1.- Origens do Dia da Galiza Combatente Em Julho de 2001 a Direcçom Nacional de NÓSUnidade Popular acorda instaurar o dia 11 de Outubro como Dia da Galiza Combatente. Até esse ano, a esquerda independentista coincidia com o nacionalismo institucional e o galeguismo na comemoraçom, a 17 de Agosto, do Dia da Galiza Mártir, aniversário do assassinato de Alexandre Bóveda polo fascismo espanhol. Também no dia 12 de Agosto lembramos a morte em combate em 1975 do militante comunista e independentista Moncho Reboiras num confronto com a polícia espanhola. Mas ambas datas fôrom completamente disvirtuadas polo regionalismo até se converterem nuns actos nostálgicos e grotescos de simples justificaçom da Moncho Reboiras sua deriva entreguista e claudicante. Despreendidos da mística reivindicativa e da vigência da luita pola qual ambos patriotas, com as suas diferenças ideológicas e temporárias, entregárom a sua vida, era necessário delimitar também neste ámbito o nosso projecto revolucionário de aquele que representa o autonomismo. Para homenagear num só dia todas as galegas e galegos que em diferentes etapas históricas e projectos políticos fôrom represaliados ou perdêrom a vida pola sua entrega à causa de umha Galiza mais justa e soberana, a nova esquerda independentista decidiu instaurar esta nova data.
Lola Castro
Na madrugada do dia 11 de Outubro de 1990, Lola Castro Lamas “Mariana” e José Vilar Re g u e i r o “ M a r c o s ”, membros do Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive (EGPCG), morriam ao fazer-lhes e x p l o s o m acidentalmente um artefacto destinado a combater os interesses do narcotráfico na G a l i z a . Ta l c o m o manifestou NÓS-UP em
José Vilar
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2001, na primeira ediçom do Dia da Galiza Combatente “enquanto outros luitadores e luitadoras passárom à nossa História por direito próprio, sobre Lola e José semelha pairar um manto de silêncio e esquecimento. Manto que é a nossa obrigaçom destruir para os restituirmos ao lugar que merecem. A nós unicamente corresponde a homenagem, o reconhecimento político à sua generosidade e combatividade nesta luita que continuamos e, finalmente, o compromisso colectivo de que as suas vidas, como a de Moncho, as de Amador e Daniel, as de “O Piloto”, Zélia, “O Foucelhas”, Benigno Álvares, Alexandre ou os fusilados em Carral, nom cairám no esquecimento nem passáram a fazer das últimas expressons de rebeldia de um povo que existiu”. Nesta primeira efeméride NÓS-UP deixava claro que “nom está na nossa intençom consolidar umha data para um calendário reservado a independentistas com cartom militante”. Desde que em 2001 NÓS-UP convoca o Dia da Galiza Combatente, a data foi-se socializando e consolidando-se na agenda política de boa parte da esquerda independentista.
2.- As ediçons precedentes 2001 Tem lugar na praça do Concelho de Culheredo, a terra natal de José Vilar, a primeira ediçom da efeméride convocada como “Concentraçom e acto político em lembrança d@s noss@s compatriotas caídos e represaliad@s na luita pola liberdade da Galiza”. “Dim que nom se perde um direito enquanto houver alguém que o reclama. Quando em Junho passado constituíamos em Compostela esta emergente organizaçom de massas para a libertaçom nacional, sabíamos que nom partíamos de zero: desde os textos dos cronistas da Antigüidade, que nos falam de um povo combativo e de mulheres indomáveis, até a morte num operativo militar de Lola e José em 1990, ou a luita em prisom dos presos e presas independentistas em 2001, a nossa história foi a de um povo capaz de impulsionar as primeiras revoltas populares da Europa moderna, capaz de desenvolver 04
resistências para enfrentar o processo de “Doma y Castración del Reino de Galicia” impulsionado pola Coroa de Castela. Um povo que, já bem entrado o século XIX, tinha militares insurgentes que afirmavam, de jeito provavelmente rudimentário, a existência da Galiza como sujeito de direitos nacionais. Esse mesmo povo sustentou política e materialmente desde 1936 umha guerrilha urbana e rural antifascista cujo último resistente caía em 1965, articulou desde a clandestinidade organizaçons nacionalistas de massas e desenvolveu, no último quartel do século XX, três projectos político-militares para a sua própria libertaçom nacional e social”.
2002 Sob a legenda “Para que Galiza viva” a cidade de Ponte Vedra acolhe a segunda ediçom. O acto político convoca-se na praça de Curros Henriques onde Alexandre Bóveda conta com umha modesta estátua. “Aqui nom estamos para chorar quatro mortes, mas para recolher quatro fusis e quatro exemplos. Hoje mais que nunca, é necessário racharmos o véu da “normalidade democrática” com que o poder espanhol quer ocultar o carácter conflituoso e violento da opressom. A Galiza combatente está viva. Está-o nas luitas vicinais, nos conflitos operários, nas greves gerais, nos enfrentamentos populares à ordem vigente, na resistência estudantil, nas respostas à polícia e nas sabotagens anónimas aos interesses turísticos, comerciais e financeiros do inimigo que se venhem produzindo nos últimos meses. Está-o nas ruas, nas paróquias, nas aulas, nas fábricas e nos centros de trabalho da nossa naçom. Segue a está-lo nos coraçons e na vontade dos melhores filhos e filhas do povo trabalhador galego, na sua dignidade inquebrantável, no seu valor, no seu amor sem limite à Terra e à Liberdade”.
2003 “A luita é o único caminho” foi a palavra de ordem que comemorou a data em Ferrol, com umha concentraçom na rua da Terra, ao lado da casa onde caiu abatido Moncho Reboiras por balas espanholas.
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“O MLNG reivindica em solitário esta data porque só ele reconhece a sua carga política, o seu sentido actual: a existência dumha linha e a obrigaçom de continuá-la por ser a única garantia de avanço. Eis a nossa transcendência e a nossa responsabilidade. Há ainda muit@s denominad@s nacionalistas que temem umha aproximaçom sincera à nossa história e ocultam ou maquilham capítulos e figuras imprescindíveis da nossa luita. Som aqueles/as, e nom por acaso, que mais temem a auto-organizaçom, a construçom e o combate; @s submid@s num pesimismo ou cobardia crónicas que os fam pospor indefinidamente o compromisso e o activismo, tentando contagiar com autismos paralisantes. Enquanto Espanha e o Capital apertam as gadoupas sobre o nosso povo trabalhador, se desenvolve umha gravíssima involuçom fascistóide e se comsuma o processo de destruiçom nacional, patriotas de cartom e pseudonacionalistas de distintas cores procuram sucedáneos, entretenhem-se em milagres e jogam de maneira hipócrita à desorientaçom e o confusionismo”.
2004 Na praça do Toural do bairro de Teis de Vigo, convocamos a quarta ediçom. “PSOE-PP a mesma merda é. Adiante a luita obreira e nacional”. “Aqui em Vigo, tivo lugar o nascimento da primeira organizaçom independentista de posguerra. O Partido Galego do Proletariado foi concebido no Vigo obreiro de 1976-77 e fundado em Março de 1978. Aqui foi onde a esquerda independentista apresentou a sua primeira candidatura eleitoral com Galiza Ceive nas municipais de 79. Daqui eram muitos dos detidos na redada contra a LAR em Setembro de 1980. 06
Este é o Vigo de que nós nos reclamamos e sentimos continuadoras/es. O Vigo das três greves gerais de 1984 contra a reconverson industrial do PSOE. O Vigo das dúzias de moços insubmissos que se negárom a participar no exército espanhol na década de noventa. O Vigo das luitas estudantis contra Vitrasa. O Vigo solidário e internacionalista. O Vigo ecologista contra o cemitério nuclear da fossa atlántica. O Vigo que em Junho acolhou dezenas de milhares de mulheres na maior mobilizaçom feminista da Galiza. O Vigo que defende o seu litoral, o Vigo que se opom a “ronda”. O Vigo que ainda acolhe perseguidos e clandestinos como nos anos trinta”.
2005 Ao pé do monumento aos mártires de Carral, reivindicamos “Galiza por umha política de esquerda”. “Desde o primeiro momento em que NÓS-UP decidiu marcar esta data como Dia da Galiza Combatente, a ideia foi fazer dela um referente aberto que incluísse todo o leque de iniciativas das mais diversas formas de luita que o nosso povo tem desenvolvido ao longo de todos estes anos como forma de autodefensa frente às políticas assimiladoras do nosso inimigo histórico, o Estado espanhol e as suas classes dirigentes. Ao contrário do que fam outras organizaçons que enaltecem figuras históricas, amiúde limando-lhes as arestas mais incómodas e contraditórias com a sua prática política actual, chegando à ocultaçom e a manipulaçom, nós nom temos nengum reparo em fazer público o reconhecimento de todas essas formas de resistência que definírom a história do nosso nacionalismo. Umha história que é também a história da repressom e a conculcaçom de direitos, por isso sempre havemos de estar do lado galego e popular neste longo confronto que mantemos em defesa do nosso direito à existência como naçom diferenciada e classe emancipada. O contexto actual da luita de libertaçom nacional galega, que no nosso caso está indisoluvelmete ligada à luita social pola emancipaçom do nosso povo trabalhador e o combate ao patriarcado como forma de submetimento de metade da populaçom galega, responde a umhas coordenadas novas que nos obrigam a reorientar tacticamente o nosso trabalho político”.
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2006 No Alto do Furriolo, na Terra de Cela Nova, NÓSUP realiza umha “Homenagem nacional às vítimas do holocausto galego. 1936-2006 a luita continua!”. “Hoje estamos aqui porque recolhemos os ideais de liberdade e emancipaçom do movimento operário e popular galego de 1936, cujo horizonte nom era, nem muitíssimo menos, como falsamente historiadores e politicos pogres afirmam, consolidar a democracia burguesa republicana, mas sim, tal como hoje modestamente fai a esquerda independentista representada por NÓS-Unidade Popular, acumular forças sociais necessárias, mediante a luita política, social e ideológica, para mudar de raíz este regime injusto e opressor empregando a imensa torrente da razom e da consciência livre e plenamente assumida pola maioria social que num abrente de alegria e amor denominamos Revoluçom Socialista. Só cretinos e canalhas podem afirmar que os objectivos de boa parte das forças organizadas ou que apoiárom eleitoralmente a vitória de Fevereiro de 1936 da Frente Popular se reduziam a manter a anémica “ditadura” da burguesia liberal encabeçada por Casares Quiroga”.
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2007 À beira do monumento a Simón Bolívar, na rua Venezuela de Vigo, comemoramos a sétima ediçom sob a legenda “Até a vitória sempre. A solidariedade é a ternura dos povos”. “Nom renunciamos à longa trajectória combativa de nosso povo, e aspiramos a continuá-la ao longo da espiral da história que deve projectar-nos para um futuro de liberdade nacional, situando-nos do lado dos povos que luitam por superar o capitalismo e fazer do mundo um lugar mais habitável e justo do que hoje é. E é nesse ponto que ligamos a convocatória deste ano com o quadragésimo aniversário da morte do que foi paradigma da luita nacional e internacional por um outro mundo: Che Guevara, argentino entregado à causa do povo cubano até a vitória e posteriormente comprometido com as luitas de outros povos africanos e latino-americanos, fusilado extra-judicialmente por ordem da CIA estado-unidense, representa como ninguém as virtudes do militante integral polo socialismo e a independência dos povos. Porém, ele nom é um caso único ou isolado. Milhares de trabalhadores e trabalhadoras, de homens e mulheres militantes de causas justas morrêrom no último século e meio em luita pola derrota do capitalismo e pola conquista da verdadeira soberania para os povos. E muitos deles figéromno, como o Che, alinhando com movimentos revolucionários noutras latitudes diferentes às dos seus lugares de nascença. Dentre eles e elas, salientamos na comemoraçom de hoje os galegos e galegas que entregárom as suas vidas à causa do internacionalismo”.
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2008 No farol de Meirás, em Valdovinho, sob a legenda “A luita pola independência também tem nome de mulher” organizamos a oitava ediçom. “Convocamos a VIII ediçom do Dia da Galiza Combatente conscientes de que a luita pola independência também tem nome de mulher. E é por isso que, fartas de tantas mentiras e tantas ocultaçons históricas, somos nós as mulheres revolucionárias galegas que temos a responsabilidade de contribuir para mudar isto. Hoje, à beira deste mar de dias bravos como as jornadas de luita nosso povo, a esquerda independentista e socialista desta naçom com nome de mulher chamada Galiza queremos e devemos projectar lus sob as mulheres que ao longo da história participárom nos mais diversos episódios de rebeldia contra a dominaçom e as injustiças que padecemos como povo, classe e género, nas luitas pola liberdade da Galiza e a superaçom da exploraçom do capitalismo. Por todas essas mulheres que padecêrom as mais cruéis e diversas formas de brutalidade, o que as levou a ser torturadas, degradadas, humilhadas, exiladas, encarceradas ou assassinadas, é que estamos hoje aqui. Mulheres que som um verdadeiro exemplo de dignidade militante para todas nós. Mulheres galegas que abrírom a empurrons os caminhos que hoje somos quem de percorrer. Mulheres que levam séculos a viver sob múltiplas identidades mas com um só intuito, o de trazer a justiça para este país e para a classe trabalhadora, traçárom o caminho”.
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3.- Biografia de Henriqueta Outeiro Henriqueta Outeiro Branco, alcunhada “Maria das Dores”, foi umha militante comunista e feminista nascida na casa Ribom da freguesia de Miranda, em Castro Verde, a 26 de Fevereiro de 1910. Filha de um labrego proprietário de um estimável morgado, logrou o que na altura nom era habitual nas mulheres: umha educaçom. Após ter finalizado os estudos no colégio da Milagrosa de Lugo, com tam só 18 anos exerceu como interina de mestra na escola de Sam Cosme de Barreiros, em Ribadeu, onde impulsionou actividades teatrais e criou a companhia “O Ponteiro do Carrinho”. Posteriormente, continuou a exercer magistério em diferentes pontos da geografia nacional: Ferreiros de Fonsagrada, Montefurado, Vila Garcia de Arouça, Ponte Vedra e Santo Estevo de Gormaz. Depois de aprovar as oposiçons, deslocou-se a Madrid destinada como mestra, onde entra em contacto com o marxismo.
A Guerra Civil Nos primeiros dias da Guerra Civil colabora na evacuaçom de crianças para colónias nas afastadas costas do Mediterráneo, para imediatamente alistar-se na Primeira Brigada Móvel de Choque, passando de seguido a ocupar responsabilidades no hospital de Carabanchel, onde entravam @s milician@s ferid@s na frente. Mais tarde, atingiu o grau de Comandante como Miliciana da Cultura no Primeiro Batalhom Móvel de Choque dirigido por Valentín González “El Campesino”. A sua vinculaçom política com este quadro comunista e também com o seu compatriota Henrique Líster foi determinante na formaçom ideológica da jovem Henriqueta. Desde Maio de 1937 é responsável de um infantário numha praia de Alacant. No processo de descomposiçom interna da resistência republicana, alinha-se contra as posiçons claudicantes da “Junta de Defesa” fazendo frente ao golpe de estado do coronel Casado. Por este motivo, é detida a meados de Março de 1939 por militantes do PSOE quando subida a um tanque arengava o povo de Madrid. Após passar várias semanas em prisom, coincidindo com a estampida do regime para Valéncia consegue sair da cadeia renunciando a deslocar-se para essa cidade e de aí para o exílio, optando por ficar em Madrid. 11
Nos primeiros dias da vitória do fascismo, evitou a sua detençom logrando escapar baixando polas canalizaçons do prédio do local central das Milícias da Cultura em Madrid. Apanhou um comboio na estaçom do Norte para Lugo, refugiando-se na casa do crego de Santiago a Nova. Sendo denunciada, voltou a escapar dedicandose a organizar a resistência armada contra o franquismo no Norte da Galiza.
A resistência armada na Galiza Nos primeiros anos da década de quarenta, entre enormes adversidades, assume responsabilidades organizativas na recomposiçom organizativa do Partido Comunista e da autodefesa popular na regiom nororiental da Galiza. Em Fevereiro de 1945, incorpora-se ao Comité “Provincial” de Lugo como responsável de organizaçom e finanças. Henriqueta Outeiro participa activamente na vertebraçom da resistência guerrilheira ao franquismo com Domingos Andrade “Foucelhas”, Marcelino Rodrigues Fernandes “Marrofer”, José Castro Veiga “Piloto”, Júlio Neto, Ramom Viveiro ou Pepe Vicente. A chegada a finais de 1945 a Galiza de José Gomes Gaioso e António Seoane Ramos foi determinante para impulsionar a luita guerrilheira no nosso país promovendo a organizaçom de destacamentos dotados de responsável militar, político e um território de actuaçom. Henriqueta integra-se na III Agrupaçom guerrilheira que opera desde a Fonsagrada até Quiroga, passando polo Zebreiro, Samos, o Caurel, Bóveda, Póvoa de Brolhom e Monforte de Lemos. Umha infiltraçom policial provocou a sua queda numha emboscada 16 de Fevereiro de 1946. Após burlar inicialmente um primeiro cerco policial tem que fazer frente ao inimigo que a cerca no rés-do-chao de umha casa no nº 102 da estrada da Corunha da cidade das muralhas. Tal como assinalam as crónicas1 “armada com umha pistola do calibre nove longo, marca Star, quarenta e cinco balas guardadas numha saqueta de lá enganchada a um botom do vestido e algumhas bombas de mao de escassa potência, abriu a porta e saiu correndo, enquanto os polícias disparavam sobre ela”. Embora consiga fugar-se após apresentar com os seus 36 anos combate em solitário à Guarda Civil e a agentes da Brigada Político-Social da Direcçom Geral de Segurança durante mais de três horas, logo de romper o cerco logrou afastar-se vários quilómetros das forças repressivas mediante disparos e lançamento de 12
bombas de mao, mas umha rajada de metralhadora feriu-na nas pernas e foi detida no Agro do Rolo. Durante a estadia no hospital militar de Lugo, foi selvagemente torturada e tivo que presenciar o corpo destroçado polas malheiras do seu companheiro Pepe Vicente. Os maus tratos prosseguírom no hospital civil da cidade, apesar de que estava praticamente com todo o corpo engessado. “A mim dérom-me umhas sovas tremendas. Atopava-me tam mal, que desejava que acabassem comigo de umha vez. Isto acontecia em Fevereiro de 1946. Poucos dias depois enforcavam dous companheiros nossos: Ramom Viveiro e Júlio Neto. Na Galiza, além de fusilar, também se enforcava, porque ainda regiam uns mandamentos feudais da baixa Idade Média”. A sua queda, os erros e negligências que provavelmente tenha cometido no cumprimento das rígidas e estritas normas básicas da clandestinidade propiciárom um duro golpe a resistência política e militar comunista nesta basta regiom da Galiza. O inimigo, segundo um informe interno considerava que Henriqueta Outeiro era “um quadro com certa cultura e porque possuía muita competência para o trabalho político e para captar militantes e simpatizantes, de forma que os mesmos dirigentes da Regional reconhecem a sua habilidade política e os seus dotes de organizaçom: nomeia cargos, separa os mais renuentes, organiza comités comarcais, pressiona os membros mais carreiristas que podam ocasionar danos no Partido, consegue contributos económicos, dita ordens e instruçons que mostram a umha pessoa com dotes de liderança e pouco influenciável, excepto por outro membro superior politicamente”.
A prisom Foi condenada à morte num Conselho de Guerra realizado a 17 e 18 de Julho de 1946. As pressons internacionais, a ampla campanha de solidariedade desenvolvida pola III Internacional e a intercessom da Igreja provocou que a pena fosse comutada por 34 anos de prisom, dos quais cumpriu 14, percorrendo as mais importantes prisons franquistas: Corunha, Amorebieta, Segóvia, Ventas, Guadalajara e Alcalá de Henares, de onde saiu em 1960 em liberdade condicional, mantendo incólumes os seus ideais revolucionários. As presas políticas denunciárom as duras condiçons da prisom de Segóvia em Janeiro de 1949, aproveitando a visita a este cárcere de umha advogada chilena. Como represália fôrom incomunicadas durante seis meses. Ao igual que o resto das suas camaradas Henriqueta Outeiro estivo meio ano fechada com a mesma roupa, sem acesso a livros, 13
visitas, comunicaçom por carta, nem comida do exterior. Este duríssimo castigo provocou importantes seculas físicas e psicológicas. Em Novembro de 1952 é transferida ao Hospital Penitenciário Raimundo Fernández Cuesta para ser tratada de trastornos mentais. Permance neste centro até que em Março de 1953 é transferida à Clínica Psquiátrica Penitenciária de Mulheres de Madrid. Isto nom impossibilitou que a meados de 1959 escrevera um poema de amor à sua Terra, ao seu Povo e a Resistência: Ai, Rosalia de Castro, dá-me forças!... Os meus bolsilhinhos rotos a minha tijola sem rabo a minha lareira fria E o que levo já andado! polos carreirinhos tortos por valados com silveiras e chamando nas janelas polos loureiros do horto e aguardando na corte a que se marchem os vizinhos e contando-lhes as penas os amigos, mui baixinho! ... E caminhando pola noite e dormindo polo dia Se ti viras, minha Santa! minha Santa Rosalia! Tu choraste polas penas da tua terra queridinha Tu cantaste aos que deixavam a sua pátria pola vila e se tu vivisses hoje minha querida Santinha! e viras o que figérom com a tua amada Galiza Louquearias!, bem acredito e sem remédio te vinhas polo mundo como eu marcho c'os olhinhos de bágoas e c'os punhos apertados Os que afondárom o Mundo berrárom aqui! Arriba! e desde entom nom che há Pátria mais desditada que a minha Já nom botam aturujos já nom cantam alalás os moços que iam à rua
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polas noites de luar! Já muitos estám na fossa outros presos ou fugidos outros mortinhos de fame e outros de medo encolhidos E até me vou percatando de que as paisagens tam lindas que tu cantaste Padrom, Padrom, Lestrove! e em tantos sítios já a frescura nom luzem que deu calor ao teu numem Todo se me antoxa triste porque a gaita já nom sinto porque todos vam de negro e a terra meiga esta de luto Quando tu estavas ... choraste polos pobres sendo ricos! Choraste polas viuvas dos que ainda eram vivos E apostrofaste valente aos que de nós caluniavam e nom tiram de nós mente e se por todos cargaste com a dor de todos juntos Hoje também, sei-no certo! Ajudarás-me nesta luita Para libertar o nosso povo que nom canta nem aturuja Rosalia, minha Santa! Dá-me forças, forças muitas que já che vai por ... 13 anos e som-che muitas negras negras horas juntas por treze anos! Dia nom sei fijo Maria das Dores pergunta! Quando chegará aquele que nom haja Pobres nem ricos!
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A liberdade 1 de Agosto de 1960 consegue a liberdade provisória. Já só ficavam 28 presas políticas em todo o Estado. O Serviço de Liberdade Vigiada impedia retornar aos seu lugares de origem até cinco anos depois de abandonar a prisom. 16 de Julho de 1965 atinge a liberdade definitiva sem os controlos estritos a que se véu submetida apolo regime fascista. Apesar da sua mermada saúde, nesse mesmo ano, sem recursos económicos e conhecimentos de construçom começa a levantar com as suas maos umha casa na cortinha de Alvarelha na sua paróquia natal de Miranda, dedicando-se às tarefas agrícolas e à venda dos animais que cria. Inícia um processo de recuperaçom das propiedades familiares e de reposiçom dos seus direitos de mestra, logrando este objectivo em Outubro de 1974. Participa na reivindicaçom dos direitos das mulheres desde posiçons genuinamente feministas. Em 1975, com 65 anos começou a construçom da “Casa da Mulher Cándida”, como homenagem à sua mae, como centro para formar profissional, laboral e socialmente a mulher e combater “o vírus venenoso e perturbador do machismo”, basicamente para fazer frente à lacra da prostituiçom: “Há um facto criminoso, conseqüência da concepçom machista e capitalista burguesa, de nom deixar a mulher respirar, que fale, que reclame, que mostre inteireza na reivindicaçom dos seus direitos, Isso irrita-os de tal maneira que chegárom a esse crime terrível que se comemora precisamente 8 de Março, de deixá-las arder dentro de umha fábrica. Isso deve servir a todas as mulheres para tomar decisons que as libertem e tampouco da célula do homem -como se adoita acreditar que sob dele está martirizada- mas dessa concepçom especial do mundo machista que todo o enche e a relega a objecto de lezer, a máquinas reprodutoras que nem conhecem a sua 16
sexualidade cientificamente e limita-a a produzir prazer ao varom. A mulher está marginalizada dentro de todas as classes sociais, com mais dor, claro, nas populares que na burguesa. Se a sua libertaçom virá com a das classes oprimidas ou parte isso já é umha sutileza muito grande. Porque há quem pensa que a mulher deve limitar-se a luitar por mudar o mundo explorador por outro socialista e o seu problema fica solucionado (...) Mas o problema feminista tem profundidades mais alá, e em primeiro termo cumpre conhecer a natureza da mulher que ainda que tem umha contextura especial que fai dizer que “nasceu para parir” nom nasceu para parir como fai o coelho, nasceu sobretodo para parir ideias e exigimos por justiça e por bem da humanidade que se nos deixe falar, conceber, expor ... “tu cala, e vai para a cozinha” ou aquilo de “filhos para o céu”. Convém-lhes o dos filhos para o exército, para a maquinaria, ... e umha mercadoria mais e a Igreja quando pede filhos só é um instrumento do capitalismo. É um crime pedir-lhos a umha mulher obreira que tem 7 ou 8 que vivem mal: ela é umha correia ... além o sexo nom tem nada que ver com a reproduçom. Há mulheres que tenhem umha cheia de filhos e nem conhecem o pracer sexual, e tampouco há direito porque é umha unçom que está aí como pode estar a funçom da retina, as glándulas estomacais, ... é como se te negasses a receber os raios solares, com a boa funçom que tem sobre o corpo ... e isso fijo-o a Igreja e fijo-o o homem que só olhou o seu próprio prazer”. Reabilitada para o exercício do magistério um ano antes da sua reforma em 1977, fundou a Associaçom Cultural “O Carrinho” com o objectivo de fomentar a cultura de base emulando as universidades populares republicanas mediante “missons pedagógicas”. Mesmo tentou reabilitar abandonadas escolas unitárias, como a de Calhás, para a qual chegou a comprar mobiliário. Previamente tinha promovido sem grande sucesso a criaçom da cooperativa agrícola A Esmeralda e organiza em Castro Verde a associaçom vicinal O Fungueirinho. Embora estivo afastada do PCE até o final da ditadura em Junho de 1977 foi candidata ao Parlamento espanhol polo Partido Comunista, do qual se foi afastando a partir desse momento.
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Os últimos anos Nom logrou finalizar as suas memórias que começou a redigir sob o título de “Yo fui alférez de El Campesino”, porém sempre que tinha ocasiom aproveitava as entrevistas que lhe concediam os meios de comunicaçom para reclamar a reinstauraçom da memória histórica e homenagear a resistência guerrilheira galega, a “Pepe Vicente Rodrigues, o meu companheiro, morto a paus na esquadra policial de Lugo, cujo cadáver levarom ao meu hospital quando convalecia das feridas; a Júlio Neto, Emílio Golás, Marcelino Rodrígues Fernandes, Ramom Viveiro, Marrofer, José Castro Veiga O Piloto, Foucelhas...”. Henriqueta Outeiro Branco morreu no hospital de Sam José de Lugo a 31 de Outubro de 1989, quando ia cumprir os oitenta anos. As seqüelas das feridas em combate, da trombose padecida em 1985 e a avançada idade nom fôrom obstáculos para que seguisse a luitar até que conservou o último fôlego. “Enquanto me ficar um rescaldo de vida, hei-na de utilizar para favorecer a sociedade, que é o ideário máximo de todo comunista” afirmava numha entrevista publicada por “El Progreso” a 29 de Janeiro de 1987. Os últimos anos da sua trajectória de comunista e feminista galega estivérom dedicados à divulgaçom da cultura e a organizar a homenagem aos milhares de trabalhadoras e trabalhadores galeg@s que entregárom a vida na luita contra o franquismo, em prol da liberdade e a justiça, nos montes, nas fábricas e nas ruas desta imensa pátria chamada Galiza. Henriqueta Outeiro Branco foi um exemplo de mulher comprometida que tentou sempre na sua dilatada e intensa existência levar à práctica os ideias a que dedicou a sua vida. A “aprendiz de bolchevique” tal como se definira, como o que realmente era foi umha mulher comprometida com o seu tempo e com a luita do Trabalho contra o Capital, que militava numha organizaçom, o PCE, com mais sombras que luzes, mas que mantivo de forma inquebrantável lealdade a uns princípios e valores aos que nunca renunciou, depois de passar três intermináveis lustros nas cadeias franquistas. Que nos momentos cruziais, em que há que escolher, nos quais a maioria opta polo caminho mais fácil, sempre se inclinou por continuar avante: seguir no Madrid assediado e bombardeado de finais do Verao do 36, após o golpe militar casadista da 18
Estado actual da sua casa
primavera do 39, ficar no interior da Península, voltar para Galiza após a derrota da República e nom ser evacuada para França via Levante, participar activamente como Maria das Dores na reorganizaçom do PC na Galiza e na organizaçom da luita guerrilheira, dar batalhas nas prisons que foi percorrendo entre 1946 e 1960, voltar entre silêncios, incompreensons e hostilidades, para a paróquia natal de Miranda, seguir intervindo publicamente, orientando-se na difusom dos valores feministas, na defesa das mulheres, fomentando a cultura de base, a educaçom popular.
A esquerda independentista galega organizada em NÓS-Unidade Popular decidiu dedicar a nona ediçom do Dia da Galiza Combatente, coincidindo com o XX aniversário do seu falecimento, a homenagear quem por méritos próprios atingiu elevadas responsabilidades políticas e militares na guerrilha galega. Tanta constáncia, tanta audácia, tanto sacrifício, coragem, coerência, valor, é um orgulho para o povo trabalhador combatente. A sua intensa vida, o seu nome Cemitério de Miranda representa para nós, luitadores e luitadoras de umha Galiza livre, vermelha e lilás, um exemplo para o sucesso da Revoluçom Galega.
Galiza, 11 de Outubro de 2009
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Boa parte da informaçom utilizada na elaboraçom deste caderno procede do livro “LETRAS ARMADAS. As
vidas de Enriqueta Otero Blanco” da autoria de Ángel Rodríguez Gallardo publicado em 2005 pola Fundación 10 de Marzo.
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