O comunismo que aí vem

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Fancisco Martins Rodrigues

O comunismo que aĂ­ vem



Francisco Martins Rodrigues

O comunismo que aí vem 1ª ediçom impressa: Galiza, 2004 1ª ediçom digital: Galiza, 2008

Biblioteca Galega de Marxismo-Leninismo • 5


O comunismo que aí vem Primeira ediçom, Novembro de 2004 Primeira ediçom digital: Abril de 2008 Autor: Francisco Martins Rodrigues

Edita: Abrente Editora Apartado dos Correios 760, Compostela (Galiza) Imprime: Tórculo Artes Gráficas Tiragem: 1.000 exemplares

Data de impressom: Novembro de 2004 Impresso em papel reciclado ISBN:84-933664-2-0 Depósito Legal:


ÍNDICE 1. Prólogo de Carlos Morais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 2. • O Verao quente dez anos depois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 • Notas sobre Staline . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39

• Bukarine, o precursor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61 • Ainda sobre Staline . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75 • Guerrilha sem bandeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87

• Trotski antes de 1917 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97 • “Cunhal está perdido” -previa há 25 anos Revoluçom Popular . . .109 • Os bolcheviques no ritual do anarquismo . . . . . . . . . . . . . .117 • O comunismo que aí vem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .133 • • • • • •

Babeuf e a conspiraçom dos iguais . . . . . . . . . Europa, o eclipse da revoluçom . . . . . . . . . . . Somos todos proletários? . . . . . . . . . . . . . . . . ETA, um caso de loucura homicida? . . . . . . . . 16 boas razons para nom abusar do parlamento Porto Alegre. Sonhos de outro mundo . . . . . . .

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. . . . . ..

• Nós e os movimentos independentistas ibéricos . . • Contra Wallerstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 25 de Abril. O proletariado incapaz de aproveitar a poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Cuba entregue às feras . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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...... ...... crise de ...... ......

.141 .145 .157 .163 .167 .177

.181 .187 .191 .203

• Acçom comunista em tempos de maré baixa . . . . . . . . . . .207 • LCR repudia a “ditadura” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .211

• Staline de novo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .215 • Nos 40 anos da criaçom do CMLP. Retomar a ruptura . . . . .219 • Oitenta anos a enterrar Lenine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .227 3. Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues . . . . . . .235



Carlos Morais

Prólogo Era a primeira hora da tarde de vinte e quatro de Julho de 2001 quando conhecim pessoalmente o Francisco Martins Rodrigues. Numha das esplanadas da compostelana praça de Maçarelos, acompanhado pola Ana Barradas, aguardava a minha chegada para os levar à casa do Igor Lugris e da Noélia na Almáziga, onde iam ser hospedados. Amb@s camaradas formavam a delegaçom da Política Operária que participava nas mobilizaçons e actividades organizadas pola recém constituída NÓS-Unidade Popular no Dia da Pátria. Devo reconhecer que sabíamos muito pouco dele e da sua revista, mas para a esquerda independentista galega e especialmente para a corrente comunista, era fundamental contarmos com umha representaçom de Portugal nos actos do 25 de Julho. Lembro que umha das primeira cousas que eu falei ao Chico é que tinha comprado um exemplar da PO no quiosque da praça da República de Viana do Castelo no Verao de 1998. Mas a verdade é que a primeira vez que caiu nas minhas maos umha PO foi bastantes anos antes, em Janeiro de 1990, quando comprei o número vinte e dous da revista, daquelas

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Francisco Martins

Prólogo ainda estava editada pola OCPO, no Rossio, em pleno coraçom de Lisboa. Tinha umha capa cor lilás e preta, ilustrada com o perfil de um burguês gordo fumando charuto e levando abaixo do braço um prédio. A alegoria do capitalista era a clássica que tínhamos visto em multidom de publicaçons da esquerda revolucionária. Mas fum incapaz de identificar que corrente comunista editava essa revista. Criticava o PCP, mas também trazia um dossier beligerante com Trotski. Portanto nem era umha revista trotsquista, nem umha publicaçom stalinista. O que era certo é que gostei dela polo estilo, polos conteúdos, mas também polo design. Completamente diferente das outras publicaçons que eu conhecia da esquerda portuguesa. A inexperiência da minha juventude, e basicamente o desconhecimento da realidade do campo da esquerda em Portugal, impossibilitárom descobrir que o grupo editor era formado por antigos membros do PC(R) e da UDP, portanto ex-maoístas da corrente pró-albanesa, que após umha valente revisom da sua trajectória tinham abandonado ambas formaçons e mantinham, e mantenhem, com firmeza os parámetros do marxismo-leninismo. Passárom-se os anos e cada vez que, acompanhado pola Noa Rios Bergantinhos, ia passar uns dias de férias a Viana, sempre aproveitava para comprar no mesmo quiosque um exemplar da Política Operária, até que umha vez já nom encontrei. Dixérom que tinham deixado de receber a publicaçom. Reconheço que a inquietaçom que me causou nom encontrar a revista nom foi capaz de me convencer de que desaparecera. Por isso decidimos enviar um exemplar do Abrente ao apartado dos correios e às poucas semanas foi umha agradável surpresa recebermos um exemplar da PO na sede que o Partido tem na rua do Home Santo. Era o setenta e quatro, de Março-Abril de 2000. Meses depois, telefonei para o número que aparece nos créditos e falei com o Francisco Martins para o convidar a assistir ao 25 de Julho. Aceitou o convite e desde aquelas compartilho, compartilhamos, muitas cousas com o grupo editor da Política Operária. O Chico e vári@s camaradas da PO tenhem participado nos actos do Dia da Pátria, nas Jornadas Independentistas Galegas, assim como nas jornadas contra a Europa do Capital e a repressom que diferentes entidades populares organizárom em Fevereiro de 2002. Representaçons da esquerda independentista galega tenhem estado presentes na festa e acto político que anualmente realiza a PO em Lisboa. Temos construído umha ponte permanente de solidariedade internacionalista, temos 8


Prólogo

Embora tenham passado poucos anos e nom tenha tido tantas oportunidades, -em parte pola distáncia, mas sobretodo polas nossas respectivas ocupaçons militantes-, de estar mais tempo com o Francisco Martins, sim podo agora dizer exactamente o que é, o que representa, e principalmente o que procura a Política Operária. Mas nom vou ser eu que dê a conhecer às leitoras e leitores o que se recolhe na extensa entrevista que realizei a 25 de Agosto deste ano em Lisboa, e que fai parte dos conteúdos de O Comunismo que aí vem, embora já tenha sido publicada a inícios e Outubro no web de Primeira Linha. *** Mas, mais importante do que o descobrimento de camaradas com pontos de vista em muitos aspectos similares ao comunismo que defendemos, com semelhantes valorizaçons da natureza e trajectória desse capitalismo de estado que foi o socialismo soviético, com atitudes de radical e intransigente oposiçom às democracias burguesas, mas também permeáveis a abarcar novos e nom tam novos fenómenos sociais aos quais o marxismo nem sempre emprestou suficiente atençom, acho que a Política Operária, e especialmente os escritos do Francisco Martins que de forma selectiva recolhemos neste livro, tenhem servido para reforçar e compreender melhor o leninismo e o 25 de Abril aqui na Galiza, entre os sectores da classe obreira e da juventude que contra vento e maré estám a construir um movimento revolucionário que definimos como independentismo socialista ou esquerda independentista. Foi precisamente a permeabilidade e abertura do Chico –fruto do seu profundo conhecimento e sólida formaçom marxistas, da sua magnífica compreensom das leis do materialismo histórico e dialéctico– à hora de entender porque num país que padece umha opressom nacional como a que Galiza vem sofrendo desde há séculos polo capitalismo espanhol, @s comunistas devemos estar na primeira linha da defesa dos direitos nacionais, ligando a exploraçom da classe trabalhadora, a opressom da mul9

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aprendido mutuamente das nossas respectivas trajectórias e experiências, intercambiamos e difundimos as publicaçons nos nossos países, mas especialmente temos afiançado umha sólida camaradagem e mútuo respeito em que a língua comum, mas fundamentalmente a luita polos mesmos objectivos, contra o imperialismo e todas as formas de exploraçom capitalista, tenhem sido os materiais empregados.


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Prólogo her, à dependência nacional, o que mais contribuiu para tecer umha profunda camaradagem. Após centenas de conversas com militantes da esquerda portuguesa, finalmente lograramos encontrar comunistas que entendiam porque a luita de classes na Galiza nom se pode realizar à margem do conflito nacional. Porque o proletariado galego necessita dotar-se de organizaçons próprias, diferenciadas das de ámbito estatal que teima em continuar a defender a esquerda chauvinista espanhola, tanto a reformista, como a “revolucionária”. Mas também aprendemos d@s camaradas da PO a aplicaçom sobre a realidade portuguesa das ensinanças do leninismo sobre a imprescindível demarcaçom que a classe operária deve fazer com os estratos burgueses. A muita gente surpreendeu a negativa a utilizar a bandeira portuguesa no primeiro acto internacionalista que a Unidade Popular organizou no campus compostelano na tarde do 25 de Julho, com representantes de outros povos da Europa. A ikurrinha, a senyera e a bandeira galega estavam acompanhadas pola bandeira comunista que representava a PO. Conhecemos em primeira mao porque @s comunistas portugueses, porque @s comunistas em geral, nom se podem identificar com as bandeiras dos estados-burgueses capitalistas. Porque o proletariado nom pode fundir-se com a simbologia do Estado imperialista que tem de assaltar e destruir mediante umha revoluçom. Algo tam simples e óbvio noutras latitudes geográficas, mas que nunca tínhamos sido capazes de aplicar ao vizinho Portugal. *** Faltavam-me poucos dias para cumprir oito anos quando, na recém estreada televisom que os meus avós adquirírom semanas antes, vejo no telejornal da um –na altura só existiam dous canais– que militares portugueses tinham derrocado Marcelo Caetano. Som consciente da importáncia da notícia e saio correndo da galeria onde estava a televisom, buscando a minha mae que se achava na cozinha da casa em que vivíamos, em Mugueimes. “Prendêrom o careca, prendêrom o careca, e há guerra em Portugal” gritava agitado e pálido. O nervosismo apoderou-se da mamá, preocupada polo que se estava a passar em Portugal, por saber como se encontrava o meu pai, se a revoluçom dos cravos tinha provocado vítimas, polo que ia acontecer com as massas que ocupavam as ruas de Lisboa e as grandes cidades.

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Prólogo

O 25 de Abril fai parte natural das minhas vivências. De facto, se sempre me considerei comunista, polo menos desde que tenho uso da razom, foi em parte graças ao 25 de Abril e ao ambiente de esquerda que caracterizava a peculiar e dupla identidante familiar e cultural luso-galega em que fum educado. Os meus avós maternos tinham pertencido ao PCE na II República espanhola. A perseguiçom franquista e o exílio do Manuel Álvares Pena nas barrosás terras do planalto de Montalegre fôrom causantes de que a minha mae conhecesse o meu pai muitos anos depois e acabassem casando. Este, ainda que nunca militou, sempre votou PCP ou nas suas diversas coligaçons eleitorais. Mas o seu irmao, o tio Zé, é um velho militante do PCP desde inícios dos anos sessenta. Com estes antecedentes, neste ambiente, o Portugal de Abril que eu conhecim, em que fum educado, era o da “muralha de aço” gonçalvista, dos infalíveis diagnósticos do Álvaro Cunhal, das cooperativas alentejanas, das maravilhas e felicidades da pátria do socialismo que relatavam os manuais da Novosti, do idealizado comunismo pró-soviético, das grandes demonstraçons de força das festas do Avante, mas também o da resistência ao beligerante ambiente trasmontano, onde a Igreja católica e os caciques continuavam a educar as atrasadas massas camponesas nos mitos de comunistas com cauda que levam crianças para a Rússia e disparates semelhantes, a da “Bragança diz não aos comunas” que ainda nom há muitos anos continuava escrito no viaduto sobre a estrada que unia a capital do distrito com Vinhais, a dos assaltos às sedes, a da rede bombista, e obviamente a do combate à “provocaçom esquerdista”, ao otelismo, o desmascaramento dos perigosos udepés. Era o comunismo oficial, o de ordem e estabilidade, o que sem abandonar a simbologia da fouce e o martelo, o culto místico a Lenine, as gestas da revoluçom bolchevique, condenava a violência revolucionária, votava em Mário Soares e Ramalho Eanes como mal menor, nom compreendia as reivindicaçons nacionais da Galiza, era conservador em matéria de moral e valores. Assim, nesta permanente contradiçom, entre 11

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Finalmente todo nom passou de umha pacífica e romántica revoluçom que aliciava toda a gente, menos os fascistas. Por isso esse Verao, como vinha sendo desde sempre, assim como muitos dos veraos seguintes, passei-no em Vinhais. Após as festas de Sam Pedro de finais de Junho, íamos para o calorento e imóvel Vinhais, que cercado por imensos soutos durante muitos anos identifiquei erroneamente como o Portugal verdadeiramente existente.


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Prólogo discussons, frustraçons e incompreensons, fôrom passando os anos, e à medida que fomos madurecendo politica e ideologicamente também fomos quem de nos desmarcar da linha política profundamente reformista do “unico comunismo possível”, o do “glorioso” partido de Bento Gonçalves e Militão Ribeiro. Mas nunca tivéramos ocasiom de compreender correctamente o que acontecera no PREC, porque as forças operárias e populares foram tam facilmente derrotadas no 25 de Novembro do 75. Nem as entrevistas realizadas no Abrente ao Otelo e ao Fernando Rosas tinham servido para esclarecer, tam só para ouvir cousas semelhantes ao que já conhecíamos, embora com um tom aparentemente mais radical. *** As análises e interpretaçons que sobre a crise revolucionária de 74-75 tem feito o Francisco Martins, escritas com rigor e lucidez, realizadas com a serenidade da distáncia, mas também com a experiência de quem foi sujeito activo, totalmente antagónicas com o que eu tinha escuitado durante décadas, foi um extraordinário descobrimento que eu levava procurando durante anos nas livrarias do Porto e Lisboa, polo que nom me fôrom difíceis de compartilhar. Mas, sobretodo, servírom para compreender em profundidade a totalidade de um processo de que realmente só tinha um conhecimento epidérmico, superficial, em muitos casos meramente anedótico e parcial, em que muitos sucessos e acontecimentos nom encaixavam com a versom, com as avaliaçons que sempre escuitei. A leitura dos artigos e intervençons que se recolhem neste livro sobre o fracasso do processo revolucionário simbolizado no Grândola vila morena, mas especialmente sobre os limites de um golpe de estado militar protagonizado por oficiais, seria mais do que suficiente para editarmos O Comunismo que aí vem. Mas este livro, composto por vinte artigos publicados na revista Política Operária entre 1985 e 2004, por dous mais publicados no Abrente, mais as duas intervençons realizadas nas VI e VIII Jornadas Independentistas Galegas de 2002 e 2004, e a entrevista já mencionada, nom se circunscreve exclusivamente a analisar em profundidade as causas da derrota da experiência revolucionária do 25 de Abril. “O Verao quente”, o primeiro texto, e “Retomar a ruptura. Nos 40 anos da criaçom do CMLP”, o antepenúltimo, som imprescindíveis para entender a coerência, o compromisso insubornável com a causa do Trabalho de quem foi membro da Comissom Executiva do PCP entre 1961 e 1963 12


Prólogo

*** A segunda temática que concentra umha boa parte dos textos de O Comunismo que aí vem está ligada ao necessário estudo e revisom crítica das revoluçons “socialistas” que permitam compreendermos, da óptica comunista, as causas da degeneraçom burocrática dos regimes soviético e chinês, asssim como das experiências realizadas posteriormente seguindo estes modelos. O Chico Martins publicou em 1985 um livro ainda completamente desconhecido na Galiza, salvo em círculos muito restritos, que eu nom só recomendo, como considero imprescindível ler para reforçar o sustento teórico do comunismo do século XXI. O “AntiDimitrov. 1935-1985 meio séculos de derrotas da revolução” questiona e desmancha com brilhantez e rigor teórico marxista as propostas políticas que o búlgaro Giorgi Dimitrov propujo no VII Congresso da Internacional Comunista realizado em 1935, consistentes na renúncia a seguir construindo plataformas políticas operárias, submetendo-as a alianças com sectores da burguesia liberal, da burguesia progressista, ou pequena burguesia, abandonando desta forma a validade do conceito leninista de hegemonia do proletariado. Esta estratégia concretizada inicialmente nas Frentes Populares de França e Espanha a meados dos anos trinta do passado século, posteriormente no Chile de Allende, ou mesmo actualmente na Venezuela de Chavez, é ainda hegemónica na linha e prática da maioria dos partidos e organizaçons operárias, é responsável polo abandono por parte dos grandes partidos comunistas, das organizaçons operárias, dos objectivos revolucionários que dérom sentido ao seu nascimento, e de tantas derrotas da classe trabalhadora. Perante a renúncia a umha demarcaçom clara da linha proletária da linha burguesa, a classe trabalhadora unicamente serve como massa de manobra para pressionar e atingir limitadas reformas que tam só beneficiam os sectores intermédios, essa imensa massa de comerciantes, pequenos 13

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e posteriormente fundador da primeira organizaçom que rompe com o revisionismo cunhalista; som indispensáveis para demonstrar os limites congénitos da estratégia reformista do PCP, as suas incapacidades teóricas e carência de vontade política para transformar umha crise revolucionária numha revoluçom, apresentando dados que permitem entendermos melhor e corregirmos idealizadas e falsas visons construídas e transmitidas de geraçom para geraçom no imaginário colectivo de militantes galeg@s.


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Prólogo proprietários, empregad@s, funcionariado, profissons liberais, que só aspiram a perpetuar privilégios e ascender socialmente sem questionar a economia de mercado, nem as bases da exploraçom capitalista. O conjunto da esquerda a escala mundial tem sido dirigida, e ainda continua a ser, pola pequena burguesia mesocrática e funcionarial, caracterizada pola cobardia, tendente à capitulaçom e à estabilidade. Carente do antagonismo com o Capital que só possuem as massas exploradas e oprimidas, está impossibilitada para eliminar a propriedade privada, alicerce do capitalismo, e superar a divisom de classes característica do modo de produçom capitalista. A conciliaçom de classes inerente à politica dimitroviana é perfeitamente visível nas forças de esquerda dos nossos respectivas estruturas de classes. Nom há nengumha dúvida em que o PCP e o Bloco de Esquerda possuem programas de clara orientaçom centrista, dirigidos pola pequena burguesia, e portanto impossibilitados teórica e politicamente para poderem dinamizar, promover, organizar, dirigir, a classe trabalhadora para a tomada do poder. No caso galego, esta é também constatável nas posiçons oportunistas e liquidacionistas que o nacionalismo autonomista, sob a tutelagem da UPG, tem aplicado aceleradamente na sua praxe e discurso político nas últimas décadas, embora a própria génese e matriz ideológica do seu parto já arrastassem os males do dimitrovismo. Centenas de militantes tenhem sido “educad@s” na impossibilidade de que a Galiza se dote de um Estado próprio, tenhem sido castrad@s teoricamente para poderem questionar as raízes da dependência nacional e as conseqüências directas que provoca no conjunto das classes trabalhadoras. Tenhem sido formad@s no mais assumível discurso da defesa dos sectores produtivos, do pequeno comércio, dos autónomos, do funcionariado público, evitando dirigir-se com um discurso nítido e directo à cada vez maior massa de trabalhadoras e trabalhadores precarizados e eventuais, de desemprego endémico, de pobreza e exclusom social, que conformam a morfologia das classes socias da Galiza actual, nom a idealizada sociedade camponesa e marinheira de 1964. O Bloque que apela à cidadania, terminologia nitidamente burguesa que pretende negar a existência de classes, aposta em ser reconhecido por Amáncio Ortega e Tojeiro. O Bloque promíscuo com o “empresariado autóctone”, com a “Galiza empreendedora”, que mistifica as instituiçons e defende o formalismo fetichista da ordem social vigorante, tenta ingenuamente conjugar a defesa dos direitos nacionais com o respeito à unidade de Espanha, ou seja, situar-se no absurdo meio termo entre o soberanismo da esquerda 14


Prólogo

Assim é entendível porque no dia 26 de Setembro deste ano, as forças operárias de Ferrol, perante a agressom que padece o proletariado dos estaleiros da comarca trasanquesa pola ameaça de fechamento que pretende aplicar o PSOE seguindo directrizes da UE, optem por frear a luita contundente e combativa na rua, apostando numha “resposta maciça e pacífica” mediante umha manifestaçom ou laica processom a que também assistiam –com todas as garantias– os partidos políticos burgueses e espanhóis, PP e PSOE, responsáveis directos pola destruiçom nestes últimos vinte anos da indústria naval galega, assim como as confederaçons de empresários, a Igreja católica, etc. Todos unidos, “o povo de Ferrol unido”, em defesa de Izar, mas nom se sabe exactamente contra quem. O dimitrovismo ligitimador da conciliaçom de classes, que o Chico tam bem define e denuncia, foi perfeitamente visualizado numha fraudulenta mobilizaçom encabeçada polas corruptas e pactistas burocracias sindicais da mao dada do Patronato e dos partidos do regime, que tam só servírom para lavar a cara dos inimigos de classe e introduzir ainda mais confusionismo e desconfiança nas suas próprias forças entre o movimento operário. A burguesia, mediante o sindicalismo burocrático, foi quem de utilizar e instrumentalizar a classe operária para neutralizar a sua imensa capacidade de luita, para substituir a luita de classes pola colaboraçom de classes. Ao longo de diversos artigos, demonstra-se como o centrismo é a forma original do oportunismo “comunista” do século XX, “produto típico da era do imperialismo, que tivo em Bukarine, Dimitrov, Staline, Mao, Gramsci, os seus ideólogos e chefes políticos de maior projecçom” em palavras de Francisco Martins Rodrigues. Mas nom só analisa este fenómeno tam actual e tam difícil de combater nos nossos dias. Por razons de espaço, o Francisco Martins realizou umha 15

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independentista e o espanholismo imperialista do PP-PSOE-IU. Mas a oligarquia, o grande capital, por muitos votos de fé, por muitas promessas e exemplares comportamentos que faga, por muitas condenas que realize, nem se fia, nem valoriza tanta submissom e docilidade. Na hora da verdade, continua a apostar nos de sempre. Eis a maldiçom do reformismo: quer mas nom o deixam. Porém, nunca se dá por vencido e continua incansavelmente a aplicar as directrizes que marca o regime, à espera do milagre que a história tem demonstrado ser umha mera ilusom. Que continuem com a sua teima!


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Prólogo pequena selecçom de artigos que permitem entender os limites da revoluçom bolchevique, a sua posterior conversom num “Estado operário burocraticamente degenerado” seguindo a definiçom de Lenine de 1921, e especialmente os balanços das políticas defendidas por Bukarine, Staline, Trotski e os anarquistas. Todo escrito com a fluência e a clareza do profundo conhecedor dum período histórico, do militante, do dirigente, do activista, do teórico comunista que dedicou, e continua a dedicar, a sua intensa e dilatada vida à defesa do proletariado, ao combate da ditadura burguesa. Doze anos de prisom e alguns mais de clandestinidade som aval mais do que suficiente para editarmos este livro, que nom só pretende ser o reconhecimento público de Primeira Linha a Francisco Martins Rodrigues, mas sobretodo umha útil ferramenta teórico-práctica de combate que permita às novas geraçons de comunistas galeg@s contar com elementos de análise e estudo de outras experiências com que acertar nas luitas do presente, aqui, na Galiza, contra os mesmos inimigos de classe e ao serviço do único objectivo que deve ser horizonte de um militante comunista: a revoluçom socialista. Carlos Morais Compostela, 30 de Setembro de 2004

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O Verao quente dez anos depois É impossível aprender seja o que for do Verao de 1975 se nom se puger no centro da análise a oposiçom de interesses entre o proletariado e a pequena burguesia “revolucionária“. Isto parece insuportavelmente “sectário“. No entanto, o êxito demasiado fácil do 25 de Novembro obriga a examinar com mais atençom a política seguida polo PCP, pola ala esquerda do MFA e polos grupos da “esquerda revolucionária“. Por umha série de abalos em cadeia, o projecto regenerador e ordeiro do movimento dos capitáns fora-se desmoronando. Num ano, a vaga das ocupaçons, saneamentos, manifestaçons e greves tornara o país irreconhecível. Era umha vaga pacífica, que vitoriava inebriada o MFA, mas que galgava mesmo assim todos os diques. A bela revoluçom dos cravos descambava em pesadelo para os amantes da ordem. No Verao, a “originalidade da via portuguesa para o socialismo” atingia o limite extremo. Coexistiam em fantástico equilíbrio ocupaçons maciças de terras e leis anti-greve; seqüestros de patrons e convites ao investimento; orgaos de “poder popular” e declaraçons de fidelidade à NATO. O país

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O Verao quente dez anos depois

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parecia encaminhar-se para umha situaçom de duplo poder e para um confronto revolucionário. Seis meses mais tarde, todo estava terminado e a burguesia felicitava-se por ter dominado a “ameaça totalitária” sem efusom de sangue. O que se passou afinal nesses seis meses para tornar possível umha tal reviravolta? Ou, em termos mais gerais: como pudo o proletariado português, mantido em menoridade por meio século de circunspecta oposiçom democrática ao fascismo, atingir tam facilmente os píncaros de 75? E como pudo deixar-se expulsar deles de forma tam infantilmente vergonhosa, até chegar às misérias do tempo actual? É impossível aprender seja o que for do Verao de 75 se nom se puser no centro da análise a oposiçom de interesses entre o proletariado, motor dos acontecimentos, e a pequena burguesia “revolucionária”, sua condutora. Isto, é claro, parece à primeira vista insuportavelmente “sectário”. O 25 de Novembro foi obra de umha amálgama de forças social-democratas, liberais e reaccionárias, animadas polo PS e apadrinhadas pola social-democracia alemá e polo embaixador Carlucci. A que propósito lançar responsabilidades sobre as forças de esquerda, que podem ter cometido erros mas foram, de qualquer modo, a vanguarda possível do movimento? E, no entanto, o êxito fácil demais do 25 de Novembro, que é a sua principal originalidade, obriga a examinar com mais atençom a política seguida polo PCP, pola ala esquerda do MFA e polos grupos da “esquerda revolucionária”. O objectivo destas notas é mostrar que essas forças aplicaram, em nome dos interesses populares, umha táctica que lhes era contrária e que exprimia, em última análise, a ánsia pequeno-burguesa por encontrar umha saída intermédia entre revoluçom e contra-revoluçom. Aquilo a que se assistiu no Verao de 75 foi a umha grande vaga de fundo, espontánea, anárquica, mas perfeitamente coerente, pola qual a pequena burguesia “revolucionária” começou por manietar politicamente o proletariado, para poder ser ela a dirigir o processo, e acabou por assistir, angustiada mas também aliviada, à parada dos Chaimites. Por muito impopular que esta conclusom apareça aos olhos dos últimos fiéis da aliança Povo/MFA, é a ela que os factos conduzem. Há que exa18


O Verao quente dez anos depois

A “VIA SOCIALISTA” O fiasco do 11 de Março mostrou a senilidade irremediável da velha direita. Os banqueiros nacionais e estrangeiros retraírom-se, descoroçoados: aquele imbecil do Spínola só servia para espicaçar a esquerda cada vez mais para diante. Mês e meio depois, contodo, as eleiçons para a Constituinte dérom o toque de clarim para umha nova direita, mais consistente, agrupada em torno dos partidos “ordeiros”, que recolhêrom 3/4 dos votos. A burguesia sentiu renascer a esperança. As eleiçons vinham contrapor ao “povo unido” imaginado pola exaltaçom colectiva o povo real, desejoso de estabilidade e legalidade. O PS, com os seus 116 deputados, confirmou-se como o baluarte natural da ordem, tanto mais que o PPD nom atinava com um líder e umha linha de rumo. Por umha lógica intuitiva de concentraçom de esforços, boa parte da burguesia e a massa da pequena burguesia aderírom ao “socialismo” e lançaram-se a disputar para o seu campo a ala moderada do MFA. Mas o MFA, entretanto, fora ganho por onda radical, em reacçom ao 11 de Março: criaçom do Conselho da Revoluçom e da Assembleia do Movimento, prisom dos figurons reaccionários até aí intocáveis, começo das nacionalizaçons, anúncio da Reforma Agrária, lei do arrendamento rural, proclamaçom da via socialista. E nom ficou por aqui: divulgou os relatórios do 28 de Setembro e do 11 de Março, extorquiu aos partidos um Pacto que os amarrava aos objectivos da Revoluçom, congelou os preços dos artigos de primeira necessidade e as rendas das casas. Umha semana antes das eleiçons, grandes manifestaçons populares vitoriavam a aliança Povo/MFA. O PS podia ter a maioria dos votos mas os oficiais “revolucionários” tinham ganho a iniciativa das operaçons. A “revoluçom” viveu entom os seus breves dias de esplendor. Ao assumir o comando, o MFA pareceu superar-se a si próprio e libertar-se da vacilaçom que o paralisara desde o 28 de Setembro e o levara a convocar a 19

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miná-la. Porque é aí, na avaliaçom do papel da pequena burguesia “revolucionária”, que se pode entender o fundo da luita de classes em 75 e destrinçar, no nebuloso terreno das conquistas de Abril”, o que era a favor e o que era contra o proletariado.


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Constituintes. Até os grupos revolucionários se sentírom ultrapassados pola esquerda. Lisboa parecia transfigurada. Os bancos exibiam faixas: “Nacionalizado, nosso! Discutia-se a “apropriaçom colectiva dos meios de produçom”. Dirigentes do PCP cumprimentavam, num comício de homenagem a Catarina Eufémia, a nova GNR democrática e faziam palestras educativas à PSP. Os soldados descobriam estupefactos que podiam comer na mesma messe com os oficiais. Os engenheiros trajavam como operários. Pacatos democratas saudavam de punho cerrado nos comícios. Até os merceeiros, encantados com o respeito e o maior poder de compra dos trabalhadores aprovavam a “passagem ao socialismo”. Numha palavra, o MFA parecia escapar às leis da luita de classes e instituir esta cousa nunca vista: umha revoluçom sem ruptura da ordem, sem guerra civil, sem combates ferozes entre esquerda e direita. O professor americano Paul Sweezy exprimiu o sentimento geral da esquerda nesses dias quando comentou que o MFA nom podia ser entendido como umha mera variante da intervençom dos militares na política1. Era, por qualquer milagre inexplicável, a vanguarda da revoluçom”. O MOTOR DA REVOLUÇOM Bem podia o MFA repetir, para se tranquilizar a si próprio, que era “o motor da Revoluçom”. O 11 de Março modificara muita cousa. A táctica de capitalizar a indignaçom popular contra a direita em apoio patriótico ao MFA já nom aquietava o povo. As barragens nas estradas, o saque às sedes os partidos de direita, a nova onda de ocupaçons de casas, as ocupaçons de terras a alastrar no Alentejo, as armas passadas de contrabando para fora dos quartéis, ridicularizárom dum dia para o outro Costa Gomes, cuja primeira reacçom fora relacionar o golpe com a ‘indisciplina social explorada por agitadores profissionais”, e o PCP, que saíra a condenar pressuroso “as violências e destruiçons anárquicas praticadas à sombra da luita contra a reacçom”2. Os tempos mudavam. A iniciativa da rua, libertada pola crise do poder, nom só bloqueava a reproduçom normal do Capital, como abria fendas em todo o imponente edifício das instituiçons, leis e costumes. Os ideólogos que hoje aparecem a querer explicar os acontecimentos polo conflito entre as instituiçons, só para nom admitirem a fragilidade do 20


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De facto, começava a acontecer algo de que ninguém suspeitara e que ninguém planeara: as massas, tomando à letra a Democracia, ameaçavam fazer desmoronar o regime burguês. A burguesia ainda fingia acolher com democrática serenidade as moçons explosivas dos plenários, mas via que o respeito pola ordem era umha capa cada vez mais fina, que já mal encobria a impotência real dos orgaos do poder. O povo já constatara que a GNR e a PSP, suspeitas de envolvimento no golpe, eram desautorizadas polo MFA e que as forças do COPCON se recusavam a reprimir as suas iniciativas. Logicamente, nom levava a sério os apelos à disciplina e as ameaças de severas penas para as ocupaçons ilegais. Alargava a brecha o mais que podia. Exprimia a sua vontade nas comissons e plenários e tratava de a levar à prática. Aproveitava os rasgons no controlo burguês da imprensa e da rádio para as usar como orgaos das suas denúncias e exigências. Era esta impetuosa aspiraçom de mudança das massas avançadas que lhes permitia marcar o andamento da política e cilindrar a resistência medrosa da direita e a inércia da grande massa, indecisa e flutuante. Era ela que engrossava dia-a-dia a ala esquerda do MFA, dava vida aos grupos revolucionários e condicionava a política do PCP. Este movimento que começava a descobrir a sua voz e a sua força estava contodo ainda longe de descobrir a sua identidade política. Aceitava o MFA, o PCP, o MDP, em parte até o PS, como seus representantes. Só as franjas mais radicalizadas seguiam os grupos revolucionários, opostos a toda a autoridade estabelecida. Esses grupos, porém, nom passavam de parcelas confusas da nova corrente revolucionária que fermentava na luita de classes. Nada mais longe da verdade do que a acusaçom de que o PCP teria tentado, após o 11 de Março, “queimar etapas” e impor umha Democracia Popular em Portugal. O MFA pudo assim adiantar-se à rua e proclamar o “socialismo” e o “poder popular” antes que ela o figesse. Sancionou com a sua autoridade as inicia21

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poder sob o embate do movimento de massas3, talvez se desforrem assim das humilhaçons que na altura lhes impujo a “populaça”. Mas condenam-se a nom entender nada do jogo das forças políticas que conduziu à crise do Verao.


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O Verao quente dez anos depois tivas populares que nunca supugera possível admitir. Cedeu a todo com o justo instinto de que o mais vital era nom perder o controlo do poder. A força do movimento tornara-se tam indiscutível que a luita contra o proletariado só podia ser travada em nome do socialismo e da revoluçom. A LUITA EM DUAS FRENTES Esta súbita conversom do MFA ao socialismo, seria um erro vê-la como umha manobra maquiavélica para confiscar a bandeira da revoluçom aos operários e assalariados. A luita de classes nom é assim tam simples. O MFA viera aprendendo à sua custa que o nobre projecto de “devolver a liberdade ao povo” nom escapava à acçom devastadora da luita de classes. Dividia-se em tantas tendências quantas as forças políticas que do exterior o solicitavam. De momento, estava dominado pola corrente radical. Acicatados pola sabotagem económica dos capitalistas e polas conspiraçons reaccionárias, comovidos pola razom das exigências populares, desejosos de se manter coerentes até ao fim com as suas promessas democráticas, os oficiais progressistas deslocavam-se para a esquerda a cada luita que eram obrigados a travar contra a direita e contra os militares moderados. Sentírom-se encantados por poder dar umha liçom aos monopolistas, latifundiários e grandes colonos que até aí tinham escarnecido do 25 de Abril. Em breve, ganhárom a hegemonia nas Assembleias do MFA e reconhecêrom-se embriagados como protagonistas de umha revoluçom “a sério”. O fim do império colonial e do fascismo seria também o fim do capitalismo português. As nacionalizaçons e as intervençons estatais nas empresas, exigência objectiva para afastar o perigo de bancarrota do sistema, aparecêromlhes como a prova de que se entrara em plena revoluçom socialista. Declarárom solenemente a “opçom socialista da revoluçom portuguesa”. E como, obviamente, nom se podia avançar para o socialismo com umha Constituinte dominada por partidos retintamente burgueses, anunciárom, perante o pasmo indignado do PS e PPD, que “democracia socialista nom é votaçom formal mais nacionalizaçons, mas sim poder popular”. Estava lançada a ideia do ‘poder popular”4, que viria a constituir o cerne da luita de classes nos meses seguintes. 22


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Na realidade, as comissons do “poder popular” que mais tarde vinhérom a reunir sob a presidência benévola dos oficiais, vinham na linha de continuidade das campanhas de “dinamizaçom cultural”, que tinham percorrido a província, a explicar às populaçons o que era bom para elas. Eram umha reminiscência sublimada da “acçom psico-social” em África. Ansiosos por se resgatar da ignomínia colonialista, os oficiais progressistas exultavam por julgar estar a dar a libertaçom, desta vez verdadeira ao seu próprio povo. Nom sabiam que estavam, mais umha vez e em condiçons diferentes, a afogar umha revoluçom. Mas nem todo era ingénuo no projecto “socialista” do MFA. A luita surda entre a ala esquerda e a direita do Movimento era arbitrada polo bloco central “gonçalvista”, que aprendera em meses de governo a defenderse das massas e a desconfiar dos seus impulsos destrutivos. A teoria do MFA como “motor e garante da Revoluçom”, reafirmada por Vasco Gonçalves em 7 de Abril, foi aclamada como a decisom de nom entregar o poder à social-democracia. Na realidade, expressava já em embriom a luita em duas frentes em que o CR se iria empenhar: impor as reformas democráticas de estrutura contra a resistência da socialdemocracia e da direita; mas também manter sob controlo os impulsos anárquicos da rua. As iniciativas imprevistas dos trabalhadores, a quem nada parecia capaz de satisfazer, a recusa insolente dos grupos de extrema-esquerda a assinar o Pacto, as exigências “irrealistas” de que se expropriassem as fortunas e se submetessem a julgamento os anteriores governantes e os pides, a reivindicaçom “provocatória” do abandono da NATO, a “falta de respeito” que começava a contagiar os soldados, eram outros tantos golpes na confiança de V. Gonçalves no civismo do povo. Os dous meses seguintes figérom amadurecer rapidamente esta atitude. À direita, o PS, apoiado em grandes comícios e manifestaçons tornava-se 23

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A euforia reinante nom deixava perceber aos oficiais progressistas a falsidade paternalista do seu projecto, que advinha deste facto muito prosaico: eram eles que conservavam o comando dos soldados e o controlo das armas e, por sua vontade soberana, se arvoravam em libertadores do povo. Dizer que o MFA era “o povo armado” ou que as Forças Armadas estavam em vias de se transformar num Exército Popular nom passava de flores de retórica.


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O Verao quente dez anos depois cada vez mais audacioso na exigência do lugar que lhe correspondia polas eleiçons. À esquerda, as comissons de trabalhadores e moradores criavam conflitos e sobressalto permanente com as suas reivindicaçons insaciáveis, sem quererem saber do estado catastrófico da economia. Para agravar as cousas, o ELP fazia a sua apariçom em público e os pides fugiam da cadeia, enquanto Otelo, sempre impulsivo, declarava que teria sido melhor se no 25 de Abril os contra-revolucionários tivessem sido encostados à parede ou metidos no Campo Pequeno. A necessidade de encontrar um partido que lhe servisse de suporte político para navegar gradualmente para o “socialismo”, evitando os escolhos da reacçom e da revoluçom, começou a impor-se ao CR. Inviabilizada a ideia inicial de apoiar o MDP como grande frente unitária ao serviço do MFA e sem perspectivas de ver materializado o projecto de um novo partido da esquerda socialista5 a maioria do CR tivo que optar polo apoio no PCP. Apesar de todos os inconvenientes que isso acarretava (o medo ao comunismo, a retracçom dos capitais, a hostilidade da NATO), o PCP era a única força capaz de enquadrar o movimento de massas e já com provas dadas de “responsabilidade”. O MITO DO “GOLPE DE PRAGA” Nada mais longe da verdade do que a acusaçom de que o PCP teria tentado, após o 11 de Março, “queimar etapas” e impor umha Democracia Popular em Portugal. Dizer que Cunhal tentou “seguir rigorosamente as pisadas” dos Partidos Comunistas da Europa oriental6 ou atribuir a fractura do bloco militar em Agosto à manipulaçom e desvirtuamento dos movimentos sociais populares polo PCP7, é verdadeiramente injusto. Na realidade, Álvaro Cunhal já nom sabia se devia felicitar-se ou alarmarse pola marcha imparável dos acontecimentos. Todas as suas metas, previstas para um largo período histórico, realizavam-se em marcha acelerada, de forma tumultuosa e imprudente. Nom se chegara de forma nengumha a um quadro político em que as comissons, apoiadas em orgaos armados, se pudessem apossar do poder pola força.

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O pior é que o PCP, se previa atormentado o perigo fatal da desuniom das forças democráticas, previa também o perigo de ver fugirem-lhe pola esquerda amplos sectores do proletariado da regiom de Lisboa, do Alentejo, do Porto. A jornada de trabalho da Intersindical a 10 de Junho caíra no ridículo. A 4 de Julho, a Siderurgia véu para a rua, sem querer saber dos avisos dramáticos de que se poderia dar pretexto a um golpe fascista. Muitos militantes operários do partido, perturbados por se encontrarem a cada passo na cauda do movimento, começavam a vacilar na luita contra o “esquerdismo”. Foi necessário portanto apurar a táctica para tentar aquilo de que nengum outro partido seria capaz: enganchar na mesma dinámica o ascenso operário e o recuo pequeno-burguês. É isso que dá sentido à política do PCP no Verao de 1975 e nom o plano para um imaginário “golpe de Praga”. A acusaçom, lançada polo PS para galvanizar os pequenos patrons e a massa intermédia das cidades (e também para estimular o empenhamento mais directo dos americanos), apresentava como provas a insaciável ocupaçom de lugares polos quadros do PCP - na comunicaçom social, no aparelho económico estatal, na 5ª Divisom. A verdade, porém, é que a hipótese de um golpe “comunista” estava excluída à partida polo lugar de Portugal na NATO. Mesmo antes de ir a Moscovo conferenciar com Brejnev, Cunhal já o sabia. Alarmado pola tendência para desintegraçom da aliança Povo/MFA em facçons antagónicas, o PCP procurava ganhar influência a todos os níveis

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A impaciência e temeridade das massas, que facilmente davam ouvidos aos incitamentos “esquerdistas”, ameaçavam romper todo o delicado equilíbrio requerido polo projecto da “Revoluçom Democrática e Nacional”. As acçons na “República” e na “Rádio Renascença” eram umha provocaçom gratuita ao PS e à Igreja. A torrente incontrolável das comissons suplantava as direcçons sindicais e autarquias, conquistadas em luita árdua como pilares do novo poder democrático. O entusiasmo ingénuo da ala esquerda do MFA, e sobretodo do Copcon, polo poder popular (“o povo tem sempre razom”, declarava Otelo por essa altura) dava rédea solta à anarquia e acentuava perigosamente o retraimento dos militares moderados. Em princípio de Julho estivo-se à beira de umha ruptura no CR.


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O Verao quente dez anos depois do aparelho — para persuadir a burguesia liberal à colaboraçom, dissuadir a burguesia reaccionária de tentaçons golpistas e impedir os trabalhadores de se lançarem em “aventuras”. A recente liçom do Chile, para Cunhal, nom era obviamente o fracasso estrondoso da táctica reformista em fase de crise revolucionária mas a necessidade de aperfeiçoar essa táctica. O Chile ensinava que era preciso levar mais longe as medidas preventivas contra umha reviravolta imprevista da direita ou umha explosom de “esquerdismo”. Por um momento, pareceu que iria consegui-lo. SOCIALISMO SOB TUTELA Julho começou com um novo salto do PREC (o “processo revolucionário em curso”), quando a Assembleia do MFA institucionalizou, após dura luita interna, a aliança Povo/MFA como base da construçom do socialismo. Os militares outorgavam às Assembleias Populares o direito de partilhar o poder e reconheciam as organizaçons unitárias de base como “embrions de um sistema de democracia directa”, passando o parlamento para segundo plano. Do MFA-motor, passava-se para a aliança Povo/MFA “binómio-motor da Revoluçom”. A convicçom de que o MFA rompera definitivamente com a social-democracia desencadeou umha explosom de entusiasmo. No dia em que o PS abandonou o governo, umha enorme manifestaçom da Inter foi a Belém aclamar o CR e Vasco Gonçalves. Manifestaçom semelhante tivo lugar dias depois no Porto. A TAP suspendeu a greve em sinal de boa vontade. No Alentejo rompêrom-se os últimos diques que ainda retinham a ocupaçom maciça dos latifúndios. As cooperativas e UCPs, somando-se às novas nacionalizaçons, ao controlo de gestam, às Assembleias Populares... - que mais era preciso para acreditar na realidade do socialismo? Além disso, o reconhecimento sucessivo da independência das colónias nom provava a boa-fé e habilidade do CR para pôr termo também ao pesadelo de Angola, afastando o perigo de umha explosom chauvinista reaccionária? A avalanche das ilusons num socialismo redentor permitia ao boletim do MFA enumerar nas “classes trabalhadoras interessadas caminhar para a revoluçom socialista”, “os pequenos e médios agricultores, comerciantes, industriais, os funcionários públicos, intelectuais, técnicos”... 8 Um país inteiro feito “classes trabalhadoras” dispostas a marchar para o socialismo! Nom era difícil porém divisar, sob a demagogia arrevesada do “binómio26


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Os militares estavam conscientes do risco deste novo passo “irreversível” para o socialismo. No fundo, a corrente do “poder popular” cingia-se a tentar revitalizar e revolucionarizar a aliança Povo/MFA. Teria sido necessária a intervençom massiva da classe operária conduzida por um partido comunista, entom inexistente, para poder passar além dessa aliança. Com a oferta de um poder fictício às Assembleias Populares esperavam descomprimir de novo a pressom da rua e recuperar espaço de manobra para enfrentar a campanha do PS e da direita. Mas sem perder o controlo da situaçom. “Urge inserir os orgaos populares na aliança Povo/MFA”, alertava a 5 Divisom, “de modo a prevenir o seu desenvolvimento anarquizante ou aventureirista”9. Nom tardaria muito que o ascenso paralelo à esquerda e à direita espalmasse os bons propósitos dos socialistas militares. A “MURALHA DE AÇO” A ressaca ao “poder popular” nom se fijo esperar. O PS, na oposiçom, arrastou o PPD para fora do governo e iniciou umha grande prova de força. Gigantescas manifestaçons nas Antas e na Alameda, a 18 e 19 de Julho, comprovárom a base de apoio do “socialismo democrático”. Já nom se podia pretender que a oposiçom ao CR era obra só dos saudosistas do antigo regime. O PCP iria pagar cara a tentativa de impedir estas acçons por meio de barragens, como se elas fossem umha mera repetiçom da “maioria silenciosa” do 28 de Setembro. Nom havia qualquer exagero nas denúncias de Cunhal acerca de umha escalada reaccionária orquestrada. Os assaltos e incêndios do ELP articu27

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motor da Revoluçom”, a inconsistência suspeita do Programa de Acçom Política do CR. “Esquecia-se” de definir como funcionaria a “democracia directa” nos quartéis, especificava que “nom serám admitidas organizaçons civis armadas” e prometia reprimir por igual as actividades contrarevolucionárias e “esquerdismo pseudo-revolucionário”, contra o qual admitia, inclusive, o recurso à ”acçom armada”. A repressom sobre os manejos obscuros do MRPP “maoísta” poderia servir de precedente para umha real perseguiçom à esquerda em caso de necessidade.


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O Verao quente dez anos depois lavam-se com as manifestaçons católicas, com a agitaçom promovida polas confederaçons patronais, com a ofensiva separatista nos Açores e com a conspiraçom febril dos colonos de Angola, dispostos a todo para salvar os seus bens da independência. Mas o ataque geral da direita faziase agora, ao contrário do ano anterior, a coberto de um grande movimento de massas da pequena burguesia e em nome da defesa do “verdadeiro espírito do 25 de Abril. Já nom se podia ocultar que a “revoluçom de Abril” se fraccionara em dous ramos antagónicos. O PCP, contodo, respirava confiança inabalável na Revoluçom. A ocupaçom do Alentejo pola vaga dos assalariados rurais, o congresso da Intersindical presidido por Costa Gomes e Vasco Gonçalves, a nacionalizaçom do grupo CUF, nom eram a prova da vitória? Cunhal triunfava em comícios delirantes. Demonstrava aos que o tinham suspeitado de timidez que todo vinha a seu tempo. A ideia de que estavam em curso conquistas “irreversíveis” e de que o partido avançava imparavelmente para o poder (“em aliança com os militares revolucionários, os democratas e patriotas”) embebedava a base proletária do PCP. Uma espessa tradiçom de reformismo crónico ocultava-lhe o quadro real da luita de classes. Convenciam-se de que todos esses avanços, à sombra do MFA e do respeito polo capital estrangeiro e pola NATO, formavam um matreiro plano revolucionário para roubar umha a umha as bases de apoio da burguesia, até deixála suspensa no ar, sem a assustar com excessos “irresponsáveis”, como fazia a extrema esquerda. Era esta ilusom de que estavam a fazer umha revoluçom “pola surra” que levava os operários mais combativos do PCP a alinhar com fervor na “batalha da produçom”, a aclamar os discursos lacrimejantes de Vasco e a minimizar a força de massas do PS. Nom entendiam que, ao entregar-se nas maos dos “militares revolucionários” e ao instalar-se no aparelho de Estado em vez de o desmantelar, o seu partido os conduzia para umha derrota certa. COPCON E PODER POPULAR Em Julho, a extrema-esquerda começava a abrir espaço no impasse a que chegara a crise politica. À medida que se definia a ameaça de direita e a incapacidade do PCP, maiores sectores da vanguarda operária e popular se voltavam para as palavras de ordem da esquerda revolucionária. 28


O Verao quente dez anos depois Começavam a reconhecer a justeza das suas denúncias acerca dos alçapáns da aliança Povo/MFA e da necessidade de luita mais radical.

Havia contodo muito pouca convicçom nesta exigência de poder popular. As comissons de moradores e trabalhadores (estas últimas já em grande parte neutralizadas pola influência moderadora do PCP) tinham feito um largo caminho desde o ano anterior, mas estavam longe de querer assumir realmente o poder. Rodeavam as instituiçons como orgaos de reivindicaçom, pressom e vigiláncia, mas nom se atreviam a substituir-se a elas. Faltava-lhes a força para o fazer. Nom se chegara de nengumha forma a um quadro político em que as comissons, apoiadas em órgaos armados, se pudessem apossar do poder pola força. Por isso, o objectivo político difuso que inspirava as manifestaçons polo poder popular e a articulaçom das comissons em Assembleias Populares era ainda o de tentar encontrar essa força nas unidades do COPCON. No fundo, a corrente do “poder popular” cingia-se a tentar revitalizar e “revolucionarizar” a aliança Povo/ MFA, descolando, pola pressom das massas, umha nova ala esquerda do MFA. A lógica democrático-revolucionária pequeno-burguesa, mesmo levada ao limite, nom se transformava em lógica proletária, soviética. A extrema-esquerda nunca foi além da “extrema-esquerda das ilusons de Abri!”. Por detrás de um radicalismo superficial, foi a moderaçom da sua estratégia que a impediu de ganhar a direcçom do movimento no Verao de 75. Teria sido necessária a intervençom massiva da classe operária conduzida por um partido comunista que nom existia. 29

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As manifestaçons de 16 e l8 de Julho (Lisboa e Porto) e sobretodo a de 20 de Agosto, promovidas por comissons de moradores e trabalhadores e apoiadas por contingentes de soldados, projectárom para primeiro plano a aspiraçom de umha unidade popular renovada, por cima da divisom cavada entre os blocos do PS e do PCP. As suas palavras de ordem centrais eram a efectivaçom do poder popular e a passagem à ofensiva contra a direita. O seu documento programático, a Proposta de Trabalho do COPCON, divulgada em Agosto como alternativa ao V Governo e ao Documento dos Nove.


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O Verao quente dez anos depois Esta timidez tinha raízes na base social confusa da corrente do “poder popular”: sectores operários avançados em fusom com moradores pobres, estudantes, pequenos comerciantes arruinados, intelectuais de esquerda - toda umha massa popular amorfa sem espinha dorsal de classe. Isto mesmo se traduzia na poeira de grupos políticos que lhe disputavam a direcçom, nengum deles capaz de ganhar hegemonia: maoístas, socialistas de esquerda, trotskistas, anarquistas. Na ausência de umha força política dirigente, o movimento era levado a buscar no prestígio popular de Otelo a coerência unificadora que lhe faltava. Otelo, porém, nom era mais do que um intérprete vacilante de um movimento vacilante. Tentava manobrar entre os ataques que lhe eram desferidos polos Nove e polos gonçalvistas, polo PS e polo PCP, em busca de um espaço político que nunca chegou a encontrar. Em mais de um momento, as suas oscilaçons levaram-no a aproximar-se dos Nove. A sua decisom conciliatória de reintegrar Jaime Neves, saneado polos soldados dos Comandos, viria a ser-lhe fatal. A corrente do “poder popular” nom tinha táctica porque nom tinha um projecto real de poder. Tam depressa apoiava os ataques do PCP contra o PS como os do PS contra o PCP, o que a conduzia à desagregaçom. Se, em vez de denunciar o V Governo como um “governo fantoche”, tivesse sido capaz de enunciar as condiçons para umha luita comum contra o PS e os Nove, ela teria certamente deslocado para si umha boa parte das massas que se agarravam com desespero ao PCP e ao “gonçalvismo”. Assim, a luita ficou de facto cingida à disputa entre o PCP e o PS. A IMPOTÊNCIA NO PODER Fracassadas as negociaçons para um novo governo de coligaçom, Agosto serviu para a disputa febril do apoio de massas a cada um dos diversos programas de saída da crise. Frente a frente ficárom o V Governo, que apostava no prolongamento da aliança Povo/MFA, e o Documento dos Nove, defensor da passagem à “normalidade democrática”. Tornou-se claro desde logo que a terceira via defendida polo COPCON com a sua Proposta de Trabalho nom dispunha de força para triunfar. Quem contasse o número de manifestantes e de moçons que se pronunciavam em apoio de cada umha das correntes seria inclinado a atribuir a 30


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Na realidade, as aclamaçons ao “companheiro Vasco” mobilizavam multidons mas nom podiam suprir a impotência real do V Governo. Com as massas operárias desencantadas pola carestia e o desemprego, os camponeses exasperados pola ausência de medidas de apoio à produçom, a pequena burguesia em pánico com a desordem, o V Governo só consolidaria umha base de apoio sólida se adoptasse medidas políticas e económicas eficazes em benefício dos trabalhadores à custa da burguesia e as impugesse pola força. Só o conseguiu em relaçom aos assalariados rurais do Sul. No conjunto do país, as suas indecisons, em vez de desarmarem a hostilidade do PS e da direita, como ele esperava, semeárom a vacilaçom nas massas e tornárom cada vez mais afoita a ofensiva unida para o derrubar. A força maioritária aparentada polo centro gonçalvista era fictícia. Apostar na estabilizaçom da luita de classes no ponto a que esta chegara era puro suicídio. Incapaz de desmantelar o ELP e as conspiraçons militares que fervilhavam, de golpear seriamente os especuladores, os patrons sabotadores, a padralhada, de dissolver a Constituinte, o V Governo revelava-se como um “tigre de papel”. Isso mesmo entendiam social-democratas, liberais e reaccionários. O Documento dos Nove e o Programa de Acçom Imediata do PS, ao exigir o fim do “anarco-populismo”, das formas selvagens e anarquizantes do exercício do Poder”, das “usurpaçons e vandalismo” no Alentejo e a concentraçom do poder na Assembleia Constituinte, galvanizárom as massas burguesas e permitiam-lhe puxar à sua órbita largos sectores de camponeses pobres, assalariados, desempregados, desejosos do retorno à estabilidade. O PS e os Nove dispunham de vantagem esmagadora: eram os únicos que apresentavam um

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vitória ao V Governo. O Documento dos Nove foi repudiado e estes foram suspensos do CR. Vasco Gonçalves produzia umha enxurrada de leis “socialistas” e tentava incendiar as massas com discursos sobre a “batalha da produçom”. O PCP garantia-lhe o apoio com os Comités de Defesa da Revoluçom. No Século, Miguel Urbano Rodrigues reclamava “um governo que governe” e que se apressasse a “criaçom do Poder Revolucionário”.


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modelo de organizaçom social, contra o marasmo do centro gonçalvista e as indecisons da esquerda. Entrou-se entom no penúltimo acto da comédia revolucionária. Sob a fachada das proclamaçons cada vez mais exaltantes, Álvaro Cunhal começou a procurar umha plataforma de compromisso com o PS e os Nove. As imponentes manifestaçons de fins de Agosto, em Lisboa e Porto, de apoio ao COPCON, servírom-lhe de capital de negociaçom. O PCP aderiu à última hora às manifestaçons, procurando inflecti-las para o apoio ao V Governo. Em seguida, foi mais longe e entrou com alguns grupos da extrema-esquerda na chamada Frente de Unidade Revolucionária (FUR). Os ingénuos incorrigíveis exultárom com o “passo decisivo” que se dava para a unidade da esquerda. Três dias depois, estabelecido um acordo básico com o PS sobre a distribuiçom de forças no futuro governo, Cunhal negou qualquer apoio à FUR e apelou a umha conciliaçom entre as três tendências do MFA. Era o fim do V Governo. A partir daqui, estava aberto o caminho para golpe de Tancos e para a morte política de Vasco Gonçalves. Os Nove tomárom o controlo do CR e acabárom com as subversivas Assembleias do MFA. O PS redobrou de energia no ataque ao movimento popular. O 25 de Novembro está em marcha. Nem sequer a extremaesquerda lhe conseguiu ser obstáculo. UMA EXTREMA ESQUERDA MODERADA Tem sido fácil ridicularizar os grupos de extrema esquerda pola desproporçom entre e suas exigências radicais e a escassez das suas forças. Seria necessário concluir, polo contrário, que foi a moderaçom das suas proposta políticas que os impediu de ganhar a direcçom do movimento no Verao de 75. Todo o que os grupos tinham feito de positivo polo movimento nos meses anteriores, levando-lhe ideias novas, avançadas, ensinando-lhe antiimperialismo militante, impondo-lhe salto para diante, estilhaçando o bronco conformismo legalista e sindicaleiro do PCP, tinha que ser elevado a um nível novo que eles nom se atrevêrom a franquear.

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Se excluirmos a direita da corrente maoísta (MRPP, PCPML/AOC), que viera evoluindo com o seu “anti-social-fascismo” assanhado, para reserva do PS e da reacçom (também a OCMLP enveredou por esse caminho a partir do Verao) e a ala esquerda social-democrata (FSP, LUAR, LCI), que se limitava a flutuar na esteira do PCP e do CR, as forças que constituíam a extrema esquerda propriamente dita (UDP, PRP, MES) nom passárom além da busca de um impossível arranjo popular-militar. A UDP, por exemplo, umha das forças entom mais influentes da esquerda revolucionária, tentou corresponder à nova situaçom com a proposta de um “Governo de Independência Nacional, em aliança com o Terceiro Mundo”, numha tentativa nítida de ganhar o apoio de parte da pequena burguesia. A verdade é que a UDP começava a recuar perante a perspectiva de um confronto: por isso entrou em campanha contra o “aventureirismo”, pola atracçom das camadas médias e pola “unidade do povo contra o fascismo”, quando o que estava em jogo era saber se se avançava ou nom para derrubar a burguesia. Por isso também, a sua breve agitaçom a favor de milícias populares nom foi levada à prática. A UDP viria a acabar logicamente no defensismo impotente do “nom à guerra civil” de Outubro. Mais radical soava a proclamaçom da revoluçom socialista anunciada polo PRP e a sua iniciativa de constituir comités revolucionários (CRTSM), inclusive alguns deles armados. Mas o seu primitivismo político, formado na escola da acçom directa, nom dava ao PRP estofo para ganhar sectores significativos do proletariado. O mais que conseguiu foi um corpo de brigadas girando em volta dos quartéis e a reuniom de algumas assembleias populares, tam tumultuosas como indecisas. O seu revolucionarismo “activo” era afinal tam impotente como os apelos unitários da UDP. Para já nom falar do MES, que se evadia das tarefas revolucionárias com umha combinaçom aberrante de “socialismo militar” e “revoluçom cultural”.

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De facto, apesar do radicalismo exasperado da sua linguagem, o arsenal estratégico dos grupo nom tinha nengumha resposta coerente para o cerco à revoluçom, montado polo duelo entre as duas alas pequeno-burguesas agrupadas em torno do PS e do PCP.


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O Verao quente dez anos depois A raíz desta capitulaçom estava na linha centrista, maoísta-estalinista, em que se traduzia o marxismo-leninismo dos grupos comunistas. A sua perspectiva de umha revoluçom democrática-popular já nom tinha nada para lhes dar, no ponta a que chegara a luita de classes. Baseava-se na esperança de umha aliança operário pequeno-burguesa que a vida demonstrava ser inviável. Era essa ausência de estratégia revolucionária que os impedia de arrancar o grosso da vanguarda operária ao PCP e constituir o novo Partido Comunista que reconheciam como sua principal tarefa. Polo seu lado, a corrente “anti-estalinista”, num leque que ia do PRP ao MES e aos trotskistas, condensava todos os preconceitos da social-democracia de esquerda: umha fé mística na “auto-organizaçom das massas e nos órgaos de “poder popular”, como se deles pudesse sair espontaneamente o partido dirigente da revoluçom; o namoro aos oficiais revolucionários como chave da conquista do poder; como pano de fundo, umha incapacidade absoluta para diferenciar os interesses do proletariado dos da pequena burguesia. Resultava daqui o pragmatismo invertebrado que os levou à armadilha da FUR. Numha palavra, a extrema-esquerda nunca foi além de extremaesquerda das ilusons de Abril. Estava condenada a assistir impotente ao 25 de Novembro. A PEQUENA BURGUESIA NOM VACILOU No Verao de 75 tratava-se de saber se a classe operária era capaz de enfrentar o desafio que a História inesperadamente lhe apresentava: reconhecer a morte do MFA, umha vez esgotada a tarefa democrática que lhe dera origem e levar audaciosamente o confronto a um plano superior: polas nacionalizaçons, pola reforma agrária à escala nacional, polo castigo dos contra-revolucionários, pola soluçom da crise económica - todo o poder às comissons de trabalhadores, soldados e moradores, dissoluçom da Constituinte, formaçom de um governo revolucionário, armamento do povo, controlo operário, expropriaçons sem indemnizaçom, ruptura com a NATO. Para se poderem manter, as conquistas de Abril tinham que ser levadas mais longe. O próprio desenrolar dos acontecimentos demonstrava que nom havia lugar para qualquer ”revoluçom democrática e nacional”, “revoluçom socialista de todo o povo” ou “revoluçom democrático-popu34


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Poderia essa revoluçom triunfar sobre a ameaça de guerra civil e de cerco e invasom imperialistas? Pode-se duvidar. Mas nom restam dúvidas de que era essa a única revoluçom que havia para fazer. Fora dela, só ficava o que efectivamente ficou - a reorganizaçom da ordem burguesa. Saber se a revoluçom era ou nom possível nom era questom que tivesse resposta antecipada. Dependia da capacidade do proletariado para assumir a direcçom dos acontecimentos, disposto a vencer a todo o preço, e nesse processo arrastar para o seu lado as grandes massas semi-proletárias e retirar margem de manobra à pequena burguesia. Essa situaçom nom chegou sequer a esboçar-se. Acima de todo porque faltou ao proletariado um partido revolucionário, comunista, capaz de se assumir e fazer reconhecer como a direcçom política da revoluçom. Esta é naturalmente a conclusom imediata que se impom a todo o marxista. Mas é preciso ir mais além e perguntar por que nom chegou esse partido a formar-se, nem sequer como embriom, numha situaçom tam propícia, que nom só favorecia como exigia o seu aparecimento. E aqui entramos na questom-chave das relaçons políticas entre proletariado e pequena burguesia. Enquanto o proletariado procurava às apalpadelas o caminho da revoluçom, a pequena burguesia, dividida num arco-íris de tonalidades, tratou, toda ela, de lhe bloquear esse caminho. Criticar as “vacilaçons” da pequena burguesia, como habitualmente se fai, é ainda umha maneira de dourar a realidade. A pequena burguesia nom vacilou nunca no essencial para a sociedade estabelecida, que era salvar o Estado. Isso ficou evidente quanto à massa pequeno-burguesa alinhada atrás do PS e da direita contra a “anarquia”. Mas já nom ficou claro quanto à frac35

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lar”, todas elas imaginadas na base de um impossível bloco unido operário-burguês. Os factos mostravam que a revoluçom só se tornaria realidade se rompesse o casulo da aliança Povo/MFA e ganhasse envergadura de umha luita definitiva dos produtores contra os exploradores, dos soldados contra os oficiais, das comissons contra as instituiçons – em suma, umha revoluçom do proletariado contra a burguesia, umha revoluçom socialista.


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O Verao quente dez anos depois çom radical da pequena burguesia, precisamente polo seu comportamento pseudo-revolucionário. Guiada polo instinto seguro de que o mais vital era ficar junto das massas revoucionárias para evitar umha convulsom irreparável, a pequena burguesia de “esquerda” montou umha fraude política de grandes proporçons. Todas as reivindicaçons revolucionárias dos operários e restantes trabalhadores fôrom por ela esvaziadas em palavras de ordem de fantasia: aliança Povo/MFA em vez de aliança dos operários, camponeses pobres e soldados; “poder popular” tutelado polos quartéis em vez de poder popular autêntico; “batalha da produçom” em vez de expropriaçom da burguesia; respeito polos compromissos internacionais em vez de saída da NATO; unidade popular em vez de partido operário revolucionário; “transiçom para o socialismo” em vez de revoluçom violenta. Face ao bloco da ordem, comandado pola burguesia, forte do apoio imperialista, alinhárom-se assim as hostes desgarradas de um “exército operário-pequeno-burguês, cujas energias se esgotárom nas maos de chefes de empréstimo, mais receosos da vitória do que da derrota. Em vez de ser o proletariado a encostar a pequena burguesia à parede e forçá-la a escolher entre dous campos, foi a pequena burguesia que se arvorou em árbitro da crise. O resultado estava traçado de antemao. Nem chegou a haver batalha. Hoje, a dez anos de distáncia, é evidente que a missom histórica da pequena burguesia “revolucionária”, agrupada no PCP e na ala gonçalvista do MFA, era promover a transiçom do regime fascista-colonlalista defunto para a democracia burguesa, afastando o perigo de umha revoluçom. O que fijo com êxito. Naturalmente, umha vez cumprida essa missom, a pequena burguesia “revolucionária” foi empurrada sem cerimónia para fora do poder que lhe fora dado provisoriamente polas forças do Capital. Álvaro Cunhal, Vasco Gonçalves, Costa Gomes tenhem boas razons para se sentir vítimas de umha injustiça histórica. O serviço que prestárom à “democracia” jamais será reconhecido. Resta-lhes umha consolaçom. É que a sua sabotagem da revoluçom pudo manter-se oculta aos olhos das grandes massas graças à incoerência e

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*Publicado no número 1 da revista Política Operária. Lisboa, Setembro-Outubro de 1985. (1) Paul Sweezy, “Luta de classes em Portugal”, Ed. SLEMES, 1976, pág. 21. (2) Comunicado da comissom política do CC do PCP, 11/3/75.

(3) O processo de formaçom das instituiçons até aí banidas - di saborosamente

Medeiros Ferreira - “foi mais importante e determinante do ponto de vista da construçom do regime político do que, por exemplo, a luita de classes que também se travou nessa altura” (!).

J. Medeiros Ferreira, “Ensaio histórico sobre a revoluçom do 25 de Abril. O período pré -constitucional” Ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pág. 88. (4) Boletim do MFA, n° 17, 6/5/75.

5) César de Oliveira, na altura um dos principais ideólogos do MFA, expujo numha série de artigos os objectivos programáticos que deveria assumir esse partido.

6) João Martins Pereira, “O socialismo, a transiçom e o caso português”. Ed. Bertrand, 1976, pág. 190.

(7) Boaventura Sousa Santos, “A crise e reconstituiçom do Estado em Portugal (1974-1984)”. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 14, Novembro 1984, pág. 19. (8) Boletim do MFA, 25/7/75.

(9) Nota da 5 Divisom, 16/7/75.

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fraqueza da esquerda revolucionária. Ao cair polo ultimato pola direita e nom ultrapassado pola esquerda, o V Governo santificou-se com umha enganosa auréola revolucionária que permanece até hoje no espírito do movimento operário. Nom admira a crise ideológica em que este se debate: todo o sentido da luita de classes em 75 lhe permanece oculto. Tornar claro o antagonismo de interesses entre proletariado e pequena burguesia de “esquerda” é afinal a liçom de Abril que continua por tirar. Admitir ou nom a necessidade de o proletariado se libertar da hegemonia pequeno-burguesa, como questom central da luita de classes nacional, é o que distingue, em última análise, o marxismo revolucionário do reformismo.



Notas sobre Staline 1. “JUSTIÇA PROLETÁRIA” Em 1936-1938, em três grandes processos sucessivos, 90 dirigentes e membros destacados do Partido Bolchevique (Zinoviev, Kamenev, Bukarine, Rikov, Radek, Smirnov, Piatakov, etc.) confessárom publicamente ter organizado dous centros paralelos de espionagem e terrorismo, em ligaçom com Trotski e com a Gestapo. Fôrom na quase totalidade fusilados. Pola mesma altura, num outro julgamento à porta fechada, fôrom condenados e fusilados alguns dos principais comandantes do Exército Vermelho, acusados de traiçom ao serviço do nazismo. Véu a saber-se depois que esta era apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Durante esses três anos fôrom julgados em processo secreto ou fusilados sem processo muitos milhares de membros do partido, numha verdadeira caça aos cúmplices, apoiantes ou simples familiares dos “espions”. As deportaçons contárom-se por centenas de milhares ou milhons. A tortura era procedimento corrente. Soubo-se também que a caça aos “espions trotsko-fascistas” se alargou aos meios da Internacional Comunista, levando à execuçom de mais de umha centena de dirigentes e quadros de diversos partidos que se encontravam em Moscovo. Por fim, para completar a macabra limpeza, o pró-

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Notas sobre Staline prio Trotski foi assassinado no México. Para a crítica burguesa e pequeno-burguesa, este balanço esmagador seria a prova de que a teoria leninista da ditadura do proletariado e do papel dirigente do partido comunista desemboca na ditadura mais feroz. O “socialismo nacional” de Staline seria a réplica de “esquerda” ao nacional-socialismo de Hitler. Conclusom: a pretensom marxista de subverter a democracia burguesa conduz a umha barbárie simétrica do nazismo; a revoluçom proletária é umha aberraçom totalitária adornada com retórica marxista. Os modernos dirigentes soviéticos tentárom, com o relatório secreto de Kruchov, lançar pola borda fora esse lastro insustentável. Horrorizáromse com as “violaçons da legalidade socialista” (em que todos eles estavam implicados até o pescoço e de que só contárom umha pequena parte), figérom umha chorosa reabilitaçom póstuma das vítimas do “culto da personalidade” e fusilárom Béria, o braço direito de Staline, desmascarado à porta fechada como espiom do imperialismo desde 1921... O ponto final nos julgamentos de Moscovo foi um novo e nom menos tenebroso julgamento de Moscovo. Ficou por explicar o principal: como é que o socialismo podia produzir por acidente tais monstruosidades. Com a sua paródia de autocrítica, os dirigentes soviéticos só mostrárom umha cousa: que a consolidaçom do seu poder lhes permite evoluir da violência repressiva do tempo de Staline para umha pseudo-democracia socialista, tam hipócrita à sua maneira como a democracia burguesa. Contra esta baixeza, a corrente marxista-leninista mantivo-se a pé firme na tese de que as repressons de Staline serviam a “justiça proletária”. Castigando os espions, assassinos e sabotadores trotskistas-zinovievistas-bukarinistas, Staline teria assegurado o triunfo do socialismo na URSS. Os excessos cometidos deveriam considerar-se umha tragédia, resultante de se ter entregue à polícia política a vigiláncia que incumbia sobretodo às massas. Havia que ter em conta as atenuantes – a inexperiência, a tensom provocada polo cerco capitalista, os abusos cometidos sem conhecimento de Staline. De qualquer modo, ainda nom teria chegado a altura propícia para discutir os possíveis erros de Staline, porque fazê-lo agora é dar armas à campanha anticomunista do imperialismo. Todas estas justificaçons se desmoronárom porém como duplicidade tortuosa a fazer figura de firmeza de classe. Podem absolver-se como meros “excessos” a tortura, os processos forjados, o fusilamento sumário de milhares de inocentes, a deportaçom de populaçons inteiras? O terror policial pode ser confundido com o terror revolucionário de massas? Saber se os opositores a Staline eram ou nom 40


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2. A RÚSSIA GRÁVIDA DE TERROR A escalada do terror acompanhou a gestaçom de um novo regime social na Uniom Soviética, já sem nada de comum com a revoluçom de Outubro, a nom ser nos slogans. Do processo de Chakhty em 1928 ao fusilamento de Bukarine vam dez anos de transformaçom violenta de toda a estrutura da sociedade soviética, durante os quais a repressom se alarga em crescendo. É nessa convulsom social que se deve procurar a chave do terror e nom nos maus folhetins sobre a “desconfiança doentia” e o “espírito vingativo caucasiano” de Staline. Mas nom podia essa convulsom ter sido evitada, umha vez que o poder dos bolcheviques já se estabilizara, após os combates de 1917 e da guerra civil? Para a corrente crítica inspirada na escola maoísta, o terror teria resultado da obsessom de Staline pola industrializaçom a todo o vapor e pola colectivizaçom agrária forçada, que provocárom a ruptura da aliança operário-camponesa e obrigárom ao reforço desmesurado da intervençom do Estado, do partido e da polícia. O prosseguimento da NEP, como era defendido por Bukarine, teria proporcionado um crescimento económico menos acelerado mas mais equilibrado, conservaria a aliança operáriocamponesa e daria base a umha genuína democracia socialista. Esta ideia de um período de transiçom gradual e moderada para o socialismo depois da tomada do poder é sem dúvida atraente mas esquece a 41

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espions é umha questom secundária? Se as depuraçons reforçárom o socialismo, como se compreende a fácil vitória dos revisionistas depois de Staline? E se o socialismo repousava apenas sobre a vigiláncia de um “sentinela”, que espécie de poder operário e camponês era esse? A reabilitaçom do stalinismo revelou-se indefensável. Sobretodo quando a vida mostrou que a veneraçom da corrente “marxista-leninista” por Staline visava mais do que a mera justificaçom do passado. A recente eliminaçom na Albánia de Mehmet Shehu (e de centenas de partidários seus), acusado sem processo público de ter sido um “triplo espiom” do imperialismo durante 40 anos mostra que a chamada corrente marxistaleninista nom admite que se ponham em causa os processos de Moscovo porque precisa de continuar a fazê-los. Assim, revisionistas e “marxistas-leninistas”, cada um à sua maneira e em campos antagónicos, alimentam com as suas desculpas a campanha da burguesia tendente a desacreditar a ditadura do proletariado como um regime de arbítrio.


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Notas sobre Staline resistência exasperada da pequena burguesia à expropriaçom e à perda de privilégios. Em 1927, a revoluçom russa chegara a umha encruzilhada que impunha escolhas antagónicas: ou, para manter a economia em funcionamento, se alargavam as cedências à pequena burguesia, engordada à sombra da NEP, e a partir daí já nom se poderia travar a evoluçom para a direita; ou se declarava guerra à burguesia nepista e nesse caso a única saída era substituir rapidamente a economia kulak por umha agricultura colectivizada e umha grande indústria a servir-lhe de base. A polémica, que vinha subindo de tom entre a ala direita e a ala esquerda do partido, decidiu-se a favor da segunda quando a corrente stalinista, maioritária, que até aí se aliara à direita, se resolveu a “mandar ao diabo a NEP”, ajustar contas com os kulaks, cuja pressom económica e política se tornava ameaçadora, e proceder à “socializaçom integral”. Umha vez iniciada a “grande viragem”, a dinámica da luita de classes imprimiu-lhe umha dimensom gigantesca e um ritmo vertiginoso. Em quatro anos, milhons de exploraçons familiares fôrom expropriadas, toda a economia privada foi suprimida, o país cobriu-se de grandes herdades cooperativas assentes no trabalho mecanizado, a produçom industrial mais que triplicou, a classe operária passou para o dobro, houvo umha promoçom maciça de operários a postos de chefia. Esta revoluçom (pode-se-lhe chamar outro nome?) foi marcada pola violência que acompanha os grandes embates de classe. O terror surgiu, numha primeira fase, da necessidade de aniquilar o poder económico e político dos kulaks e nepmen, da velha elite técnica e intelectual e da fracçom do partido que exprimia os seus interesses. Sabemos hoje que a “terceira revoluçom” de Staline nom era a revoluçom socialista que imaginavam os seus promotores. Mas o que interessa sublinhar aqui é que, no ponto a que chegara a correlaçom entre as classes na URSS em 1928, umha saída violenta era inevitável, para um ou para o outro lado. Mais: a via proposta pola oposiçom de direita teria arrastado, com a gradual restauraçom do capitalismo e a nova disputa entre burguesia e proletariado, umha explosom de terror provavelmente nom menor mas maior do que a de Staline. À medida que o capitalismo ganhasse posiçons seriam implacavelmente varridas as ilusons de Bukarine numha “pacificaçom soviética” à custa de concessons. O retrocesso à antiga ordem social custaria rios de sangue. A verdade é que a Rússia “popular” de 1928 estava grávida de terror, tal como véu a acontecer com a China “popular” de 1966. E isto porque o 42


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3. “A VELHA GUARDA BOLCHEVIQUE” A imagem do bloco oposicionista como a “velha guarda bolchevique”, fiel ao leninismo e por isso vítima de Staline, pode agradar aos trotskistas mas nom tem nengum fundamento. A “velha guarda” (de que Staline também fazia parte) dispersara-se ao longo dos anos da NEP por tendências de direita, de esquerda e de centro. Muitos dos seus membros oscilavam e passavam de umha posiçom a outra ao sabor das pressons de classe opostas. A tentativa de Trotski para reunir os opositores a Staline e Bukarine num bloco unificado, em 1926, fracassou, antes de mais, porque pretendia fundir, à velha maneira de Trotski, o leque de posiçons antagónicas em que se tinham separado os bolcheviques. De qualquer modo, a ruptura de Staline com Bukarine, quando se tornou evidente o resultado desastroso da política de cedências à burguesia “aliada”, no plano interno como no internacional (China, trabalhistas ingleses), provocou um realinhamento de toda a luita interna no partido. Ao adoptar o caminho da “socializaçom a marchas forçadas”, Staline ganhou a adesom da maioria da ala esquerda do partido, que via finalmente entrar em aplicaçom o seu programa e afastado o perigo agitado por Trotski de umha capitulaçom “termidoriana”. Bukarine e os adeptos da NEP, privados do apoio correctivo de Staline, deslocárom-se francamente para a direita. E Trotski, obrigado a celebrar no exílio as realizaçons do regime que o expulsara, encontrou-se sem base política. 43

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ajuste de contas com a pequena burguesia se revelou como umha segunda etapa inevitável após o derrubamento da velha ordem social, sobretodo em países de economia largamente pré-capitalista. As receitas maoístas do consenso “democrático-popular” procurárom adaptar o bukarinismo, nom tanto aos campos chineses, onde o impulso revolucionárilo era indomável, mas à integraçom pacífica da pequena burguesia comercial, industrial e intelectual. Afinal, a “democracia nova” para a “justa soluçom das contradiçons no seio do povo” nom conseguiu evitar um confronto violento e tivo um desenlace pouco diferente do da Rússia. Esta experiência ajuda a compreender que o stalinismo nom foi umha aberraçom mas umha tentativa para romper o laço pequeno-burguês que estrangulava a revoluçom russa. Tentativa tardia e lançada por cima da cabeça da classe operária, acabou de liquidar o poder soviético, já profundamente enfraquecido durante a NEP.


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Notas sobre Staline A realidade, que tentam piedosamente velar os anti-stalinistas, é que, depois de 1930, o reagrupamento das oposiçons só se podia fazer sobre umha plataforma de direita porque ninguém tinha umha alternativa revolucionária para opor aos planos quinquenais, à colectivizaçom e à nova linha da Internacional. Fragmentos de umha crítica de esquerda à via stalinista tinham sido formulados por Trotski e por outros (ao crescimento da burocracia, à supressom do debate no partido, à falsificaçom da sua história). Houvo mesmo oposicionistas, como Rakovski, que tivérom a percepçom de que o regime chefiado par Staline iria desembocar num capitalismo estatal de tipo novo. Mas nom estava claro para ninguém como é que a ditadura proletária dos primeiros anos se desvanecera e o que deveria ser feito para lhe voltar a dar vida. Nom havia um programa proletário revolucionário para contrapor ao ambíguo radicalismo de Staline e ao direitismo evidente de Bukarine – e isto di todo sobre o impasse a que chegara a revoluçom. Precisamente parque só surgiam como possíveis estes dous caminhos, a “velha guarda bolchevique” perdeu a base social de apoio e entrou em decomposiçom política. Trotski, Zinoviev, Kamenev, Radek, Bukarine – antigos direitistas e esquerdistas convergírom, na luita contra Staline, para umha oposiçom comum de direita. Nom é o facto de terem sido vítimas de umha repressom injusta e cruel que pode ocultá-lo. A autocrítica de Bukarine em tribunal, que nom se confunde com qualquer “confissom” extorquida pola tortura, retratou lucidamente esse afundamento político dos oposicionistas: “Começamos por um desvio, polo descontentamento face à colectivizaçom e à industrializaçom. Ironizávamos sobre os kolkozes e defendíamos a multiplicaçom dos proprietários abastados. Considerávamos as gigantescas fábricas em desenvolvimento como monstros insaciáveis que iam devorar todo e privar as massas de bens de consumo. E depois, vinhemos a encontrar-nos, literalmente da noite para o dia, do outro lado da barricada, do lado dos kulaks, dos contra-revolucionários, dos restos capitalistas. Qual de nós teria em 1919 a ideia de atribuir a ruína da economia aos bolcheviques? Ninguém. Isso seria considerado pura e simplesmente como traiçom. Contodo, já a minha crítica de 1928 sobre a ‘exploraçom militar-feudal’ do campesinato imputava ao proletariado a responsabilidade polo acirramento da luita de classes. Se quigermos resumir a minha plataforma-programa para a economia, ela era: capitalismo de Estado, defesa dos camponeses abastados, redu44


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4. A “CONSTRUÇOM DO SOCIALISMO” A natureza social da tumultuosa “construçom do socialismo” realizada no início dos anos 30 sob a direcçom de Staline surge mais clara quando a observamos através dos seus diferentes períodos (Bettelheim): No primeiro, de 1928 a 1931, há um impetuoso ascenso de massas, quando o grupo dirigente se apoia nos operários e camponeses pobres para a destruiçom das bases do capitalismo privado. A expropriaçom dos kulaks, o controlo sobre os técnicos burgueses, a realizaçom do primeiro plano quinquenal, chamam para a vanguarda da luita grandes massas trabalhadoras, sobretodo da juventude operária, galvanizada polo objectivo de acabar com a exploraçom, erguer em ritmo febril grandes fábricas e novas cidades, dominar a técnica, extirpar a ignoráncia. A classe operária enfrenta com ánimo revolucionário as tremendas provaçons económicas, convicta de que está finalmente a construir o socialismo e a avançar para o comunismo. É o período da crítica ao desvio de direita, da proletarizaçom do aparelho do partido e do aparelho de Estado, da “revoluçom cultural”, das assembleias de fábrica, do ataque aos privilégios e aos especuladores, da campanha de formaçom de milhom e meio de novos técnicos e quadros “peritos e vermelhos”. Duplica o número de alunos nas escolas, abrem as universidades operárias, triplica a tiragem da imprensa, largamente aberta à crítica da base. É também o período em que o partido imprime à Internacional Comunista umha nova orientaçom combativa, em ruptura com as vacilaçons anteriores. Os partidos comunistas saem da dependência da social-democracia e transformam-se em partidos de luita operária contra a crise capitalista. No segundo período (1932-34), quando se confirma o êxito do plano quinquenal e a liquidaçom da pequena burguesia tradicional, o grupo diri45

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çom das cooperativas agrícolas, concessons ao capital estrangeiro, abandono do monopólio estatal sobre o comércio externo; em conclusom, restauraçom do capitalismo no país. No terreno político, o nosso programa implicava um deslizar para a liberdade democrático-burguesa, para umha coligaçom com os mencheviques, socialistas-revolucionários e outros. E poderia mesmo, na medida em que prevíamos a necessidade de um bloco com eles e de umha ‘revoluçom de palácio’, tender para umha ditadura”.1


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Notas sobre Staline gente orienta-se para a moderaçom dos excessos e para passar da agitaçom revolucionária à restauraçom da ordem. Promove a luita contra o “igualitarismo”, alarga o leque salarial (1 para 30!), institui o livrete de trabalho e umha severa disciplina nas fábricas, apoia a autoridade e os privilégios dos novos quadros, suprime as limitaçons nos salários dos comunistas, reabilita a elite intelectual anteriormente marginalizada. O “congresso dos vencedores” em 1934 é a consagraçom da nova ordem social, formalmente “socialista”, em que os quadros assumem umha posiçom de comando inatacável e as massas operárias e camponesas som expropriadas de todas as conquistas e relegadas à funçom de simples produtores. Ao mesmo tempo, perante o ascenso do nazismo, a política internacional do Partido Bolchevique abandona o curso anterior, inflecte-se numha direcçom moderada e lança-se à busca de alianças com a social-democracia e a burguesia liberal. Terceiro período (1935-38): o novo regime, que se pretende baseado na aliança “harmoniosa” dos operários, kolkozianos, empregados e intelectuais, é modelado através do terror. Culto do chefe “genial”, poder absoluto da polícia política, caça aos “sabotadores, traidores e espions”, execuçons em massa. A melhoria geral do nível de vida acompanha a supressom de todos os direitos políticos dos operários a coberto da nova Constituiçom, “a mais democrática do mundo”, a consolidaçom dos privilégios dos quadros e o seu recrutamento em massa para o partido. Degradaçom da vida intelectual, renascimento do nacionalismo sob cores socialistas, pragmatismo oportunista da política externa. A nova linha de Dimitrov no 7° Congresso da Internacional Comunista alimenta, em nome da política das Frentes Populares, a degeneraçom reformista dos partidos comunistas. O apoio à revoluçom proletária é sacrificado como um estorvo às manobras diplomáticas com a burguesia liberal (guerra de Espanha). O terror ultrabolchevique no interior casa-se com o oportunismo no exterior. Assim, a revoluçom que triunfa na Uniom Soviética nos anos 30 começa por se apoiar na classe operária para eliminar a pequena burguesia e acaba subordinando operários, camponeses e quadros ao poder autocrático de Staline, que parece reinar acima das classes. Este “totalitarismo do Partido-Estado” nom é um “desvio perverso” (Bettelheim) mas um sistema politico de compromisso, edificado sobre o fracasso da revoluçom proletária, abortada nos anos da NEP. 46


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5. MONOLITISMO E COMPROMISSO DE CLASSE O monolitismo deu os primeiros passos nos anos de 1922-28, quando o esforço para manter o equilíbrio instável da NEP contra as pressons de esquerda e de direita levou o grupo dirigente stalinista a entrincheirar-se num aparelho dotado de poderes cada vez mais vastos. Sob a acçom dos interesses de classe contraditórios, o Partido Bolchevique, partido único no poder, corria o risco de se transformar num mosaico de tendências e desagregar-se. Para Staline, a resposta estava na edificaçom de um partido monolítico, do qual fosse banido o risco de tendências, correntes ou fracçons. Tratava-se de demonstrar que o partido único podia ser simultaneamente um partido “feito de um só bloco”, “limpo de escórias”, órgao infalível da ditadura do proletariado. Esta nova concepçom de partido (que só pudo ser aplicada graças à corrente maioritária de apoio a Staline) exprimia, sem disso ter consciência, as exigências da política intermédia da NEP. Para refrear as aspiraçons socialistas dos operários, congelar a revolta dos camponeses pobres, manter sob controle a pequena burguesia, era preciso um partido independente dos impulsos de classe, um suposto árbitro da luita de classes – e, como árbitro, absolutamente monolítico. Tornárom-se lei permanente as restriçons excepcionais à polémica instituídas polo 10° Congresso, procedeu-se à homogeneizaçom do aparelho polas sançons sumárias aos discordantes, transformárom-se os secretários dos comités em controleiros nomeados a partir de cima, criou-se um corpo gigantesco de funcionários para compensar a paralisia política forçada da base, limitou-se o debate ao ámbito do comité central, depois só do Bureau Político, até acabar suprimindo-o por completo. A unidade monolítica afastava os perigos de divisom mas era umha engrenagem que exigia sempre mais; tinha que ser sempre aperfeiçoada para nom se desmoronar. Admitir vozes públicas discordantes nom era minar a autoridade da direcçom e a disciplina nas fileiras? A expulsom de Trotski e Zinoviev em 1927, antes do 15° Congresso, iniciou a tradiçom dos congressos depurados e unánimes, reduzidos à funçom de órgaos consultivos e legitimadores democráticos do grupo dirigente. Na situaçom de estado de sítio permanente que se viveu a partir de 1928, completou-se a remodelaçom monolítica do partido e de toda a sociedade. O partido tornou-se um superaparelho administrativo de Estado, rigorosamente hierarquizado em estilo militar. Toda a rica tradiçom de luita ideológica dos bolcheviques, que tinha permitido manter um amplo deba-


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Notas sobre Staline te mesmo nos anos dramáticos da guerra civil e da intervençom estrangeira, tornava-se agora obsoleta. Por qualquer razom misteriosa que escapava aos stalinistas, a entrada no “socialismo” produzia um regime diferente do que fora imaginado por Lenine. Poder dos sovietes, democracia operária, liberdade criadora, tornavam-se slogans vazios de propaganda. A realidade que se impunha era a da unidade férrea em torno do núcleo dirigente. Qualquer brecha por onde se deixasse passar o germe da divisom podia trazer a ruína do partido e do regime. Assim se chegou ao culto pola autoridade e perspicácia infalíveis do chefe, como o cimento unificador, sem o qual todo o edifício cairia em pedaços. E assim se concluiu, pola lógica das cousas, que os que teimavam em discordar já nom eram só oportunistas; tinham que ser forçosamente inimigos e traidores. O monolitismo ia começar a dar os seus frutos de terror. O que interessa reter é que monolitismo e terror, surgindo sob a aparência de umha “lei implacável do proletariado”, exprimiam umha política de compromisso entre proletariado, pequena burguesia e quadros. Era a manutençom desse equilíbrio instável que forçava a elevar o aparelho burocrático como um poder acima de toda a sociedade. A evoluçom posterior viria a revelar que, apesar dos seus esforços convulsivos para se manter como o fiel da balança entre as classes soviéticas, o sistema stalinista serviu de veículo à formaçom de umha nova burguesia de Estado. Quando Mao Tsetung tentou, trinta anos mais tarde, evitar na China a repetiçom da espiral do monolitismo e do terror, admitindo o debate interno no partido, a “luita entre duas linhas” e a “educaçom pola luita ideológica”, ele só conseguiu adiar o confronto. Mas o descalabro da revoluçom abriu caminho por outra via. Porque o problema nom era de métodos de luita interna – era do compromisso de classe em que a revoluçom, na Rússia como na China, se via forçada a manter-se, por falta de força do proletariado para a levar por diante. 6. A RODAGEM DO TERROR De 1928 a 1932 decorreu a primeira etapa da escalada repressiva. Técnicos e administradores implicados em actos de sabotagem ou resistência ao I plano quinquenal (e teleguiados a partir dos círculos da burguesia emigrada), fôrom condenados em diversos processos. A repressom era ainda selectiva, as penas de morte excepcionais, mas o regime 48


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descobria a vantagem da manipulaçom policial dos processos. Avolumando os embrions contra-revolucionários à dimensom de partidos clandestinos estruturados (o “partido industrial”, o “partido camponês”, o “bureau do interior do partido menchevique”) podia-se reforçar o carácter educativo dos processos: dava-se um exemplo severo e demolidor a todos os opositores potenciais, sacudia-se o torpor político dos operários, fazendo-lhes sentir mais concreto o perigo de restauraçom capitalista se nom apoiassem o regime, lançava-se sobre os réus o odioso por todas as falhas do sistema, desviando sobre eles a má-vontade que existisse contra o regime. Mas para apanhar os réus na armadilha das suas faltas reais e levá-los a confessar nom só o que tinham feito como o que poderiam vir a fazer, havia que pôr de lado os escrúpulos de legalidade. A tortura tornou-se prática corrente: privaçom do sono e de alimentaçom, interrogatórios de dezenas de horas, espancamentos. E por que nom? Afinal os réus eram antigos burgueses, mencheviques, nom havia nada de mal em fazer-lhes sentir o aguilhom da justiça proletária... Esta manipulaçom do ódio de classe à burguesia foi aplicada em larga escala na “deskulakizaçom” de 1930. Os kulaks resistiam às requisiçons, enterravam o trigo, abatiam o gado, assassinavam agitadores comunistas nas aldeias, provocavam motins – estavam a pedir umha liçom definitiva. Massas enormes de famílias kulaks e “pró-kulaks” (milhons, segundo cálculos impossíveis de verificar) fôrom expropriadas; homens, mulheres e crianças fôrom deportados para regions longínquas, condenados a trabalhos forçados, onde muitos perecêrom à falta de condiçons de subsistência. O “Outubro camponês”, como foi chamado, foi umha caricatura do outro Outubro. Os camponeses pobres e jornaleiros, sacrificados e reprimidos por dez anos de mordaça da NEP, servírom apenas de alavanca. A iniciativa da “revoluçom” coubo ao aparelho do partido e à polícia, com todo o estendal de arbitrariedades que isso acarretava. Mas o êxito espectacular desta operaçom de deportaçom massiva, que remodelou em poucos anos toda a estrutura agrária, reforçou no aparelho dirigente a confiança eufórica em que o caminho para o socialismo consistia em pôr de lado todos os escrúpulos liberais acerca de custos humanos, métodos de luita, democracia de massas. Os bolcheviques “podiam todo” desde que se libertassem da confiança ingénua do tempo de Lenine, fossem dez vezes mais vigilantes e implacáveis do que o inimigo, nom hesitassem em eliminar fisicamente os adversários e conduzissem os operários para o “socialismo” com mao firme.


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Notas sobre Staline Nom é de estranhar que o grupo stalinista, que construía umha sociedade nova a golpes de audácia, nom desse sinais de vitalidade revolucionária mas de insegurança e medo. O sentimento exaltante de que “nom há barreiras que resistam ao assalto dos bolcheviques” combinava-se com umha tensom sobre-humana para antecipar-se aos golpes que poderiam surgir donde menos se esperasse e para arrastar na “revoluçom” as massas politicamente inertes. Quanto mais se internava no “socialismo”, mais cercado o regime se sentia: polos quadros corruptos ou sabotadores, polos dissidentes que minavam a disciplina do partido, polos operários desagregadores, polos camponeses que resistiam à colectivizaçom, polos traficantes e especuladores, polos espions do estrangeiro, polos carreiristas trapaceiros, polos dirigentes ávidos de poder pessoal. A única arma capaz de pôr ordem neste vespeiro era a polícia política. Ela tornou-se em breve “o reduto supremo da ditadura do proletariado” e, como seria de esperar, transformou a luita de classes num caso de polícia. O regime, que continuava a falar em nome da classe operária mas que na realidade se considerava livre de quaisquer amarras de classe, ia pagar o preço dessa liberdade com o poder terrorista da polícia. 7. OS VENCEDORES NA ENCRUZILHADA Em 1934, no “congresso dos vencedores”, Staline celebrou o triunfo da revoluçom, o fim das oposiçons, a consolidaçom da unidade do partido. Depois de cinco anos de convulsons, a NEP passara à história, a socializaçom integral tornara-se umha realidade indiscutível, desaparecera o motivo das antigas divergências. Bukarine, Zinoviev, Kamenev reconhecêrom o erro das suas posiçons anteriores e declarárom o apoio à linha stalinista. Parecia ir-se entrar numha época de pacificaçom acompanhando a prosperidade que se anunciava. Fôrom libertados milhares de presos e anulados muitos processos; a polícia política, a GPU, foi reestruturada como NKVD e privada do poder de instruir processos e decretar penas de morte; umha comissom especial foi encarregada de redigir umha nova Constituiçom, que reflectisse a harmonia social da nova sociedade; o I Congresso dos Escritores exaltou o novo “humanismo soviético”. Vivia-se um vento de mudança. Hoje sabe-se que este clima de liberalizaçom do 17° Congresso do partido ocultava umha nova luita de tendências, mais secreta e mais exaspe50


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rada do que todas as anteriores. As grandes transformaçons sociais tinham projectado umha imprevista corrente tecnocrática e intelectual, céptica quanto ao modelo stalinista, ansiosa por desfrutar os seus privilégios em clima de pacificaçom. Sob os louvores unánimes a Staline disputava-se a forma que deveria tomar o novo regime. Muitos dos que tinham aderido sem reservas à batalha da “socializaçom” convergiam agora com antigos oposicionistas na opiniom de que já nom se justificava a centralizaçom desmedida de poderes nas maos de Staline e do seu aparelho. Queriam institucionalizar umha legalidade que neutralizasse lejov, Kaganovitch, Molotov, Malenkov, Béria, Proskrebitchev, temidos polo seu estilo de perseguiçom implacável em nome da “firmeza de classe”. A corrente liberal, que encontrara em Kirov, o primeiro secretário de Leninegrado, o seu líder politico, já tinha feito sentir a sua força no Bureau Político e no Comité Central ao impedir em 1932 e 1933 a condenaçom à morte de dissidentes de direita (Riutine) ou trotskistas, como Smirnov e o seu grupo. A sua influência no congresso foi inesperada e preponderante. Kirov, eleito para o Secretariado do CC, ficou numha posiçom mais destacada do que Staline, que tivo grande número de votos contrários. Bukarine, nomeado responsável polo Izvestia, voltou a ser reconhecido como ideólogo eminente do partido, apesar da desautorizaçom que sofrera anos antes. E, sobretodo, os poderes da polícia fôrom restringidos. O assassinato de Kirov, em Dezembro desse ano, véu desmoronar as vantagens com que a ala liberal se iludia. Atribuído aos meios oposicionistas (o assassino pertencia a um núcleo de jovens adeptos do terrorismo), o crime fora, como véu a saber-se posteriormente, facilitado pola própria polícia e, directa ou indirectamente, montado polo aparelho de Staline. Assim, a ala stalinista, que fora forçada a contemporizar nos meses imediatos ao congresso, via-se livre da principal personalidade liberal e arranjava um pretexto para um ataque em toda a linha. O crime vinhera demonstrar que a centralizaçom nom devia ser afrouxada mas, polo contrário, tinha que se tornar mais rigorosa. Um decreto instituindo o procedimento judicial de excepçom entrou em vigor no dia seguinte ao crime. (Jà no mês anterior fora criado um organismo policial com poderes para deportar sem julgamento elementos “socialmente perigosos”). umha centena de presos fôrom fusilados em processo sumário nos dias imediatos. Milhares de militantes de Leninegrado fôrom deportados para a Sibéria por suspeita de estarem associados de umha forma ou de outra aos oposicionistas. Zinoviev e


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Notas sobre Staline Kamenev, considerados “moralmente responsáveis” polo crime, fôrom condenados a pesadas penas. Mas isto eram só os preliminares do ajuste de contas. Os stalinistas, que tinham estado, contra ventos e marés, na brecha da “revoluçom” e que se sentiam como os construtores do socialismo, nom podiam tolerar esse inesperado reaparecimento de umha corrente que ameaçava a sua centralizaçom de poderes. Se esse liberais frouxos queriam deitar a perder todas as conquistas dos anos anteriores, iam ter a liçom merecida. O ano de 35 passou-se com os liberais a queimar os últimos cartuchos para tentar deter a avalancha repressiva. Inscrevendo no projecto de Constituiçom o direito de voto universal, a independência da justiça, o direito de defesa dos acusados, Bukarine e Radek esperavam ainda manietar os ultras. Na realidade, só o que conseguírom com essa barreira de papel foi fornecer-lhes umha nova cobertura legal. O aparente compasso de espera de 1935 serviu aos stalinistas para umha acumulaçom massiva de forças. Iejov véu tomar no secretariado o lugar que fora de Kirov. Adoptou-se umha cascata de decretos a servir de armadura à repressom (entre eles a possibilidade de condenar à morte crianças de 12 anos e os que nom denunciassem crimes). Preparárom-se meticulosamente todas as peças dos grandes processos. Em 1936 todo estava a postos para “arrancar o mal pola raiz” e aniquilar os “homens de duas caras”. Já depois de iniciados os processos e fusilada a primeira leva, Staline e Molotov insurgírom-se contra a brandura da polícia que parecia hesitar em liquidar os restantes dirigentes oposicionistas: “Os nossos serviços de segurança tenhem quatro anos de atraso”. A partir de 1937, com Iejov na chefia do NKVD, a máquina pudo ceifar sem entraves todas as “ervas daninhas”. E um dos alvos a castigar era naturalmente o 17° Congresso de má memória: mais de metade dos delegados e mais de dous terços dos membros do CC aí eleitos fôrom fusilados. 8. “MONSTROS DE PERVERSIDADE” A história dos processos de Moscovo continuará por fazer enquanto se conservar secreta a massa da documentaçom sobre o assunto. Em todo o caso, dous factos parecem hoje incontestáveis. Primeiro, havia entre os oposicionistas umha conspiraçom real para limitar os poderes de Staline ou para o derrubar. Muito estranho seria aliás que nom o tentassem. A rede de ligaçons de Trotski com os meios oposicionistas, a articulaçom destes no seio do partido, do exército e da polícia, o con52


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tacto de Bukarine com mencheviques em Paris, nom fôrom inventados. Segundo, nunca chegou a existir o “centro de espionagem e terrorismo” descrito em tribunal e confessado polos réus. Zinoviev, Kamenev, Bukarine, Rikov, Piatakov fôrom fusilados sob falsas acusaçons. Na realidade, os processos, aceites na época como verídicos devido à confissom pública dos principais réus, vinhérom a revelar-se forjados: nom fôrom apresentados documentos comprovativos das acusaçons, mas apenas umha teia de denúncias mútuas e confissons; a tortura foi aplicada em larga escala; só umha pequena parte dos réus (os “confessos”) foi julgada em público; muitas das testemunhas de acusaçom citadas nom chegárom a comparecer em tribunal; nengum dos supostos espions e criminosos profissionais tentou refugiar-se no Ocidente como seria natural; nada foi encontrado nos arquivos nazis no fim da guerra sobre os alegados financiamentos e directivas aos oposicionistas. A verdade é que se alguns reais agentes nazis tinham sido descobertos na Ucránia em 1933 e 1936, nada permite supor que houvesse qualquer implicaçom dos responsáveis do partido nessa actividade. Existem mesmo fortes indicaçons de que Tukhatchevski e outros generais fusilados como espions e mais tarde reabilitados, tivessem sido vítimas de documentos forjados polos próprios nazis e feitos chegar às maos de Staline através da Checoslováquia. A organizaçom terrorista e de espionagem foi pois um cenário montado pola acusaçom para castigar umha ‘traiçom” diferente – a resistência a Staline. Quando o procurador Vichinsky estigmatizava os réus como “monstros de perversidade”, atribuindo-lhes actos de sabotagem e espionagem por vezes delirantes (misturavam vidro moído no pam, abatiam árvores para destruir o património florestal...), ele tratava de objectivar a sua traiçom política em crimes contra o Estado, em crimes de delito comum. Nom se podia, à face da “legalidade socialista”, fusilar Zinoviev ou Kamenev só porque tinham conspirado para mudar o rumo da política e apear Staline do poder. O crime político, para ser castigado, precisava de algo mais palpável, de umha traduçom popular convincente para as massas. Daí o trabalho da acusaçom para extorquir confissons e confundir com elas os réus que negavam, até construir um edifício convincente. As simples opinions contrárias a Staline eram avolumadas em “directivas incitando ao crime”; os encontros forçosamente clandestinos dos oposicionistas apareciam como reunions de organismos estruturados; os casos de negligência eram transformados em crimes deliberados; as meras intençons em actos consumados.


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Notas sobre Staline Smirnov recebera um manifesto de Trotski? Porque nom dizer que trouxera instruçons para assassinar Staline e Vorochilov? Alguns dos oposicionistas tinham contactado nos anos 20 o general alemám von Seekt em missom oficial do governo soviético? O que impedia de supor que tivessem sido aí recrutados para o serviço secreto? Um oposicionista fora culpado de grave negligência económica? Porque nom atribuí-la a sabotagem organizada? Molotov sofrera um ligeiro acidente de automóvel? E se o motorista o tivesse feito propositadamente, às ordens dos espions? Bukarine esboçara em 1918 umha conspiraçom para afastar Lenine do poder? Daí até “tentativa de assassinar Lenine”, qual era a diferença? Assim, a organizaçom mal articulada dos oposicionistas em pánico foi completada com minúcia implacável até tomar as dimensons de umha máquina terrorista eficiente, conduzida a partir do exterior por Trotski e paga polo dinheiro dos nazis. Sobretodo Trotski tinha que ser definitivamente queimado como um “superespiom”. À primeira vista, diria-se que nom era difícil demonstrar que esse “bolchevique-leninista”, como ele gostava de se rotular, apenas continuava a sua carreira de talentoso social-democrata de esquerda, perito em combinar análises argutas e demolidoras com soluçons reformistas e manobras mais do que ambíguas. Mas umha crítica de princípios a Trotski já nom estava ao alcance dos stalinistas por que iria ferir ao vivo as suas próprias contradiçons: o mais expedito era classificar as desesperadas iniciativas de Trotski como espionagem. No esforço para apresentar provas convincentes dos crimes, os acusadores nom se apercebiam do quadro tenebroso que por vezes revelavam do próprio regime. Foi assim que Iagoda, vice-chefe da policia preso como cúmplice do “centro terrorista”, confessou em tribunal que teria forçado médicos seus subordinados a envenenar e assassinar diversas pessoas (entre as quais Máximo Gorki) e que teria colocado espions em postoschave, porque “sendo eu chefe do NKVD, ameaçava de morte os que nom me obedecessem”! E à medida que a engrenagem das denúncias rodava, tornava-se mais difícil de controlar. Executavam-se pessoas falsamente acusadas por vingança, ou denunciadas apenas polo desejo de demonstrar vigiláncia e fidelidade ao regime; executavam-se depois os caluniadores porque tinham acusado vitimas inocentes; e executavam-se polícias por terem participado em crimes e saberem de mais. Entretanto, faziam-se aprovar sob coacçom moçons “unánimes” em assembleias de trabalhadores aplaudindo a repressom. Até que o próprio Iejov tivo que ser depurado para deter o carrossel do terror. 54


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9. A TEORIA DOS ESPIONS “Na pessoa dos trotskistas e zinovievistas o fascismo encontrou servidores fiéis”, comentava a História do Partido Bolchevique no balanço dos processos. “O poder dos sovietes castiga com mao de ferro este refugo do género humano, reprime-os implacavelmente como inimigos do povo e traidores à pátria”. Os oposicionistas eram pois e apenas elementos degenerados que, por avidez de poder e de dinheiro, se tinham posto a soldo do imperialismo – logo, “escória” à margem da sociedade e nom porta-vozes de qualquer corrente de classe hostil. Ia longe o ano de 1930, quando se compunham nomes de partidos e plataformas políticas para enquadrar os réus. Agora nem a categoria de opositores políticos podiam ter – eram a escumalha da sociedade. Na realidade, que oposiçom política podia haver numha sociedade que, por definiçom, era constituída apenas por “classes amigas”? Os conflitos que surgiam só podiam ter umha fonte externa – os réus tinham que ser forçosamente espions e assassinos, estranhos à sociedade soviética. Staline pudo assim constatar em 1939, no final da macabra limpeza: “Já nom há ninguém a reprimir. Trata-se apenas de castigar alguns criminosos ao serviço do imperialismo”. Afinal, até numha sociedade perfeita como era a Uniom Soviética, nom se podia impedir que surgissem elementos degenerados... Esta teoria obrigava a forjar processos, mas era a única que garantia coerência ao sistema político. Se o socialismo estava em risco de ser derrocado pola infiltraçom de espions ao mais alto nível, entom o reforço do aparelho de Estado, do centralismo e dos poderes da polícia era a questom decisiva para a consolidaçom do socialismo. Engels (para nom citar Marx e Lenine) enganara-se ao prever a gradual reduçom dos poderes do Estado sob o socialismo. Por outro lado, se os espions recorriam a pseudocríticas politicas para criar terreno favorável à sua acçom de sabotagem, entom era preciso que todos estivessem atentos às vozes críticas, porque podiam ter um espiom 55

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A luita para manter o regime em equilíbrio entre as pressons opostas do proletariado, dos camponeses e dos quadros desembocava no arbítrio. Por fim, esse enorme aparelho regulador do “socialismo” acabou por ser absorvido, passo a passo, pola força social dominante, os quadros, e posto ao seu serviço para a estruturaçom plena de um capitalismo de novo tipo.


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Notas sobre Staline por detrás. O mais seguro, para “nom dar o flanco à provocaçom”, era cortar cerce com quaisquer críticas, denunciar os críticos, confiar cegamente no partido e em Staline. A “guerra aos espions” deu assim um poderoso impulso à monolitizaçom integral do partido e do Estado. A liquidaçom dos oposicionistas como espions nazis tinha ainda outra vantagem: demonstrava à Inglaterra, França e Estados Unidos a disponibilidade da Uniom Soviética para umha luita comum contra o expansionismo de Hitler. O acolhimento favorável que tiveram os processos em largos meios do Ocidente mostrou que a mensagem fora captada. E deu base, depois do ziguezague brutal da capitulaçom de Munique e do pacto germano-soviético, à aliança antifascista durante a guerra. A teoria dos espions foi apenas umha entre as muitas manipulaçons arbitrárias dos factos, para baterem certo com o edifício ideológico construído polo stalinismo. Para manter a ficçom de um “poder operário e camponês” e negar a evidência da ascensom social dos quadros ao lugar de um nova burguesia de Estado, era necessário reconstruir o marxismo-leninismo de alto a baixo. A teoria stalinista da manutençom do Estado mesmo sob o comunismo foi o fecho da abóbada da luita contra os espions. 10. O MISTÉRIO DAS CONFISSONS A confissom dos crimes por parte dos principais réus, na presença do público e de correspondentes de imprensa e embaixadores estrangeiros, era a arma definitiva da acusaçom. Se estivessem inocentes, o que os impediria de o dizer, em vez de fazerem relatos circunstanciados dos seus actos criminosos? Aqui nom basta invocar as torturas (que nem todos sofrêrom), ou as promessas de perdom, ou a ameaça de represálias sobre as famílias. A causa de fundo era política. A oposiçom descobria em 1936 que o seu projecto ruíra como um castelo de cartas. Apostara na falência inevitável da ‘revoluçom a marchas forçadas” e predixera a ruína da economia e o caos social, mas deparava com um país em progresso impetuoso, com um povo que finalmente saía da miséria e da ignoráncia. Denunciara Staline como o “coveiro da revoluçom” e encontrava-o rodeado de prestígio e do carinho autêntico do povo. Deixara-se seduzir pola agudeza das críticas de Trotski e via-o transformado em colaborador da social-democracia, inventor de umha “IV Internacional” fantasma, dirigida contra a Uniom Soviética. Mentira dúzias de vezes proclamando fidelidade a Staline e era desmascarada no 56


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seu jogo duplo. Deixara-se enredar em cumplicidades com gente desclassificada e ficara na vizinhança de contra-revolucionários autênticos. E tudo isto acontecia no momento em que se adensava dramaticamente a iminência de um ataque externo contra esse novo regime “socialista” que tinham combatido. O pacto anti-Comintern, o ataque japonês à China, a sublevaçom fascista em Espanha, anunciando a guerra mundial e um assalto imperialista contra a Uniom Soviética, faziam-nos sentir-se degradados ao papel de “quinta coluna” de Hitler. Este era o lugar em que tinham vindo a colocar-se objectivamente, fossem quais fossem as suas intençons – diziam-lhes os interrogadores ao longo de semanas e meses. Iam persistir nessa traiçom negando todo, ou teriam um último acto favorável à revoluçom, confessando? E se era necessário arrepender-se, que diferença fazia confessar mesmo aquilo que nom tinham feito? “Confessa as suas actividades de espionagem?” – perguntava Vichinsky a um dos réus. “De facto, nom valho mais do que um espiom”. O essencial era a culpa política, o resto eram detalhes. Assim, as confissons dos acusados e os seus hinos de louvor aos êxitos do socialismo soviético e ao seu chefe Staline nom fôrom forçosamente o rastejar abjecto de presos quebrados pola tortura e polo medo da morte. Fôrom, polo menos para muitos, a rendiçom ideológica de quem se sentia esmagado polo ódio do seu próprio partido, polo desprezo do seu próprio povo, e nom queria morrer no campo do inimigo. “Quando nos perguntamos: se morreres, morres em nome de quê? – aparece de súbito diante de nós um abismo negro”. As últimas palavras de Bukarine em tribunal som eloqüentes. Na perspectiva histórica, verificamos hoje que as confissons de Moscovo exprimem o impasse a que chegara a revoluçom russa e o próprio marxismo. Ninguém sabia como criticar pola esquerda o terrorismo de Staline. Mesmo os seus adversérios sentiam que continuar a combatê-lo iria servir o imperialismo. O regime nascido da revoluçom de Outubro já nada tinha a ver com a ditadura do proletariado. Mas o prestígio das suas origens e o poderio do seu sistema nacionalizado projectavam-no como umha ameaça para a burguesia imperialista e umha bandeira revolucionária para o proletariado e os povos oprimidos. Essa seria ainda durante duas décadas a base para a adesom popular a Staline.


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Notas sobre Staline 11. STALINE — A TRANSIÇOM A explosom de terror dos anos 30 na Uniom Soviética nom foi a loucura sanguinária dos comunistas entredevorando-se na disputa do poder que nos pinta a propaganda burguesa; nem um desvio acidental (e incompreensível) na marcha do socialismo, como nos tentam convencer os revisionistas modernos; muito menos um exemplo positivo de justiça proletária, como defende aberrantemente a chamada corrente marxista-leninista. Os processos de Moscovo surgem-nos como o culminar de umha convulsom revolucionária que se desenvolveu na URSS na passagem dos anos 20 para os anos 30. Convulsom revolucionária burguesa nascida sobre o estrangulamento da revoluçom proletária e do poder dos sovietes. Fechado o caminho para o socialismo pola fraqueza do proletariado e pola vitalidade da pequena burguesia (e também pola ausência de revoluçons proletárias na Europa, ainda em fase embrionária), os bolcheviques encontrárom-se numha terra de ninguém. Já nom podiam refazer a ditadura do proletariado e queriam impedir a restauraçom da ditadura da burguesia. A contradiçom essencial do stalinismo resume-se nessa sua situaçom intermédia: depois de ter feito demasiadas concessons à burguesia durante a NEP e de ter feito perder ao partido o carácter de vanguarda revolucionária do proletariado, Staline tentou liquidar a pequena burguesia e assegurar a passagem ao socialismo à custa de umha concentraçom inaudita de poderes. Assim paralisou todas as potencialidades revolucionárias do proletariado e reforçou o campo para o renascimento da burguesia. Quanto mais se afiavam as armas defensivas do Estado “socialista”, mais ele se ia destacando como um poder acima da sociedade, mais se transformava numha armadura sob cuja protecçom medrava de novo a burguesia, metamorfoseada em comunista”. A pequena burguesia, perseguida e exterminada em 1930, renascia das cinzas sob a forma dos directores e quadros vermelhos. O poder de aço que tomou sobre si a tarefa de dar o socialismo ao povo, como se pairasse acima das classes, acabou por servir de berço a umha nova e imprevista burguesia de Estado sob cores socialistas. Staline foi o ideólogo e condutor político dessa dolorosa transiçom da Rússia soviética e internacionalista de 1920 para a URSS capitalista e social-imperialista dos anos 50. Como representante de um período transitório, contraditório, era-lhe impossível compreender o conteúdo de classe da transformaçom que liderava. Reprimia indiscriminadamente kulaks, 58


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*Publicado no número 7 da revista Política Operária. Lisboa, Novembro-Dezembro de 1986. (1) «Les Procès de Moscou », Pierre Broué. Julliard, 1964, pp. 193-196.

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quadros, operários, dirigentes do partido, para manter o rumo em direcçom ao que considerava ser a meta socialista – umha economia nacionalizada. Luitava contra a esquerda e contra a direita, buscando desesperadamente a passagem de saída para a sociedade sem classes. Mas ao fim do túnel encontrava-se de novo a burguesia. A ideologia stalinista retrata esta natureza social dupla e contraditória do grupo dirigente bolchevique nos anos 30. A sua face crítica, feita com restos de marxismo, combina-se com umha face conservadora, defensora dos privilégios da hierarquia, amparada a um nacionalismo renascente. Morto Staline, bastou aos Kruchov e Brejnev dar um passo mais em frente para proclamarem o programa do revisionismo. Talvez isto explique porque precisou a nova burguesia soviética de começar por renegar Staline para hoje voltar lentamente a incorporá-lo como seu herói nacional. Fossem quais fossem as suas intençons e os seus excessos, ele ficou como o precursor do capitalismo de Estado na URSS.



Bukarine, o precursor Vítima de um processo forjado, Bukarine ressurge como o arauto de um “socialismo de rosto humano”. Mas a sua alternativa conduzia à contrarevoluçom. 1

Meio século depois de ter sido condenado e fusilado como chefe de um bando de espions e sabotadores ao serviço do imperialismo, Bukarine acaba de ser formalmente reabilitado polo Supremo Tribunal de Moscovo. As acusaçons contra ele formuladas eram falsas, as “provas” forjadas. Todo se resumiu a umha monstruosa maquinaçom para dar cobertura à sua eliminaçom política. A luita que opujo Bukarine a Staline volta assim a primeiro plano. E embora as autoridades soviéticas tenham o cuidado de sublinhar que a reabilitaçom é apenas judicial e Gorbatchov tenha recapitulado, nas comemoraçons de 7 de Novembro, os “erros de Bukarine”, parece fora de dúvida que o processo da sua reabilitaçom política está em marcha. O que é perfeitamente lógico. No momento em que os responsáveis da URSS procuram relançar o crescimento económico combinando a planifi-

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Bukarine, o precursor caçom com o mercado, o sector estatal com um renascido sector privado, e libertando a sociedade da canga estagnante de umha burocracia monolítica, as ideias de Bukarine ganham nova actualidade.

Bukarine defendia a necessidade da cooperaçom harmoniosa entre as grandes empresas estatais e os pequenos produtores; avisava que o perigo de degeneraçom do socialismo nom vinha tanto da prosperidade da pequena burguesia como do “super-monopolismo de Estado”, que acabaria por asfixiar a concorrência e o crescimento das forças produtivas; batia-se pola liberdade de criaçom e de discussom, pola paz civil, pola toleráncia; no plano internacional, punha em dúvida a proximidade da revoluçom nos países imperialistas, propunha a colaboraçom a longo prazo dos partidos comunistas com a social-democracia e apostava no apoio às revoluçons nacionais dos países dependentes. Como poderia ele hoje nom surgir aos dirigentes da URSS como um precursor dotado de clarividência quase profética?

Naturalmente, admitem, Staline tinha mais razom em 1930, porque a criaçom acelerada da grande indústria e a colectivizaçom agrícola eram a condiçom da sobrevivência da URSS face à iminência da guerra mundial. Mas muitas desgraças teriam sido evitadas se o stalinismo tivesse sido desde início temperado com um pouco de bukarinismo e sobretodo, se lhe tivesse cedido a primazia depois de cumpridas as tarefas prementes da edificaçom económica.

Passar de Bukarine a Staline e de Staline a Bukarine parece ser o destino dos partidos que ao longo deste século tomárom a cabeça das revoluçons proletárias em países atrasados. É como se o leninismo, de que todos se reivindicam, se tivesse bifurcado em duas alternativas extremas, cada umha delas incapaz, só por si, de fornecer a soluçom para o problema da construçom da nova sociedade, mas ambas captando aspectos essenciais. Mao Tsé-tung foi talvez o dirigente que mais longe levou a tentativa de fundir num sistema único as ideias contraditórias de Staline e de Bukarine, mas o fracasso da revoluçom cultural retirou à sua “nova via” o crédito internacional de que chegou a desfrutar. E hoje, na URSS como na China, na Europa Oriental ou no Vietname, pode dizer-se que a escola bukarinista ascende vigorosamente. Bukarine vai ter finalmente a oportunidade de mostrar o que vale, 50 anos depois de ter sido caluniado e fusilado.

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Bukarine, o precursor

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Para os PCs do Ocidente e para todos os “marxistas” mais ou menos social-democratas que lhes estám próximos, a opçom está feita de há muito, mesmo que nom se declarem expressamente seguidores de Bukarine. O stalinismo aparece-lhes como umha colossal perversom totalitária, que véu interromper brutalmente a marcha da Uniom Soviética em direcçom a um socialismo “de rosto humano” e fazer a história recuar de vários decénios.

As “aberraçons” que apontam a Staline, na passagem dos anos 20 para os anos 30, tenhem sido largamente catalogadas em livros de história, manuais, revistas, e podem enumerar-se assim: - Staline tinha a ideia fixa de que umha edificaçom económica independente só poderia repousar sobre o crescimento “a marchas forçadas” da indústria pesada, sem olhar aos custos humanos que isso acarretaria; - Staline alimentava umha convicçom “maníaca” de que a luita de classes se intensificaria à medida que a Uniom Soviética avançasse em direcçom ao socialismo, o que o levou a criar um clima de exasperaçom desnecessária dos conflitos no país; - Staline desprezava os camponeses, em que via pequenos capitalistas em germe e que tratou de “reeducar” brutalmente pola colectivizaçom forçada; rejeitava de facto as ideias de Lenine sobre a aliança operário-camponesa;

- Staline quijo descobrir um imaginário “terceiro período” na luita de classes internacional, propício a novas explosons revolucionárias, eliminando em consequência como “direitistas” os dirigentes comunistas que nom aceitavam esta tese;

- Staline acusou caluniosamente a social-democracia de ser umha “reserva” e “irmá gémea” do fascismo, e com isto tornou-se responsável pola divisom da classe operária alemá e polo ascenso do nazismo;

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Se para nós é certo que daí nom sairá mais socialismo do que saiu da via stalinista, nem por isso deixamos de considerar positiva a experiência. Quando as duas teorias tiverem feito a prova da prática será mais fácil compreender porque é que ambas som incapazes de romper os marcos do capitalismo, melhores condiçons haverá para o marxismo-leninismo sair do dilema em que foi aprisionado há meio século.


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Bukarine, o precursor - Staline reduziu o marxismo a um amontoado de fórmulas estereotipadas e dogmáticas, ao serviço do seu voluntarismo cego, que asfixiou toda a vida interna do partido bolchevique; - Staline tinha um carácter dúplice e desconfiado, que o levou a suprimir por meios bárbaros todos os opositores e a mergulhar a Uniom Soviética num regime de terror.

Todas estas acusaçons fôrom feitas no seu tempo por Bukarine. De modo que adquire agora um interesse renovado, no momento da sua reabilitaçom, recordar as críticas que fazia, as soluçons que propunha, os interesses que defendia e as condiçons em que foi desalojado do poder. Desse confronto resultará talvez mais claro que nem Staline era um demónio nem Bukarine um santo, como tende a crer a democracia pequeno-burguesa. E que, se o stalinismo fracassou na sua tentativa desesperada de edificar umha URSS socialista, o bukarinismo preparava um desastre de iguais ou maiores proporçons. 3

Em 1926, o regime soviético, sob a direcçom partilhada de Bukarine e Staline, demonstrava com brilho a viabilidade da nova organizaçom social fundada pola revoluçom. Deixando para trás a miséria e o caos provocados pola intervençom estrangeira e pola guerra civil, a URSS afastava definitivamente o espectro da catástrofe económica, recuperava o nível produtivo de antes da guerra e tomava o caminho da prosperidade. A propaganda antibolchevista dos meios imperialistas já nom conseguia esconder o sucesso da experiência soviética. Subia o nível de vida das massas, consagravam-se direitos até entom desconhecidos para a classe operária, faziam-se progressos espectaculares no campo da saúde, da educaçom, da libertaçom da mulher. Havia ainda pesadas seqüelas da guerra civil –desemprego, prostituiçom, delinqüência juvenil– mas estavam em vias de ser reabsorvidas.

A nova cultura soviética vivia umha autêntica “idade do ouro”, de impacte mundial. No cinema, na literatura, no teatro, na arquitectura, floresciam as escolas e as realizaçons de vanguarda. O regime nom tinha nada da pesada uniformidade que tomou mais tarde. A ditadura política do Partido Bolchevique nom excluía umha grande liberdade de expressom dentro e fora do partido, e a participaçom de muitos nom-bolcheviques em órgaos superiores do Estado. Nos 64


Bukarine, o precursor sovietes, onde se tinham realizado eleiçons livres, os comunistas eram umha reduzida minoria.

Nom era de estranhar por isso a derrota das últimas resistências dos oposicionistas “de esquerda”, que apontavam deformaçons e perigos, mas nom tinham nengumha alternativa real a oferecer para a via da NEP. 4

Bukarine atingia entom o auge da influência e popularidade. As suas capacidades teóricas tinham-no elevado a chefe de umha corrente de pensamento que dominava no partido e no Estado. Tinha grande autoridade no Bureau Político, onde contava com o apoio de Rikov, o chefe do governo, e de Tomsky, líder da organizaçom sindical. Os bukarinistas tinham as posiçons-chave na imprensa central e no aparelho ideológico do partido, assim como nos órgaos económicos centrais. O comité de Moscovo do partido era completamente dominado polos seus apoiantes. Ao ser designado para a direcçom da Internacional Comunista em substituiçom de Zinoviev, Bukarine passou a dispor de poderes vastíssimos, no plano interno e internacional, para levar à prática as suas ideias.

Depois que ultrapassara as suas teses “ultra-revolucionárias” desesperadas de 1918, quando entrara em conflito com Lenine a propósito da paz de Brest-Litovsk, Bukarine adaptara o seu pensamento às condiçons de isolamento da revoluçom russa. Fortalecera-se na convicçom de que nom havia alternativa para a integraçom lenta e gradual da pequena economia camponesa no socialismo: a NEP era o “Brest-Litovsk camponês”. Mais: a NEP surgia-lhe agora, nom como um compromisso de recurso, mas como umha política a longo prazo, a forma particular e original da ditadura do proletariado nas condiçons da Rússia atrasada, a transiçom segura para o socialismo.

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Esta sociedade dinámica, cheia de diversidade mas harmoniosa, era obra da NEP, instituída em 1921 sob a direcçom de Lenine. Combinava um forte sector estatal com umha vasta rede de cooperativas de comércio e consumo e com a liberdade controlada para os pequenos produtores e comerciantes. Conseguira-se que o novo regime instituído pola insurreiçom operária fosse adoptado pola massa dos camponeses, pola intelectualidade e os empregados, por grande parte da pequena burguesia - era umha verdadeira democracia popular.


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Bukarine, o precursor Concluíra que o crescimento em direcçom ao socialismo seria um longo processo de decénios, conseguido pola paz civil sob direcçom do proletariado, pola competiçom pacífica entre o sector estatal e o sector privado, em que o primeiro se imporia gradualmente pola própria superioridade que lhe dava a organizaçom centralizada. O capitalismo seria batido no seu próprio terreno, como dissera Lenine, sem necessidade de supressom violenta. Tratava-se, dizia Bukarine, de “ultrapassar o mercado através do mercado”, mesmo que isso implicasse construir o socialismo “a passo de tartaruga”. Que perigos principais ameaçavam esta via? Para Bukarine, o perigo de falhar existiria se nom se figesse umha combinaçom tolerante e harmoniosa dos interesses privados com o interesse geral, e nom se soubesse pôr os camponeses, os artesaos, mesmo a burguesia, ao serviço do projecto de industrializaçom socialista. E aos que o acusavam de ‘neopopulismo”, de idealizar a NEP, de substituir a revoluçom polo evolucionismo, Bukarine retorquia que a sua perspectiva nada tinha de reformista porque assentava nas conquistas da revoluçom. Os bolcheviques detinham as alavancas do poder – era isso que abria possibilidades ilimitadas de evoluçom gradual, pola “extinçom progressiva da luita de classes”.

Nos camponeses, que constituíam a esmagadora massa da populaçom, via a pedra de toque do regime soviético. “Sob a direcçom do proletariado, o campesinato tornará-se– e está já a tornar-se– a grande força libertadora da nossa época”. O desenvolvimento industrial promovido pola Estado tinha que ser ligado à prosperidade dos camponeses e à expansom do mercado rural. Os planos “hiperindustrialistas” da oposiçom pareciam-lhe aberrantes, porque encaravam o campesinato como umha espécie de carne de canhom numha guerra entre o proletariado e a burguesia. Os oposicionistas, acusava, queriam romper a aliança operário-camponesa e isso levaria a revoluçom ao desastre, ao suicídio. Mas defender a liberdade sem peias para a economia camponesa era defender a pequena burguesia. Em 1925, no calor da polémica, Bukarine tivo a frase que mais tarde viria a ser-lhe dirigida como acusaçom: “É preciso repetir a todas as camadas do campesinato: enriquecei, acumulai, desenvolvei a vossa economia”.

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Bukarine, o precursor 5

Primeiro fôrom as concessons iniciais de 1921: a requisiçom estatal de cereais fora substituída por um imposto, para interessar os camponeses no cultivo das terras; autorizara-se o reaparecimento do capital privado; numerosas empresas tinham sido desnacionalizadas e devolvidas aos antigos proprietários.

Três anos depois, perante as más colheitas e o descontentamento dos camponeses, foi necessário alargar as concessons. Reduzírom-se os impostos agrícolas e a intervençom do Estado nos preços do trigo, levantárom-se entraves administrativos à liberdade de comércio, alargárom-se os prazos de arrendamento das terras, legalizou-se o emprego de trabalho assalariado mesmo fora da época das colheitas.

Mas todo continuava em questom. A realidade da NEP saía para fora dos limites traçados na lei com força indomável. Dizia-se que a reforma agrária figera da Rússia um país de camponeses médios, firmes aliados do proletariado, mas a influência dos camponeses ricos, dos kulaks, tornava-se determinante nas aldeias, no comércio, nos sovietes. Só eles dispunham de gado em abundáncia, de máquinas agrícolas, de capital. As cooperativas de comercializaçom tornavam-se na prática um veículo do seu enriquecimento. Em muitos casos, os camponeses pobres e médios eram obrigados por falta de meios a dar as terras de renda aos ricos, a trabalhar à jorna para eles, a alugar-lhes o gado. Assim, se os kulaks eram apenas 3% das famílias do campo, eles vendiam ao Estado 20% do total do trigo comercializado, ocupando um lugar-chave na economia. Além disso, os comerciantes privados, que pagavam os produtos agrícolas a melhor preço do que os organismos estatais, já detinham mais de um terço do volume dos negócios no comércio a retalho e alimentavam a especulaçom e a corrupçom. Os nepmen

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A NEP trazia no bojo dos seus êxitos os factores de umha grande crise e era nos campos que ela se gerava. O equilíbrio de classes conseguido nom era estável e o seu dinamismo próprio conduzia à sua ruína. Todo se resumia a isto: o sector privado revelava major vitalidade e crescia mais aceleradamente do que o sector estatal. A pequena burguesia, insaciável, reclamava sempre mais e a classe operária nom tinha força para lhe opor formas socialistas eficazes. A “guerra de posiçons” da NEP estava em risco de ser perdida, tal como fora perdido o assalto frontal do “comunismo de guerra”.


Bukarine, o precursor

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enriqueciam, ganhavam influência nos órgaos do poder soviético, tornavam ilusórios os planos do partido.

A democracia popular soviética revelava-se menos estável e harmoniosa do que supunha Bukarine. Preparava-se nela umha prova de força. O controlo a que se sujeitava a economia de mercado tinha que ser levantado, como reclamavam os novos burgueses, ou drasticamente reforçado. Esta é a realidade social que geralmente omitem ou minimizam os que discutem as alternativas de Bukarine e Staline como se elas fossem um debate entre ideologias e nom a expressom de umha luita de classes acesa que já nom consentia mais meios-termos.

A prova de força que fora lançada contra a pequena burguesia nom tinha porém outra alternativa senom desdobrar-se em medidas cada vez mais violentas para lhe quebrar a resistência, justamente porque nom dispunha de um forte sector operário socialista que lhe servisse de apoio. A tendência irreprimível dos stalinistas, para nom perder a batalha, era recorrer aos meios repressivos do estado numha escala cada vez mais vasta. A “grande viragem” ia varrer todo à sua frente. 6

Uma grande crise fermentava na política internacional, sob a aparência enganosa da estabilizaçom do capitalismo, mas também aqui Bukarine nom se apercebia dela. Assumindo a chefia da IC, Bukarine deu novo desenvolvimento às concepçons já antes elaboradas por Zinoviev. Em sua opiniom, a estabilizaçom do capitalismo nom devia ser vista como um fenómeno passageiro mas como o produto de alteraçons estruturais geradas pola concentraçom e centralizaçom dos capitais. O capitalismo imperialista conseguia aquilo que parecia impossível – “racionalizar os elementos irracionais que contém”.

Este retorno às suas teses de 1915/16, em que previra que as capacidades organizadoras do “capitalismo colectivo” fariam evoluir o sistema para umha etapa de capitalismo de Estado, implicava de facto a ideia de que a burguesia conseguiria superar as crises cíclicas e as convulsons nos países imperialistas. Queria isto dizer que Marx se enganara? Bukarine tinha umha resposta para esta objecçom. Sem dúvida, admitia, a anarquia e as contradiçons inerentes ao sistema persistiam, mas tinham-se transferido para um plano incomparavelmente mais vasto e mani68


Bukarine, o precursor

Quanto aos países coloniais e semicoloniais, defendia umha ruptura com o que considerava velhos preconceitos “esquerdistas”. O atraso do capitalismo nesses países obrigava os comunistas a umha política muito ampla de alianças que os projectasse como força preponderante do movimento nacional-revolucionário. A resistência às frentes unidas com as pequenas burguesias e as burguesias nacionalistas parecia-lhe um sectarismo suicida. E dava como exemplo o espectacular crescimento do PC da China, por se manter flexivelmente integrado no Kuomintang e ter derrotado o “esquerdisrno” nas suas fileiras. 7

Em 1927/28, todo o sistema de ideias políticas que Bukarine edificara, à frente do Partido Bolchevique e da IC, sofreu um rude abalo, que marcou o começo do fim da sua autoridade como principal teórico do bolchevismo.

A derrocada do bukarinismo começou precisamente na China, onde o massacre de milhares de comunistas na Primavera de 27 lançou por terra as suas perspectivas optimistas sobre a marcha gradual da revoluçom chinesa sob a direcçom do Kuomintang. Tentou ainda, com o apoio de Staline, salvar a aliança dos comunistas com umha fracçom de “esquerda” do Kuomintang, mas em breve foi forçoso reconhecer aquilo que lhe

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festavam-se agora nas relaçons entre os centros imperialistas e os países coloniais e dependentes. E usou pola primeira vez a imagem dos países avançados como as “cidades” mundiais e as colónias como os “campos”. Era a partir desses ‘campos” miseráveis que a revoluçom mundial teria a sua nova onda. Isto implicava duas conclusons políticas de grande alcance para a orientaçom dos partidos comunistas. Nos países imperialistas, devia considerar-se afastada a perspectiva de conflitos sociais violentos; os comunistas deveriam concentrar esforços em superar a “tragédia da divisom da classe operária”, luitar por umha frente comum com a social-democracia, dado que ela mantinha sólida implantaçom no movimento operário e sindical. Acordos a nível de direcçom com os partidos socialdemocratas eram vigorosamente defendidos por Bukarine, que exigia que se pugessem de parte velhos complexos “esquerdistas”. Mesmo depois que a clamorosa traiçom dos chefes trabalhistas ingleses à greve geral de 1926 desencadeou umha onda de críticas à sua linha, Bukarine mantivo-a sem vacilaçom.


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Bukarine, o precursor parecera umha aberraçom inventada polas “esquerdistas”: a burguesia nacional atraiçoava a luita pola sua própria emancipaçom e nom hesitava em aliar-se ao imperialismo para esmagar a classe operária. Toda a política das frentes unidas estava posta em causa. No Verao, começou a tornar-se claro que se caminhava para nova crise na frente agrícola, com os kulaks a tomar a direcçom dos camponeses médios e a fazer novas exigências. A oposiçom, que já desde a colheita anterior começara a alertar para a “greve dos kulaks”, redobrou nas críticas acerbas a Bukarine, Rikov, Tomsky, esses “nepistas a 150%”, que insistiam em sonhar com umha sociedade de harmonia quando se desenhavam grandes confrontos de classes. No Outono, começou a viver-se umha atmosfera de crise no país e na direcçom do partido. Com os desaires na frente internacional, com as reservas de cereais do Estado reduzidas a menos de metade do ano anterior, com as manobras ameaçadoras das grandes potências ocidentais, surgia em primeiro plano a urgência de pôr termo à política de concessons, de reforçar o poder económico do estado e de avançar por qualquer meio na industrializaçom como base de umha indústria de defesa eficaz.

O 15º congresso do partido, em Dezembro desse ano, iniciou a ruptura da aliança que ligava Staline a Bukarine. Muitos que até aí tinham apoiado as teses de Bukarine começárom a demarcar-se dele, Staline em primeiro lugar. Para lançar finalmente as bases da indústria pesada, era preciso ir buscar o dinheiro à burguesia e minar a influência dos kulaks polo apoio às cooperativas de produçom agrícola. Adiar por mais tempo medidas radicais seria abrir as portas à fame, à contra-revoluçom ou ao esmagamento da Uniom Soviética na guerra que se desenhava. Bukarine viu-se forçado, pola evidência dos factos e polo receio de perder o apoio no CC, a concordar com as “medidas extraordinárias contra os especuladores” propostas por Staline: confiscaçom das reservas de cereais escondidas, agravamento dos impostos sobre a pequena burguesia, vigiláncia sobre a negociaçom clandestina de terras, limitaçom do trabalho assalariado e da duraçom dos arrendamentos, restriçons aos direitos eleitorais dos kulaks nos organismos de aldeia.

Um mês depois, já protestava, apoiado por Rikov e Tomsky, contra os excessos e violências cometidos na aplicaçom da lei, que atingiam em muitos casos os camponeses médios. Ao longo de 1928, os três travam a sua batalha perdida em defesa da NEP. Tentam demonstrar que “por mui-

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Bukarine, o precursor

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Assim se tornou Bukarine –“o mais eminente teórico do partido” no dizer de Lenine– no representante político da pequena burguesia da NEP em luita pola sobrevivência.

A evoluçom parece tam absurda aos “marxistas democráticos” do nosso tempo que a atribuem a invençom malévola de Staline e procuram fazer crer que Bukarine se situava na linha de continuidade do leninismo “autêntico”, apresentando para esse efeito diversos escritos de Lenine dos anos 1921/22. Nom tomam em conta que Lenine se pronunciou sobre os passos iniciais da NEP e nom pode ser chamado como testemunha na luita que se travou mais tarde. E omitem que, batendo-se pola adopçom da NEP como único recurso de sobrevivência do regime soviético, Lenine nunca deixou dúvidas sobre a concessom que representava.

Já em 1918, poucos meses depois da revoluçom, intervindo na polémica que se gerara em torno dos perigos do capitalismo de Estado, Lenine tocara no fundo da questom: “Nom é o capitalismo de Estado que está em luita com o socialismo, mas a pequena burguesia e o capitalismo privado que luitam, lado a lado, simultaneamente contra o capitalismo de Estado e contra o socialismo. A pequena burguesia opom-se a qualquer intervençom da parte do Estado, a qualquer inventário, a qualquer controlo, quer emane de um capitalismo de Estado ou de um socialismo de Estado”. (Oeuvres, tomo 27, p. 351). Esta era a raíz do conflito que viria a explodir em 1927. Que os actuais bukarinistas nom a consigam divisar, nada tem de estranho. Quando está em jogo a perda das conquistas revolucionárias e a recuperaçom do capital, os ideólogos da pequena burguesia tendem sempre a considerar os perigos da reacçom burguesa como imaginários, descobrem sempre novas razons para “ter esperança”, opon-

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tos anos ainda o abastecimento em cereais dependerá da economia camponesa privada” e que a ideia de cobrir o país com umha rede de quintas colectivas é um sonho insensato que conduzirá na realidade à “exploraçom militar e feudal do campesinato”; aceitam o projecto de industrializaçom e planificaçom da economia, mas pretendem que se desenvolvam a um ritmo “razoável”, deixando algum espaço ao jogo do mercado; reconhecem que há um perigo de direita a combater, mas alertam contra a tendência para o arbítrio.


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Bukarine, o precursor hem-se a todo o que restrinja o campo de acçom da burguesia. Era o que se passava com Bukarine e por isso a resistência pequeno-burguesa se polarizava à sua volta. Em pouco tempo, os kulaks e comerciantes, os funcionários que deles dependiam, os quadros técnicos nombolcheviques, os burocratas do aparelho sindical, apercebêrom-se do alcance da polémica que opunha Bukarine a Staline e tomárom partido polo primeiro.

Bukarine tornou-se contra sua vontade o porta-voz da pequena burguesia. O seu desabafo com Kamenev em 1928 é eloqüente: “Se nós dizemos – este homem conduz o país à fame e à ruína, ele responde – vocês defendem os kulaks e os nepmen”.

O mesmo aconteceu quando a luita de tendências que se travava no Partido Bolchevique se alargou à Internacional Comunista. As teses de Bukarine sobre a estabilizaçom estrutural do capitalismo, de colaboraçom com a social-democracia e com as burguesias nacionalistas, tinham levado aos lugares cimeiros da organizaçom e dos partidos comunistas os elementos mais propensos ao reformismo.

E à medida que se definiam os contornos do novo período, marcado pola grande crise, polo ascenso do fascismo, polo papel reaccionário da socialdemocracia, pola traiçom da burguesia chinesa, pola preparaçom acelerada de nova guerra mundial imperialista, revelava-se o carácter direitista dos bukarinistas da IC. Brandler, Talheimer, Ewert, Lovestone, Togliatti, Droz, Tasca, nom tinham outra resposta para a nova situaçom a nom ser alargar a política da “concessom permanente”, para tentar a todo o preço ganhar alianças do lado da pequena burguesia. Por isso, se a viragem imposta por Staline na IC a partir de Julho de 1929 devesse ser responsabilizada polos desastres posteriores, como pretende o actual anti-stalinismo de direita, cabe perguntar quais teriam sido as conseqüências para o movimento operário internacional se tivessem levado a melhor os partidários de Bukarine. Staline nom errava quando afirmou, no decurso da polémica: “Se o desvio de direita triunfasse no nosso partido, nada deteria as forças do capitalismo; as posiçons revolucionárias do proletariado seriam minadas e o capitalismo poderia voltar a instaurar-se no nosso país”. 9

E contodo, Bukarine também tinha a sua parte de razom. A história demonstrou-no. Quando insistia que o perigo de degeneraçom do socia72


Bukarine, o precursor

Num ponto a sua lógica era inatacável: o salto prodigioso para o socialismo que entusiasmava os stalinistas, nom estando reunidas as condiçons económico-sociais necessárias, só poderia ter como resultado a elevaçom da casta de administradores a umha nova classe dirigente, reinando despoticamente sobre toda a sociedade. A revoluçom soviética evitaria o derrubamento contra-revolucionário mas conheceria umha degenerescência trágica, desembocando num Estado policial sem precedente histórico.

Também nom o convencia a ideia de que, mediante o preço da centralizaçom absoluta de poderes, se poderia assegurar umha verdadeira explosom das forças produtivas e encontrar de algum modo o caminho para o socialismo: o “super-monopólio de Estado” acabaria por arrastar, mais cedo ou mais tarde, a “decadência inerente a este tipo de estrutura”.

Foi o que na realidade aconteceu. Depois de ter criado umha economia “socialista” moderna à custa de umha tremenda repressom na qual foi aniquilada a pequena burguesia mas também o poder da classe operária, a URSS é hoje forçada a regressar à encruzilhada de 1928 e a procurar no renascimento do mercado o dinamismo de que carece a sua economia estatizada. A meio século de distáncia, Bukarine vinga-se de Staline. Os nepmen ressurgem na Rússia. Quem tinha razom, finalmente? Hoje, instruídos polo desastre histórico da URSS, nom nos é difícil concluir que nengum dos dous caminhos antagónicos, o de Bukarine e o de Staline, podia conduzir ao socialismo, pola simples razom de que na URSS de 1927, privada do apoio da revoluçom internacional a que se adiantara brilhantemente, já nom havia caminho para o socialismo. O retorno à via da acumulaçom capitalista, pola contra-revoluçom burguesa, ou pola degenerescência do capitalismo de Estado, tornara-se inevitável. Por isso mesmo, seria absurdo para os comunistas do tempo presente declarar-se herdeiros de Bukarine ou de Staline (Trotski, que conserva os seus fiéis, representou umha variante particularmente incoerente entre as duas linhas extremas). No que respeita à experiência russa, a tarefa actual dos comunistas é compreender plenamente as causas da perda da revoluçom. E isso passa pola denúncia da campanha pseudomarxista em curso de recuperaçom do 73

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lismo nom vinha apenas do lado da pequena burguesia e entrevia no horizonte a ameaça de umha burocracia todo-poderosa que poderia afogar a ditadura do proletariado, ele antecipava o que véu a suceder sob Staline.


Bukarine, o precursor

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bukarinismo e da via da NEP, como pretensa alternativa “leninista” ao stalinismo. *Publicado no número 15 da revista Política Operária. Lisboa, Maio-Junho de 1988.

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Ainda sobre Staline Em Outubro de 1920, discursando numha conferência de comunistas do sul da Rússia, Staline fazia um balanço optimista das perspectivas do poder soviético: a ideia inicial de que a revoluçom proletária nom poderia manter-se na Rússia atrasada se nom estalasse no Ocidente umha revoluçom mais profunda e avançada fora desmentida polos factos; os sovietes podiam manter-se, seguir em frente e até mesmo vir a “servir de exemplo aos países capitalistas desenvolvidos“; esta era umha conclusom nova do marxismo. (Staline, “A estratégia e a táctica dos comunistas” ed. Maria da Fonte, Lisboa, 1976, pp. 123-124).

Durante todo um período histórico, o movimento comunista alimentou-se desta convicçom de que a Rússia atrasada estava a indicar o caminho do socialismo ao mundo. E com a nova onda de revoluçons inspiradas em Outubro de 1917 que precedêrom e coroárom a crise da 2ª Guerra Mundial (China, Europa oriental, Coreia, Vietname), mais se fortaleceu a ideia de que o socialismo avançava precisamente polos “elos fracos da cadeia imperialista”. A revoluçom socialista seguia um caminho mais sinuoso do que o previsto por Marx, mas de nada servia ao imperialismo entrincheirar-se nas

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Ainda sobre Staline suas cidadelas: à sua volta ia-se apertando um anel de revoluçons proletárias vitoriosas nos países camponeses, capazes de passar directamente ao socialismo e de arrastar na sua esteira a vaga das revoluçons de libertaçom nacional. Hoje todo isso pertence ao passado. No preciso momento em que parecia atingir o auge do poderio e da influência mundial, o movimento comunista começou a declinar. A “crise do comunismo”, cem vezes anunciada pola burguesia, acabou por deflagrar e tem vindo a propagar-se em abalos sucessivos e crescentes, até tornar irreconhecível o panorama da luita de classes internacional. O orgulhoso campo socialista que proclamava a derrocada próxima do capitalismo vem agora mendigar tecnologia, reconhecer as virtudes da economia de mercado, propor tréguas. Um após outro, através de convulsons variadas, os países socialistas desembocam no capitalismo, como rios que vam dar ao mar, sejam quais forem os meandros do seu curso.

Nom é de estranhar que as novas naçons que emergírom das luitas de libertaçom nacional, hoje exaustas e falidas, estejam reduzidas a suplicar à finança ocidental moratórias para pagar as dívidas. Atribuída inicialmente a acidentes (a traiçom de Tito) ou a desvios ideológicos (o revisionismo de Kruchov), esta crise aparece hoje como umha crise de estrutura, tornada inevitável a prazo mais ou menos longo pola fragilidade interna de que sofria esse socialismo instaurado em países atrasados.

A vida obriga pois a reabrir a questom posta por Staline em 1920: pode realmente a revoluçom proletária triunfar e avançar para o socialismo em países atrasados? Ou será que o século XX foi palco de um ciclo de revoluçons prematuras, condenadas pola sua própria imaturidade a ser reabsorvidas polo capitalismo? E, nesse caso, que esperanças restam para o socialismo, umha vez que nos países avançados parece cada vez mais distante a possibilidade da revoluçom? DUAS FALSIFICAÇONS E MEIA A dúvida, claro, nom se pom aos “comunistas” da escola soviética moderna. Para esses é ponto de fé, contra toda a evidência dos factos, que a “comunidade socialista” continua a progredir vitoriosamente para o comunismo, encabeçada pola Uniom 76


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É umha desculpa que cai no ridículo quando as novidades que diariamente chegam da tal “comunidade socialista” som as greves operárias, os conflitos nacionais e a ascensom dos novos ricos, o alargamento das leis do mercado, o lucro no posto de comando da economia, a restauraçom da empresa privada, o entrelaçamento com as multinacionais - todo envolvido numha imensa vaga de ideologia burguesa e pequeno-burguesa.

Até mesmo as provas irrefutáveis do “nom capitalismo” da Uniom Soviética -a planificaçom, a inexistência de umha classe proprietária, a força de trabalho que já nom era umha mercadoria...- começam a desmoronar-se sob o choque da perestroika.

Décadas atrás, a URSS ou a China podiam suscitar interrogaçons mas perfilavam-se como sociedades novas, diferentes. Hoje, a sua nova via correctora do stalinismo e do maoísmo ganha cada vez mais claramente os contornos do capitalismo.

A transformaçom é tam profunda que já nom fam sentido as polémicas de há vinte anos: o que se pode discutir agora som os ritmos e as modalidades que vai tomar este renascimento capitalista nos antigos “baluartes socialistas”.

Se fosse precisa umha contraprova para a regressom que se opera no Leste, bastaria comparar o movimento “comunista” actual com o dos primeiros tempos. Quem hoje se revê na Uniom Soviética como modelo já nom som os operários revolucionários mas umha certa pequena burguesia tacanha, que idealiza o socialismo à sua imagem e semelhança. Encantada com este novo “socialismo de mercado”, “pluralista”, nem demasiado burguês nem demasiado proletário, que vem mesmo a calhar para a colocaçom da sua banha de cobra junto dos operários, redobra de apelos para se “impor aos monopólios umha democracia ampliada, a paz e o progresso social” como primeiro passo para a passagem pacífica ao socialismo...

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Soviética. E se som hoje forçados a admitir que muita cousa nom corresponde ao que se esperava do socialismo, defendem-se com o argumento dos atrasos e “distorçons” causados polas “violaçons da legalidade” por parte de Staline, polos “desvios subjectivistas e aventureiros” de Mao, pola estagnaçom burocrática de Brejnev... Todo, porém, estaria agora em vias de ser corrigido.


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Ainda sobre Staline Infelizmente para estes especialistas em lavar o rabo à burguesia, o “comunismo humanista” de Gorbat é um breve momento na trajectória acelerada que leva a URSS para a luita nua e crua entre proprietários e proletários. À velocidade a que as cousas progridem, nom serám precisos muitos anos para o “socialismo” perestroiko confluir com o capitalismo, privando os seus adeptos do lado de cá de referencial e deixando-os cair nos braços da social-democracia. Nada mais justo, aliás: se os restos das revoluçons proletárias som digeridos polo capitalismo, porque nom há de o revisionismo moderno ser devorado pola social-democracia? É de facto a social-democracia, essa versom popular da política imperialista, quem tira a desforra dos anos do grande medo do bolchevismo. Agora ela pode saborear o sentimento reconfortante de que todo entra na ordem, comentar com condescendência a “morte dos mitos revolucionários” o “fim das utopias igualitárias” e proclamar a confirmaçom das suas previsons.

Eles bem tinham dito, desde Kautsky, que a revoluçom russa nom podia conduzir ao socialismo; que os bolcheviques estavam a tentar forçar a marcha da história, fazendo um salto impossível sobre a etapa capitalista na Rússia; que nom só Staline mas também Lenine representavam um desvio voluntarista e autoritário do marxismo; que a “perversom totalitária stalinista” nom era mais do que o fruto acabado das ideias leninistas sobre o partido de vanguarda e a conquista do poder pola violência; que o próprio Marx devia ser responsabilizado por ter aberto as portas à barbárie com a sua invençom de umha “ditadura do proletariado” chamada a destruir as liberdades individuais... Agora pode-se reescrever a história e dar como provado que as revoluçons dirigidas polos comunistas em nome dos interesses do proletariado e do socialismo nom passárom de revoluçons nacionais burguesas, recorrendo a slogans marxistas para arrancar às massas sacrifícios desumanos e obter umha acumulaçom maciça de capital; que Staline foi um émulo de Hitler, senom o seu mestre no crime; que os comunistas fôrom culpados de todo, até do fascismo, até da 2ª Guerra Mundial, e que os social-democratas fôrom as suas vítimas. Os comunistas deveriam pois renunciar ao seu “messianismo revolucionário” que já nom fai sentido nesta época da informáti-

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O mais flagrante em todo isto nem é o cinismo desta gente - é a sua miopia. Mas que outra cousa podem fazer as osgas e as ratazanas senom espanejar-se ao sol depois de passada a tempestade, convencidas de que ela nunca mais se repetirá? A social-democracia tem que convencer-se de que a revoluçom foi um pesadelo felizmente acabado e que o proletariado nunca mais tomará o freio nos dentes. Pintar a actual degeneraçom capitalista da URSS como umha marcha triunfal para o comunismo; ou, inversamente, pretender que a revoluçom proletária nunca passou de umha invençom feroz do bolchevismo - estas duas falsificaçons concorrentes do marxismo empenham-se numha mesma tarefa comum: escamotear o balanço da revoluçom no século XX. Outro tanto se pode dizer da sua variante menor, o trotskismo, que encontrou, como sempre, umha interpretaçom original dos acontecimentos, equidistante do revisionismo moderno e da social-democracia: burocraticamente degenerada por culpa de Staline, a Uniom Soviética permaneceria apesar de todo um Estado operário, trilhando ainda hoje umha infindável transiçom do capitalismo para o socialismo...

Ao analisar o fenómeno soviético moderno como umha restauraçom pacífica do capitalismo sobre os destroços da ditadura do proletariado em degeneraçom, a corrente marxista-leninista lançou há 25 anos os primeiros alicerces para o retomar da marcha da revoluçom. Isto porque esta ideia, que muitos consideravam na altura umha aberraçom doutrinária, deu a chave para pôr a moderna URSS “destalinizada” diante do espelho da Rússia dos sovietes de que se proclama herdeira, confrontar o “leninismo humanista” actual com o leninismo de Lenine e, através desse confronto, captar, com muitos anos de antecedência, o sentido da marcha que viria a ser seguida pola URSS e polos seus afilhados do “movimento comunista internacional”. Este era porém apenas um primeiro passo. O fio do leninismo só ficaria reatado quando se soubesse dizer como e porquê pudera a burguesia

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ca e da robótica, deixar-se de tiradas “demagógicas” contra a exploraçom, abandonar o leninismo, distanciar-se criticamente de Marx, reconhecer finalmente que o ideal do socialismo sé pode ser aproximado polo alargamento dos “espaços de consenso democrático” abertos pola revoluçom técnico-científica.


Ainda sobre Staline

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renascer sobre a expropriaçom da burguesia. E aqui a corrente marxistaleninista naufragou. Hoje é-nos possível compreender que a crítica à degeneraçom da Uniom Soviética, feita por partidos (China, Albánia) que percorriam eles próprios um caminho semelhante ao que percorrera o partido bolchevique no poder, estava encerrada em limites inexoráveis. O maoísmo foi a ilustraçom dramática de que a ruptura com o revisionismo nom podia partir de dentro de um campo socialista já em decadência.

E se a falência da “revoluçom cultural proletária” tivo o efeito dum terramoto sobre a incipiente corrente ML, foi porque nela se jogava mais do que umha grande batalha - jogava-se toda a teoria elaborada por Mao para explicar a génese do revisionismo no poder e os contra-venenos que julgava ter descoberto para o combater. Mao atribuía a germinaçom do revisionismo, na Uniom Soviética como na China, à degeneraçom de ”um punhado de dirigentes que enveredaram pola via capitalista”. Consciente de que as razias policiais de Staline tinham sido impotentes para arrancar as raízes do mal na URSS, pensou aplicar-lhe na China o tratamento de choque da mobilizaçom de massas, que imunizaria a ditadura do proletariado da degeneraçom revisionista. Mas o fim caótico da revoluçom cultural foi o desmoronar fragoroso da ideia maoísta sobre o papel quase milagroso que poderia ser desempenhado pola educaçom ideológica do partido e das massas. Mais: pujo a nu que a valorizaçom dada polo maoísmo aos factores subjectivos, à “reeducaçom” da burguesia e dos direitistas no partido, repousava sobre umha esperança de conciliaçom de conflitos de classe que nom sabia como superar.

Na realidade, a atitude do maoísmo perante a luita de classes sob a ditadura do proletariado representou em muitos aspectos um passo atrás em relaçom ao stalinismo que se propunha corrigir. Pode dizer-se que isso era de certa forma inevitável, dada a diferença de envergadura entre as duas revoluçons - Mao foi o produto das guerras camponesas da China, Staline foi o produto da sublevaçom da classe operária russa - mas o certo é que o maoísmo, ao tomar como espinha dorsal a integraçom e a reeducaçom da burguesia nacional no socialismo corrigiu Staline pola direita. Umha cousa podemos hoje dizer, graças à desastrosa experiência da China: o revisionismo moderno nom foi a causa de nada, por que é ele

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Ainda sobre Staline próprio a conseqüência e a expressom ideológica de relaçons de classe novas que germinárom depois da revoluçom, na URSS como na China.

A lógica da luita de classes, porém, nom perdoa e os ML de cepa albanesa, tal como os últimos fiéis do maoísmo, afundam-se numha tripla miséria: senilidade na ideologia, reformismo democrático popular na política, espírito de seita na organizaçom. Que mais pode ser hoje um stalinista do que umha caricatura risível de Staline?

A CRÍTICA A STALINE Desmentidos pola vida os melhoramentos ao stalinismo propostos por Mao, o passo seguinte para os comunistas era abordar directamente a questom que até ai fora para eles tabu, precisamente porque era o alvo dos ataques concentrados de todas as forças burguesas: o papel histórico de Staline. O dossier Staline estava recheado com umha tal variedade de estudos social-democratas, trotskistas, académicos, que nom foi difícil, ao utilizar esses materiais numha perspectiva marxista extrair conclusons novas e fazer avanços reais na compreensom do fenómeno soviético. É um facto que Staline nom foi sensível às preocupaçons que Lenine emitia nos últimos anos da sua vida quanto aos perigos de degeneraçom burocrática do regime soviético e permitiu que a burocracia crescesse como um cancro, devorando os direitos revolucionários conquistados polas massas produtoras durante a revoluçom. É indiscutível que Staline depositou durante tempo demais umha confiança direitista nas possibilidades de integraçom da burguesia através da

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Depois deste fracasso, julgar que era possível apagar a experiência maoísta, voltar atrás e reconstruir a corrente ML sobre a defesa integral da herança de Staline, foi umha inépcia que só podia sair do desespero em que se afundava a Albánia. O mérito desta corrente, se assim se pode dizer, foi ter recusado responder a todos os problemas que estavam postos pola degeneraçom da URSS; para todo, umha única resposta: Staline nom se enganara, apenas fora enganado e traído. Se nom se pode dizer que seja muito coerente, esta fidelidade a Staline deu-lhes, polo menos, umha bandeira inconfundível para se demarcarem de todos.


Ainda sobre Staline

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NEP, para passar depois, quase sem transiçom, à “socializaçom a marchas forçadas”, com as convulsons irreparáveis que isso acarretou. Staline transformou a manifestaçom das contradiçons sociais e da luita interna do partido em crimes, esvaziando a ditadura do proletariado em proclamaçons e a criaçom ideológica em fórmulas dogmáticas, que adubárom o terreno para a revoluçom revisionista.

Enquanto Lenine defendera a necessidade da URSS ganhar tempo até chegar nova onda revolucionária, Staline aperfeiçoou essa ideia com a teoria da construçom do socialismo num sé pais, que arrastou, em seqüência desastrosa, a táctica pragmática do apoio às burguesias nacionais, a política das frentes populares do 7.° Congresso da Internacional Comunista, a subalternizaçom crescente do movimento comunista ao papel de força de pressom pró-soviética, e por fim a dissoluçom da Internacional e a dispersom oportunista dos partidos comunistas.

A enumeraçom dos erros de Staline podia prolongar-se. Mas o mais importante de todos eles talvez seja que, na atmosfera política centrista transmitida polo stalinismo ao movimento comunista internacional, foi-se instalando subrepticiamente a noçom de que era inviável a repetiçom do feito dos operários russos em Outubro de 1917, de que nom era realista luitar por revoluçons proletárias de tipo soviético. Se a revoluçom de “democracia nova” na China e as revoluçons “democrático-populares” na Europa oriental e na Ásia fôrom ecos amortecidos e deformados da revoluçom russa e se tornárom, em vez de impulsos ao avanço socialista da Uniom Soviética, um lastro a puxá-la para trás, isso deveu-se antes de mais às ideias difundidas polo próprio Staline. Os erros centristas de Staline fôrom assim surgindo como a chave da explicaçom para a degeneraçom do movimento comunista. Tivesse Staline sido um bom leninista, e outra teria sido a história do último meio século - eis a conclusom a que se chega hoje correntemente nas fileiras comunistas.

E, contodo, esta explicaçom é tam limitada e enganosa como as anteriores. Atribuir o fracasso das revoluçons deste século aos erros de Staline pode aproximar-nos das peripécias da degeneraçom, mas, no fundo, pouco difere de atribui-la aos desvios de Mao, à traiçom dos revisionistas, ou ao egoísmo da burocracia. Conduz-nos sempre a um mesmo tipo de explicaçons

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Ainda sobre Staline subjectivas, incapazes de cobrir um fenómeno tam gigantesco como foi a inversom do rumo de um quarto da humanidade.

O FECHO DE UM CICLO Se olharmos para a luita de classes mais do que para as posiçons dos dirigentes, veremos que aquilo a que vulgarmente se chama o stalinismo - a concentraçom sobre-humana de esforços na edificaçom do socialismo num país isolado, e, para mais, economicamente atrasado, com a explosom de violência que isso acarretou - nom foi umha criaçom arbitrária saída da cabeça de Staline, em resultado do primarismo do seu marxismo, mas o produto dum estrangulamento objectivo da revoluçom. O pressuposto em que se baseavam os bolcheviques e Lenine - de que a Iª Guerra Mundial e a revoluçom russa tinham amadurecido as condiçons para revoluçons proletárias na Europa - nom se verificou. O imperialismo, estádio supremo e último do capitalismo, estava muito mais distante do esgotamento da capacidade de sobrevivência do que podia supor-se no tempo de Lenine.

E assim, privado do apoio da revoluçom na Europa, o regime soviético na Rússia ficou confrontado, em meados dos anos 20, com duas únicas alternativas, ambas desastrosas: ou capitular (e a isso conduziam as políticas opostas defendidas por Bukarine e Trotski), ou avançar a qualquer preço, como única forma de ganhar tempo. Foi o que tentou a direcçom de Staline, acicatada, ainda para mais, pola iminência de umha nova guerra mundial e de umha nova agressom imperialista devastadora. Nesta perspectiva, é forçoso reconhecer que o abandono da NEP e a guerra à pequena burguesia, o terror dos anos 30, a crescente delegaçom do poder no aparelho burocrático, a militarizaçom do trabalho e da vida do partido, a perda de confiança na revoluçom mundial, o afastamento irreparável do marxismo - todos os traços do stalinismo fôrom o produto do impasse que asfixiava a revoluçom russa. A partir dos anos 50, esse impasse sufocava já nom apenas a Uniom Soviética mas todo o campo revolucionário que entretanto se levantara

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Sem dúvida, todos esses erros, desvios e traiçons fôrom bem reais e tivérom um efeito nefasto. Mas eles fôrom forçosamente manifestaçons de causas sociais profundas que, essas sim, importa pôr a claro.


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Ainda sobre Staline na sua esteira. O derrubamento da burguesia e a socializaçom das forças produtivas, em países atrasados, com escassa acumulaçom de capital, umha classe operária reduzida e umha enorme massa camponesa, essencialmente pequeno-burguesa, produzia, junto com as gigantescas conquistas revolucionárias iniciais, a ascensom gradual de umha burocracia omnipotente, chamada a servir de administrador e de árbitro entre o proletariado e a pequena burguesia, e, com ela, a transformaçom do socialismo e da ditadura do proletariado em caricaturas. A conclusom parece ser esta: os “elos fracos” cedêrom de facto ao embate da revoluçom proletária e camponesa, mas marcárom-na com as suas taras e acabárom por devorá-la. A burguesia acabou por retomar o testemunho que lhe tinha sido arrancado. todo se passou como se o capitalismo tivesse tirado a sua vingança da surpresa de 1917.

Concluir daqui que este ciclo de revoluçons foi “prematuro” ou “inútil”, como fam os social-democratas, é raciocinar às avessas, com a lógica da burguesia. Na realidade, a grandes revoluçons proletárias deste século nom fôrom inventadas nem forçadas polos comunistas. Elas eram inevitáveis e foi só direcçom comunista que lhes permitiu levar o mais longe possível o seu potencial de transformaçom. Se elas tivessem sido sufocadas, muito pior seria hoje a situaçom das massas e muito mais consolidada estaria a burguesia. Podemos pois dizer que a revoluçom proletária atravessou neste século XX um arranque pioneiro, que cumpriu o seu ciclo de crescimento, auge, crise e decomposiçom, ciclo de que nom podia libertar-se a menos que novas revoluçons proletárias, mais avançadas, tivessem vindo em seu socorro.

Hoje, reabsorvido esse primeiro ciclo de revoluçons proletárias, vivese umha espécie de pausa, durante a qual o movimento revolucionário procura retomar pé na nova situaçom e preparar novo assalto. Como todas as pausas, também esta é acompanhada polo florescimento aberrante do pánico, da estupidez e da incoerência da pequena burguesia, cobrindo por completo a voz abafada do proletariado.

Nom podemos saber por que vias irá romper o novo ciclo proletário revolucionário, nem onde nem como. De umha cousa estamos certos: ele aprenderá com a experiência acumulada, para levar cabo, de forma mais eficaz e inexorável, a tarefa que Lenine enunciava em 1920: “Derrubar os exploradores e, em primeiro lugar a burguesia; infligir-lhes

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*Publicado no número 16 da revista Política Operária. Lisboa, Setembro-Outubro de 1988.

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umha derrota absoluta; esmagar a sua resistência; tornar impossível qualquer tentativa da sua parte para restaurar a canga do capital e da escravatura assalariada“



Guerrilha sem bandeira O problema dos “comunistas combatentes” nom é serem demasiado extremistas. É serem moderados. Todos ouvimos falar, há alguns anos atrás, dos audaciosos atentados dos GRAPO, força armada ao serviço de um “Partido Comunista de Espanha (reconstruído)”, acerca do qual nada se conhecia a nom ser a classificaçom terrífica de “stalinista extremista” dada pola imprensa. Que esta “guerrilha urbana” era inteiramente desajustada das condiçons e tarefas do movimento operário em Espanha parecia claro. Isso, contodo, nom bastava para umha condenaçom linear: no momento em que todas as forças políticas só pensavam em facilitar umha saída ao franquismo caquéctico, a revolta sem futuro dos GRAPO tinha polo menos o mérito de nom pôr em saldo a longa resistência popular à ditadura. Além do mais, a sua atitude de ruptura violenta com o franquismo sugeria umha dinámica de ruptura revolucionária com o capitalismo; a luita armada podia ser a afirmaçom juvenil irreflectida de um novo partido capaz de evoluir para a linha do comunismo. Foi pois com surpresa que recentemente tomámos conhecimento, através de dous livros que nos fôrom facultados por um seu militante (Historia del

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Guerrilha sem bandeira PCE(r) y de los GRAPO, de 1984, e Problemas de la construcción del comunismo, de 1986), da linha extremamente moderada e pró-soviética em que naufragou o PCE(r). Como se pode evoluir do maoísmo para o revisionismo, passando polos comandos de “guerrilha urbana”? Vale a pena procurar a lógica desta trajectória pouco vulgar porque isso pode fazer luz sobre a explosom e desintegraçom do movimento “marxista-leninista” dos anos 60/70 a que nós próprios pertencemos. E ajudará a evitar à corrente comunista, hoje em vias de radical reorganizaçom em todo o mundo, a repetiçom das armadilhas desse período. DE MAO A BREJNEV Surgido na esteira do maoísmo, o PCE(r) nom podia escapar à crise geral desta corrente depois de 1975. Mas o abalo tomou aqui as dimensons de um verdadeiro cataclismo ideológico. Quando se tornou evidente que o próprio Mao liquidava a sublevaçom popular que desencadeara contra a direita e que esta aparecia mais forte depois de cada campanha de “rectificaçom”, numha marcha imparável para o poder, os camaradas do PCE(r), em vez de reconhecerem como marxistas a derrota da revoluçom chinesa e lhe investigarem as causas, empenhárom-se em encontrar umha interpretaçom positiva para todos os desastres. Num plano inclinado de capitulaçons, aprovárom a repressom sobre os “esquerdistas” na revoluçom cultural; depois aceitárom como bom o sinistro romance de espionagem em torno da “camarilha Lin Piao”; a seguir desculpárom o regresso de Deng Xiao Ping ao poder como um descuido da direcçom do partido; mais tarde concluírom que havia apenas um “retrocesso momentáneo” da linha revolucionária na China... Por fim –e este foi o desastre final– decidírom-se a reabilitar o revisionismo soviético para nom terem de reconhecer o triunfo do revisionismo na China. É verdadeiramente confrangedora a argumentaçom do seu órgao Bandera Roja, transcrita no segundo dos livros referidos: A denúncia pola China do revisionismo de Kruchov nos anos 60 foi justa mas... há que reconhecer que “a força do socialismo e da luita dos povos impediu a aplicaçom do seu programa”. “Hoje, nengumha pessoa minimamente séria e honrada pode já duvidar de que, em questons internacionais, os dirigentes da URSS estám actuando de umha forma geral justa e conforme com os interesses da causa do socialismo e da liberdade dos povos de todo o mundo”. “Dá-se por estabelecido (!?) que a URSS é um país socialista e por esse motivo deixamos de fazer campanha contra os 88


Guerrilha sem bandeira

LIBERALIZAÇOM A TIRO NOM É O MESMO QUE REVOLUÇOM A cegueira do PCE(r) para entender o rumo contra-revolucionário da URSS e da China nom se explica só por umha fraca formaçom marxista89

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seus dirigentes”. “Toda a opiniom que negue a existência do socialismo nos nossos dias é reaccionária por excelência’ E ainda este argumento que di todo: “Nom podemos aceitar que se tenha produzido um retrocesso do socialismo ao capitalismo porque isso está contra a verdade histórica e contra os nossos próprios sentimentos e aspiraçons” (!?). Ou seja: recusamo-nos a tomar conhecimento da realidade porque ela é demasiado terrível para “os nossos sentimentos e aspiraçons”. Nom se podia encontrar expressom mais reveladora da derrota de toda umha geraçom que se lançou a “reconstruir o Partido” sem saber bem no que se metia. Em vez de superar o maoísmo pola esquerda, apoiados em todo o que dele aprendemos sobre a luita de classes no socialismo e a restauraçom burguesa na URSS, segue-se o caminho inverso: decreta-se que Mao nom fijo umha crítica ainda limitada e centrista ao revisionismo, que na China nom houvo nengumha contra-revoluçom, que os “desvios” de Kruchov fôrom corrigidos por Brejnev, os de Brejnev por Gorbatchov... e até se pode concluir que a insolente ascensom da burguesia sobre os escombros da ditadura do proletariado é afinal a plena realizaçom do poder dos sovietes! É fácil imaginar a crise em que se devem debater os militantes do PCE(r) (muitos deles hoje na cadeia) ao lerem nos jornais as mais recentes evoluçons desse “socialismo” da URSS e da China. Porque já nom há malabarismo ideológico que disfarce o absurdo de se fazerem proclamaçons contra a burguesia ao mesmo tempo que se alimenta a aura “socialista” em torno de umha outra burguesia perfeitamente semelhante. Hoje, a moderna via “soviética”, tal como a chinesa, a cubana ou a dos “socialismos do terceiro mundo”, todas desaguam inexoravelmente no capitalismo. Os que insistem em agarrar-se desesperadamente a esses modelos encontram-se nus e desarmados. É umha situaçom trágica mas que anuncia umha nova etapa do movimento. Por difícil que se apresente a luita actual dos comunistas, ela desenvolve-se num terreno incomparavelmente mais limpo de ficçons do que há 25 anos. Entramos numha época em que perante o movimento operário voltam a defrontar-se, dum lado, a social-democracia, burguesa, imperialista, defensora da colaboraçom de classes, e do outro lado, o partido comunista, a luita pola revoluçom e pola ditadura do proletariado.


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Guerrilha sem bandeira leninista ou polo desejo voluntarista de ter ainda um “campo socialista” em que acreditar; ela era um reflexo da sua cegueira para entender a luita de classes em que estava envolvido no seu próprio país. Na realidade, qual era o enquadramento político em que o PCE(r) desenvolvia a sua luita armada antifranquista nos anos 70? Embora admitindo que em Espanha já nom há lugar para “qualquer revoluçom de tipo burguês, superada polo desenvolvimento histórico”, o PCE(r) nom rompera de facto com essa perspectiva. Defendia que “a principal contradiçom social que existe em Espanha é a que opom o monopolismo e o fascismo à classe operária, aos pequenos camponeses, às naçons oprimidas, à intelectualidade progressista, etc.”; traçava como objectivo “a destruiçom do fascismo e a instauraçom de umha profunda democracia” que seria a etapa prévia necessária antes de se poder passar a umha luita da classe operária para si mesma; e condenava como “esquerdista e fazendo o jogo do fascismo” todo o apelo à revoluçom socialista. Ou seja: em teoria proclamamos que a revoluçom burguesa está superada, mas na prática descobrimos umha luita de todo o povo contra a oligarquia, que envolve e neutraliza até certo ponto o antagonismo proletariado / burguesia. Sem ousar dizê-lo, pensamos que a situaçom criada polo fascismo nom permite por agora ir além da luita pola democratizaçom do regime burguês; e como é preciso compensar de algumha forma a moderaçom desta análise e ilibar-nos de qualquer suspeita de oportunismo, tomamos para nós a bandeira da luita pola liberalizaçom, pegando em armas para estar bem à frente de todos os outros partidos. Nom há dúvida de que a luita armada, se demonstra um elevado grau de heroísmo e ódio ao poder burguês, nom é por si só garantia de lucidez revolucionária. Às vezes é o contrário: o guerrilheirismo obscurece os conflitos de classe que pretende atalhar a direito. E pode acontecer que o radicalismo dos métodos de luita apareça aos combatentes como umha espécie de talismám capaz de revolucionarizar objectivos políticos limitados. A convicçom do PCE(r) de que empunhando as armas teria assegurado um posto de vanguarda no pós-franquismo revelou-se falsa. A tentativa de estimular com o seu exemplo guerrilheiro os operários a ocupar as primeiras filas do derrubamento da ditadura fracassou, apesar do sacrifício de dezenas de militantes abnegados. Primeiro, porque à medida que a oligarquia se mostrava disposta a operar umha gradual transferência de poderes para os partidos democrático-burgueses, a luita armada aparecia à massa como umha loucura desestabilizadora. Segundo, porque mesmo a vanguarda dos trabalhadores nom podia dispor-se aos sacrifí90


Guerrilha sem bandeira

OS “COMUNISTAS COMBATENTES”: O SONHO DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA NA EUROPA A ideia de que a chave infalível da táctica comunista estava em chamar polas acçons exemplares o povo a tirar a desforra dos horrores do franquismo e da guerra civil (ideia que a certa altura também dominou o PCE (m-l) de Raul Marco), acabou por projectar o PCE(r) para fora da corrente internacional maoísta/albanesa, de que se pretendia um destacamento, e integrou-o de facto na onda dos grupos comunistas combatentes que na década de 70 emergírom em diversos países europeus. Eram grupos alimentados por umha geraçom estudantil cheia de entusiasmo revolucionário, com poucos ou nenguns laços com o passado do movimento comunista, muitas vezes de origem católica, galvanizada polo Maio de 68 e polo heroísmo do Vietname e das luitas de libertaçom, desejosa de reagir com umha afirmaçom de força aos crimes do imperialismo e ao naufrágio da revoluçom cultural chinesa. Eram a primeira reacçom espontánea, o inevitável eco anarcocomunista ao espraiar do reformismo. A sua adesom ao marxismo-leninismo, mais romántica do que racional, traduziu-se na teoria de que estavam maduras as condiçons para passar à luita armada no coraçom do imperialismo europeu e de que esse era o critério aferidor dos verdadeiros comunistas. Os degraus para chegar, em nome do marxismo-leninismo, a este delírio ultra-esquerdista som conhecidos. Primeiro, tira-se como balanço da luita ideológica dos anos 60, nom que ela foi estreita, tímida, incoerente, aba91

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cios tremendos da luita armada, nem sequer ver-lhe utilidade, se todos lhe diziam que o que estava em jogo ainda nom era a revoluçom contra a burguesia. O projecto guerrilheiro do PCE(r) ficou pois à margem do processo que ambicionava comandar e o partido destruiu-se nessa aventura. Julgavase possível fazer reviver à força de heroísmo a política da Frente Popular republicana e antifascista dos anos 30, sem ter em conta que, se ela já na sua época fracassara, menos aplicável ainda teria que ser nos dias de hoje, depois de quatro decénios de ditadura terem modificado por completo o quadro da luita de classes. Neste caso, como em Portugal e em tantos outros países, a necessidade de encabeçar a luita para o derrubamento do fascismo arrastou os comunistas para a armadilha da renovaçom da democracia burguesa, quando a tarefa que lhes estava posta era já parte integrante do processo da revoluçom proletária. O mais trágico é que neste caso o oportunismo aparecesse disfarçado sob as cores “revolucionárias” da luita armada.


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Guerrilha sem bandeira fada em compromissos, mas que fijo perder tempo em “estéreis debates ideológicos” (a expressom é do livro que comentamos) e que há que passar a confrontar o reformismo no fogo da luita. Depois, observa-se que a criaçom de um partido comunista é sem dúvida a tarefa central mas... que os vícios entranhados do reformismo e a falta de quadros combativos exigem que se comece polas acçons armadas, para “separar o trigo do joio”. É a guerra revolucionária como meio de construçom do partido, ideia bebida em Mao e que, se na China já tivo conseqüências destruidoras a longo prazo, transferida para a Europa torna-se numha caricatura infantil. O passo seguinte é constatar que as massas operárias europeias se encontram manietadas na rede de malha apertada do sindicalismo reformista, do aparelho de dissuasom policial-militar e das doses maciças de ópio ideológico – logo, a guerra revolucionária terá forçosamente que começar polo tratamento de choque das acçons dos pequenos grupos de combate. Lançando atentados e acçons propagandísticas espectaculares, os grupos “comunistas combatentes” estariam simplesmente a aplicar o leninismo às condiçons dos nossos dias: ao mostrar como o Estado burguês de aparência invencível é afinal vulnerável, ao incendiar a indignaçom recalcada das massas oprimidas desmascarando do mesmo passo a cobardia dos reformistas, criaria-se o ambiente social propício para a formaçom do partido e para o avanço da revoluçom. Que contestar a estes raciocínios? Lenine mostrou no Esquerdismo que nom é difícil chegar a qualquer aberraçom sem perder umha aparência de lógica marxista, se se confundem as relaçons entre vanguarda e massa, se se troca a educaçom política das massas polo efeito de estímulos galvanizantes. Mas se o forte dos “comunistas combatentes” nom é a coerência ideológica, o certo é que eles podem apresentar em apoio das suas teses o testemunho prático, real, das luitas de guerrilha que continuam a desafiar o imperialismo um pouco por todo o mundo, mantendo levantada a bandeira maoísta da guerra revolucionária prolongada. Nom pretendem naturalmente implantar na Europa o modelo das guerrilhas comunistas das Filipinas, Peru, Colômbia, Salvador, Guatemala. Sabem que seria absurdo pretender transportar para a Europa guerrilhas de base camponesa. Mas apontam o exemplo de um outro tipo de guerrilha: a guerrilha urbana do IRA, da ETA e da OLP, que se tem mostrado capaz de sobreviver a todos os golpes e de se tornar o foco de grandes movimentos de massas. Nom estaria aí a demonstraçom prática de que 92


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PODEM OS COMUNISTAS OCUPAR-SE COM PROPAGANDA E ORGANIZAÇOM QUANDO OS PATRIOTAS PEGAM EM ARMAS? A luita de guerrilha e os atentados da OLP (agora em capitulaçom reformista pola mao de Arafat), do IRA e da ETA som, por assim dizer, a forma de expressom natural dos movimentos de emancipaçom nacional na Europa, tal corno a guerrilha camponesa é a sua expressom na Ásia ou na América Latina. Para além dos erros políticos que lhe podam ser apontados (por vezes com conseqüências bem pesadas para a sua causa, amaldiçoada pola opiniom pública pequeno-burguesa como terrorista), esses movimentos de guerrilha tenhem umha base popular genuína, os guerrilheiros movem-se verdadeiramente “como o peixe na água”, o seu heroísmo alimenta-se na revolta de toda umha naçom contra as humilhaçons e sofrimentos impostos polo imperialismo. Mas isto deixa de ser verdade quando passamos de umha luita de libertaçom nacional, burguesa na sua essência, para umha luita de proporçons incomparavelmente mais vastas, como é a luita operária polo derrubamento da burguesia. E isto é o que parecem nom ter entendido os nossos “comunistas combatentes”. De facto, na Palestina, na Irlanda, em Euskadi, as condiçons sociais para a autonomia e a independência estám perfeitamente amadurecidas há muitas dezenas de anos. Só a repressom implacável dos Estados tutores impede a sua concretizaçom. A luita armada surge aí como umha necessidade indiscutível, como a forma mais elevada da luita pola emancipaçom nacional, e os comunistas dessas nacionalidades nom poderám deixar de tê-lo em conta. Mas na Alemanha, na França ou na Itália (como em Espanha ou Portugal), a luita social que se trava fai parte do processo da revoluçom socialista, e esta atravessa ainda umha fase de germinaçom, de acumulaçom de forças. A definiçom do proletariado como classe para si própria, com o seu próprio projecto de poder e de organizaçom social, vive ainda etapas atrasadas. E nom é polo facto de este proletariado ser o mais antigo do mundo, de haver aqui umha larga difusom do marxismo e umha já longa tradiçom de partidos comunistas e de luitas de tendências que isto deixa de ser verdade. 93

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os comunistas podem e devem enveredar polo mesmo caminho? A ideia merece ser discutida, porque também entre nós se tem manifestado na acçom de grupos como as FP-25 que, nom se considerando comunistas, pretendem contodo situar-se no terreno do marxismo.


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Guerrilha sem bandeira De outra forma, seria inexplicável o comportamento da classe operária europeia, dilacerada polo nacionalismo quando as suas burguesias se lançam já num processo de associaçom, paralisada no nível do regateio económico, cingida, na melhor das hipóteses, a força de apoio do democratismo pequeno-burguês. Quando se tem encontrado diante dumha crise imprevista, de um rasgom no aparelho de Estado, de um daqueles momentos raros e preciosos de confusom e pánico no campo da burguesia em que todo é possível – o proletariado europeu vacila perante o mundo que se lhe oferece, porque nom está preparado para a imensidade da tarefa. Veja-se a guerra de Espanha, o fim da segunda guerra mundial, a França em 68, Portugal em 75. Costuma dizer-se que isto é devido à acçom desagregadora e corruptora dos revisionistas e social-democratas ao serviço do imperialismo europeu, e nom é certamente umha calúnia. Mas porque é que as explosons periódicas de radicalismo operário nom conseguírom até agora aglutinar-se numha corrente política estável? Porque seguem as massas maioritariamente, mesmo durante as grandes crises, os reformistas e nom os revolucionários? Porque tem sido tam acanhada a perspectiva dos comunistas nesses momentos, tam desarticuladas as suas organizaçons, tam vincada a sua fuga às exigências do momento, que os leva a remoer velhos catecismos por nom saberem dar respostas revolucionárias às situaçons reais? É forçoso dizer que a massa proletária europeia nom se constituiu ainda no seu próprio partido de classe, nom se lança em conflitos políticos generalizados com o poder burguês, nom tenta derrubá-lo, porque a fase embrionária da sua luita nom gerou ainda sequer umha vanguarda consistente, capaz de esboçar um programa revolucionário. Será bom que os comunistas, em vez de se animarem mutuamente com a reafirmaçom da justeza da sua causa, concentrem esforços em superar este atraso. QUE FRUTOS EM 25 ANOS DE LUITA ANTI-REVISIONISTA? Criticamos o PCE(r) por se ter queimado numha tentativa de liberalizaçom a tiro do regime burguês em Espanha, nom compreendendo que a sua tarefa era luitar pola revoluçom socialista. Mas dizemos, por outro lado, que o processo da revoluçom socialista na Europa atravessa umha etapa ainda embrionária. Isto nom é contraditório? E nom corremos o risco de cair numha atitude de expectativa inerte perante a luita de classes, aguardando que amadureçam as condiçons para a revoluçom? A melhor resposta a esta dúvida está no balanço ao que o chamado movimento marxista-leninista europeu (para já nom falar nos outros conti94


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nentes) produziu nos últimos 25 anos, no terreno da teoria, da organizaçom, da propaganda e agitaçom– isto é, nada. Passadas as grandes esperanças iniciais da revoluçom cultural chinesa, a corrente M-L descobriu que nom tinha estratégia nem táctica mas apenas o desejo de se inspirar num passado que verdadeiramente nom conhecia e que lhe guardava as mais estranhas surpresas. Nom admira que acabasse por se desintegrar sem quase deixar rasto, e que o revisionismo, em vez de ser expulso do movimento operário, como fora anunciado, tenha conservado as suas trincheiras e nelas vaia apodrecendo e caindo aos bocados, arrastando a classe na sua agonia. Hoje, as várias correntes que ainda vegetam sob a bandeira do marxismo-leninismo – a stalinista / albanesa, a maoísta de esquerda, a maoísta de direita, a guevarista – som meras sobrevivências de um período encerrado porque som incapazes de reconhecer a falta de solidez ideológica do seu nascimento. O PCE(r) foi exemplar neste aspecto: achou que a via mais fácil para arrancar o movimento operário à influência revisionista era confrontar o podre reformismo de Santiago Carrillo com o renascimento das tradiçons combativas do PCE da Frente Popular e da guerra civil. Bastava divulgar a boa nova da “reconstruçom” do velho partido de José Diaz, de que “nom nos separa nengumha diferença essencial” e as massas acorreriam. Esta imagem da usurpaçom do partido polos traidores e da sua regeneraçom polos reconstrutores, que também vigorou entre nós com o PCP(R) e em muitos outros países, parecia a mais intuitiva para despertar a consciência dos militantes revisionistas, isolar os seus chefes, acelerar o reagrupamento em partidos renovados. Mas sofria de um erro de base: ignorava que os velhos partidos degenerárom, nom por um “golpe” mas ao longo de umha infiltraçom oportunista de dezenas de anos e que, portanto, “reconstruir” o velho partido era quase certamente reconstruir velhas práticas e concepçons reformistas, ainda que fossem douradas com novo “vigor bolchevique” ou mesmo com acçons guerrilheiras. A verdade é que pretendemos lançar-nos a umha luita decisiva sem sermos capazes de dar sequer um esboço de resposta marxista às questons: que revoluçom temos para fazer? de que partido precisamos? Se o chamado movimento marxista-leninista europeu tivesse emergido dumha luita genuína pola independência política do proletariado, pola sua hegemonia, no quadro da revoluçom socialista na Europa, todos teríamos compreendido que nom bastava proclamar veneraçom pola revoluçom russa e polo leninismo, e que era obrigatório um exame minucioso à his-


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Guerrilha sem bandeira tória da Uniom Soviética e da Internacional Comunista, ao período de Staline, à politica das Frentes Populares, ao lento e doloroso apodrecimento dos velhos partidos comunistas, à teoria maoísta da “democracia nova”, aos novos desenvolvimentos do imperialismo, etc., para começar por compreender as causas e a profundidade da degeneraçom. Isso, porém, estava excluído à partida porque os novos comunistas se propunham como tarefa central “reconstruir” o velho partido (anterior a 1956 – data do 20.° Congresso) e nom podiam pôr o seu modelo e a sua política em questom. Quer dizer: queriam tomar os destinos da revoluçom nas maos mas começavam por se amputar da crítica marxista ao passado! Esta era, como se sabe, umha imposiçom dos partidos chinês e albanês para o reconhecimento de qualquer novo grupo ou partido: alegavam que o revisionismo tinha começado no dia tantos do tal porque nom queriam ver posto em causa o seu próprio passado, nem discutidos os fundamentos do seu poder. Mas esta imposiçom vinha ao encontro da tendência espontánea dos grupos marxistas-leninistas para se encostarem ao prestígio de umha luita passada, porque nom acreditavam em si próprios. E nom acreditavam em si próprios por que nom acreditavam no proletariado que diziam representar nem na revoluçom socialista que se propunham chefiar. Tirar esta liçom hoje nom significa afastar-se da acçom política diária junto do proletariado para se dedicar a exploraçons teóricas puras que conduziriam à degeneraçom certa; mas significa sem dúvida subordinar todos os esforços a umha luita central: a busca da independência política e da hegemonia do proletariado no quadro da revoluçom socialista na Europa e da revoluçom mundial. Foi isso que faltou no passado. *Publicado no número 17 da revista Política Operária. Lisboa, Novembro-Dezembro de 1988.

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Trotski antes de 1917 Desenterrar a questom Trotski quando tanta cousa nova espera ser analisada no campo do marxismo pode parecer gosto por divagaçons arqueológicas. Achamos que nom é o caso. A derrocada estrepitosa, sob os nossos olhos, do chamado sistema socialista pom no centro da actualidade o debate sobre a contribuiçom do trotskismo à análise da degenerescência da revoluçom russa; para nós, originários dumha corrente que usava em muitos aspectos o ataque ao trotskismo como alibi para a falsificaçom do leninismo, mais obrigatório se toma reabrir a discussom do tema. Neste primeiro artigo de umha série, procuramos situar a trajectória de Trotski antes de 1917 e a génese da sua teoria da ‘revoluçom permanente’. “Se está fora de dúvida que Staline foi o coveiro da revoluçom russa, talvez seja necessário fazer justiça a Trotski, banido, caluniado, assassinado por Staline, precisamente porque representava os interesses essenciais da revoluçom, fossem quais fossem os seus erros”. A tendência para a reabilitaçom política de Trotski tem surgido por mais dumha vez nas fileiras comunistas ao longo dos últimos dez anos, 97


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Trotski antes de 1917 à medida que se ampliou a crítica ao stalinismo. Ela levou, quando da desintegraçom do KPD, partido marxista-leninista alemám, umha fracçom deste a aderir temporariamente ao trotskismo. Manifesta-se nalgumhas posiçons recentes do grupo comunista sueco NKF, através do seu boletim Rod Gryning. E é também expressa umha ou outra vez por leitores da nossa revista, como é o caso da carta que publicamos neste n° de PO, “Em defesa de Trotski”.

Com este artigo iniciamos umha avaliaçom sobre Trotski que nos tem sido proposta por vários leitores e que esperamos prosseguir em próximos números de PO. Como é norma desta revista, nom temos dogmas para vender mas apenas verdades provisórias que nos servem de degrau para alcançar outras mais sólidas.

O tema está aberto a debate, reservando-se a redacçom, como é natural, o direito de decidir do interesse e oportunidade da publicaçom dos eventuais contributos que nos cheguem. UM ESTRANHO ENTRE OS BOLCHEVIQUES No período da doença e morte de Lenine, quando se efectua a concentraçom maciça de poderes nas maos de Staline, Trotski parece sofrer dumha estranha irresoluçom que o leva a eclipsar-se ou a ter um papel apagado nos momentos críticos e, inclusive, a votar favoravelmente resoluçons da direcçom do partido que logo a seguir contesta. Perde assim, como tem sido assinalado, o período decisivo da passagem da liderança do partido e quando o tenta disputar a Staline é tarde demais.

Atribuir esta vacilaçom a umha quebra psicológica, a umha doença mal explicada ou às maquinaçons de Staline é umha forma de apagar a sua origem política: apesar do imenso prestígio popular que ganhara polo seu papel na insurreiçom e na guerra civil, Trotski dispunha dumha reduzida capacidade de intervençom nos assuntos partidários. E isto nom se devia certamente a falta de atributos para organizar e manobrar mas à sua situaçom marginal dentro do partido bolchevique. O episódio aparentemente folhetinesco das vacilaçons de Trotski em 1922-25 pode ser umha boa introduçom para compreendermos a sua trajectória posterior. Trotski vacilava porque era um estranho no partido, e era um estranho por que só se integrara na corrente bolchevique em Agosto de 1917, depois de a ter combatido incansa-

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Trotski antes de 1917 velmente durante os anos de preparaçom da revoluçom e de edificaçom do partido.

Nom há nisto qualquer ‘chicana’. Se Trotski se considerava ‘discípulo’ de Lenine e tinha já em 1904 umha perspectiva revolucionária “totalmente oposta à do menchevismo”; se, daí até 1917, os períodos de polémica acesa e de “fricçons” entre ambos alternárom com períodos de “solidariedade”; se o erro de Trotski foi apenas ter interpretado mal Lenine quanto à necessidade de um partido centralizado e ter-se iludido a certa altura com a esperança de unir todas as tendências num partido único do proletariado - isto dá-nos um retrato político de Trotski. Mas se a verdade é diferente e se Trotski agiu todo o tempo contra a construçom do partido que véu a dirigir a revoluçom e se tentou por todos os meios dissolvê-lo na corrente reformista, combatendo encarniçadamente Lenine - entom isto dá-nos umha outra imagem de Trotski.

Parece-nos que é perfeitamente possível e necessário estabelecer qual das versons corresponde à verdade. Nom aderimos ao procedimento, hoje tornado corrente, de abandonar todos os critérios de avaliaçom a pretexto de evitar o simplismo, o reducionismo ou o... stalinismo! E os factos podem ser escamoteados ou maquilhados sob montanhas de literatura mas nom se prestam a muitas interpretaçons: entre 1903 e 1917 Trotski luitou para impedir a definiçom da corrente bolchevique e, depois dela estar constituída em partido autónomo, luitou para a neutralizar.

15 ANOS DE ANTI-BOLCHEVISMO A indignaçom genuína e a coragem desafiadora com que Trotski fustiga, nas suas obras capitais, a campanha de falsificaçons a seu respeito montada por Staline, o humor cáustico com que denuncia a “margarina teórica” que servia de base à campanha anti-trotskista, a crítica certeira com que revela o centrismo dos seus acusadores, ganhárom-lhe a adesom de nom poucos militantes. Muitos descobrírom nos seus escritos um quadro 99

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Quando se toca nesta questom, os seguidores de Trotski costumam protestar contra a ‘chicana’ de se enumerarem ainda e sempre os erros deste antes de 1917 quando ele teria sido o primeiro a reconhecê-los e a corrigi-los, merecendo por isso o apreço de Lenine. É necessário, mesmo assim, avaliar a natureza desses ‘erros’, visto que Trotski tentou sistematicamente minimizá-los.


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palpitante da revoluçom russa, de que a escola oficial soviética só sabia dar umha imagem convencional, cinzenta, morta.

Isto fijo esquecer por mais dumha vez que, ao criticar o centrismo de Staline, Trotski atingia por ricochete o seu próprio centrismo passado; e, ao repelir as calúnias de que era vítima, deturpava freqüentemente os factos em sentido inverso. Foi o que aconteceu muito em particular no que se refere ao período anterior a 1917. Ele escreveu que, nessa época, “as minhas divergências com Lenine tinham um carácter secundário, a linha essencial era revolucionária e aproximava-me constantemente do bolchevismo“; a tentativa de desacreditar as suas ideias como ‘trotskismo’ só teria surgido depois do desaparecimento de Lenine 1; durante a primeira revoluçom tinha trabalhado “de maos dadas com os bolcheviques”; tinha defendido essa acçom comum contra “os renegados mencheviques“; “apesar de três tentativas episódicas, nunca consegui trabalhar com os mencheviques“; “tivem em certos momentos tendência para formar um agrupamento” (!!); os ataques que Lenine lhe dirigira teriam sido “episódicos” e baseados por vezes em informaçom deficiente; “Lenine e eu representávamos dous matizes da tendência revolucionária“2, etc., etc.

Será conveniente, portanto, recordar, para os que nom os conhecem, os principais tópicos da trajectória real de Trotski durante esses anos:

-em 1903, alinha com Martov contra Lenine, opondo-se à necessidade de definir claramente as fronteiras organizativas do partido, a sua disciplina e a sua centralizaçom democrática; torna-se durante algum tempo um menchevique activo;

-em 1904-1905, quando se trava o grande debate que vai opor bolcheviques a mencheviques - o proletariado deve aliar-se aos camponeses ou à burguesia liberal? - Trotski distancia-se de ambas as tendências contrapondo-lhe a sua própria teoria da ‘revoluçom permanente’, a que nos referimos adiante; -durante a revoluçom de 1905, Trotski tende a aproximar-se das posiçons dos bolcheviques, embora continue ligado aos mencheviques; o soviete de Petersburgo, que dirige em colaboraçom com outros mencheviques, mantém umha posiçom hesitante enquanto o soviete de Moscovo, dirigido polos bolcheviques, conduz a greve política e a insurreiçom armada;

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-em 1909, Trotski procura reconciliar as duas fracçons em luita no partido;

-em 1910, a situaçom muito difícil dos bolcheviques leva-os a colaborar no jornal ‘unificador’ de Trotski, na emigraçom. Lenine pom termo a esta colaboraçom acusando Trotski de se ter servido do papel de árbitro para favorecer os oportunistas; -em 1911/1912, Trotski passa a colaborar estreitamente com os liquidadores e ‘otzovistas’ contra os bolcheviques; quando estes se constituem finalmente como um partido independente, Trotski torna-se o animador de um bloco anti-bolchevique dominado pola ala mais oportunista do menchevismo (os ‘liquidadores’); -em 1913, Trotski separa-se do jornal dos mencheviques continuando a fazer guerra à implantaçom operária crescente dos bolcheviques;

-em 1914, Trotski funda umha revista na emigraçom, em que ataca sobretodo os bolcheviques; -em 1915/16, Trotski acompanha a formaçom da corrente internacionalista contra a guerra imperialista, mas tenta mais umha vez nom cortar as pontes com os kautskistas, sendo por isso criticado por Lenine. O mínimo que se pode dizer é que este percurso contraria a versom, mais tarde defendida por Trotski, de que nada de essencial o separava de Lenine e que os insultos trocados entre ambos se explicavam polo ardor da polémica...

Alega-se que o principal foi o acordo e estreita colaboraçom entre os dous durante e após a revoluçom de Outubro. Mas porquê tentar, ainda hoje, esbater que Lenine e Trotski estiveram durante 15 anos em campos opostos? Nom será decisivo conhecer as causas deste antagonismo para entender o que véu depois? TROTSKI AO ENCONTRO DE LENINE? Sentindo-se obrigado, durante os inícios da polémica com Staline, a apresentar-se como discípulo de Lenine e a admitir generosamente que este “na maior parte das vezes tivera razom”, Trotski clarificou mais

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-em 1906-1907, tentativa de unificaçom do partido após a derrota da revoluçom; Trotski forma um pequeno grupo centrista que oscila entre bolcheviques e mencheviques;


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tarde o seu pensamento real quanto ao período de preparaçom da revoluçom.

Teria havido na realidade duas perspectivas parcelares que tinham caminhado umha ao encontro da outra e que se tinham completado mutuamente em 1917: Trotski reconhecera que Lenine tinha razom quanto ao centralismo democrático e que fora conciliador por subestimar o oportunismo dos mencheviques; mas Lenine, pola sua parte, também reconhecera implicitamente, ao adoptar as Teses de Abril, que Trotski estava certo quanto à teoria da ‘revoluçom permanente’. Assim, se Trotski, nas palavras de Lenine, se tornara depois de 1917 o melhor dos bolcheviques, poderia deduzir-se que também Lenine, pola sua parte, se tornara a partir daí o melhor dos trotskistas... Há contodo nesta versom dos acontecimentos (posteriormente retomada e aperfeiçoada polos trotskistas) umha série de incongruências em que nom é demais insistir, se quigermos perceber algo da revoluçom russa e do próprio Trotski. A primeira di respeito ao menchevismo.

Se Trotski já em 1904 pressentia com mais clareza que Lenine, graças à sua teoria da ‘revoluçom permanente’, a necessidade de avançar para a ditadura do proletariado, como nom o levou isso a compreender a necessidade dum partido centralizado de combate como único meio de desenlear o proletariado da pequena burguesia, e, em vez disso, o levou a combater a diferenciaçom da corrente revolucionária e a construçom desse partido? Se a revoluçom de 1905 pujo a claro que o oportunismo dos mencheviques era incurável por que se alimentava nas vacilaçons da pequena burguesia receosa da revoluçom, como foi possível que em 1907 Trotski ainda “tivesse esperança numha evoluçom dos mencheviques para a esquerda” e em 1912 tentasse reunir em bloco contra os bolcheviques todos os agrupamentos oportunistas?

Pode acreditar-se que fosse por mero “erro de apreciaçom” que esse perspicaz líder político nom notasse, ao longo de 15 anos (!) que “na realidade, dum lado, se agrupavam revolucionários inflexíveis e, do outro, elementos que deslizavam cada vez mais para o oportunismo e a conciliaçom“ 4 , e tentasse construir o partido para a sua revoluçom operária, mais avançada que a dos bolche102


Trotski antes de 1917 viques, precisamente com a corrente mais moderada e oportunista do marxismo russo?

TROTSKI À FRENTE DE LENINE Trotski teria contodo indicado o caminho da ditadura do proletariado com a sua teoria da ‘revoluçom permanente’, quando Lenine ainda estaria preso à velha noçom das etapas que tinham que ser esgotadas antes de poder dar lugar a outras novas. Deixamos para um próximo artigo a questom de saber se as Teses de Abril e a táctica dos bolcheviques na revoluçom de Outubro fôrom umha aplicaçom das ideias de Trotski, como este afirmou mais tarde. O que acontece neste momento na Uniom Soviética dá grande actualidade ao assunto e nom parece favorecer de modo nengum Trotski.

Para já, interessa-nos averiguar se, em 1905, a teoria da ‘revoluçom permanente’ colocou Trotski a mostrar o caminho da ditadura do proletariado a Lenine ou apenas serviu de justificaçom para ele manter a sua postura vacilante em relaçom ao bolchevismo. Expondo anos mais tarde em que consistia a sua ideia, escreveu Trotski:

“A revoluçom, que começará como umha revoluçom burguesa quanto às suas primeira tarefas, depressa levará as classes hostis a afrontarem-se e nom poderá conseguir a vitória final se nom transferir o poder para a única classe capaz de se colocar à cabeça das massas oprimidas, o proletariado. umha vez no poder, este nom só nom quererá como nom poderá limitar-se à execuçom dum programa democrático burguês; só poderá levar a revoluçom a bom termo se a revoluçom russa se transformar numha revoluçom do proletariado europeu”5.

O mérito da teoria da revoluçom permanente estaria em que, muito tempo antes da ditadura do proletariado se tornar um facto consumado, ela permitira a Trotski chegar à conclusom de que a revoluçom

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Com estas perguntas nom pretendemos apoucar Trotski mas apenas chegar à conclusom que parece óbvia: entre 1903 e 1917, Trotski nom representou “um matiz na tendência revolucionária” nem se “aproximou constantemente do bolchevismo”; ele foi por vezes menchevique, por vezes um conciliador, mas em nengum momento um bolchevique ou um simpatizante do bolchevismo.


Trotski antes de 1917

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russa podia e devia designar como tarefa a conquista do poder pola classe operária.

Se tomarmos todo isto à letra, a polémica toma-se incompreensível. O que há aqui de novo? Acaso Lenine e os bolcheviques nom defendiam a ideia marxista da passagem ininterrupta da revoluçom burguesa à revoluçom socialista? A REVOLUÇOM PERMANENTE SEGUNDO LENINE Nom é necessário fazer longas citaçons, pois as posiçons de Lenine a este respeito em 1905 som bem conhecidas. Recordemos:

“umha vez realizada a revoluçom democrática, abordaremos desde logo, e precisamente na medida das nossas forças, das forças do proletariado consciente e organizado, a via da revoluçom socialista. Somos partidários da revoluçom ininterrupta. Nom nos deteremos a meio caminho”7.

“Quanto mais rápida e completa for a vitória da revoluçom democrática, mais depressa e mais profundamente se revelarám novos antagonismos, que serám causa dumha nova luita de classe no terreno do regime burguês plenamente democratizado. Quanto mais longe levarmos a revoluçom democrática, mais perto nos encontraremos de abordar as tarefas da revoluçom socialista“8. Etc., etc. Trotski, porém, nom se dava por satisfeito. Considerava que a fórmula de Lenine, prevendo a instauraçom revolucionária de umha “ditadura democrática do proletariado e do campesinato”, tinha o defeito de “deixar em suspenso” a questom chave - a qual destas duas classes pertenceria a ditadura real?9 Poderia haver o risco de se formar umha coligaçom em que “o proletariado ficasse refém dumha maioria pequeno-burguesa”.

Seria preferível falar em “ditadura do proletariado que se apoia no campesinato”.

Trotski estaria portanto em 1905 um pouco mais avançado que Lenine: este preocupava-se com a necessidade de ganhar a aliança dos camponeses a qualquer preço; Trotski via já mais além e procurava garantir a hegemonia do proletariado sobre os camponeses!

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“O proletariado deve levar até o fim a revoluçom democrática juntando a si a massa camponesa’ etc. 11 “Apoiamos o camponês em geral contra o proprietário; apoiamos em seguida (ou melhor, simultaneamente) o proletário contra o camponês em geral” 12. As citaçons poderiam multiplicar-se por dezenas, mas será mais elucidativo reler as Duas Tácticas.

O que estava em questom, sob as reservas de Trotski, nom era o esquecimento por Lenine da necessidade de preparar a passagem da etapa burguesa à etapa socialista da revoluçom, nem era a garantia insuficiente de hegemonia do proletariado. Era a resistência de Trotski à materializaçom da aliança com o campesinato. Ele próprio o admitiu mais tarde em diversas ocasions: “Eu acusava Lenine de exagerar o papel independente do campesinato; Lenine, pola sua parte, acusava-me de subestimar o pape! revolucionário do campesinato“13.

Em 1927, reconheceu que “o lado débil da teoria da revoluçom permanente consistia na determinaçom insuficientemente clara e concreta das etapas de evoluçom e especialmente do reagrupamento das classes quando da passagem da revoluçom burguesa à revoluçom socialista” (...) “a exposiçom de Lenine era muito mais correcta”14.

Em 1929, contodo, passando de novo à ofensiva, escreveu que “a ditadura democrática do proletariado e do campesinato nunca existiu”, “foi umha hipótese estratégica de Lenine que nunca se verificou”, “tinha um carácter algébrico porque se baseava na incógnita das relaçons políticas entre o proletariado e o campesinato” e por isso mesmo criou perigos de oportunismo na Rússia em Fevereiro de 1917 “e valeu-nos mais tarde umha catástrofe na China”.

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PERIGO CAMPONÊS OU PERIGO BURGUÊS? Mas a “fórmula de Lenine” nom deixava nada em suspenso nem tendia de forma algumha a dividir a direcçom da revoluçom entre operários e camponeses. Trotski nom tinha nengumha razom para o supor. Lenine entrara em guerra com o menchevismo precisamente para assegurar ao proletariado “a direcçom da revoluçom popular”. Na fórmula das Duas Tácticas (1905) que ficou célebre, Lenine definia assim a tarefa do proletariado:


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Trotski antes de 1917 GOVERNO OPERÁRIO Para lá das oscilaçons permanentes de Trotski a respeito das suas próprias posiçons, o que ficou claro com o passar do tempo foi que a sua palavra de ordem de 1905, de luita por um “governo operário”17, em substituiçom do “governo provisório republicano” que defendia Lenine, nas condiçons da Rússia de 1905, obstruía simplesmente qualquer hipótese de ganhar os camponeses para o lado dos operários, e por esse mesmo facto, impedia a vitória do proletariado e aumentava as possibilidades da revoluçom ser canalizada para a alternativa liberal.

Como fora Trotski levado a esta invençom, que baptizava como umha nova teoria, ele nom podia aceitar a perspectiva menchevique que entregava a direcçom da revoluçom à burguesia liberal. Mas também lhe repugnava a via dos bolcheviques, que apostavam a fundo na aliança dos operários com a sublevaçom camponesa e apareciam ao marxismo europeu da época como arautos dumha espécie de jacobinismo, algo de retardatário, impróprio da etapa da revoluçom socialista. Daí que encontrasse umha forma subtil de negar o papel revolucionário dos camponeses - o que equivalia a negar a própria revoluçom, tal como ela se apresentava na Rússia mas invocando razons avançadas, que superavam simultaneamente mencheviques e bolcheviques...

O que havia, porém, para além do debate fictício criado por Trotski, era o debate real, colocado pola marcha da revoluçom, e que deixava à classe operária duas hipóteses, e só duas: marchar atrás da burguesia liberal para conseguir algumas reformas democráticas, ou lançar-se à insurreiçom, apoiada nos camponeses. A teoria original de Trotski nom tinha lugar na vida. E, umha vez despida da fraseologia obscura que a adornava, exprimia o seu alinhamento evasivo nos embates de classe que estavam a ter lugar - através dumha variante de aparência ultra-esquerdista, Trotski procurava evadir-se da escolha forçosa que a marcha da revoluçom colocava: a caminho da insurreiçom apoiado na revolta camponesa, ou a caminho das conquistas democráticas e socialistas, na esteira dos liberais? E, quigesse-o ele ou nom, a sua reserva quanto ao papel dos camponeses na revoluçom, parecendo afastá-lo pola esquerda, dos bolcheviques, aproximava-o de facto dos mencheviques, tornava-o umha reserva do menchevismo. Como se viu nos anos imediatos.

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Perguntemos: se a tentativa de Trotski para reunir num bloco único todas as tendências anti-bolcheviques em Agosto de 1912 tivesse tido êxito; se, em conseqüência disso, os bolcheviques tivessem fracassado na implantaçom na classe operária e tivessem chegado a 1917 reduzidos a um grupo sem expressom política - qual poderia ter sido o destino da revoluçom russa e o papel de Trotski nela?

Assim, a questom que se tem que pôr é: Trotski conseguiu formular a teoria da ‘revoluçom permanente’ apesar das suas incompreensons acerca do menchevismo, ou como resultado dessas incompreensons, a fim de dar um suporte teórico à sua órbita ziguezagueante nas fronteiras entre bolchevismo e menchevismo?

Debatendo-se com a escolha difícil que se abria aos militantes russos dessa época, Trotski encontrou no mecanismo engenhoso da ‘revoluçom permanente’, o suporte teórico para justificar a sua incapacidade de se vincular organizativamente a uns ou a outros. O drama político de Trotski neste período da sua actividade foi o do militante situado no campo de atracçom de duas poderosas correntes de classe divergentes e que tentou dar coerência à sua oscilaçom permanente. TROTSKI, O SEM-PARTIDO Vendo-se a si próprio como o teórico a quem faltava o terreno de experimentaçom dum partido, Trotski nom podia ir além dumha lógica primitiva em matéria de organizaçom (que na realidade sempre o caracterizou): era necessário que bolcheviques e mencheviques, cada um deles com as suas limitaçons, se dispugessem a colaborar. A tarefa de Trotski era convencêlos a juntar-se. Adoptou assim o papel ingrato de “casamenteira”, como dizia Lenine com sarcasmo, e nesse papel consumiu grande parte dos seus esforços até 1917.

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QUANDO A TEORIA CEGA A teoria da ‘revoluçom permanente’ nom só nom deu clarividência marxista a Trotski durante o período 1903-1917, como polo contrário o impediu de identificar os bolcheviques como a força condutora da revoluçom e os mencheviques como o seu travom. Para muitos esta é umha questom secundária, relativa à “normal luita de fracçons no movimento operário”. Para nós é principal, por que determinou o seu lugar real na luita de classes.


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Trotski antes de 1917 Isto era ignorar o abc do marxismo. O partido da revoluçom jamais poderia ser constituído pola adiçom da tendência revolucionária com a reformista, mas pola demarcaçom e pola luita entre ambas. Juntá-las, se tal tivesse sido possível, significaria afogar a tendência revolucionária no reformismo, matar a revoluçom. Procurando a via mais fácil da unificaçom, Trotski revelava sofrer afinal da doença que ele próprio caracterizou limpidamente referindo-se a outros: “O oportunismo procura invariavelmente apoiar-se sobre umha força já constituída“18.

Neste insensato projecto de uniom de “todas as tendências marxistas”, Trotski encontrou, como era natural, muito maior receptividade do lado dos mencheviques do que dos bolcheviques. E concluiu daí, em nova ruptura com a realidade, que os mencheviques, embora oportunistas, eram colaboradores possíveis, ao passo que os bolcheviques, “sectários” e “cisionistas” empedernidos, eram o maior obstáculo à unificaçom. Assim, pola lógica da sua ideologia e do seu percurso, Trotski chegou à revoluçom de Fevereiro sem ter resolvido a questom-chave - qual era o seu partido? A sua adesom ao Partido Bolchevique logo depois e o seu papel fulgurante na insurreiçom de Outubro parecêrom encerrar um longo período de vacilaçom. Mas em breve ele iria retomar a sua trajectória.

*Publicado no número 22 da revista Política Operária. Lisboa, Novembro-Dezembro de 1989. (1) L. Trotsky, A Revoluçom Desfigurada, Lisboa, Antídoto, pp. 77 e 85. (2) Trotsky, La Révolution Permanente, Paris, Gallimard, 1963. pp. 84-86, 93, 108. (3) Ibid., p. 78. (4) Trotsky, Balanço e Perspectivas, Lisboa, Delfos, 1973, p. 14. (5) Ibid., p. 12. (6) Ibid., p. 15. (7) V.I. Lenine, Oeuvres, Moscovo, 9:244 (Setembro 1905). (8) Ibid., 9:318 (Setembro 1905). (9) Trotsky, Balanço e Perspectivas. (10) Trotsky, La Révolution Permanente, p. 123. (11) Lenine, Duas Tácticas, Pequim, 1970, ed. francês, p. 112. (12) Lenine, Oeuvres, 9:244 (Setembro 1905). (13) Trotsky, La Révolution Permanente. pp. 107, 125. (14) Trotsky, A Revoluçom Desfigurada, p. 86. (15) Trotsky, La Révolution Permanente, p. 35. (16) Ibid., p. 112. (17) Trotsky, Balanço e Perspectivas, p. 91. (18) Trotsky, A Revoluçom Desfigurada. p. 178.

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“Cunhal está perdido” – previa há 25 anos Revoluçom Popular “A corrente revisionista está perdida porque trocou o caminho da conduçom da luita revolucionária de classe do proletariado polo caminho da conciliaçom de classes e do abandono da revoluçom”. Esta previsom feita no n.° 1 de Revolução Popular, em Outubro de 19641 deve ter sido considerada polos poucos que na altura dela tomárom conhecimento como umha irreverência esquerdista gratuita. Mas acertava no alvo. Como se está a ver.

Cunhal era o líder incontestado do PCP, única força que conduzia a resistência à ditadura fascista; era geralmente considerado como o mais eminente representante do marxismo-leninismo no nosso país; e sobretodo apoiava-se num colosso como era a Uniom Soviética, cujo estatuto de cabeça do “campo socialista” parecia firme como umha rocha.

Contodo, passados 25 anos, a espectacular autoliquidaçom do bloco “socialista” e da corrente revisionista internacional véu comprovar que os marxistas-leninistas farejavam a doença mortal que minava o poderoso PCP e que nom deixou de se agravar mesmo durante as aparentes horas de triunfo de 1975.

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“Cunhal está perdido” CORRENTE SEM FUTURO Porquê profetizar que Cunhal estava perdido? Ninguém se lembraria de dizer, mesmo nos piores anos da ditadura, que Mário Soares, por exemplo, “estava perdido”: ele estava obviamente fazendo o seu currículo de oposicionista para ascender a um lugar cimeiro no futuro Estado democrático-burguês. Mas isso era precisamente o que nom podia acontecer com Cunhal. Ele estava perdido porque o seu “comunismo” reformista, patriótico e vinculado à Uniom Soviética, pretendendo situar-se a meio caminho entre a revoluçom e a social-democracia, o tornava imprestável como dirigente operário mas também como dirigente burguês. O único futuro político à sua frente era de bombeiro das luitas operárias em períodos de crise.

Era evidente, para quem raciocinasse coma marxista, que nom podia haver futuro para umha corrente política que buscava criar um híbrido de socialismo e de capitalismo, de marxismo e de liberalismo, de Lenine e de Kruchov, de proletariado e de pequena burguesia. O PCP poderia navegar um tempo à custa da velocidade adquirida como campeom da resistência antifascista mas, a prazo, seria forçado a defrontar o dilema: quem abandona a revoluçom proletária, tem que acabar por se encaixar no universo burguês se nom quiger extinguir-se. E aí, Álvaro Cunhal iria encontrar o lugar ocupado pola social-democracia.

É esse o drama hoje vivido pola PCP e de cuja natureza os seus actores, obviamente, nom tenhem consciência: o PCP rompeu com o espirito de revolta das massas oprimidas mas nom conseguiu ser aceite como força de governo. Ficou numha terra de ninguém e por isso extingue-se. Só nom se extinguiu mais cedo porque se amparava na fortaleza de papelom do seu “campo socialista”.

No momento em que se fecha o ciclo de existência desta fraude monumental que é o “comunismo” reformista de Cunhal, é oportuno recordar o que dizia Revolução Popular há 25 anos. Sobretodo porque nom se limitou a traduzir as teses chinesas, como na época faziam tantas publicaçons “M-L”, mas abordou a discussom da luita de classes em Portugal, criando assim a base para umha nova corrente de ideias marxistas entre nós.

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“Cunhal está perdido”

Este tivo sem dúvida a percepçom do que era posto em jogo com as críticas de Revoluçom Popular. Por isso mesmo, no panfleto com que, alguns anos mais tarde, reagiu às criticas generalizadas que lhe eram feitas no campo da oposiçom (Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, 1970), cuidou em rebater exaustivamente todos os argumentos dos seus críticos, mesmo os mais fúteis e inconsistentes, todos excepto precisamente os argumentos de Revoluçom Popular. Fugindo à luita de ideias no terreno do marxismo, comportou-se exactamente como teria que se comportar um reformista; confirmou por inteiro o nosso diagnóstico.

Mas nom se pode atribuir só ao abafamento da luita ideológica polo PCP o facto de as críticas de 1965 nom terem dado frutos políticos. Hoje vêse com nitidez que se o comunismo revolucionário nom se afirmou entre nós como umha alternativa política real ao PCP, isso deveu-se em larga medida à falta de continuidade nesse esforço de ruptura ideológica iniciado por Revolução Popular. Os diversos grupos M-L que se guerreárom entre 1968 e 1975 estavam mais preocupados em afirmar-se como a “verdadeira vanguarda” e em obter o reconhecimento da China ou da Albánia do que em prosseguir na edificaçom dos alicerces dumha corrente marxista de pensamento.

Ao vigor polémico e à independência critica que tinham feito a força de Revoluçom Popular sucedeu a menoridade perante os “partidos-guias” e o rebaixamento da ideologia à mastigaçom de slogans. O PC(R) nasceu asfixiado numha série de tabus, disfarçados de bolchevismo, mas que

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LIMITES DA CRÍTICA Naturalmente, nom há razom para exagerarmos o papel que tivo Revoluçom Popular no que toca à redescoberta do marxismo no nosso país; enredou-se no guerrilheirismo, nom soubo pôr em causa o stalinismo, nom se atreveu a trabalhar directamente pola formaçom dum novo partido operário comunista, e com isso ditou o fracasso dessa primeira experiência. Isto nom anula, todavia, o significado histórico da sua ruptura com o reformismo tradicional do PCP. Pola primeira vez em muitos anos, a insatisfaçom e a desconfiança com que o instinto revolucionário do PCP reagia à mistela democrático-republicana da “Unidade nacional antifascista”, tomou corpo numha critica coerente, nom anarquista mas marxista. E Cunhal foi classificado sem cerimónia como “um dos mais destacados reformistas portugueses de todos os tempos” que “submeteu os trabalhadores à burguesia a pretexto da unidade anti-fascista” [64-66].


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“Cunhal está perdido” cobriam umha atitude geral de compromisso de classe; mais nom podia do que arrastar umha dolorosa agonia como um aborto, um híbrido entre marxismo-leninismo e revisionismo.

Esta degenerescência nom resultou apenas da influência externa, chinesa e albanesa. Hoje tem que concluir-se que, se Revolução Popular deu o impulso de partida para umha nova corrente comunista em Portugal ao pôr a nu os aleijons teóricos do cunhalismo, esse impulso nom foi suficientemente global e coerente para dar vida a umha nova corrente de ideias e a um novo partido comunista. Essa é umha tarefa que poderemos preencher (e que estamos a tentar preencher) apoiando-nos no que apesar de todo foi inovador e marxista em RP. LEVANTAMENTO NACIONAL Nunca ninguém pugera em causa o carácter revolucionário do “Levantamento Nacional”, propugnado por Cunhal desde 1944 como forma de derrubamento do fascismo. Polo contrário, essa palavra de ordem era considerada altamente subversiva pola maior parte dos democratas. R.P. véu abalar definitivamente este mito ao denunciar o apreço de Cunhal pola “Unidade de todos os portugueses honrados” e polos “oficiais patriotas” e a sua aversom por todas as manifestaçons de violência popular antifascista: o líder do PCP visava, dixemos entom, “um golpe militar da burguesia apoiado polas massas” [9]. A única via para garantir que a queda do fascismo seria o prólogo da revoluçom estava em formar umha “organizaçom combatente” e “proceder ao armamento dos trabalhadores no decurso da insurreiçom antifascista” para “instaurar um poder popular” [8]. A forma como se materializou o derrube do fascismo e os carris em que meteu a crise revolucionária subseqüente confirmárom inteiramente o alerta feito por Revolução Popular. O 25 de Abril e a Aliança Povo-MFA fôrom a traduçom fiel na vida real da perspectiva cunhalista do “Levantamento Nacional” – a saída menos arriscada para o domínio de classe da burguesia, tendo em conta os factores de ruptura acumulados. Durante alguns meses, Cunhal sentiu-se como o pai espiritual da nova democracia portuguesa. Só nom contara com o 25 de Novembro...

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“A Revolução Democrática e Nacional”, escreveu RP., “é a teoria e a prática da passagem de Portugal dum regime capitalista antiquado a um capitalismo moderno” [84], aponta para a efectiva entrega da hegemonia à burguesia e para umha “recomposiçom liberal do Estado burguês” [8]. O desenrolar posterior dos acontecimentos confirmou inteiramente este diagnóstico.

É certo que R. P. se mostrou incapaz de contrapor à fraude da R.D.N. a perspectiva da revoluçom socialista. Mantivo-se agarrada ao mito da revoluçom “democrático-popular”, que fazia parte da herança do stalinismo, considerada nessa época intocável. Mas essa limitaçom nom a impediu de tocar no cerne da questom: umha verdadeira revoluçom em Portugal dependia da capacidade do proletariado para “demarcar os seus interesses em relaçom aos de todas as outras classes e adoptar umha posiçom irreconciliável para com a burguesia” [66]. E isto era umha ruptura total com o PCP.

BURGUESIA REVOLUCIONÁRIA? Ao mostrar que toda a perspectiva “revolucionária” de Cunhal contra o fascismo assentava na esperança de captar as boas graças da burguesia oposicionista e ao alertar que isso estava a conduzir à impotência da classe operária nos acontecimentos que estavam para vir, Revolução Popular atacou um preconceito enraizado, característico da menoridade do movimento operário português. Avisou que “em vez de caminhar no sentido de se tornar cada vez mais umha força arruinada, aguerrida e revolucionária, como pretende Cunhal, a burguesia nom-monopolista, e sobretodo

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DEMOCRACIA NACIONAL Quando RP. começou a publicar-se, a direcçom do PCP acabara de meter umha lança em África, expondo finalmente aquilo que até aí fora incapaz de precisar: a sua perspectiva quanto ao carácter da revoluçom em Portugal. A “Revoluçom Democrática e Nacional”, hoje completamente desacreditada, apresentava-se com pretensons de “aplicaçom criadora do leninismo à realidade nacional”. Revoluçom Popular mostrou que, sob a imponente fraseologia “marxista” amontoada por Cunhal, havia apenas umha etiqueta pedida de empréstimo aos revisionistas soviéticos para dar um ar nobre ao velho esquema cunhaliano de marchar a reboque da burguesia democrática. O oportunismo e a indigência política do PCP apenas eram disfarçados com esta elaboraçom teórica; o seu reformismo nom recuava, polo contrário tornava-se mais venenoso.


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“Cunhal está perdido” a média burguesia e a parte mais abastada da pequena burguesia, tende a tornar-se cada vez mais instável, e a cair freqüentemente sob a direcçom deste ou daquele grupo monopolista ou imperialista” e que só na cabeça de Cunhal havia esse abismo a separar a “boa” burguesia democrática da “má” burguesia fascista [71-73]. Insistiu em que “as condiçons de Portugal fam da burguesia liberal e radical umha força intermédia, arrastada nom na via revolucionária mas na via de um reajustamento da ordem burguesa existente, na negociaçom dum compromisso com a grande burguesia e o imperialismo” [8]. A polémica parecia na altura puramente teórica mas os acontecimentos que se sucedêrom ao 25 de Abril demonstrárom a sua importáncia política prática. Verificou-se nom só instabilidade como verdadeiro horror à revoluçom por parte de toda a burguesia. Pode dizer-se sem exagero que, ao apostar no revolucionarismo da burguesia democrática, Álvaro Cunhal lhe entregou o movimento operário amarrado de pés e maos e determinou o aborto da “revoluçom dos cravos”.

O ALIADO DESPREZADO Nesse tempo, a palavra de ordem de Cunhal para umha Reforma Agrária “que dê a terra a quem a trabalha” era considerada nos meios de esquerda como o extremo da audácia. Mas Revolução Popular nom tivo dúvida em afirmar que a reforma agrária, “no quadro de umha aliança com a burguesia e nom no quadro dumha estreita aliança revolucionária entre as massas oprimidas da cidade e do campo”, nunca passaria dumha ilusom. Era preciso que a reforma agrária resultasse da “destruiçom violenta da ordem capitalista e semifeudal existente nos nossos campos”, fosse a “consagraçom jurídica da revolta triunfante dos camponeses” [18]. A crítica era plenamente justificada. Ao limitar os conflitos no campo à oposiçom contra os latifundiários e as autoridades fascistas, ao impedir toda a manifestaçom de antagonismo dos pobres contra a burguesia rural “para nom prejudicar a unidade antifascista”, Cunhal sacrificava qualquer hipótese dum movimento revolucionário camponês, roubando ao proletariado toda a esperança de contar com aliados seguros. Atribuir aos caciques republicanos de província a categoria de “representantes do campesinato” [17] e fazer do jornal clandestino A Terra “umha tribuna à disposiçom da burguesia camponesa” [48], denunciou RP., era renegar por completo o leninismo. Dez anos depois de esta critica ter sido feita, o PCP viveu as suas breves horas de triunfo com a Reforma Agrária realizada sob a tutela do MFA. Mas o desmoronamento desta espécie de revoluçom ordeira nom podia

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E em seguida foi a vez da fortaleza inexpugnável da Reforma Agrária do Sul ser metodicamente desmantelada pola burguesia, entre apelos de Cunhal para os trabalhadores recuarem “sem perder a confiança no futuro”, porque “bastará um dia para voltar a reocupar as terras”... A TARA COLONIAL Para o espirito colonialista boçal que dominava nom apenas os apoiantes do regime fascista mas praticamente toda a sociedade portuguesa, a reivindicaçom polo PCP do “direito de autodeterminaçom e independência para os povos das colónias” soava como impecavelmente leninista. Mas, aqui ainda, RP. olhou para além das aparências e dixo algumhas verdades chocantes: “A ditadura de Salazar nom é a causa mas o efeito do colonialismo”, “ocultar o passado do colonialismo português é ocultar a sua própria natureza e incapacitarmo-nos para um combate decisivo contra ele”, “todas as camadas da burguesia tenhem interesses colonialistas e som portanto inimigas do movimento de libertaçom dos povos oprimidos”, “há chauvinismo entre o povo e nada é mais reaccionário do que pretender ocultá-lo (...). Seria caso para nos maravilharmos com o milagre de um dos povos com maior tradiçom imperialista na história estar imunizado contra o chauvinismo” [141-146]. Mas a crítica nom ficou por aqui. R. P. provou que o PCP só via o colonialismo dos fascistas porque também estava infectado polos reflexos do chauvinismo reinante no país e na oposiçom democrática; mostrou que a direcçom do PCP minimizava em 1964 as insurreiçons e as guerras de libertaçom nas colónias, por receio de que estas atrasassem a construçom da sua frente unida com a burguesia; e mais, tentava exercer um inadmissível direito de tutela sobre os movimentos de libertaçom coloniais para os pôr ao serviço da URSS na manobra da cooperaçom sovieto-americana. Ao saudar as insurreiçons coloniais como “umha iniciativa revolucionária que representa a maior viragem nas perspectivas de luita do proletariado português depois da revoluçom socialista de Outubro de 1917” [149], pode dizer-se que RP. colocou pola primeira vez a luita contra as guerras coloniais numha base internacionalista, leninista.

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tardar. Em breve, as massas camponesas do Norte, do Centro e das Ilhas, mobilizadas como reservas activas da direita, dérom base social ao golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro, o que nom era de modo nengum fatal mas fruto da escolha deliberada feita polo partido nos anos da resistência antifascista.


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PARA ALÉM DE CUNHAL

Em conclusom: parece-nos indiscutível que no desértico panorama do marxismo português dos anos 60, as críticas de Revolução Popular tivérom o mérito de romper com o mito do “leninismo” do PCP e de Álvaro Cunhal e de iniciar a abertura de um espaço ideológico à esquerda do PCP, o que até aí nunca acontecera.

Isso permite que, na hora da agonia do revisionismo cunhalista, a crítica de Revoluçom Popular conserve intacto o seu potencial de vir a fecundar umha corrente operária revolucionária. E isto porque foi guiada por aquilo que sempre faltou ao moderado reformismo cunhalista – o ódio de classe à burguesia, à exploraçom capitalista, à opressom, a aspiraçom à revoluçom proletária e à ditadura do proletariado, sem a qual o socialismo nom passa dum logro, como temos vindo a dizer e os factos demonstram de forma definitiva. *Publicado no número 24 da revista Política Operária. Lisboa, Março-Abril de 1990.

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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo Nos últimos decénios, pontos de vista anarquistas e anarquizantes contra o Estado revolucionário, a ditadura do proletariado e o partido comunista passárom a ser aceites por muitos que anteriormente seguiam a cartilha leninista. Agora, com a derrocada do que ainda restava do mal cheiroso “socialismo real”, a crença nos méritos da autonomia, a desconfiança da política e dos políticos conhece nova expansom em meios de esquerda. “Afinal, quando os anarquistas previam a degenerescência do poder bolchevique eram eles que acertavam e era Lenine que se enganava” É certo que o anarquismo como corrente nom beneficia com estes reforços, devido à sua agónica letargia e pulverizaçom. Mas o comunismo perde sem dúvida, como sempre que há um recuo na consciência operária. Importa, pois, voltar a debater a questom: a revoluçom russa teria tido melhor destino se o anarquismo e nom o leninismo a tivesse orientado? Os libertários representavam umha linha mais avançada, à esquerda dos bolcheviques? É verdade que “O poder revolucionário destruiu a revoluçom”?

Dirám alguns que nom temos grandes credenciais para debater a maté-

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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo ria. Ainda nós saudávamos a URSS como a “pátria do socialismo” e já havia muitos anos que os anarquistas a denunciavam como um capitalismo de Estado anti-operário. O nosso “marxismo-leninismo” de cepa stalinista nom se incomodava com a inexistência de autogestom operária, com os sovietes reduzidos a um megafone do partido único, com a separaçom entre executantes e dirigentes, os privilégios dos aparatchiks, a supressom das liberdades em nome de umha asfixiante “verdade” oficial – todo perversons apontadas polos libertários. Em todo isso víamos, quando muito, erros ou insuficiências cuja rectificaçom estaria garantida pola própria natureza socialista do regime.

Só a partir dos anos 60 começamos a perceber que o Estado “socialista” podia encobrir relaçons capitalistas e o poder do partido “comunista” podia ser um poder burguês. Desde aí, vinhemos às apalpadelas, ao longo dos últimos trinta anos, descobrindo que os alertas libertários contra o Estado tocavam em questons vitais da revoluçom. Nom era assim tam fácil como julgávamos começar por centralizar o poder para esmagar a burguesia e em seguida passar à autogestom socialista – porque, entretanto, a revoluçom estava morta.

Mesmo assim, depois de reconhecermos que o fracasso da revoluçom russa véu quase da origem, nom nos encontramos mais próximos do anarquismo. A sua pretensa alternativa para o poder soviético –a aboliçom imediata do Estado e a passagem à associaçom das comunas livres– nom resiste a qualquer análise dos acontecimentos. Devido ao primarismo das suas concepçons sobre a luita de classes, fôrom perspicazes na denúncia de certos sintomas da doença, mas deduzírom deles os mais fantásticos diagnósticos e tratamentos. De costas para a realidade, atribuírom à ditadura do proletariado um fracasso que, polo contrário, resultou da insuficiência dessa ditadura, da estreiteza da sua base social, da imaturidade das condiçons económicas para o seu exercício.

Continuamos por isso a tentar compreender o fracasso russo à luz do leninismo, na convicçom de que a teoria marxista sairá enriquecida da análise desta derrota. Quanto aos libertários, se ainda conservassem hoje algumha lucidez perguntariam-se porque é que se fôrom distanciando do centro da luita de classes à medida que progredírom no seu combate ao leninismo.

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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo

Antes da revoluçom exigiam “todo o poder aos sovietes”, apenas porque viam neles um trampolim para se apropriar do poder de Estado. Conseguido o objectivo, criárom, logo nas primeiras semanas, umha teia de organismos centrais, como o Gosplan, o Conselho Superior da Economia Nacional, a Comissom Especial de Defesa, a Inspecçom Operária e Camponesa, etc., que se tornárom outras tantas fortalezas burocráticas, acima do controlo do Soviete Supremo, o órgao de onde teoricamente emanava o poder revolucionário. O mesmo quanto ao apoio dos bolcheviques aos comités de fábrica e ao controlo operário; entre Fevereiro e Outubro apoiárom-nos em força, apenas como táctica para desorganizar o poder existente. Mas logo após Outubro começárom a integrar os comités de fábrica nos sindicatos, a pretexto de combater a atomizaçom do controlo operário, e a subordinar estes ao Conselho Superior da Economia Nacional, contra a vontade de muitas fábricas. O governo de Lenine resistiu às exigências operárias de passar à expropriaçom imediata de toda a indústria, só a encetando quando a isso foi obrigado polo começo da guerra civil. Seria por isso “ridículo afirmar que os bolcheviques em 17 eram pola autogestom operária” (Brinton). O mesmo quanto ao exército. Lenine tinha proclamado nas jornadas revolucionárias que “a nossa tarefa, que nom devemos perder de vista nem por um momento, é armar todo o povo e suprimir o exército permanente”. Contodo, passado pouco tempo, em nome da eficácia militar, o Exército Vermelho era organizado segundo umha rígida hierarquia autoritária.

Em resumo, o partido bolchevique teria recuperado todo o que antes atacava: apoiava a autonomia, passou a exigir a centralizaçom; apoiava as greves, passou a exigir a disciplina e produtividade do trabalho; amoti-

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ACTA DE ACUSAÇOM Pedra angular da crítica libertária é a acusaçom de que as forças criadoras da revoluçom russa, manifestadas na enorme diversidade de conselhos, comités, comunas, milícias, etc., fôrom destruídas pola fúria “autoritária”, “centralizadora” e “estatizante” do partido bolchevique. “Auto-designando-se como a vanguarda do proletariado, os bolcheviques olhavam com suspeiçom todo o que lhes fugisse ao controlo e nom descansárom enquanto nom figérom dos órgaos de base instrumentos do seu poder”.


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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo nava as massas contra a burguesia, passou a defender o capitalismo de Estado e a contratar com bons vencimentos técnicos e administradores burgueses; protestava contra a “defesa da pátria”, passou a proclamá-la “dever sagrado”; etc. Justificar esta “usurpaçom do poder operário em proveito do Estado” com as condiçons extraordinárias criadas pola guerra civil e pola intervençom estrangeira seria umha má desculpa dos marxistas, visto que ela começou logo após a tomada do poder.

A ditadura do proletariado teria-se revelado como um aparelho de coerçom estatal ainda mais rígido do que o anterior, como profetizara Bakunine: “À sombra da ditadura do proletariado, o governo nom se contentará em governar e administrar as massas politicamente, como fam todos os governos actuais, mas administrará-as também economicamente, concentrando nas suas maos a produçom e a justa partilha da riqueza”.

O DEBATE SOBRE O ESTADO Esta soma de acusaçons, que os libertários acham esmagadora, cai pola base quando se lhes pergunta como poderia ser feita, na Rússia de 17, a passagem directa à autogestom dos produtores e às relaçons “livres e naturais” entre comunas numha base apolítica. Dizer-se que a forma de chegar algum dia à autogestom comunista e à supressom do Estado é começar por pô-la em prática imediatamente após o derrubamento da burguesia pode parecer muito extremista mas nom significa rigorosamente nada. É erigir o objectivo final em tarefa imediata através da cómoda recusa a tomar conhecimento da luita de classes real. Só quem pairasse nas nuvens poderia pensar que a livre associaçom dos produtores, sem qualquer forma de coerçom ou de exploraçom, pudesse surgir antes de se chegar à liquidaçom da burguesia como classe, à abundáncia de bens sociais e à acumulaçom de umha longa experiência de organizaçom democrática dos trabalhadores.

Defendendo como os anarquistas umha sociedade sem Estado, os bolcheviques mostravam a utopia de se julgar possível a supressom deste da noite para o dia. Derrubado o poder burguês, seria inevitável um poder de transiçom que assegurasse a ditadura do proletariado sobre a bur-

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Os bolcheviques nom pretendiam usurpar a democracia operária porque sabiam que ela era o alicerce vital para a passagem ao socialismo. Lenine nos dias da revoluçom: “O aparelho dos sovietes permitirá à massa começar imediatamente a aprender a gerir o Estado e a organizar a produçom à escala de todo o país”; “Todos os cidadaos sem excepçom devem participar no exercício da justiça, na gestom do país, na administraçom do Estado”; “O socialismo nom pode ser instaurado por umha minoria, polo partido”; “o Estado socialista será constituído por umha rede de comunas de produçom e consumo”; “Quanto mais completa for a democracia, mais próximo o momento em que o Estado se tornará supérfluo”; etc., etc.

A questom estava em combinar o poder central com o poder local dos conselhos e comunas, de forma a avançar na ampliaçom das atribuiçons destes. Para já, um Estado dotado de poder centralizado e baseado nos conselhos era a salvaçom da revoluçom. Por isto mesmo, o anarquista Voline se lamentava que os operários, simpatizando com a sua propaganda contra o Estado, nom deixavam de seguir os bolcheviques “autoritários”; de imediato, só sabiam que era preciso um poder revolucionário forte para derrubar o poder burguês, e que os bolcheviques eram os únicos capazes de o instaurar.

Porque falhou entom este projecto? Por um quadro social que nom estava ao alcance de nengumha força política superar. Umha dúzia de semanas após a euforia da tomada do poder e da esperança na revoluçom mundial, começou a hora da verdade da revoluçom. Com a ofensiva alemá, os levantamentos reaccionários a propagar-se em cadeia, o caos, a fame, desvaneciam-se em fumo os sonhos de umha República do trabalho, amplamente democrática e descentralizada. Para sobreviver, impunha-se umha férrea centralizaçom, um exército à altura de se bater com os invasores, a disciplina do trabalho, o terror contra os opositores. Os que condenam em nome dos princípios este estado de emergência e acusam Lenine de jacobinismo deverám explicar que outro caminho teria permitido evitar a vitória da contra-revoluçom.

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guesia e o estabelecimento de novas relaçons socialistas. Criar um Estado encarregado de destruir o Estado nada tinha de absurdo, como pretendiam os anarquistas, desde que esse Estado se baseasse em órgaos novos de democracia operária que promovessem a gradual ampliaçom do autogoverno e o gradual deperecimento dos órgaos centrais. Seria um “Estado em processo de extinçom”, na expressom de Marx.


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OS PARTIDOS, INIMIGOS DOS CONSELHOS? Réu principal neste julgamento é o partido comunista. Para os libertários, a revoluçom russa teria confirmado a existência de um antagonismo entre conselhos, comités, comunas, sindicatos, “representantes genuínos dos interesses dos trabalhadores”, “que emanam directamente dos colectivos locais e podem ser por eles controlados”, dum lado, e do outro, os partidos políticos, “exteriores à classe operária”, “interessados na continuaçom do Estado”. Na fórmula lapidar de Ciliga, as massas operárias, apoiadas apenas em formas de organizaçom primárias, de democracia directa, “chegam instintivamente à sua libertaçom total, atingem integralmente os seus fins”; nom precisavam dos partidos para nada.

Mas a revoluçom nom só nom confirmou estas crenças como demonstrou o seu analfabetismo político. Os órgaos proletários de base, células vitais da democracia do trabalho e germes do futuro autogoverno, nom substituíam a funçom dos partidos políticos. Mais: eram forçados a optar entre as linhas defendidas por estes.

A experiência de Fevereiro a Outubro mostrou, sem margem para dúvida, que a orientaçom dos conselhos, comités de fábrica e sindicatos dependia da corrente política que neles tinha maioria. A tomada do poder polo II Congresso dos Sovietes nunca se teria dado sem a propaganda e a acçom prática dos bolcheviques. Entregues a si próprios, os sovietes ficavam à mercê das manipulaçons dos partidos da burguesia. Ainda em Maio, o soviete de Petrogrado, a alma da revoluçom, estava disposto a formar governo com a burguesia, apesar de esta continuar envolvida na guerra imperialista; se os bolcheviques nom tivessem ganho a maioria, pode-se perguntar se teria chegado a haver revoluçom. Quanto aos sindicatos, considerados polos anarco-sindicalistas como únicos representantes legítimos dos interesses operários polo seu carácter “apolítico”, eram em muitos casos utilizados polos mencheviques para combater o avanço da revoluçom, antes e depois de Outubro. Na realidade, os conselhos e comités, “emanaçons autênticas da vontade operária”, em nengumha ocasiom deixárom de se guiar pola política de um ou outro partido, pola simples razom de que as opçons em jogo excediam em muito a capacidade dos órgaos de poder local; só os partidos formulavam respostas estratégicas globais para a situaçom. O poder do conselho de fábrica acabava à porta da fábrica.

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Condenar como umha “intromissom dos políticos” o facto de os diversos partidos disputarem a influência nos conselhos revela ideias muito estranhas acerca da democracia operária. Se os conselhos nom escolherem o seu caminho mediante um livre confronto das propostas partidárias, feitas às claras, a alternativa será escolherem-no às cegas, sob a influência de um clima emocional criado por demagogos “apartidários”. A SOLUÇOM FEDERATIVA Argumentam os libertários que os conselhos nom significariam necessariamente a dispersom, a incapacidade dumha acçom coerente. Poderiam, se os “políticos” lho tivessem permitido, actuar em coordenaçom, traçar estratégias globais, unir-se numha confederaçom sem necessidade dos partidos se imiscuírem nos seus assuntos. Se a concepçom libertária da revoluçom social nom tivesse sido reprimida pola “tendência política autoritária, estatal e centralista”, poderia terse encetado a colaboraçom federativa das organizaçons económicas e sociais dos trabalhadores, visto que o decisivo nom era apoderar-se do poder de Estado mas sim apoderar-se da economia e organizá-la em bases novas. (Voline).

Teoricamente, isto significa que umha federaçom livre de sovietes, comunas, cooperativas teria sido possível na Rússia se a ordem proletária tivesse subjugado a burguesia, se existisse entre os camponeses umha corrente largamente maioritária a favor do socialismo, se a economia funcionasse com um mínimo de normalidade... Mas nada disso existia. Havia um país camponês, atrasado, em desagregaçom ao fim de três anos de guerra imperialista, com as fábricas paradas, o caos nos transportes, as matérias-primas e combustíveis esgotados, a fame generalizada.

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A tese da autonomia dos conselhos desperta a simpatia dos trabalhadores cansados do “divisionismo” trazido polas disputas partidárias; mas este bom-senso popular ignora que os partidos se limitam a reflectir as divisons provocadas pola luita de classes. Qual foi o mal, durante a nossa indecisa crise de poder, em 1974-75? Foi a disputa dos órgaos populares de base polos partidos e grupos políticos, como ainda hoje protestam os puristas “apartidários”, ou foi a falta de fôlego revolucionário do movimento, que nom lhe permitiu aspirar à tomada do poder e dotar-se dum partido com a estatura do partido bolchevique?


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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo Na situaçom que a Rússia atravessava, e admitindo por absurdo que umha tal federaçom chegasse a formar-se, ela teria que ser dotada de extensos poderes para a luita contra o inimigo, sob pena de ser aniquilada. Teria que tomar medidas de excepçom para assegurar o abastecimento, debruçar-se sobre todos os problemas políticos em jogo, avaliar a força das diversas classes em presença, decidir de eventuais alianças, unir-se em torno de chefes prestigiados, etc. Isto é, acabaria por ser um partido com o nome de “comuna antipartido”. Com a desvantagem de ser um partido nom assumido, prestando-se a toda a espécie de demagogias. Defender o papel dos partidos significaria, porém, segundo os libertários, defender o “substitucionismo”, visto que as políticas partidárias escapam a todo o controlo da fábrica. “Na qualidade de instituiçom, o partido escapava totalmente ao controlo da classe operária russa”. “As forças vivas, reais, das quais provinha o poder do partido bolchevique nom podiam controlá-lo” (Brinton). Também nom é verdade. Brinton esquece que as eleiçons de delegados dos operários e soldados, em livres e democráticas assembleias, eram a forma de os trabalhadores se pronunciarem acerca das posiçons políticas dos diversos partidos e portanto, de os controlarem através da força relativa que lhes davam. Esta atribuiçom da força de cada partido no seio dos sovietes, em período de agitaçom revolucionária, nada tem de comum com as votaçons parlamentares, realizadas em período de submissom das massas à ordem burguesa. Foi assim, graças ao controlo das “forças vivas do proletariado”, que os mencheviques, anteriormente maioritários, passárom a minoria, que o partido socialista-revolucionário se cindiu, ao passo que o partido bolchevique, pequeno em Fevereiro, se tornou maioritário no II Congresso dos Sovietes. Foi também por acçom deste controlo que os operários atribuírom sempre umha escassa representaçom aos anarquistas nos conselhos. Isto deveria ser simples de entender a quem tanto se preocupa com a democracia operária. A META: O PARTIDO ÚNICO Um facto permanece contodo incontestável e é suficiente para os libertários: sob o governo do partido bolchevique, nom só os conselhos perdêrom toda a autonomia e existência própria como os restantes partidos vinhérom a ser ilegalizados e destruídos. A classe operária acabou por perder efectivamente todo o controlo sobre o partido que se proclamava a sua vanguarda. Em menos de duas décadas,

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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo o poder do partido único produzia as aberraçons do “grande líder” e do grande terror.

Afirmar que toda a política bolchevique tendia ao regime totalitário é umha acusaçom aceite como indiscutível à força de repetida mas que a prática anterior do partido desmente. O próprio decorrer dos acontecimentos mostra como os partidos, o bolchevique como todos os outros, fôrom transformados polo terramoto social. Se o proletariado dispugesse de força suficiente para impor a toda a sociedade a sua reorganizaçom social, esse peso social teria-se reflectido no comportamento das massas camponesas, na atitude dos partidos perante os sovietes, nas suas relaçons mútuas. Nada teria impedido que o governo revolucionário se tivesse mantido como umha coligaçom dos dous partidos maioritários nos sovietes (bolcheviques e socialistas-revolucionários de esquerda), que outros partidos que acatassem a ordem soviética se mantivessem em actividade na oposiçom, que novos partidos surgissem, que a composiçom do governo se modificasse... O panorama partidário teria sido totalmente diferente se houvesse umha base social forte para o novo poder.

E é isto que parece dificil de compreender aos que traduzem “ditadura do proletariado” por governo totalitário de partido único. Essa ideia, alimentada durante décadas polos pseudo-leninistas da URSS e seus seguidores, reflectia a sua incapacidade para conceber umha sociedade nom-burguesa. Baseados na sua vivência de aparatchiks tutores dos trabalhadores, nom sabem imaginar o que seja a democracia proletária. Por isso, quando, nas últimas décadas, se vírom acossados com acusaçons ao seu despotismo, curárom o mal pola raiz, declarando abolida a ditadura do proletariado. Para os marxistas nom sofre dúvida que, se a ditadura de classe da burguesia, baseada na extorsom, é compatível com formas de democracia política, a ditadura de classe do proletariado, umha vez consolidada, proporcionará umha democracia política muito mais ampla. Como escreveu Lenine, “umha expansom até hoje desconhecida do princípio democrático em benefício das classes oprimidas polo capitalismo”, a possibilidade de “desfrutar de direitos e liberdades como

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Resta demonstrar se essa evoluçom foi determinada pola “ambiçom totalitária” dos bolcheviques ou se nom terá sido, polo contrário, o fracasso inevitável da revoluçom, movimento adiantado sobre a sua época, que arrastou consigo o partido bolchevique para a degenerescência.


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nunca houvo, nem por aproximaçom, nas repúblicas burguesas mais democráticas”.

Democracia organizada, em qualquer caso, alheia aos esquemas antiestatistas libertários, para os quais toda a submissom a um poder central é umha opressom intolerável. Os argumentos anarquistas contra o partido, polo exercício da vontade espontánea da classe, nom podem ser discutidos seriamente; som meros desabafos dos elementos que julgam poder situar-se à margem da disputa entre os dous campos antagónicos, refugiados na sua utopia do “nom-poder”.

Com um vício de raciocínio que lhes é típico, os anarquistas som capazes de divisar a luita de classes ao nível local mas nom ao nível global; nom podem compreender que os partidos nom som um produto das “ambiçons de mando de aspirantes a chefes” mas som segregados pola luita de classes, como forma superior de organizaçom, pois só por seu intermédio tomam as classes plena consciência dos seus objectivos próprios e adquirem capacidade de combate. Pregar aos operários a nom-organizaçom em partido num universo dominado polos partidos da burguesia é umha daquelas saídas “ultra-revolucionárias” que só podem provocar regozijo aos detentores do poder. O EXÉRCITO CONTRA O POVO EM ARMAS O contraste entre a sonhada República do Trabalho e as duras realidades manifestou-se com igual violência na questom militar. Em vez de milícias livres do povo em armas sob o controlo dos conselhos, para a manutençom da ordem proletária, impujo-se de imediato a formaçom de um Exército Vermelho centralizado, para a defesa da República. Primeiro ainda na base do voluntariado, com assembleias de soldados e umha grande democracia interna, sem distinçons de patentes nem privilégios para as chefias.

Mas ao fim de pouco tempo, perante a sua provada ineficácia para fazer frente ao inimigo, transformado em exército clássico, capaz de concentrar grandes unidades com umha ordem rigorosa, o que acarretou a disciplina rígida, a recuperaçom de oficiais burgueses, a pena de morte na frente de combate, etc. Era umha necessidade imperiosa mas nom deixava de ser a negaçom gritante dos sonhos da revoluçom.

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Para os anarquistas e os comunistas de “esquerda” havia contodo alternativa; o poder dos sovietes deveria fazer a guerra de umha forma nova: nom dar luita, deixar os alemáns avançar e fazer-lhes umha guerra de guerrilha, a verdadeira guerra do povo, afogando-os na extensom da Rússia e conquistando os soldados alemáns para o campo da revoluçom social.

Na base da divergência estava umha vez mais a avaliaçom que se fazia da base social do novo regime. Numha República dos trabalhadores minimamente consolidada, em que vigorasse a ordem dos produtores sob a direcçom dos seus conselhos, a guerra popular de guerrilhas poderia ser a resposta adequada à invasom imperialista. Mas a realidade era bem diferente. O regime soviético, apenas acabado de proclamar, nom vigorava efectivamente na maior parte do país; mal se começava a instaurar umha nova ordem social. todo levava a temer que a ocupaçom dos centros vitais do país polos exércitos alemáns provocasse a derrocada do poder soviético e a vitória da contra-revoluçom. A paz de Brest-Litovsk permitiu evitá-lo.

A centralizaçom militar cada vez mais rigorosa durante a guerra civil levou o Exército Vermelho a tentar absorver ou suprimir os bandos armados que campeavam por todo o país. Um deles foi a guerrilha de Makhno que levantava os camponeses do sul da Ucránia contra a pilhagem dos exércitos alemáns e a reacçom feroz dos latifundiários. Goradas as propostas pessoais de Lenine para a integraçom no Exército Verrnelho da força de Makhno, a pretensom de este manter independência na guerra sem quartel que opunha os bolcheviques aos generais brancos e aos nacionalistas burgueses conduziu à destruiçom do seu exército local. Para os libertários, a gesta de Makhno (que, diga-se de passagem, nom descuidava umha férrea disciplina no seu exército apesar das suas convicçons libertárias e nom hesitou em fusilar bolcheviques cuja única

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A polémica exasperada que se travou no partido e fora dele a propósito da cedência ao ultimato alemám em Brest reflectia este dilema. Lenine contrapunha aos adversários da paz, que clamavam contra a “desonra” de negociar com o alto comando alemám e abandonar à sua ocupaçom umha parte da Rússia, um simples facto: “Nom temos exército, nom nos podemos defender. Querer fazer umha guerra revolucionária nestas condiçons é embebedarmo-nos com frases revolucionárias e cairmos na armadilha montada pola burguesia”.


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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo “culpa” era fazerem propaganda nas fileiras anarquistas) tornou-se desde entom a mais gritante contraprova da “impostura” bolchevique e do seu “brutal estatismo”. Na realidade, ela foi mais um exemplo da recusa dos libertários a tomar conhecimento da opçom que a vida punha a todas as forças na Rússia – ou com os vermelhos ou com os brancos. Desafiando uns e outros com a bandeira negra do anarquismo, Makhno foi o intérprete dos camponeses que nom queriam o retorno dos latifundiários mas também nom queriam ouvir falar de submissom à ditadura do proletariado. Nom havia contodo lugar na revoluçom para o sonho das comunas camponesas autónomas de todo o poder central. A AGONIA DA REVOLUÇOM Com isto, nom se pode negar –e foi o que figérom durante decénios os seguidores-deturpadores do leninismo– que o poder revolucionário saiu totalmente desfigurado das medidas de emergência para o salvaguardar. Disciplina rigorosa nas fábricas, elevaçom da produtividade com recurso ao trabalho à peça e ao taylorismo, contrataçom de administradores e técnicos burgueses com altos salários, emancipaçom dos directores do controlo dos trabalhadores, absorçom dos comités de fábrica pola burocracia sindical estatizada, criaçom dum aparelho burocrático de controlo e planificaçom, “grupos móveis de controladores”, campanha contra a brandura dos tribunais populares e para que inculcassem a disciplina do trabalho, antigos oficiais czaristas à frente dos soldados, polícia política dotada de enormes poderes... Nom se pode atenuar a gravidade das directivas entom expedidas por Lenine. Defendendo “a ordem rigorosa”, com a “precisom dum relógio”, que só pode ser “criada pola vontade única do dirigente”, Lenine queixava-se de que “é ainda muito insuficiente a submissom durante o trabalho, submissom absoluta, às ordens pessoais dos dirigentes soviéticos, ditadores eleitos ou nomeados polas instituiçons soviéticas, investidos de plenos poderes ditatoriais (como especifica, por exemplo, o decreto sobre os caminhos de ferro)” (Lenine, O. C., vol. 27, p. 330, sublinhado nosso).

Isto obviamente nom só nom tinha nada a ver com socialismo como destruía todos os germes de democracia operária e abria a porta ao posterior despotismo dos aparatchiks e da nomenklatura. Embelezar este regime, como se fijo mais tarde, chamando-lhe a “edificaçom vitoriosa do socialismo” equivalia a renegar o marxismo. Lenine nom o embelezava

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“Ainda se está para saber quem utilizará a quem”, respondiam amargamente os comunistas de “esquerda”. ARMA DE DOUS GUMES “A continuaçom da anarquia inerente à pequena propriedade é o mais grave dos perigos porque nos conduzirá à falência; mesmo se tivermos que pagar um tributo mais pesado ao capitalismo de Estado, isso nom nos prejudicará em nada; servirá polo contrário para nos conduzir ao socialismo polo caminho mais seguro. Nom devemos poupar os procedimentos ditatoriais (subl. por Lenine) para o implantar na Rússia, sem recuar perante o emprego de métodos bárbaros contra a barbárie”. “Virem aterrorizar-nos com os males do capitalismo de Estado equivale a puxar para trás, para o capitalismo pequeno-burguês. Nom há nada que temer do capitalismo de Estado porque o poder dos operários e dos pobres está assegurado”.

Ora, precisamente, o poder dos operários e dos pobres nom estava assegurado e o capitalismo de Estado acabou com o pouco que havia.

Durante umha das suas polémicas com os comunistas de “esquerda”, em 1918, Lenine exclamava: “Se fosse verdade, como eles dim, que a introduçom do capitalismo de Estado irá pôr em causa a iniciativa e organizaçom do proletariado, a nossa revoluçom estaria à beira da falência; mas é falso”. Era contodo verdade; Lenine recusava admiti-lo, talvez porque visse que qualquer outra alternativa prometia um fim mais rápido. O capitalismo de Estado foi a arma de dous gumes que impediu a desintegraçom por efeito da anarquia pequeno-burguesa mas que conduziu à gradual restauraçom da burguesia através do partido-Estado. No ano seguinte, já Lenine reconhecia melancolicamente que “os sovietes nom passam de órgaos de governo para os trabalhadores”. Pola mesma altura Trotski constatava que “as massas fôrom pouco a pouco eliminadas do poder”.

Os bolcheviques cumprírom o seu dever de partido revolucionário mas 129

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mas acreditava que as distorçons ainda fossem recuperáveis. Fosse como fosse, quando “os piolhos ameaçavam comer a revoluçom”, todos os desvios eram admissíveis para evitar o afundamento. O Estado dos operários e camponeses saberia servir-se do capitalismo de Estado para organizar a produçom e preparar a passagem ao socialismo.


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Os bolcheviques no tribunal do anarquismo nom pudérom (nem ninguém podia) superar a “desproporçom entre o económico e o político” (Lenine), o desfasamento entre a capacidade politica do proletariado para tomar o poder e o tremendo atraso económico, que nom permitia mais do que a soluçom de emergência do capitalismo de Estado.

Para a mentalidade anarquista pode parecer um contra-senso que a revoluçom dos explorados tenha capacidade para derrubar a burguesia mas nom posa, apesar disso, reorganizar a sociedade. Foi contodo o que se verificou. A PEQUENA BURGUESIA CONTRA A REVOLUÇOM É realmente fácil dizer hoje que Lenine delirava ao julgar possível pôr o capitalismo de Estado ao serviço da ditadura do proletariado, Mas essa era na época, com todos os seus tremendos riscos, a única hipótese de ganhar tempo sem se deixar derrubar, na expectativa de umha revoluçom europeia... que nom chegou. Muitas das condenaçons posteriores das opçons de Lenine e dos bolcheviques só som possíveis porque se abstrai do confronto de classes em curso na Rússia. Após a instauraçom do poder soviético, umha classe operária diminuta encontrou-se face a umha vaga pequeno-burguesa (camponesa, sobretodo), tanto mais incontrolável quanto se via subitamente liberta, graças à revoluçom, da pressom das classes superiores. Os camponeses tinham marchado com os operários para obter a terra; a partir daí, queriam desfrutá-la. E isto traçou o destino da revoluçom. O proletariado nom tinha força para exercer a sua ditadura de classe sobre a massa pequeno-burguesa cuja única filosofia era: “Já expropriamos os ricos, agora deixem cada um governar-se e nom nos venham com ordens, disciplina, programas a longo prazo”. Era a psicologia do pequeno proprietário, cheio de ódio às classes superiores e ao Estado mas nada interessado em sacrifícios para a construçom de umha nova ordem social. Assim, o proletariado que derrubou a grande burguesia e o seu Estado véu a naufragar perante o capitalismo pequeno-burguês. A agonia da revoluçom jogou-se neste conflito irreconciliável de interesses entre o proletário, apontado para o socialismo mas incapaz de o instaurar, e o pequeno proprietário, interessado na liberdade do mercado mas impo-

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Foi nesta ratoeira insolúvel que o partido bolchevique se desfijo. Fazendo guerra à pequena burguesia durante o “comunismo de guerra”, tentando depois, a partir da crise de Cronstadt, neutralizá-la polas concessons da NEP, passando mais tarde aos tratamentos de choque stalinianos da “liquidaçom dos kulaks como classe” – tentou-se absorver, controlar, suprimir a pequena economia mercantil numha sociedade que nom podia dispensá-la porque nom chegara ainda à grande produçom capitalista. Se alguns contributos o anarquismo deu para entender a revoluçom russa fôrom sobretodo pola negativa. Que o anarquismo ainda hoje idealize a resistência do pequeno produtor à mobilizaçom contra o inimigo de classe e nom consiga divisar na guerrilha de Makhno ou na revolta de Cronstadt o impulso da pequena burguesia contra a revoluçom, di-nos bastante sobre o alinhamento profundo de classe do seu anticapitalismo libertário. Voltaremos ao tema num próximo artigo. *Publicado no número 37 da revista Política Operária. Lisboa, Novembro-Dezembro de 1992.

(1) Os números indicados a seguir entre parênteses referem-se aos números de página da reediçom de seis números da revista, feita em 1975 polas ediçons “Voz do Povo”.

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tente para a voltar a impor. Era o estrangulamento próprio de um país de capitalismo incipiente, que se repetiria mais tarde na China, Vietname, etc., com um cortejo semelhante de “grandes lideres”, partidos-guias e poder popular castrado.



O comunismo que aí vem O artigo de Ángelo Novo “Comunismo. Para umha reconstituiçom estratégica do movimento emancipador do proletariado”, na PO 51, suscita, entre muitas reflexons estimulantes, umha questom do maior interesse que enunciarei assim: foi o movimento revolucionário deste século umha saída em falso, precoce, carregada de voluntarismo, manchada de crimes, que nos competiria a partir de agora rectificar por um novo ciclo revolucionário, mais maduro e mais civilizado, realmente socialista?

Interrogaçom compreensível. Afinal, os marinheiros de Petrogrado e a Longa Marcha já estám bem distantes desta nossa época da robotizaçom, da informática e da mundializaçom do capitalismo. Face ao esgotamento dessa onda que há meio século parecia prestes a avassalar o mundo, é natural que os comunistas busquem um recomeço reabilitador que lhes devolva a confiança no marxismo e na revoluçom. Mas talvez seja conveniente desconfiarmos deste primeiro impulso. 1

Antes de mais: nom creio que se devam considerar as revoluçons deste século como umha saída em falso. Nom é o facto de nom terem

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O comunismo que aí vem correspondido à meta socialista que equivocadamente os seus protagonistas e todos nós delas esperávamos que lhes tira a grandeza. Desde logo, porque emancipar um quarto da humanidade das relaçons de servidom e desbravar-lhe o caminho para a modernidade é mais do que suficiente para as colocar entre os maiores acontecimentos da história. Sem elas, o mundo, tal como hoje o conhecemos, seria inconcebível. Depois, porque as deformidades e a longa agonia dos regimes ditos “socialistas” nom som atribuíveis a “erros”, fosse de quem fosse. Nom fôrom os comunistas que “traírom” a revoluçom, foi esta que os moldou e triturou à sua medida. Atravessamos um século de revoluçons burguesas retardadas, forçadas a pedir de empréstimo ao proletariado o papel dirigente na demoliçom das velhas instituiçons, para o sacrificar em seguida, porque assim o exigia a sua tarefa histórica de acumulaçom capitalista primitiva. Nom vale a pena, pois, chorarmos o ideal comunista manchado, pola simples razom de que era irrealizável naqueles momentos, naqueles países. Deveremos antes maravilhar-nos polo protagonismo assumido polos operários e camponeses em revoluçons que ainda nom lhes pertenciam. O que é sinal de umha época de transiçom: as revoluçons burguesas já só produzem abortos monstruosos mas ainda nom estám reunidas as condiçons para o triunfo da revoluçom socialista. Será bom tentarmos interpretar a esta luz as convulsons que aí venhem. 2

Nom vejo nengum motivo por que o comunismo deva autocriticarse polo “messianismo” em que estivo mergulhado neste século. As explosons de ódio aos privilegiados, a ánsia mística de igualitarismo, a traduçom ingénua do marxismo em dogmas e preceitos morais fôrom a forma de expressom possível dum mundo medieval em explosom criadora. Era inevitável que as revoluçons transmitissem ao movimento, a par do seu poderoso impulso plebeu anti-imperialista e antifeudal e da sua demonstraçom prática de como se toma o poder, também o reflexo das suas limitaçons. Mas foi só graças a elas que um movimento operário embrutecido sob a ordem imperialista recebeu algumha vitalidade. De resto, nengumha revoluçom real pode existir sem ódio, paixom, impulsos bárbaros, visto que pom em movimento massas oprimidas e nom puros intelectos. Como poderiam milhons de seres humanos disporse a enfrentar os sacrifícios terríveis da revoluçom se lhes faltasse o

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O comunismo que aí vem

Talvez as revoluçons do século XX sejam vistas no futuro como pequenos acidentes preparatórios da passagem mundial ao comunismo; mas a sua busca pioneira de umha nova ordem social nom pereceu; os seus participantes nom se enganavam ao vê-las como umha promessa de redençom final dos explorados: se algum dia a humanidade chegar ao cimo da escada será graças aos limitados degraus entretanto franqueados por comuneiros, bolcheviques, maoístas... É isso que dá a Lenine e a Mao a estatura de gigantes, independentemente do inevitável naufrágio posterior das suas ambiçons. Numha palavra, nom vejo motivo para nos apiedarmos da limitaçom das perspectivas dos que nos antecedêrom, nem creio que nos caiba a nós, cidadaos do primeiro mundo farto e civilizado, definirmos os limites “politicamente correctos” a exigir às revoluçons dos párias para se tornarem “aceitáveis”. 3

É claro que quando chegou a “hora da verdade” dessas estranhas revoluçons burguesas, com o seu cortejo de aberraçons, a crise instalouse no movimento comunista. Mas esse longo definhamento do marxismo e dos partidos comunistas, em conluio com regimes tenebrosos, tentando descortinar na tirania burocrática sinais de socialismo, abdicando do espírito crítico, rastejando perante o culto do líder “sábio”, ignorando crimes monstruosos, nom surgiu por propensom para a “imolaçom” ou o “sacrifício místico”, e sim porque esse pseudo-socialismo, stalinista, maoísta, fosse ele qual fosse, era o único ponto de apoio do movimento comunista e operário face ao colosso imperialista.

Na realidade, por detrás do discurso optimista sobre a “crise geral do capitalismo” com que os regimes do Leste e os líderes comunistas do Ocidente tentavam “animar as hostes” havia umha enorme incapacidade para fazer frente à crise, ao fascismo, à guerra mundial e à manifesta atracçom das massas polo guarda-chuva social-democrata. E isto porque o capitalismo, fortemente abalado pola amputaçom sofrida em 17 (e agravada em 1949), prosseguia a sua marcha expansionista. A burguesia

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“combustível” do ódio ao opressor, esse elemento-chave da consciência política? Como poderia estabelecer-se um mínimo de justiça popular em tempo de carência, fame, ignoráncia senom polo igualitarismo mais estrito, com todas as violências daí resultantes? Como nom havia o fim da opressom de aparecer aos oprimidos rodeado por umha aura mística?


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nom perdia mas reforçava a capacidade para submeter as massas à sua ditadura. A “última fase do capitalismo” estava ainda no começo.

Submetidos a essa enorme desproporçom de forças, os comunistas europeus, mergulhados numha etapa recuada de propaganda e agitaçom comportavam-se como se estivessem em plena preparaçom da revoluçom; só lhes restava agarrar-se à crença de que todo dependia de saber imitar a audácia e o génio dos bolcheviques e manter umha fé ilimitada no “campo socialista”... A degeneraçom reformista e revisionista do comunismo europeu foi tanto fruto da decadência da Uniom Soviética, como dos próprios factores internos das nossas sociedades. E nom nos ajuda muito atirarmos hoje as culpas para Staline, Kruchov ou Brejnev. 4

Trata-se afinal de reconhecer o atraso revolucionário do mundo avançado, constataçom antiga que tende a ser esquecida na actual onda de desencanto com o bolchevismo e de “retorno a Marx”. Decerto, em termos económicos, os países de capitalismo altamente desenvolvido reúnem já as premissas do socialismo; mas nom em termos sociais e políticos.

Di-se agora com freqüência que o “terceiro mundo” penetrou no primeiro e que a miséria e a revolta das massas tendem a igualizar-se em todos os continentes. Convém nom exagerar. As metrópoles do capital, mesmo com os seus abismos sociais, nada tenhem de comum com a espantosa agonia dos países subjugados. Explosons como a de Los Angeles ou a do Outono francês testemunham a irremediável decadência do sistema mas carecem dos ingredientes que conduzem a crises nacionais gerais – nomeadamente, umha fractura política nítida entre proletariado e pequena burguesia. Ora, é justamente esse corte com o sector burguês que lhe fica contíguo que dá a medida do amadurecimento do antagonismo entre o proletariado e a ordem capitalista, que indica a sua saída da menoridade, a sua capacidade para atrair para o seu lado as vastas massas semiproletárias – numha palavra, a sua preparaçom para a revoluçom. E nom é baptizando de “proletariado” a totalidade da populaçom assalariada, como se tornou agora hábito em certos meios marxistas académicos, que se resolve o problema; polo contrário, obscurece-se atrás dum falso optimismo.

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Estamos em sociedades em decomposiçom, onde as excrescências parasitárias do capital envenenam a atmosfera. A colossal concentraçom dos capitais, a proliferaçom cancerosa das camadas auxiliares, cujo destino está ligado ao do imperialismo, o aperfeiçoamento extremo dos aparelhos de Estado, de controlo democrático-burguês e de manipulaçom ideológica, bloqueiam a erupçom de crises revolucionárias no “primeiro mundo”, apesar do esgotamento do sistema pola queda inexorável da taxa de lucro. 5

O capitalismo cresce inelutavelmente em direcçom ao comunismo –mas isto só é verdade à escala mundial e a longo prazo. Se desta ideia geral deduzirmos que a máxima concentraçom capitalista produz a máxima aproximaçom à revoluçom, tenderemos a “descobrir” germes de socialismo onde eles nom existem. É o que fai, quanto a mim, Ángelo Novo quando admite que “pode acontecer que o capitalismo vaia ‘gerando em si próprio os seus coveiros’... sob a forma de ‘nichos’ de trabalho associativo altamente produtivo”, e que “o próprio desenvolvimento espontáneo das forças produtivas vaia criando, no seio da sociedade capitalista, vantagens competitivas para a empresa ‘socialista’. Esta provaria imediatamente a sua superioridade acumuladora e alastraria rapidamente, um pouco como a oficina manufactureira capitalista se vulgarizou e expandiu no século XVI sob o regime feudal”.

Só que... a comparaçom nom vale, porque, como todos sabemos, o regime capitalista, ao contrário do sistema senhorial, nom deixa espaços vazios por onde podam crescer novas relaçons de produçom. Dentro do mercado capitalista nom podem medrar empresas nom fundadas na extorsom de mais-valia; a natureza do capitalismo simplesmente nom o permite.

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Duvido seriamente, caro Ángelo, que a luita polo comunismo venha a ser, mesmo daqui a cem anos, umha tarefa capaz de mobilizar “clubes de ciência popular, laboratórios experimentais, associaçons de estudantes e as mais diversas organizaçons de base de expressom cosmopolita.” Acredito antes na exasperaçom da postura anticomunista das camadas médias à medida que se aprofundar a crise do sistema, receosas do que podem perder com a revoluçom. O permanente borbulhar do reformismo imperialista aí está a testemunhar o suborno dessas camadas pola grande burguesia.


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O comunismo que aí vem Aliás, toda a hipótese dum progresso das metrópoles em direcçom ao socialismo que abstraia da sua relaçom devoradora com os povos escravizados desemboca em puras fantasmagorias. As tecnologias de ponta e os “espaços de liberdade”, aqui, repousam, lá, sobre as hecatombes pola fame, as matanças étnicas e os esquadrons da morte. Se algum dia as metrópoles do capital entrassem na era da robótica e da internet, o resto da humanidade teria regredido para a idade das cavernas. Socialismo? Seria antes o auge do imperialismo. Felizmente, isso parece muito improvável. 6

Porque nom admitir entom que a revoluçom irá continuar a avançar polas naçons subjugadas, precisamente por onde o socialismo nom está maduro? Isto pode nom ser tanto o contra-senso que parece à primeira vista. O fenómeno já foi visto antes na história. Por vezes, um modo de produçom caduco bloqueia, pola sua decomposiçom, a passagem a novas relaçons sociais que ele próprio preparou e torna necessárias. O que é o imperialismo senom umha longa história de apodrecimento social resultante dum eficaz bloqueamento da revoluçom? Acontece entom que a soluçom do problema tem que vir do exterior, como se a história tivesse que contornar o obstáculo para prosseguir a sua marcha. A revoluçom progride de forma abortiva polos elos fracos da periferia, ainda sem condiçons para passar ao novo modo de produçom mas que aproximam a sua eclosom “por tentativas”, se assim se pode dizer. Nom foi isso, afinal, que indicárom as revoluçons nacionais-camponesas na Rússia e na China, enquanto vivêrom? Talvez o “centro das tempestades revolucionárias” permaneça ainda por mais algumas décadas sobre as naçons atrasadas. É aí que se observa umha acumulaçom inaudita de factores revolucionários depois que falhárom as esperanças num desenvolvimento nacional e ficou impossibilitado o surgimento dumha formaçom capitalista normal. A ideia, hoje corrente, de que o estrondoso colapso do Leste torna impossível a repetiçom de revoluçons do mesmo tipo pode ser demasiado simplista. Talvez o próximo episódio da marcha da revoluçom mundial nasça de explosons das massas famentas e desesperadas de Calcutá, do México ou da Indonésia, quando chegarem ao ponto de gerar umha direcçom comunista capaz de as conduzir à expulsom do imperialismo e dos seus agentes.

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Revoluçons que exibirám de novo certamente o seu cortejo de manifestaçons atrasadas, o seu igualitarismo primitivo, nacionalismo, autoritarismo e misticismo, próprios de sociedades em transiçom para o capitalismo; que deixarám muito a desejar em matéria de democracia socialista, para que nom estám de forma nengumha preparadas; mas que poderám aproveitar a herança da Rússia, da China, do Vietname, de Cuba, para ir além das suas experiências, se o marxismo as ajudar. E se assim for, a essas revoluçons imperfeitas teremos mais umha vez, nós, os comunistas do primeiro mundo que prestar solidariedade se quigermos manter fidelidade à linha do comunismo e da emancipaçom da humanidade. Sempre atentos a qualquer hipótese para derrubar a fortaleza onde estamos aprisionados mas sobretodo conscientes da máxima prioridade para o apoio às revoluçons reais, lá onde elas surjam.

*Publicado no número 54 da revista Política Operária. Lisboa, Março-Abril de 1996.

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Revoluçons que ignorarám a recomendaçom algo ingénua, que daqui lhes é lançada, para que se articulem primeiro numha Internacional porque só a revoluçom mundial pode ser triunfante (o que som elas senom erupçons incontroláveis da revoluçom mundial?). Aliás, umha nova Internacional Comunista digna desse nome nom nascerá certamente da conjugaçom dos centros marxistas “adiantados”; precisará da tremenda força gravitacional de milhons de seres humanos em movimento, único impulso capaz de polarizar forças, clarificar o ambiente, separar águas entre a revoluçom e o reformismo, como fijo há 80 anos a revoluçom russa.



Há 200 anos

BABEUF E A CONSPIRAÇOM DOS IGUAIS “Que termine de umha vez por todas este grande escándalo, que aos vindouros parecerá inacreditável! Desapareçam finalmente as infames distinçons entre ricos e pobres, entre grandes e pequenos, patrons e servos, governantes e governados!” François Noel Babeuf, que adoptou durante a revoluçom o nome do tribuno romano Caio Graco, nasceu em 23 de Novembro de 1760 numha família pobre de Saint Quentin, na Picardia. Aos doze anos, o pai, antigo soldado, pujo-o a trabalhar nas obras dum canal, onde durante quatro anos executou trabalhos pesados por um salário miserável, 14 horas por dia. Aí se deve ter formado a sua revolta contra umha ordem social injusta, que inspiraria a sua curta vida. Passou depois a empregado dum agrimensor, profissom em que mais tarde trabalhou por conta própria. O contacto que esta actividade lhe proporcionou com os abusos do direito senhorial mais lhe acentuou a aspiraçom a umha sociedade diferente: “Enquanto nom se arrasar este edifício inadequado à felicidade da generalidade dos homens – escrevia a um amigo, aos 26 anos – e nom for reconstruído segundo um plano inteiramente novo, em harmonia perfeita com as exigências do seu desenvolvimento livre e completo, todo deve

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Babeuf e a conspiraçom dos iguais ser destruído, todo deve começar do princípio”. Acolhe com entusiasmo os acontecimentos revolucionários de Julho de 1789 e torna-se, nas suas próprias palavras, “propagandista da liberdade e defensor dos oprimidos”. Reclama a supressom dos impostos exorbitantes, a liquidaçom da propriedade da terra e da desigualdade dos rendimentos. Após a insurreiçom popular de 10 de Agosto de 1792, que derruba a monarquia, Babeuf é eleito para o Conselho Geral do departamento de Somme, depois torna-se membro do directório do distrito de Montdidier, e mais tarde secretário da Administraçom dos Abastecimentos em Paris. Nestes vários cargos e como jornalista, destaca-se pola defesa apaixonada dos interesses dos pobres e oprimidos, polo ataque aos ricos, especuladores, traficantes, administradores corruptos. Alinha com Marat na tendência mais radical, polo que os seus adversários o ridicularizam como o “Marat de província”. Odiado polos meios de negócios devido à sua intransigência, é preso várias vezes. Estava justamente na cadeia quando do golpe de Estado de 9 Termidor (27 de Julho de 1794) que derrubou a ditadura dos jacobinos.

Umha vez libertado, Babeuf começa a publicar o Tribun du Peuple, tornase membro influente do Clube Eleitoral onde se agrupam os representantes dos grupos de esquerda e apela à insurreiçom contra os termidorianos. Em Abril e Maio de 95, o povo de Paris levanta-se por duas vezes reclamando “Pam e a Constituiçom do Ano I” mas estes derradeiros sobressaltos da revoluçom som cruelmente reprimidos. Babeuf fora entretanto de novo preso (em Fevereiro) e passa largos meses na cadeia. Aí encontra outros revolucionários como Buonarroti, Germain e Darthé, com os quais organiza a Sociedade dos Iguais, cujo programa ia muito além do dos jacobinos mais extremistas, pois reclamava o estabelecimento da igualdade social, com a supressom total da propriedade privada. Libertado em inícios de 96, Babeuf passa a revolucionário profissional e em Março funda, com os seus camaradas, o Directório Secreto de Salvaçom Pública, que se propom derrubar o Directório da grande burguesia no poder. Desenrola-se entom, no espaço de dous meses, a Conspiraçom dos Iguais. Babeuf trabalha febrilmente na redacçom dum plano detalhado de umha comunidade nacional, associaçom de homens livres e iguais, unidos polo trabalho e pola propriedade colectiva, que se formaria em resultado dumha revoluçom radical. Toda a produçom deveria ser recolhida em armazéns comunitários a partir dos quais seria feita a sua distribuiçom equitativa por todos os cidadaos. Os burgueses que nom se submetessem à nova ordem seriam privados de direitos políticos e os seus impostos agravados até à

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Babeuf e a conspiraçom dos iguais

PRECURSORES DO MANIFESTO COMUNISTA Babeuf e Buonarroti, com a sua Conspiraçom dos Iguais, ficárom entre os mais destacados representantes do comunismo utópico, precursores do movimento que encontraria a sua definiçom plena em 1847 com o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. Sem atingir ainda a clarividência destes, eles adivinham já as bases do programa comunista: “Nom precisamos apenas da igualdade consignada na Declaraçom dos Direitos do Homem e do Cidadao: exigimo-la entre nós, sob o teito das nossas casas. Estamos dispostos a fazer tábua rasa de todo para a obter. (...) Visamos algo de mais sublime e mais equitativo, o bem comum, a comunidade dos bens! Nom mais propriedade privada da terra: a terra nom pertence a ninguém. Reclamamos, exigimos o usufruto comum dos frutos da terra: os frutos pertencem a todos. (...) Que termine de umha vez por todas este grande escándalo, que aos vindouros parecerá inacreditável! Desapareçam finalmente as infames distinçons entre ricos e pobres, entre grandes e pequenos, patrons e servos, governantes e governados” O Manifesto Comunista terá apenas que limpar este apelo do seu moralismo utópico e definir a natureza histórica do regime burguês e a perspectiva da sua ultrapassagem. Mas só atinge essa precisom científica que lhe permite armar o proletariado com um programa político concreto graças ao heroísmo de precursores como Babeuf, Buonarroti e os seus camaradas. *Publicado no número 55 da revista Política Operária. Lisboa, Maio-Junho de 1996.

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confiscaçom total dos bens. Estas ideias encontram profundo eco nas massas pobres de Paris. Os Iguais recrutam militantes entre os proletários e os soldados e crem-se prestes a levantar em armas 17.000 homens em torno da exigência do retorno à Constituiçom de 1793. A conspiraçom é contodo rapidamente detectada pola polícia. Em 10 de Maio de 1796, na véspera do dia previsto para o levantamento, o Directório Secreto é todo preso, por denúncia dum informador infiltrado. Decapitada, a conjura desmorona-se, pois fora organizada nos moldes das sociedades secretas. Um ano mais tarde, em 27 de Maio de 1797, Graco Babeuf e o seu camarada Augustin Darthé som condenados à morte. Tentam suicidar-se em pleno tribunal mas apenas conseguem ferir-se gravemente. Após umha noite de agonia, som guilhotinados. Filipe Buonarroti e outros conspiradores som condenados à prisom ou ao exílio.



EUROPA – O ECLIPSE DA REVOLUÇOM Na passagem do 80 aniversário da revoluçom russa, e quando se desenham esperanças de reanimaçom do movimento operário europeu, é oportuno perguntar: o que fijo o movimento comunista no continente para seguir o exemplo dos bolcheviques? E porque se saiu tam mal?

A revoluçom europeia, que os comunistas russos chegárom a julgar iminente, e da qual esperavam a salvaçom do seu cambaleante poder soviético nunca compareceu à chamada. Por culpa dos social-democratas e dos Togliati, Thorez & Cia., como vinhemos acusando durante décadas? Claro que o contributo desses eméritos defensores da ordem reinante ajudou muito. Contodo, eu hoje diria que o problema foi bem mais profundo, foi de raiz; os reformistas levárom a melhor porque o solo lhes era propício. E o mal dos comunistas foi nunca terem ousado reconhecê-lo. DUPLO EQUÍVOCO A nova Internacional Comunista pareceu anunciar um salto prodigioso em relaçom à sua antecessora. De chofre, com o terramoto russo, a questom do socialismo descia das nuvens da propaganda e das reformas nos paí-

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Europa - O eclipse da revoluçom ses “civilizados” para o terreno das batalhas decisivas: partido de combate do proletariado, insurreiçons camponesas, derrube armado da burguesia, poder dos sovietes, entrada em cena dos povos colonizados. Com estas actualizaçons, ficava a social-democracia exposta no papel de servente da ordem burguesa, desacreditada pola grande traiçom de 1914 e condenada a remastigar os restos apodrecidos de umha táctica que o movirnento operário deixava para trás. Por um momento, pareceu ao jovem movimento comunista europeu que todo estava ao seu alcance. Se os russos tinham podido tomar o poder num país atrasado, com muito mais razom poderiam fazê-lo os europeus, apoiados numha forte e experiente classe operária. Esquecia-se, na vaga de entusiasmo: 1º) que, na Rússia, a audácia de Lenine e dos bolcheviques, com toda a sua genialidade, fora possível graças a umha situaçom revolucionária a um fim de regime que estava longe de existir na Europa; 2º) que o facto de a revoluçom soviética ser conduzida polos operários era suficiente para lhe permitir transcender os limites do capitalismo, resultantes do atraso geral da Rússia. A revoluçom russa introduzia o mundo numha época de grandes convulsons populares mas nom iniciava o colapso geral do sistema, como se supujo no primeiro momento, sob o impacte do grande massacre imperialista e do milagre do Outubro vermelho. Estes dous equívocos -a crença de que se instaurava o socialismo na URSS e a da iminência da derrocada do capitalismo na Europa- colocárom o movimento comunista europeu num trilho errado.

Era esse desfasamento fruto do “voluntarismo” e do “blanquismo” de Lenine? Essa lenda social-democrata foi, bem o sabemos, a grosseira justificaçom encontrada por aqueles que, perante a presença da revoluçom na rua, no Verao russo de 1917, se passárom em pánico para a trincheira da burguesia. Lenine nom inventava revoluçons: sabia que as revoluçons “nascem das crises históricas, independentemente da vontade dos partidos e das classes.”1 Estava porém erradamente convencido da proximidade de umha crise final na Europa. A sua perspicácia habitual obscurecia-se na luita desesperada para salvar os sovietes. Fechava os olhos à fraqueza sintomática das réplicas suscitadas polo grande sismo, nomeadamente a timidez suicida das revoluçons alemá e húngara, e tirava conclusons demasiado optimistas das localizadas acçons operárias na Europa Ocidental, em solidariedade com o poder dos sovietes.

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Passado um ano, o II congresso, forçado a reconhecer o “atraso na preparaçom do proletariado para a ditadura”, continuava a anunciar a “luita decisiva”, a “acçom directa contra a burguesia”. Entrara-se na fase da “preparaçom imediata, politica e técnica, do levantamento proletário porque “a revoluçom proleária é todo o que há de mais possível num futuro muito próximo”.4 Assim, os jovens partidos comunistas europeus partírom para a bataiha animados dum forte espírito revolucionário, em ruptura com a colaboraçom de classes, mas desfasados de toda a situaçom social em que estavam inseridos. Pseudo-sovietes, “sindicatos vermelhos”, boicote “de princípio” do parlamento, agitativismo frenético e até certas aventuras insurreccionais acabavam em fracasso por apostar numha radicalizaçom inexistente.

A sua tentativa para deslocar rapidamente o proletariado do campo do reformismo para o campo do comunismo tinha que fracassar porque a simpatia espontánea e calorosa do operariado (sobretodo das suas camadas mais pobres) pola revoluçom dos sovietes nom era suficiente para criar umha situaçom revolucionária. Essa dependia de factores estruturais que nom estavam reunidos em nengum país europeu (a nom ser talvez nas periferias, a braços com revoluçons burguesas inacabadas — Hungria, Espanha, etc.). E nessa situaçom, a massa do proletariado, mesmo quando radicalizava as formas de luita, era avessa a seguir um partido que lhe trazia a mensagem da revoluçom e da conquista do poder a curto prazo. Quando muito, aproximavam-se do PC atraídos pola mensagem socialista da Uniom Soviética, mas visando umha actuaçom essencialmente social-democrata, se bern que mais radicalizada.

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“CHEGOU A LUITA FINAL” Como soam patéticos, lidos hoje, os apelos insurreccionais dos primeiros anos da Internacional Cornunista! Declarando “chegada a hora da luita final e decisiva”, o I Congresso apontava como tarefa do proletariado “a conquista imediata dos poderes públicos”. Lenine celebrava aí o “começo da revoluçom socialista mundial” e considerava “bastante proável que, muito em breve, a revoluçom estale em muitos Estados da Europa Ocidental” 2. E meses depois: “Sente-se, palpa-se, o ascenso da guerra civil em todos os países avançados”.3


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Europa - O eclipse da revoluçom GANHAR A MASSA A TODO O CUSTO! Em breve, as duras realidades obrigárom a pôr de lado os apelos ao assalto. Os entusiastas grupos comunistas anunciavam o poder dos sovietes e a ditadura do proletariado... mas nom encontravam eco na massa operária. Em 1921, evocando ainda nostalgicamente a perspectiva de “unir a Alemanha industrial à Rússia agrícola” 5 a Internacional tivo que admitir que “a revoluçom mundial... exigirá um período bastante longo de combates revolucionários e reconheceu o “elevado grau de organizaçom da burguesia nos países capitalistas desenvolvidos da Europa”(6). Esta constataçom, que poderia servir de base a umha táctica mais realista, foi porém iludida, sob a premência do apoio à Rússia. Deduziu-se que as massas retardavam sobre as possibilidades objectivas e a culpa era dos comunistas, que nom sabiam ir arrancá-las à influência social-democrata. O centro da táctica devia pois ser deslocado para “a conquista da influência preponderante sobre a maior parte da classe operária”7 pola disputa taco-a-taco com os reformistas. Como vinha depois a verificar-se inúmeras vezes, este apelo aparentemente forte ocultava umha cedência, já que a conquista da maioria, fora de umha situaçom revolucionária, só poderia ser obtida à custa de grandes concessons programáticas.

E como as cousas corriam cada vez pior, como a economia capitalista safava da crise e a burguesia, ajudada polos socialistas, iniciava umha nova ofensiva contra o proletariado e na Itália o fascismo subia ao poder, exacerbou-se na direcçom da IC a busca de resultados a curto prazo, numha corrida contra o tempo. Reafirmando que “o capitalismo está na agonia e o seu desmoronamento é inevitável e a pretexto de que umha crise de grandes proporçons poderia sobrevir a qualquer momento, o IV Congresso pediu aos partidos o empenhamento de todos os esforços na criaçom de umha Frente Única com os trabalhadores social-democratas e anarquistas, pola “conquista da maioria da classe operária da América e da Europa” para a influência comunista, o que era pura utopia. Pior: para motivar a base socialista à unidade, o IV congresso, atendo-se ainda verbalmente à perspectiva da conquista do poder e da guerra civil, introduziu a palavra de ordem do “governo operário como questom de política actual, o que equivalia a admitir a entrada dos comunistas para o governo no quadro das instituiçons. Aí era dito, para que nom restassem dúvidas, que “um governo operário resultante de umha combinaçom parlamentar pode também fornecer a ocasiom de reanimar o movimento operário revolucionário8.

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Assim foi aberto o caminho para a ascensom do oportunismo no seio dos partidos europeus (e nom só). À “doença infantil do esquerdismo” sucedeu, quase sem transiçom a “doença senil do direitismo”, a obsessom pola conquista da maioria, a tansformaçom dos PCs numha força eleitoral, legalista, prisioneira das chantagens da social-democracia. A ERRADICAÇOM DA DOENÇA INFANTIL A viragem fora promovida por Lenine no Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Nesse folheto, escrito em 1920 com o objectivo de “aplicar à Europa Ocidental o que há de aplicável na história e na teoria bolchevique” 9 Lenine contrapunha ao “purismo” inexperiente dos jovens comunistas alemáns, holandeses, ingleses, italianos, a utilizaçom minuciosa, exaustiva de todas as instituiçons, mesmo as mais reaccionárias, e a aceitaçom de acordos e compromissos, como o meio que permitiria ao partido bolchevique ligar a vanguarda à massa e levar esta a libertar-se de ilusons e avançar no caminho da revoluçom até abraçar o poder dos sovietes. Tinha razom ao mostrar a infantilidade de se julgar possível “marchar a direito para o comunismo”... mas acreditava, tal corno os esquerdistas, na iminência da revoluçom. Embora reconhecendo que “é muito mais difícil para a Europa Ocidental do que para nós começar a revoluçom socialista”10 , Lenine assegurava, contraditoriamente, que os operários europeus “caminham a passos largos para o comunismo”. Se isso fosse verdade, urgiria de facto derrotar o “esquerdismo” corno principal obstáculo à conduçom vitoriosa das massas. Mas o esquerdismo era neste caso, para além de sinal de inexperiência política, a manifestaçom da perplexidade dos jovens partidos, tentando afirmar a sua identidade debaixo do cerco de um formidável aparelho reaccionário, dos ataques da social-democracia e das ilusons democrático burguesas das grandes massas. Só a elaboraçom de umha teoria adequada permitiria superálo. Eliminá-lo simplesmente, equivalia a abrir a porta a demónios bem mais perigosos.

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Ou seja: em vez de perguntar o que é que, na situaçom económico-social da Europa, impedia umha adesom massiva dos operários ao programa comunista, tentava-se comprar essa adesom à custa de concessons de princípio. Como os reformistas nom vinham ao encontro do comunismo, ia o comunismo ao encontro deles...


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Europa - O eclipse da revoluçom No ano anterior ainda Lenine considerava as manifestaçons esquerdistas como secundárias e nom impeditivas do trabalho conjunto com esses “revolucionários sinceros”11. Em poucos meses, porém, ansioso polo apoio europeu que tardava e influenciado pola luita interna na Rússia, inverteu as prioridades. Apoiou na Alemanha elementos vacilantes e propensos ao reformismo para assegurar a derrota dos “esquerdistas”. Aconselhou os comunistas ingleses a apoiarem eleitoralmente os chefes trabalhistas, como etapa necessária para as massas se libertarem de ilusons e avançarem para a revoluçom — avanço que só existia na sua imaginaçom.

Todas as componentes da teoria leninista faziam sentido no pressuposto de umha situaçom revolucionária em gestaçom, de umha tendência geral de deslocaçom das massas para o terreno da revoluçom. Mas na ausência dessa situaçom -e era o caso da Europa- essas mesmas manobras tornavam-se no seu contrário, fomentavam o oportunismo. Assim, a frente única sindical, em vez de funcionar como escola elementar do comunismo, tornou-se umha escola de conformismo reformista; a concorrência às eleiçons e a participaçom no parlamento nom desagregárom a instituiçom parlamentar, desagregárom os comunistas; os acordos e compromissos que, no caso dos bolcheviques, tinham decomposto os mencheviques roubando-lhes a base operária, aqui, decompugérom os comunistas e nom os reformistas. A derrota do “esquerdismo” infantil deixou o caminho livre, em praticamente todos os partidos europeus, ao ascenso do oportunismo de direita, porque nom havia outras forças em presença no jovem movimento. O episódio Rates no PCP foi apenas um exemplo do que se passou por toda a Europa12.

MARGEM DE MANOBRA Os resultados desastrosos da luita anti-esquerdista, que Lenine viria a lamentar 13, demonstravam que a táctica comunista na Europa nom podia ser decalcada sobre a dos bolcheviques. Na Rússia, estes tinham podido utilizar em seu proveito a Duma reaccionária, sindicatos policiais, as mais variadas manobras e compromissos porque se apoiavam nas reivindicaçons prementes do povo -paz, terra, liberdade, 8 horas de trabalho-, as quais conduziam directamente à derrocada do czarismo, em condiçons de extrema debilidade da burguesia. As reivindicaçons políticas gerais serviam de estímulo e cimento às reivindicaçons parcelares diárias, o que proporcionava ao partido revolu-

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Com o aparelho de poder burguês em fortalecimento constante, com a economia levando espontaneamente as relaçons capitalistas a todos os recantos da sociedade, com as instituiçons democráticas servindo de correia de transmissom da ditadura burguesa entre as massas -o movimento comunista tinha que se implantar em condiçons muito adversas. Na Rússia, o comunismo crescera inserindo-se na corrente de umha crise social em desenvolvimento; na Europa avançada, em turbulenta expansom imperialista, o comunismo só podia crescer em contra-corrente, o que reduzia inevitavelmente o seu campo de manobra.

Nom era fácil, pois (e ainda hoje o problema continua em aberto), encontrar as reivindicaçons, as formas de luita e as alianças que proporcionassem aos partidos cornunistas ligaçom às massas e simultaneamente atacassem a ordem e preparassem a derrocada do poder burguês. Isto exigia umha longa aprendizagem em que nom bastavam de forma algumha as meras declaraçons de “fidelidade ao leninismo”. UM PASSO À RETAGUARDA Críticos radicais do leninismo eram os “comunistas dos conselhos”, que se pretendiam os melhores discípulos da revoluçom russa, na esteira do “comunismo de esquerda” de 1920. Mas a sua prática fijo a prova do fundamento das críticas de Lenine. Abstendo-se ferozmente de qualquer acçom nos sindicatos “reaccionários”, ignorando soberanamente o parlamento, alheados de todo o movimento real, e sobretodo dominados por autêntica fobia ao partido, por eles repudiado como “usurpador da autonomia operária”, pretendêrom centrar a mobilizaçom do proletariado em conselhos, que seriam órgaos simultaneamente de luita política e económica. Poderiam ter tido algum êxito temporário em período revolucioná-

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cionário umha ampla margem de manobra. Na Europa avançada, porém, as reivindicaçons realmente antagónicas com o regime -expropriaçom da burguesia, poder dos conselhos de trabalhadores, armamento do proletariado, desarmamento da burguesia, controlo operário da produçom, unidade com os povos oprimidos- nom eram (nem som ainda, longe disso) reivindicaçons assumidas polo povo, nem sequer pola massa dos operários avançados. Eram reivindicaçons puramente teóricas. O movimento ficava confinado a reivindicaçons internas ao sistema: as da pequena burguesia, intelectualidade, etc., mas também as do proletariado e semiproletariado.


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Europa - O eclipse da revoluçom rio. Mas batidos polo refluxo geral do movimento, demonstrárom rapidamente os seus erros congénitos resultantes do abandono de noçons básicas do movimento marxista: articulaçom entre a luita económica e a luita politica, papel insubstituível do partido comunista na época da passagem da ditadura da burguesia à ditadura do proletariado. Acabárom aparentados à social-democracia, sempre pronta a dar acoihida aos desiludidos do comunismo. Nas fileiras da IC, entretanto, em breve se tornou evidente que as concessons da “frente única” nom produziam qualquer deslocaçom operária na via da revoluçom e, se permitiam ampliar as fileiras dos partidos, esse alargamento tinha como preço a diluiçom da sua identidade comunista. Deste modo, para colmatar os estragos causados pola abertura do IV Congresso, a IC lançou em 1925 umha campanha de “bolchevizaçom e acentuou a demarcaçom face aos social-democratas, “rectificaçom” a que se seguiria umha nova “abertura” e umha nova “viragem” em 1928... Por esta altura, já os plenos da Internacional, constituídos por elites burocráticas dependentes da direcçom da URSS, nada tinham de comum com as agitadas assembleias de 1919-20, embriagadas de espírito revolucionário. As análises da situaçom internacional e da táctica dos partidos eram copiadas das directivas da politica externa da URSS. E Moscovo, perdidas as ilusons numha revoluçom a curto prazo, adoptara um cínico pragmatismo nacionalista, que subordinava os interesses do proletariado de todo o mundo à necessidade de retardar um ataque imperialista contra a URSS.

Por umha sucessom pendular de “rectificaçom à esquerda e à direita, os partidos tentavam manter um rumo equidistante do ultra-esquerdismo e do oportunismo de direita, ou seja, alargar a sua base de massas sem perder a demarcaçom com os social-democratas. Conseguírom assim, graças à sua persistência e luitando com enormes dificuldades, ganhar no movimento operário o espaço deixado vago pola social-democracia, já entom a mover-se nos círculos do governo e do alto negócio.

Mas este lugar de extrema esquerda no leque partidário e as perseguiçons sofridas nom podem fazer esquecer que os PCs, privados de umha estratégia para a revoluçom, ganhavam apoio nas camadas intermédias à custa da perda de crédito junto dos sectores mais radicalizados. Perdiam de vista o espírito revolucionário do leninismo e da revoluçom russa, que lhes aparecia como inaplicável neste universo diferente. Evoluíam para umha nova forma de social-democracia.

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Por estranho que poda parecer à primeira vista, esta assimilaçom reformista dos partidos verificava-se também, e até mais, nos países sob regimes fascistas — e nos anos 30 já eram muitos. A Itália foi um cadinho desse antifascismo democrático-burguês. É que a situaçom sob o fascismo nada tinha de comparável à dos bolcheviques sob o czarismo; as correntes da pequena burguesia democrática e da burguesia liberal eram incomparavelmente mais fortes do que na Rússia; a restauraçom da democracia burguesa era a meta para que convergiam todas as forças. Na linha geral de “conquista da maioria”, os comunistas ficavam prisioneiros do anseio geral de restauraçom da “democracia”. Por outro lado, a própria dureza da luita ocultava melhor a modéstia dos objectivos.

À medida que o fascismo se revelou como umha ameaça mortal, nom só para a Uniom Soviética, corno para toda a Europa, esta bandeira da “uniom de todas as pessoas honestas para a conquista da democracia” iria cobrir e acelerar a capitulaçom geral face à social-democracia, tam bem expressa no relatório de Dimitrov no VII Congresso (e último) da IC. A partir daí, o percurso dos partidos comunistas já só nos slogans pode ser vinculado ao movimento comunista fundado em 1919 em Moscovo. Foi umha evoluçom geral, regular, que nom pode ser atribuída a esta ou àquela circunstáncia, ao ascenso do nazi fascismo, às manobras geoes-

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A REVOLUÇOM DISTANTE Com efeito, posta de lado, por força dos acontecimentos, a esperança numha revoluçom a curto prazo (o período 1929-32, com a grande crise e os derradeiros sobressaltos da resistência ao nazismo na Alemanha, terá sido o último em que se acreditou na proximidade da revoluçom), os partidos comunistas europeus, prestando incansavelmente homenagem às “liçons de Outubro”, recaíam, pouco a pouco, na perspectiva da II Internacional: tentar ampliar gradualmente a simpatia junto das grandes massas (e da pequena burguesia) indo ao encontro do seu estado de espírito, nos parlamentos, nos sindicatos, na agitaçom diária, metendo entre parêntese o programa anticapitalista dos comunistas. Em meados dos anos 30, a busca dos melhores “resultados práticos”, estimulada pola direcçom soviética, mergulhará a generalidade dos partidos europeus numha “luita polo progresso social” em perfeito espírito de colaboraçom de classes. Só a sua vinculaçom à Uniom Soviética, o papom da burguesia em todos os continentes, evitou que essa deriva reformista fosse mais rápida, já que vedava aos comunistas a entrada nos aparelhos mais sensíveis do poder.


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Europa - O eclipse da revoluçom tratégicas defensivas de Staline, ou às propensons reformistas de Thorez ou Togliatti. Todo se passou como se nom houvesse alternativa a um percurso que esterilizou os PCs europeus num progressismo radical, para os degenerar depois numha espécie de ala esquerda social-democrata. “GUERRA DE POSIÇONS” OU “GUERRA DE MOVIMENTO”? Que a luita do proletariado europeu polo derrube do capitalismo seria inevitavelmente de longa duraçom, já o movimento marxista o compreendera desde finais do século XIX. As manifestaçons de pujança dos meios burgueses, a proliferaçom da pequena burguesia, a lenta elevaçom do nível de vida das massas nom deixavam lugar a expectativas numha crise revolucionária a curto termo. O movimento comunista nom fijo mais, por isso, do que regressar a umha constataçom adquirida, após a ilusom do assalto próximo criada pola revoluçom russa. O pior é que retomou o problema no ponto em que fora deixado por Bernstein e Kautsky: revoluçom distante = transiçom gradual = acumulaçom estática de forças = acçom parlamentar... acabando no reformismo crónico e no chauvinismo. Depois da falência vergonhosa da II Internacional, depois das liçons de Outubro (tam reverenciadas como falseadas), esta recaída no oportunismo só com prova a força do reformismo que emanava das próprias relaçons sociais na Europa. As elaboraçons de Gramsci, que gradualmente viriam a impor-se como cartilha do novo revisionismo europeu, tenhem a vantagem de sintetizar a opçom que defronta o movimento. Gramsci completou a noçom de ditadura com a do “consenso”, para chamar a atençom para a necessidade de umha longa “guerra de posiçons”, que permitiria, por um paciente trabalho de “infiltraçom” substituir pouco a pouco a hegemonia político-cultural burguesa por um sistema de “contrapoderes” e pola “contra-hegemonia” das massas populares. (Naturalmente, nom faltam no plano de guerra gramsciano as garantias de que o objectivo é a destruiçom revolucionária do aparelho burguês; nem por isso ele deixa de revalorizar as instituiçons burguesas e o sufrágio universal como “armas” de consciencializaçom das massas e abrir a porta ao reformismo). O PCI e, depois dele, todos os partidos europeus, figérom umha leitura reformista de Gramsci porque era isso que alá havia para ler. A questom que cabe ainda hoje aos comunistas europeus esclarecer é justamente a do carácter da guerra que tenhem que mover nesta metrópole do imperialismo mundial: “guerra da posiçons” ou “guerra de movi-

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Essa ruptura, umha ruptura comunista autêntica, só teria sido possível se experiências revolucionárias mesmo localizadas, mesmo derrotadas, tivessem iluminado a compreensom da luita de classes que se travava no continente. Mas as situaçons revolucionárias (Alemanha, 1924, Espanha, 1936, Grécia, 1947, França, 1968, Portugal, 1975..) nom tivérom consistência nem amplitude que lhes permitissem rasgar essas vias novas. Saberemos ajudar melhor umha prôxima crise revolucionária que surja em qualquer canto da Europa? *Publicado no número 61 da revista Política Operária. Lisboa, Setembro-Outubro de 1997. (1) “A revoluçom nom se pode fazer. As revoluçons nascem das crises e das viragens históricas objectivamente amadurecidas (independentemente da vontade dos partidos e das classes).”, “La faillite de la II Internationale”, Oeuvres, tomo 21, p. 246, Ed. Sociales/Ed. du Progrès, 1973, Moscovo. (2) Les quatre premiers congrès mondiaux de l’Internationale Communiste, 19191923. Ed. Maspéro, Paris, 1970, p. 30, sublinhado meu. (3) Lenine, Oeuvres, Ed. du Progrès, Parls/Moscovo, 1973, tomo 29, p. 512. (4) Les quatre premiers..., p 87.. (5) Id.,pp. 104-105. (6) Id., p. 94. (7) Id., p. 95, subI. meu. (8) Id., p. 155-158. (9) Lenine, Esquerdismo, ed. Pequim, em espanhol, 1975, p. 36. (10) Id., p. 60. (11) Lenine, Carta a Sylvia Pankhurst, Oeuvres, tomo 29, p. 566. (12) Apôs um congresso atabalhoadamente convocado por um enviado da IC, em Novembro de 1923, a direcçom do PCP, de tendência “esquerdista‘ foi destituida, sendo investido em secretário-geral Carlos Rates, que desertaria dous anos mais tarde, após diversas iniciativas oportunistas. (13) A propósito do dirigente oportunista alemám Paul Lévi. Oeuvres, tomo 33, p. 209.

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mento”? Queremos com esta imagem dizer: em condiçom de supremacia prolongada e envolvente da burguesia, o comunismo só pode crescer se abandonar as noçons de acumulaçom estática e gradual de forças, os sonhos de “conquista da maioria da classe operária”, e souber adoptar umha grande mobilidade teórica nom se deixando aprisionar na ratoeira das instituiçons nem no envolvimento da pequena burguesia. Só isso permitirá evitar que o partido comunista se tome, ao fim de duas ou três décadas de existência (às vezes nem tanto) um meio propenso ao reformismo. Só isso lhe permitirá neutralizar as desvantagens esmagadoras da correlaçom de forças nos longos períodos de “paz social” e explorar a fundo as vantagens nos breves momentos de crise aguda e de revolucionarizaçom do estado de espírito das massas.



SOMOS TODOS PROLETÁRIOS? Como resposta aos reaccionários arautos da “extinçom do proletariado”, tem circulado nos meios de esquerda a afirmaçom de que proletários, segundo Marx, seriam praticamente todos os assalariados. Com esta ideia, que nom é nova, pretende-se demonstrar que o proletariado ascenderia, nos países capitalistas avançados, a 80 ou 90 por cento da populaçom e que as condiçons para passar ao socialismo seriam portanto excelentes. A intençom pode parecer boa mas os resultados nom som famosos. 1

Entre nós, opinions destas encontram-se por vezes na imprensa do PCP como na do PSR. Mais longe vai o Luta Popular, órgao do PCTP/MRPP, ao afirmar taxativamente que “os actuais empregados ou trabalhadores dos serviços... som também produtores de mais-valia” e que “isto acontece também com os empregados do saber, os técnicos altamente qualificados”; segundo o articulista do Luita Popular, a opiniom contrária seria estranha ao marxismo e teria sido posta em circulaçom polos “economistas ditos marxistas da Academia de Ciências da URSS”.1

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Antes de irmos mais longe, desde logo seria preciso que os adeptos desta teoria explicassem o estranho fenómeno de nas sociedades capitalistas avançadas, quanto mais avassaladora é a “proletarizaçom” da populaçom, mais recuam os interesses e ideias próprios do proletariado, mais prevalecem os interesses e pontos de vista da burguesia. Seria caso para perguntar: se o proletariado, com esses pretensos 80% ou 90% da populaçom, nom consegue fazer valer a democracia nem pôr termo à extorsom da mais-valia –, será que tem realmente algumha capacidade revolucionária como classe? À força de quererem ser “optimistas” os proletarizadores acabam por dar umha visom empobrecida da luita de classes e desvalorizar o proletariado. 3

Marx nom pode ser convocado como testemunha polos adeptos desta noçom “ampla” de proletariado. No Capital, ele definiu os proletários como os produtores de mais-valia: “Em economia política, deve entenderse por proletário o assalariado que produz o capital e o fai frutificar.”2 Marx é portanto claro: proletários nom som quaisquer assalariados mas apenas os produtores de mais-valia. A opiniom contrária pode sustentarse em passagens como a do Manifesto do Partido Comunista, em que efectivamente Marx contrapom a classe dos proletários (englobando todos os assalariados) à classe dos capitalistas. Trata-se aí contodo de um panorama simplificado da luita de classes, que Marx precisou nos anos posteriores durante a elaboraçom do Capital. 4

Operários de fábrica, assalariados da construçom, transportes, comunicaçons, agricultura e minas, armazenagem, vestuário, restauraçom, limpeza, reparaçons e muitos outros cujo trabalho produz directamente mais-valia constituem o proletariado. O que fai deles umha classe à parte é serem a fonte donde brota o capital. E é justamente isso, e nom qualquer predestinaçom mística, que lhes confere potencialidades únicas para eliminar a ordem burguesa. 5 Nom estám no mesmo caso os empregados do comércio e escritório. Ainda Marx: o salário pago aos empregados comerciais destina-se a rea-

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Já os assalariados com funçons intelectuais, executando um trabalho altamente complexo e por isso melhor remunerado (médicos, professores, engenheiros, etc.) devem ser assimilados basicamente à pequena burguesia. O argumento de que os engenheiros, técnicos e quadros com tarefas produtivas seriam igualmente parte do proletariado omite que além da actividade produtora de mais-valia que efectivamente tenhem, esses técnicos estám isentos do trabalho manual e desempenham em geral tarefas de direcçom, vigiláncia e enquadramento dos operários, isto é, som auxiliares do capitalista na extracçom da mais-valia, o que os situa na pequena burguesia assalariada. 7

As ilusons em voga nos anos 50 sobre a automaçom como via de apagamento das fronteiras entre trabalho manual e trabalho intelectual, capaz de “fazer de cada operário um técnico”, nom resistírom em face da realidade. A automaçom nom obedece a qualquer objectivo de aligeiramento do esforço; fai-se para obter umha exploraçom mais intensa do trabalho assalariado, o que se traduz num aumento do número de técnicos acompanhado por umha desqualificaçom massiva do trabalho operário.4 8

Há quem veja a distinçom entre proletariado, semiproletariado, pequena burguesia como umha esquisitice teórica, que redundaria na “divisom das

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lizar o valor da mercadoria e nessa medida é fonte de lucro para o capitalista, “mas nom cria mais-valia.” 3 O argumento de que os empregados estariam incorporados no proletariado porque o seu trabalho perdeu qualificaçom ou porque também já manipulam máquinas (computadores, calculadoras, etc.) esquece que essas máquinas som auxiliares do seu trabalho de registo, contabilidade, etc.; nom devem ser confundidas com as máquinas do processo produtivo. Assalariados explorados embora nom produtores de mais-valia, com um lugar mais periférico no processo capitalista –daqui resultou a classificaçom da massa dos empregados como semiproletários.


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Somos todos proletarios? forças do campo popular”. Na realidade, esta questom tem a sua história. No começo deste século, o ascenso do reformismo nos países avançados, ao mesmo tempo que os “elos fracos do imperialismo” entravam num período de grandes revoluçons, obrigou os marxistas a observarem mais de perto conceitos do Capital que tinham sido esquecidos durante os anos da II Internacional. Tendo captado o efeito deformador do imperialismo na luita de classes, Lenine apercebeu-se da importáncia crescente assumida, nos países avançados, pola diferenciaçom, no seio dos assalariados, entre proletariado, semiproletariado, nova pequena burguesia, assim como a “aristocracia operária”, a burocracia sindical e partidária, e toda umha série de outros assalariados em actividades parasitárias, que por vezes designou como semi-pequeno-burgueses. 9

A social-democracia, polo contrário, enveredando desde a I Guerra Mundial pola vocaçom imperialista que já trazia em germe, precisava de construir um quadro idealizado das sociedades imperialistas, alargando a noçom de proletariado a todos os assalariados para assim cobrir a sua deserçom para o campo da pequena burguesia. A fim de justificar a adaptaçom ao existente, os social-democratas (declarados ou pseudo-“comunistas”) ora omitem a produçom de mais-valia como característica essencial do proletariado, ora atribuem essa capacidade indistintamente a todos os assalariados, de modo a apagar a distinçom entre proletariado e semiproletariado e, pior do que isso, baptizar como “proletários” toda a pequena burguesia assalariada. 10

Estamos pois perante duas concepçons opostas: nas metrópoles imperialistas o proletariado cerca a burguesia e está à beira de lhe impor a sua ordem ou, polo contrário, encontra-se, com o semiproletariado, cercado por umha multidom de activos destacamentos da pequena burguesia, interessados em impedi-lo de fazer a revoluçom? A luita anticapitalista do proletariado (e do semiproletariado) é a de “todo o povo” ou tem que se haver com a hostilidade nom apenas do poder instituído mas da democracia pequeno-burguesa, apostada na conservaçom do sistema? 11

Ao optar pola primeira resposta, os social-democratas obtenhem umha visom “optimista” a troco de pintar a sociedade imperialista putrefacta 160


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Nom ignoramos as dificuldades que esta perspectiva pom diante dos nossos olhos. Com efeito, o proletariado, em crescimento à escala mundial, constitui, todavia, nos países imperialistas umha fracçom decrescente da populaçom; perdeu muito da sua antiga agressividade, é abalado pola diferenciaçom interna, manietado polo reformismo, dizimado polo desemprego, bombardeado pola alienaçom. Neste momento, ninguém pode seriamente antever como serám superadas estas desvantagens e como poderám vir a formar-se situaçons revolucionárias nas metrópoles imperialistas. Mas encarar as dificuldades é o primeiro passo para poder amanhá superá-las. Polo contrário, os optimismos balofos só podem ser úteis à burguesia. 13

Em conclusom. As “classes médias”, desejosas de regatear melhores condiçons ao grande capital, procuram envolver o proletariado, priválo de objectivos próprios, enquadrá-lo como força de choque do seu movimento. Polo contrário, os comunistas, que visam a revoluçom socialista, isto é, a ditadura do proletariado sobre a burguesia, luitam para libertar o proletariado desse cerco, torná-lo umha força socialmente independente, orientada para os seus próprios objectivos de classe. Intervenhem nas luitas do semiproletariado e da pequena burguesia, nom para engrossar o caudal da “luita popular pola democracia e o bem-estar” mas para explorar os aspectos que nelas sejam favoráveis à hegemonia do proletariado e combater os que lhe sejam desfavoráveis. A longo prazo, os comunistas sabem que o proletariado, embora minoritário, pode, em momentos de crise, arrastar consigo o semiproletariado, neutralizar a

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como umha espécie de pronto-a-vestir do socialismo e de justificar toda a espécie de oportunismos. Pola nossa parte, ao darmos a segunda resposta, expomo-nos às censuras de “sectarismo obtuso”, “romantismo obreirista” e “pessimismo desmobilizador”. Porém, como temos por objectivo nom apenas “introduzir algumhas melhorias possíveis” ao sistema mas sim liquidar, superar o capitalismo, só podemos tomar como ponto de partida a demarcaçom dos interesses próprios do proletariado, a consciência da sua diferença em relaçom às outras classes.


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pequena burguesia e inverter a correlaçom de forças, possibilitando a revoluçom. *Publicado no número 65 da revista Política Operária. Lisboa, Maio-Junho de 1998.

(1) “As transformaçons sociais nos últimos 20 anos”, Luta Popular, nº 854, p. 8, (1/2/98. (2) Le Capital, Ed. Sociales, Paris, 1948, t. III, p. 55. (3) Id., ibid., t. VI, p. 301-303, subl. meu. (4) N. Poulantzas, Poder político e classes sociais, Portucalense Editora, Porto, pp. 246-249.

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ETA, UM CASO DE LOUCURA HOMICIDA? Decidido a umha “postura de firmeza contra os assassinos da ETA” e fortalecido polas manifestaçons que sacudírom as cidades espanholas aos gritos de “Basta ya!”, o governo de Aznar prendeu, com a ajuda da França, mais 30 independentistas e aprovou em começo de Setembro um pacote de leis “antiterroristas” (a que o PSOE deu o seu aval). A partir de agora, quaisquer publicaçons favoráveis aos independentistas, já suprimidas pola censura, serám incriminadas como “exaltaçom e justificaçom do terrorismo”; os desacatos de rua (cocktails molotov, etc.) passam a ser incluídos no conceito de acçom terrorista; e os jovens, que som os grandes animadores da luita de ruas, passam a poder ser incriminados a partir dos 14 anos de idade. O facto de estas medidas, com umha séria carga fascizante, conseguirem obter a aprovaçom da maioria da opiniom pública espanhola sob o argumento da “luita contra o terrorismo” desenha, juntamente com a caça aos imigrantes clandestinos, umha radiografia verídica das tendências dominantes no país vizinho. Que som aplaudidas entre nós! Veja-se a série de reacçons iradas que desencadeou a defesa do direito de autodeterminaçom do povo basco, assumida justamente por Francisco Louçã. Sem falar já dos que acham

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ETA, um caso de loucura homicida? que a soluçom do problema basco está em “serviços secretos sofisticados e polícia implacável, como afirmou sem complexos o deputado do PSD Rui Rio, os comentadores da área social-democrata nom se coíbem de aplaudir Aznar. Para eles a questom é simples: o regime espanhol é democrático e a Constituiçom de 1978 foi aprovada em referendo – logo o recurso à violência é inadmissível. Reprima-se portanto. Vital Moreira declara sem vacilar a repressom dos etarras “umha tarefa imperiosa que nom consente tergiversaçons” (Público, 26/9). E o ex-esquerdista J. M. Fernandes, director do mesmo diário, forçando a nota como é seu timbre, nom hesita em comparar a reivindicaçom nacionalista dos bascos à luita dos nazis polo “espaço vital”! Nada nos liga aos métodos de luita da ETA, que som em nossa opiniom sinal de desespero. O efeito dos seqüestros, execuçons e atentados bombistas tem sido afastar massas crescentes da populaçom espanhola –e mesmo do País Basco – da causa independentista. O governo e a polícia limitam-se a capitalizar um trunfo que lhes é oferecido pola obstinaçom dos etarras. Mas isto nom pode iludir a questom de fundo: como podem as aspiraçons de autodeterminaçom dos bascos ter sido satisfeitas “em clima democrático” se os que combatêrom pola República e fôrom barbaramente perseguidos durante a ditadura franquista se encontrárom marginalizados e vírom ser recusada justiça aos seus mártires para garantir a impunidade dos massacradores? Pode ter sido “hábil” como se di, passar umha esponja sobre o meio milhom de mortos da guerra civil e declarar as contas saldadas, em nome da “pacificaçom”. Mas que efeitos tivo esta filosofia da “reconciliaçom” sobre o campo das vítimas? A ETA e com ela boa parte do povo basco saírom da “abertura” de 78 irreconciliados com o Estado espanhol. O que teria que prolongar o conflito. Falemos de umha realidade da democracia espanhola pouco atendida polos nossos analistas. Existem em Espanha 400 presos políticos bascos (além de 73 e a França). Cumprem, na sua maioria, penas pesadíssimas (ainda em 27 de Junho fôrom condenados em Madrid mais dous homens a 18 anos de prisom cada um por terem sido apanhados com armas e explosivos), A prática da tortura sobre os presos durante os interrogatórios é generalizada e já deu origem a múltiplos protestos de associaçons de defesa dos direitos humanos, nom só de Espanha como de outros países europeus. Os crimes do bando terrorista GAL, montado pola polícia às ordens do Estado, fôrom apagados com um simulacro de justiça que redobrou a indignaçom das vítimas. A possibilidade de libertaçom após os 3/4 da pena, prevista na lei, nom é aplicada aos presos bascos. Tanto em 164


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*Publicado no número 76 da revista Política Operária. Lisboa, Setembro-Outubro de 2000.

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Espanha como em França, invocando razons de segurança, os presos som dispersos por cadeias a centenas ou milhares de quilómetros da sua terra, o que os isola na prática dos familiares e os sujeita a toda a espécie de arbitrariedades. Justamente umha das expectativas da ETA, quando da declaraçom das tréguas, era de que o governo acedesse finalmente a transferir a massa dos prisioneiros para cadeias em Euskadi ou nas proximidades. Em Janeiro de 1999, 100.000 pessoas manifestárom-se em Bilbau nesse sentido. Mas o governo conduziu deliberadamente as negociaçons com a ETA ao impasse, com o sofisma de que reunir os presos pressupunha ceder à chantagem dos “terroristas”. As autoridades empurrárom a ETA para a ruptura das tréguas porque aspiram ao seu esmagamento. Nom sabem raciocinar de outra forma. Tem razom Vital Moreira quando di que a questom basca nom nos pode ser alheia. Mas por umha razom oposta à que ele invoca. É que a lógica fascizante da “liquidaçom do fanatismo terrorista” que está em marcha em Espanha nom deixará de se reflectir, de umha forma ou de outra, no nosso país.



16 BOAS RAZONS PARA NOM ABUSAR DO PARLAMENTO Deve a concorrência dos comunistas ao parlamento ser bastante mais restritiva que no passado? Para Mariano Castro isto é puro antileninismo. Lamentavelmente, na sua longuíssima resposta (o triplo do espaço que ocupei!), ele perde-se em consideraçons sobre a integraçom imperialista e as perspectivas da revoluçom proletária na Europa e deixa sem resposta o cerne da minha argumentaçom. Que vou recapitular, o mais brevemente possível. 1 – Mariano admite que a utilizaçom do parlamento nom é um princípio absoluto e que este deve ser por vezes boicotado; eu nom proponho o boicote por sistema e aceito a utilizaçom do parlamento em certas situaçons – onde está afinal a nossa discordáncia? A diferença está no valor que cada um de nós atribui à acçom parlamentar. Para Mariano, ela é um “património” e um princípio fundamental da táctica comunista. Só admite o boicote quando as massas, no desenvolvimento da revoluçom, se encaminham na via insurreccional. Fora disso, a acçom parlamentar é “umha arma que deve ser sempre utilizada”.

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16 boas razons para nom abusar do parlamento Pola minha parte, vejo a acçom parlamentar como umha arma de dous gumes, que facilmente pode voltar-se contra o partido. Por isso, acho indispensável o boicote ao parlamento nom só numha fase pré-insurreccional como noutras situaçons; por exemplo, se o partido nom possuir umha séria implantaçom no proletariado; se nom existir umha corrente de luita proletária fora do parlamento que sustente a intervençom dos deputados comunistas; se o partido nom der provas de que é capaz de integrar a acçom táctica na sua estratégia revolucionária, como um todo único... Sei que isto limita bastante a intervençom parlamentar dos comunistas. Para o justificar invoquei duas razons: 1ª) o papel que o parlamentarismo tivo na degeneraçom do movimento comunista; e 2ª) o carácter fictício do parlamento na actualidade. Mariano nom aceita nengumha delas. 2 – Podem os comunistas encarar hoje a utilizaçom do parlamento como em 1920, sem tomar em conta o papel que desempenhou na degeneraçom do movimento comunista? Esta é, quanto a mim, a primeira questom de fundo que Mariano se recusa a encarar. Afirma ele que a degeneraçom dos partidos se deveu a causas sociais, à aliança da aristocracia operária com a pequena burguesia imperialista contra o proletariado, e que o oportunismo parlamentarista foi apenas umha conseqüência. Grande novidade! Mas o que está em discussom neste caso é justamente saber como foi levada a cabo essa conquista dos partidos pola pequena burguesia. A degeneraçom foi um processo lento, gradual, quase insensível, que se apoiou, nom em choques programáticos frontais (oh nom! os oportunistas tenhem horror a isso) mas em opçons tácticas, aparentemente inócuas, sempre justificadas polo “reforço do partido”, pola “ligaçom às massas”, etc. Entre essas opçons, a tese da utilizaçom obrigatória do parlamento tivo um papel preponderante. Com a derrota dos “antiparlamentaristas” polos “parlamentaristas”, logo nos anos 20, o centro da política dos partidos foise deslocando para o alargamento da sua representaçom parlamentar; daí derivou a tendência para encarar o movimento de massas sob o ponto de vista da utilidade eleitoral; daí a busca de alternativas políticas “viáveis” no plano parlamentar; daí a tendência para abandonar os temas e a linguagem pouco rentáveis eleitoralmente; daí o desejo de encontrar aliados na burguesia; e daí... todo o resto que tam bem conhecemos. 168


16 boas razons para nom abusar do parlamento

A exemplar táctica do Partido Bolchevique no percurso da revoluçom russa, inclusive no que toca à utilizaçom do miserável parlamento czarista, nom pode ser transposta de forma linear para a Europa imperialista. Aqui as relaçons de classe eram muito diferentes, a revoluçom estava ainda distante e tinha outro carácter e à corrente comunista faltava o mínimo de consistência ideológica, a qual só poderia nascer de umha acesa luita de tendências que nom se efectuou. Assim devem, quanto a mim, raciocinar os leninistas. 4 – A acçom parlamentar, que já tinha agido como umha alavanca poderosa para a integraçom dos partidos da II Internacional na ordem burguesa, voltou a funcionar nos partidos comunistas como umha autêntica via pacífica para o reformismo, apesar de as 21 condiçons ditadas por Lenine vincularem os partidos à defesa da revoluçom dos sovietes e ao internacionalismo proletário. Porquê essa virulência da acçom parlamentar na difusom do oportunismo e do reformismo? Porque, ao introduzir-se numha instáncia do poder burguês, os comunistas sofrem umha tremenda pressom para se comportarem de acordo com a lógica reinante; insensivelmente, os horizontes da actividade partidária tendem a deslocar-se da subversom revolucionária da ordem para a pressom no interior das instituiçons, a qual, para ser “eficaz”, exclui precisamente a mobilizaçom revolucionária das massas. E nom é com exigências verbais de que a luita parlamentar seja subordinada ao movimento de massas que se pode obstar a este perigo; se a correlaçom de forças (no partido e no movimento de massas) for desfa-

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3 – Para Mariano, nada disto conta; ele está solidamente entrincheirado nas citaçons de Lenine e a minha afirmaçom de que Lenine se equivocou em 1920 quanto à maturidade do movimento operário europeu soa-lhe como umha heresia antileninista. Mantenho, apesar disso, a afirmaçom de que as condiçons excepcionais vividas na Europa em resultado da primeira guerra mundial e da revoluçom russa induzírom Lenine em erro quanto à possibilidade de situaçons revolucionárias a curto prazo na Europa e portanto quanto às prioridades tácticas dos novos partidos comunistas. Basta confrontar o que Lenine escreveu na altura com o que realmente aconteceu.


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vorável, nom há directivas que consigam essa proeza de pôr a casa da burguesia ao serviço da luita contra o regime burguês. 5 – Convicto da obrigatoriedade da presença dos comunistas no parlamento, Mariano reage com grande veemência mas pouca lógica ao que escrevim sobre a agonia do sistema de democracia parlamentar. Escrevim (e escreveu o comunicado do colectivo Emancipaçom do Trabalho) que o parlamento “se transformou num saco vazio pola passagem de Portugal a província da Europa”, situaçom diferente do passado, quando “cada classe procurava colocar na Assembleia os seus representantes para defender os seus interesses”. Contesta Mariano que nunca a classe operária pudo impor os seus interesses no parlamento. (PO 73, p. 34). Perfeito! Falo das classes, Mariano deduz que me refiro à classe operária; falo de defender os seus interesses, ele lê impor os seus interesses. O mais caricato é que, depois de demolir esta ideia, recupera-a: “É mais que provável que a nova autocracia do capital financeiro transforme os vários parlamentos em parlamentos ‘regionais” (PO 77, p. 22); “O esvaziamento do parlamento vai significar o afastamento em definitivo de qualquer partilha de poder da grande burguesia com essas classes (pequena e média burguesia)”... “O parlamento tornará-se cada vez mais o órgao em que a grande burguesia associada e subjugada polos grandes monopólios europeus exercerá a sua ditadura sobre o povo português”. (PO 77, p. 23). 6 – Mas entom porque se incomoda Mariano que a este parlamento que ele reconhece como “regional”, “esvaziado”, “órgao da grande burguesia”, eu chame umha “assembleia fantoche”? Obviamente, porque, se chegarmos à conclusom de que este parlamento é mais podre e mais fictício do que o antigo, e por isso está mais desacreditado aos olhos de largas massas, menos se justifica a obrigatoriedade de os comunistas estarem lá dentro – mas desse “património” ele nom quer abdicar de maneira nengumha. O parlamento poderá, em circunstáncias por agora imprevisíveis, recuperar aos olhos das massas o valor de umha arena onde pode ser disputada a orientaçom dos governos. Mas, para já, nom é levado a sério como órgao da democracia representativa burguesa.

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Ainda mais absurdo, ele quer ver na crítica que figem ao abandalhamento do parlamento sinais de que lastimo a perda da independência e da soberania da burguesia portuguesa e adopto os pontos de vista da burguesia democrática e patriótica... sem justificar minimamente em que baseia tais conclusons. Porque o comunicado “As eleiçons estám perdidas” fai ver às massas a contradiçom entre as promessas de democracia e independência nacional e a realidade, significa isso que defende os valores da burguesia? Nom me parece, francamente, que o nosso debate e a nossa revista mereçam expedientes destes. 8 – Se o parlamento ainda tiver algum crédito, nem que seja só aos olhos das massas mais atrasadas, é obrigatório participar nas eleiçons, insiste Mariano (PO 73, p. 34). A lógica deste raciocínio parece impecável: supondo que já temos connosco as massas avançadas, que olham para além do parlamento, se concorrermos às eleiçons, trazemos a nós também as massas mais atrasadas, que ainda acreditam nele. É só lucro! Parece nom lhe ocorrer a hipótese evocada no meu artigo: e se, ao atrair os atrasados, repelimos os avançados? Eu gostaria que Mariano se pronunciasse sobre a afirmaçom que figem (PO 74, p. 30): “Há situaçons em que a participaçom no parlamento afasta os comunistas das massas inferiores, mais radicalizadas, e os aproxima das massas intermédias, mais vacilantes; e há casos em que à burguesia convém que os comunistas entrem no parlamento, para os neutralizar”. 9 – Concede Mariano que o aumento da abstençom pode traduzir um descrédito crescente das instituiçons, mas logo anula o efeito desta constataçom ao garantir que os abstencionistas som a parte inactiva das massas, e que os activos nas luitas som os que votam na CDU, BE, PS, etc. 171

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7 – Esta inconseqüência de nom querer reconhecer o apodrecimento e o descrédito do parlamento arrasta Mariano para outros procedimentos polémicos pouco ortodoxos e nada leninistas. Dizer, como figem, que o parlamentarismo “foi o mais poderoso estímulo à concentraçom do capital” e “promoveu o gigantismo do poder económico” equivale, em sua opiniom, a dizer que é o parlamentarismo que determina as leis por que se rege a economia e portanto a pôr Marx de pernas para o ar! Fico verdadeiramente sem palavras para responder a tal acusaçom. No plano político, o parlamentarismo foi ou nom o regime mais adequado à concentraçom do capital? E hoje, continua a sê-lo?


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16 boas razons para nom abusar do parlamento Primeiro, falta-lhe demonstrar que os proletários que nom vam às eleiçons também nom participam nos sindicatos, greves e manifestaçons, investigue e tenho a certeza de que encontrará muitos desses abstencionistas a tomar parte activa nas luitas. Se a abstençom, por si só, nom é um indicador de consciência política, ela também nom é forçosamente um indicador de atraso político. E se Mariano quer convencer-se de que os votantes no reformismo estám num grau de consciência política superior aos abstencionistas vai por mau caminho, porque desprezará todo um largo contingente das massas, neste momento mudas e anónimas, mas cuja consciência política é superior à de muitos dos que votam. 10 – Na situaçom actual, de estabilidade do poder e de desorganizaçom do proletariado, convém estar atento à possibilidade de certos slogans tradicionais se tornarem no seu contrário. “Apressar aos olhos das massas o descrédito do parlamento”... Ou apressar aos olhos das massas o descrédito dos comunistas dentro do parlamento? “Acumular forças pola acçom parlamentar”... Ou desgastar forças revolucionárias e acumular forças reformistas? “Utilizar o parlamento no interesse da revoluçom”..., Ou levar os comunistas a serem usados no parlamento polo regime burguês? “Medir polos votos obtidos a penetraçom das ideias revolucionárias na massa”... Ou deixar que o aumento das votaçons seja erigido em aferidor da justeza da política do partido, agindo como umha alavanca da sua integraçom no jogo das instituiçons? Estas som alternativas que um verdadeiro partido comunista deve ponderar para saber se tem ou nom condiçons para se lançar numha campanha eleitoral. 11 – Porque é que as visons de Mariano sobre o “tribuno parlamentar comunista” soam a literatura? Porque isso nom existe há muito tempo em lado nengum. Conseguimos facilmente imaginar (aliás, temo-los debaixo dos olhos) deputados da “esquerda civilizada”, a defender a justiça social, a Europa social e o respeito polas normas ecológicas. Mas a eleiçom de deputados comunistas que apelem, já nom digo à Uniom das Repúblicas Soviéticas da Europa, como pede Mariano, mas a metas bem mais

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Obviamente, falta algo essencial para isso ser possível. Falta umha mudança radical na situaçom política, em que massas significativas do proletariado e semiproletariado se ponham em movimento, em luitas parcelares, é certo, mas que contestem o sistema e a ordem social. Aí, sim, haverá condiçons para eleger tribunos parlamentares comunistas, que levem as exigências populares ao seio da assembleia fantoche e assim ajudem a alargar o movimento e a elevá-lo a umha etapa superior. Mas nom nos adianta muito sonhar com esse futuro brilhante. O nosso problema, por agora, é: no estado actual do movimento, o que é que o impulsiona para diante – a concorrência às eleiçons ou o boicote? 12 – Mesmo num ponto em que pareceria que Mariano estaria de acordo comigo – a experiência, que considerei positiva, do deputado da UDP em 75-78 –, também afinal discordamos. Ele critica essa experiência porque “o seu programa táctico de luita e também de combate ao reformismo confundia-se muitas vezes com a proclamaçom e a propaganda dos objectivos estratégicos”. Houvo decerto erros, mas Mariano esquece que essa foi a única ocasiom na nossa história moderna em que sectores proletários com simpatias revolucionárias sentírom ter a sua voz dentro do parlamento – o que, convenhamos, nom é para desprezar. Tornou-se depois moda na UDP desvalorizar essa experiência, taxando-a de “ideológica”, mas o caso é que a “correcçom do esquerdismo” trouxo umha viragem para o oportunismo. Nem admira: porque essa “rectificaçom” era já inspirada polo anseio de obter mais votos, e isto, em fase de recuo, só podia ser conseguido à custa de abandonar, nom só a propaganda como a agitaçom revolucionária. 13 – Nem sequer a minha proposta de, numha situaçom desfavorável como a actual, os comunistas fazerem campanha contra as instituiçons e desistirem à boca das urnas merece a aprovaçom de Mariano, porque isso

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modestas, como, por exemplo, à derrota das expediçons guerreiras “humanitárias”, a umha intervençom política autónoma do proletariado, à luita unida dos proletários imigrados com os nacionais contra o capital, às acçons de desafio à lei e à ordem – quem consegue imaginá-los num futuro próximo?


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16 boas razons para nom abusar do parlamento “equivale a dirigirmo-nos às massas atacando directamente as suas próprias ilusons” e implica (porquê?) “apelar directamente à luita pola ditadura do proletariado”. Mas porque nom poderiam candidatos comunistas demonstrar durante a campanha, com exemplos, que o problema nom é do governo em funçons mas do sistema, da ditadura da burguesia, explicar que a única esperança de mudança está nas luitas autónomas do proletariado, e depois retirarem a candidatura? 14 – Mariano insiste em que ficar fora do parlamento é deixar as massas atrasadas à mercê do cretinismo parlamentar da burguesia e caminhar para o isolamento da vanguarda perante as grandes massas. Só nom demonstra que a ligaçom da vanguarda à massa, hoje, passe necessariamente polo parlamento. E nom lhe ocorre que essa ligaçom, feita através do parlamento actual, pode levar-nos aonde nom queremos. Pergunto só: que espécie de campanha deveriam fazer hoje os comunistas se quigessem reunir os votos necessários para meter um deputado no parlamento? 15 – O essencial, escreve Mariano quase na conclusom do seu artigo, é que a classe esteja “dotada de umha táctica política esclarecida por umha estratégia revolucionária” e isso compete à vanguarda organizada no Partido. Finalmente, conseguimos estar de acordo num ponto! A vanguarda nom sabe neste momento como dotar a classe de umha táctica política esclarecida por umha estratégia revolucionária – eis umha afirmaçom que subscrevo a cem por cento. Todo se resume portanto a encontrarmos os alicerces dessa táctica. E nesse caso, erigir desde agora a acçom parlamentar, umha das mais difíceis e traiçoeiras frentes de luita, em procedimento táctico obrigatório seria muito mau começo. Temos à nossa espera, com urgência, a elaboraçom de umha táctica sindical, de umha táctica anti-imperialista, de umha táctica de uniom do proletariado europeu por cima das fronteiras... Seria desastroso que o partido a criar começasse com a febre de ser inscrito no ranking dos partidos com assento parlamentar, enquanto ainda lhe faltar o mínimo de autenticidade como órgao político do proletariado consciente. 16 – Em resumo, só pretendo ressalvar esta ideia: se é certo que há umha etapa em que o movimento revolucionário em ascenso já nom precisa de estar no parlamento (pelo contrário, precisa de o boicotar para abrir espaço aos novos órgaos de poder revolucionário em embriom), há 174


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*Publicado no número 78 da revista Política Operária. Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 2001.

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também umha fase em que o movimento ainda nom tem força para se servir do parlamento. Cabe ao partido comunista avaliar a situaçom em cada caso, nom se amarrando antecipadamente a decretos sobre “parlamento, nunca” ou “parlamento, sempre”, e tendo presente que a tribuna parlamentar é um tónico demasiado forte para organismos débeis. Podemos concordar neste ponto? Espero bem que sim.



PORTO ALEGRE. SONHOS DO OUTRO MUNDO Enquanto os magnates do imperialismo se reuniam em Davos para deliberar sobre novas medidas para rentabilizar o Capital à custa da mercadoria seres humanos, reuniu-se em Porto Alegre o Fórum Social Mundial, sob o patrocínio do PT e por iniciativa de um grande número de ONGs internacionais como a ATTAC, de sectores da Igreja Católica, de sindicatos, etc. A amplitude desta nova acçom de repúdio da política neoliberal, na continuidade do chamado “espírito de Seattle” e sob o lema “um outro mundo é possível” deu-lhe grande repercussom internacional. Porque nom nos juntamos entom ao aplauso e à congratulaçom gerais das forças de esquerda? Nom é positivo o alargamento da luita contra o neoliberalismo? Diremos brevemente que, a despeito do empenhamento sincero de milhares de participantes, os tiros do Fórum de Porto Alegre som de pólvora seca, as soluçons que propom ilusórias, as esperanças que suscita enganadoras. Para melhor se entender o “espírito de Porto Alegre”, nada como dar a palavra a um dos seus participantes e defensor entusiasta, o deputado Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda. Ele exaltou na Assembleia, em 8 de Fevereiro, as repercussons do Fórum, fazendo notar que as suas resoluçons “nada tenhem de esquerdista nem de extravagante”, já que este fijo

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Porto Alegre. Sonhos do outro mundo umha “aproximaçom moderada às contradiçons do mundo de hoje”. Queixando-se da imprensa que “divertiu o público com as diatribes contra os MacDonalds” mas nom revelou “a lista verdadeiramente impressionante de académicos renomados que abraçaram a esperança num outro mundo possível”, Fazenda passou a enumerar as causas defendidas no conclave: contra a “globalizaçom do capitalismo selvagem”, pola “globalizaçom das solidariedades e da sustentaçom”; aboliçom da dívida externa dos países do Terceiro Mundo; constituiçom de um fundo alimentar e sanitário mundial, financiado pola taxa Tobin; encerramento dos paraísos fiscais; combate ao efeito de estufa, protecçom da biodiversidade, respeito polas conferências internacionais em matéria ambiental. E a fechar este catálogo de nobres intençons, nada mais, nada menos, do que a “democratizaçom das Naçons Unidas, democratizaçom e reorientaçom do Fundo Monetário Internacional e da Organizaçom Mundial do Comércio, numha agenda pola Paz e o Desenvolvimento que tem de ter no centro a redistribuiçom do rendimento”. As exigências som boas, sem dúvida. A questom está em saber como podem ser tornadas realidade. E sobretodo contra quem podem ser obtidas. Como certeiramente observa um comentador espanhol1, foi manifesto nos documentos do Fórum Social Mundial o desejo de sensibilizar mais pessoas, “mas que pessoas? os prejudicados, a fim de se revoltarem? ou os que disto beneficiam, esperando que reflictam sobre os prejuízos que estám a causar?” As denúncias contidas nos documentos som justas mas, “na sua maioria, nom tenhem um destinatário concreto, como se a exposiçom de razons éticas para rejeitar isto ou aquilo fosse, por si mesma, umha alavanca para levar todos a reflectir, ricos e pobres”. Esta ausência de um inimigo claramente definido, conclui com plena razom, é o principal ponto fraco de Porto Alegre. “Em nengum momento – observa por seu lado o jornal de um grupo revolucionário brasileiro2 – o manifesto do Fórum e os seus signatários apontam que a raíz dos males produzidos polas políticas neoliberais é o próprio modo de produçom capitalista. Essa ausência nom ocorre por acaso: os promotores do Fórum defendem que é possível, em oposiçom ao neoliberalismo, construir um outro modelo de desenvolvimento capitalista, “inserido soberanamente na globalizaçom ou seja, um modelo nacionaldesenvolvimentista que se limite a produzir pequenos ajustes dentro do sistema capitalista”. Nesta linha, a soluçom de governo que o Fórum conseguiu apontar como exemplar foi a “democracia participativa” praticada polo governo do PT em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a qual, se tem a utilidade de pôr 178


Porto Alegre. Sonhos do outro mundo

*Publicado no número 80 da revista Política Operária. Lisboa, Maio-Junho de 2001. (1) El Forum Social Mundial suma y sigue, António Doctor, Saragoça. (2) Luta Operária, jornal da Liga Bolchevique Internacionalista, Fortaleza, Janeiro.

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em xeque a corrupçom geral dos governos locais (no Brasil como em todo o lado), serve sobretodo, ainda segundo o mesmo jornal, para “co-responsabilizar a populaçom explorada com os cortes de verbas impostos polos governos petistas nos serviços públicos, cooptar o conjunto do movimento de massas, atrelando-o ao Estado e liquidando a sua independência política”. Para além do mais, e por muito que isso desgoste os militantes de causas utópicas, este Fórum é um subproduto da pressom de um sector dos governos da “terceira via” europeia, directamente influenciada pola social-democracia francesa, e que procuram impor um programa político a nível mundial para anular a resistência das massas exploradas contra o imperialismo, ao mesmo tempo que pretende fazer-se acreditar como alternativa à pilhagem do imperialismo norte-americano na América Latina. A boa fé dos activistas está a ser utilizada polos manejos da alta política. Se ainda houvesse dúvidas de que nos encaminhamos para combates de classe de grande envergadura, bastaria esta proliferaçom de absurdos projectos moralizantes para o demonstrar. Quanto mais nítidos surgem os contornos do conflito que se aproxima, mais os reformistas se desmultiplicam em esforços desesperados para o evitar, através das suas fórmulas mágicas. “Globalizar as solidariedades”, “democratizar o FMI”, “redistribuir o rendimento” – nom é enternecedor? O verdadeiramente curioso é que estes senhores, que consideram “irrealista” luitar pola aboliçom do capitalismo, achem realistas reivindicaçons destas.



NÓS E OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS IBÉRICOS As relaçons que estabelecemos com o agrupamento galego NÓS-Unidade Popular e a presença no nosso encontro internacionalista de 8 de Dezembro de umha delegaçom desta organizaçom suscitárom entre diversos camaradas o debate quanto à questom das nacionalidades e, concretamente, quanto ao apoio a prestar aos movimentos independentistas em Espanha. Argumentam esses camaradas que, se é justificado apoiar luitas de libertaçom de povos subjugados a ferro e fogo, como é o caso da Palestina, já o mesmo nom se aplica a nacionalidades como as da Galiza, Euskadi ou Catalunha, as quais, tendo perdido a oportunidade para se afirmar como naçons independentes, estám hoje integradas e em processo de assimilaçom pola naçom hegemónica. O que aí existe, argumentam, som apenas vestígios de umha antiga aspiraçom nacional que nom se realizou. Por isso, o movimento independentista, minoritário, tem vindo a reduzir--se e grande parte da populaçom aceita já hoje a integraçom como um facto consumado. E se o grosso da burguesia dessas naçons desistiu da causa da independência, qual a justificaçom de o proletariado e as massas populares adoptarem umha luita que é estranha ao seu interesse de classe?

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Nós e os movimentos independentistas ibéricos Empenhando-se nas reivindicaçons nacionais, os marxistas e revolucionários dessas nacionalidades estariam a desviar-se da única tarefa revolucionária na época actual, a luita do trabalho contra o capital, a luita pola revoluçom socialista. Estariam a esquecer que só o socialismo lhes dará plena autodeterminaçom política, cultural, lingüística e que a luita nacionalista “só serve para levantar barreiras entre os diversos proletariados numha altura em que o que interessa é derrubar fronteiras”.

Factos – Recordemos alguns factos para melhor situar a questom. A “democratizaçom” em Espanha fijo-se por umha via bem mais tortuosa que a seguida em Portugal. Em 1978, através de um compromisso negociado polos meios do grande capital com o Exército e a Igreja, um dos fascismos mais sangrentos e bestiais que a Europa conheceu metamorfoseou-se em “Estado de direito”, dotando-se de umha Constituiçom monárquica. Conseqüentemente, as reivindicaçons de autodeterminaçom de Euskadi, Galiza e Catalunha fôrom defraudadas; concedêrom-se governos autónomos mas com fortes limitaçons e nom se permitiu que esses povos, brutalmente reprimidos durante a ditadura, se pronunciassem em referendo sobre o direito de separaçom. (Recorde-se a propósito que o País Basco foi umha naçom independente durante oito séculos). Isto permite compreender a forte expressom que detenhem nas três naçons os partidos defensores de maior autonomia ou da independência; a vitalidade de organizaçons como a ETA, alimentadas por sucessivas geraçons de jovens, apesar da repressom implacável (em 20 anos fôrom detidos 16.000 bascos, dos quais 6.000 fôrom torturados; na Galiza há presos políticos a cumprir penas pesadíssimas); a resistência de largos sectores da populaçom, inclusive da pequena burguesia, a desistir das reivindicaçons nacionais. Se esses movimentos tenhem declinado, é um facto que continuam activos e nos obrigam a definir umha atitude a seu respeito.

Luita atrasada? – A isto acrescem algumhas consideraçons de princípio. Primeira: os comunistas sempre reconhecêrom o direito de autodeterminaçom das naçons, nom por menosprezarem ou adiarem a luita polo socialismo mas por saberem que umha comunidade nacional que está privada de independência só através da luita por esse direito que lhe é negado ascende a umha consciência avançada. E nom é o facto de a opressom nacional ser mais brutal ou mais mitigada que altera o problema.

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Nós e os movimentos independentistas ibéricos

Sem dúvida, a reivindicaçom nacionalista, mesmo se animada por sectores populares radicalizados, contém elementos atrasados do ponto de vista da luita polo socialismo, na medida em que associa classes diferentes e de interesses antagónicos numha aspiraçom comum. Mas esse é um degrau que nom pode ser iludido. Só percorrendo esse caminho o proletariado fará a sua educaçom revolucionária. Se os comunistas bascos, galegos, cataláns se alheassem da aspiraçom independentista dos seus povos apenas conseguiriam que essa reivindicaçom fosse deixada nas maos de correntes burguesas ou pequeno-burguesas, que usariam as massas como massa de manobra.

O nosso “degrau” – Quando em Portugal o proletariado luitava contra a ditadura fascista era acompanhado por largos sectores da pequena burguesia e até franjas da média burguesia. Isso em nada desvalorizava a importáncia da luita polo derrube do fascismo, como na época pretendiam alguns anarquistas; a questom decisiva era saber se nessa luita o proletariado agia com independência, arrastando as outras classes atrás de si, ou se, polo contrário, se subordinava aos interesses do antifascismo burguês, como faziam os reformistas. Colocar o proletariado, durante a luita polo derrube do fascismo, na melhor posiçom para minar o poder e a autoridade da burguesia e preparar o seu derrubamento – foi em torno desta questom que os comunistas se separárom do reformismo do PCP, e nom da necessidade ou nom da luita antifascista. O mesmo se pode dizer da luita dos povos ibéricos polos seus direitos nacionais: o que importa é que nessa luita o proletariado desempenhe um papel autónomo, nom se deixe instrumentalizar como umha força de choque ao serviço das suas burguesias nacionais.

Chauvinismo – Segunda questom: nengum proletariado pode ascender a umha consciência revolucionária elevada se for de algumha forma cúmplice da sua burguesia na opressom de grupos sociais “periféricos”. Quem se afasta da luita polo socialismo nom som os que luitam pola sua rei-

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Se se tornou banal nos tempos modernos a instrumentalizaçom de movimentos nacionalistas polo imperialismo (de que o caso do Kosovo será o mais flagrante), isso nom pode fazer esquecer os movimentos nacionais ferozmente reprimidos porque nom convenhem às grandes potências, como o da Palestina. Justamente, os movimentos nacionais em Espanha som dos que nom convenhem ao grande capital, por ameaçarem a estabilidade de um dos principais Estados da UE.


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Nós e os movimentos independentistas ibéricos vindicaçom nacional imediata mas os que, na naçom opressora, nom apoiam essa luita. Umha opçom decisiva para o proletariado espanhol é saber se se demarca radicalmente da política chauvinista da sua burguesia em relaçom às nacionalidades periféricas ou se se alheia dessa luita ou até a condena, a pretexto de que é “atrasada”.

Por isso dizemos aos nossos camaradas das nacionalidades ibéricas oprimidas: nós, comunistas portugueses, execramos o nacionalismo português, culpado de umha opressom secular das massas trabalhadoras e de umha exploraçom bestial e de guerras criminosas contra os povos africanos. Mas compreendemos e apoiamos sem reservas a exigência dos povos galego, basco, catalám a exercerem sem restriçons os seus direitos nacionais.

Formas de luita – Invocam também alguns camaradas os atentados praticados polos luitadores da independência, sobretodo no País Basco, como motivo para nom poderem solidarizar-se com a sua luita. Mas se assim é, também nom poderiam apoiar a luita de libertaçom na Palestina ou na Irlanda, onde o recurso aos atentados é freqüente. No nosso país, verificamos durante as guerras coloniais em África como era decisivo reconhecer sem reservas o direito desses povos de luitar por todos os meios ao seu alcance pola sua libertaçom do jugo colonial português. Podemos discutir com os movimentos de libertaçom nacional sobre as formas de luita mais eficazes para alcançar o seu objectivo. Mas nom podemos deixar que o juízo sobre os meios de luita empregados por um movimento obscureça o alinhamento principal. Hoje, quando está em curso a criminalizaçom de todas as lutas anti-imperialistas sob a bandeira da campanha “antiterrorista”, toma-se ainda mais vital ter clareza nesta questom. Inimigo comum – Por último acresce ainda um outro factor a dar a maior importáncia à solidariedade do proletariado português com as reivindicaçons de emancipaçom nacional dos povos galego, basco e catalám. É que essas luitas nacionais enfraquecem o poder centralista de Madrid, o qual tem vindo a afirmar-se cada vez mais como o centro organizador do império europeu em toda a Península Ibérica, em Portugal inclusive. As reivindicaçons nacionais na Península, na medida em que levantam obstáculos à consolidaçom do núcleo mais poderoso e reaccionário do capitalismo ibérico, som favoráveis à luita geral do proletariado ibérico e do proletariado europeu polo socialismo. A luita

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Nós e os movimentos independentistas ibéricos pola autodeterminaçom das naçons peninsulares pode ser umha componente da luita geral anticapitalista.

Chauvinismo, um perigo – A nossa posiçom quanto às reivindicaçons nacionais na Península inscreve-se numha questom mais vasta: o lugar da luita anti-imperialista na reconstruçom do movimento comunista. E é forçoso reconhecer que essa causa nom tem tido até hoje poder mobilizador entre os comunistas portugueses.

Por um lado porque a nova corrente comunista portuguesa, tendo nascido em luita contra a tacanha estratégia “nacional democrática” (burguesa) dos revisionistas de Cunhal, se mostrou desde o início atreita a umha certa insensibilidade e incompreensom perante as luitas nacionais. A isto nom será também alheio o facto de Portugal, país ultradependente, gozar de umha longa independência formal e desconhecer há séculos a presença de ocupantes estrangeiros (ao mesmo tempo que subjugava povos coloniais), o que contribuiu para amortecer nas massas a consciência anti-imperialista militante.

Muitos camaradas encolherám os ombros se lhes dixermos que o seu desinteresse polas luitas nacionais os pode levar a cair em posiçons chauvinistas. Mas o que vemos, quando olhamos para os focos mais agudos da luita de classes actual? Na Palestina, Colômbia, Brasil, Equador, Venezuela, Nepal... as populaçons travam luitas de envergadura contra o imperialismo, polos seus direitos nacionais e democráticos. Se desprezássemos estas luitas como “umha fase ultrapassada” e nos comprazêssemos na defesa (puramente teórica e verbal) do socialismo, nom tenhamos dúvida de que acabaríamos por cair numha forma de “marxismo” chauvinista (o que, aliás nom seria inédito no movimento comunista). Creio que ganharemos todos se as opinions aqui expostas servirem para abrir um debate na nossa revista em torno da questom. *Publicado no número 83 da revista Política Operária. Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 2002.

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Por isso, se nom podemos saber qual será o destino das luitas nacionais na Península, que papel virám a desempenhar na luita polo derrube do capitalismo, umha cousa devemos ter certa: o apoio do proletariado português a essas luitas é um dever de classe incontornável.



CONTRA WALLERSTEIN O Prof. Immanuel Wallerstein tornou-se um nome obrigatório quando se fala da esquerda “moderna” e há quem veja nos seus ensaios imaginativos e eruditos o marxismo do nosso tempo. Num artigo publicado na revista marxista americana Monthly Review1, sob o título “Umha política de esquerda para umha era de transiçom”, o Prof. Wallerstein apresenta as suas soluçons para que a esquerda ultrapasse o estado calamitoso em que se arrasta e aproveite as novas possibilidades de acabar com o capitalismo. Basicamente, ele encara com optimismo a nova situaçom mundial, na medida em que “nos libertou da estratégia e da retórica leninista, agora inúteis” e que, ainda por cima, travavam o radicalismo popular com a promessa dos “amanhás radiosos”. A velha estratégia da esquerda, que consistia em, primeiro conquistar o poder e em seguida transformar a sociedade, talvez fosse a única possível no século que findou, admite. Mas falhou em toda a linha: tanto os social-democratas, como os comunistas, como os movimentos de libertaçom nacional chegaram ao poder um pouco por toda a parte no

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Contra Wallerstein

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período de 1945-1970, mas nom conseguírom mudar o mundo como prometiam.

Daí ter surgido a partir da “revoluçom mundial de 1968” (?!), a busca de estratégias alternativas por parte de umha grande variedade de movimentos, cujas grandes linhas apontam em sua opiniom para: 1) “generalizar o espírito de Porto Alegre” – multiplicar as acçons populares descentralizadas que melhorem de imediato a vida das populaçons;

2) “usar umha táctica eleitoral defensiva”, ou seja, numha perspectiva pragmática, visar a vitória de forças do tipo da “esquerda plural” em França e pressioná-las para lhes arrancar concessons; 3) “fazer avançar incessantemente a democratizaçom” – impulsionar as reivindicaçons que trazem benefícios imediatos ao povo com a vantagem adicional de estreitarem as margens de lucro do capital;

4) forçar o centro liberal a cumprir os seus slogans – se som pola liberdade, abram as fronteiras aos imigrantes; se som polo regime de empresa livre, entom o Estado nom tem que salvar as empresas em falência; 5) fazer do anti-racismo a medida definidora da democracia;

6) combater a mercantilizaçom, que é o elemento essencial da acumulaçom capitalista – “contra as universidades e hospitais geridos para o lucro, transformemos as siderurgias em instituiçons nom lucrativas” (!);

7) nom cair nas armadilhas das falsas saídas: defender os direitos humanos, levar a julgamento os genocidas, banir as armas nucleares e biológicas? Sim, se for para todos.

Num segundo comentário às críticas (estranhamente brandas e cautelosas) que lhe formula a redacçom da revista, Wallerstein reafirma que “o estratego Lenine já nom é levado a sério”, que a sua estratégia nom era afinal muito diferente da da social-democracia visto que o seu discurso sobre a conquista do poder de Estado “despolitizava as massas”.

Nom é preciso mais para se entender a estratégia que nos oferece o Prof. Wallerstein. O pecado da esquerda até hoje é ter pensado em tomar o poder de Estado. Acabe-se com essa estratégia “despolitizadora” (!), voltem-se as massas para a conquista de benefícios imediatos e palpáveis, forje-se a uniom de todos os que querem a democracia – e o sistema entrará no seu colapso inevitável...

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Contra Wallerstein

Para dar umha aparência coerente à sua construçom, o nosso professor tem que forçar os factos: confunde leninismo com social-democratismo, confunde a revoluçom russa com o aberrante regime que vigorava na URSS, arruma os governos burgueses social-democratas na mesma categoria dos governos revolucionários, omite as causas sociais do fracasso da revoluçom russa e das revoluçons de libertaçom nacional, descobre umha tendência para “o alastramento da democratizaçom no mundo”, esquece a realidade do imperialismo – e, para baralhar as pistas, cobrese com um radicalismo de papelom (“acçons de massas!”, “arranquemos concessons aos liberais!”, “transformemos as siderurgias em instituiçons nom lucrativas!”). O reformismo do Prof. Wallerstein, de tam atrevido, é quase desarmante. Mas nom é preciso grande investigaçom para ver a fútil inconsistência das suas propostas “para os próximos dez ou vinte anos”: o mundo que Wallerstein entrevê do alto das suas elucubraçons nom tem nada a ver com a luita feroz do capital agonizante, com a resistência do proletariado e dos povos e com as gigantescas batalhas de classes que se avizinham.

Num ponto estamos de acordo: a esquerda está num estado calamitoso, e umha prova disso é o descaramento com que este “cientista social” anda a oferecer a sua pacotilha reformista sem que ninguém lhe ponha umha etiqueta de charlatám. *Publicado no número 84 da revista Política Operária. Lisboa, Março-Abril de 2002.

(1) Monthly Review, n° 8/53, Janeiro 2002. 122 West 27th St.., New York, NY 10001. mrmag@monthlyreview.org

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Wallerstein reincide assim, com umha linguagem “moderna”, na pecha de sucessivas geraçons de eméritos académicos “marxistas”: muita agudeza, muita originalidade, mas umha insuperável cobardia quando se chega ao cerne da luita de classes, à questom do poder. Como nom há de ele detestar Lenine!



25 DE ABRIL: O PROLETARIADO INCAPAZ DE APROVEITAR A CRISE DE PODER O vosso programa anuncia umha “análise marxista rigorosa do 25 de Abril”. Nom direi tanto. Nos debates que temos travado ao longo destes 28 anos temos procurado inspirar-nos no marxismo e no leninismo mas a questom nom é fácil. Vou só abordar alguns tópicos que podem ser mais polémicos. Primeira questom, a mais freqüente: Por que é que umha revoluçom tam pujante e que despertou tanta esperança foi tam facilmente derrotada? A nossa resposta: porque nom chegou a ser revoluçom.

Tornou-se hábito designar a crise de 1974-75 como a “revoluçom de Abril” para exaltar o movimento popular desses meses, tantas vezes caluniado pola reacçom. Mas para que esse grande movimento tomasse a envergadura de umha revoluçom autêntica teria que inverter as relaçons entre as classes. Detonado por um golpe militar, o movimento de Abril mantivo-se sempre sob a autoridade do Exército, o pilar da ordem burguesa. Foi isso que permitiu que, dezanove meses mais tarde, o Exército interviesse em sentido oposto e roubasse ao povo o que tinha

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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder ganho. Assim, apesar de amputada das colónias e privada da couraça protectora do salazarismo, a burguesia atravessou com êxito o delicado momento da sua modernizaçom.

Entendamo-nos. O movimento popular do 25A é o maior acontecimento da história moderna de Portugal: derrubou a ditadura fascista, pujo fim às guerras coloniais, conquistou novos direitos para os assalariados, abalou todo o sistema político. Fôrom nacionalizados os grandes grupos monopolistas, os assalariados ocupárom os latifúndios. Pola primeira vez na nossa história o povo perdeu o medo dos ricos e fijo-os tremer com as ocupaçons de empresas, terras e casas, as experiências de autogestom e controle operário, a liberdade de greve, a iniciativa nas ruas, as moçons dos plenários, o saneamento de fascistas... As criaçons do movimento de massas enriquecêrom o movimento revolucionário português e internacional. Nós, os comunistas da “Política Operária”, somos discípulos desse grande movimento.

Mas é preciso reconhecer que, em face da grandeza das tarefas que se colocavam, toda essa audácia foi tímida. Os trabalhadores consentírom que o novo poder democrático poupasse os fascistas, só tomárom a gestom de empresas quando abandonadas polos patrons, pedírom sempre a legitimaçom das suas acçons ao MFA e nunca recorrêrom à violência – o “terror anarco-populista” é umha invençom da burguesia. A ideia da necessidade de conquistar o poder estivo sempre excluída para o proletariado, mesmo o mais avançado. Essa timidez do 25A ditou a sua derrota e o posterior marasmo do movimento popular. A actual arrogáncia da burguesia e a resignaçom do proletariado nom som fruto da derrota da revoluçom, mas de nom ter havido revoluçom. Aliás, grande milagre seria que houvesse umha revoluçom e umha contra-revoluçom com duas dezenas de mortos. Tivemos sim umha crise revolucionária que, devido à imaturidade política do proletariado, se deixou sufocar sem chegar a desenvolver plenamente as suas potencialidades. Quando umha parte da esquerda portuguesa evoca romanticamente a “revoluçom dos cravos” ela exalta no 25 A, nom o que ele tivo de avançado mas o que tivo de atrasado. Sonha com umha “revoluçom” pacífica, capaz de levar todo o povo unido a provocar umha miraculosa rendiçom do poder. Isso nom existe. A revoluçom de que a nossa sociedade está grávida só se poderá realizar através de umha convulsom

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Segunda questom: Mas a explosom popular que respondeu ao golpe dos capitáns nom indicava um movimento revolucionário de grande envergadura, amadurecido em 48 anos de luita contra a ditadura?

O milhom de pessoas nas ruas no 1º de Maio de 74 indicou a força do sentimento democrático no povo, mas também a sua menoridade. A propósito da ditadura de Salazar, fala-se sempre na PIDE, no campo de concentraçom do Tarrafal, no partido único, na Censura. Di-se menos que ela foi durante décadas apoiada e aceite nom só pola grande burguesia mas pola massa da pequena burguesia e por extensos sectores dos empregados e operários. De outro modo seria impossível umha ditadura manter-se quase meio século no poder com um nível de repressom relativamente baixo (e quando digo “baixo” nom estou a minimizar os crimes do salazarismo mas a pô-los em comparaçom com o franquismo, por exemplo). Isto nada tem de estranho: num país de capitalismo atrasado e patriarcal, é fácil um regime autoritário impor umha “uniom nacional” em torno da ideia da estabilidade e da ordem, abafando as vozes contrárias.

A deslocaçom do sentimento popular contra o regime foi lenta: foi preciso umha luita esgotante e isolada dos sectores operários mais avançados, primeiro os anarquistas, depois e sobretodo os comunistas, com o seu árduo trabalho subterráneo de esclarecimento; foi preciso despertar as grandes massas para a política através das candidaturas oposicionistas de personalidades conservadoras (1949, 1958); mas foi preciso sobretodo a guerra colonial estender-se ano após ano com a perspectiva da derrota à vista – para o movimento contra a ditadura ganhar boa parte da populaçom. Só nos últimos cinco anos, quando o regime, gasto, se abeirava do fim, por nom ser capaz de sair da ratoeira das guerras coloniais, se generalizárom as greves e a oposiçom à ditadura se estendeu a camadas mais vastas da pequena burguesia e do semiproletariado, da Igreja, até de parte da alta burguesia.

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aguda e violenta. É umha revoluçom anticapitalista e o mais certo é a burguesia lançar-se na guerra civil para defender os seus privilégios. Como de resto bem se viu polo comportamento das classes durante o vacilante ensaio de 74-75.


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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder Daí o consenso universal em torno do golpe dos capitáns, que leva tanta gente a maravilhar-se com esta revoluçom sem tiros e sem sangue. Esquecem que os cravos em Lisboa fôrom possíveis graças aos tiros e ao sangue dos guerrilheiros africanos. E por quê, durante décadas, os “democratas”, como eram chamados, hesitárom em passar à acçom? Porque receavam o vazio de poder. Tinham mais medo do povo do que do fascismo. Os 16 anos da I República tinham mostrado como era difícil manter a ordem neste país, nom por o proletariado ser especialmente forte mas por a burguesia ser fraca.

Essa fraqueza crónica manifestou-se de novo no 25 de Abril: planeara-se um regime militar presidido por um fascista retinto (Spínola) e em poucas semanas já estava todo de pernas para o ar. Impreparada para lidar com o povo após meio século de “lei da rolha”, a burguesia entrou em pánico ao embate das manifestaçons e greves; boa parte do MFA começou a vacilar, o aparelho judicial e repressivo ficou paralisado, muitos capitalistas fugírom, os líderes burgueses juravam nos comícios que eram polo socialismo. As tentativas golpistas de 28 Setembro e 11 Março fôrom tam frouxas e inábeis que quase se tornárom cómicas. De repente, o inimigo de 50 anos parecia evaporar-se. Isto criou um optimismo enganador entre os trabalhadores. Em vez de umha luita de vida ou de morte para arrancar o poder à burguesia, entrou-se no que parecia um passeio a caminho do “poder popular”. Sob a protecçom do COPCON, a ala “socialista” do MFA. Terceira questom: Mas nom é um facto que os governos provisórios adoptárom umha série de medidas sociais avançadas e que o COPCON apoiou os trabalhadores? É indiscutível. A questom é saber a quem cabe o mérito dessas acçons.

Durante muitos anos, a gratidom para com os capitáns impediu na esquerda umha crítica de classe ao seu movimento. O progressismo do MFA (que, note-se, só despertou quando as guerras coloniais estavam perdidas) era sincero mas tinha o fôlego curto; era um conglomerado de tendências políticas das mais diversas que queriam basicamente fazer a transiçom da ditadura fascista para umha democracia burguesa, idealizada por muitos sob cores paternalistas.

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Mas naquele momento entregar o governo ao PS significaria criar um conflito de proporçons imprevisíveis com o movimento popular avançado. Além disso, o golpe spinolista fracassado de 11 Março provocara umha viragem à esquerda nas assembleias do MFA. O comando das operaçons caiu assim durante algumhas semanas nas maos dos adeptos do “socialismo militar”. Para fazer face à pressom da direita (sabotagem, fuga de capitais e ameaça de descalabro económico) e da esquerda (ocupaçons, plenários, manifestaçons), o MFA lançou-se na aceleraçom da “revoluçom” por cima: nacionalizaçons, lei da Reforma Agrária, lei do arrendamento rural, imposiçom de um pacto aos partidos sob o lema da “aliança Povo/MFA”, “poder popular”, “via socialista”... Com estas medidas, que pugérom a burguesia a bradar que se queria “implantar o comunismo”, Vasco Gonçalves procurava conquistar apoio popular contra a direita mas sem deixar sair o controlo dos acontecimentos das maos dos militares. Tivo a reacçom clássica dos “moderados” em período de crise do poder: O Estado “socialista” tornava-se o fiel depositário da propriedade burguesa enquanto durasse a crise; e com os órgaos de “poder popular” sob a autoridade do MFA dava-se umha aparência de satisfaçom aos revolucionários, evitando o pior (aliás, os “esquerdistas” eram expressamente ameaçados se desobedecessem).

Porém, os gonçalvistas subestimavam a reacçom da direita. Fortes da sua vitória eleitoral, apoiadas polo imperialismo, todas as correntes burguesas, do PS e da maioria do MFA à Igreja e aos fascistas declarados, passárom ao ataque, em verdadeira histeria, com os atentados bombistas e os incêndios do ELP e do MDLP no Centro e Norte do país, mas também com grandes manifestaçons, como as de 18-19 Julho. No Verao estava em marcha um grande movimento de massas contra-revolucionário apoiado no terrorismo e as fileiras da esquerda começárom a vaci-

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Depois de um ano de escaramuças indecisas, o MFA viu-se a braços com o duche frio do resultado das eleiçons para a Assembleia Constituinte: um ano após a queda do fascismo, três quartos dos eleitores votárom no centro-direita e na direita (PS e PPD), e nom era só gente arrebanhada polos patrons, polos padres e polos caciques da província; eram em grande número empregados, funcionários públicos, professores, operários. O acto “cavalheiresco” de realizar eleiçons quando estava por desmantelar a estrutura herdada do fascismo e a massa retardatária predominava só pode ser explicado polo preconceito legalista de uns e polo secreto desejo de pôr termo à agitaçom e restaurar a ordem, da parte de outros.


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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder lar e a reduzir-se. O que fijo a impotência do PCP, da ala esquerda do MFA e da generalidade da chamada “esquerda revolucionária” foi a incapacidade para subir a parada, para dar à direita a resposta mais enérgica que a nova situaçom exigia: para desarticular a frente “ordeira”, que ia do PS aos fascistas, seria preciso libertar a iniciativa das massas, apelar à revolta dos mais pobres, castigar os bombistas – mas isso seria a terrível “desordem”. Faziam-se grande manifestaçons “para meter medo” quando eram precisas outras formas de coacçom para paralisar a instabilidade da pequena burguesia e separá-la da campanha reaccionária. Vasco Gonçalves era na realidade um pobre reformista que tentava satisfazer os trabalhadores com as suas leis e discursos, para evitar que eles “tomassem o freio nos dentes”, ao mesmo tempo lançava advertências inócuas ao campo direitista, que engrossava dia a dia, seguro da impunidade. Depois que o pronunciamento de Tancos fijo cair o seu governo, a direita, cada vez mais segura de si, encaminhou o conflito para o desenlace, o golpe de 25 de Novembro. Mesmo a ala otelista do MFA que se definiu como última esperança da esquerda era igualmente impotente. Otelo oscilava, como sempre fijo, entre as proclamaçons arrojadas e os gestos dúbios (o pior de todos, a reintegraçom do fascista Jaime Neves, saneado polos seus soldados). Os mais activos defensores desta corrente nom sabiam como abrir espaço entre as duas grandes forças – gonçalvistas dum lado e “Grupo dos Nove”, do outro. Tinham umha crença ingénua nos órgaos de “poder popular” descentralizados; na prática, viam no namoro aos oficiais “revolucionários” a chave da conquista do poder através de um golpe militar das esquerdas, armadilha a que acabárom por ser levados polas provocaçons da direita.

O êxito fácil de mais do golpe de 25 de Novembro resultou dessa impotência dos que se lhe opunham. O movimento chegou a Novembro derrotado por falta de estratégia própria. Quarta questom: Se nom havia condiçons para umha revoluçom socialista e para o poder popular, para quê radicalizar ao máximo as reivindicaçons, levando o proletariado para um impasse e correndo o risco de provocar umha contra-revoluçom sangrenta? Os M-L nom se comportárom efectivamente com imaturidade e aventureirismo? O PCP nom tivo razom nesse ponto?

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Naturalmente, esse comportamento da vanguarda nom é seguido de imediato pola grande massa, inclusive dos operários. A primeira reacçom desta é desaprovar, assustar-se e recuar perante essas “loucuras”. Mas em período de crise revolucionária, quem tem que indicar o ritmo e criar os factos consumados é a minoria de vanguarda. Só ela habitua os espíritos a perceber que chegou a hora de deitar abaixo as velharias. Só pola audácia a vanguarda vai tomando consciência de si própria, ganha a confiança da massa e se educa para futuros confrontos. Sabia-se, dadas as condiçons internacionais e a juventude do nosso movimento, que nom tínhamos a revoluçom socialista ao nosso alcance. Mas todo o que se avançasse ajudava a desmantelar a ordem tradicional, com a sua carga asfixiante de abuso patronal, tirania burocrática, estupidez clerical, caciquismo, machismo, chauvinismo, conformismo, ignoráncia – todo o peso de umha sociedade que nom fijo umha grande revoluçom burguesa e foi passando ao capitalismo por pequenas etapas. Se algum saldo positivo ficou apesar de todo do 25 Abril, foi graças ao comportamento radical da vanguarda. Além disso, quando se critica o “excesso de ambiçom dos radicais” esquece-se que o prolongamento da crise poderia ter acelerado a agonia do franquismo. Se em vez da manobra liberalizante de 78 a Espanha tivesse conhecido um levantamento antifascista por reflexo da crise portuguesa, as possibilidades revolucionárias na Península teriam dado um enorme salto em frente. Quinta questom, associada à anterior: Mas os marxistas-leninistas nom poderiam ter procurado a unidade com o PCP contra o avanço da direita? nom era o PCP a principal força política no movimento operário e popular?

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Primeiro, há que esclarecer que nós nom inventámos palavras de ordem radicais: acompanhámos as exigências dos operários mais combativos, das mulheres dos bairros pobres, dos soldados, dos assalariados agrícolas. A nossa inesperada influência resultou disso mesmo: de irmos ao encontro do estado de espírito da vanguarda. E a vanguarda tinha razom; perante umha crise do poder, a única táctica sensata e responsável dos explorados é abrir o mais possível o rasgom, arrancar o máximo de concessons, para ver até onde se pode chegar. Ficar na expectativa é suicida.


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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder Era, sem dúvida. Único partido implantado nas massas e com umha longa resistência à ditadura, o PCP ganhou desde a primeira hora a hegemonia no movimento popular. Mas usou-a sempre para lhe retirar a carga revolucionária.

Deixem-me exemplificar com alguns factos: um mês após o 25 A, um dirigente do PCP (com longos anos de prisom e clandestinidade) foi expulso de umha assembleia de trabalhadores dos CTT por dizer que a sua greve era “útil à reacçom”; o PCP estivo contra a exigência surgida na rua de “nem mais um só soldado para as colónias” porque isso enfraquecia o novo governo nas negociaçons com a guerrilha; quando começárom as ocupaçons de empresas, o Avante deitava água na fervura assegurando que “o investimento estrangeiro tem ainda vastas possibilidades de umha vantajosa e larga retribuiçom”; em Setembro 74, quando os operários dos estaleiros navais figérom umha combativa manifestaçom polo saneamento dos fascistas, o PCP organizava umha manifestaçom de homenagem a Spínola, para tentar apaziguá-lo; Cunhal, como ministro de Estado, assinou umha lei antigreve que nom chegou a ser aplicada devido ao repúdio dos trabalhadores; após o 28 Setembro, para baixar a temperatura das massas, o PCP lançou a campanha por “um dia de trabalho para a Naçom”; o PCP condenou o cerco popular ao congresso dos fascistas do CDS, no Porto, como “um acto desordeiro”; no 7 Fevereiro, com milhares de operários a protestar nas ruas de Lisboa contra a entrada no Tejo de umha esquadra da NATO, um dirigente do PCP veu à televisom difamar a manifestaçom e pedir um “acolhimento amistoso” aos marinheiros americanos; no decurso do golpe spinolista de 11 de Março, quando os “esquerdistas” acudiam ao quartel atacado e saqueavam a casa de Spínola, o PCP ordenava aos seus membros a máxima contençom para nom agravar as desinteligências entre os militares; no Verao de 75, o PCP desaprovou a greve dos operários do República contra os jornalistas social-democratas; desaprovou a manifestaçom de apoio aos jornalistas de esquerda da Rádio Renascença, despedidos pola Igreja, proprietária da estaçom; condenou como “provocaçom” o assalto popular à embaixada de Espanha quando Franco assassinou cinco antifascistas.

Situaçons destas repetiram-se vezes sem conta. Para estar ao lado do avanço popular tínhamos que estar contra o PCP, que nos acusava invariavelmente de “aventureiros” e “provocadores”.

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Logo após o 25 de Abril, o PCP passou a aplicar a estratégia dupla a que seria fiel durante esses dezanove meses: impulsionar as acçons de massas como capital para negociar umha normalizaçom democrática, onde o seu lugar estivesse assegurado; e portanto opor-se às acçons “excessivas” que poderiam assustar o MFA e a pequena burguesia. A funçom do “radicalismo” do PCP era servir de pára-raios popular, apoiar as reivindicaçons para depois as canalizar para objectivos ordeiros. Por isso mesmo, a burguesia exigiu logo no primeiro dia a sua participaçom no poder, para o ter como refém e garante da manutençom da ordem.

No Verao Quente, quando sentiu o perigo de lhe escapar o controlo do movimento de massas, o PCP foi obrigado a radicalizar a linguagem para nom deixar os operários passarem para a extrema esquerda, mas nom mudou de estratégia. Exemplo: a adesom em Agosto à FUR (Frente de Unidade Revolucionária) onde havia vários grupos da extrema esquerda, para sair cinco dias depois logo que negociou um compromisso com os militares conspiradores. Em Novembro esta táctica dupla tinha chegado ao extremo: grandes manifestaçons para “meter medo” à direita como o cerco à Assembleia da República polos operários da construçom civil enquanto decorriam conversaçons secretas para garantir a legalidade do partido depois do golpe. Com o maior desplante, Cunhal veu mais tarde deitar as culpas da derrota para cima do movimento que ele próprio ajudou a fazer abortar. Sexta questom: Se os marxistas-leninistas estavam com a vanguarda porque fôrom incapazes de orientar o movimento de forma mais positiva?

Os M-L estavam completamente impreparados para as tarefas que lhes cabiam. A possibilidade de levar a cabo umha insurreiçom antifascista, fazendo da queda da ditadura o início de umha revoluçom autêntica, tinha sido defendida em 1964 polo CMLP, o primeiro grupo marxista-leninista. Fôrom aí lançados os alicerces ideológicos para umha ruptura com o

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Isto nom foi surpresa. Desde os anos 40 o PCP apostara na mobilizaçom dos trabalhadores como força de choque ao serviço de umha queda controlada do fascismo. Cunhal constituíra-se há muito prisioneiro da democracia burguesa, à qual hipotecara o seu futuro.


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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder reformismo e para umha nova corrente comunista portuguesa. Todavia, nos dez anos decorridos até ao 25 de Abril, a implantaçom dos marxistas-leninistas no proletariado progrediu muito lentamente. Tivérom um papel positivo na luita contra as guerras coloniais e pouco mais.

O 25 de Abril pujo a nu o tremendo atraso da nossa corrente. Faltavanos umha linha política que clarificasse o rumo ao movimento de massas e nos afirmasse como real alternativa à esquerda do PCP. A desproporçom entre as perspectivas abertas pola crise de poder e a pequenez dos grupos era tal que os activistas deixavam-se ir à deriva dos acontecimentos, agindo por instinto. E faltava-nos consistência organizativa; só no Verao de 74 alguns grupos começárom a negociar a unificaçom, numha corrida contra o tempo, quando todos os esforços deviam ser virados para o movimento de massas.

Estas desvantagens fôrom agravadas polo equívoco político em que assentava a corrente M-L, em resultado das contradiçons em que se debatiam o PC da China e o PT da Albánia. Alguns grupos faziam, em nome do marxismo-leninismo, um ataque ao PCP e à URSS muito semelhante ao da burguesia, de tal modo que vinhérom a tornar-se colaboradores activos da ofensiva reaccionária no Verao-Outono de 75. A ruptura na corrente M-L entre a verdadeira e a falsa esquerda tardou demasiado e esta confusom sob a mesma bandeira de tendências comunistas e social-democratas desacreditou os “M-L” junto dos operários de vanguarda e dificultou-lhes a desagregaçom da influência do PCP. A isto somava-se umha errada concepçom de Partido. Formados na escola stalinista, os M-L tomavam por sinais de “vigor bolchevique” o medo ao debate, as fórmulas dogmatizadas, o burocratismo organizativo, o revolucionarismo declamatório. Pior ainda, no desejo de ser reconhecidos internacionalmente, abdicárom da sua autonomia e submetêrom-se à tutela de autoproclamados “representantes do movimento comunista internacional” (na realidade oportunistas), o que viria a ter um resultado desastroso no partido, formado justamente a seguir ao 25 de Novembro. Mas essa é já outra história. Sétima e última questom: Pode dizer-se que a insuficiente unidade popular perdeu o movimento de 25 de Abril?

Eu diria antes que faltou a unidade popular combativa e sobrou a unidade popular conciliadora. Faltou um corte entre os interesses revolucioná200


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Se virmos o comportamento do conjunto da classe burguesa ao longo da década de 70 é perfeitamente nítido o esquema clássico: para passar dum regime para o outro, a burguesia “democrática” apoiou-se primeiro no povo contra o fascismo para a seguir se aliar aos fascistas contra o povo. O produto desta astuta manobra em duas fases foi a podre Democracia capitalista que nos governa.

Com o 25 de Abril aprendemos na prática a liçom leninista: nom basta centrar o fogo no inimigo principal; há que distinguir rigorosamente os interesses do proletariado dos da camada burguesa que lhe fica mais próxima – a pequena burguesia. A trajectória do PCP, como mais tarde a do PC(R), resultou da ausência dessa distinçom. Parecia vantajoso misturar numha corrente única os sentimentos antifascistas das várias classes. Mas a simpatia da pequena burguesia polo povo era apenas a busca de umha força de choque. Submetido à contraprova da agitaçom revolucionária popular, o progressismo da pequena burguesia mostrou o que valia. De resto, nas duas últimas décadas, o alinhamento da pequena burguesia portuguesa tem vindo a modificar-se: o capitalismo penetra em todos os poros da sociedade, abatem-se as velhas barreiras entre o capital nacional e o capital estrangeiro, as oportunidades de negócio e de consumo abrem novos horizontes para esses sectores em termos profissionais, culturais, etc. A ánsia de justiça social e a paixom patriótica que mobilizavam boa parte da pequena burguesia no tempo do fascismo evaporárom-se. O esvaziamento das fileiras da extrema-esquerda, em paralelo com o esclerosamento do PCP, correspondem assim à debandada da parte “esclarecida” da pequena burguesia. Ao reorganizar-se, o movimento comunista deverá ter presente que, à medida que a luita anticapitalista se vai definindo com maior nitidez como o objectivo directo do proletariado, mais difícil é contar com o apoio da pequena burguesia, mais vital é assumir os interesses próprios do proletariado. Há agora quem diga que “os portugueses ficárom vacinados contra o esquerdismo”. Estou plenamente convicto, polo contrário, de que, sob o

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rios do proletariado e os interesses da burguesia “progressista”, que só queria apoiar-se no povo para modernizar o capitalismo. Por falta de independência política, os trabalhadores deixárom-se “enrolar”.


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25 de Abril: o proletariado incapaz de aproveitar a crise de poder aparente esquecimento actual, as experiências avançadas de democracia proletária vividas em Portugal estám inscritas na memória colectiva. Ressurgirám forçosamente amanhá, numha nova situaçom de crise de poder. Haverá entom que levá-las à sua conseqüência: o derrube e expropriaçom da burguesia. *Comunicaçom apresentada o 30 de Maio de 2002 nas VI Jornadas Independentistas Galegas “Portugal da Revoluçom de Abril à desmobilizaçom popular” organizadas por Primeira Linha. Umha versom reduzida desta comunicaçom foi publicada no nº 25 de Abrente, Julho-Setembro de 2002.

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CUBA ENTREGUE ÀS FERAS Tomada de pánico, a nossa esquerda parlamentar deu um espectáculo indecente de cobardia, na ánsia de demonstrar que nom concilia com as “violaçons da democracia e dos direitos humanos”. A nossa direita nom precisou de fazer grande alarido com as recentes condenaçons a execuçons em Cuba; a esquerda encarregou-se disso. Saramago exclamou desabrido que “já basta!”. O grupo parlamentar do PCP aprovou um atarantado apelo de moderaçom a Fidel Castro. O Bloco tornou clara a sua “consternaçom e frontal oposiçom à prisom e perseguiçom de opositores políticos”. O Combate do PSR transcreveu a lamentável carta aberta de Galeano. Mais papistas que o Papa (os recém-convertidos som sempre os mais fanáticos), a UDP fijo o ataque mais virulento: “Cuba fragiliza-se perante o mundo, dá argumentos a Bush”, “acaba por ajudar os Estados Unidos e os reaccionários de todo o mundo” (!?), “os actos do poder cubano contribuem para a rejeiçom do socialismo”, “autismo e estupidez de umha política medíocre”... (A Comuna). E, no entanto, qualquer observador isento considerará justificada a reacçom do governo cubano, tendo em conta que estava em marcha umha

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Cuba entregue às feras escalada de actos de pirataria aérea e marítima teleguiados a partir de Miami e que o facto de surgirem em sintonia com a “operaçom Iraque” fazia prever umha provocaçom imperialista com vista a umha invasom de surpresa. Mas nada disto chegou para travar o pánico indecente da nossa esquerda parlamentar, ansiosa por demonstrar que nom concilia com as “violaçons da democracia e dos direitos humanos”. Foi um grosseiro passo em falso, mas nem outra cousa era de esperar. Neste mundo pós-11 de Setembro, o pavor perante todo o que poda “dar argumentos à reacçom” leva às capitulaçons mais cobardes. Argumentam usualmente os ideólogos desta corrente que “a esquerda, para ter autoridade para condenar os crimes do imperialismo, tem que condenar por igual os crimes dos regimes que se lhe oponhem”. É umha escapatória jesuítica. Pôr no mesmo prato da balança os genocídios imperiais dos EUA e os actos de defesa dos pequenos países atacados equivale, na prática, a exigir a estes a rendiçom incondicional. Nom temos dúvida de que muita cousa vai mal com Cuba, mas nom seremos nós a condenar a repressom de uns quantos reaccionários. Efectivamente, a pergunta tem que se colocar: nesta época de ferozes massacres imperialistas, porque deverá um regime assediado e ameaçado há quase meio século polo gigante ianque ter menos direitos que qualquer outro de se defender e afastar o risco de invasom, inclusive executando uns tantos mercenários e conspiradores? No fundo, estes “amigos da Revoluçom Cubana” estám dispostos a apoiar Cuba desde que o seu governo nom saia do papel de cordeiro inofensivo, respeitador rigoroso dos direitos democráticos dos seus inimigos. Ou seja: apoiam a existência de Cuba apenas como testemunho inerme da malvadez do imperialismo; concordam com a luita anti-imperialista desde que se atenha aos sacrossantos princípios da moderaçom. Aconselhar Cuba a “impor-se pola grandeza da sua toleráncia”, como reclama Galeano, ou a “permitir a legalizaçom de partidos, enfrentando abertamente o combate politico”, como quer parvamente a UDP, é, muito concretamente, colaborar na pressom internacional para liquidar a resistência cubana ao imperialismo. Se nom, porque teria ganho Saramago, dum dia para o outro, os elogios da direita? (“O nosso prémio Nobel ergueu a voz corajosamente”, etc.). A mensagem é claríssima: todos os que ajudem a deitar abaixo o regime de Cuba som úteis à “batalha pola liberdade” - o sinistro slogan da pandilha Bush. Este triste episódio é elucidativo também do valor das elucubraçons “marxistas” dos dirigentes do PCP. Ao longo dos anos, alimentárom o mito 204


Cuba entregue às feras

*Publicado no número 90 da revista Política Operária. Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 2003.

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indefensável de um “socialismo” cubano; acolhêrom com a máxima compreensom e indulgência a burocratizaçom do regime, o esvaziamento do “poder popular”, as concessons ao capitalismo internacional. Os seus pruridos despertam apenas quando este regime em estado de sítio procura sobreviver reprimindo opositores mandatados polo imperialismo. Muito cruamente: nom os incomoda que o regime cubano ofenda as massas; só levantam a voz quando ele ofende o imperialismo. Censuravam a nossa falta de solidariedade com o “socialismo cubano” mas agora, na hora da verdade, quando se trata simplesmente de apoiar um pequeno país (nom decerto socialista, mas com tanto direito à existência como qualquer outro) ameaçado polos B52 ianques, juntam-se ao coro da burguesia. Pola nossa parte, nunca alinhámos no campo dos entusiastas do “socialismo” cubano e dos seus métodos de governo. Nunca alimentamos ilusons absurdas sobre esse regime, fruto de umha grande revoluçom popular que nom pudo ir além dos marcos do capitalismo nacional. Isso, todavia, nom nos impede de defender o direito de Cuba à independência, de aplaudir a sua resistência exemplar às maquinaçons do imperialismo, e de denunciar com desprezo a campanha que execra o governo de Cuba como “regime ditatorial e opressor que nom respeita os direitos humanos”. Ditatoriais, opressores e violadores dos direitos humanos numha escala como até hoje a humanidade nunca conhecera som os imperialistas. Eis o que deveriam ter dito o PCP, o BE e a UDP, se nom estivessem tam ansiosos por ser aceites no clube “democrático”.



ACÇOM COMUNISTA EM TEMPO DE MARÉ BAIXA Como podem os comunistas conseguir que o movimento diário das massas polas suas reivindicaçons imediatas acumule forças revolucionárias, mesmo neste período de triunfo em toda a linha da burguesia? Esta é umha questom central para os comunistas portugueses, escaldados por sucessivas infiltraçons do reformismo, sempre em nome das melhores intençons marxistas. Acumulaçom de forças revolucionárias é cousa praticamente desconhecida em Portugal. O que temos som muitos exemplos de como se desacumulam forças: à frente de todos, claro, o PCP, fiel ao seu trabalho minucioso junto do proletariado, nas empresas e nos sindicatos, agitando a bandeira da “defesa das conquistas”, mas conduzindo as massas de derrota em derrota, devido ao seu respeito supersticioso polo parlamento e pola ordem burguesa; depois, a “nova esquerda” agrupada no Bloco, exibindo as suas causas alternativas (“ampliar a cidadania”, “aprofundar a democracia”), que, na prática, apenas dam voz ao descontentamento da jovem pequena burguesia, em busca de um lugar ao sol; tivemos também a aposta das FP-25 nas acçons de guerrilha urbana como meio de “excitar” o movimento popular em declínio, o que as levou ao previsível naufrágio e ao descrédito da via revolucionária; e há ainda muitos sim-

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Acçom comunista em tempo de maré baixa patizantes da revoluçom, enojados com o panorama reinante de colaboraçom de classes, para os quais todas as reivindicaçons imediatas, parcelares, som indignas de qualquer esforço, polo que se entregam à inacçom declamatória ultra-esquerdista. Nesse caso, o que se deve fazer? Os comunistas, claro, nom tenhem que inventar luitas especiais. Temos que estar presentes nas luitas reais, por pequenas e limitadas que sejam nos seus objectivos: contra o desemprego, o trabalho precário, o agravamento constante das condiçons de saúde, habitaçom, ensino, a sobreexploraçom e opressom da mulher; nos movimentos contra a impunidade dos capitalistas e a onda mafiosa e corrupta que é hoje a política burguesa; nos protestos contra as expediçons militares imperialistas e a montagem do Estado policial... Sabemos que a revoluçom só se constrói a partir do movimento real e nom a partir de modelos por nós inventados. Fora das situaçons excepcionais de crise revolucionária, as massas lançam-se na luita para obter pequenas melhorias dentro dos limites da lei e da ordem; só participando nessas luitas podem os comunistas ajudar os colectivos de trabalhadores a percorrer a sua própria experiência, tomar consciência do antagonismo dos seus interesses face aos da burguesia, criar hábitos de organizaçom, ganhar confiança nas suas próprias forças. O que falhou entom no trabalho passado dos comunistas? Porque se dissolvêrom as suas intençons revolucionárias iniciais na prática da luita diária, até acabarem por se transformar em reformistas? Vejo, polo menos, quatro causas para isso. Primeira, a concentraçom preferencial dos esforços, nom nas camadas proletárias onde é maior a carga de antagonismo com a sociedade estabelecida, mas nos sectores semiproletários e pequeno-burgueses, mais instruídos, com maiores hábitos de organizaçom, onde é mais fácil conseguir resultados, mas onde, em contrapartida, todo vai no sentido do reformismo. Segunda: a tradiçom muito enraizada no nosso país de que o trabalho proletário se resume às reivindicaçons económicas e que entrega à pequena burguesia progressista a direcçom da luita política. É tempo de compreendermos que a mobilizaçom comunista do proletariado envolve também a luita anti-imperialista, a solidariedade com os imigrantes e o combate ao chauvinismo, a luita para libertar a mulher trabalhadora da

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Acçom comunista em tempo de maré baixa

Quarta: a cedência à miragem de conseguir polo parlamento a visibilidade e peso político que nom se consegue no duro trabalho de mobilizaçom directa das massas. Foi assim que, à medida que a ofensiva da direita destruía as conquistas populares de 74-75, os revolucionários da época transferírom o eixo da sua actividade, do apoio aos sectores mais avançados e aos seus órgaos (comités de greve e ocupaçom, comissons de trabalhadores, de moradores, cooperativas agrícolas, etc.), para a “batalha parlamentar”. Claro que a participaçom nas eleiçons pode ser necessária, mas numha condiçom: termos a certeza de que vamos utilizar as instituiçons burguesas e nom deixar-nos utilizar por elas. Em resumo, o trabalho comunista entre as massas requer muito esforço e brilha pouco. Temos que nos compenetrar de que, num período de marasmo da luita de classes como o que atravessamos, a autenticidade dos comunistas mede-se pola sua capacidade para evitar a tentaçom de ser reconhecidos polos media, ganhar estatuto de “partido responsável”, etc. Nom nos deve impressionar a acusaçom de “sectarismo” que os reformistas nos lançam, nem a impaciência dos militantes que nom se resignam a um trabalho apagado e querem resultados palpáveis em pouco tempo. A defesa do interesse profundo das massas significa hoje um certo grau de isolamento, acarreta incompreensons, perseguiçons dos poderes “democráticos”, etc., mas só persistindo nesse rumo poderemos desempenhar o nosso papel numha futura crise revolucionária.

O partido comunista, corpo estranho na sociedade burguesa que pretende derrocar, sofre umha tremenda pressom da parte desta para ser digerido e destruído: pressom policial e militar quando necessário, mas também política e ideológica, na actividade legal de todos os dias. Pressom que provém nom apenas do aparelho de poder burguês mas também das camadas pequeno-burguesas contíguas ao proletariado e das flutuaçons no seio do próprio proletariado, hoje em grande medida desarticulado e

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sua dupla subjugaçom, os contactos internacionais, a propaganda anticapitalista, etc. Terceira: na utilizaçom dos sindicatos, comissons de empresa, associaçons diversas, esqueceu-se muitas vezes a contradiçom entre o interesse das bases e a prática do aparelho burocrático, que tende a conciliar com o poder e a ver as acçons radicais das massas como um perigo. Foi assim que muitos comunistas que fôrom para essas organizaçons com a intençom de “servir o povo” se figérom reformistas empedernidos.


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Acçom comunista em tempo de maré baixa desmoralizado polas derrotas que tem sofrido. O que está em jogo, no difícil período actual, é manter fidelidade aos interesses gerais e a longo prazo da classe, nom se deixando ir atrás de êxitos conjunturais, pagos com a absorçom polo sistema. Cabe-nos criar na classe baluartes avançados em volta dos quais se poda fixar a resistência dos mais revoltados. Quanto ao encontro do partido comunista com as massas de milhons, esse só será possível na hora da crise revolucionária, quando as massas, chegadas ao extremo, recusam a ordem burguesa e vam ao encontro das propostas dos comunistas. Essa hora poderá estar distante, mas só ela deve servir de norte à nossa acçom hoje. *Publicado no número 30 do jornal Abrente. Compostela, Outubro-Dezembro de 2003.

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LCR REPUDIA A “DITADURA” No seu último congresso, a LCR (Liga Comunista Revolucionária, trotskista) decidiu actualizar os estatutos abandonando o conceito de “ditadura do proletariado”. A medida véu na altura própria: apostada em afirmarse nas próximas eleiçons regionais e europeias, em aliança com a Lutte Ouvrière (LO), como a “quarta força política” francesa, a LCR quer desembaraçar-se de velharias e renovar-se como “um partido anticapitalista de massas, ecologista e feminista”. “Tínhamos de nos dotar com estatutos compreensíveis para os novos aderentes e de nos adequarmos à realidade da Liga nos dias de hoje”, explicou um dirigente. “Temos que fundar um novo projecto de transformaçom social onde sejam centrais as ideias de socialismo e de luita de classes mas também de democracia”, explicou um outro. E o jornal da Liga, Rouge, completou: “De facto Marx, Engels e Lenine referírom-se à ditadura do proletariado a propósito da Comuna de Paris”, mas teriam-se “esquecido (!?) de assinalar que a Comuna era também umha tentativa de combinar democracia directa e sufrágio universal”. Já chamárom muita cousa à ditadura do proletariado; só lhe faltava ser o resultado de umha distracçom infeliz...

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LCR repudia a “ditadura” Assim, depois de ter criticado durante décadas o PCF por ter renunciado à malfadada fórmula, a LCR segue-lhe agora as pisadas; afinal, a “ditadura do proletariado” era só umha peça de museu sem grande valor. De resto, se a escolha é entre ditadura e democracia, pode alguém hesitar? O problema é que esta pretensa opçom assenta numha fraude. Marx, Engels, Lenine concebêrom a ditadura do proletariado como umha forma superior de democracia, liberta das taras e mutilaçons da democracia actual, que é burguesa. Pondo a questom no quadro da luita de classes – algo que escapa por completo aos nossos actuais “marxistas” de via reduzida – demonstrárom que a democracia só pode existir na base da ditadura de classe da burguesia, ou da ditadura de classe do proletariado. O que é, aliás, intuitivo: enquanto houver classes com interesses antagónicos, nom se pode conceber um regime em que nengumha delas exerça ditadura sobre a outra – ditadura que pode assumir as mais variadas formas políticas, que pode até assegurar inúmeras garantias democráticas aos cidadaos, mas que tem que ressalvar sempre o interesse fundamental da classe que está no poder. É assim que, mesmo na mais ampla democracia das que conhecemos hoje, as liberdades políticas estám circunscritas nos limites da efectiva ditadura da classe que manda. Os operários podem associar-se em sindicatos, fazer greve, votar em quem quigerem mas nom podem pôr em questom a propriedade privada, a “livre iniciativa” e o “Estado de direito democrático” – ou seja, a obrigaçom de cada um vender a sua força de trabalho aos capitalistas, que detenhem em monopólio os meios de produçom, e o férreo controlo da burguesia sobre o exército, os tribunais, a polícia, a burocracia, a comunicaçom social. Por isso toda a promessa de socialismo que nom indique a necessidade de derrubar a actual ditadura da burguesia sobre o proletariado e substituí-la pola ditadura do proletariado sobre a burguesia nom é um programa político sério mas umha história da carochinha. Ou seja, muito singelamente, os que renunciam ao objectivo de estabelecer a ditadura do proletariado estám com isso a declarar implicitamente que se comprometem a nom tentar derrubar a ditadura da burguesia. Nom é por acaso que em todos os países a burguesia fai cavalo de batalha neste compromisso antes de admitir qualquer partido na “família democrática”, isto é, no grupo dos que podem aspirar a ter acesso ao governo. Mas como se pode continuar a defender esse termo, perguntam-nos, se 212


LCR repudia a “ditadura”

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ele foi irremediavelmente conspurcado por aqueles regimes que, em nome da ditadura do proletariado, negárom as liberdades aos cidadaos e cometêrom inúmeros crimes contra o povo? E porquê, respondemos nós, haveríamos de banir o termo que melhor define a dominaçom do proletariado sobre a burguesia, só porque ele foi mal usado? A ditadura do proletariado nom foi culpada de nada. Foi justamente porque o proletariado nom tivo força para estabelecer a sua ditadura de classe nesses países, ainda atrasados, que a democracia socialista nom se pudo aí realizar. A recusa da ditadura do proletariado porque nom seria democrática é um falso pretexto. A expropriaçom dos expropriadores, o fim dos privilégios, a livre participaçom de todos nas decisons hoje tomadas à porta fechada – é isto que horroriza a burguesia. Há também quem diga que o conceito da ditadura do proletariado é correcto mas está “demasiado longínquo” e por isso nom é “operativo” para a intervençom política diária de um partido. Claro que nom é por dar vivas à ditadura do proletariado que um partido se torna revolucionário. Mas tem que: 1) assumir explicitamente que é essa a sua meta e explicar a sua necessidade; 2) conferir a cada momento se a sua actividade política diária está a aproximar as massas dessa meta. Manter esta postura, já o sabemos, origina acusaçons de “totalitarismo”, e, nas condiçons actuais, nom ajuda nada a ganhar votos nas eleiçons. Mas aí há que escolher: quando o alvo da ditadura do proletariado estorva a actividade diária de um partido é porque esse partido já está metido nos carris do sistema. Dim outros (como foi entre nós o caso dos dirigentes do PCP) que o abandono do conceito nom representa qualquer capitulaçom mas apenas umha pequena “esperteza”: “Nom falamos nisso porque a palavra ‘ditadura’ confunde as pessoas e facilita campanhas contra nós, mas vamos mobilizando os trabalhadores para um dia fazer a revoluçom e acabar com o capitalismo”. É umha fraude ainda mais grosseira. Fazendo crer aos trabalhadores que o seu objectivo é “aperfeiçoar” e “alargar” esta democracia, assente na mentira da “igualdade dos cidadaos” – como estarám eles algumha vez preparados para a derrubar e instaurar um regime completamente diferente, a democracia do trabalho? A renúncia à ditadura do proletariado é umha declaraçom oficial de submissom ao sistema e, como tal, é umha opçom sem retorno. Só nos resta, pois, dar os parabéns à LCR pola sua “corajosa” decisom de abdicar da “ditadura do proletariado”. O reformismo da LCR nom é de hoje; este foi só um novo passo na sua longa marcha a caminho da área


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LCR repudia a “ditadura” do poder, ao serviço da burguesia. Mas foi um passo esclarecedor. E para o proletariado é sempre preferível que um partido que serve o sistema apareça claramente como aquilo que é. *Publicado no número 93 da revista Política Operária. Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 2004.

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STALINE DE NOVO Ao passar meio século sobre a morte de Staline, a grande imprensa portuguesa usou mais umha vez o assunto como pretexto para tentar enterrar a revoluçom russa, o movimento comunista e as ideias do comunismo. Staline foi “um dos monstros mais sinistros do século XX”; o stalinismo foi a “conseqüência inevitável da teorizaçom leninista do marxismo”; a “dimensom demencial, paranóica, de umha brutalidade assassina” de Staline foi umha forma extrema de umha bestialidade que estivo e está presente em todos os países de governo comunista. Etc., etc. E, depois da habitual intimaçom aos “esquerdistas” para que fagam a sua autocrítica e reconheçam que nom houvo diferenças de fundo entre o regime da URSS e o nazismo, estes “arautos dos direitos humanos” aproveitam para “demonstrar” que os maiores admiradores actuais do terrível Staline som justamente... Saddam Hussein e Kim Jong-Il! De onde se conclui que o “Eixo do Mal” já vem de longe e que Bush tem toda a razom em atacar os actuais renegados com os seus exércitos e as suas bombas... Ninguém esperaria decerto que a nossa “imprensa de referência” fosse capaz de empreender umha avaliaçom séria de Staline e da sua época. Mas a manipulaçom dos factos é escandalosa. Para fazer de Staline o

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Staline de novo “émulo de Hitler”, vira-se do avesso toda a crise que conduziu ao desencadeamento da segunda guerra mundial. Nom se di umha palavra sobre os esforços desesperados da Uniom Soviética, ao longo dos anos 30, para chamar as potências ocidentais a umha frente contra a Alemanha nazi; calam-se as manobras anglo-francesas para empurrar Hitler contra a URSS; omite-se a entrega da Checoslováquia aos nazis em Munique, a entrega da Espanha aos franquistas, a capitulaçom dos governantes franceses em 1940... Em vez disso, surgem as pobres democracias como vítimas de um plano diabólico de Staline, visando metê-las à bulha com a Alemanha nazi, para ele depois intervir quando ambos os campos estivessem esgotados... Sobretodo, minimiza-se grosseiramente a resistência da Uniom Soviética à invasom nazi e a grande viragem da batalha de Stalingrado, a ponto de haver quem tenha escrito, repetindo quase textualmente comunicados dos nazis de há meio século, que os russos só vencêrom porque “os soldados sabiam que se recuassem eram abatidos polos seus próprios camaradas”! Agora mesmo, quando passava o 60º aniversário dessa batalha, indiscutivelmente o acontecimento mais decisivo da história europeia no século XX, oito governantes vendidos, entre os quais o anao Barroso, tentárom justificar a colaboraçom na aventura iraquiana de Bush com o argumento de que “foi graças à coragem, generosidade e visom de futuro dos Americanos que a Europa pudo libertar-se do nazismo”. Assim se reescreve a história... PONTO DE VIRAGEM Em 1941, quando a Alemanha nazi lançou a invasom da URSS, a sua potência industrial era mais do dobro da dos soviéticos. Depois que os nazis conquistárom toda a regiom ocidental da Uniom Soviética, a desproporçom de forças entre os dous países tornou-se esmagadora. No início do Verao de 1942, aproveitando-se da ausência de umha segunda frente na Europa e sabendo que ela nom seria aberta tam cedo, Hitler concentrou três quartos dos seus exércitos na frente oriental, ou seja, mais de 6 milhons de homens, 3.300 carros de combate, 3.400 avions e 43.000 canhons. No fim do Verao, a conquista de Stalingrado, nas margens do Volga, parecia iminente, mas a resistência soviética tornou-se de tal modo encarniçada que o “invencível” exército nazi, que ocupara a França num mês, o mais que conseguiu, ao fim de semanas de combates, foi tomar algumhas ruas da cidade, à custa de perdas terríveis.

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Staline de novo

E O GULAG? Claro, toda esta campanha mal intencionada assenta num suporte histórico – o regime repressivo instaurado por Staline na Uniom Soviética, a omnipotência da polícia secreta, os processos de Moscovo, o Terror, o Gulag. Pode dizer-se que existem razons de sobejo para recordar e tentar compreender esse cataclismo que custou milhons de vidas humanas. Mas é justamente isso que esta campanha nom fai. Primeiro, ao colocar Staline no mesmo plano de Hitler falseia-se por completo a natureza do regime soviético. Na URSS, o regime ditatorial, com a sua tremenda máquina burocrática, nasceu da sucessom de catástrofes causadas polo cerco, boicote e invasom das potências capitalistas, e nas quais se afundárom as conquistas da revoluçom popular e o regime dos sovietes. As relaçons sociais em que assentava o regime stalinista nada tinham de comum com a situaçom da Alemanha, onde a ambiçom expansionista da grande burguesia, ansiosa por escravizar a Europa para dominar o mercado mundial, elevou ao poder o bando de gangsters nazis e lhes permitiu destroçarem polo terror o movimento operário. 217

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Na manhá de 19 de Novembro, as salvas de milhares de canhons e morteiros dérom início a umha contra-ofensiva soviética que apanhou de surpresa os nazis, pola dimensom do seu potencial. Ao fim do quinto dia da ofensiva, as tropas soviéticas já tinham cercado junto ao Don um grupo de exércitos alemáns de mais de 300.000 homens. A 10 de Janeiro começou a etapa final da batalha de Stalingrado e a 2 de Fevereiro o marechal von Paulus rendeu-se com os seus exércitos. Nos seis meses que durou a maior batalha da história, a Wehrmacht perdeu 1,5 milhons de soldados, e nom voltou a recompor-se desta catástrofe gigantesca. A partir daí, iniciou-se o recuo que só viria a terminar com a entrada dos exércitos da URSS em Berlim. Por isso, o mundo inteiro compreendeu que, sem Stalingrado e sem os 20 milhons de soviéticos mortos na guerra, a Europa nom se teria libertado da barbárie nazi. De tal modo isto era incontestável que, em 30 de Janeiro de 1943, Churchill reconhecia na Cámara dos Comuns que “todas as nossas operaçons militares estám numha escala insignificante se comparadas com o esforço gigantesco da Rússia” e, numha carta a Staline, manifestava o seu “reconhecimento” e prometia “fazer o mais possível para vos ajudar”. Porém, os desembaques aliados em França e na Itália – a segunda frente cuja abertura Staline pedira em vao quando era preciso travar a avançada nazi – só se dérom quando os anglo-americanos se alarmárom com o avanço imparável dos exércitos soviéticos para Ocidente.


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Staline de novo Apresentar ambos os regimes e os seus dirigentes como semelhantes é tentar fazer esquecer o papel diametralmente oposto que desempenhárom na cena mundial. Na época, todas as pessoas com o mínimo de consciência, comunistas ou nom, sabiam que a URSS era a única grande potência que se erguia contra o nazismo e contra o desencadeamento da guerra. Isso, aliás, explica a admiraçom que todo o mundo progressista da época tinha polo regime soviético e polo próprio Staline. Pola nossa parte, no colectivo da “Política Operária”, temos travado longos debates e publicado numerosos artigos sobre a questom, partindo do princípio de que a nossa crítica ao regime da URSS nom tem qualquer ponto de contacto com a crítica burguesa. Resumidamente, podemos dizer que nem embarcamos no coro anti-stalinista dos ideólogos da democracia imperialista, nem sofremos de complexos de stalinismo envergonhado, como acontece com o PCP. Sabemos que Staline, militante revolucionário de valor na juventude, chefiou mais tarde a edificaçom na Uniom Soviética de um regime de capitalismo de Estado, sem nada de comum com o socialismo, marcado por tremendas violências e crimes e pola supressom das liberdades populares que a Revoluçom instaurara. Repudiamos a imagem de Staline como discípulo e continuador de Lenine. Mas isso nom nos leva a perder de vista que esse regime continua a ser odiado pola burguesia porque foi durante algumhas décadas, e apesar das suas contradiçons, um obstáculo no caminho do imperialismo e um ponto de apoio na luita dos trabalhadores e dos povos. Recusamos por isso “dar a mao à palmatória”, como nos exigem os ideólogos da burguesia. Nom temos dúvida de que as acerbas condenaçons do stalinismo polos nossos “democratas humanistas” tenhem por objectivo fazer passar mais facilmente crimes e barbáries bem mais recentes e de umha dimensom muito maior – falamos do rasto sangrento que o imperialismo ianque tem derramado e continua a derramar através do mundo ao longo do último meio século, em nome da “democracia” e dos “direitos humanos”. Publicado no Abrente 28. Compostela Abril- Junho de 2003.

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NOS 40 ANOS DA CRIAÇOM DO CMLP. RETOMAR A RUPTURA “A via defendida polos dirigentes do Partido Comunista –escrevia a revista do CMLP em 1964– só pode facilitar o triunfo de um golpe militar e o escamoteamento da revoluçom pola burguesia, a passagem de Portugal dum regime capitalista antiquado a um capitalismo moderno” – o que de facto aconteceu, como hoje todos sabem.

Chega agora a vez de a “nova esquerda”, na luita contra o neoliberalismo, nos impingir as velhas receitas do PCP, revistas e aumentadas. Nom se pode dizer que tenha sido brilhante a vida do Comité MarxistaLeninista Português, criado fai agora justamente 40 anos, em Paris. Desmantelado pola PIDE, reorganizado, dividido, depois proclamado como Partido, o CMLP nunca chegou a ser umha organizaçom coerente. O que explica entom que tenha dado origem a umha corrente política nova em Portugal, os “marxistas-leninistas”, com apreciável expressom durante a crise de 74-75 e nos anos imediatos? Rotulado como “maoísta”, devido ao seu alinhamento com o PC da China, que entom se insurgia contra o namoro da URSS ao imperialismo, o CMLP nom foi apenas mais um dos muitos grupos “pró-chineses” que na época

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Nos 40 anos da criaçom do CMLP: Retomar a ruptura se multiplicárom por todo o mundo. Se a ruptura com o revisionismo soviético foi um aspecto central da linha do Comité, isso nom deve fazer esquecer que a sua influência resultou também em larga medida de, na sua revista Revolução Popular, ter aberto discussom sobre qual deveria ser a política comunista para o derrubamento da ditadura fascista. Estava-se nos primeiros anos da guerra colonial e havia nos meios da resistência antifascista a percepçom de que a ditadura de Salazar entrava na agonia, polo que a questom do “Que fazer?” ganhava umha enorme acuidade. Foi nessa situaçom que Revolução Popular contestou, numha série de artigos, toda a política que vinha sendo seguida polo PCP desde os anos 40. Afirmava, em síntese, que a meta do “levantamento nacional” apontada por Álvaro Cunhal, ao olhar a luita antifascista na perspectiva de um mítico e difuso “povo português” superclassista, fazia do proletariado umha “força de choque” da burguesia democrática. A lógica intuitiva dos informes de Cunhal – “contra um inimigo que oprime todas as classes, é preciso um movimento único” – esquecia que o antifascismo dos operários nom podia ser igual ao dos democratas burgueses. Para cada classe o fascismo representava um grilhom diferente; cada umha tinha os seus horizontes próprios para lá da queda do fascismo; cada umha tinha portanto que encontrar a sua estratégia própria de lhe fazer frente – o que significava que o proletariado tinha que preparar o derrube do fascismo por sua própria conta, através da insurreiçom popular – nom a reboque de qualquer golpe militar. Para adquirir a sua identidade política própria, o proletariado tinha que se diferençar em relaçom aos outros – o que significava criticá-los, rejeitar os seus pontos de vista, denunciar a subjugaçom a que eles procuravam submetê-lo. Só a partir desta atitude de independência política se poderia pensar numha conjugaçom eficaz de esforços com outros sectores. A submissom política do proletariado, salientava a Revolução Popular, teria como resultado, se nom fosse urgentemente banida, a continuidade e mesmo o reforço do regime burguês para lá da queda da ditadura. O fim do fascismo serviria “para modernizar a ditadura burguesa, libertando-a das suas actuais dificuldades, para a burguesia se apoiar nos monopólios nacionalizados e recomeçar livremente o seu ciclo de concentraçom”. E previa-se que “a via defendida polos dirigentes do Partido só pode facilitar o triunfo de um golpe militar e o escamoteamento da revoluçom pola burguesia” – o que de facto aconteceu, como hoje todos sabem.

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O COMPROMISSO OCULTO O CMLP pudo anunciar, com dez anos de antecedência, o rumo da malfadada “Revoluçom dos cravos”, da aparente vitória popular pacífica à frustrante derrota sem combate, meses mais tarde, porque detectou na linha política do PCP, para lá da incontestável intransigência antifascista, umha proposta de compromisso com a burguesia liberal: – ao limitar as denúncias à “camarilha salazarista” e ao “punhado de monopolistas e latifundiários”, o PCP dissolvia aos olhos dos operários o seu antagonismo de classe com a burguesia e nom lhes mostrava o regime fascista como umha das etapas da ditadura desta; ajudava assim os sectores liberais a esvaziar a carga revolucionária acumulada na sociedade portuguesa e a preparar umha transiçom controlada para um regime capitalista modernizado; – ao formular a acçom diária exclusivamente em termos aceitáveis para a “unidade democrática”, o PCP enraizava nos proletários a ideia de que o seu contributo para a resistência eram as reivindicaçons económicas e que seria “sectário” manifestar aspiraçons políticas próprias; – sobrevalorizando o aproveitamento das “eleiçons” e das instituiçons fascistas, o partido acabava por adoptar boa parte das concepçons “ordeiras” da Oposiçom burguesa e ver na radicalizaçom das luitas populares o perigo de suscitar “acçons descontroladas das massas”; – ao privilegiar na prática a burguesia urbana anti-salazarista como o aliado por excelência do proletariado, em lugar da massa imensa dos camponeses pobres, o partido privava o movimento antifascista de arcabouço revolucionário; – defendendo o “importante papel que os militares patriotas tenhem a desempenhar no levantamento nacional” e batalhando sem descanso contra o “aventureirismo” e as “acçons desligadas das massas”, o PCP desistia da insurreiçom popular e metia o movimento popular nos carris do apoio desarmado a um pronunciamento de oficiais; – aliás, a ausência de umha organizaçom comunista de soldados e marinheiros derivava também dessa dependência face aos oficiais democratas, os quais, obviamente nunca aceitariam a subversom da hierarquia; – os conflitos que por vezes opunham o partido às outras forças oposicionistas resultavam de divergências tácticas ou de luita polo protagonismo; nunca exprimiam umha crítica fundamental de classe – prova disso, o silêncio diplomático que se fazia em torno dos alinhamentos reaccionários da burguesia liberal, assim como da repressom implacá-


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Nos 40 anos da criaçom do CMLP: Retomar a ruptura vel exercida pola República sobre o movimento operário e os povos coloniais; – condenando as guerras em África e declarando a sua solidariedade com os povos coloniais, o partido abstinha-se de criticar o colonialismo “moderado” dos liberais(1) e o chauvinismo colonialista infiltrado em todas as camadas da populaçom – e com isto impedia o surgimento de um movimento popular de sabotagem e de luita activa pola derrota do governo na guerra. Em resumo, o PCP, ao mesmo tempo que repetia as parangonas sobre o “papel determinante da classe operária e do seu partido” e as declaraçons de fidelidade a Lenine e à revoluçom russa, praticava a política que Lenine criticara no seu tempo – fazer do proletariado umha força de reserva da burguesia liberal – com o argumento da situaçom nova criada polo fascismo. Obviamente, estas nom eram grandes descobertas na história da política comunista. Mas o facto de se apontarem interesses de classe diferentes e potencialmente antagónicos no campo antifascista e de se prever que as conquistas democráticas teriam de passar por umha luita entre proletariado e burguesia, pareceu escandaloso a todos aqueles para quem a política da “Unidade” era a única opçom realista para a resistência. O atrevimento do CMLP foi atacado polos meios afectos ao PCP como “sectário” e “aventureiro”, senom “provocatório”, e a nova corrente viuse desde logo marginalizada. Se mesmo assim deitou raízes foi porque, ao formular a pergunta “Luita de classes ou unidade dos portugueses honrados?”, os artigos da Revolução Popular revelárom toda a tacanhez do marxismo de via reduzida do PCP; rompêrom o tabu que até aí impedia o debate no campo comunista, polo receio de “favorecer o fascismo”; trocárom as adulaçons paternalistas ao “nosso povo”, que eram norma na imprensa do PCP, por umha rigorosa exigência crítica, pois essa era a única forma de elevar os trabalhadores à consciência dos seus reais interesses; abrírom pistas para umha forma inteiramente nova de conceber a política comunista, havia longo tempo soterrada sob espessas camadas de preconceitos reformistas. RUPTURA INACABADA Esta era, porém, apenas umha primeira pedra no lançamento de umha nova corrente política. Para ganhar coerência, seria preciso ir muito mais 222


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E HOJE? Dirá-se que a crítica de 1964 tivo o seu papel no desmascaramento do reformismo do PCP, mas que hoje, numha situaçom interna e internacional completamente transformada, tem um interesse apenas histórico. Creio que é o contrário. Quando hoje os arautos da “esquerda moderna” defendem que um amplo movimento anticapitalista e anti-imperialista “nom tem nada a ver com os interesses desta ou daquela classe” e rejeitam as “disputas teológicas” sobre luitas de classes e busca da linha justa – eles estám a 223

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longe e questionar todo o corpo de ideias em que assentava o movimento comunista internacional, o tipo de sociedade existente na Uniom Soviética e no “campo socialista”, o percurso dos partidos comunistas desde a sua origem, a concepçom de partido que se defendia como “leninista”, reformular umha linha de massas de conteúdo revolucionário... Ora, isto implicaria umha ruptura com a corrente “marxista-leninista” que entom dava os primeiros passos, amparada no PC da China, e cujo programa era o retorno à política da URSS e do movimento comunista antes de 1956. Nem o CMLP nem os grupos que lhe sucederam ousárom fazê-lo. A luita de princípios que fora esboçada pola Revolução Popular nom tivo seqüência. Houvo, polo contrário, um recuo. Nom sendo aqui o lugar para um balanço ao movimento “marxista-leninista” português, é um facto que, na premência da intervençom política criada, primeiro, pola agonia da ditadura, e depois, polo movimento popular de 74-75, a questom da atitude a tomar face à pequena burguesia – autêntico separador entre revoluçom e reformismo – foi abandonada como inoportuna. O esforço para entender a luita de classes nacional foi substituído pola repetiçom de fórmulas livrescas e slogans ribombantes. Embora colocando-se à esquerda do PCP, os “M-L” cedêrom à tendência para deixar ir o movimento de massas à deriva dos sectores “progressistas” da burguesia, sem um alvo revolucionário próprio. As tremendas dificuldades para fazer face à imensidade das exigências, somando-se aos compromissos consentidos com o nacionalismo grosseiro em que se transformara a bandeira leninista inicialmente arvorada pola China, figérom o resto. Os “M-L” saírom da crise revolucionária “unificados”, mas numha situaçom de confusom ideológica, de empobrecimento político e de esterilizaçom dogmática. O naufrágio reformista, já nos anos 80, da corrente “M-L” e da sua principal resultante, o PC(R), tornara-se inevitável.


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Nos 40 anos da criaçom do CMLP: Retomar a ruptura retomar a velha lógica que o PCP difundiu no tempo do fascismo. Numha situaçom radicalmente nova – globalizaçom, revoluçom tecnológica e informática, neoliberalismo, guerras imperialistas em cadeia – a concepçom é basicamente a mesma: substituir a luita de classes pola colaboraçom de classes. Para os campeons dos “novos movimentos sociais”, a política da esquerda é simples, aberta, intuitiva: “Unir todos os que podem ser unidos na aspiraçom de um outro mundo possível”, concentrar-se nas causas “abrangentes”, pôr de lado os “esquemas que já nom som do nosso tempo”... O vocabulário tem algumas novidades, mas segue a par e passo o espírito da “Unidade de todos os portugueses honrados”, do Cunhal de 1944. Vai mesmo mais longe. Dantes, “demonstrava-se” que a luita de classes contra o “punhado de monopolistas sem pátria” implicava a fusom das classes antifascistas e exigia-se que o proletariado abdicasse de objectivos próprios e de ideologia própria e aderisse a conceitos “amplos” que facilitassem a unidade. Agora di-se aos proletários que a sua classe se evaporou, que o próprio conceito de luita de classes terá envelhecido face às novas realidades e que entrámos na época da luita da “sociedade civil” pola “justiça social”.

A falsificaçom é ainda mais grosseira do que a de há meio século. Por isso, quando nos convocam para a luita urgente contra a máquina trituradora da UE, a globalizaçom, os massacres imperialistas, a crise económica, temos que deslindar primeiro se esses pesadelos significam o mesmo para o proletariado e para as outras classes, se todos tenhem umha forma comum de os combater e um objectivo final semelhante, ou se nos estám a arregimentar, umha vez mais, para servir de carne de canhom dos “melhoramentos” com que sonham os sectores desfavorecidos da burguesia. A vida já provou que, escolhendo a linha aparentemente mais fácil das reivindicaçons viáveis (do ponto de vista da ordem burguesa), da associaçom dos trabalhadores ao movimento da burguesia liberal, o proletariado nom tem visto materializar-se nengum dos prometidos progressos; polo contrário, tem tornado mais difícil, mais prolongada e mais dolorosa a caminhada para a emancipaçom. Hoje como ontem, o problema da revoluçom continua a colocar-se em termos da capacidade de o proletariado formular objectivos de classe próprios, desenganchar-se da burguesia democrática e progressista, para poder utilizá-la e nom ser utilizado, e assim orientar-se para o derrube do aparelho de Estado, a conquista do poder, a liquidaçom do

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(1). Como foi o caso do “Programa para a Democratizaçom da República” apresentado polos liberais logo após o começo da guerra em Angola, documento que exigia umha demarcaçom de princípio por parte do partido devido às suas posiçons colonialistas, mas que a direcçom do PCP recusou terminantemente criticar, para nom prejudicar as negociaçons em curso com vista à presença da Oposiçom unida nas “eleiçons” de Novembro de 1961. Só em 1967 Cunhal se decidiu (com seis anos de atraso!) a criticar esse documento, para “demonstrar” aos militantes que a sua luita contra o “esquerdismo” nom o levava a fazer concessons aos liberais (Acçom Revolucionária, Capitulaçom e Aventura). Mesmo assim, essa “corajosa” crítica à burguesia democrática só foi tornada pública muitos anos depois do 25 de Abril! *Publicado no número 94 da revista Política Operária. Lisboa, Março-Abril de 2004.

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capitalismo. Por muito difícil que esse objectivo nos apareça hoje, ainda será preciso demonstrar que nengumha transformaçom real é possível fora dele?.



OITENTA ANOS A ENTERRAR LENINE O leninismo é um mundo. Gostaria de falar da política leninista na fase de preparaçom da revoluçom, trazendo o testemunho da minha experiência pessoal enquanto militante comunista português.

Ainda eu estava no PCP, já lá vam mais de 40 anos, e já me confundia a diferença enorme entre o “leninismo” que nós praticávamos e os textos do próprio Lenine. A intervençom do PC em Portugal parecia bastante avançada a nós, comunistas daquele tempo: unir o povo, com @s operári@s na primeira linha, para derrubar a ditadura fascista e ganhar umha democracia avançada. Mas entom descobrim que Lenine, na luita contra o czarismo, punha as cousas em termos completamente diferentes. Nós proclamávamos aos antifascistas: “O que nos separa nada é, comparado com o que nos une”. Lenine acentuava a necessidade de “paralisar a instabilidade, a ambigüidade e a perfídia da burguesia democrática”(1). Nós dizíamos à classe operária que ela devia estar na vanguarda, como a mais esforçada e combativa. Lenine dizia: “Devemos ajudar o proletariado a elevar-se do papel passivo de motor ao papel activo de guia, a passar de defensor subalterno de umha liberdade truncada a defensor totalmente independente de umha liberdade completa, em proveito da classe operá-

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Oitenta anos a enterrar Lenine ria”.(2) Nós aliávamo-nos à pequena burguesia urbana, mais activa e politizada. Lenine dizia que @s camponesas/es, alhead@s da política, incult@s e famint@s, é que eram o verdadeiro aliado do proletariado, porque ao exigir a terra criavam condiçons para subverter a ordem instituída. Nós resumíamos toda a nossa estratégia e a nossa táctica ao derrube do fascismo. Lenine dizia que “nom se pode falar dos objectivos políticos imediatos enquanto nom se esclarecerem as questons essenciais das tarefas do proletariado na nossa revoluçom (...), enquanto nom se vir como se agrupam as classes e os partidos...”3 Numha palavra: nós procurávamos pôr de lado todo o que dificultasse a unidade imediata. Lenine procurava pôr de lado todo o que, na luita imediata, impedisse o papel dirigente do proletariado.

Que respondiam os dirigentes do PC às nossas perplexidades? Que Lenine tivera certamente razom, fora o mais genial dos revolucionários, etc, mas que isto já nom podia ser assim porque as novas condiçons exigiam d@s comunistas umha capacidade muito maior de assumir como suas as reivindicaçons de todo o povo, unir todas as camadas nommonopolistas, unir a naçom contra o fascismo e o imperialismo estrangeiro, construir amplas frentes de luita pola paz... Só que esta justificaçom era coxa: onde mais do que na Rússia de 1905 era necessário ganhar todas as camadas da populaçom para o derrube da autocracia, para o fim da , para fazer transformaçons democráticas? E, no entanto, Lenine cuidara sempre em delimitar correntes no campo d@s que luitavam pola liberdade, sem medo de afastar possíveis aliados; achava mesmo “indecente” o “medo de isolar o proletariado do povo pequeno-burguês”4. Com essa orientaçom permitiu que, no ano de 17, o proletariado russo se agigantasse e partisse ao assalto do poder. O que mudara, afinal, para tornar inaplicável o modo leninista de fazer política? A diferença nom podia ser explicada pola mudança das condiçons. Fora a estratégia que mudara. Pouco a pouco, imperceptivelmente, o leninismo fora-se tornando imprestável para os partidos comunistas (e falo aqui sobretodo da Europa, que nos di mais directamente respeito). À medida que se fôrom extinguindo as réplicas daquele tremendo abalo revolucionário que sacudira a Rússia com a revoluçom dos sovietes, @s comunistas, por muito que admirassem @s bolcheviques, nom vendo como próxima a instauraçom da ditadura do proletariado, acossados por um clima social desfavorável, receios@s do isolamento, considerárom inaplicável a 228


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Após a guerra, veu a teoria das revoluçons “democrático-populares”, meias revoluçons de um tipo novo, que nom instauravam nem a ditadura do proletariado sobre a burguesia, nem a ditadura da burguesia sobre o proletariado, “porque agora, com o poderio da Uniom Soviética, já é possível umha ampla aliança das classes antimonopolistas”. Para além dos abortos de capitalismo burocrático a que deu lugar na Europa de Leste, esta teoria serviu para afundar mais ainda os partidos europeus na prática da colaboraçom de classes. Por fim, no 20º Congresso do PCUS, em 1956, invocou-se mais umha vez a nova situaçom internacional como argumento para a revisom kruchovista: “Lenine estava certo na sua época, mas no seu tempo nom havia armas atómicas”. E portanto @s comunistas deviam abdicar de objectivos revolucionários a bem da coexistência pacífica, ganhar a aliança com os social-democratas à custa do compromisso de umha mirífica “passagem pacífica ao socialismo”, meter no limbo o conceito maldito da “ditadura do proletariado” que matava à nascença qualquer

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demarcaçom leninista entre as posiçons do proletariado e as da burguesia democrática. Assim, enquanto se proclamava sem descanso a validade universal do leninismo, este foi sendo soterrado sob umha sucessom de revisons, em camadas sobrepostas. A primeira foi a chamada política das frentes populares, adoptada no 7º Congresso da Internacional Comunista, em meados dos anos 30, com o argumento de que “no tempo de Lenine nom existia o terrorismo fascista”.... Nom que as frentes antifascistas, em si, tivessem algo de mal. O mal era dirigir-se os esforços de aliança para a burguesia e nom para os pobres da cidade e do campo, pensar que o preço a pagar pola frente era bajular @s social-democratas, calar os objectivos próprios d@s comunistas, adoptar umha linguagem progressista nebulosa, conceber a luita contra o fascismo como a fusom das posiçons de classe contraditórias numha corrente democrática comum. Anos mais tarde, em plena guerra mundial, novo passo: a Internacional Comunista foi dissolvida “porque os partidos já estavam temperados e maduros”, na realidade porque as potências ocidentais exigiam o fim da Internacional para abrir a segunda frente contra Hitler. A dissoluçom da IC –aliás, já agonizante por ter sido rebaixada a instrumento da política externa da URSS– levantou os últimos obstáculos à dispersom oportunista que empurrava cada partido a moldar-se às condiçons impostas pola burguesia do seu país.


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veleidade de aliança porque a burguesia democrática nom o tolerava (e com boas razons!). Se olharmos na sua seqüência esta série de “actualizaçons” –e há nela umha linha de continuidade que passa dos stalinistas para os anti-stalinistas–, vemos que se tratou de umha revisom estratégica. Lenine cuidava permanentemente de libertar os interesses a longo prazo do proletariado da ganga “democrática” geral em que sempre se encontram soterrados, justamente porque apontava para o alvo da revoluçom proletária. O “leninismo” reciclado que lhe sucedeu precisava de dissolver os objectivos proletários na política democrática “de todo o povo” justamente porque adoptara como meta a introduçom gradual de reformas democratizantes no regime burguês. Nada parecia, porém, mais distante do oportunismo do que a intransigência exibida polos PC europeus dos anos 50. Perseguidos e caluniados polas suas burguesias, eles defendiam a pé firme a “pátria do socialismo”, luitavam contra o imperialismo, mantinham acesa a luita contra a social-democracia, defendiam a independência e unidade do partido. De tal modo que a sua luita parecia até por vezes assumir um radicalismo maior que nos tempos de Lenine. Com umha diferença de fundo, contodo. O empenhamento de Lenine em distinguir e separar os interesses do proletariado dos das classes intermédias fora abandonado para dar lugar à luita do “campo da paz e da democracia” contra o grande capital e o imperialismo –capaz de englobar num movimento conjunto a pequena burguesia e o proletariado. O combate ao imperialismo, para se tornar aceitável a tod@s, passou de anticapitalista e revolucionário a democrático-humanista-pacifista. A crítica aos partidos social-democratas transformouse na denúncia dos manejos das suas cliques –tinha que se negar base social à social-democracia para manter de pé o mito da unidade de interesses entre proletariado e pequena burguesia. A disputa da hegemonia proletária no movimento democrático foi substituída pola proclamaçom do “papel dirigente do partido” –e com esta transferência trocou-se a luita política em campo aberto polo manobrismo sem princípios. A luita interna nos partidos degenerou na caça aos “renegados, sabotadores e provocadores”, acabando por instituir um unanimismo gerador de podredume porque reconhecer que a pequena burguesia tentava ganhar o partido por dentro poria em causa a “unidade popular”. A ideologia “unitária” esterilizou o movimento comunista. Quanto mais cedências os partidos faziam na sua linha política à pressom burguesa democrática, na ambiçom de ganhar espaço na “grande massa da popu230


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Na esperança obtusa de virem a ser reconhecidos como os melhores defensores dos interesses de toda a naçom, os partidos comunistas sacrificárom a identidade política do proletariado. Repetírom, com outra linguagem e noutras condiçons, a deriva oportunista que Lenine apontara aos antigos social-democratas: “Renúncia às posiçons de classe e à luita de classes por receio de nom influenciar ‘a grande massa da populaçom’ (leia-se: a pequena burguesia)”.5

E como na luita de classes nom há espaços vazios, esta magnánima abdicaçom dos interesses próprios e exclusivos do proletariado redundou na ocupaçom dos partidos pola ideologia e polos objectivos políticos da pequena burguesia. Os partidos comunistas fôrom tomados polas fracçons radicais da nova pequena burguesia assalariada, em crescimento acelerado por toda a Europa, interessada em regatear espaço junto da burguesia dominante usando como suas armas a luita do proletariado (devidamente depurada de objectivos revolucionários) e o apoio ao regime da URSS, o temido rival do imperialismo. Assim o proletariado se tornou o servente do movimento democrático burguês sob o emblema da fouce e do martelo. Nom é agora o momento de fazer o historial das posiçons reformistas, eleitoralistas, chauvinistas assumidas polos partidos comunistas europeus, mesmo no mais aceso da sua resistência à “Guerra Fria”. Os tons radicais e a terminologia marxista com que se ocultavam, juntos com a imagem “socialista” da URSS, permitírom que se arrastasse por decénios o seu apodrecimento. Foi só quando, a partir dos anos 60, a classe governante “soviética” iniciou os primeiros passos para negociar com o imperialismo a sua reconversom ao capitalismo privado, que os aparelhos dos partidos europeus, já corrompidos até a medula, considerárom esgotada a opçom “leninista” e se pugérom também à procura de umha via de capitulaçom. Seguiu-se logicamente a renegaçom aberta do leninismo e o dar a mao à palmatória da social-democracia: Lenine tinha sido “maximalista”, porque queria levar todo longe de mais; “jacobino”, porque estava obcecado pola conquista do poder; “redutor” e “sectário”, porque afastava os aliados; “fraccionista”, porque criava contínuas guerras dentro do partido...

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laçom”, mais o proletariado era reduzido à reivindicaçom económica e se apagava na cena política, mais os partidos trocavam a polémica viva pola solene enunciaçom de dogmas, mais autorizados se consideravam, como indiscutida “vanguarda”, a todas as manobras.


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Assim o leninismo se transformou em antileninismo, à sombra dos vivas a Lenine. E na pequena corrente que hoje aqui e além retoma a bandeira do leninismo? Eu creio que a defesa que fazemos da politica leninista ainda é dúbia, reticente e muitas vezes mais formal do que real. Criou-se um certo consenso de que as ideias políticas de Lenine teriam envelhecido irremediavelmente perante as transformaçons sociais profundas do último século. A demarcaçom de interesses entre proletariado e pequena burguesia em que o leninismo apostou, hoje já nom seria operativa nas nossas sociedades avançadas, em que se diluírom as antigas fronteiras entre proletários miseráveis e proprietários opulentos, e a esmagadora massa da populaçom assalariada defronta o “punhado de monopolistas sem pátria”. Há umha opiniom generalizada, embora nem sempre claramente articulada, de que a linguagem de classe rigorosa pode ser muito útil para estudos de marxismo mas na política prática nom funciona, conduz ao doutrinarismo, ao obreirismo, ao isolamento. Esquece-se porém que as transformaçons sociais profundíssimas que as metrópoles capitalistas venhem atravessando nom atenuam mas agudizam o seu antagonismo essencial, entre produtores e apropriadores de mais-valia, ao fazerem proliferar as camadas assalariadas auxiliares da extracçom de mais-valia ou puramente parasitárias. A imagem “popular” e facilmente aceite de um antagonismo universal entre os magnates capitalistas e “os mais de 90 por cento da populaçom reduzidos ao trabalho assalariado” esquece a complexa e vastíssima rede de camadas intermédias que beneficiam, em maior ou menor medida, de suplementos da mais-valia, distribuídos pola classe dominante para garantir a eficácia e estabilidade do seu sistema de exploraçom..Lenine, já no seu tempo, dava-se ao trabalho de desfibrar, no espaço entre o proletariado e a burguesia, as posiçons de semiproletários, pequeno-burgueses, semi-pequeno-burgueses, aristocracia operária, burocracia operária, etc. É esse imenso trabalho de demarcaçom política e ideológica que falta realizar nas condiçons actuais, para que volte a emergir a identidade do proletariado. Querer formular umha estratégia e umha táctica de luita do proletariado polo fim do capitalismo sem tomar em conta aquilo que distingue o proletariado de todas as outras classes e camadas, pode proporcionar todos os êxitos e vantagens políticas que se queiram, mas conduz de certeza 232


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Aprendamos com Lenine que a conquista de alianças de classe nom é a troca dos objectivos do proletariado por imaginárias metas nom-revolucionárias, capazes de seduzir a pequena burguesia; nem é a troca da voz independente e exigente do proletariado polos discursos unitário-diplomáticos que agradam a todos e nada esclarecem, é armar o proletariado com a capacidade de arrastar atrás de si as camadas vacilantes.

Aprendamos com Lenine que criticar os sectores burgueses que ficam contíguos ao proletariado nom prejudica a luita contra o inimigo principal, reforça-a. De facto, como se pode dar real poder ofensivo à luita das massas contra a actual onda de pilhagem e terror lançada pola burguesia, com debilidades pequeno-burguesas como a “justa retribuiçom do trabalho”, a “altermundializaçom”, o “Estado de direito democrático”, o “respeito polos direitos humanos”, a “Europa social”, a “luita por um mundo melhor”, se nom mostrarmos diariamente ao proletariado o sinal de classe pequeno-burguês das propostas conciliadoras, reformistas, pacifistas, alienantes que diariamente lhe som apresentadas? Sem a hegemonia da política proletária dentro dele, esses movimentos, por muito positivos que sejam os seus impulsos espontáneos, degeneram continuamente em sonhos patetas de humanizar e domesticar o capitalismo.

Há quem estude o leninismo em busca de fórmulas que nos dem a receita mágica para o êxito. Tais fórmulas nom existem. O mundo muda continuamente e apreender fórmulas é o caminho mais certo para nos per-

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ao desastre quando chegar o momento em que os diferentes interesses das classes saem da relativa indefiniçom ou adormecimento dos períodos de paz social e se revelam brutalmente à luz o dia, quando se entra em crise revolucionária. Aí, torna-se antagónica a postura dos que precisam de abolir o sistema capitalista e dos que simplesmente querem regatear melhores posiçons dentro do sistema e à custa dos de baixo. Vimo-lo claramente, nós, comunistas portuguesas/es, durante a crise revolucionária de 1974-75. A ideologia democrática pode proporcionar –e proporciona de facto– popularidade, êxitos eleitorais, vantagens, mas, quando chega a hora da verdade, revela a sua natureza antiproletária. Aí, o proletariado que ao longo dos anos anteriores de escaramuças nom ganhou tenhempera política e ideológica e se habituou a servir de auxiliar da burguesia será incapaz de fazer prevalecer os seus interesses. Foi o que também constatamos dolorosamente em Portugal no Outono de 75.


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Oitenta anos a enterrar Lenine dermos. Umha só linha de rumo extraio do leninismo: distinguir continuamente os interesses políticos do proletariado dos da pequena burguesia; ver todo polos olhos da única classe que está interessada na liquidaçom até o fim do capitalismo, na expropriaçom da burguesia. Desde que tenhamos essa linha sempre presente encontramos as respostas políticas de cada dia. Polo menos foi isto que eu aprendim do leninismo. Comunicaçom apresentada o 6 de Maio de 2004 nas VIII Jornadas Independentistas Galegas “80 aniversário de Lenine” organizadas por Primeira Linha. Foi publicada no nº 33 de Abrente, Julho-Setembro de 2004. (1) Lenine, Duas tácticas da social-democracia na revoluçom democrática, ed. Estampa, Lisboa, 1975, p. 10. (2) Lenine, Oeuvres, ed. du Progrès, Moscovo, 1977. Tomo 12, p. 505. (3) Id., ibid., p. 126. (4) A propósito da revoluçom nacional, Maio de 1907. Oeuvres, tomo 12, p. 409. (5) A situaçom e as tarefas da Internacional Socialista, Novembro de 1914. Oeuvres, 1973, tomo 21, pp. 29-30.

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ENTREVISTA



Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues

“O sistema capitalista nom vai evoluir, nem vai desaparecer por si, nem vai entregar o poder, a única perspectiva que existe é o seu derrubamento pola força” Lisboa, 25 de Agosto de 2004 Nasces há 76 anos, em 1927, em Moura, no Alentejo. Qual a origem social da tua família? Da pequena burguesia, o meu pai era oficial subalterno do exército. A minha mae era filha de pequenos proprietários em Moura. O meu pai foi expulso do exército por ser oposicionista. Tivérom seis filhos e houvo um agravamento geral da situaçom económica da família. Tivérom que vir para Lisboa quando eu ainda era muito novo. O meu pai arranjou um emprego, a minha mae estava em casa com os filhos. Umha vida com bastantes dificuldades. Estudache em Moura? Nom, eu vim com sete anos para cá. Estudei até os dezasseis anos, figem o antigo sexto ano do licéu, nom completei, e depois empreguei-me numha livraria, foi o primeiro emprego que arranjei, onde estivem quatro anos. Depois fum trabalhar para a TAP com aprendiz de mecánico porque queria mudar de profissom. De que anos estamos a falar? Em 48 fum trabalhar para a TAP, onde estivem dous anos. Fum preso pola PIDE 1 pola primeira vez e expulso da TAP e a partir daí é que 237


Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues

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começou a minha vida mais militante. Já tinhas algumha ligaçom orgánica como o PCP? Nom. Nom se começava nunca polo PC. Começava-se polas organizaçons periféricas. Havia umha organizaçom da juventude que se chamava o MUD Juvenil, o Movimento de Unidade Democrática Juvenil. @s jovens eram encaminhad@s para aí, portanto, liguei-me a esse movimento e começei a fazer cousas. Era todo feito sob a orientaçom do partido. Que tipo de cousas faziam? Sobretodo agitaçom. Colar cartazes, espalhar propaganda, pedir a amnistia aos presos políticos... Eu fum preso justamente porque no MUD Juvenil decidimos fazer umha concentraçom na Avenida da Liberdade a favor da paz, contra a NATO, pois Portugal tinha entrado na NATO. Fomos fazer concentraçom e a PIDE foi lá e prendeu toda a gente. Fum preso três meses e depois mandárom-me embora. Qual era a capacidade de concentraçom? Era pequena, dezenas escasas. Era mesmo desafiar a polícia. Era preciso tomar umha atitude, era preciso reagir. O partido orientava isso e tinha umha preocupaçom grande em fazer campanha contra a guerra, contra o perigo de umha guerra atómica. Estávamos tentando sensibilizar as pessoas e tinham que ser actos que chamassem a atençom. Nom deu grande cousa, porque a polícia tinha a escola de Salazar2. A polícia ia apanhando os grupos de pessoas à volta da estátua à medida que iam chegando. Nem sequer chegou a causar alarme. Foi aí a minha primeira prisom e como o emprego que eu tinha na TAP era do Estado fum expulso da empresa. Como foi o tratamento policial nos três meses de detençom? Nom foi muito mau. Fum preso no Aljube. Nesse tempo nom havia misturas com os presos de delito comum. Antigamente iam para as esquadras da polícia. Levárom-nos para o Aljube que era a prisom da PIDE e estivem lá uns três meses. Estivem perto de um mês na cela de isolamento. Era a forma de pressom principal, aquelas celas individuais que chamavam gavetas. E chamado a interrogatório à PIDE com certa freqüência, uns berros, mas propriamente tortura, agressom, nom houvo. Nesse tempo aos iniciados, aos mais jovens a polícia nom aplicava o mesmo tratamento que aos clandestinos, aos militantes já conhecidos pola PIDE. Consideravam que eram jovens ainda um pouco desnorteados, 238


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Após esta primeira detençom qual foi a reacçom da família? A minha família já sabia que eu tinha actividade antes de ser preso. Estava em pánico, suplicava-me por todo que me deixasse de aquilo, que ia ficar sem emprego. Também porque o meu irmao mais velho já tinha sido preso antes. Foi preso por fazer umhas pintadas nas paredes. Estivo dezoito meses na prisom. Saiu de lá muito mal, ficou mentalmente abalado para toda a vida. Isso causou um traumatismo muito grande, sobretodo na minha mae. Estava com receio de que acontecesse o mesmo comigo. Eu fum visitá-lo à cadeia, para mim foi umha certa iniciaçom. Quigem seguir o caminho. Nom foi só por isso mas tivo um certo efeito em mim. A minha família vivia aterrada. Andava a esconder os livros, a minha mae chegou-me a queimar papéis. Eu zangavame com ela. As pessoas viviam no terror, “se vem a polícia isto vai todo por água abaixo”. Sais da prisom e arranjas um emprego. Pois. Fum preso em 50. Saim em Março de 51. Arranjei um emprego que era muito precário, era num mecánico frigoríficos. Ganhava à comissom numha casa que vendia frigoríficos. Mas durou três meses, eu andava envolvidíssimo outra vez na actividade, no MUD Juvenil. Como nom tinha feito declaraçons na polícia, dérom-me logo mais responsabilidades, claro!, e portanto nom tinha tempo para nada. Propugérom-me e eu aceitei passar a ser subsidiado polo MUD Juvenil para estar a tempo inteiro. No verao de 51 foi quando comecei a ter actividade a tempo inteiro. Houvo em 51 umhas eleiçons para a Presidência da República. Foi apresentado um candidato democrático, que era o professor Rui Luís Gomes. Claro, já se sabia que as eleiçons era todo falsificado, mas aproveitavase para fazer propaganda durante aquele mês. Quando se produz a tua entrada no PCP? Foi precisamente por essa altura. Entro para o PC, mas continuo a ser publicamente aderente do MUD Juvenil, funcionário do MUD Juvenil, vou para a Comissom Central. Os contactos no partido eram muito espaçados, muito restrictos, naquilo que chamavam umha fracçom. Havia um funcionário do partido que reunia com um comunista do MUD Juvenil, neste caso era eu, com outro comunista do movimento da paz, com outro 239

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e que era preciso ver se se recuperavam. Mas o contacto com os outros presos do partido que lá estavam ainda me entusiasmou mais para prosseguir.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues comunista do MND, o Movimento Nacional Democrático, –umha fracçom onde se reuniam os comunistas que trabalhavam nas frentes legais do partido. Eram umhas reunions muito espaçadas para evitar que pudéssemos ser agarrados e fosse misturado o partido com essas organizaçons que se pretendiam legais. O MUD Juvenil, sendo umha organizaçom impulsionada polo PC, tinha outros sectores, da burguesia liberal, ou eram basicamente jovens sem ligaçom a outras tendências políticas? Inicialmente o MUD Juvenil foi resultado de um acordo do partido com republicanos e socialistas. Mário Soares3 foi um dos fundadores. Começou a Guerra Fria, começou a grande repressom e toda essa gente abandonou. O MUD Juvenil começou por ter vinte mil aderentes em todo o país, foi um sucesso extraordinário naquele ambiente do fim da guerra e das pessoas se convencerem que o fascismo vai acabar e tal. Quando essas ilusons desaparecêrom, quando o ambiente mudou, aquilo ficou só com jovens de simpatias comunistas. Tu eras funcionário do MUD Juvenil. Quem financiava o movimento, o PC? Nom, o MUD Juvenil tinha meios próprios, tinha a sua organizaçom autónoma, os seus fundos. O Pulido Valente4, que eu conhecim nesse tempo, era um dos militantes encarregados de recolher fundos. Como era médico, de família rica e conhecia muitos médicos, levou-me aos consultórios daqueles médicos democratas, gente de classe: “Venho cá buscar a quota”. Eu fum preso outra vez em princípios 52, como dirigente e funcionário do MUD Juvenil porque houvo umha reuniom da NATO em Lisboa, no Instituto Superior Técnico. A gente resolveu fazer campanha, fomos lá pintar as paredes todas do Instituto, papéis contra a reuniom da NATO. A PIDE apanhou pistas do sítio onde eu fum fazer os papéis e fôrom-me buscar a casa. Outra vez três meses preso. Foi mais ou menos o mesmo esquema. “Nunca mais tés juízo, agora vás a Tribunal”. Mas nom fum, mandárom-me embora em liberdade condicional. Aquilo também era umha fantochada, obrigado a apresentar-se cada quinze dias na sede da PIDE. Um gajo nom se apresentava e nom acontecia nada. Passados seis meses, em Novembro desse ano 52, tornei a ser preso, por fazermos campanha contra a vinda a Lisboa do general Ridgway, o criminoso da guerra bacteriológica na Coreia. Para eles era fácil porque eu continuava 240


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Bom sítio!! Mas eu nom fum lá buscar os papéis. O dono fazia papéis para a oposiçom, mas houvo um empregado que foi dizer à PIDE. Estivem dous, três meses preso por causa desses papéis do MUD Juvenil. Eles nom sabiam exactamente que responsabilidades eu tinha. Eu nom fazia declaraçom nengumha. O nosso programa era: “Sou aderente do MUD Juvenil, que é um movimento legal e patriótico da juventude portuguesa, nom tenho nada que prestar declaraçons”. Ponto final. O MUD Juvenil ainda era legal? O MUD Juvenil defendia a sua legalidade, tinha começado por ser legal. Era alegal. Andávamos a recolher assinaturas para a paz numha grande campanha lançada por causa da guerra na Coreia. Íamos aos bairros recolher assinaturas a favor da paz. Na França era umha cousa, mas em Portugal muitos jovens iam presos porque iam bater à porta das pessoas: “Nom quer assinar isto?”. “Mas isso é autorizado polo Governo?”. “Nom, isto é só para a paz, nom é política”. Muita gente assinava, mas havia gajos que telefonavam para a polícia. Umha rapariga foi presa carregada de assinaturas!!. Houvo muitos jovens que fôrom presos. Eu também andei nessa. Mas a prisom foi polos papéis. De maneira que depois dessa terceira prisom decidimos que nom podia continuar em casa. Saim de casa com grande custo da minha mae, e passei a viver em quartos com nomes falsos, por Lisboa, e a fazer a minha actividade normal, só que evitava ir à Baixa, nom se podia andar nos cafés. Andava-se a preparar um pouco a clandestinidade, aquela era umha fase de transiçom. O MUD Juvenil conseguiu seguir mantendo actividade. Eu fum a reunions na Marinha Grande, por exemplo. Tinham lá um núcleo muito bom de jovens, quase todos operários, também no Algarve, no Porto; no Alentejo criárom núcleos de assalariados agrícolas. Estavam portanto a fazer um trabalho que eu acho era interessante de tentar criar umha raiz proletária. E era a orientaçom do partido. Deixar de ser aquele movimento inicial que era muito estudantil e passar a ser um movimento com raízes na juventude trabalhadora.

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a morar em casa dos meus pais. Também um assunto de papéis, eu sempre fum um grande agitativo, fazer panfletos era a minha responsabilidade. O trabalho foi feito numha tipografia que ficava na rua da sede da PIDE e fum apanhado.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Em 53 andava eu nessa vida e o partido decidiu que eu devia ir para funcionário. Mas eu tinha um problema, era doente dos pulmons, era tuberculoso, e aquilo era umha cousa crónica, e nas duas últimas prisons andava afectado, estivem na enfermaria do Aljube por causa disso. E eles decidírom que eu nom podia ir para funcionário naquele estado, portanto a primeira cousa era ser tratado a sério, de maneira que através de um médico que trabalhava para o partido conseguírom o meu internamento no hospital e estivem uns oito ou nove meses internado. Boa parte do ano 54 eu estou internado no hospital. Figem um tratamento porreiro, saim de lá curado em Outubro de 54. Eu namorava entretanto umha rapariga que também era do MUD Juvenil e já tinha sido presa duas vezes. Estávamos a pensar casar. A direcçom do partido resolveu acelerar as cousas, e depois de sair do hospital tivérom umha conversa comigo e com ela. Agarravam na gente e levavam-nos para sítios escondidos, fora da cidade. Estivérom a conversar com a gente, a ela sobretodo para a convencer de casar e vir para a clandestinidade comigo. Ela nom era comunista, nom era do partido, nom tinha vontade disso, embora já tivesse sido presa duas vezes e fosse muito activista do MUD Juvenil. Mas a alternativa era eu ir embora e ela ficar, e aí foi um bocado chantagem, e essas chantagens nom som boa ideia. Casamos e véu comigo, marchamos para umha casa do partido que alugamos numha aldeia dos arredores de Lisboa. Passei a umha fase nova. No MUD Juvenil estava sempre a ser perseguido, havia prisons, mas a gente convivia bastante, falávamos uns com os outros. Aquelas reunions do MUD Juvenil eram muito agitadas e havia muita discussom. No partido aquilo foi como cair num poço. Havia um isolamento muito grande por razons conspirativas e pola própria maneira de funcionamento do partido. Eu e a minha companheira estávamos numha casa que só o nosso controleiro conhecia. Eu estava encarregado de ir reunir com jovens que estavam no MUD Juvenil. Agora era eu que estava no papel de controleiro desses jovens comunistas do MUD Juvenil. Também comecei a ter contactos com intelectuais do partido. Mas eram reunions muito espaçadas, muito secretas, com muitas cautelas. As possibilidades de discussom, de contactos, eram reduzidíssimas. Os funcionários nom podiam aparecer à luz do dia, vinham à noite, nom podiam andar em transportes públicos. Se tinham que se deslocar na cidade era só de táxi ou a pé por sítios discretos, todo muito fechado. E a minha companheira ficava lá na casa. Para evitar os perigos de localizaçom das casas estava programado de tal maneira que eu podia estar quinze dias ou três semanas fechado em casa, e depois saia umha sema242


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É a quarta prisom. Sim, é a quarta vez. E a minha companheira presa em casa. Nunca se chegou a saber como isso aconteceu, mas devíamos estar localizados. Eles já sabiam ou calculavam que eu era funcionário do partido, mas nom me figérom um tratamento muito violento. Estivem muito tempo em isolamento nas celas, muitos interrogatórios, e ao fim de um ano fum a Tribunal e apanhei três anos mais asmedidas de segurança, que era aquel regime polo que depois de acabar a pena ia ser ouvido por um juiz; se achasse que nom estava “recuperado para umha vida honesta”, continuava em medidas de segurança de seis meses a três anos. Tentei fazer um discurso político que era a norma no tribunal, mas os gajos corrêrom comigo da sala. O juiz era feito com a polícia, umha fantochada, enchiam a sala com pides a fingir que era a assistência. Só deixavam entrar meia dúzia de pessoas da família dos presos e depois o resto era todo pides, nom deixavam entrar mais ninguém a assistir ao julgamento. Depois de condenado fum para o forte de Peniche: Aljube, Caxias, Peniche, era o percurso. Em Peniche conhecim entom umha série de dirigentes do partido que tivo umha certa influência em mim: o Álvaro Cunhal, o Chico Miguel, o Jaime Serra, outros. Estávamos numha ala 243

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na para ir a vários sítios, depois voltava para cá, para evitar muitas idas e vindas. Para a minha companheira, nessa semana que ficava sozinha, era muito estresante (o que a Ana Barradas fala nas Clandestinas)5, sobretodo para umha pessoa que tinha ido para aquilo um pouco de empurrom. Ia alá o controleiro a casa fazer umhas discusons políticas connosco. Ela fazia trabalhos à máquina, passavam-se à maquina os noticiários da Rádio Moscovo, papéis do partido. Em 56, nós estávamos numha tipografia do partido, aqui em Lisboa. Éramos cinco numha casa a fazer os materiais do XX congresso do PCUS. Aquilo deu umha certa discussom. Eu fiquei assim um pouquinho estomagado mas confesso que aceitei. Mas o Carreira, secretário da célula, um antigo operário da Marinha Grande, era mais de olho vivo, começou a cheirar-lhe aquela conversa a social-democracia. Pedimos umha discussom com a direcçom, foi lá o Fogaça que era um elemento do Comité Central, discutir connosco e explicar que a viragem do XX Congresso era boa. A seguir apareceu nos jornais o relatório secreto do Kruchev. “Isso é todo mentira, nom acreditem nisso, nom existe nada disso”. Houvo assim umhas agitaçons. Em princípios de 57 fum preso numha rua de Lisboa, à noite, num encontro, entregue descaradamente por um provocador infiltrado no partido.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues nova que eles tinham feito, de máxima segurança, onde pugérom o Cunhal, só dirigentes do Partido e nom sei porque estava eu e mais quatro que nom eram da direcçom do partido, eram funcionários mas nom eram da direcçom. Os outros sete ou oito eram dirigentes eram crónicos que passavam a vida na clandestinidade e nas cadeias, saíam e entravam. O Chico Miguel já tinha vinte anos de cadeia. Apesar de o regime ser muito severo e da muita vigiláncia deu possibilidade de discutir cousas, de pensar, e acho que foi aí que comecei um bocado a germinar a minha insatisfaçom com o partido, com a linha do partido, porque aquilo nom tinha nada a ver com o leninismo. Nom pugem problemas de umha maneira de conflito, mas comecei a pôr questons nessa altura. Na prisom tinhades reunions, discussons, formaçom. Estávamos em celas individuais, era o regime de prisom celular, e os contactos eram muito controlados porque os pides precisamente diziam: “Peniche é a vossa universidade, nom queremos cá universidades”, tentavam controlar o mais possível para que os mais velhos nom transmitissem aos mais novos. Iamos todos juntos para o refeitório, mas nom deixavam falar. Íamos para o recreio, que era umha hora por dia, e aí eles nom podiam impedir que a gente falasse. Íamos em grupos de dous, uns a andar para um lado, outros para outro, e o guarda a tentar ouvir as conversas todas. E tínhamos uns pequenos trabalhos, descascar batatas, carregar lenha, que davam para conversar. Outros trabalhos nom aceitávamos. A lei prisional era que os “criminosos” se deviam regenerar polo trabalho, mas a gente nom aceitava. Peniche era a mais dura prisom política. Peniche é umha fortaleza antiga, à beira do mar, a meio caminho entre Lisboa e Coimbra. Instalárom lá umha prisom que durante o fascismo foi sempre usada como prisom para os políticos. Sobre todo para os que tinham penas mais longas. Quando eram penas correccionais até dous anos nom iam para Peniche. Podias estar preso até seis meses sem julgamento e sem nada; em caso de reincidir podias ir para tribunal, apanhar um ano, 18 meses, até dous anos, era a pena correccional e ficava em Caxias. Se passava a ser um incorrigível, um “profissional”, entom apanhava pena maior que era de três anos para cima e ia para Peniche. Nesse tempo tinha cem presos, nom tinha muita gente. Nós na nossa ala eramos só doze, treze. As alas estavam separadas umhas das outras e a fuga foi da ala onde eu estava. Houvo três que nom vinhérom.

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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues A fuga foi 3 de Janeiro de 1960. Exactamente.

Quantos escapárom? Escapamos dez presos, mais o guarda. Passados uns meses apanhárom o Chico Miguel ao tentar passar a fronteira. Iam caçando o Cunhal, mas nom apanhárom, foi logo para a Uniom Soviética. A direcçom do partido decidiu que aqueles que tinham fugido, por essa grande procura da polícia, deviam estar mais resguardados um tempo para nom ser logo presos outra vez, que era umha derrota. Mandárom-me para umha tipografia do partido outra vez, nos arrabaldes de Lisboa, ao pé do Carnide. Umha vivendinha, estava um casal com umha meninha que também tra245

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Como foi organizada?. Os objectivos eram tirar da prisom o Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP. O Cunhal, o Chico Miguel sobretodo, dous dirigentes históricos do partido. Aquilo foi, claro, preparado com grande segredo. Em Caxias houvo presos que falárom com geeneerres que estávam de guarda. Caxias era umha prisom da PIDE, administrada polos próprios pides, mas era umha grande bandalheira. Dava possibilidade dos presos falar com os gêeneerres6, cousa que em Peniche era impossível, e começárom a falar com um gajo sobre a possibilidade de ajudar a Cunhal a sair da cadeia. Ficárom com o contacto, um funcionário de fora procurou o gajo e começou a ter conversas com ele, e negociar o dinheiro que ele queria. Esperou-se a altura, eles eram colocados um mês em Caxias, depois iam um mês para Peniche... Foi-lhe entregue o frasco com o cloroforme que por umha janela passou para dentro da cela neutralizando o guarda que estava connosco lá dentro. Estavamos sozinhos doze, treze homens, com um guarda, o que facilitou as cousas. O geeneerre nem sabia que era para levar tanta gente, pensava que era só o Cunhal e ficou surpreendido, mas tivo que levar todos. Fomos à beira de um torreom do forte e descemos por lençóis até abaixo, saltámos um muro, chegando de noite até a vila, às escuras, aquilo estava mal iluminado, ninguém viu nada. Na vila estavam uns carros à nossa espera e vinhemos para Lisboa nas calmas, correu todo perfeitamente. Só dérom conta quando foi a hora de render o guarda, às 9 da noite. A fuga foi às sete e meia, oito horas, no inverno já era escuro. Encontrárom o guarda amarrado e nós já tinhamos desaparecido. Figérom notícias nos jornais, eles nom costumavam falar disso, mas como era o Cunhal e gente grada do partido ficaram furiosos, espalhárom os nossos retratos por todas as esquadras da polícia.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues balhava como gente crescida. Estivem lá quase um ano fechado, fechadíssimo, nom podia aparecer à janela, nem ser visto, nem ouvido, porque ninguém devia saber que eu estava lá dentro da casa. Imprimim papéis, já tinha apreendido a compor, era todo feito com os chumbinhos, à moda antiga. Essas temporadas de clandestino fechado numha casa eram muito duras ao nom ter relaçom praticamente com ninguém, salvo os da casa. Eu olhando para atrás nom sinto que fosse umha cousa muita dura porque estava mentalizado para isso. A preocupaçom permanente era evitar ser localizados pola polícia, evitar a queda das casas do partido. Havia grande preocupaçom em cumprir as regras. Estavamos num ambiente muito militante polo que nom sentim que fosse umha cousa muito dura. Estava separado da minha companheira, ela estivo mais de dous anos presa, nessa altura já tinha saído, tivo um filho na cadeia, o neno estivo lá até ter dous anos, depois foi obrigado a sair, para os avós. Quando acabou a pena, ela veu para casa com o miúdo, mas eu estava separado dela, claro. Só mais tarde é quando voltei a juntar-me com ela. Para mim o mais duro nessa vida era a ausência de debate, reunions quase exclusivamente ocupadas com assuntos conspirativos e organizativos. Tínhamos muitas dificuldades económicas, davam-nos aqueles xis para o salário que tinha que dar até fim de mês desse para onde desse, o dinheiro acabasse ou nom, comia-se mal, sobretodo para as companheiras das casas como deviam administrar aquele dinheiro para chegar até o fim do mês. O que pode ter ficado mais traumático desses anos todos para mim foi quando andava na rua, aquela sensaçom sempre de se era seguido, se fum localizado, a responsabilidade dos encontros com camaradas. Acabas interiorizando aquela preocupaçom. Depois disto, mandárom-me para o Comité Local de Lisboa. Em Maio 1961 fum cooptado como membro suplente do Comité Central. Pouco depois continuei com tarefas de responsabilidade na margem sul. Caía um funcionário e ia substituí-lo. Havia que mudar de casa de repente porque havia suspeitas da polícia ter localizado. Lá andava todo com a tralha às costas à procura de outra casa. Eram muitas energias desgastadas na defesa da própria clandestinidade, isso era um peso tremendo para o partido que tinha dezenas de funcionários por todo o país. Aquilo era umha engrenagem diabólica para evitar ser atingido pola PIDE. 246


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Era o máximo organismo no interior do país? O máximo era o Secretariado, dous no exterior e um cá dentro. Esse no interior que era o Blanqui Teixeira por sua vez formava com mais dous a Comissom Executiva que orientava o partido no interior. Esta Comissom Executiva estava formada polo Blanqui Teixeira, o Alexandre Castanheira, mais eu, isto no 62 e parte de 63. Foi umha surpresa para ti entrar de repente nesse organismo. Foi, foi, eu protestei. Foi o Dias Lourenço quem véu ter comigo. Eu dixem que era um absurdo, “eu nom tenho rodagem, experiência suficiente”. “Nom, está descansado, tés que ter confiança nos camaradas, eles que entendem que tu podes é porque podes”. Era umha situaçom de emergência, foi umha cousa muito invulgar, quase à mesma hora eles apanhárom uns cinco ou seis dirigentes centrais do partido, e mais dous ou três funcionários. Parece que eles andavam com carros de matrículas falsas, e que a polícia terá localizado nas instalaçons do Registo Automóvel essas matrículas. Foi o que se dixo: apanhou um carro e depois os outros. Bom, de facto o partido foi autenticamente decapitado em fins de 61. Nessa situaçom, que ia eu dizer? “Está bem, paciência”. Mas aquilo durou poucos meses. A Comissom Executiva tinha que tratar do país todo, dividia-se em três partes, cada um tratava dumha parte. Eu ia reunir com o Comité Regional da margem sul do Tejo, com outro dos arredores de Lisboa. Isto sempre com reunions muito espaçadas, de mais de um mês, dous meses, com umha discussom política muito restrita e umha discussom da situaçom organizativa, –como estám os funcionários, como está a defesa, como estam os fundos–, muito desenvolvida, muito pormenorizada. Um desses três exercia de facto de Secretário Geral no interior. Cunhal estava fora. O Blanqui Teixeira era o elemento preponderante dessa Comissom Executiva, ele era quem dirigia, era quem recebia o contacto de fora. Nós éramos os ajudantes dele.

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Em fim de 61 há um grande golpe policial na direcçom do partido, som presos umha série de dirigentes, todos no mesmo dia, por razons que desconheço. Em Janeiro eu som convocado de emergência para ir para a Comissom Executiva do Comité Central, assim um bocado a “papo seco” como se costuma dizer.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Vós na prática marcávades a linha e a orientaçom política do partido no dia a dia, ou vinham todas as orientaçons do exterior? Sim, nós marcavamos a linha. Vinham poucas orientaçons do exterior, eram ideias gerais, as ligaçons com a Uniom Soviética, os problemas internacionais. O interior tinha que ser resolvido polo interior que era quem estava no conhecimento das cousas: redigir os manifestos do partido, tratar do Avante7 -eu durante um tempo trabalhei na redacçom do Avante, havia um núcleo que redigia o Avante, tinha que assegurarse que o Avante saísse para a rua a tempo e horas, sempre com a linha do partido – e problemas que surgiam de luita de massas que o partido tinha que dar resposta. Houvo nesse período, em 62, a manifestaçom do 1º de Maio em Lisboa, em que o partido tivo um papel importante. Umha manifestaçom combativa, com choques com a polícia, um bocado fora do normal.

Antes de entrar para a Comissom Executiva, nos anos 60 e 61, tinha começado a escrever cartas para o Comité Central, a pôr os problemas que tinha estado mais ou menos a “magicar” enquanto tinha estado preso, basicamente de o partido estar tradicionalmente muito agarrado à ideia de que a classe operária necessita do apoio da burguesia republicana, porque “sem isso nom se vai a lado nengum”. Portanto o problema da aliança operário-camponesa era teórico. Havia um trabalho camponês, sim, mas n@s assalariad@s rurais do Alentejo, que eram proletários. Agora, aquela ideia da aliança do proletariado com o pequeno campesinato nunca passou à prática, nom existia, porque era muito difícil. Referes-te ao campesinato do Centro e do Norte? Sim, e do Algarve. Em todo o país havia um campesinato enorme sob a influência da Igreja e que era um apoio da ditadura. Eu questionava que o partido nom seguia a linha leninista. Criticava que o partido falasse de um levantamento nacional com o apoio dos oficiais patriotas que eram o sinal para um golpe de estado. O partido nom defendia a insurrecçom popular armada. E depois o problema da guerra colonial começou logo a 61, eu já te falei disso com certeza. Quando começou a guerra colonial, encargárom me de escrever um manifesto em nome do Comité Central. Eu escrevim, mandei para a tipografia, mas nom se distribuiu porque diziam que estava muito “vermelhusco”, falava de apelar os operários, camponeses, soldados para fazer que o nosso próprio governo seja derrotado na guerra colonial, aquela palavra de ordem leninista. Retirárom o manifesto. Houvo umha discussom, que o manifesto nom estava no espí248


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A história desse manifesto que foi rejeitado, escrevendo depois o Cunhal um outro, marcou-me bastante porque sentim claramente que esta era umha linha diferente. “Se estes gajos acham que isto nom pode passar, há qualquer cousa aqui que nom encaixa”. Como membro do Comité Executivo do partido, nom eras consciente de que a tua posiçom política nom era plenamente coincidente, idêntica? Eu tinha começado a mandar cartas quando era membro suplente do Comité Central. Mas depois já eras membro efectivo. Nom punhas as tuas críticas nas reunions do Comité Central, ou nom havia reunions? Tivemos duas reunions em três anos. Assistiam umhas dez pessoas, nunca iam todos os que estavam cá dentro. Havia os que estavam fora e dos que estavam cá dentro nunca iam todos como medida de protecçom. Isso dava umha limitaçom grande à discussom. Levantei aí questons que nom tivérom seguimento, e dentro da Comissom Executiva, já nom foi por carta, exigi um debate sobre a linha do partido. Tinha mandado nom sei quantas cartas, seis, sete, oito, que nom tinham tido resposta. Houvo um investigador que anda a fazer umha história do PC que me deu umha cópia dumha dessas cartas que encontrou na Torre do Tombo. Entom houvo umha reuniom especial da Comissom Executiva para discutir. Primeiro era a China, eu dizia que os camaradas chineses diziam cousas muito acertadas, entom porque a gente estava contra eles? O Cunhal, de fora, tinha mandado um documento para publicar que era umha crítica, sem citar, mas umha crítica à China e um alinhamento incondicional com a Uniom Soviética: “Aqueles que querem provocar a 249

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rito do partido, que era apelar a todas as forças patrióticas para pormos fim à guerra. O partido, embora fosse o mais à esquerda que apareceu, inicialmente tivo umha posiçom vacilante sobre a guerra colonial, com medo precisamente de se isolar dos democratas. Havia umha campanha histérica contra os “terroristas” de Angola, que matárom umha série de colonos, e os democratas acabavam por alinhar. Os democratas tinham medo de ser perseguidos pola PIDE e o partido tinha medo de se isolar dos democratas. Acaba por ir todo em cortejo. Mas enfim, o partido defendia a independência, era a única força que dizia isso, mas em termos um bocado moderados.


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guerra atómica som loucos”. Era umha indirecta para a China e para o Mao-Tse-Tung. Qual era a tua via de contacto com as posiçons da China? Por meio da rádio Pequim. Eles liam aqueles documentos íntegros, nom era nada próprio para um programa de rádio, “Continua amanhá”, era umha cousa incrível. O primeiro documento chamava-se Viva o leninismo, que me influenciou bastante, o outro era as Divergências entre o camarada Togliatti e nós, a bater nos italianos, as Divergências entre o camarada Thorez e nós, a bater no PCF. Aqui havia um grande respeito polo PCF que dava apoio ao partido português. Mas a crítica dos chineses acertava em todo, começava a fazer história das posiçons chauvinistas do partido francês, a viragem do Tito da Jugoslávia para o lado do Ocidente e por aí fora. Foi como se me dessem umha pancada na cabeça. Acabou por haver essa discussom com os outros dous da Comissom Executiva. Estivemos um dia inteiro a partir pedra, nom chegamos a conclusom nengumha. Só serviu para eu sentir ainda mais o distante que estava dos argumentos deles. “A insurreiçom na revoluçom antifascista é absurdo”. “Primeiro temos que ir para a democracia, depois o partido fica legal, estando legal fai propaganda, vai crescer, hoje em dia já se pode pensar umha passagem pacífica ao socialismo.” Agora já nom defendiam o derrubamento pacífico do fascismo. O partido chegou a defender isso, quando o Cunhal estava preso, o PCP defendeu, enfeudado ao partido espanhol, o afastamento pacífico de Salazar. Aquilo foi umha desgraça total, o partido perdeu muita gente. Quando o Cunhal saiu criticou isso, que era umha linha de direita, mas na perspectiva de fazer o tal levantamento com os militares patriotas, e de entrada na democracia burguesa e “depois estamos à vontade para avançar pacificamente para o socialismo”. Toda a discussom foi à volta disso, nom chegou a conclusons algumha. Eu vim que nom havia hipótese e eles queixavam-se: “Temos tantos assuntos para resolver e estamos a perder tempo com estes debates”. Posteriormente comunicárom que o camarada Cunhal tinha dito para ir eu lá a Moscovo, para ver a Uniom Soviética, porque estava cheio de incompreensons e tinha que ser esclarecido. Os teus contactos com Cunhal só tinham sido na cadeia? Sim, na prisom. Depois disso estivem com ele em duas reunions antes de ele ir para o estrangeiro. Umha foi para discutir a questom da juventude e outra já nom lembro para discutir o que. Nom tinha contactos normais com ele. 250


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A Moscovo chego no verao de 63, Junho, Julho, nom sei, fomos para fora da cidade numha grande fortaleza em que chegara a residir o camarada Staline, com guardas armados à porta, muros muito altos, lá dentro com vivendas e umha quinta enorme, que nos foi cedido graciosamente polo partido soviético para os camaradas portugueses terem a sua reuniom. Apresentei o relatório da Comissom Executiva que tinha sido feito até polo Blanqui, dei as informaçons, depois houvo um ponto em que discutim divergências, que nom foi muito longo, eu ia na expectativa do Chico Miguel me apoiar, que era o homem mais esquerdista do Comité Central. Nom apoiou nada, ninguém apoiou, dixérom que eu estava com ideias erradas, que os camaradas soviéticos eram sempre os camaradas soviéticos. Cunhal tinha peso no debate ou estava à margem? Tinha muitíssimo peso. Era indiscutível. Desde que saiu da cadeia ele tomou a direcçom de aquilo todo. Era aceite naturalmente porque era a única pessoa com bagagem ideológica. Havia um outro com bastante bagagem que era o Fogaça, que estivo à testa do Comité Central quando o Cunhal foi preso. Mas depois foi expulso, era conhecido desde havia muitos anos por ter tendências mais de direita. Foi expulso porque era homossexual. Os outros membros todos do Comité Central eram homens da clandestinidade, muitos de origem operário, muito duros, muito expe251

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No Verao de 63 resolvêrom que eu saísse do país, ia haver umha reuniom do Comité Central no exterior, em Moscovo, e eu ia lá, por um lado levar o relatório da actividade da Comissom Executiva, por outro lado, discutir as minhas “incompreensons”. Passei clandestinamente a fronteira, fum para Paris, daí para Praga e Moscovo. Estava lá o Cunhal e o Chico Miguel. Fum acompanhado de um funcionário do partido no Alentejo e da filha de um outro funcionário que ia lá para umha escola de formaçom do partido. Tinham um aparelho de fronteiras que funcionava muito bem, passei lá perto dos teus sítios, Montalegre. Ia um casal de carro, todo legal, passava normalmente, iam esperar-nos a umha aldeia galega, o passador passava-nos e entrávamos no carro com passaportes falsos. A partir da entrada na Espanha era todo legal. Com carimbos. Esse que eles matárom, o Dias Coelho, era do aparelho das fronteiras, um artista plástico, um gajo porreiro que eu conheci no MUD Juvenil, foi para funcionário do partido e era um artista fazendo os carimbos, cartas de conduçom, bilhetes de identidade, passaportes falsos. Havia quem roubasse os impressos, ele fazia o resto.


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rientes no trabalho clandestino, mas politicamente com pouca capacidade. Cunhal era quem escrevia, quem redigia. Depois de três dias a discutir, decidírom que eu tinha que sair da Comissom Executiva, que ficava como membro do Comité Central, que devia sair do país, tinha que ficar no exterior, porque como eu estava muito agarrado àquelas divergências, viam o perigo de eu começar a fazer actividade fraccionista no partido. Isto tinha que evitar-se e até eu enfriar mais e compreender as cousas tinha que ficar no exterior. De imediato, eu devia dar umha volta pola Uniom Soviética com o Chico Miguel para ver as realidades do socialismo e ver como as cousas nom eram como eu pensava. Aceitache com naturalidade esta decisom? Sim, sim. Acho que já estava à espera. A decisom nom achei que fosse nada de extraordinário. Eles dixérom: ficas cá fora, a tua companheira vem ter contigo, nom há problema, refás a tua vida. Eu já tinha na altura dous filhos. Eu lembro de dizer que nom me interessava estar no estrangeiro, que eu queria ir para a actividade do partido, como eles conheciam muito bem, nom ia fazer fracçom nengumha. “Nom!, isso as pessoas pensam, mas depois...” Entom alguns propugérom que eu devia ficar em Moscovo e ser secretário do Cunhal, porque ele necessitava dum assessor, tinha muita tarefa, muita cousa. Mas o Cunhal dixo que nom queria. “O camarada está a dizer que eu som um oportunista, agora nom fico à vontade a trabalhar com ele”. Depois da reuniom tentei falar com o Cunhal mas ele nom admitiu. No hotel onde eu estava instalado, que era um hotel para os aparatchiks estrangeiros convidados. “Nom, já discutimos todo o que se havia de discutir na reuniom, nom quero discutir mais nada”. Dava-me era papéis da Jugoslávia, do Tito para eu ver. “Vê lá, que nom é assim tam mau como tu pensas”. Em Moscovo, quando eles falávam de ficar lá, eu fum à procura da embaixada chinesa. Os gajos nom me deixavam sozinho nunca, umha paranoia. Um funcionário soviético permanente de serviço para cada um. Nom me largava!. Comia comigo, saía comigo. Conseguim fugir dele, metim-me no metro e fum ver a embaixada chinesa pensando em fugir para lá no caso de que tivesse que ficar em Moscovo. Os passaportes falsos que trazíamos tinham sido entregues. Nom tínhamos papéis para ir embora. 252


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Nesta época umha parte da esquerda francesa já estava influenciada polas posiçons maoístas. Sim, sim. Mais tarde foi muito mais. Mas já havia parte desse ambiente posterior. Também o ambiente do guevarismo, Cuba... Em Portugal este ambiente existia. Sim, houvo. Eu no partido sentim-no. Por Cuba há umha certa proximidade, América Latina... Houvo discussons às quais eu assistim, diziam: “Afinal o partido comunista cubano foi umha merda, nom fijo nada, e a guerrilha foi quem derrubou o fascismo. A gente é que devia fazer o mesmo”. Pois nessa reuniom de Paris, também houve críticas à linha do partido. Eu captei logo um gajo que lá estava, que já conhecia cá de dentro, da clandestinidade, que era um oficial do exército que tinha fugido. Depois da reuniom contactei-o e contei o que se passava e ficou logo entusiasmado. Comecei a falar com outros. Foi quando soubem que o Rui, o Pulido e outros estavam na Argélia e em dissidência com o partido. Escrevemos para eles e abandonei o PCP. Eu ainda era funcionário do partido e membro do Comité Central. Eles tinham-me colocado numha casa que abandonei com alguns arquivos, e umha máquina de escrever. Depois fum acusado de ter roubado “bens do partido”.

Fum morar para um quarto de um camarada e trabalhar para umha fábrica em Paris, mas durou pouco tempo. Entrementes chegou o Pulido e o Rui da Argélia e passei a ser profissional do novo Comité MarxistaLeninista.

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Lá fum dar a volta com o Chico Miguel, ver aquelas maravilhas, comer banquetes, passear, depois fomos para o mar Negro para aqueles sanatórios onde se ia passar férias. O Chico Miguel discutia comigo, mas estava convertido aos “camaradas soviéticos”. Andamos um mês a passear. Em Outubro vim para França, para Paris. Fum integrado na organizaçom do partido em Paris em Outubro ou Novembro de 1963. Nem durou um mês. Fum a umha reuniom alargada, estavam lá umha série de militantes a criticar a linha do partido por causa da guerra colonial. Havia muitos que fugiam para nom ir para a guerra, que desertavam e iam para a França.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Como foi a fundaçom do CMLP? Éramos vinte e tal pessoas e formou-se um núcleo central de cinco ou seis. A primeira cousa que figemos foi formar em Janeiro a FAP, a Frente de Acção Popular que era para luitar contra a guerra colonial. Em Março formamos o CMLP e começámos a editar a Revolução Popular, que era o seu órgao. A FAP editou muito irregularmente um jornalinho que era a Acção Popular, com umha orientaçom mais de agitaçom. A FAP pretendia ser umha frente de acçom popular contra a guerra e contra o fascismo naquele meio dos emigrantes portugueses em França. Foi a primeira reacçom no sentido de tentarmos ligar pessoas do partido e próximas do partido. Nom tivo grande sucesso porque só agregou maoístas que já estavam nessa posiçom. Com a impressom do primeiro número da Revolução Popular começamos a querer fazer essa ruptura com a linha do partido. Os dirigentes do partido em Paris ainda me chamárom, eram dous membros do Comité Central, mandárom recados que queriam falar comigo, figérom umhas intimaçons para eu voltar para o partido, que mandavam vir a minha companheira e íamos todos para Praga, e que eu podia ter umha vida sossegada se nom queria ser do partido, e tal. Respondi que nem pensassem nisso. A Revolução Popular era distribuído nos círculos de Paris ou também entrava em Portugal? Alguns eram trazidos para Portugal por emigrantes, mas era bastante restrito. Circulava lá, mandávamos por correio para moradas que tínhamos, mas umha cousa bastante incipiente. A FAP começou a deitar algumhas raízes em Portugal, no meio estudantil. Bom, nós começamos logo em pensar em vir para Portugal, porque estar em Paris a dizer mal do PC que estava aqui na clandestinidade era assim um bocado chato. Véu o Pulido primeiro com documentos falsos, fazer contactos cá em Portugal mas nom tivo muito resultado. O PC soubo, publicou umha notícia no Avante, deu certo escándalo: “Cuidado com eles, andam aí uns provocadores, o Pulido e outro, inimigos do partido”. Portanto a polícia ficou a saber polo Avante que eles estavam no interior do país. Muita gente do partido protestou e condenou que isso nom se podia fazer. Como o 254


Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Pulido nom tivo grande sucessso voltou para Paris. Depois, em 1965 vinhemos ele, o Rui e eu.

Estivem em Pequim, em Shangai, em Cantom, fazer aquelas visitas às fábricas. Sobretodo muitas conversas, gostei. Andávamos sempre em debates, nos jardins, na rua, em todos os lados. Os gajos tinham aquilo todo muito sistematizado, estilo chinês, as ideias bem organizadas, para todo tenhem umha fórmula. A história da revoluçom chinesa que eu conhecia muito mal, que estava num museu, aquilo é de facto espectacular, impressionante. A história toda em pormenor, das campanhas, da Longa Marcha. Pronto, foi muito porreiro mas eu queria voltar para Portugal. Os contactos com o PCCH a que nível eram? Eh pá!, eu nom sei identificar. Umha vez véu um elemento do Comité Central, nom sei quem era. Nunca foi de altos níveis. Porque eu ia apenas como umha pessoa que tinha abandonado o PCP. Perante a ausência de contactos em Portugal, a China aposta por ti para criar umha corrente? Sim, umha corrente. Eles nessa altura estavam nitidamente a favor de isso. Eu encontrei lá belgas, franceses, estavam a tentar furar na Europa. O PC belga tivo umha cisom, foi o único na Europa em que os pró-chineses ganhárom umha boa parte, toda a federaçom de Bruxelas rompeu com os outros e formárom um novo partido, que era a cabeça dos próchineses aqui na Europa. Sobre o que havia a fazer, eu expunha-lhes as minhas ideias, e os gajos davam bons conselhos de que era preciso primeiro acumular forças para 255

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Entretanto, fum à China e fum à Albánia. Ainda nom havia embaixada chinesa em Paris, mas grupos dissidentes do arranjárom-me um contacto e fum a Berna, à Suiça, à embaixada. Estivem um dia inteiro. Estivéromme a fazer muitas perguntas, o embaixador, e a tomar nota de todo. Nom sabiam quem podia eu ser. Eles eram abordados por muitos malucos e provocadores. Lá dei os dados todos para saberem que eu era mesmo dirigente do PCP, que tinha saído. Ao pouco tempo mandárom-me um convite para ir à China. Fum à China no verao do ano 64, estava um calor em Pequim horrível, fum muito bem recebido. Muitas conversas, estivem lá pouco tempo, que eu estava cheio de pressa! Nom sei se fôrom quinze dias ou três semanas. Estava ansioso de ir para Portugal.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues poder intervir contra a guerra colonial, contra o fascismo. Mas eu estava com umha ansiedade muito grande: “Saim do PC e agora fico no estrangeiro a dizer que o PC é umha grande merda?”. Já tinha vistos muitos gajos a fazer isto, estava com umha grande preocupaçom de passar à prática. Portanto foi só organizar o mínimo das condiçons, passaportes falsos e todo isso, para vir para Portugal. Mas antes ainda vás à Albánia. Fum à Albánia a seguir à China, já nom sei porque intermédio também véu um convite para ir à Albánia. Fum com um outro camarada do CMLP. O ambiente era muito mais fechado. Um gajo fazia o possível por aderir porque a linha era correcta, faziam uns ataques virulentíssimos ao Kruchov e ao Tito, e diziam verdades, mas o ambiente!! Nom só se via que era um país pobre, o que era natural, mas que havia umha distáncia enormementre os aparatchiks e a massa e a conversa dos quadros era só repetir fórmulas, para nom sair da linha justa... Essa sensaçom nom a encontrache na China. De maneira nengumha. Na China ainda nesse tempo, quando eu fum, havia um clima de confiança das pessoas, simplicidade das pessoas ao tratar com os quadros do partido, os quadros com as pessoas. Íamos ao mercado, íamos ao cinema, íamos aqui, íamos ali, estabeleciam-se conversas, nom via aquele medo e desconfiança de outros países. Eu fum a fábricas na Uniom Soviética e via-se os operários a fazer comentários uns para os outros num tom de chacota, quando nos viam entrar com os aparatchiks. Na China parecia-me ver essa confiança, o poder ainda nom estava isolado da massa. A revoluçom, com todas aquelas primeiras conquistas, ainda era recente. Depois a cousa começa a descair, mas devagarinho, devagarinho. Mas, claro, nom cheguei a estar três semanas, som impressons de viagem, nom conhecia a língua. Na Albánia também estivem pouco tempo, talvez quinze dias. Tivemos os nossos debates, nom fôrom nada activos no sentido de influenciar a gente a avançar. O que eles queriam era falar da sua posiçom e justificar a sua posiçom, e de a gente os apoiar. Os chineses também eram bastante cuidadosos, mas havia um interesse por saber o que se passava em Portugal, o que íamos fazer. Os albaneses eram menos interessados nisso e mais interessados em ganhar apoios externos. No fim, os chineses perguntárom que é que eu queria como apoio. Eu fiquei à rasca, pois estavam indirectamente a ofertar dinheiro. Eu nom queria 256


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Depois figemos umhas reunions em Paris, começamos a preparar em vir para aqui. Todo muito activo, bom ambiente, toda aquela malta que aderiu ao CMLP, mas éramos pouquinhos. Da comunidade que estava ligada ao partido andei a falar com vários, mas nom houvo ninguém que apoiasse. Houvo um, fum morar para um quarto da sua casa e até me arranjou emprego na fábrica onde trabalhava, e que depois dum tempo dixo que desculpasse mas tinha que ir embora por pressons do partido, “nom devia estar a apoiar um inimigo do partido”. Quem aderiu foi malta que já estava desiludida com o partido. Tínhamos notícias de que havia uns núcleos de estudantes que tinham aderido à FAP e estavam a fazer cousas em Lisboa. Vinhemos por aí abaixo, em 65, separados, cada um por sua fronteira. E assim começamos a dança de sendo pouquinhos, sem ter apoio, nem dinheiro, nem militantes, defender três casas em Lisboa. Passei pola fronteira com passaporte francês, falso, a fazer de turista, a pedir informaçons ao agente da PIDE para ir para a Figueira da Foz. O PIDE muito solícito. Escolhemos umha fronteira perto de Castelo Branco com muito pouco movimento. Bom, começamos a debater-nos com esse problema de casas, de defesa, com o velho problema, mas muito mais agravado que no PC porque nom tínhamos apoios. E acho que já conheces a história que foi triste. Nom tínhamos estrutura para vir-nos instalar três clandestinos. Tínhamos que ter feito aquilo por fases, primeiro um e depois o outro. Foi um pouco infantil. Figemos contactos, mandar artigos para Paris para a Revolução Popular, fazer circular a publicaçom. O Pulido arranjou umha mini-tipografia, um prelo pequeninho, onde ainda figem eu dous números do Acção Popular. Tinhamos contactos para a distribuiçom. O Pulido sobretodo era bom para isso, começou a explorar contactos do PC, relaçons pessoais, afectivas, amigos e tal, davam dinheiro. Foi num desses contactos que ele foi cair em cima de um gajo que estava no PC mas que dava informaçons à PIDE, que o Pulido já conhecia antigamente, que ele achava um gajo porreiro. Convidou-o para entrar para a FAP e para o CMLP e o gajo dixo “sim senhor” e num encontro lá estava a PIDE e caçou o Pulido. O gajo manda257

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aparecer no papel de um mercenário: “Nom, uns folhetos e tal, para a gente distribuir”. Passárom a mandar toneladas daqueles folhetos deles, em espanhol, em francês.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues nos recado por intermediário de um outro a dizer que foi ao encontro mas “Num café, ouvi dizer que a polícia tinha prendido um gajo, nom sei que passou”. Nós começamos a achar aquilo suspeito. Tivemos dous encontros com ele, com grandes voltas e precauçons. Entretanto o Pulido foi parar à Penitenciária, cousa que era rara. Na Penitenciária o regime era completamente diferente das prisons políticas, e ele pudo mandar recados para afora informando do que tinha passado, a desconfiar desse tal Mateus, que a maneira de como se tinha dado a prisom fazia desconfiar dele. Portanto resolvemos apertar com o fulano e levamo-lo para um sítio descampado, figemos o interrogatório. Ele ao princípio negou mas quando foi apanhado em contradiçons confessou. Colaborava com a polícia desde que tinha estado preso anos antes e a polícia lhe tinha oferecido a saída a troco de colaborar. Tinha vendido o Pulido por dinheiro, estava arrependido porque o Pulido até era amigo seu. Aquilo era mesmo sujo. O Pulido era médico e tinha ido à casa dele tratar o filho várias vezes gratuitamente. Logo ali a gente decidiu matá-lo. Essa era umha discussom que já havia anteriormente, havia bastantes infiltrados da polícia, o que era inevitável, claro. O problema era que a esses gajos nunca lhes acontecia nada. Eram reconhecidamente provocadores da polícia e nada, era desmoralizante, “Nom pode ser, em qualquer lado estes gajos também tenhem que pagar polo que fazem”. Quando ficámos com a certeza que ele era mesmo provocador pago pola polícia, demos-lhe dous tiros. Isto foi a princípios de Dezembro de 1965. O Pulido foi preso em Novembro e isto passa-se poucas semanas depois. Havia seis, sete meses que eu estava em Portugal. O corpo do colaborador foi escondido ou vocês optárom por abandoná-lo no pinhal? Deixamo-lo ali e figemos um comunicado em nome da FAP. O Pulido nom tinha prévio conhecimente da acçom? Nom. Nom houvo combinaçom algumha com ele lá dentro. Nós é que decidimos. Claro que a PIDE já sabia polo informador que nós estávamos aqui, mas nom tinha mais dados. Também nom devia ligar grande importância: “É um grupinho que aparece a dizer mal do PC, deixa-os andar, até nos pode fazer jeito”. O PC é que era a força, evidentemente. Estavam um pouco na expectativa. Mas perante a morte do gajo pugeram-se atrás de nós. Entre Dezembro e Janeiro começaram a prender pessoas ligadas à FAP, 258


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Mas houvo um papel que levava em código que nom atirei sem dar-me conta e eles encontrárom na sede da PIDE. Aí o tratamento foi muito diferente ao que tinha tido até entom. Mal cheguei, dérom-me umha sova. Logo a seguir chega um inspector com ar muito sério: “Mas senhor que passa, está você ferido, tragam alguém para que seja tratado”. E automaticamente, sem interrogatório nem nada, sou levado a um quarto dum andar superior onde aplicam o sono. Era a principal receita da PIDE: nom se pode dormir, nada. Se um gajo se senta leva porrada, se cai leva porrada. Eu nunca tinha tido esta experiência. Nesta altura já tinhas trinta e oito anos. Sim. Passa o segundo dia, terceiro dia. Trazem de comer no quarto. Nom se sai de ali salvo para ir ao retrete. Quarto dia. Começo a ter desequilíbrios auditivos e visuais. Começas a ver cousas raras a andar polas paredes, polo chao. Às vezes venhem, fazem umha pergunta ou outra, mas nom insistem, o que eles querem é fazer render o esgotamento polo sono. Pode entrar um gajo aos berros, armado em maluco, “Filho da puta, bandido”, dar umhas chapadas, depois vai embora. Ou fazem umha roda e todos a dar porradas. Aquelas cousas... Quinto, sexto, sétimo. Eu tinha perdido a noçom de quem era, onde estava, da PIDE, de todo. Um gajo está completamente a navegar. Começas a cair a cada passo. Dous pides agarravam em mim e andavam comigo para evitar que dormisse. A sala tinha umha janela. Eu via umhas visons extraordinárias, pensava que andava no campo. Caim com a cara contra a janela e figem umha ferida. Aquilo continuou até que no sétimo ou oitavo dia um inspector veu ter comigo: “Eh pá vamos acabar com esta merda”. Sentárom-me numha cadeira e eu decifrei nomes que estavam escritos naquele papel. Um gajo começa a falar e recupera a consciência. Fôrom buscar umha cama. Dormim essa noite e no outro dia e na noite seguinte, mas nom saím lá do quarto. De manhá, sem me dizerem mais nada, começou outra série. Estivem outros sete dias. Como já estava muito cansado comecei a deli259

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umhas quinze ou mais, até que chegou a nós, a mim e ao Rui. Eu fum a um encontro ali ao pé do Rato com um camarada, à noite. Fum cercado e apontam-me a pistola à cabeça, eu comecei a gritar, juntaram-se algumha pessoas, mas véu um táxi e fum carregado dentro. No Chiado, quando ia para a sede da PIDE, consegui deixar cair no chao uns papéis que levava e eles nom se dérom conta. Pola janela comecei a gritar, a dizer o nome “Fum preso pola PIDE”, mas era de noite e nom tinha grande conseqüência.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues rar mais cedo. No fim assinei autos, tenho a noçom de que assinei autos onde confirmava declaraçons que tinha feito. Depois no processo o meu auto já tinha umha data de folhas que eu nunca tinha visto. O advogado ainda protestou mas nom deu nada, claro. A partir de aí fiquei ainda lá dentro da sede da PIDE mais duas semanas. Eu estava muito escalabrado. Neste tempo, claro, nom havia visitas nengumhas. Vinha um tipo pôr pomadas e estas cousas. Quando já estava mais ou menos apresentável tivem umha visita com a minha mae. A minha companheira estava presa. Depois fum para Caxias. Os interrogatórios da PIDE a partir de aí acabárom. O julgamento demorou imenso, cousa que nom se soubo muito bem porquê, e figérom-me dous processos. Um de crime político e um de crime comum. No tribunal comum, que foi em Sintra, por causa do sítio onde a gente tinha matado o homem, figemos a nossa defesa. Foi editado um folheto com a minha defesa e a dos meus camaradas. Conseguimos ler umas partes, apesar de ser interrompidos. Deram-me 15 anos de prisom e levaram-nos para Peniche. No tribunal político, que foi passados mais de quatro anos de estarmos presos, pedírom duas penas de dez anos por terrorismo e organizaçom subversiva. Duas penas separadas de dez anos. Aquilo todo somado deu no conjunto umha pena de vinte anos. Aí também tentamos fazer a nossa defesa, mas fomos corridos da sala à porrada descaradamente, diante do juiz e todo. Bom, o próprio juíz é que chamou os pides. “Cale-se, cale-se, cale-se”. Depois de o advogado meter recurso, fiquei com dezanove anos. O Rui ficou em quinze, o Pulido, que só foi condenado em tribunal político, nom sei se ficou em doze. Lá ficámos até ao 25 de Abril, ao todo fôrom oito anos. A formaçom da corrente marxista-leninista em Portugal praticamente ficou em suspenso com a vossa entrada em prisom. Aconteceu que o CMLP continuou em Paris depois da nossa prisom, com os que tinham lá ficado. Cooptárom outros e continuou. Depois transformou-se em Partido Comunista de Portugal em Paris, PCdP, sob a direcçom de um tal Vilar. Mantivo contacto com a China. Mas aquilo foi descambando e mais tarde, durante a crise revolucionária, foi um partido socialdemocrata, um partido pro-chinês, mas que em nome do anti-social-fascismo andava com a direita. A China tivo grandes responsabilidades; em base à linha de apoiar todas as forças contra o social-fascismo, em cada país os social-fascistas eram os PCs, e portanto faziam alianças com os fascistas contra o PC, todo em nome o leninismo! Umha cousa!!... Eram 260


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Tivo grande influência o Maio do 68, a revoluçom cultural chinesa... Exacto, exacto. Afirmas num artigo da Política Operária sobre o 40 aniversário do CMLP que este nunca chegou a ser umha organizaçom coerente. A Revolução Popular sentou as bases para a formaçom de umha nova corrente questionando a linha estratégica do PCP, de aliança com a burguesia liberal, mas depois nom continuou nessa linha, sendo a causa que posteriormente, no 25 de Abril, nom existisse umha corrente com firmeza ideológica e força suficiente para poder intervir no processo revolucionário. Sim. Sobretodo nas questons relativas à Uniom Soviética a gente nom fijo a ruptura. Foi determinante que o núcleo inicial estivesse preso. Mas eu nom sei se o grupo que foi preso, se tivesse continuado, se teria sido capaz de fazer essa ruptura. Eu quando fum à China falei do problema Staline nessas discussons. As discussons eram porreiras, mas aí paravam. Eles diziam “Staline, um setenta por certo correcto, trinta por cento errado. Grande dirigente do proletariado”. Nom queriam mesmo discutir o assunto. E nós estavamos naquela onda pró-chinesa de apoiar a China, de apoiar a Albánia. Eu nom sei se teríamos tido a clarividência. No momento em que eu fum preso, eu nom estava capacitado ideologicamente de ver que se tinha que dar um passo obrigatoriamente de reconhecer que o regime da URSS, apesar da grandeza da revoluçom, apesar de manter conflitos com o imperialismo, nom tinha nada a ver com o socialismo. Estava a sentir o problema porque em Paris se discutia bastante, e um gajo chegava a Paris e começava a ver que as cousas eram muito diferentes de aqui, aqui nom se podia saber nada. Mas nom sei se iria dar esse passo. Em relaçom ao que é o socialismo, compreender o fenómeno da Uniom Soviética, ser capaz de apoiar a revoluçom russa a cem por cento, mas reconhecer que a Uniom Soviética nom era socialista, nom era possível. Aqui a UDP e o PCR formárom-se completamente com essa herança, “o 261

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antigos camaradas mas degenerárom. Esse foi um ramo mas, sobretodo a partir de 69, tinham começado a multiplicar-se os grupos M-L. Eu nom acompanhei nada diso, estava na prisom.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues grande camarada Staline”. Isso nom é todo, mas acho que isso foi fundamental. Toda a ideia do partido, como funciona o partido, a disciplina interna, a paranóia das fracçons. Havia um ambiente muito fechado no PCR porque nom se discutiu se o partido do tempo de Staline era o mesmo do tempo de Lenine, se a vida do partido era igual. Só depois é que a gente quando saiu do PCR começou a discutir isso. Os grupos M-L vinham numha crítica de esquerda ao PC por cousas que eram evidentes, mas nom se pode dizer que tivessem toda umha estrutura ideológica, ter base para fazer um programa comunista completamente renovado, autónomo. Acho que nom tínhamos. Os oito anos de prisom como eram aproveitados polos comunistas?. Estudavam marxismo? Tinham ligaçons com o exterior, influência nesses emergentes grupos M-L? Muito poucas, através dos presos que chegavam ou partiam. Quando um camarada acabava a pena levava informaçom para transmitir fora. Mas nom era umha cousa regular, nom era umha cousa permanente. Eu pessoalmente pugem-me numha posiçom de “estou preso, nom tivem um bom comportamento na polícia, nom tenho que estar a fazer papel de dirigente, portanto os camaradas que estám alá afora que decidam”. Eu limitei-me a mim próprio nesse sentido. Mas as torturas fôrom determinantes, sete dias mais sete dias sem poder dormir, nom eras dono dos teus actos ... Sim, eu sei que nunca deliberadamente decidim “Agora vou passar informaçom”. Mas mesmo assim... Em qualquer manual sobre comportamento d@s revolucionári@s diante da polícia, num interrogatório, é umha possibilidade mais que factível. Aqui o partido tinha criado umha cousa que deu frutos: nom dizer nada em circunstância nengumha. Houvo camaradas que passárom três semanas sem dormir, à beira de morrer. Se nom se tivesse criado essa escola para resistir aos interrogatórios, o partido nom teria agüentado quarenta anos de clandestinidade. Claro, a maioria dos milhares de pessoas presas falavam sob a tortura, mas as mais responsáveis, em regra nom falavam. Essa é a realidade. Havia umha mentalizaçom. É indiscutível que nom falavam porque senom as conseqüências viam-se. Quando as pessoas falavam dava-se logo conta disso porque a polícia atingia o partido. 262


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O 25 de Abril estavas preso em Peniche. Foi umha surpresa ou fazia parte das previsons dos comunistas? O 25 de Abril encaixa perfeitamente no modelo defendido por Cunhal e o PC de golpe militar encabeçado por oficiais patriotas. Exacto. Naquela altura, o fascismo era tam velho que as pessoas nom acreditavam. Periodicamente dizias. “Está havendo muitos protestos, nom sei que”, mas todo continuava. A gente já nom acreditava. Sabia-se que existia umha onda de descontentamento muito grande, havia greves, o general Spinola9 escreve um livro e essa cousa toda, mas a extrema-direita também estava revitalizando, estava alarmada polos acontecimentos, organizárom um congresso dos combatentes, faziam ameaças, andavam a conspirar com o presidente da República para afastar o Marcelo Caetano. Portanto, quando soubemos do golpe, a primeira dúvida, nom só foi na prisom, também fora, era saber se era de extrema-direita ou se era da esquerda. Ao certo nom sabíamos.

Estivemos um dia fechados sem saber o que se passava. O director da prisom recusou a abrir as portas ao MFA, fôrom lá uns oficiais e o gajo negou-se a abrir. Nós barricamo-nos dentro do nosso pavilhom, pugemos os ferros das camas atravessados, com medo de os geeneerres entrarem por ali dentro a matar-nos. Alguns punham-se a apontar as espingardas para as janelas furiosos. Ao dia seguinte entrou o MFA e foi quando soubemos o que se passava. Eu e mais dois, um camarada meu e um do assalto ao paquete Santa Maria 10 , nom podíamos sair porque tínhamos “crimes de sangue”, e o general Spinola tinha dito que esses nom podiam sair. Aí figemos logo um primeiro plenário na cadeia. O Pulido sempre na vanguarda: “Aqui nom sai ninguém, ou saem todos ou nom sai ninguem”. Isto na nossa ala, que eram maoístas e dous ou três presos das colónias, um deles era o padre Pinto de Andrade de Angola. Eram africanos que simpatizavam com o movimento de libertaçom mas que nom seriam daqueles casos mais graves, que eram entregues à PIDE e vinham para aqui. 263

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Isso pesou muito em todo o meu futuro. Nom é nada do outro mundo. É umha ferida muito grande. Isso colocou-me numha situaçom que influenciou toda a minha posiçom no PCR, influenciou toda a minha demora em fazer a ruptura. Todo o percurso que figem estivo vinculado a isso.


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Também estava um homem do grupo do Delgado 11 , o Manuel Serra que depois foi dirigente do PS. O oficial do MFA dizia: “Isto nom pode ser, eu vou pô-los fora à pancada, tenho ordem para os pôr na rua. Esses senhores vam para o forte de Trafaria e depois vai ser tratado o caso deles”. “Nom senhor, tenhem que sair todos”. Ali estivemos, o 26 à noite, em discussons até as tantas da madrugada. Os PCs fôrom-se embora, nom quigérom saber de nós para nada. Já na madrugada telefonárom para Lisboa. O compromisso era irmos para a casa dos nossos advogados para a Junta de Salvaçom Nacional poder contactar connosco, o problema iria ser resolvido. Entom aceitamos. Saímos na madrugada do 27 e fomos dormir para a casa dos nossos advogados. E de manhá vinhérom os oficiais do MFA a dizer que “foi muito custoso, o general Spínola nom queria, mas obrigamos a assinar a amnistia”. A seguir visitei a família. A minha mae costumava-me visitar na cadeia. Peniche fica longe, ia lá de dous em dous meses, às vezes com os meus filhos. A coitada também tinha a vida complicada, mas ia lá. Meu pai nom, tinha grande horror às cadeias. Da minha companheira já estava separado, tínhamos decidido isso devido a eu estar condenado a 19 anos. O que lembro depois foi o 1º de Maio. Aqui foi um choque!!. Um gajo ainda estava pensando que foi um golpe moderado, isto parece que vai para a democracia. Mas em princípio estava todo muito incerto. Mas aquele primeiro de Maio! Tu sabes, tens visto isso. Era umha alegria! Havia gente em massa, bandeiras comunistas por todo o lado, aparecêrom marxistas-leninistas que um nem sabia que existiam. Assistes ao 1º de Maio com um grupo organizado. Nom, eu ainda nom estava em nengum grupo. Havia um que se considerava mais próximo de nós que se chamava CARP (M-L), tinha muitas boas relaçons connosco na prisom. Mas havia grupos que nada tinham a ver connosco, embora aceitassem a herança ideológica da ruptura com o PC. Passei automaticamente a pertencer a esse grupo e começamos imediatamente a discutir como se ia passar daquela desgraça de fraccionamento contínuo dos grupos, que era muito resultante do receio das provocaçons policiais. “A partir de agora temos que unificar isto rapidamente”. Mas tinham-se criado uns preconceitos – aquelas cousas próprias das sei264


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O Arruda era um dirigente do Partido Comunista do Brasil. Um dirigente muito antigo e reconhecido do Partido Comunista do Brasil, partido pioneiro na ruptura com o revisionismo em 62. Era pouco conhecido entre nós, mas sabia-se que era um partido que tinha rompido pola esquerda. O João Amazonas era um nome muito conhecido, o Arruda, embora menos, era também conhecido. Apareceu aqui e ofereceu-se para com a sua experiência dar umha ajuda a esse processo de unificaçom dos comunistas, aproveitar as condiçons extraordinárias que o processo revolucionário estava a criar. Foi aceite ele assumir esse papel e ele orientou a formaçom de umha comissom organizadora do congresso do partido. A idade do Arruda era muito superior à media dos militantes dos grupos. Sim claro, a mim e a qualquer de nós. E tu já és de umha generaçom mais velha, já tinhas perto de cinqüenta anos. Sim, eu já era “velho”. Em 74 tinha já 47 anos, pois, exactamente. A média de idade desses grupos M-L era muito baixa. Vinte e tal anos. Poucos chegavam aos trinta. Era a geraçom que véu depois do Maio do 68. 265

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tas. Começamos imediatamente a fazer reunions e discussons com outros grupos e formamos, foi o primeiro pontapé de saída, a ORPC, Organizaçom para a Reconstruçom do Partido Comunista. Começou a publicar um boletim. Digemos expressamente que esta organizaçom é provisória, é temporária e o seu único objectivo é conseguir agrupar todos os marxistas-leninistas com vistas à criaçom do partido. Porque muitos diziam “nom, nós é que somos o partido”. Nós abrimos muita luita na superaçom desse espírito, dessas desconfianças e fraccionamento. A ORPC já ganhou um pouquinho mais de peso, e de autoridade. Começou a publicar um jornal, chamava-se Causa Operária. Naquela onda estavam todos lançados no movimento de massas, nas ocupaçons, manifestaçons, todos a quererem marcar presença. Começamos a manter contactos e conversaçons com alguns grupos que começárom a vacilar um pouco no seu sectarismo e admitir a discussom. É quando se está neste processo que entra em cena o camarada Arruda e que praticamente toma a direcçom das operaçons. Eu continuei, nós todos continuamos, até se formar o partido ainda tivemos umha margem de iniciativa.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Portanto o Arruda assumiu esse papel e o congresso de fundaçom do Partido Comunista Português Reconstruído foi em Dezembro de 75, já depois ao golpe militar da direita. Previamente foi constituída a UDP. Sim, a UDP foi constituída por alguns dos grupos em Dezembro de 74 e começou a ter muito sucesso. Deu um empurrom muito grande a convencer os outros. Nom se apresentou como um grupo marxista-leninista, apresentou-se como umha frente, mas tinha umha bandeira vermelha com umha fouce e um martelo. Mas nom tinha como símbolo umha roda dentada atravessada por umha enxada e umha estrela de cinco pontas? Nom, isso foi mais tarde, isso foi depois remodelado. Na inicial era a fouce e o martelo. Naquele tempo tinha que ser. Era todo para a esquerda. Realiza um congresso de fundaçom no Montijo, com mais de cem pessoas. Começou a ter muita adessom. Enfim, ao nível da extrema-esquerda, mas de facto a sair daquele ambiente fechado dos grupos e das discussons dos grupos, a aparecer muito nas acçons populares, nas ocupaçons, ganhar trabalhadores. Começou a publicar um jornalinho mensal, a Voz do Povo, que saiu durante toda a crise revolucionária. Inicialmente a UDP estava implantada nas cidades, em Lisboa, em Setúbal. Participas na fundaçom da UDP. Que funçom pretendia cumprir? Sim, estou na fundaçom. A ideia era umha uniom democrática popular contra o fascismo. Na primeira tónica era muito contra o regresso do fascismo, de vigiláncia, o julgamento dos pides, a demissom dos fascistas. Figemos vigiláncia à porta da penitenciária porque os pides estavam lá, e eles estavam a querer soltá-los. Ia muita gente a fazer turnos de vigiláncia para nom soltá-los. A UDP formou Grupos de Vigiláncia Antifascista (GVA). Aí a UDP acho retardou-se um bocadinho sobre as possibilidades. O próprio movimento é que foi empurrando a UDP para adiante. Muitos militantes radicalizaram-se quando iam ajudar o povo nas ocupaçons de casas. Tivo um papel de facto muito importante. A primeira grande greve a seguir do 25 de Abril é nos correios. Figérom um plenário no pavilhom dos desportos com milhares de pessoas a assistir e foi votada com braço no ar umha greve. Um militante da UDP tivo aí um papel decisivo. O PC era contrário, considerava provocaçom. O PC nessa fase estava cheio de 266


Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues medo de os militares se virarem para a direita por causa do movimento dos trabalhadores.

E que influência tivo esse trabalho na unificaçom dos grupos? Os grupos que formaram a UDP continuavam a fazer a sua propaganda, os seus boletins, mas delegavam a actividade na UDP.Com essa dinámica de massas, embora outros grupos M-L continuassem autónomos e com umha actividade intensa, como a OCMLP, a UDP começa a engrandecerse. Nas eleiçons da Constituinte consegue eleger um deputado. Os outros também concorrêrom, mas nom elegêrom. Isso deu-lhe mais projecçom e começou umha tendência de concentraçom. Durante o verao de 75 é quando começa a acelerar-se essas reunions para o partido, a comissom organizadora do congresso, elaboraçom de projectos de estatutos, de programa e dos documentos do partido. O Arruda já começou aí a meter a sua mao, a dar conselhos. Todo isto durante aquela crise acelerada do PREC. Sentíamos que as cousas nos fugiam polas maos, a direita começava a recuperar terreno e nom havia umha força capaz de unificar a resposta da esquerda. Havia a ala gonçalvista12 do PC, havia a ala do Grupo dos 913, eram os que estavam a preparar o 25 de Novembro, e havia a ala do Otelo, que passava por ser a mais radical. A UDP encostou-se bastante ao grupo do Otelo para tentar fazer umha terceira alternativa ao PC e aos outros, mas só conseguiu ir fazendo resistência, na defensiva. Estávamos no “Verao quente”, os fascistas assaltavam as sedes do PC, do MDP, da UDP, o pessoal era consciente da proximidade de um golpe da direita. Mas a urgência de criar o partido foi arrastada polas discusons. A OCMLP, a última hora, dividiu-se, umha parte resolveu nom vir para a unidade. Eu ainda fum ao Porto a umha grande reuniom de militantes da OCMLP, tinham muita gente, tinha umha boa implantaçom, no norte sobretodo, a defender a causa de porque devíamos ir todos para o partido. Depois havia umha parte da OCMLP que estava na linha do tal anti-socialfascismo. Nós também criticávamos muito o PC, mas polo seu reformismo e polo ódio que tinham à esquerda e púnhamos a tónica na luita contra a direita. Depois havia o MRPP, que era mais à direita, umha autêntica 267

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Portanto, a acçom da UDP era apoiar as greves, apoiar as ocupaçons, vigiláncia antifascista, e falava-se no socialismo como saída necessária da situaçom.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues seita, e depois havia esse PCP (m-l) do Vilar, que foi escorregando cada vez mais para a direita. Esses dous apoiárom o 25 de Novembro, apoiárom o golpe militar do Eanes14. No meio dessas discusons todas, grande parte do esforço que era necessário para organizar umha resistência ao golpe da direita perdeu-se. O mais urgente era formar o partido. Por fim, o partido surge num congresso, logo a seguir ao 25 de Novembro. Os golpistas decretárom o estado de sítio, mas aquilo durou uns dias e depois ninguém ligava. Formouse perfeitamente na legalidade, mas já com o 25 de Novembro em cima. O meu papel foi muito de segunda linha, nas tarefas em que eu estava desde o princípio, redacçom de documentos, apoiar as reunions, mas nunca ser projectado a primer plano. Era umha decisom pessoal ou orgánica? Havia um acordo geral, e era também a minha opiniom. Fum eleito para o primeiro Comité Central e, passados seis meses, figérom umha comissom de inquérito sobre os comportamentos na prisom, o Arruda propujo remodelaçons e achou melhor eu sair. A partir daí passei a ter umha funçom mais de redactor do jornal do partido que era o Bandeira Vermelha. Trabalhei uns anos na gráfica do partido. Tinha umha boa gráfica, ainda existe, ainda está ligada à UDP. Fum ficando nessas funçons, arredado das de direcçom. O pior foi que o Arruda tornou-se o verdadeiro dono do partido, ainda muito imaturo ideologicamente, e imprimiu umha orientaçom oportunista e eleitoralista disfarçada com grandes parangonas sobre o “25 de Abril do Povo” e a “bolchevizaçom”. Começou todo a descambar outra vez. Nas tuas análises e contributos teóricos sobre o fracasso da Revoluçom de Abril, apontas várias causas. Caracterizas o 25 de Abril nom como umha revoluçom, senom como umha crise revolucionária, destacas a fraqueza das organizaçons revolucionárias, o subdesenvolvimento teórico e político da corrente M-L, mas especialmente o revisionismo do PCP que nom quijo aprofundar na via socialista, procurando unicamente umha transformaçom a fundo do capitalismo português para situar Portugal entre as democracias ocidentais, como conseqüência dessa estratégia do levantamento nacional, da “unidade dos portugueses honrados”. Porque as massas organizadas nom fôrom capazes de evitar o contragolpe da direita no 25 de Novembro? 268


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Para a burguesia, aquela situaçom dos governos provisórios era inadmisível umha vez que o PS e PSD ganhárom as eleiçons para a Constituinte. O PC tivo umha votaçom muito menor do que a gente pensava. Umha cousa som os activistas, outra é o “país real”, as grandes massas. A partir daí, ficou sem autoridade e o PS e o PSD, apoiados polo embaixador Carlucci dos EUA, começárom a reclamar o governo. A partir daí, a burguesia nom podia continuar a aceitar a continuaçom desse regime de governos provisórios. Aqueles últimos governos que o PC tentou manter, do Vasco Gonçalves, estavam sendo boicotados por todos os meios pola burguesia. Em Tancos, durante o verao, figérom umha reuniom dos militares e resolvêrom derrubar o quinto governo de Vasco Gonçalves, e começárom a criar as condiçons para isso. Atentados, empresas a encerrar mandando milhares para a rua, campanha permanente de mentiras, provocar pánico. Havia, claro, umha onda revolucionária mas acho que lá fora, no estrangeiro, é vista com muito mais poder que na realidade tivo, porque era espontánea, era só a conseqüência de tirar a tampa a cinqüenta anos de fascismo. Era espontáneo, nom estava estruturado, nom tinha um programa. “Os patrons oprimiam-nos, eram fascistas, entom fora com os 269

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O PC é revisionista, é um partido pequeno-burguês; estar a pedir responsabilidades como se eles fossem comunistas nom tem sentido, mas acho que na análise desse período é inevitável ver que era o único partido à esquerda com umha implantaçom sólida na classe trabalhadora, e a sua linha foi perfeitamente coerente com o que Cunhal vinha defendendo há muitos anos, embora assentasse num erro clamoroso que era ele convencer-se que a democracia burguesa feita com a ajuda de um forte PC teria que ser umha democracia burguesa progressista, de esquerda, que deixaria um grande lugar ao PC. Acreditava que o PC ia ser reconhecido e ter umha grande participaçom no governo. Verificou-se que isso era um sonho, umha completa utopia, porque a burguesia estava assustada com o processo revolucionário. A burguesia portuguesa é conservadora ao máximo, estava habituada a cinqüenta anos de tranquilidade, de segurança, ficou apavorada com o processo. Como sabes, era todo mandar o dinheiro para o Brasil, para a Suíça. O que queria era voltar à estabilidade. Ora, um PC no governo, no poder, a tolerar as manifestaçons, as greves, era para eles inconcebível. Nom podiam admitir essa situaçom. O PC nom podia controlar aquele movimento porque à sua esquerda estavam sempre a surgir tendências cada vez com umha maior radicalizaçom.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues patrons”. Saneavam os patrons, sanevam os engenheiros, tomavam possessom das terras, numha ingenuidade revolucionária espontánea dum povo que nom tem direito nengum e de repente vê que é livre. Mas que de facto nom tem um programa político, e a burguesia apercebeu-se disso: “Isto é todo fogacho, e nom há por trás umha força com um programa que leve isto até o fim. Entom, se a gente actuar com firmeza, vai recuperar a situaçom”. Foi fácil, nom aconteceu nada, há que reconhecê-lo. Os tipos prendêrom lume a umhas sedes, pegárom uns tiros, matárom cinco ou seis pessoas e após esta demonstraçom de força dérom um golpe que foi um passeio militar. Comentava na Política Operária o Varela Gomes15 que nos meses anteriores os tipos estivérom a encher de material de guerra os Comandos da Amadora e a desarmar as unidades que nom eram de confiança, que eram dirigidas por oficiais da esquerda. E o MFA a ver...

Otelo, como comandante do COPCON, que fijo? Umha figura triste. Foi o dirigente vacilante dum movimento vacilante. A princípio tinha arranques revolucionários. Quando os proprietários mandavam a polícia para expulsar as pessoas das casas ocupadas, elas telefonavam ao COPCON e ele mandava lá um destacamento. “Nós estamos ao lado do povo, o povo tem razom”. Mas, mais tarde, na Amadora, os soldados e os oficiais subalternos tentárom correr com aquele bandido do Jaime Neves, que era um facho declarado que toda a gente sabia, e o Otelo foi lá apoiá-lo. É um homem de umha vacilaçom extrema. Veu de Cuba todo entusiasmado fazer aqueles discursos, mas quando os campos estavam claros ele nom sabia que havia de fazer.

Houvo essa pequena tentativa de criar a terceira corrente, chamada o Poder Popular, de assembleias populares com os quartéis. O PRP apostou muito nisso, a Isabel do Carmo, o Carlos Antunes16, apostárom como último recurso encostar-se aos quartéis da esquerda para fazer umha corrente de poder popular. Mas o próprio Otelo nom apostou a fundo nisso. Era um oficial do exército colonial. Eu nom podo falar mal dos oficiais do MFA porque figérom o 25 de Abril, mas eu acho que tinham umha carga ideológica muito pesada. Tivérom um sobressalto de consciência, quigérom acabar com o fascismo, é umha realidade, mas sabiam que estavam à beira de levar porrada por todos os lados. Aquilo na Guiné estava à beira de umha derrota total. Esse movimento é muito ambíguo. Movimento que poderia ter dado corpo a aquilo é o movimento do proletariado com sentido revolucionário, com ambiçons revo270


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Nas duas últimas décadas, na PO, parte da tua reflexom teórica está centrada na necessidade de construir umha corrente operária comunista caracterizada por umha demarcaçom clara entre a linha proletária e a linha pequeno-burguesa. O teu livro Anti Dimitrov 1935-1985 meio século de derrotas da revoluçom, publicado em Março de 1985, está centrado a realizar um balanço do relatório do Jorge Dimitrov ao 7º congresso da Internacional Comunista que defendia a unidade de todas as forças operárias, populares e democráticas sob umha mesma estratégia, no que tu defines como fazer do proletariado umha força de reserva da burguesia liberal, contrariamente ao defendido por Lenine. Substituir a luita de classes pola colaboraçom de classes. Afirmas que o dimitrovismo se infiltrou no conjunto da esquerda a escala mundial e que as suas conseqüências tenhem sido perversas para o triunfo do proletariado. “Unidade em torno das reivindicaçons limitadas da pequena burguesia, comuns a todo o povo, sacrificando para tal as reivindicaçons revolucionárias da classe operária”. Sentim isso muito, claro, por causa da experiência que vivim directamente em Portugal e que nom foi talvez o caso mais clamoroso, mas que foi um caso muito frisante da aplicaçom dessa política. O que me levou a romper com o PC foi ver na prática como o comunismo tinha passado a ser entendido de umha maneira que nom tinha nada a ver com o bolchevismo, com o leninismo. O que se passou em Portugal depois do 25 de Abril só confirmou aquilo que já se adivinhava antes: que os comunistas, pondo-se ao serviço dessa unidade de todas as forças democráticas, estám de facto a atraiçoar os interesses a longo prazo do proletariado, porque, como nós podemos ver em Portugal, o proletariado encontrou-se numha crise revolucionária com possibilidades imensas para fazer um avanço revolucionário neste país, e estava inteiramente desarmado porque toda a sua educaçom tinha sido no sentido de ser umha força de apoio da democracia burguesa. Foi sempre assim que as cousas funcionárom no tempo do fascismo. Pedia-se muito ao proletariado, muito 271

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lucionárias. Infelizmente nom existia. O PC educou geraçons de operários para atingir a democracia e “depois já veremos”. O sonho da democracia avançada rumo ao socialismo, a revoluçom democrática nacional, o PC ia ser aceite por toda a gente... Nos primeiros meses as pessoas andavam encantadas, parecia mesmo que ia acontecer. Mas quando chegou a hora da verdade...


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues esforço, muito sacrifício, muita organizaçom, mas todo sem passar os limites daquilo que o programa liberal considerava aceitável. Todo o que no proletariado tendesse a ultrapassar esse limite e em falar em seu nome próprio e dos seus interesses próprios a longo prazo era chamado “sectarismo”, “obreirismo”, que só prejudicava a unidade. Portanto, criárom-se geraçons de operários muito luitadores, muito combativos, com um espírito de sacrifício tremendo, e que politicamente eles nem sabiam que a linha política que defendiam era contrária ao interesse a longo prazo da sua classe. Hoje, essa independência política do proletariado ainda é mais difícil de conseguir. A situaçom tem estado a evoluir aceleradamente com as globalizaçons, com a pulverizaçom da própria classe operária, a fragmentaçom, os precários, todos os fenómenos novos que a gente está a ver, e a identidade do proletariado como classe parece umha cousa cada vez mais difícil de palpar. No meu tempo, quando eu era jovem, ainda era possível perfeitamente encontrar núcleos de operários que sabiam a classe a que pertenciam, embora lhes pudesse faltar umha perspectiva política revolucionária. Mas hoje as pessoas som eleitores, som membros da populaçom, som cidadaos, e essa consciência, essa identidade de classe está-se a esfumar cada vez mais. Eu sei que a insistência nesta ideia, que me parece a única de acordo com o marxismo, a ideia da necessidade de independência política do proletariado, nom parece realista à massa dos militantes. Mas é a única que faz sentido: se este sistema nom vai evoluir, nem vai desaparecer por si, nem vai entregar o poder, a única perspectiva que existe é do seu derrubamento pola força. E nom vale a pena dizermos que “a esmagadora maioria da populaçom é contra o capitalismo, logo a coisa pode-se fazer pacificamente”... Isto funciona por camadas. Tem que haver um núcleo, um sector de classe, cujos interesses próprios de classe lhe permitam ver que para além deste regime podemos organizar um regime socialista, podemos expropriar à burguesia para criar o nosso sistema. Depois há outros sectores que estám descontentes, que vam aderir, mas que nom podem assumir essa visom de classe. Se nom tenhem essa visom de classe, temse que fazer distinçons. Tem que haver forças revolucionárias e aliados de primeira ordem, e aliados de segunda ordem, e forças a neutralizar, e forças a hostilizar e por aí fora.

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Eu sei, temos que procurar umha soluçom para avançar na prática. Mas eu, depois de ver tanta burla feita aos trabalhadores em nome do marxismo, tenho umha grande preocupaçom em nom embarcar de novo nas cousas em que embarquei na juventude, que era seguir cegamente um partido que é comunista, que segue a Uniom Soviética, que é socialista, logo está porreiro. Acho que isso é desastroso. Temos que procurar raciocinar como marxistas, procurar respostas que fagam sentido. Resposta que fai sentido é esta: o proletariado é a única força que pode intervir numha perspectiva para além do capitalismo. Para o proletariado assumir isto, tem que ter a sua identidade própria. Para ter a sua identidade própria tem que se demarcar dos outros, e dos mais próximos é que é preciso se demarcar, como dizia o Lenine, que som aqueles com os que a gente se confunde. A gente nom se confunde com os banqueiros, a gente confunde-se com a pequena burguesia que está ao nosso lado. Temos que fazer essa demarcaçom. A nossa política nom pode ser a deles. Tem que ser diferente, mesmo que eles nom gostem.

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Essa separaçom, essa gradaçom das várias camadas, eu vejo que hoje na esquerda repugna a toda a gente. Considera-se que isso divide, isso cria espírito de seita, isso nom dá frutos políticos, etc. Entom, ofereçam-me umha alternativa do ponto de vista marxista, com um mínimo de racionalidade de vermos a saída disto. Como é? Nom vês, só vês respostas que som umha versom actualizada das mesmas asneiras antigas. Som versons pequeno-burguesas de tentar umha saída sem violência através dumha moderaçom dos objectivos, dum apagamento dos conflitos mais agudos. É o espírito da pequena burguesia que penetra naturalmente em todas as camadas, no próprio proletariado. Quando se está perante um inimigo tam poderoso é inevitável que se gere na grande massa umha tendência para procurar saídas nom muito dolorosas: “Os gajos nom olham os meios, usam bombas atómicas, gases, guerras, massacram as pessoas de qualquer maneira, que é que se há de fazer? Vamos ver se levamos isto de vagarinho, com jeito..” Mas essa ideia é umha ideia errada, equivocada, nom conduz a nada. Eu sinto que hoje a continuidade da defesa destas opinions, como o artigo que escrevim na última PO sobre o problema do proletariado, deixa mesmo na nossa área muit@s camaradas um pouco reticentes. Nom vam directamente em contra, mas nom lhes cheira: “Isto nom dá, isto dá isolamento. Onde é que arranjamos forças a falar desta forma? Quem é que adere?” . Por causa deste espírito é que a PO anda há vinte anos a remar sozinha.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Quando falas de pequena burguesia a quem te referes? Estou a pensar na difusom desta entrevista entre milhares de pessoas, e nós utilizamos umha determinada terminologia que nom sempre é bem compreendida. Esta explicaçom tam lúcida pode ser pouco efectiva perante a perda de visom política e da pouca formaçom ideológica de amplos sectores da esquerda. Há umha série de categorias e conceitos que ou nom sabem exactamente o que som, ou existem umha confusom sobre o verdadeiro significado. Muitas veces falamos de cousas que muita gente que nos ouve di: “Mas que estám a dizer estes tipos?” Aí vamos dar à discussom das classes. Isso deu discussons muito grandes na cadeia. A gente na cadeia tentava ver se entendemos as classes utilizando o Marx. Se partimos do princípio que o proletariado é a classe que produz umha mais-valia ao capitalista pola sua actividade, aquelas camadas que nom produzem umha mais-valia tenhem que ser consideradas fora do proletariado. Agora existem várias camadas, o Lenine falava muito disto, insistia muito na existência do semiproletariado, da pequena burguesia e por aí fora... Há pessoas que som assalariadas, vivem só do seu salário, contodo a sua actividade é um custo para o capitalista, nom é umha fonte de lucro, como é a do proletário. O capitalista precisa de um contabilista que lhe faga as contas da empresa, aquilo é um custo que ele vai tirar do seu lucro possível, vai pagar a esse gajo porque necessita disso para a realizaçom do seu próprio lucro. Portanto, esa pessoa, o empregado do comércio, o empregado de escritório, que já nom se consegue meter dentro do proletariado, mas é umha grande massa que está à volta do proletariado, de assalariados, com umha condiçom de vida próxima, embora normalmente isentos de trabalho manual mais violento, daqueles perigos mais duros que rodeiam o proletariado, esses portanto, som o semiproletariado. Entom partimos do princípio que politicamente tenderá a apoiar o proletariado, mas nom a assumir umha posiçom de vanguarda, porque nom está no fogo da luita como está o proletário, que às tantas pode dizer “eu estou aqui a arrasar a saúde para aquel gajo andar num carro de luxo e ter umha piscina”. Depois vem o pequeno proprietário, que ninguém tem dificuldade em ver em que seja um pequeno burguês. É umha pessoa que inviste um pequeno capital para tentar obter um lucro mas apenas para sobreviver, que no campo, no comércio, ou na pequena indústria, eventualmente até explora um ou dous empregados, e depende muito do seu próprio trabalho. Há várias camadas, uns mais abonados, outros mais pobres, outros arruina274


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Depois temos umha série de actividades intelectuais, de funcionários públicos, de médicos, engenheiros, advogados, professores, que hoje é umha massa muita grande, e normalmente pola sua situaçom social, pola sua actividade, aproxima-se, tende a identificar-se com a pequena burguesia. De umha maneira talvez nom muito rigorosa, como arrumaçom de tendências políticas, eu creio que toda essa massa dos pequenos proprietários, com essa massa de profissons intelectuais um bocadinho superiores ao simples empregado de escritório constituem umha massa pequeno-burguesa. Nom som proletários, mas também estám numha posiçom arredada do núcleo da burguesia. E a burguesia nom som só os banqueiros, os grandes financeiros; abaixo deles está a média burguesia que nom é lá tam pouca, de empresários, industriais, comerciantes, toda essa gente está por baixo dos grandes grupos multinacionais, mas que fai parte do corpo da burguesia, com todos os seus serventes, guardas de segurança, padres, todos encarregados de lhe fazer a vida mais fácil, toda essa gente que circula às contas da burguesia. A burguesia precisa dumha série de gente que nom produzem nada, mas é necessária para o seu bem-estar. E esta gente, em geral, nom quer ouvir falar em revoluçom. Dentro desta massa de pequena burguesia da Europa Ocidental teremos que incorporar os funcionários públicos. Tenhem um salário superior à média, um contrato estável, embora sejam assalariados pola sua concepçom da vida, cultura. Pois. Como funcionários públicos, fam parte da máquina do Estado, para o funcionamento do sistema burguês. Nom se confunde com os sectores que estám a produzir mais capital. O dimitrovismo é umha das causas da vossa ruptura com o PCR no 1983 e a criaçom, primeiro, da Organizaçom Comunista Política Operária (OCPO) e posteriormente isso transforma-se num grupo de comunistas à volta da revista PO, umha revista comunista teórica, mas que também pretende fazer um acompanhamento da actividade dos acontecimentos de Portugal e do resto do mundo. Exacto. Eu comecei a escrever o Anti Dimitrov lá no PCR. Eu traduzim e preparei a ediçom do relatório Dimitrov no PCR, que o Arruda me enca275

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dos, e em funçom da situaçom em que estejam reagem de umha maneira política ou outra. Mas nom nos digam que eles, como classe, podem desejar o socialismo.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues rregou em 1977. Ao ler todo aquilo, isso gerou umha reacçom em sentido contrário. Entom eu pedim à direcçom do PCR que me reduzisse o horário de trabalho na tipografia porque queria preparar um trabalho, e eles recusárom porque, na ideia deles, eu só ia escrever disparates e só ia criar mais problemas. Mas informache que ias escrever um trabalho crítico sobre o relatório Dimitrov. Sim, eu discutim isso na minha célula. A gráfica tinha umha célula, eramos uns quinze. Eu levantei lá esse problema. A célula até achou bem. O secretário transmitiu para acima mas de cima véu a ordem contrária. Contra ferro e fogo, como me recussárom, ainda mais me pugem a esse trabalho. Ao escrever o livro e ao investigar sobre bibliografia do movimento comunista, da Internacional Comunista, apercebim-me dumha dimensom que eu nom suspeitava de viragem e golpes internos em todos os partidos comunistas desde inícios dos anos trinta até praticamente o relatório. O partido francês, o partido italiano, de colaboraçom com os soviéticos que queriam aceleradamente criar umha cousa qualquer que figesse obstáculo ao fascismo, nom interessava o quê: “Se os partidos comunistas nom som capazes, fagam outra cousa qualquer”. Essa aposta nas forças democráticas burguesas como último recurso para ver se paravam o avanço do fascismo na guerra de Espanha e por aí fora, acho que foi umha opçom da direcçom soviética, do Staline, e dos principais partidos do Ocidente que já estavam nessa onda. O partido francês já estava mais que estragado nessa altura. Foi umha opçom de fundo de desistência total da perspectiva revolucionária leninista. A ideia era: “As condiçons som outras, o fascismo é muito mau e isto nom vai assim”. Na altura deve de ter tido muitas oposiçons, mas isso desapareceu. Eu tivem a sensaçom de estar a redescobrir umha cousa um bocado arqueológica, ir ao passado e descobrir que afinal o Cunhal só estava a traduzir para Portugal umha viragem imposta polos soviéticos e polos dirigentes reformistas dos grandes partidos a todo o movimento comunista. É claro que isto nom surge de milagre, surge porque as condiçons sociais também na Europa mudárom, essas classes médias crescêrom, criou-se naturalmente umha situaçom social propícia a essa tese ser aceite. E agora a situaçom social cada vez mais está a mudar, cada vez mais as pessoas acham absurdo voltar à perspectiva leninista de demarcaçom de classe.

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Depois de sair do PCR, figemos umha seleçom, andamos a traduzir e seleccionar estratos de artigos dessas duas cousas: linha política e vida interna do partido. No PCR, à medida que surgiam dissidências, foi-se cristalizando um ambiente doentio, um bocado histérico. Ao princípio o ambiente até era bom, mas a influência do Arruda dogmatizou todo. De modo que nós, depois de sair pugemo-nos a discutir: o que é afinal o centralismo democrático, como é que funcionava no partido bolchevique, que interpretaçom foi feita depois – foi umha ruptura completa. Esses dous aspectos fôrom essenciais na nossa saída. A primeira tarefa foi publicar o livro Anti Dimitrov, figemos umha suscriçom, houvo muita gente que até deu dinheiro sem saber muito bem o que era, depois ficárom muito disiludidos, porque havia gente que já tinha saído do PCR, mas pola direita, e quando nós saímos ficárom todos contentes, por julgarem que iam ter mais uns camaradas. Juntou-se dinheiro, mandou-se imprimir o livro e vendeu-se. Figemos mil exemplares e vendeu-se, por aquela curiosidade, “o dinossauro que agora saiu do PCR” (o dinossauro era eu), mas eu acho que as ideias do livro nom tiverom aceitaçom nengumha. Quais fôrom concretamemte as causas e a dimensom da ruptura com o PCR? O que estava em discussom nas células, no congresso – escrevemos artigos para a tribuna do último congresso, fomos para alá em fracçom–, era a vida interna, que estava a ficar muito quente, linha política do partido e hegemonia do proletariado, a questom da demarcaçom em relaçom à pequena burguesia, e questons internacionais como a Albánia. Fomos para esse último congresso, em 1983, e as nossas posiçons fôrom completamente derrotadas. Muitos dirigentes e activistas operários estavam 277

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Para esta minha redescoberta do leninismo contribuiu muito eu ter tido acesso às obras completas de Lenine que faziam parte da biblioteca do PCR. Foi começar a ler cousas que nunca tinha tido oportunidade, do Lenine do volume primeiro por ali fora, e sobretodo naqueles anos anteriores à revoluçom. O pensamento do Lenine tanto sobre vida interna do partido –isso é também muito importante nesta ruptura–, como sobretodo no plano político de demarcaçom de classe, identidade e independência política do proletariado, foi fundamental para ganhar umha clareza que eu nunca tinha tido. Eu conhecia as obras essenciais de Lenine, mas aqueles artiguinhos todos que ele escreve quase semanalmente, diariamente, a fazer polémica com isto, com aquilo, aparece com umha clareza tam grande.


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presentes, véu umha delegaçom da Albánia de propósito, que quase nem me falárom. Nessa época já nom fazias parte do Comité Central. Praticamente desde o princípio nom fazia parte. Estava no aparelho técnico e de propaganda. Pertencia a umha célula e mais nada. A seguir ao congresso, perante aqueles resultados começamos a formar a fracçom, a chamar pessoas, a fazer reunions, e saírom umhas quarenta pessoas do partido e figemos umha assembleia. Havia membros do Comité Central. Estava o Manuel Raposo, o José Borralho, o Paulo Meneses. O Vladimiro Guinot e o Manuel Monteiro, também do CC, já tinham saído antes e nom estavam em contato connosco nessa altura. Figemos umha assembleia onde decidimos a publicaçom do livro e criar umha organizaçom política. Agora, a realidade é que a grande maioria daquelas pessoas iam desistir. O partido estava tentando adaptar-se à nova situaçom e umha série de pessoas que tinham sido muito radicais estavam cansadas, e portanto aproveitárom a boleia. Aquilo foi restrito. Ainda ficárom umhas vinte pessoas a trabalhar organizadamente, criamos uns grupos de estudo de Lenine, traduçom de textos do Lenine, figemos um boletim interno, Tribuna Comunista para discutir que partido vamos formar. Ficou oficialmente constituida a OCPO. Demorou um bocado a pôr a revista na rua, só saiu em 84, mas havia um boletim de empresas. Tínhamos camaradas em várias empresas, sobretodo aqui na regiom de Lisboa e no Porto, umha dúzia de camaradas operários de empresas grandes. Criamos um aparelho técnico próprio porque era indispensável para pode ser autónomos, nom só para fazer PO, editamos manifestos sobre a situaçom política, as eleiçons, etc. O que aconteceu é que dessas vinte pessoas que ficárom organizados pode ter funcionado dous a três anos. A situaçom política foi evoluindo, cada vez mais desfavorável com a vitória do imperialismo sobre a Uniom Soviética. Acho que as pessoas começárom a perder a perspectiva. Eu, estando dentro do processo, nom tenho muita facilidade em entender exactamente o que fijo perder mobilizaçom às pessoas. Sei que eu e um núcleo continuamos sem qualquer desfalecimento na actividade da PO –, mas umha série de outros camaradas, nom foi porque houvesse crises internas, nom foi porque houvesse fortes divergências sobre um assunto qualquer –, fôrom perdendo o espírito de luita e desistindo. Entom chegou-se à 278


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Nesta situaçom, quais som, é umha pergunta complexa, as perspectivas de umha regeneraçom da corrente revolucionária comunista em Portugal? Neste momento, tu estás a par disso, desde há mais de um ano, alguns camaradas tivérom umha certa reanimaçom, começamos a fazer umha série de reunions mais alargadas, temos feito as festas da PO, criou-se a Voz do Trabalho, começou-se necessariamente a discutir a necessidade de fazer qualquer cousa organizadamente para a frente. O nosso objectivo é fazer umha reuniom alargada e pôr aí à discussom umhas teses que temos vindo a redigir,lentamente: linha política, princípios organizativos, situaçom internacional, balanço do movimento comunista do século XX, etc. Temos umha preocupaçom grande em nom aparecer em público a anunciar a criaçom disto, daquilo ou do outro, sem ter um mínimo de seriedade como grupo que poda funcionar, que poda fazer qualquer cousa. Se é as mesmas pessoas que agora estám aqui só para dizer que constituírom um laço organizativo, nom fai sentido. Eu nom tenho, ao contrário do que alguns camaradas pensam, nengumha resistência a avançarmos para a criaçom de um partido político, e primeiro dumha organizaçom preparatória, mas tenho recusa absoluta em criar umha organizaçom nos moldes antigos, que acho que alguns camaradas espontaneamente tendem a fazer. Moldes antigos de vida interna e de pôr de lado o aprofundamento das questons políticas que nos trouxérom até aqui. Há quem diga: “A gente sabe muito bem que está à esquerda do PC e à esquerda do Bloco, portanto vamos para a frente que havemos de fazer qualquer cousa”. Nom é assim tam simples. Portanto, se tu me pedes as perspectivas, eu nom som capaz de te dar umha resposta linear. Eu quero continuar, nom quero parar com este trabalho. O mínimo que podemos fazer é persistir se estamos convictos que esta via é a correcta até ver se saem alguns frutos. De facto, já som muitos anos, e pode-se perguntar se após vinte anos isso nom é a prova de 279

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situaçom que a OCPO nom se dissolveu, mas foi desactivada. Por força das circunstáncias, ficou um núcleo da revista apoiado no aparelho técnico, e mais tarde, já em 94 alargado à editora, nom só para propaganda, mas para tentar arranjar dinheiro. Nunca abandonámos a intervençom política, em torno das reivindicaçons do movimento operário, da luita contra o racismo, contra as guerras imperialistas, etc., mas em pequena escala, por sermos um grupo reduzido.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues que está mal qualquer cousa. Eu nom vejo onde é que está mal, já che tenho dito, que demonstrem onde está mal, que a gente rectifica. A minha ideia é continuar nesta via como grupo de propaganda, discussom, tentativas de intervençom. Agora estamos envolvidos no apoio ao Tribunal sobre os crimes do imperialismo no Iraque; a seguir vamos fazer campanha polo “nom” ao referendo da Constituiçom Europeia, explicar porque é que o nosso “nom” se distingue do do PC e do Bloco, criticar toda a posiçom muito ambígüa que eles tenhem em relaçom à Europa e à questom da necessidade de umha revoluçom proletária na Europa. Há umha ofensiva brutal contra os direitos adquiridos polos trabalhadores, a tendência de fascistizaçom das instituiçons, motivos de intervençom nom nos faltam. Outra das tuas reflexons e preocupaçons dos últimos anos tem sido divulgar entre a esquerda portuguesa a luita pola independência que realizam sectores das classes trabalhadoras da Galiza e do País Basco fundamentalmente. Para a esquerda independentista galega, e em particular para @s comunistas galeg@s, Francisco Martins Rodrígues é considerado como um grande amigo da causa galega. Mas a esquerda portuguesa nom compreende esta luita, e continua situando a reivindicaçom independentista como algo alheio ao marxismo, como alheio aos interesses do proletariado. Embora a reivindicaçom do direito de autodeterminaçom tenha sido umha preocupaçom do marxismo, particularmente o Lenine dedicou grandes esforços teóricos nos últimos anos da sua vida. A nossa corrente portuguesa formou-se na luita contra o colonialismo português e as guerras coloniais, e isso tivo um peso muito grande. A solidariedade com os povos das colónias foi intensa. Mas há umha grande dificuldade em compreender que poda haver na Europa movimentos de libertaçom nacional como os da África, Ásia e América Latina. A tendência geral que está estabelecida nas pessoas é que isso é umha fase ultrapassada, a Europa é um continente capitalista avançado, as luitas nacionais tivérom o seu tempo, figérom a sua época, hoje nom tenhem sentido, e concentrar militantes da esquerda em reivindiçons nacionais é um desperdiço de esforços. “Nom é muito mais simples o proletariado de toda Espanha luitar junto para mudar o governo? Que sentido fai que os bascos estarem a puxar para um lado, e os outros para o outro?”.

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Portugal hoje, meses depois da Euro 2004, meio país continua com a bandeira pendurada da varanda ou da antena do carro. O nacionalismo português está a ser alimentado pola burguesia para esconder o aumento da exploraçom e as cada vez piores condiçons de vida das massas trabalhadoras. Esta vaga de nacionalismo chauvinista nom está a jogar o papel de amortecedor das possíveis luitas de classe? Sim, nom tenho dúvida que as classes no poder vírom o triunfo que podia representar aquela expectativa no campeonato e tenhem explorado isso. Mas ela foi espontánea, foi autêntica. As pessoas – até porque nunca se tinha dado aqui um campeonato europeu em Portugal –, sentírom isso muito e aderírom a esse entusiasmo. Se convidassem as pessoas para trazer as bandeiras por umha questom de política eu acho que aí nom funcionava. Mas sobre a bola é umha cousa que todos acham que nom tem nada a ver com política. As pessoas entom expandírom esse orgulho nacional, essa alegria de se estarem a afirmar perante os outros. Que o poder aposta nisso, nom há dúvida. Eles dizem que “temos que acabar com as lamentaçons, há que ter orgulho, optimismo, o nosso país tem que ser o melhor”. Eles tentam alimentar esse espírito e é verdade que entusiasmo do campeonato serviu para quebrar bastante o descontentamento e o desgosto de estar num país tam merdoso. Porque é assim mesmo: um país com o nível de vida mais baixo de toda a Europa, o país que menos proveito tirou dos fundos europeus, o país onde há mais pobres, onde há mais analfabetos. As pessoas sentem isso todos os dias, sentem que essa conversa de que isto é Europa e vai correr cada vez mel-

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Esta dificuldade em entender isto pode resultar de sermos há oitocentos anos independentes, de nom termos um problema de opressom nacional. Mesmo a nossa solidariedade com os povos das colónias pode ter sido um pouco epidérmico. Quer dizer, aquilo era tam distante, tam estranho a nós, tam longínquo, que era fácil entender: “Aquilo é outra gente, nom tem nada a ver connosco, os portugueses nom tenhem nada que lá estar”. Agora, umha discussom, um conhecimento, umha assimilaçom profunda da questom das nacionalidades, da luita das nacionalidades pola sua autodeterminaçom nom sei se o movimento da esquerda estará maduro para entender. Tem umha visom superficial a esse respeito. O que eu acho que falta na PO é mais muniçons para essa batalha. Isto sem falar no PC, e no Bloco e tal, porque aí tenhem naturalmente umha posiçom recuada.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues hor que é todo mentira. Aqui há dez anos houvo bastante euforia, no cavaquismo. O nível de vida melhorou e houvo um ambiente um pouco raro: “Somos os melhores, vamos rapidamente alinhar-nos com os países avançados da Europa e ter um nível de vida bestial”. Hoje nom existe esse espírito, as pessoas estám desiludidas, e já nom sabem se é por culpa do PSD ou do PS, ou de quem é, o que é um facto é que isto nom anda. Há um ambiente de desgosto perante a corrupçom, a incompetência, a impunidade dos ricos. O novo comunismo revolucionário tem que integrar nas suas preocupaçons diárias a opressom, a dominaçom específica que padecem as mulheres, a que o marxismo nunca emprestou suficiente atençom. A PO também tem contribuído para denunciar a situaçom das mulheres trabalhadoras e das mulheres em geral, a divulgar a sua luita. Porém, o feminismo em Portugal é praticamente um movimento desconhecido, nom tem nem corpo, nem vigor suficiente, e continuam a existir resistências dentro desse esquema clássico da luita de classes de considerar esta reivindicaçom, igual que o direito de autodeterminaçom, como questom secundária. Pensa-se que vai dividir o proletariado entre homens e mulheres, introduzir elementos de tensom que nada ajudam à luita, tam só ajudam a reforçar a burguesia, vai portanto favorecer o capital. Eu só podo dizer isso que estás a dizer. A campanha da Ana Barradas na PO, o esforço de publicaçons, nom tem dado frutos. Nom se pode dizer que exista umha linha definida da PO para batalhar nesse campo. Ela reivindicou um terreno onde tem luitado por isso, mas que nom desperta a adesom, o entusiasmo da generalidade das pessoas. O machismo, o patriarcalismo em Portugal está tam enraizado socialmente que a nossa esquerda ainda nom tem olhos abertos para esse problema, nom o sente como um problema político de primeiro plano. Já temos tido discussons sobre o triplo horário das mulheres, do que ganham e nom ganham, do tratamento que tenhem (em Portugal está oficialmente reconhecida umha média de cinco mulheres que som todos os meses assassinadas polos maridos), as pessoas acham mal, evidentemente, agora ver a dimensom social que está por trás disto nom, vem como casos individuais. Vai ter que haver acçons de mulheres, –houvo-as muito fortes no período revolucionário–, que contestem isso a nível de movimento de massas para sacudir um bocado esse espírito. O pouco que há de feminismo em Portugal é obra de mulheres de um certo estrato burguês desejosas de 282


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Enfim, vamos ver se vem aí mais um PREC17 para a gente fazer avançar isto a sério, quando as massas começam a contestar todo, a discutir todo e a pedir contas aos que estam por cima. Notas explicativas

(1) - Acrónimo de Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), polícia política do fascismo português criada em Outubro de 1945. (2) - António Oliveira de Salazar, ditador fascista que encabeçou a presidência do Conselho de Estado (governo) entre 1932 a 1968. (3) - Histórico dirigente do Partido Socialista (PS), -expressom da social-democracia portuguesa-, responsável polo contragolpe de 25 de Novembro de 1975 impulsionado em colaboraçom com a extrema-direita, a burguesia, a CIA e as potências ocidentais. Posteriormente foi Presidente da República (1986-1996). (4) - João Pulido Valente, fundador do Comité Marxista-Leninista, em Paris, em 1964, falecido em Agosto de 2003. (5) - Consultar “As Clandestinas”, livro publicado por Ana Barradas na editorial Ela por Ela, Lisboa 2004, que analisa, em base a testemunhas, o papel militante e a vida das mulheres comunistas ou das companheiras comunistas na dura vida da clandestinidade. Ver secçom de livros do Abrente 32, Abril-Junho de 2004. (6) - GNR, Guarda Nacional Republicana, corpo policial integrado no exército, similar à Guardia Civil espanhola. (7) - Avante: Órgao do PCP. Começou a ser editado em Fevereiro de 1932. Actualmente é semanário. (8) - Rui d´Espiney, outro dos fundadores do CMLP (Comité Marxista-Leninista Português). (9) - António de Spínola: General do exército colonial português, Governador da Guiné, estivo à frente da Junta de Salvaçom Nacional após o 25 de Abril e foi nomeado Presidente da República, demitindo-se a 28 de Setembro de 1974. Posteriormente, encabeçou o fracassado golpe contrarrevolucionário de 11 de Março de 1975, fugindo de helicópteto para a base espanhola de Talavera la Real (Badajoz) e partindo para o exílio no Brasil. Previamente impulsionou a partir de Espanha a organizaçom terrorista MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal). (10) - Paquete Santa Maria: Barco de passageiros português seqüestrado em Janeiro de 1961 polo Directório Revolucionário Ibérico de Libertaçom (DRIL), organizaçom antifascista conformada por galegos, portugueses e espanhóis. (11) - Humberto Delgado: general do exército que encabeçou a candidatura da burguesia liberal nas eleiçons presidenciais de 1958. Após a derrota, é expulso do exército, solicita asilo no Brasil e passa a participar na oposiçom ao salazarismo. Foi assasinado pola PIDE em 1965 na fronteira de Badajoz. (12) - Ala Gonçalvista: De Vasco Gonçalves, general do exército vinculado ao PCP. Foi primeiro-ministro e chefe do Estado Maior das Forças Armadas após o 25 de

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igualdade, tenhem todo o direito, mas nada tem a ver com o movimento que puxe a mulher trabalhadora. Aí só se os comunistas intervinherem com convicçom, o que até agora nom acontece. É num plano semelhante à questom nacional, é umha daquelas batalhas com dificuldades em dar frutos.


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Carlos Morais entrevista Francisco Martins Rodrigues Abril. Representante da ala “comunista” do MFA, tinha grande carisma popular, tendo dedicada umha cançom “Força, força Companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço”. (13) - Grupo dos 9: Nome do grupo de membros do Conselho da Revoluçom vinculados aos sectores mais social-democratas, que mantinham magníficas relaçons com Frank Carlucci, o embaixador de EE.UU em Portugal, e que no verao de 1975 assinam o Documento dos Nove. (14) - António Ramalho Eanes: General do exército que encabeçou, com o Grupo dos Nove, o contragolpe militar de 25 de Novembro. Em Junho de 1976, foi eleito 14º Presidente da República. (15) - Varela Gomes: Militar participante no Golpe da Sé (Março de 1959) e no Golpe de Beja (Janeiro de 1960), -quando foi gravemente ferido-, tentativas de derrubar o fascismo em que estava envolvido o PCP. Após o 25 de Abril, tivo diversas responsabilidades, atingindo o grau de coronel. Depois do 25 de Novembro, passou à clandestinidade, sendo acolhido na embaixada de Cuba em Madrid em Janeiro de 1976 e refugiando-se posteriormente em Angola, onde colaborou na organizaçom das FAPLA (Forças Armadas Populares de Angola). (16)- Carlos Antunes: Fundador, junto a Isabel do Carmo, das Brigadas Revolucionárias, organizaçom político-militar criada em 1970, posteriormente unificada como o PRP (Partido Revolucionário do Proletariado). (17) - PREC (Processo Revolucionário em Curso), nome que adoptou o período compreendido entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975.

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