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Discursos pandêmicos das ruas de Porto Alegre

Resumo: Este ensaio reúne imagens fotográficas capturadas durante trajetos realizados por mim em Porto Alegre nos, até então, trezes meses de pandemia da Covid-19. Através das fotografias de pichações, lambe-lambes e cartazes, o ensaio procura identificar as narrativas urbanas na pandemia, reforçando seu potencial contrahegemônico, enredadas por minhas percepções em meio ao isolamento.

Palavras-chave: pichação, arte de rua, pandemia, política, Bolsonaro.

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Pandemic speeches from the streets of Porto Alegre

Abstract: This essay brings together photographic images captured during paths taken by me in Porto Alegre in the, by then, thirteen months of the Covid-19 pandemic. Through photographs of pichações, lambe-lambes and posters, the essay tries to identify urban narratives in the pandemic, reinforcing its counter-hegemonic potential, entangled by my perceptions amidst the isolation.

Keywords: pichação, street art, pandemic, politic, Bolsonaro.

1 - Mestranda em Antropologia Social — PPGAS/UFRGS fabioladecarvalholeite@gmail.com http://lattes.cnpq.br/2046316993022964 https://orcid.org/0000-0003-2675-0873

As idas à farmácia, ao supermercado e às consultas médicas (acompanhando meus pais) e veterinárias (dos meus dez animais de estimação) representavam (e ainda representam) um respiro ao ver qualquer cenário diferente das paredes do meu quarto e dos móveis de minha casa. Por isso, as fotografias compiladas neste ensaio, sob a temporalidade do isolamento social, partem de uma perspectiva autoetnográfica ao serem apreendidas através do meu próprio corpo, que se move e encontra diferentes ambientes, pessoas, objetos e experimenta diversas emoções (GAMA, 2020). No mapa abaixo, ilustro as áreas de Porto Alegre por onde transitei nestes meses.

Tais saídas, protegidas por máscaras PFF2/N95 e regadas a muito álcool gel, foram alternativas à solidão do isolamento social. Ainda que estivesse, pela maioria das vezes, dirigindo o carro da família — com a atenção voltada ao trânsito — sinto que as olhadas às paisagens urbanas destes trajetos ganharam outro significado durante a pandemia. O desespero por estar em qualquer ambiente diferente da minha casa fez com que eu observasse detalhes inéditos em ruas pelas quais já passara centenas de vezes nos últimos anos. Para além de certas intervenções que, certamente, já habitam estes locais há certo tempo, essas paisagens urbanas ganharam novos elementos com caráter extremamente temporal, específico e temático da pandemia, os quais compilo através de fotografias neste ensaio. Ao observar tais intervenções, não tive outro ímpeto senão sacar uma câmera e registrá-las, visto que carrego comigo, sempre que possível, minha câmera Nikon D3100.

Encontrei, em março de 2020, na calçada em frente ao edifício em que moro, escrita, em giz branco, a expressão “fique em casa”. Em meio a um momento em que assistíamos (e ainda assistimos) diariamente alguns dos representantes políticos do país deslegitimando o distanciamento social, o isolamento e os cuidados sanitários, presenciar tal mensagem em minha calçada, localizada em uma área nobre de Porto Alegre (Bairro Petrópolis), me surpreendeu. Um ano depois, em março de 2021, fui surpreendida novamente com outra escrita em giz, há poucos metros de onde estava localizada a primeira. Dessa vez, o giz gritava “Bolsonaro genocida”.

A mudança do discurso em minha calçada, passado um ano de pandemia e, na época, mais de 307 mil mortes por Covid-19 no Brasil, reflete o crescimento da insatisfação de parte da população (54%, segundo pesquisa Datafolha de 2021) com a postura do presidente da república perante a pandemia.

As palavras em giz em frente à minha porta foram apenas os primeiros discursos pandêmicos com os quais tive contato. Durante estes “andares” e “dirigires”, principalmente nos últimos quatro meses, vi, com frequência, expressões artísticas (pichações, cartazes, outdoors, lambe-lambes) com explícito teor político. Percebi, assim como Rink et al (2018, p. 342), que “o meio urbano está repleto de pinturas e inscrições de caráter crítico, […] que revelam preocupações e questionamentos relativos ao meio social”. Os autores ainda comentam o caráter contra-hegemônico da arte de rua, como um tipo de “arte revolucionária, pois suas intervenções constituem uma forma de desobediência ao pensamento social dominante” (RINK et al, 2018, p. 335).

Assim como Pereira (2012), diferencio as pichações (com CH) que fotografei e estão reunidas neste ensaio, das pixações, que ainda representam a maioria das intervenções nas ruas de Porto Alegre. A pichação, grafada conforme a norma culta, representa, segundo o autor, qualquer mensagem escrita legivelmente nos muros e edificações da cidade, enquanto a pixação, ou “pixo”, se refere às assinaturas, desenhadas com letras estilizadas, contorcidas e de difícil leitura para quem é alheio a essa cultura. Diferentemente da pixação que conheci durante a adolescência (ainda que de longe, sem coragem para o ato, assistindo colegas pixarem) que apenas abarcava assinaturas estampadas em muros, há alguns anos, percebo uma maior quantidade de pichações com cunho político e ideológico nos muros, paredes e postes de Porto Alegre.

Além da pichação, os lambe-lambes estampando mensagens de crítica ao atual presidente da república e às suas políticas de enfrentamento à pandemia, e frisando a importância da luta pela ampla vacinação da população,

criaram paredes coloridas de denúncia em meio às paisagens cinzas da exaustão, do pavor e da ansiedade que se tornaram meus companheiros inseparáveis nessa pandemia. Ao mesmo tempo, essas intervenções dividem a rua com narrativas de fome e desemprego, contadas através de pedaços de papelão e faixas de lona em boa parte das sinaleiras das grandes avenidas por onde transitei. É, para dizer o mínimo, irônica, a existência de tantas intervenções nas ruas em um momento de quarentena e isolamento social. E acredito que esta seja exatamente a provocação de tais formas de expressão.

Referências

DATAFOLHA. Maioria (54%) agora reprova trabalho de Bolsonaro na pandemia. 17 mar. 2021. Disponível em: https://datafolha.folha.uol.com.br/ opiniaopublica/2021/03/ 1989226-maioria-54-agora-reprova-trabalho-de-bolsonaro-na-pandemia.shtml. Acesso em: 15/04/2021.

GAMA, Fabiene. A autoetnografia como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla. Anuário Antropológico v. 45, n. 2, pp. 188–208 (maio-agosto/2020).

PEREIRA, Alexandre Barbosa. Quem não é visto, não é lembrado: sociabilidade, escrita, visibilidade e memória na São Paulo da pixação. Cadernos de Arte e Antropologia, n° 2/2012, pag. 55–69.

PREFEITURA DE PORTO ALEGRE. Mapa de bairros. Disponível em: http://www2.porto alegre.rs.gov.br/spm/default.php? p_secao=132. Acesso em: 20/04/2021

Etnografia do abandono e do esquecimento

Resumo: Este ensaio é composto por fotografias realizadas entre os anos 2020 e 2021 na cidade do Natal/RN — Brasil. Buscou realizar uma reflexão antropológica e fotográfica no quadro do confinamento/desconfinamento durante a pandemia da covid-19. Sair de casa implicou caminhar e pedalar para fotografar e reconhecer essa cidade que surgia abandonada e esquecida em um conjunto de unidades dispersas. Resumidas fotograficamente, após esse exercício de imersão em diferentes níveis da paisagem, essas unidades pareciam durar diferencialmente no tempo.

Palavras-chave: etnografia de rua, covid-19, abandono, esquecimento, imagens da cidade.

Ethnography of abandonment and forgetfulness

Abstract: This essay consists of photographs taken between the years 2020 and 2021 in the city of Natal/RN — Brazil. Carry out an anthropological and photographic reflection in the context of confinement/de-confinement during a covid-19 pandemic. Leaving home implied walking and cycling to photograph and recognize this city as arise abandoned and forgotten in a set of scattered units. Summarized photographically, after this exercise of immersion in different levels of the landscape, these units seemed to have different durations in time.

Keywords: street ethnography, covid-19, abandonment, oblivion, images of the city.

1 - Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI/IFRN-CN) e do Núcleo de Antropologia Visual (NAVIS/UFRN). duarte.junior@ifrn.edu.br http://lattes.cnpq.br/6542228199752323 https://orcid.org/0000-0001-5671-5687

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