relacionamento com com os sinais de identificaçom básicos de Galiza como naçom. Para isso revistaremos os fitos mais significativos do seu processo de formaçom e consolidaçom ao compasso da luita de classes, mencionando a seguir, sequer de passagem, as mutaçons introduzidas pola barbárie neoliberal destes últimos anos. As Origens Os primeiros passos da classe operária na Galiza podem remontar, talvez, à segunda metade do século XVIII, momento em que bota a andar a construçom naval no complexo militar-industrial da ria de Ferrol. No moderno arsenal levantado no esteiro dos rios Júvia e Belelhe fôrom daquela concentrados vários milhares de trabalhadores, assalariados “livres” uns, penados outros, entre cujas manifestaçons de rebeldia cabe resenhar, segundo alguns testemunhos, a realizaçom das primeiras greves em sentido moderno da nossa história. Nascia assim a classe em si, curtida no fragor de duros combates com o Estado-patrom , aliás num contexto de total ausência de liberdades e direitos cidadaos, próprio das monarquias absolutistas. Teria de trascorrer quase um século antes de o proletariado galego, escasso em número e apenas com presença nuns poucos núcleos urbanos, se constituir em classe para si, quer dizer, num estrato social coeso, com consciência de si próprio e dotado tanto de referentes ideológicos como de modelos organizativos autónomos a respeito de outras classes. Foi durante o chamado Sexénio Revolucionário (1868-1873), umha vez consumada, em 1872, a ruptura do movimento obreiro com o republicanismo federal de face pequeno-burguesa a reboque do qual se desenvolvera com

. Nom por acaso, segundo um dos mais reputados investigadores da temática obreira e os movimentos populares, a luita de classes é consubstancial ao nascimento da própria classe. E. P. Thompson (1977): La formación histórica de la clase obrera. Barcelona, Laia, vol. 1, pp. 7-14.

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O número anterior é, com certeza, modesto (repare-se que o total da filiaçom a nível espanhol se achegava aos sessenta mil obreiros), mas nom supunha um mau começo num país onde aproximadamente 90% da populaçom eram camponeses e, fora do Arsenal de Ferrol e da Fábrica de Tabacos da Palhoça (Corunha), nom existiam concentraçons operárias de importáncia (no primeiro de ambos casos, a mais, sob regime militar). De todos os jeitos, a pequena dimensom numérica nom impediu que o dinamismo inerente à classe trabalhadora (motivado nom por nengum destino manifesto como polas suas duras condiçons de vida e de trabalho e a sua especificidade dentro do quadro sócio-económico do País) devinhesse num crescente protagonismo na vida pública, tanto mais visível quanto que as acçons de força e movimentaçons de rua constituíam praticamente as suas únicas armas defensivas . De entre estas últimas merecem especial

. X. M. Moreno González (1990): “A I Internacional en Galicia (1868-1874)”, em X. R. Barreiro e outros: O movimento obreiro en Galicia. Catro ensaios. Vigo, Xerais, pp. 21-113. . Por razons de claridade teórica, e também a efeitos práticos, convém nom confundirmos a história da classe operária com a história do movimento operário, ou seja, do sector de vanguarda dela. É óbvio serem cousas diferentes. Se aqui, inevitavelmente, se fam mais referências ao segundo é porque contamos com relativamente pouca informaçom a respeito da primeira e, para além disso, interessa sublinhar no

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anterioridade. Daí em diante os trabalhadores assalariados e artesaos estivérom já em possessom de um projecto social alternativo ao dos seus dominadores: o representado pola I Internacional (AIT), mormente na sua versom anarquista, maioritária na altura no nosso país. De 1871 —antes mesmo da ruptura— data a primeira Federaçom Local Obreira filiada à Internacional de que temos notícia na nossa Terra. Estava localizada na Corunha. Em 1872 eram já cinco: a pioneira herculina com os seus cento e cinqüenta membros, mais as de Ponte Vedra, Ferrol, Ourense, Lugo e Vigo; estas últimas ainda em transe de constituiçom. Dez anos mais tarde, em 1882 e após vários anos de clandestinidade imposta pola implantaçom da I Restauraçom bourbónica, as três organizaçons superviventes (as da Corunha, Vigo e Lugo) enquadravam novecentos e catorze trabalhadores de diversos ramos .


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destaque as numerosas greves mantidas ao longo de todo o funesto período da I Restauraçom, bem delas gerais e com participaçom dos labregos da redonda, como a que abalou a cidade da Corunha em 1901 . Entretanto, e ao compasso desse e outros muitos combates, a classe proletária ia deixando a sua pegada na paisagem urbana de vilas e cidades através de ámbitos de sociabilidade específicos: os bairros, e de umhas pautas de comportamento e aparelhagem “institucional” (ateneus, círculos recriativos, prática de desportos populares, sindicatos, imprensa própria, rituais identificativos como a comemoraçom do primeiro de Maio) conformadores de umha cultura obreira em boa medida diferenciada — mália nom dissociada— da cultura agrária tradicional . A plenitude Em linhas gerais pode-se dizer que a classe operária galega alcança a sua plena maturidade no primeiro terço do século XX, ou seja, no período da pré-guerra. Nom é por acaso. Por essas mesmas datas, a Galiza está a experimentar umha vaga de mudanças de base (eliminaçom dos foros, acesso do campesinato à propriedade da terra, anovamento agrário, industrializaçom, crescimento urbano, abrolhar do capitalismo...) que, no seu conjunto, introduzem o País na modernidade, fazendo-o superar as inércias que pejaram o seu desenvolvimento durante todo o século anterior. É normal que, com esse pano de fundo, emerja umha classe viçosa que, quanda a burguesia, constitui o cerne da polaridade social própria da civilizaçom industrial-capitalista. Os seus efectivos medram consideravelmente ao calor do contínuo transvasamento de populaçom

volume colectivo em que este artigo se inscreve as contribuiçons para o progresso da nossa Terra dessa vanguarda obreira. . Um interessante relato e caracterizaçom da mesma podem ver-se no artigo de Antón Capelán Rei (2002): “A cen anos da folga xeral de maio na Coruña. Seis mortos e corenta feridos de bala.”, A Nosa Terra, nº 1020 (do 7 ao 13 de Fevereiro). . Umha radiografia ficcionalizada deste processo de mudança do labrego em obreiro, com a aquisiçom de umha nova cultura e umhas novas pautas de comportamento, pode ver-se no conhecido romance de Eduardo Blanco Amor, Xente ao Lonxe, passim.

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Ora, que caracterizaçom concreta apresenta nesta altura o proletariado galego? Seguíndomos Dionísio Pereira, três som os traços essenciais que o definem: numericamente reduzido, escassamente concentrado e com um forte componente artesao11. Fraco panorama, aparentemente, levando de conta o que acabamos de afirmar acerca da alegada maturidade da nossa classe trabalhadora. Mas nom é tanto assim, como veremos de seguida. Na realidade, nom surpreende esta caracterizaçom se considerarmos o tipo de país que a Galiza era daquela: maioritariamente agrário, com 65,3% da sua populaçom activa ainda no sector primário em 1930, apesar das mudanças anteriormente referidas. Por outra parte, devemos lembrar tanto a origem rural de umha boa parte dos assalariados, a dificultar a definiçom de uns perfis classistas nitidamente operários, quanto a reduzida dimensom e carácter familiar de muitas empresas, entrave quase insalvável para a prática associativa e sindical, nomeadamente no meio vilego. E, finalmente, estám os ressaibos de mentalidade gremial presentes em muitas profissons, diluindo as contradiçons entre mestre-patrom e assalariados. Som estas limitaçons que explicam o desenvolvimento relativamente vagaroso do movimento operário galego, comparado com o das áreas mais modernas e industrializadas da Península12; o que nom o impediu, assim e todo, de

. Os 134.000 assalariados da indústria (14,7% da populaçom activa) e 183.000 dos serviços (20%) registados em 1930 nom eram precisamente umha cifra irrelevante, mália estarem ainda muito longe dos quase 600.000 labregos e marinheiros (umha parte destes, nom esqueçamos, igualmente assalariados) existentes no País. 10. A título de exemplo veja-se, para o caso de Vigo e a sua área envolvente, o ilustrativo trabalho de Vítor Oia (2006): “Asociacionismo na periferia do traballo. O caso de Vigo e Lavadores”, em VV.AA.: A II República e a Guerra Civil. Actas do II Congreso da Memoria. Culleredo, Asociación Memoria Histórica Democrática, Concello de Culleredo e Deputación Provincial da Coruña, pp. 193-222. 11. Dionísio Pereira (coord., 1992): Os conquistadores modernos. Movimento obreiro na Galicia de anteguerra. Vigo, Xerais, p. 10. 12. Os sectores laborais em que se achava mais solidamente implantado o movimento operário galego eram a indústria e os serviços da Corunha, Vigo e Ferrol, onde a taxa de sindicaçom atingia percentagens superiores aos 50% da populaçom trabalha-

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activa de sector primário cara ao secundário e terciário . E com eles ganham força também a dinámica organizativa e mais a articulaçom de um tecido sócio-cultural de base popular e arraizada consciência de classe10.


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exercer um protagonismo social e político notável, em qualquer caso muito superior ao que polo seu estrito peso numérico lhe correspondia. Para além do mais, experimentaria umha progressom tal que se tornaria em pouco tempo um dos agentes sociais mais dinámicos e, já no sol-pôr da República, no principal movimento de massas do País. Seria precisamente o contexto aberturista do regime republicano nascido em Abril de 1931, junto com a acumulaçom de forças e experiências de todo o período anterior, o animador da expansom sem precedentes protagonizada polo movimente operário antes da tragédia de 1936. Com efeito, nos escassos cinco anos de experiência democrática e ao abrigo das liberdades e direitos cidadaos garantidos na sua Constituiçom, proliferárom os sindicatos de ramo ao longo de toda a Galiza, em paralelo ao crescente grau de intervençom das organizaçons obreiras na vida pública, já se tratasse de partidos políticos (PSOE, PCE, POUM), já de centrais sindicais (UGT e CNT). Estas últimas repartiam-se, na altura, quase a partes iguais a militáncia obreira conscientizada. Com más relaçons entre si —a cousa vinha de velho— as suas retesias vírom-se acrescentadas no biénio 193133 polo favoritismo dos governos republicano-socialistas para com a UGT. Porém, as reviravoltas conjunturais do período haviam de forçá-las a um certo entendimento apartir dos meses finais de 1934 (seica mais cedo aqui do que noutras comunidades espanholas), traduzido numha progressiva unidade de acçom que alcançaria o seu ponto mais alto na etapa da Frente Popular. Antes disso, e ainda marchando por separado, ambas as duas centrais tiveram ocasiom de se manifestar como autênticos pontais na obtençom de melhorias para o conjunto da classe trabalhadora, quer através da elaboraçom pactuada com o patronato de bases de trabalho sectoriais bastante avançadas para a época (caso da UGT), quer “arrincando” aos empresários e aos governos convénios colectivos igualmente favoráveis

dora; a construçom e e os ofícios semi-artesanais das restantes cidades e algumha que outra vila (Tui, Vila Garcia, Marim...), as obras do estendido do caminho de ferro Samora-Ourense-Corunha e, finalmente, o colectivo de marinheiros enquadrados na pesca industrial. Dionísio Pereira: Op. cit., pp. 13-14.

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Todo isto nom quer dizer que a trajectória da classe operária galega e do seu segmento de vanguarda fosse um caminho de rosas. Apesar do aquel relativamente moderado dos sindicatos galegos (inclusive da Confederaçom Regional Galaica da CNT) e da política laboral presumivelmente progressista do biénio azañista, a repressom das manifestaçons mais barulhentas da conflitividade obreira estivo na ordem do dia e foi decerto contundente; os abusos patronais nas empresas com feble ou nula implantaçom sindical continuárom; em muitos fogares populares passava-se fame e penúrias de todo o tipo e as greves fôrom constantes13. Muito pior fôrom ainda as cousas no biénio 1934-35, a raíz da chegada ao poder das direitas. A repressom recrudesceu-se enormemente sobretodo apartir da greve geral política de Dezembro de 1933 e das tentativas de greve e insurreccionais de Outubro de 1934. Parece ter sido, precisamente, a percepçom da contra-ofensiva em toda a regra do Capital o que acelerou a convergência entre as diversas correntes do movimento operário galego (socialistas, comunistas e anarco-sindicalistas) através das Alianças Obreiras. Preparava-se o capítulo mais virulento da história da luita de classes na Galiza14. A vitória da Frente Popular nas eleiçons de Fevereiro de 1936 deu azos a um impressionante ressurgir do movimento operário organizado, agora

13. Para além das greves de 1932: da construçom naval em Ferrol, do sector pesqueiro em Vigo e das obras do caminho de ferro em diversos pontos da linha; e de 1933: a da construçom na Corunha, merece destaque a do metal da comarca viguesa desenvolvida de a cavalo entre 1935 e 1936, em que os trabalhadores, dirigidos nessa ocasiom polo PCE, conseguem a jornada de 44 horas, estendida logo a todo o ámbito estatal. 14. Vid. Carlos F. Velasco Souto: “O sindicalismo galego na II República”, em VV.AA.: Historia do mundo do traballo. Ourense, Confederación Intersindical Galega (Organización Comarcal de Ourense), 2003, pp. 8-14.

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(a CNT), em que polo geral se tentava regulamentar aspectos tam básicos como a folga dominical, uns dias de férias ao ano pagos pola empresa, um salário mínimo, umha jubilaçom com certas garantias, e mesmo assegurar o cumprimento da jornada legal de oito horas implantada por lei desde 1919.


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mais afouto e com as ideias mais claras logo do transitório —e relativo— declínio dos meses anteriores. Na Primavera desse ano, avançava a olhos vistos a unidade de acçom de toda a classe obreira enquanto medrava exponencialmente a filiaçom a partidos e sindicatos15. A burguesia soubo a que ater-se. O apoio entusiástico à sublevaçom militar de Julho foi a sua resposta. Neste mesmo período intensificárom-se os esforços que, de longo tempo atrás, a vanguarda proletária vinhera realizando para vencelhar a dinámica das luitas obreiras com a luita de classes no campo, sabedor como era do tipo de país em que lhe tocava agir. As suas propostas de resoluçom da problemática rural vertebrárom-se através das respectivas vertentes agraristas do sindicalismo socialista, comunista e anarquista, muito activas nos anos da República e com um nível de incidência social mais que aceitável16. Nom se esqueça que, ao cabo, tanto no seio da UGT como da CNT galaicas representavam umha percentagem considerável os trabalhadores da terra (integrados na Federación Nacional de Trabajadores de la Tierra, com arredor de 5.000 membros galegos; na Federación Campesina Provincial de Ourense e a Federación Agraria Comarcal de Pontevedra, ambas de inspiraçom comunista; ou na Unión Campesina, com uns 3.000)17. E se figermos extensiva esta apreciaçom a outras actividades do sector primário, vemos que no caso da CRG-CNT os mais de 12.000 marinheiros nela enquadrados supunham aproximadamente um terço dos efectivos totais. Nom é de estranhar que fosse este o ofício de maior densidade conflitiva na Galiza daqueles anos.

15. Segundo cálculos de Dionísio Pereira, esta filiaçom situaria-se em torno dos 8090.000 obreiros, se nom mais, frente aos aproximadamente 66.000 de 1932. 16. A razom de agirem no interior do movimento agrarista estriva em que este era o autêntico eixo vertebrador da sociedade campesina, de jeito transversal às diversas correntes políticas com presença na Galiza. 17. As organizaçons proletárias também participárom em mobilizaçons conjuntas com as sociedades agrárias, mesmo nalgumhas de muita sona (e com saldo de mortos) interpretadas até há pouco pola historiografia como estritamente agraristas, caso de Nebra (Porto do Som) em 1916 e Sobredo (Tui), em 1920. Vid. Antonio Bernárdez Sobreira e Isidro Román Lago (2006): A penetración do sindicalismo no rural galego de anteguerra. Vigo, Fundación sindical Edelmiro Otero Calvo, pp. 107 em diante.

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A segunda consideraçom vai referida à relaçom entre classe operária e nacionalismo. Formulada noutros termos, em que medida o proletariado assumiu o carácter diferencial galego ou, indo mais alá, Galiza como naçom? Escassamente —teremos de responder— e com grande dificuldade, polo menos no referido ao segundo. A respeito do idioma e a cultura galega os obreiros tendêrom a interiorizar, salvo excepçons, o menosprezo e complexo 18. Eliseo Fernández e Dionísio Pereira (2006): “Mulleres libertarias na Galiza (19311936)”, em VV.AA.: A II República e a Guerra Civil, cit., pp. 297, 365.

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Antes de encerrarmos este capítulo cumpre fazer um par de consideraçons adicionais. A primeira tem a ver com a mulher trabalhadora, mais concretamente com a sua especificidade dentro de um processo produtivo de absoluta preponderáncia masculina, e com o seu grau de protagonismo dentro da classe operária organizada. Pouco se tem reparado até agora que Galiza era a segunda comunidade espanhola (só superada pola Catalunha) a registar um maior volume de emprego feminino assalariado: 32.941 obreiras em 1932, mais de 20.000 das quais na conserva e salga18. O índice de sindicaçom desta mao de obra feminina e, portanto, a sua participaçom nos círculos da vanguarda proletária eram consideravelmente inferiores aos dos varons. Cousa, de resto, perfeitamente lógica numha sociedade de fondo conteúdo machista e patriarcal onde a mulher, para além de trabalhar a rabo esticado por menos salário, tinha de livrar um combate singularmente duro pola sua emancipaçom de género. O elemento masculino de classe obreira nom era umha excepçom no tocante aos preconceitos dominantes, de modo a exercer um rol tutelar muito claro sobre as iniciativas organizativas e de reivindicaçom das suas companheiras, aliás menos experientes nestas lides por razons doadas de compreender. De todos os jeitos, a situaçom estava a mudar, e muito, nos tempos da República; e a mulher ia-se incorporando progressivamente aos labores de organizaçom, agitaçom e direcçom. Algumhas organizaçons políticas e sindicais, tanto de fachada socialista como comunista e anarquista, contavam com agrupaçons femininas específicas e assimesmo medrava o protagonismo das moças no seio das organizaçons juvenis, caso da Juventude Socialista Unificada e as Juventudes Libertárias. A ditadura rachou abruptamente com todo isso.


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de inferioridade característicos das classes populares da época para com os seus sinais de identidade. Para além disso, o problema nacional e a questom autonómica eram vistos como algo secundário face às urgências que apresentava a resoluçom dos problemas quotidianos mais pungentes —sobretodo os materiais— e mesmo aos imperativos da “revoluçom social”. Acresçam-se a isto a desconfiança dos trabalhadores frente ao aquele burguês ou pequeno-burguês de muitos significados promotores do Estatuto e a rígida concepçom do internacionalismo proletario presente em muitos ambientes obreiros, nomeadamente anarco-sindicalistas mas nom só, de que resultava na prática umha instalaçom em posturas próprias do mais nítido espanholismo. Onde sim parece ter havido umha maior consciência, em troca, foi na apreciaçom da “singular composición das clases traballadoras e das especiais connotacións que apresentaba a loita de clases na Galiza”19. Contodo, havia correntes operárias mais sensíveis que outras perante a questom nacional. Os comunistas, tanto do PCE como do POUM, eram mais receptivos por contarem com a experiência de construçom de um Estado plurinacional na URSS como referente. Os socialistas e anarcosindicalistas pouco, ou nada. E se finalmente uns e outros — excepto os libertários, que se abstivérom— participárom na campanha pró-Estatuto foi porque previamente contraíram esse compromisso na assinatura do pacto de Frente Popular. Con anterioridade à Primavera de 1936, as suas disquisiçons teóricas verbo do problema nacional galego nom se traduzírom em nada substantivo. Haveria que aguardar à década de setenta para se produzir umha confluência de um sector da classe operária com o nacionalismo. Desfeita e reconstruçom O golpe de Estado militar-fascista de Julho de 1936 assestou um rude golpe à classe trabalhadora, reduzindo a cinzas boa parte do capital humano, material e cultural trabalhosamente acumulado ao longo de decénios. Os seus melhores quadros políticos e sindicais fôrom perseguidos, 19. Dionísio Pereira (1994): A CNT na Galiza (1922-1936). Santiago, Laiovento, p. 209.

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Assim e todo, é obrigado salientar que foi precisamente a classe obreira, quanda outros segmentos populares, que apresentou umha mais afouta oposiçom à ofensiva dos golpistas. Operários industriais, artesaos e marinheiros, mais contingentes de labregos aqui e acolá, pugérom, com efeito, o maior número de mortos; contribuírom com o mais grosso das milícias armadas anti-fascistas e despregárom um esforço organizativo mais notório. Mália aquela república burguesa nom ser a deles, fôrom os primeiros a se baterem por ela e morrerem por ela. E pagariam-no com umha repressom bem mais estarrecedora que outros colectivos sociais20. Algo que com demasiada freqüência se esquece. Nom por acaso seriam, anos mais tarde, esses mesmos homens e mulheres do povo a protagonizarem a última e mais heróica resistência contra a barbárie fascista na nossa Terra: a luita guerrilheira; umha “resistência em alpargatas”, como a tem denominado o historiador Secundino Serrano, de que figérom parte, por sorte ou por desgraça, muito poucas pessoas que nom fossem trabalhadores manuais21. Com a extinçom fáctica da guerrilha no fim de 1954, ou mesmo desde princípios desssa década, consuma-se a derrota político-militar da II República e começa para a classe obreira um período de aproximadamente dous lustros de desorganizaçom, escuridade e relativa indefensom frente à brutalidade patronal e mais do estado fascista. Esbandalhada, com a sua vanguarda morta, presa ou no exílio e submetida a implacável assédio policial reconstrói, pacientemente e em silêncio, a sua cultura identitária e as alavancas precisas para a defender. O esforço nom será em vao.

20. Influiu nisto também o manifesto ódio de classe do regime franquista. 21. Sobre umha mostra de 350 guerrilheiros (que nom som todos os que houvo), Bernardo Máiz regista 61 obreiros industriais, por 43 marinheiros, 60 artesáns pescadores, 13 mineiros e 106 labregos. O peso do elemento proletário é rechamante, levando de conta o cenário rural em que se desenvolvia a resistência armada.

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presos ou assassinados. Os centros de sociabilidade popular, clausurados e espoliados; a sua simbologia e valores destruídos; as famílias proletárias sumidas no terror, a fame e o silêncio.


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Em meados da década de sessenta, tanto as CCOO como o PCE, na altura as suas ferramentas defensivas essenciais, estám já solidamente arraizados nas concentraçons industriais mais importantes da ria de Vigo e Terra de Trasancos22. O proletariado passa à ofensiva no combate pola liberdade contra a ditadura. E fai-no de umha posiçom de avançada dentro da sociedade galega. A luita canaliza-se polo de agora por vias legais, mediante a infiltraçom das estruturas do sindicato vertical. Mas nom tardará a chegar o confronto directo. As greves de 1972 em Vigo e Ferrolterra marcam o ponto mais alto do renascer da classe trabalhadora. Sabedor de que o fim da tirania está perto, o movimento operário reorganizado assume sem complexos o rol de sujeito revolucionário-emancipador por excelência que a tradiçom marxista lhe tinha atribuído, sendo percebido por amplos sectores da opiniom cidadá como um agente dinamizador e mesmo modernizador de primeira magnitude. O seu papel havia-se de ver ainda realçado no rebuliço da Transiçom. Mas a contra-ofensiva do Capital, plasmada antes de mais nos Pactos da Moncloa e na inclinaçom conservadora do processo de reforma política (que nom ruptura) comandado pola UCD, acabaria pondo as cousas no seu lugar. Eficazmente ajudada, bem é certo, polo monumental erro de cálculo de umha fracçom qualificada da vanguarda proletária que, subestimando a capacidade de manobra da burguesia tardo-franquista e acreditando na miragem de umha democracia para todos, abocou o conjunto da classe obreira a umha crise de identidade sem precedentes. Ainda bem que, nos primeiros compassos dessa transiçom cara à... II Restauraçom da monarquia bourbónica, se produzia um facto de singular transcendência para o futuro: a convergência de um sector da classe operária organizado com referentes autóctonos com o nacionalismo galego. 22. Vítor Manuel Santidrián Arias (2003): Historia do PCE en Galicia (1920-1968). A Corunha-Sada, Eds. do Castro, pp. 455 em diante. Contrariamente ao PCE (rebaptizado PCG em 1968), o movimento libertário nom conseguiu recuperar-se da desarticulaçom da sua organizaçom clandestina operada em 1947/48. Quanto ao tandem PSOE-UGT, carecia de qualquer actividade na Galiza por aqueles anos.

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O devalar Com a crise do modelo de acumulaçom capitalista do pós-guerra registada apartir de 1973 e a conseguinte recomposiçom da hegemonia burguesa a nível planetário punha-se em prática, na segunda metade dos setenta, umha sinistra doutrina político-económica, o neoliberalismo, que havia servir de alicerce a um renovado projecto de dominaçom mundializada: o imperialismo na sua fase superior e mais requintada, eufemisticamente conhecido como globalizaçom. A aplicaçom deste modelo “actualizado” de exploraçom do homem polo homem veu coincidir, nos nossos lares, com o processo de Transiçom política. De modo a condicioná-lo inteiramente mália a vaga de euforia e auto-sugestom com que algumhas organizaçons obreiras, e da esquerda em geral, saudárom a implantaçom de um regime de liberdades democráticas formais. O caso é que a tal euforia —para além do mais, bem irreflexiva— do sector mais conotado da vanguarda proletária (o PCG-PCE) logo se trocaria em desencanto. E nom era para menos. Com a assinatura dos Pactos da Moncloa dava-se início a umha política de longo alcance que, ao longo dos vinte anos subseqüentes nom faria mais que lesionar os legítimos interesses da classe trabalhadora e mais camadas populares, esmendrelhar algumhas das suas conquistas históricas e destruí-la pouco a pouco. Os fitos som bem conhecidos: Estatuto de los Trabajadores de 1980; Acuerdo Marco Interconfederal, também de 1980; Acuerdo Nacional de Empleo, de 1981; Acuerdo Interconfederal, de 1983; Acuerdo Económico y Social, de 1984; Plan de Empleo Juvenil, de 1988…; todos eles “novos passos visando inequivocamente a flexibilizaçom das relaçons laborais e, especialmente, o alargamento da oferta de trabalhos precários” que desembocariam na convocatória de greve geral de Dezembro

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Surgia, de a cavalo entre 1976 e 77 o Sindicato Obreiro Galego (SOG), embriom do futuro sindicalismo nacionalista da ING, INTG-CXTG e máis tarde CIG. Tratava-se sem dúvida de umha conquista histórica que cumpre pôr no haver da geraçom de activistas formados fundamentalmente ao calor da UPG (mália que nom só) no decurso dos últimos anos da década de sessenta e primeiros da de setenta. E que havia dotar o nacionalismo galego, daí em diante, da sua mais sólida base material, ideológica e militante na luita pola autodeterminaçom e soberania da nossa pátria.


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de 198823. A situaçom nom seria melhor, senom todo o contrário, nos noventa a raíz da imposiçom das directrizes de Maastrich e mais a Uniom Económica e Monetária. Na Galiza todo isto traduziu-se em duas reconversons a afectarem o sector da construçom naval e, em conjunto, numha política de desmantelamento industrial em toda a regra (têxtil, siderúrgia, transformados lácteos, pesca motorizada…) induzida por umhas orientaçons da CEE subservientemente assumidas como próprias por todo o abano de forças políticas e sindicais com presença no País, a excepçom do nacionalismo. O resultado imediato de tais medidas foi a extensom de um fenómeno até daquela pouco arraizado na nossa terra: o desemprego estrutural. No longo prazo, estes factores introduzírom na nossa classe obreira, como nas suas homónimas de outras partes do mundo, fondas transformaçons, quer objectivas, na conformaçom da classe em si, quer subjectivas, na consciência de si própria que tradicionalmente exibia a massa proletária. A velha classe operária, coesa e com uns perfis culturais já na década de sessenta perfeitamente definidos, vinha ser substituída por um estrato heterogéneo de assalariados e assalariadas em que a cada ganhava mais importáncia umha mao-de-obra jovem em grande medida desligada —quando nom desconhecedora— da cultura proletária clássica e com empregos em precário e/ou a tempo parcial. Se a isto acrescentarmos a destruiçom maciça de emprego industrial e, em conseqüência, a reduçom numérica do contingente operário, compreenderemos por que se tem teorizado tanto nestes últimos tempos acerca do fim da classe trabalhadora. Andrómenas interesseiras à parte, o certo é que, como fica dito, essa classe apresenta hoje uns contornos diferentes dos que historicamente a caracterizárom. Ora, quer isso dizer que, como tal, desapareceu ou está chamada à extinçom num prazo relativamente curto? Nom necessariamente.

23. Emili Cortavitarte Carral (2004): “Globalización, reformas laborales y conflictividad laboral”, em Mientras tanto, nº 91-92, pp. 45-61. A citaçom corresponde à p. 49. A traduçom, naturalmente, é minha.

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Outra cousa é quem há de dirigir esse processo e de que maneira. A este respeito parece claro que a classe obreira nom pode continuar a ser considerada hoje o sujeito revolucionário-emancipador único e por antonomásia; nem pretender estar em possessom da teoría salvífica por excelência (seja o marxismo-leninismo ou outra qualquer). O labor, polo contrário, terá que ser empreendido por um espectro bem mais amplo de camadas e classes sociais (entre as quais o pouco que resta do nosso campesinato), e contando com mais componentes ideológicos que no passado; o que pom sobre o tapete a necessária adopçom de umha vanguarda compartilhada da que fagam parte movimentos sociais alternativos de diversa face (ecologismo, feminismo, anti-militarismo, etc.). É neste quadro de rearticulaçom do bloco histórico portador de futuro que corresponderá à nova classe obreira reconfigurada fazer frente 24. Ricardo Antunes (2003): ¿Adeus ao traballo? Vigo, a Nosa Terra, passim. 25. A expressom é de Samir Amín (2003): Más allá del capitalismo senil. Por un siglo XXI no americano. Barcelona, el Viejo Topo.

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Como tem apontado um especialista na questom, o sociólogo brasileiro Ricardo Antunes, é difícil imaginar que, apesar da grave crise actualmente a afectá-la, a classe-que-vive-do-trabalho vaia perder a sua centralidade numha sociedade produtora de mercadorias como a capitalista. De facto, o volume total de assalariados nom tem diminuído notavelmente por mais que tenda para se concentrar maioritariamente no sector terciário. E, por outra parte, continua a ser reconhecível a nível mundial a persistência do antagonismo entre o capital social total e a totalidade do trabalho, embora esse antagonismo poda estar todo o particularizado que quigermos em funçom da segmentaçom e espalhamento da dinámica produtiva ao longo de todo o planeta. Desta perspectiva, a superaçom do capital ou, o que vem sendo o mesmo, a destruiçom completa da civilizaçom capitalista — aspiraçom última de toda classe obreira com consciência de si— somente poderá ser resultante de umha angueira comum a aglutinar e articular o conjunto dos estratos que componhem essa classe-que-vive-do-trabalho, como gosta de chamá-la o devandito autor24. Angueira, de resto, bem urgente se quigermos safar do tenebroso futuro que nos agoira o capitalismo senil25; e que nom pode ser outra que a construçom do socialismo.


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aos desafios dos novos tempos, desempenhando umha vez mais um papel fulcral, mália nom exclusivo, em razom da sua mais longa e completa experiência de luita, organizaçom e acumulaçom de forças na resistência contra o Capital26. À maneira de conclusom Creio ter demonstrado ao longo destas páginas que a classe obreira foi um sector social de umha releváncia basilar na história Contemporánea da Galiza; umha releváncia qualitativamente bem superior, abofé, ao que da sua relativa debilidade numérica caberia esperar. O seu protagonismo activo e mais o seu dinamismo convertérom-na, em momentos-chave do evoluir da nossa sociedade, num agente absolutamente determinante e, em certos períodos, no principal movimento de massas da naçom. O apreciável declínio por ela experimentado nos últimos tempos nom deve levar-nos a esguelhar o rol que, com toda a probabilidade e a partir da sua nova idiossincrasia, lhe corresponderá exercer na conquista da pátria livre, socialista e anti-patriarcal que todos desejamos. Oleiros, 3 de Março de 2007 90 Aniversário da Revoluçom Socialista de Outubro

26. Boa prova de que essa nova classe operária galega nom está adormecida nem derrotada é o seu protagonismo nas diversas greves gerais e mais mobilizaçons de massas acontecidas no País da década de oitenta até hoje mesmo. Para estas e outras questons atinentes ao futuro da nossa classe trabalhadora som de sumo interesse os ensaios publicados na colecçom sobre temática sindical e movimentos sociais que promovem conjuntamente a CIG e Edicións A Nosa Terra. Para além do já citado de Ricardo Antunes, há outros da autoria de especialistas como Isabel Reuber, Istvan Mészáros etc. Reflexons estimulantes, assimesmo, nos diversos trabalhos da conhecida socióloga chilena Marta Harnecker.

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