Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB

Distanciamento e reaproximação de rios urbanos Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

Francisco Emiliano Sampaio Ivete Mello Calil Farah • Orientadora

Rio de Janeiro - 2015



Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-graduação em Urbanismo

Francisco Emiliano Sampaio

Distanciamento e reaproximação de rios urbanos Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

Dissertação de mestrado em urbanismo Pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-UFRJ)

Rio de Janeiro - 2015


Francisco Emiliano Sampaio

Distanciamento e reaproximação de rios urbanos Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Urbanismo/PROURB, Universidade Federal do Rio do Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção de título de mestre em urbanismo.

Orientadora: Ivete Mello Calil Farah

Rio de Janeiro - 2015




S192

Sampaio, Francisco Emiliano. Distanciamento e reaproximação de rios urbanos: planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe / Francisco Emiliano Sampaio. Rio de Janeiro: UFRJ / FAU, 2015. XXII, 245 f.: il.; 30 cm. Orientador: Ivete Mello Calil Farah. Dissertação (mestrado) – UFRJ / PROURB / Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2015. Referências bibliográficas: f. 238-245. 1. Planejamento urbano – Aspectos ambientais. 2. Paisagem urbana. 3. Rios urbanos – Salvador (BA). 4. Rio Camarajipe - Salvador (BA). 5. Recursos hídricos - Aspectos ambientais. 6. Cursos de água - Restauração. I. Farah, Ivete Mello Calil. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título CDD 711.42



O rio que fazia uma volta atrรกs de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrรกs de casa. Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trรกs da sua casa se chama enseada. Nรฃo era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrรกs da casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem. Manoel de Barros


Agradecimento Inicialmente agradeço ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo – PROURB- da UFRJ pela oportunidade que me foi concedida e pela importância de estar presente nesse ambiente de intercâmbio de ideias e construção do pensamento sobre a cidade. Agradeço ao CNPQ pela bolsa concedida durante parte do curso. Um agradecimento especial à orientadora, professora Ivete Farah, pela enorme paciência, pelas sugestões e sutileza na condução pelos meandros da pesquisa. A todos os professores do PROURB com quem tive oportunidade de assistir aulas e que, de alguma forma, trouxeram novas ideias e questionamentos essenciais para o desenvolvimento desse estudo, entre esses destaco Ana Lucia e Barki pelos direcionamentos que forneceram a essa pesquisa, tanto na qualificação como nas disciplinas que ministraram. Agradeço aos funcionários do PROURB, aqueles que também são responsáveis pela excelência do programa, em especial a Keila por facilitar a vida dos discentes. Aos órgãos governamentais que facilitaram o acesso aos documentos essenciais para essa pesquisa entre eles: a CONDER, em especial ao setor INFORMS, nas pessoas de Fernando Cabussú e Anderson Oliveira, que disponibilizaram as imagens aéreas históricas da bacia, (sem esquecer de Itamar Kalil que fez a “ponte” com o referido órgão); também as funcionárias da biblioteca da Fundação Mario Leal Ferreira, pelo empenho e atenção; como também a equipe da CODESAL, por conceder dados importantes sobre áreas de risco; à Fundação Gregório de Mattos por ceder para uso as fotografias históricas, verdadeiras ‘relíquias’ que contam um pouco da evolução de Salvador ao longo do tempo. À turma do mestrado, pelas intensas e divertidas discussões. As amizades feitas que irão perdurar pela vida inteira. Sem vocês esse percurso seria menos colorido, intenso e interessante. Registro aqui uma gratidão especial àqueles que me acolheram quando cheguei ao Rio de Janeiro: a minha tia Mônica pelo sentimento de estar perto da família e me sentir em casa. Ao Marcos (piá) e seus pais, Rogério e Ana Lúcia, pela amizade e suporte no delicado início da adaptação a essa nova realidade. Ao escritório Paulo Baruki Arquitetura, pela oportunidade profissional e a todos aqueles desse escritório que deixaram esse período inicial mais leve e tranquilo.


Ao Horacio González (em memória), pela disponibilidade a qualquer momento para conselhos, sugestões e uma boa conversa sobre arquitetura, pela oportunidade ímpar que foi trabalhar na Tensotech, em Salvador, e, prontamente, me indicar vários escritórios de arquitetura onde poderia trabalhar quando chegasse nessa cidade. Aos amigos soteropolitanos, pela camaradagem, em especial a Paulo, pela disposição, coragem e parceria nas visitas à área de estudo. Aos novos amigos cariocas, pela ajuda na adaptação e por entenderem a maioria das recusas aos convites dos fins de semana. Realmente eu estava estudando, - a prova está aqui. A toda minha família, tios e tias, primos e primas por fazerem parte da minha vida. A minha avó Maria, pelo carinho e ser responsável pelas minhas poucas, mas valiosas conquistas. Ao meu pai Vicente, por me ensinar a importância de estar em contato com a natureza, fornecendo desde a minha primeira infância acesso ao mar, rios e montanhas. Como também, pela coragem de conhecer a cidade sem qualquer tipo de preconceito, incentivando sempre o novo, deixando de lado os percursos feitos na rotina do dia-a-dia e se aventurar pelos caminhos desconhecidos. A Flavia, com sua personalidade carinhosa e seu apoio irrestrito, conduzindo as nossas vidas por esses anos da pesquisa de maneira surpreendente, sempre me ensinando a ser uma pessoa melhor, me presenteando todos os dias com seu sorriso, tornando-os mais alegres. Um enorme agradecimento às minhas irmãs, por servirem sempre de farol que ilumina os caminhos da obtenção do saber e por revelar, com o seus exemplos, a importância de sermos generosos ao dividir o conhecimento adquirido com todos através das instâncias acadêmicas. E, também, ao meu sobrinho/irmão Luca, por me dar o prazer de acompanhar o seu desenvolvimento. Um especial agradecimento à minha mãe, Maria, por todo esforço desprendido em todas as etapas da minha vida, sempre com uma disponibilidade inclassificável para resolver qualquer tipo de problema. Pela parceria na elaboração desse estudo, se aprofundando no tema para estabelecer saudáveis diálogos sobre os assuntos tratados nessa pesquisa. Agradeço-lhe também por apresentar a cidade real, fora dos “muros” que fornecem a ilusão de que tudo vai bem, instigando desde sempre a pensar a cidade, principalmente os problemas sociais e ambientais que tanto afligem as cidades brasileiras.


Resumo A presente dissertação trata da relação entre a cidade e seus rios e a possibilidade de reestruturação de uma paisagem fluvial, através da restauração de valores ambientais com o propósito de reaproximar a cidade de suas águas. Através da reflexão crítica acerca do método ecológico proposto por Ian McHarg aplicado em uma bacia hidrográfica urbana, com base na restauração do seu principal rio, busca-se compreender os cursos d’água como processos interativos do ecossistema com a cidade. Nesse sentido, o estudo encaminha-se para a aplicação do método na bacia hidrográfica, tendo por base um recorte com vistas à restauração de um rio urbano. Com o propósito de analisar a relação dos rios com a ocupação urbana buscou-se entender as práticas que retificaram, canalizaram e ocultaram os rios urbanos e, nesse sentido, identificar as possibilidades de aproximar de forma saudável os rios com a cidade. O contexto onde se desenvolve a pesquisa é a cidade de Salvador, tendo como recorte a bacia hidrográfica do rio Camarajipe e o rio de mesmo nome. Esse curso d’água representa um marco na expansão recente da cidade, convergência dos atuais eixos viários da cidade, tais como: estação de transbordo, metrô, rodoviária e estrada que liga ao sul e norte do país. O rio também foi um dos principais mananciais de abastecimento de água da cidade, no final do século XIX até meados do século XX. Nesse período, até os dias atuais, a bacia, assim como o rio Camarajipe, vem sofrendo com a deterioração dos processos naturais em detrimento da expansão e desenvolvimento da estrutura urbana. Em síntese, com base na pesquisa e análise realizadas foi possível propor alternativas para o planejamento da bacia hidrográfica com enfoque conceitual na restauração dos processos naturais inerentes ao ambiente fluvial com o objetivo de valorizar e reestruturar a paisagem urbana. Palavras-chave: Rios urbanos. Rio Camarajipe/Salvador. Método ecológico. Ian McHarg. Paisagem urbana. Restauração de rios urbanos.


Abstract The present dissertation assess the relationship between the city and its rivers and the possibility of restructuring river landscapes through the restoration of environmental values in order to bring the city closer to its waters. Through a critical reflection about the ecological method proposed by Ian McHarg, applied to an urban watershed and based on the restoration of its main river, we aim to understand the water courses as ecosystem processes that are interactive with the city. Thus, the study implements the method in the catchment area based on a clipping with the goal to restore one urban river. With the purpose of analyzing the relationship between rivers and urban occupation we sought to understand the practices that rectified, channeled, and concealed urban rivers, and, accordingly, identify the possibilities to approach rivers and city in a healthy way. The research context is located in the city of Salvador encompassing the hydrographic Camarajipe River basin and the river of the same name. This body of water represents a milestone in the city’s recent expansion with the convergence of existing road axes in the city such as: transshipment station, subway, bus station, and the highway that links the South and North of the country. The River was also one of the main water sources for water supply in the city between the end of the 19th century and the mid-twentieth century. During this period and up to the current time, the basin and Camarajipe River have been suffering from the deterioration of natural processes over the expansion and development of the urban structure. In summary, based on the research and analysis performed, it was possible to propose alternatives for planning the hydrographic basin with the conceptual focus on the restoration of natural processes that are inherent to the river environment with the goal of valuing and restructuring the urban landscape. Keywords: Urban rivers. Camarajipe River/Salvador. Ecological method. Ian McHarg. Urban landscape. Restoration of urban rivers


Lista de Siglas AI - Formato nativo de arquivos de dados do software Adobe Illustrator APAS - Áreas de proteção ambiental BR-324 - Rodovia Federal Brasileira 324 CAB - Centro Administrativo da Bahia CBS - Columbia Broadcasting System CIAGS -

Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social

CMC - Centro Municipal Camarajipe CODESAL - Comissão de Defesa Civil do Salvador CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia CRA - Centro de Recursos Ambientais DDT

- Diclorodifeniltricloroetano, tipo de pesticida

DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento DWG - Formato nativo de arquivos de dados do software AutoCAD EPUCS - Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador Fgm

- Fundação gregório de mattos

FMLF - Fundação Mário Leal Ferreira GIS - Geographic Information System IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INFORMS - Sistema de Informações Geográficas Urbanas do Estado da Bahia IQA - Índice de Qualidade das Águas JPEG - Joint Photographic Experts Group,

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MIT- Massachusetts Institute of Technology PDDU -

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador

PDE - Plano Diretor de Encostas PDF - Portable Document Format, formato de arquivo, desenvolvido pela Adobe Systems PGSESCS - Planejamento Geral do Sistema de Esgoto Sanitário da Cidade de Salvador PLANDURB - Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador PSD - Formato nativo de arquivos de dados do software Adobe PhotoShop SAD - Survey / Analysis / Design SICAR/RMS

- Sistema Cartográfico da Região Metropolitana de Salvador

SSA - Salvador SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste TIFF - Tagged Image File Format,

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TRANSCON - Transferência do Direito de Construir UFBA - Universidade Federal da Bahia USA - United States of America WWRT - Wallace McHarg Roberts & Todd


Lista de Figuras Pág. Descrição

26

Fig. 01 CONsTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA BAÍa de Todos Os Santos, “ABRINDO ESPAÇO PARA MODERNIZAÇÃO”. (FOTO: Manu Dias, SECOM-GOV. BAHIA, https://www.flickr.com/ photos/agecombahia/7061060935/in/set-72157629777101749)

27

Fig. 02 ENCONTRO DO RIO PINHEIROS COM O TIETÊ, NA ZONA OESTE DA CAPITAL. (FOTO: AYRTON VIGNOLA/Agência Estado, 20/09/2010. http://blogs.estadao.com.br/ olhar-sobre-o-mundo/rio-tiete)

28

Fig. 03

29

Fig. 04 arquiteto ian mCharg.

29

Fig. 05 capa da primeira edição do livro design with nature

38

Fig. 06 componentes físicos de um córrego (fonte: Riley, 1998, p.29, ilustração do

Baía DE TODOS OS SANTOS, situação PENINSULAR do sítio da cidade, porto protegido na “entrada” da baía (ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL BRASIL EM http:// www.wdl.org/pt/item/786/)

autor)

38

Fig. 07 Dinâmica da várzea. Extravasamento dos rios nas planícies de inundação com frequências previsíveis, as estruturas urbanas construídas dentro área do leito maior são suscetíveis a riscos de destruição. (Spirn, 1984, p. 132, tradução livre do autor)

52

Fig. 08 Exemplo de obra realizada pelo império romano para abastecimento e expansão (benevolo 2011, p. 190)

58

Fig. 11 fonte de queimados existente antes da instalação da Companhia, resiste até os dias atuais. (fonte: Falcão em sampaio, c., 50 anos de urbanização)

58

Fig. 12 vista geral da cia. de queimados (fonte: guilherme gaensly em sampaio, c., 50 anos de urbanização)

58

Fig. 09 IMEDIAÇÕES DA CIA. DE QUEIMADOS, 1959 (FONTE: CONDER/INFORMES)

58

Fig. 10 EVOLUÇÃO URBANA NO ENTORNO DA CIA. QUEIMADOS, ATUALMENTE museu arqueológico e parque histórico, ambos administrados pela EMBASA (FONTE: 2014, GOOGLE EARTH)

61

Fig. 13 entorno da represa de MATA ESCURA 1959 (fonte: conder/sicar)

61

Fig. 14 evolução urbana do entorno da represa de MATA ESCURA 1976 (fonte: conder/sicar)

61

Fig. 15 evolução urbana do entorno da represa de MATA ESCURA 2014 (fonte: google earth)

68

Fig. 16 dique do tororó desprovido de grande intervenções urbanas, mais próximo ao seu estado original. (foto: Adolpho Moreira de Oliveira, Dique do Tororó - 1928. fonte: http://maisdesalvador.blogspot.com.br/2011/08/dique-dotororo.html)

71

Fig. 17 Confluência entre o rios das Tripas e o Camarajipe, local destinado a receber uma estação de tratamento de águas servidas no plano elaborado pelo Eng. Theodoro Sampaio, imagem de 1959 (fonte: conder/sicar)

71

Fig. 18 evolução urbana da Confluência entre o rios das Tripas e o Camarajipe, local destinado a receber uma estação de tratamento de águas servidas no plano elaborado pelo Eng. Theodoro Sampaio, imagem de 1976 (fonte: conder/sicar)


72

Fig. 19 evolução urbana da Confluência entre o rios das Tripas e o Camarajipe, local destinado a receber uma estação de tratamento de águas servidas no plano elaborado pelo Eng. Theodoro Sampaio, imagem de 1992 (fonte: conder/sicar)

72

Fig. 20 evolução urbana da Confluência entre o rios das Tripas e o Camarajipe, local destinado a receber uma estação de tratamento de águas servidas no plano elaborado pelo Eng. Theodoro Sampaio, imagem de 2014 (fonte: google earth)

77

Fig. 21 exemplo de OCUPAÇÃO do solo em salvador NA BACIA DO CAMARAJIPE, os menos favorecidos ocupando as encostas (autor, 2014)

80

Fig. 22 Plano elaborado pelo engenheiro saturnino de Brito para melhoramentos do Tietê, 1925 (fonte: http://usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_ deak/CD/5bd/1rmsp/plans/h1saturn/index.html)

83

Fig. 23 Avenida Antonio Carlos Magalhães, região da terminal rodoviário e centro comercial Iguatemi(shopping Iguatemi). Implantação das avenidas de vales em Salvador, propostas pelo EPUCS. Primeiro plano(tracejado) o local de desvio do do rio Camarajipe, possívelmente década de 1960 ( fonte: acervo fgm/pms, sem data)

83

Fig. 24 evolução urbana da região da Avenida Antonio Carlos Magalhães, supressão das várzeas majoritariamente ocorrida pela implantação do sistema viário de alta capacidade ( fonte: google earth, 2012)

85

Fig. 25 exemplo de ocupação informal no fundo dos vales, bairro de Bom juá. ( fonte: acervo fgm/pms, 1981)

86

Fig. 26

90

Fig. 27 documento elaborado pela odebrecht para a prefeitura de salvador contendo estudo de urbanização de trecho no entorno do camarajipe, região do CMC (fonte: FMLF, 1978)

93

Fig. 28 área do desvio do rio Camarajipe em 1959, região do atual CMC centro municipal Camarajipe. A imagem demonstra que, apesar do alto grau de conservação dos processos naturais e a não ocupação pela estrutura urbana, algumas intervenções urbanísticas já estão em curso interferindo nos processos naturais, em especial os aspectos hídricos. O rio nesse momento já encontrava-se retificado e redirecionado (fonte: INFORMES/CONDER, 1959)

93

Fig. 29 Evolução urbana: área do desvio do rio Camarajipe em 1976, região do atual CMC - centro municipal Camarajipe. Intensa intervenção em curso, para adequar a área com o objetivo de formar novo centro de atividades de comercio, serviço e empresarial. Terminal rodoviário e centro comercial iguatemi (shopping iguatemi) instalados. (fonte: INFORMES/CONDER, 1976)

94

Fig. 30 Evolução urbana: área do desvio do rio Camarajipe em 1992, região do Centro comercial Iguatemi(shopping iguatemi). área com alto grau de consolidação da estrutura urbana, canal com suas calhas revertidas de argamassa armada. (fonte: INFORMES/CONDER, 1992)

94

Fig. 31 Evolução urbana:

exemplo de supressão de várzea em salvador, retificação do rio camarajipe na avenida Antônio carlos magalhães (fonte: acervo fgm/pms)

área do desvio do rio Camarajipe em 2014, região do Centro comercial Iguatemi(shopping iguatemi).consolidação da ocupação e intervenções viarias. (fonte: google earth, 2014)

96

Fig. 32 recortes do periódico correio da manhã de 13 de outubro de 1948 comunicando a liberação dos serviços para dragagem do rio camarajipe (fonte: acervo da fundação biblioteca nacional em biblioteca nacional digital brasil, hemeroteca digital brasileira http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib =089842_05&PagFis=43822)

100

Fig. 33 LINHA DO TEMPO DELIMITANDO OS MOMENTOS QUE FORMARAM O PANORAMA ATUAL DA BACIA HIDROGRÁFICA E O RIO CAMARAJIPE


101

Fig. 34 tipologia de ocupação no leito do Camarajipe, bairro do retiro (fonte: acervo do autor, 2013)

105

Fig. 35 Retificação do rio Campinas, um dos principais afluentes do rio Camarajipe. Obras de construção da Av. Mario Leal Ferreira e melhorias sanitárias para sanar problemas como enchentes (fonte: acervo pms/fgm)

106

Fig. 36 Encapsulamento do rio Campinas para corredor expresso de ônibus em 1988 (Fonte: Fotógrafo Lázaro Torres, acervo PMS/FGM)

106

Fig. 37 Estado atual do rio Campinas, encapsulado e sobre a cobertura que cobre o leito área destinada a lazer. Estruturas de suporte da linha do metrô acompanha todo o seu curso.(Fonte: Portal da copa. Site do Governo Brasileiro para Copa do Mundo FIFA de 2014.)

108

Fig. 38 Típica solução de engenharia para conter inundações, como também propiciar “equilíbrio” para a ocupação urbana subsequente. Intervenção no rio Camararajipe para retificação e construção de pontes. (fonte: acervo DN/FGM, av. Antônio Carlos Magalhães - ponte do DETRAN. 24/04/1975)

114

Fig. 39 alto índice de urbanização na bacia hidrográfica e nas margens do rio camarajipe(Fonte: Esta fotografia foi produzida pelo Portal da copa. Site do Governo Brasileiro para Copa do Mundo FIFA de 2014)

129

Fig. 40 exemplo de situação de fragilidade, resposta das tensões provocadas pela expansão urbana (fonte: acervo do autor, 2014)

131

Fig. 41 exemplo da sobreposição de camadas resultando no mapa síntese, as camadas demonstradas nesse diagrama são referentes à aplicação do método no presente estudo (elaborado pelo autor)

133

Fig. 42 CONJUNTO DE CAMADAS REPRESENTANDO VALORES DAS CATEGORIAS DE FATORES NATURAIS E SOCIAIS. (FONTE: MCHARG, 2000, p.111)

140

Fig. 43 perspectiva da seção do grande vale no estudo para a bacia do rio potomac (FONTE: MCHARG, 2000, p.148)

140

Fig. 44 seção de uma região de vale na europa, para exposição Cities and TownPlanning 1911. (fonte: geddes, 1994, p.198-199

143

Fig. 45 exemplificação do método de planejamento (s.a.d) survey-analysisdesign [levantamento/análise/concepção] (fonte: turner, 1996, p.146)

145

Fig. 46 conjunto de mapas daaplicação do método ecológico para o desenvolvimento do plano para paisagem urbana de são luís, ma (fonte: kliass, 2006, p.48-49)

151

Fig. 47

152

Fig. 48 O ATUAL(2014) ESTADO degradação ambiental DO RIO CAMaRAJIPE, PERDA DE QUALIDADE DA ÁGUA E COMPROMETIMENTO DA ESTRUTURA FÍSICA (fonte: acervo do autor, 2014)

156

Fig. 49 A OBRA DA VIA EXPRESSA INTERFERIU DIRETAMENTE NA TOPOGRAFIA DE UMA

Lantana camara, segundo Santos et al. é a planta que dá origem ao nome do rio camarajipe (fonte: http://goo.gl/17d4xY)

EXTENSA REGIÃO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CAMARAJIPE, CONSEQUENTEMENTE, TAMBÉM INTERFERIU NA DINÂMICA DE ESCOAMENTO DAS ÁGUA PLUVIAIS. ASSIM COMO, A INTERVENÇÃO NA ESTRUTURA NO LEITO DO RIO DAS TRIPAS, PRINCIPAL AFLUENTE DO CAMARAJIPE. A CONSTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA, COMO TODA GRANDE INTERVENÇÃO VIÁRIA, INTERFERE NA ESTRUTURA HÍDRICA ADJACENTE, RESULTANDO NO ACRÉSCIMO DO FLUXO EM DIAS DE CHUVA EM RESPOSTA A MAIOR ÁREA DE IMPERMEABILIZAÇÃO. ASSIM COMO MODIFICAÇÕES NO DESEMPENHO DO ESCOAMENTO DEVIDO AO AMPLO CONJUNTO DAS 10 FAIXAS DA VIA ESTÁ IMPLANTADO, EM PARTE, NOS FUNDOS DE VALES. MOSAICO DE IMAGENS DA VIA EXPRESSA BAÍA DE TODOS OS SANTOS. PEÇAS PUBLICITÁRIAS DE DIVULGAÇÃO DA OBRA (FIG. 01 E 02), IMAGENS DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO (FIG. 03, 05 E 06) E FIGURA 04 ACERVO PESSOAL DO AUTOR.


160

Fig. 50 RIO DOS SEIXOS NA AV. CENTENÁRIO

161

Fig. 51 construção de novos (2013/2014) empreendimentos implantados em espaços livres na bacia do rio Camrajipe (fonte: acervo do autor, 2014)

162

Fig. 52 Construção de novos (2013/2014) empreendimentos

IMAGENS (01 E 02) ANTES DE SER TAMPONADO E (03, 04 E 05) IMPLANTAÇÃO DE PARQUE LINEAR SOBRE A LAJE QUE O RECOBRE. (FONTE: IMAGEM 01: HTTP://S45.PHOTOBUCKET.COM/USER/GABVIANA2/ MEDIA/DSC04293.JPG.HTML. IMAGEM 02: HTTP://AVENIDACENTENARIO.BLOGSPOT. COM.BR/2010_06_01_ARCHIVE.HTML. IMAGEM 03, 01 E 05: HTTP://WWW.BRAZAO.ARQ. BR/174318/1800600/PROJETOS/PROJETO-AV-CENTENARIO )

implantados em espaços livres na bacia do rio Camarajipe (fonte: álbum de fotos do governo da Bahia, http://goo.gl/QOuxGi, 2011)

172

Fig. 53 trecho do rio camarajipe com alta valoração referente a estrutura física (fonte: acervo pessoal do autor, 2014)

183

Fig. 54 área com valor elevado de

184

Fig. 55 conjunto de vegetação preservada Considerável, área do 19º BC, av.

cobertura vegetal (seminatural e natural) nas imediações da antiga represa de mata escura e prata (fonte: google earth, 2014)

luís eduardo magalhães adjacente a um afluente do rio camarajipe (fonte: Portal da copa. Site do Governo Brasileiro para Copa do Mundo FIFA de 2014.)

185

Fig. 56 conjunto de vegetação preservada na cabeceira do rio camarajipe. possível observar intervenção viária, expressando o caráter de fragilidade (google earth, 2014)

190

Fig. 57 padrão de uso ocupação no bairro do retiro, predominantemente, galpões e armazéns [em vermelho]. (fonte: intervenção do autor sobre google earth, 2014)

191

Fig. 58 padrão de uso ocupação no bairro do retiro, cota de elevação dos lotes próxima à linha d’água (foto do autor, 2013)

198

Fig. 59 exemplo de ocupação “espontânea”, formação de aglomeração habitacional subnormal, TRACEJADO VERDE. (fonte: google earth, 2005, 2007, 2008, 2012 e 2014)

203

Fig. 60 Mapeamento dos pontos de inundações. Registros da codesal entre os anos de 2005 a 2013. (Fonte: mapeamento pelo autor das ocorrências disponibilizada pela codesal google earth, 2014)

217

Fig. 61 Mosaico exemplificando fragilidade das zonas de suporte devido ocupação informal e evolução da infraestrutura viária, área adjacente ao rio camarajipe(azul/branco), perímetro tracejado em vermelho são perdas de cobertura vegetal (fontes: 1959, Informes/conder. 2008, 2005 e 2014 intervenção do autor sobre imagens do google earth)

217

Fig. 62 Ocupação “legal e formal” desconfigurando áreas com cobertura vegetal relevante e zonas úmidas (pequeno brejo). comprometimento de uma das nascente do camarajipe, interferência na dinâmica hidrica. (fonte: acervo do autor, 2014

218

Fig. 63 Aglomerados subnormais adjacentes as zonas de suporte, regiões vulneráveis ambientalmente, porém com potencial para conjunção entre recreação e preservação.(foto do autor, 2013)

222

Fig. 64 panorama da ocupação urbana, primeiro plano galpões no bairro do retiro, segundo plano região do bairro do pau miúdo (acervo do autor, 2014)

223

Fig. 65 Número de registros de desastres. (Fonte: Como Construir Cidades Mais Resilientes. Um Guia para Gestores Públicos Locais,


The United Nations Office for a Disaster Risk Reduction EMDAT-CRED, Bruxelas. Novembre de 2012.)

225

Fig. 66 Mosaico de fotos sobre a situação de vulnerabilidade de equipamento urbano de grande fluxo: Proximidade entre o leito do rio Camarajipe e a estação intermodal acesso norte de metrô e ônibus (fontes: 01 acervo do autor, 02 a 04 álbum de fotos do governo da Bahia, http://goo.gl/QOuxGi, 2011)

226

Fig. 67 Trecho de restauro (t04), potencial para atividades recreativas e de lazer conjuntamente a ações de restauro. (acervo do autor, 2014)

231

Fig. 68

DIAGRAMA DE CONEXÃO ENTRE VALORIZAÇÃO E RESTAURO


Lista de Mapas Pág. Descrição

34

MAPA 01. ESQUEMA DE LOCALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE, sem escala (FONTE: O CAMINHO DAS ÁGUAS em salvador, 2010, Elaborado pelo autor)

36

MAPA 02. localização do rio camarajipe e da malha hidrográfica, escala GRÁFICA (fonte: sicar/rms 1992, google earth. elaborado pelo autor)

42

MAPA 03. divisão da bacia hidrográfica do rio camarajipe em dois setores: “a” e “b” (escala gráfica)

43

MAPA 04. ACIMA ESQUEMA SIMPLIFICADO DA BACIA HIDROGRÁFICA E SEUS PRINCIPAIS ELEMENTOS. AO LADO REDUÇÃO PADRÃO PARA SER APLICADa JUNTO COM A ICONOGRAFIA.

55

MAPA 05. MAPA ELABORADO POR john SNOW. Cadastramento da localização dos casos de cólera e a associação desses casos com um determinado ponto de abastecimento de água (benevolo 2011, p. 563)

69

MAPA 06. Planta identificando A REDE DE ESGOTO EXISTENTE na década de 1960, no total de 30 quilômetros dos quais 27 foram construídos pelo Eng. Theodoro Sampaio, que teria projetado mais de uma centena de quilômetros. (fonte: sudene, 1968)

74

MAPA 07. Sítio de Salvador atenção para o relevo complexo presente na cidade, morros e colinas separados por estreitos vales. Intervenção em cores feita pelo autor dessa dissertação para demonstrar o traçado original (em vermelho) do rio Camarajipe e seus principais afluentes e reservatórios de contribuição (em azul). (fonte: SANTOS, M. 1959 P.59)

88

MAPA 08. localização na cidade do CMc (centro municipal Camarajipe ) sistema viário existente, local do desvio no Camarajipe e O NOVO CANAL E O ANTIGO LEITO (fonte: pddu 2012. elaborado pelo autor)

92

MAPA 09. Cartografia de 1952, o trajeto do rio Camarajipe é representado anterior ao redirecionamento, porém nesse ano o rio provavelmente já tinha sofrido o desvio.(fonte: http://www.cidade-salvador.com/seculo20/mapa-1952.htm, circulo amarelo intervenção do autor identificando o local do desvio)

92

MAPA 10. representação da composição das bacias hidrográficas antes do redirecionamento do rio camarajipe (elaborado pelo autor)

92

MAPA 11. representação da composição das bacias hidrográficas após ao redirecionamento do rio camarajipe (elaborado pelo autor)

141

MAPA 12.

164

MAPA 13. DIVISÃO DOS BAIRROS DA BACIA DO CAMARAJIPE - SETOR A

165

MAPA 14. DIVISÃO DOS BAIRROS DA BACIA DO CAMARAJIPE - SETOR B

166

MAPA 15. RELEVO DA BACIA DO CAMARAJIPE

- SETOR A

167

MAPA 16. RELEVO DA BACIA DO CAMARAJIPE

- SETOR B

170

MAPA 17. VALORAÇÃO ASPECTOS HÍDRICOS - SETOR A

171

MAPA 18. VALORAÇÃO ASPECTOS HÍDRICOS - SETOR B

174

MAPA 19. VALORAÇÃO DA ESTRUTURA DOS RIOS - SETOR A

avaliação dos fluxos e contaminação na bacia hidrográfica do rio potomac, um dos muitos mapas do exaustivo inventário citado por spirn (FONTE: MCHARG, 2000, p.136)


175

MAPA 20. VALORAÇÃO DA ESTRUTURA DOS RIOS - SETOR b

177

MAPA 21. potenciometria e fluxo da água subterrânea no alto cristalino em salvador -BA (fonte: tese de doutorado: DIAGNÓSTICO HIDROGEOLÓGICO, HIDROQUÍMICO E DA QUALIDADE DA ÁGUA DO AQUÍFERO FREÁTICO DO ALTO CRISTALINO DE SALVADOR - BAHIA, SÉRGIO AUGUSTO DE MORAIS NASCIMENTO, 2008, p. 62) (LINHA VERDE, INTERFERÊNCIA SOBRE O MAPA INDICANDO A BACIA DO RIO CAMARAJIPE, ÁREA MAIS CLARA CIRCUNSCRITA)

180

MAPA 22. VALORAÇÃO DA acerca da localização e fluxo da água subterrânea na bacia - SETOR a

181

MAPA 23. VALORAÇÃO DA acerca da localização e fluxo da água subterrânea na bacia - SETOR b

188

MAPA 24. VALORAÇÃO DA flora e fauna - SETOR a

189

MAPA 25. VALORAÇÃO DA flora e fauna - SETOR b

194

MAPA 26. VALORAÇÃO referente ao uso e ocupação do solo SETOR a

195

MAPA 27. VALORAÇÃO referente ao uso e ocupação do solo SETOR b

200

MAPA 28. VALORAÇÃO das oportunidades recreativas e cênicas - SETOR a

201

MAPA 29. VALORAÇÃO das oportunidades recreativas e cênicas - SETOR b

204

MAPA 30. riscos geológicos relacionados a encostas, INTERFERÊNCIA DO AUTOR SOBRE O MAPA INDICANDO A BACIA DO RIO CAMARAJIPE, ÁREA MAIS CLARA CIRCUNSCRITA (fonte: plano diretor de esncostas, SECRETARIA MUNICIPAL DO SANEAMENTO E INFRAESTRUTURA URBANA 2004, p.45)

206

MAPA 31. VALORAÇÃO dos riscos e vulnerabilidades - SETOR a

207

MAPA 32. VALORAÇÃO dos riscos e vulnerabilidades - SETOR a

210

MAPA 33. MAPA SÍNTESE - SETOR a

211

MAPA 34. MAPA SÍNTESE - SETOR B

215

MAPA 35. resumo de avaliação

219

MAPA 36. zonas de suporte

221

MAPA 37.  Ocupação urbana e condição de habitabilidade em salvador(fonte: Gordilho-Souza, Angela, limites do habitar, 2008. Em Relatório do Diagnóstico dos Serviços de Drenagem Pluvial Urbana de Salvador, 2010)

227

MAPA 38. TRECHOS DE RESTAURO



Sumário 23 INTRODUÇÃO 31 Referenciais teóricos 33 O rio Camarajipe 39 Objetivo geral 39 Objetivos específicos 40 Metodologia 45 Estrutura da dissertação CapÍtulo 01 47

RIOS URBANOS:

distanciamento e reaproximação 48

PARTE 1 [TRANSFORMAÇÕES] 48 Relação dos rios com a cidade 50 Da aproximação com rios ao distanciamento na paisagem 54

Breve revisão teórica sobre AS intervençÕES EM rios urbanos e as propostas sanitaristas

75

Avenidas, bulevares, a cidade na velocidade do automóvel

81 Semana de 35, epucs e os planos fusionais 87 O desvio do rio e o surgimento do canal 97 Entre a encosta e o riacho: a aplicação tardia de ideias urbanas superadas 101

PARTE 2 [LIMITE] 101

“Como as cidades habitam os rios?” Conceitos e processos de restauração de um rio urbano

109 Situações e motivações para restauração de um rio urbano 112 A bacia hidrografica urbana na perspectiva da restauração de um rio


Capítulo 02 117

MÉTODO ECOLÓGICO 119

Contexto histórico e conceito teórico

125 A escolha do método 130 A necessidade de uma abordagem ecológica para a análise da bacia hidrogáfica urbana 135 Legado e crítica capÍtulo 03 149

BACIA HIDROGRÁFICA DO

RIO CAMARAJIPE 153

Modernidade: cidade

x

rios

158 O “ DESAPARECIMENTO” dos rios soteropolitanos 159 168

Panorama atual do rio Camarajipe

MÉTODO ECOLÓGICO NA BACIA HIDROGÁFICA DO CAMARAJIPE 168 Valores hídricos 172 Valores acerca da estrutura física dos rios 176 Valores referentes à água subterrânea 182 Valores de flora e fauna 190 Valores uso e ocupação do solo 196 Valores recreativos e cênicos 202 Valores de risco e vulnerabilidades

209 A RESPOSTA DO MÉTODO ECOLÓGICO PARA A BACIA E O CAMARAJIPE 209

Mapa síntese

212

sobre a SÍNTESE

216

Zonas de suporte

220

Trechos de restauro

228

conexão entre Valoração e restauro

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Foz original do rio Camarajipe, bairro do Rio Vermelho (Fonte: acervo FGM/PMS, década de 1940, fotográfo: Voltaire Fraga)


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Esta pesquisa constitui um estudo da relação entre a cidade e seus rios, demonstrando no caso do rio Camarajipe, na cidade de Salvador, Bahia, a possibilidade de reestruturação de uma paisagem fluvial, por meio da restauração de valores ambientais, com o propósito de reaproximar a cidade de suas águas. A história das cidades e dos seres humanos está diretamente ligada aos cursos d’água, por serem um elemento vital como fonte de nutrientes e hidratação. A proximidade com rios permitiu uma mudança de extrema importância no desenvolvimento humano, por intermédio da agricultura irrigada pelas cheias, como no vale do Nilo, do Eufrates, do Indo, do Yang-Tsé, entre outros, permitindo também a expansão territorial pela navegação. No Brasil, em consonância com a tradição urbanística portuguesa, os primeiros núcleos urbanos, desde a época colonial, foram assentados ao longo do mar ou próximos dos rios, onde o traçado das ruas, muitas vezes, acompanha ou é perpendicular ao traçado dos cursos d’água, independentemente do tamanho das vilas e cidades. Mesmo aquelas que são banhadas pelo oceano cresceram nas proximidades dos rios com a finalidade de abastecimento de água potável. O crescimento urbano e o incremento demográfico decorrentes do processo de industrialização, evidenciado no século XIX, resultaram em mudanças na paisagem das principais cidades europeias e, consequentemente, também das cidades brasileiras, transformando-as num ambiente caótico e desordenado, além de apresentar um cenário de epidemias e de revoltas. Nesse sentido, a busca por melhorias de habitação e saneamento passou também pela implantação dos novos meios de transporte, instalação de tubulações para o abastecimento de água, de


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gás, bem como pela solução de problemas advindos do escoamento dos dejetos domésticos e industriais. Alinhar ruas, retificar rios, sanear espaços públicos, regular a ocupação do solo, modernizar a cidade, remediar as questões de higiene e saúde pública são alguns dos paradigmas do final do século XIX e primeira metade do século XX. Esses problemas registrados nas principais cidades europeias também se apresentavam nas cidades brasileiras, intensificados pelos movimentos migratórios. Modelos de intervenção eram trazidos para as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife. No entanto, a forma como o modelo de desenvolvimento foi intensificado no Brasil a partir de 1950 refletiu no processo de urbanização com marcada predominância da matriz rodoviarista01 (figura 01), desassistindo a população de menor renda de condições básicas de urbanidade e de inserção efetiva à cidade, restando a ela sempre a ocupação de áreas mais frágeis, ou quando era de interesse econômico desalojava-se para abrir espaço para a modernização. (ROLNIK, 2008; MARICATO, 2000). Esse quadro, ao longo dos anos, acelerou o processo de degradação ambiental das cidades, apoiada pelo desacerto dos poderes públicos, que, unidos ao aspecto de não conscientização da sociedade urbana brasileira com relação à natureza, foi intensificada nas últimas duas décadas do século XX. (CAVALLAZZI e COSTA, 2001). Dessa forma, entender a atual situação dos cursos d’água em áreas urbanas é também constatar o grau de distanciamento físico, ecológico e social das cidades e seus rios. Contudo, a emergência de

[01] O termo matriz rodoviarista define o modelo de mobilidade urbana baseado no automóvel particular. Tal modelo provê incentivo e isenções por parte dos poderes públicos, além de investimentos em iniciativas de cunho rodoviário, a exemplo das avenidas de fundo de vale, viadutos, vias expressas, entre outras, presentes nas grandes cidades brasileiras.


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Fig. 01 CONsTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA BAÍa de Todos Os Santos, “ABRINDO ESPAÇO PARA MODERNIZAÇÃO”. (FOTO: Manu Dias, SECOM-GOV. BAHIA, https://www.flickr.com/ photos/agecombahia/7061060935/ in/set-72157629777101749)

se compreender tal distanciamento passa pela constatação da degradação ambiental dos rios urbanos e como esse afastamento resultou na ruptura do convívio entre os habitantes e a paisagem fluvial como elemento integrador do ambiente urbano. Como assinala Gorski: Ao verificarem-se as situações de ruptura nas relações entre a cidade e os cursos d’água ou, mais amplamente, entre sociedade e natureza, percebe-se nitidamente que o desligamento físico do rio das funções urbanas acarreta num desligamento afetivo dos sistemas fluviais e fundos de vale, e a eles se atribuem características de entrave e de elemento de depreciação do ambiente urbano (GORSKI, 2010, p. 68)

Vale salientar que essa situação é uma constante na realidade das cidades brasileiras, até mesmo naquelas em que os rios são, essencialmente, a única representatividade hídrica. Um bom exemplo é a cidade de São Paulo, com seus inúmeros rios encapsulados e os


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dois principais, Tietê e Pinheiros (figura 02), retificados e estrangulados pelo sistema viário, que ocupa suas várzeas, assim como o comprometimento severo da qualidade de suas águas.

Fig. 02 ENCONTRO DO RIO PINHEIROS COM O TIETÊ, NA ZONA OESTE DA CAPITAL. (FOTO: AYRTON VIGNOLA/ Agência Estado, 20/09/2010. http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/rio-tiete)

No caso de cidades como Rio de Janeiro e Salvador, essa representatividade hídrica dos rios é diluída pela presença do oceano, no que diz respeito aos aspectos históricos, econômicos, culturais e sociais. A importância do porto na formação e consolidação das cidades litorâneas define, desde sua origem, a importância do mar para a urbis. Salvador possui no cerne da sua formação o oceano, mais precisamente a Baía de Todos os Santos (figura 03), porto seguro para o estabelecimento da primeira centralidade da colônia da coroa portuguesa, definida de forma estratégica para controlar o litoral, como também parada obrigatória aos navios vindos de Portugal para outras localidades, ou em direção às colônias africanas e asiáticas.


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Fig. 03  Baía DE TODOS OS SANTOS, situação PENINSULAR do sítio da cidade, porto protegido na “entrada” da baía (ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL BRASIL EM http://www.wdl.org/pt/item/786/)

O propósito desse estudo é examinar as possibilidades de uma abordagem diferenciada no planejamento urbano para regiões em que o rio é parte da estrutura da paisagem urbana. Busca-se compreender como os modelos de desenvolvimento que não consideram os processos naturais tendem a afetar ecologicamente os rios em sua estrutura física, ambiental e hídrica. Não obstante as dificuldades encontradas, a relevância das questões ambientais na disciplina do planejamento urbano, a partir da metade do século XX, foi impulsionada pelos movimentos conservacionistas e ambientais, sendo que alguns conceitos serviram de farol para o pensamento sobre ecologia, degradação e conservação do meio ambiente. Essas discussões direcionaram trabalhos e pesquisas para o âmbito ecológico em diferentes partes do mundo. Uma dessas referências que refletiram a preocupação com o meio ambiente é, sem dúvida, o livro Silente spring (1962), de Rachel Carson, que alertava sobre o impacto ambiental causado pelo uso indiscriminado de defensivos agrícolas. Outro marco foi a conferência de 1965, The Conservation Foundation - Future Environments of


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North America02, com o objetivo de discutir problemas e soluções futuras para a crise ecológica que se desenhava em todo o continente americano. No campo do planejamento urbano e regional, a publicação Design With Nature, em 1969 (figura 05), do arquiteto e planejador da paisagem o escocês Ian McHarg (figura 04), surgiu como um guia para a abordagem ambiental. A disseminação das ideias do autor influenciou gerações que utilizaram os aspectos práticos e teóricos, considerando a pertinência dos fatores naturais na elaboração de diretrizes projetuais. O livro evidenciava a problemática relação entre sociedade e natureza com vistas ao planejamento da paisagem segundo os atributos ecológicos e socioculturais. As considerações sobre conceitos desenvolvidos por McHarg tornaram-se essenciais para o entendimento da bacia hidrográfica03 e dos rios enquanto agentes estruturadores do desenvolvimento da paisagem, além de fornecer um suporte metodológico para a análise ambiental e entendimento dos processos naturais a partir desse elemento geográfico. Como afirma Hough, aluno e discípulo de McHarg (1998, p.29), “o princípio da melhoria do meio ambiente é também a base para a restauração ecológica: levar os sistemas naturais a um estado de saúde ecológica, de restabelecimento da biodiversidade e da capacidade de adaptação”.

Fig. 04 arquiteto ian mCharg. Fig. 05 capa da primeira edição do livro design with nature

[02] Simpósio Future Environments of North America, organizado pela Conservation Foundation of Washington no ano de 1965, para discutir o cenário ambiental futuro, concatenando os conceitos e ideias sobre esse novo campo, a ecologia. Conferências como essa que, segundo Lewis Mumford (1969) na introdução do livro Design With Nature, influenciaram trabalhos como o Silent Spring seminal livro de Rachel Carson. Ainda segundo Mumford, Ian McHarg, assim como Carson, participaram do referido simpósio. [03] Em seu livro Design With Nature, um dos exemplos mais detalhados de aplicação do método ecológico é justamente numa bacia hidrográfica, a do rio Potomac.


30

O entendimento da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, dos rios como elementos estruturadores da paisagem urbana e a realidade ambiental das cidades brasileiras, com o suporte conceitual e a utilização do método ecológico desenvolvido por Ian McHarg, foram os meandros navegados nessa dissertação. Percorrendo esse caminho alguns questionamentos referentes à reaproximação da cidade com os seus cursos d’água foram sendo formulados e estruturam este estudo, tais como: • Como reestruturar a paisagem urbana através da restauração do rio? • Como proceder metodologicamente na abordagem do planejamento com bacias hidrográficas e seus rios? • Como aplicar o método ecológico na estrutura urbana (bacia hidrográfica do rio Camarajipe)? • O método ecológico utilizado é uma ferramenta válida para restruturar uma paisagem urbana? O presente trabalho foi estruturado para encontrar respostas para esses questionamentos, com o auxílio de um referencial teórico que permitiu salientar discussões e algumas controvérsias sobre a utilização do método ecológico. O objeto teórico é uma reflexão crítica acerca do método ecológico desenvolvido por Ian McHarg aplicado em uma bacia hidrográfica urbana, com base na reestruturação da paisagem pela restauração do seu principal rio, compreendendo os cursos d’água como processos interativos dos ecossistemas naturais com a cidade.


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Referenciais teóricos Os rios têm sido estudados segundo vários aspectos e vêm assumindo grande relevância em diversos âmbitos: seja na proposição de políticas públicas, leis, ações de organizações não governamentais, financiamentos de projetos, discutidos em eventos científicos, publicações etc., cuja finalidade precípua tem sido a aproximação e convívio no espaço urbano. Estudos nesse campo perpassam por toda a diversidade da relação entre o ambiente urbano e os cursos d’água, assim como intervenções nas bacias hidrográficas e a dinâmica da expansão da estrutura das cidade sobre as margens dos rios, e os reflexos dessas transformações sobre o equilíbrio dos processos fluviais. Tais conhecimentos teriam dimensão eminentemente prática, já que seriam resultantes da reflexão sobre a “convivência” da cidade com seus rios, traduzida em enchentes, riscos à saúde, contaminação dos lençóis freáticos, esgotos a céu aberto e também a negligência quanto a sua inserção na paisagem urbana. Vários autores (SPIRN, 1987; HOUGH, 1995; RILEY, 1998) salientam que desde o século XVIII as estratégias voltadas para resolver os problemas de rios urbanos, propunham soluções de retificação e canalização para escoar o fluxo no período das enchentes e disponibilizar as várzeas para habitação e construção de vias de transporte. Essa maneira de tratar a questão tem sido reavaliada em várias cidades do mundo assim como no Brasil (COSTA, 2006; GORSKI, 2010). A leitura ambientalista, colocada em foco a partir dos estudos de Eugene Odun, em seu livro, Fundamentos da ecologia, publicado originalmente em 1953, impulsionou o desenvolvimento de uma relação com a arquitetura da paisagem em ambientes urbanos, a partir da consideração dos processos naturais.


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Costa et al (2010) destacam e complementam: Em geral, a ideia de restauração ambiental está relacionada com a ideia de processo. Esse entendimento é resultado do trabalho inovador de Ian McHarg (1969), que desenvolveu uma metodologia de análise e intervenção na paisagem que se destinava a diferentes escalas do ambiente e se baseava no estudo da dinâmica dos processos naturais e suas repercussões na paisagem. (COSTA et al, 2010, p.a-15)

A utilização da abordagem teórica e prática desenvolvida por Ian McHarg, seu método ecológico, apresentado na publicação Design With Nature (1969), que considera os processos naturais com vistas ao planejamento ambiental, foi o suporte principal para construção do caminho percorrido neste estudo. Já Spirn (1987) e Hough (1995), ambos alunos e seguidores das ideias de McHarg, avaliam que os conhecimentos dos processos naturais passam a adquirir importância e reconhecimento após terem sido apropriados e validados pela sociedade, onde se pretende um projeto de restauração ambiental de um curso d’água, além do entendimento de que os problemas urbanos que afetam os rios resultam da interdependência do meio ambiente com a forma construída. Com relação aos cursos d’água no ambiente urbano, Riley (1998), Costa (2006) e Gorski (2010) contribuíram para uma visão geral, enquanto Pellegrino (2006) apresenta estudos teóricos com desdobramentos em projetos, assim como Kliass (2006) em seu extenso trabalho como arquiteta da paisagem. Entre os autores citados destacam-se os estudos de McHarg e Riley. Nesse sentido, é importante mencionar que foram utilizados dois enfoques: o primeiro se refere à aplicação do método ecológico, supondo que por meio da inserção do viés ambiental seria possível reconhecer e aproveitar as potencialidades naturais ainda existentes; o segundo diz respeito à restauração de um rio, respaldado pelas


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ideias que buscam valorizar a importância ambiental e social dos sistemas fluviais no ambiente urbano. Os conceitos apresentados por Riley (1998) serviram de suporte para definir de que modo os elementos fluviais poderiam ser recuperados, diante de uma paisagem urbana consolidada por meio de intervenções de engenharia convencional. Para entendimento das possibilidades de reaproximação do rio Camarajipe com a cidade de Salvador, a ideia de restauro de rios urbanos foi relevante, pois, segundo autora, a restauração consiste na possibilidade de recuperação dos atributos físicos que foram alterados, devolvendo seus meandros, sua vegetação e, consequentemente, a qualidade de suas águas. Autores já citados, como Spirn, Hough, Pellegrino, Kliass, entre outros, empregaram as ideias de McHarg em seus trabalhos, dando continuidade e acrescendo outras variáveis que contribuíram para o desenvolvimento dos conceitos elaborados pelo autor. Contudo, críticas, ressalvas e atualizações acerca do modelo de planejamento ambiental elaborado por McHarg serviram de fundamento para visualizar imperfeições na sua aplicabilidade, entre as quais se destacam Tunner (1996), Riley (1998), Conner (2006), Herrington (2010).

O rio Camarajipe O rio Camarajipe e sua bacia hidrográfica04, objeto de estudo, localiza-se na cidade de Salvador no estado da Bahia (mapa 01). Esta bacia possui a maior densidade habitacional entre as bacias do município, com aproximadamente 27,3% da população soteropolitana (IBGE, 2010). [04] Foi adotada nesse estudo a definição de bacia hidrográfica delineada na publicação O Caminho das águas em Salvador (Santos et al, 2010,p.13) que determina como “a unidade territorial delimitada por divisores de água, na qual as águas superficiais originárias de qualquer ponto da área delimitada pelos divisores escoam pela ação da gravidade para as partes mais baixas, originando córregos, riachos e rios, os quais alimentam o rio principal da bacia, que passa, forçosamente, pelos pontos mais baixos dos divisores, e desemboca por um único exutório. Pode-se considerar exceção a esta definição a ocorrência de bacias hidrográficas distintas, que por intervenção de infraestrutura urbana, tiveram seus rios principais interligados próximos à foz e passaram a contar com o mesmo exutório.”


34 (BA) BAHIA

(BRA) BRASIL

AMÉRICA LATINA

BA

BRA

SSA

Por Bacia de Drenagem Natural compreende-se a região de topografia que não caracteriza uma bacia hidrográfica, podendo ocorrer veios d’água, os quais não convergem para um único exutório. No caso de Salvador, correspondem às regiões costeiras da Baía de Todos os Santos, como a Península de Itapagipe, o Comércio, a Avenida Contorno e a Vitória; e, da Orla Atlântica, compreendida entre a Praia de Jaguaribe até o limite entre este município e Lauro de Freitas. Portanto, a ausência de cursos d’água perenes foi um dos critérios para a definição das bacias de drenagem natural. (SANTOS et al, 2010 p. 13)

(SSA) Salvador - Ba bacias hidrográficas do município (* Bacias de drenagem pluvial) 01 • Seixos-Barra/Centenário 02 • Vitória/Contorno* 03 • Ondina 04 • Lucaia 05 • Comércio* 06 • Amaralina/Pituba* 07 • Camarajipe 08 • Itapagipe* 09 • Pedras/Pituaçu

10 • Armação/Corsário* 11 • Plataforma* 12 • Cobre 13 • Passa Vaca 14 • Paraguari 15 • Jaguaribe 16 • Stella Maris* 17 • Ipitanga 18 • São Tomé de Paripe*

18

baía de todos os santos

14

11

17

12 15 08

sitío inicial (centro hist.)

05

07

02 01

16

13 09

10

04 03

06

oceano atlântico

MAPA 01. ESQUEMA DE LOCALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE, sem escala (FONTE: O CAMINHO DAS ÁGUAS em salvador, 2010, Elaborado pelo autor)


35

O rio Camarajipe possui cerca de 14 quilômetros de extensão, entrecortando zonas heterogêneas, no que diz respeito ao aspecto físico e social. A nascente do rio encontra-se na região de Pirajá, nos bairros Marechal Rondon, Boa Vista de São Caetano, Calabetão, Mata Escura e Alto do Cabrito. Neste último, foi construída uma represa na década de 1950, conhecida como dique do Cabrito, que servia de abastecimento para indústrias locais, porém foi desativada nos anos 1980 por comprometimento de suas águas (SANTOS, 2010). Vale ressaltar a situação ímpar relacionada ao seu traçado que, devido à obras de engenharia, abordando tão somente problemas de constantes inundações, alteraram seu curso a montante dessas zonas, resultando na singularidade de duas desembocaduras. No largo da Mariquita, no bairro do Rio Vermelho, encontra-se a foz original, que em razão do desvio do seu leito nas imediações do terminal rodoviário de Salvador, atualmente deságua na praia do Costa Azul. A escolha da bacia do rio Camarajipe e do seu principal curso d’água (mapa 02) foi impulsionada por sua representatividade como o elemento estruturador da paisagem urbana e a oportunidade de análise acerca do convívio da cidade Salvador com seus rios. Nesse sentido, são pertinentes as seguintes considerações quanto ao protagonismo do rio Camarajipe: •• Marco espacial do crescimento moderno da cidade de Salvador, o rio teve suas margens ocupadas por vias que articulavam o novo crescimento, sentido vetor norte de expansão, impulsionado pela implantação do novo Centro Administrativo da Bahia (CAB) e por equipamentos de grande importância, como a estação rodoviária, o shopping center Iguatemi, Detran, entre outros.

•• A relevância do rio Camarajipe como elemento hídrico estruturador da paisagem soteropolitana é evidenciada no


MAPA 02. lOCAliZAÇÃO DO RiO CAMARAjiPE E DA MAlHA HiDROgRÁFiCA, EsCAlA gRÁFiCA (FONTE: siCAR/RMs 1992, gOOglE EARTH. ElABORADO PElO AUTOR)


37

documento Planejamento Geral do Sistema de Esgotos Sanitários da Cidade do Salvador (SUDENE, 1968), no qual a hidrografia da cidade é apresentada por uma malha constituída de pequenos cursos d’água na qual se destacam alguns mais significativos, tais como, o Camarajipe, o Lucaia, os rios das Tripas e São Pedro. Vale acrescentar que, no processo de expansão da cidade, os rios que estavam localizados em zona rural, nos dias atuais passaram a ter importância na estrutura urbana, como os rios Jaguaribe e das Pedras.

•• A atual situação do rio, em 2014 apresenta um elevado grau de embate entre os processos fluviais e os de urbanização, acrescente-se a isso o aumento das intervenções nos rios da cidade 05 com encapsulamento e tamponamento dos mesmos,portanto, pode-se concluir que o rio Camarajipe poderá vir, em pouco tempo, a sofrer a intervenção segundo o padrão comentado. Modelo esse que, segundo Costa (2006), culmina na desestruturação ambiental, ocasionando o total ocultamento do curso d’ água na paisagem urbana.

•• A vulnerabilidade decorrente da ocupação do leito maior06 (figura 06 e 07) por alguns equipamentos urbanos importantes, acentuada por dois processos: o natural, no que se refere ao extravasamento das águas do rio decorrente de intensas e duradouras precipitações pluviométricas, coincidindo com marés altas que formam uma barreira física para escoamento do excedente; e o de urbanização, resultado principalmente da expansão imobiliária, impermeabilizando áreas que anteriormente eram zonas de recarga e amortecimento das águas pluviais.

[05] Intervenções entre os anos de 2002 e 2012 nos rios dos Seixos (canal da avenida Centenário), das Pedras (canal do Imbuí) e Lucaia (canal da avenida Vasco da Gama), importantes cursos d’água presentes em Salvador que foram tamponados ou encapsulados no curto período de 10 anos. [06] A definição de leito maior aqui adotada é a mesma para planície de inundação, várzea e zona riparia. Segundo Spirn (1984,p.131), “planície de inundação é uma área relativamente plana, na qual o rio se move e regularmente o fluxo transborda. A calha natural do rio não é estática, ela se move pela área da várzea e, ao longo do tempo, ela ocupa todos diversos pontos da planície de inundação. Além de servir como depósito de sedimentos trazidos pelas enchentes, tornando essas áreas extremamente férteis.” (tradução livre do autor)


leito maior 38

leito menor

planície de inundação

canal de estiagem

Fig. 06 componentes físicos de um córrego (fonte: Riley, 1998, p.29, ilustração do autor)

A delimitação espacial deste estudo é a bacia hidrográfica do Camarajipe, definida de acordo com a publicação O Caminho das águas em Salvador (Santos et al, 2010). Entretanto, o cerne do trabalho é o rio Camarajipe, entendendo que é necessário abordar toda a bacia para compreender os processos hídricos que influenciam e delineiam o rio.

Fig. 07 Dinâmica da várzea. Extravasamento dos rios nas planícies de inundação com frequências previsíveis, as estruturas urbanas construídas dentro área do leito maior são suscetíveis a riscos de destruição. (Spirn, 1984, p. 132, tradução livre do autor)


39

Objetivo geral Validar e verificar a aplicabilidade do método ecológico07 em uma estrutura urbana consolidada para a restauração de um rio urbano.

Objetivos específicos •• Compreender o rio como elemento estruturador da paisagem urbana, identificando as características dos modelos de intervenções associadas aos elementos hídricos na cidade de Salvador, contextualizando com as fases do planejamento urbano;

•• Verificar os elementos fisiográficos na estrutura urbana que influenciam diretamente na singularidade do rio Camarajipe;

•• Discutir a adequação do método ecológico desenvolvido por Ian McHarg na aplicação em projetos urbanos que visem valorizar os processos ambientais com referência à bacia hidrográfica urbana, por meio da aplicação do método numa bacia específica – rio Camarajipe.

•• Analisar as diferentes situações da estrutura urbana ao longo do rio Camarajipe, com a finalidade de restauração de um rio urbano e seu entorno, a partir da aplicação do método ecológico na bacia hidrográfica.

[07] Para esse estudo, o termo “método ecológico” se refere aos conceitos e práticas desenvolvidas por Ian McHarg expostas no livro Design With Nature (1969)


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Metodologia Para alcançar uma alternativa de análise e planejamento para restauração do rio Camarajipe e valorização ambiental da bacia hidrográfica em que está inserido, optou-se pela investigação e aplicação do método ecológico desenvolvido por Ian McHarg no seu livro Design With Nature (1969). É pertinente pontuar que ao aplicar um determinado método o desenvolvimento metodológico necessariamente será similar. Cabe expor os aspectos básicos do método que serviram de balizamento para a metodologia do presente estudo: pesquisa e levantamento dos tópicos fisiográficos e particularidades ambientais; inventário ecológico apresentado em mapas temáticos que representam a valoração dos fatores e processos naturais a partir do cotejamento dos dados pesquisados; sistematização dos mesmos para a sobreposição (overlay) das camadas cartográficas, resultando em mapas-sínteses; e diagnóstico que foi entendido nessa pesquisa como, interpretação dos mapas sínteses, levando em consideração as zonas propícias ou restritivas para a finalidade do planejamento. Foram realizadas pesquisas para o levantamento das características fisiográficas, tais como: relevo, hidrografia, vegetação, entre outras; entendidas como processos naturais, assim como a identificação dos aspectos históricos, físicos, biológicos e culturais. Os dados serviram como subsídio para a elaboração de um panorama geral da região em análise e para produção cartográfica. Os dados coletados e as informações foram pesquisados em planos, artigos, dissertações, teses e publicações que tratam, direta e indiretamente, do rio e/ou sua bacia. O cruzamento desses dados com a iconografia e imagens aéreas possibilitou uma maior precisão na representação gráfica da atual situação em relação aos processos


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naturais e, sobretudo, na compreensão da interferência antrópica nesses processos ao longo do tempo. As imagens que serviram de suporte para a análise da evolução da estrutura urbana foram cedidas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER). Os registros aero-fotográficos foram realizados nos anos 1959, 1976 e 1992, portanto abrangendo intervalos de aproximadamente duas décadas. Para a representação cartográfica da área de estudo, que compreende 35.877 quilômetros quadrados, a escala de análise foi de 1:10.000 a 1:1.000, em diferentes formatos (.DWG, .PSD, .AI, .TIFF, .JPEG, .PDF). A variação da escala se deve à pertinência das análises, a escala mais abrangente trata da bacia hidrográfica e as sucessíveis aproximações são referentes ao rio e seu entorno. Por questões técnicas, optou-se na aplicação do método ecológico representar a bacia do Camarajipe dividida em dois setores: setor “A” e setor “B” (mapa 03). O primeiro se estende da cabeceira do rio na região de Pirajá até as imediações do bairro do Retiro, mais precisamente na interseção da BR-324 com a avenida Luis Eduardo Magalhães. O segundo se estende desse ponto até a foz no bairro do Costa Azul. Foi utilizado levantamento cartográfico de 1992 (SICAR/ RMS)08 . Contudo serviram de suporte para a atualização da base defasada quanto à estrutura urbana atual, as imagens de satélite, compreendendo os períodos de 2003 a 2013, disponibilizadas no software Google Earth. O levantamento fotográfico a partir de visitas de campo, durante o período de 2008 a 2014, objetivou registrar as principais vias, espaços públicos, diferentes tipos de ocupação do solo, vegetação, interferências na estrutura do rio, entre outros elementos e fatores para melhor entendimento da diversa composição urbana ao

[08] SICAR/RMS - Sistema Cartográfico da Região Metropolitana de Salvador, elaborado e desenvolvido pela CONDER, setor INFORMES.


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setor A setor B

MAPA 03. DiVisÃO DA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO CAMARAjiPE EM DOis sETOREs: “A” E “B” (EsCAlA gRÁFiCA)

0

.5

1

2 km

longo do curso do rio. o levantamento contribuiu para complementar as lacunas cartográficas e verificar os aspectos relacionados ao gabarito das edificações, bem como a relação da volumetria do ambiente construído com a topografia, além de registrar a interferência da estrutura urbana sobre os elementos fisiográficos em especial os hídricos. a consulta iconográfica realizada nos arquivos históricos e órgãos de planejamento, municipal e estadual teve os seguintes propósitos: compreender os aspectos físicos originais do rio e ilustrar cronologicamente as intervenções no seu traçado, bem como sua relação com a


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cidade durante o século XX. as imagens foram cedidas pela Fundação Gregório de Matos. Para facilitar a localização e a identificação espacial dessas imagens, assim como a maioria apresentadas nesse trabalho passíveis de localização, foi elaborado uma redução esquemática do mapa da bacia/ salvador e seus elementos hídricos (mapa 04), com o objetivo de sanar uma lacuna comum nos trabalhos na área de urbanismo, que ao apresentar uma fotografia do local não identifica a região e a relação com o recorte do estudo,dificultando assim a contextualização da imagem com a área descrita. essa representação tem o propósito de promover o entendimento do contexto urbano com a iconografia utilizada. as fontes bibliográficas locais perpassam dois âmbitos: o primeiro relacionado com as características fisiográficas e ambientais, sua relação com a cidade e suas singularidades geográficas e morfológicas; o segundo diz respeito ao planejamento e teorias relacionadas ao urbanismo de salvador, sendo fundamentais para

Rio Camarajipe

N

Principais afluentes Malha hídrica Antigo leito do rio Camarajipe Vias expressas baía de todos os santos

Metrô Terminal rodoviário Arena fonte nova Poligonal centro histórico oceano atlântico

Bacia hidrográfica Localização da imagem

MAPA 04. ACiMA EsqUEMA siMPliFiCADO DA BACiA HiDROgRÁFiCA E sEUs PRiNCiPAis ElEMENTOs. AO lADO REDUÇÃO PADRÃO PARA sER APliCADA jUNTO COM A iCONOgRAFiA.


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assimilar as ações de cunho sanitaristas e rodoviaristas, que tanto influenciam na estrutura dos cursos d’água. Para compreensão do processo metodológico presente nessa dissertação, vale esclarecer que o método ecológico foi aplicado não apenas no curso do rio Camarajipe e seu entorno. A atenção foi para toda extensão da bacia hidrográfica com o intuito de identificar as zonas com maior valor ambiental com vistas à restauração da paisagem fluvial e os valorização dos elementos hídricos pertinentes a esse tipo de paisagem. Como a metodologia foi organizada segundo os conceitos do método ecológico, elaborou-se uma metodologia específica para análise e validação, com o propósito de examinar a aplicabilidade do método no objeto empírico desta dissertação. Esse segmento da metodologia serviu como suporte para adequação às condições atuais da bacia do Camarajipe. Os critérios adotados foram: ANALISAR os aspectos conceituais e técnicos do método e antecedentes a partir da visão de outros autores. Avaliação e crítica do método, percebendo como pode ser aplicado ou as possíveis lacunas a serem complementadas, além de identificar imperfeições no objetivo pretendido. Optou-se por analisar previamente os principais pontos de inflexão do método para aplicá-lo, verificando diversos autores que usaram e questionaram o método quanto aos aspectos práticos e teóricos. ADEQUAR e complementar com outras metodologias e conceitos para sanar as lacunas descritas no eixo anterior e para melhor direcionamento na sua aplicação. Por meio da análise elaborada anteriormente foi possível perceber quais críticas e formulações eram procedentes para o presente estudo e, consequentemente, a adequação mais favorável ao objeto empírico.


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VALIDAR o método após sua aplicação por intermédio da análise do diagnóstico, conclusões e direcionamentos relacionados ao planejamento ecológico da paisagem urbana e ribeirinha. A verificação e a avaliação permitiram algumas considerações, acréscimos e ressalvas só identificados após a aplicação. Vale destacar que os dois primeiros critérios serviram para aplicar o método, ou seja, foram utilizados anteriormente ao desenvolvimento, enquanto o último critério foi empregado na etapa final, posterior à aplicação do método. Ou seja, a validação será tratada na conclusão do presente estudo.

Estrutura da dissertação Esta dissertação foi estruturada em quatro capítulos além da introdução e conclusão. O capítulo 1 discorre sobre o convívio da cidade com seus cursos d’água e de que forma e por quais motivos essa relação se encontra, na maioria dos casos, desequilibrada nas metrópoles brasileiras. Foram discutidos conceitos de autores que abordam o tema de rios, como elemento estruturador da paisagem urbana. Tais ideias auxiliaram na conexão entre os processos naturais e a urbe, aceitando a possibilidade do equilíbrio ambiental no contexto urbano. Dando seguimento ao capítulo, foram apresentadas alternativas de reaproximação da cidade com os rios por meio dos conceitos de restauração de rios urbanos formulados pela autora Ann L. Riley (1998). O capítulo 2 introduz os conceitos e o método ecológico desenvolvido por Ian McHarg, iniciando com a consideração dos processos naturais e sociais, além do entendimento desses como valores. Apresenta-se também a importância da compreensão entre os processos e valores, ou seja, como definir e representar a valoração no método de camadas. Foram examinados e confrontados autores que


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abordaram os conceitos de McHarg e categorizados segundo um padrão de abordagem: da crítica às limitações do método, legado e evolução e utilização em planejamento e projetos. A partir das discussões apresentadas foi possível verificar as lacunas, imperfeições e limites acerca do método ecológico, com a finalidade de adaptá-lo ao contexto do objeto de estudo. O capítulo 3 trata da aplicação do método ecológico na bacia hidrográfica do Camarajipe. Entretanto, foi fundamental o entendimento da fisiografia e fatores geográficos locais, assim como foi necessário apresentar um panorama básico da relação da bacia com o desenvolvimento da cidade. O ponto de partida foram alterações da morfologia urbana presentes na bacia, tais como a ocupação do território e as intervenções diretas na paisagem e, em especial, os seus rios. Os fatores e processos foram definidos e analisados para identificar valores para as camadas, assim como a sistematização da sobreposição. O resultado ou camada síntese serviu de suporte para a elaboração do diagnóstico ambiental da bacia com foco na aproximação da cidade aos elementos hídricos contribuindo para o desenvolvimento do capítulo 4. A partir das sínteses, foram verificadas as potencialidades para restauração do rio dentro bacia, apontando a zona com maior abrangência espacial e valores naturais e sociais propícios. E, finalmente, a conclusão do presente estudo aborda novamente o método e sua pertinência técnica e conceitual, como estratégia de planejamento ecológico da bacia e ferramenta para o projeto de restauração de rios urbanos.


CapÍtulo 01 RIOS URBANOS: distanciamento e reaproximação

Obras na avenida San Martin (Fonte: acervo FGM/DN, data 10/09/1979)


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PARTE 1 [TRANSFORMAÇÕES] Relação dos rios com a cidade O presente capítulo trata dos conceitos e das ideias que nortearam as intervenções no traçado natural dos rios urbanos. Vale salientar, nesse momento, que o objetivo desse capítulo não é investigar profundamente detalhes da evolução urbana no que se refere a formação dos aspectos estruturais dos cursos d’água de Salvador, mas sim, destacar as principais etapas que moldaram fluvialmente a bacia hidrográfica do Camarajipe. Compreendendo que as intervenções nas estruturas dos rios passam por diversos procedimentos utilizados ao longo dos anos de expansão da ocupação urbana, a tarefa de descrever os principais pontos do convívio entre as cidades e seus cursos d’água seria insuficiente e superficial em apenas um capítulo. Pretende também relacionar as abordagens conceituais que resultaram das noções sanitaristas do final do século XIX e início do XX com justificativas para ações de saneamento urbano, a partir das quais se “impunham” normas e regras de ocupação e edificação para eliminar as situações de insalubridade em que vivia a maior parte da população. Esse período considerado a “fase higienista” vai imprimir a cultura das canalizações nos rios urbanos, que, apesar das melhorias, apresentava outros problemas, tais como a supressão das várzeas, impermeabilização das áreas verdes e intensificação das enchentes (COSTA,2006). A ideia subjacente era também remodelar, reformar, modernizar as cidades que estavam atraindo um grande contingente da


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população vinda do mundo rural para o trabalho nas vagas de empregos que a cidade proporcionava, tanto na industria como no comércio e serviços. Essa ocupação “desordenada” implicava também no aumento do lixo e entulho lançados nos rios e nas encostas. Com a ocupação e consolidação do ambiente urbano houve a necessidade de modernização da estrutura urbana defasada que se verificava nas grandes cidades da Europa e também nas jovens cidades brasileiras. Essas transformações traziam no seu bojo a necessidade crescente de dar espaço aos deslocamentos, ou seja, diminuir o tempo perdido nessa atividade. Nesse sentido, a alternativa foi a ocupação das várzeas dos rios com a implantação das avenidas de fundo de vale. A aplicação desse modelo foi e ainda é quase unânime nos grandes centros brasileiros. Dessa forma, os rios como elementos da paisagem urbana vão gradativamente perdendo sua identidade e relação de proximidade com a vida das pessoas. O processos de distaciamento entre as cidades e seus rios só será interrompido e revertido quando a sociedade envolvida alcançar um grau de comprometimento e responsabilidade com os recursos hídricos, preocupando-se com a degradação ambiental e a deterioração dos elementos fluviais. A exemplo da relação do rio Tâmisa em Londres, rio Sena em Paris, do rio Tibre com Roma, essas cidades já interromperam o processos de distanciamento do seus rios e atualmente estão em processo de reaproximação. O que antes era um convívio necessário e útil, da cidade com seu rio, passou a ser o retrato do desequilíbrio ambiental, ou seja, o “distanciamento” da paisagem urbana se intensificou ao longo do século XX. Ainda neste capítulo, apresentam-se as possibilidades de reaproximações dos rios com as cidades, além das ideias e proposições para restauração de um rio urbano.


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Da aproximação com rios ao distanciamento na paisagem [...] as principais cidades do mundo existem com os rios: na foz, na confluência ou limite de águas navegáveis. Alguns são sinônimos de civilização: o Crescente Fértil formado pelo Tigre e Eufrates, o Nilo, o Tiber, o Yangtzé. Os rios são fronteiras, e podem ser barreiras; pontes e balsas permitem atravessar e marcar a passagem, real e mítica. (SPIRN, 1998, p.140)

A citação que abre este primeiro item evidencia a importância dos rios no desenvolvimento das sociedades no extremo Oriente: a China e a Índia, e nas mais ocidentais: Mesopotâmia e Egito. Essas civilizações, estruturadas nas culturas agrícolas, tais como o milho, a cevada, a ervilha, o sorgo e, predominantemente, vinculadas à irrigação e ao solo fértil, permitiram o aumento da população, resultando nas primeiras organizações sociais e econômicas - as cidades. Esses lugares sulcados por grandes rios que, além de propiciar a produção de alimentos nas suas margens, demarcavam territórios e serviam como vias de circulação de pessoas e mercadorias. Como assinala Mumford (1961), os primeiros assentamentos humanos não podiam expandir além dos limites do abastecimento de água e das fontes de alimento. O traçado desses núcleos era estabelecido pelas mudanças no clima, pela agricultura e, principalmente, pelo fornecimento de água. Sobre a consolidação da sociedade urbana pelo acesso à água, Benevolo afirma: O cultivo dos cereais e das árvores frutíferas nos ricos terrenos úmidos proporciona colheitas excepcionais e pode ser ampliado melhorando e irrigando terrenos cada vez maiores. Parte dos víveres pode ser acumulada para as trocas comerciais e os grandes trabalhos coletivos. Começa, assim, a espiral da nova economia: o aumento da produção agrícola, a concentração do excedente nas cidades e ainda o aumento de população e de produção garantido pelo domínio técnico e militar da cidade sobre o campo (BENEVOLO, 2011, p.26).


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A valorização dos rios na construção da paisagem urbana passou por períodos que poderiam ser caracterizados como proximidade, quando “os rios tinham muito a oferecer além da água: controle do território, alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens, energia hidráulica, lazer, entre tantos outros” (COSTA, 2006, p.10). Mas também passou por períodos de afastamento quando rios se tornaram verdadeiros receptores de dejetos, com o objetivo de transportar o que era descartado para fora dos limites das cidades. Sobre o processo de contaminação das águas, Spirn (1984) afirma que a eliminação de resíduos no ciclo hidrológico interfere diretamente no acesso à água potável, tornando a obtenção cada vez mais complexa. O escoamento de excrementos nas águas próximas transformaram biologicamente os rios urbanos e interferiram no seu equilíbrio ambiental. Para compreender a dinâmica das relações de proximidade do ser humano com os corpos fluviais é preciso articular duas ações fundamentais para a sobrevivência dos centros urbanos: abastecer e sanear. A primeira ação sanitária no sentido de um sistema de esgoto foi, segundo Hough (1995), a construção da Cloaca Máxima em Roma, que se esvaziava no rio Tibre, marco do processo de utilização dos rios no saneamento das cidades. O autor também associa ao Império Romano os registros iniciais no tocante às grandes obras relacionadas ao abastecimento (imagem 08), que datam de 312 a.C., quando foi construído o primeiro aqueduto, trazendo a água limpa das montanhas e não mais do rio Tibre. Na Idade Média e na Renascença não houve um desenvolvimento significativo quanto às questões de abastecimento e esgoto se comparado aos avanços praticados em Roma, pois as cidades possuíam ínfimos dispositivos sanitários. Os primeiros sistemas sanitários nos moldes dos atuais surgiram no século XIX, bem como os sistemas mais elaborados de drenagem que eram despejados nos rios (HOUGH, 1995).


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Fig. 08 Exemplo de obra realizada pelo império romano para abastecimento e expansão (benevolo 2011, p. 190)

O acesso à água nos núcleos urbanos provinha, em grande parte, das fontes públicas, locais de importância nas cidades como ponto de encontro e onde, muitas vezes, se instalavam as feiras itinerantes. Além da forte representatividade, as fontes eram os pontos de trocas e interação da vida social da comunidade. As primeiras intervenções nos rios se restringiam aos canais de irrigação e navegação, assim como a construção de represas para abastecimento de água dos aglomerados habitacionais. Contudo, o aumento da população nos núcleos urbanos e a mudança na escala de produção de bens de consumo, assim como as inovações na manufatura, foram, sem dúvida, o ponto de inflexão da convivência entre o ser humano e a natureza. E como um processo dinâmico, as necessidades aumentaram na medida em que as cidades cresciam, intensificando o desequilíbrio ambiental. A desarmonia entre a cidade e os processos naturais foi se tornando cada vez mais expressiva, seja na contaminação do solo, na qualidade do ar, no quase desaparecimento das espécies vegetais e da fauna, na água, porém, especificamente nos rios urbanos, esse desequilíbrio é facilmente perceptível e o processo de degradação pode ser considerado proporcional ao crescimento das cidades.


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Essa fragilidade dos ecossistemas no ambiente urbano ocorre também devido às necessidades de abastecimento, descarte e escoamento dos dejetos domésticos, comerciais e industriais nos cursos d’água mais próximos. Considerando os rios como elementos estruturadores da paisagem, onde a sua forma influi, em muitos casos, diretamente no desenho e na ocupação do solo urbano, determinando de certa forma o volume edificado, pode se verificar que originalmente eles influenciavam e até determinavam os elementos da paisagem da cidade. No entanto, essa ocupação tão próxima passa a interferir e alterar os processos naturais e a estrutura hídrica desses rios. O entendimento das transformações nos cursos d’água torna-se relevante para a compreensão da dinâmica da cidade. A influência mútua entre os elementos da paisagem fluvial e o tecido urbano pode direcionar para situações opostas e, muitas vezes, conflituosas no que se refere à conservação dos processos naturais pertinentes aos rios. A visão de que eles são ou podem ser estruturas de saneamento e drenagem urbana tem atingido situações extremas, nas quais o rio desaparece completamente da paisagem. Conforme comentado no início do capítulo, sobre a insuficiência e superficialidade em descrever os principais pontos de convívio entre as cidades e seus cursos d’água em apenas um capítulo, optou-se em descrever os momentos históricos que moldaram a relação entre as cidades e os rios, e que tiveram rebatimento na bacia hidrográfica do rio Camarajipe. É preciso salientar, porém, que independente das especificidades locais para o planejamento urbano, existe um eixo conceitual similar para a abordagem projetual em ambientes ribeirinhos na cidade. Essas teorias vigentes no final do século XIX e as ideias e


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modelos que permearam durante o século XX, trazendo experiências cujo foco era a inserção paisagística, a partir das dimensões culturais e ambientais dos processos fluviais e de urbanização.

Breve revisão teórica sobre AS intervençÕES EM rios urbanos e as propostas sanitaristas Algumas questões foram determinantes para a consolidação do ambiente urbano atual. O êxodo rural decorrente do processo de industrialização e a crescente oferta de serviços e empregos influenciaram a ocupação das cidades de forma desordenada e intensa. Consequentemente, o número de moradias insalubres e o acúmulo de lixo nas cidades elevaram-se, deixando o ambiente nocivo à saúde. A pressão ocasionada pelo aumento da população sobre os insuficientes dispositivos sanitários acelerou o processo de degradação dos cursos d’água, transformando-os em verdadeiros esgotos a céu aberto, ocasionando os surtos epidêmicos frequentes no século XIX. De fato, a ligação da água como vetor de transmissão de doenças foi estabelecida pela investigação do médico John Snow, no ano de 1854, em Londres. Ele cadastrou os casos de um surto violento de cólera em uma determinada região da cidade (mapa 05). Tal levantamento indicou que os casos epidêmicos estavam associados à utilização de uma bomba d´água, uma vez que as residências não possuíam abastecimento domiciliar (SPIRN, 1984). Sobre a importante investigação de Snow, Tufte reitera:


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Por que antigo mistério sobre o contagio do cólera foi solucionado? Mais importante, Snow teve uma grande ideia - uma teoria informal sobre como a doença se propagava - que orientou a coleta e avaliação das provas. esta teoria desenvolvida a partir das análises médicas e observações empíricas; mapeando epidemias anteriores, Snow detectou uma ligação entre as diferentes fontes de água e as taxas de casos de cólera (para a consternação das empresas privadas de água que anonimamente faziam denuncias para impedir o trabalho de Snow). Junto com uma boa idéia e um problema pontual, houve um ótimo método. O trabalho de investigação cientifica de Snow exibe uma compreensão perspicaz sobre as evidências, uma lógica clara de visualização e análise de dados (TUFTE, 1997, p.29).

MAPA 05. MAPA ELABORADO POR john SNOW. Cadastramento da localização dos casos de cólera e a associação desses casos com um determinado ponto de abastecimento de água (benevolo 2011, p. 563)


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Spirn (1984) destaca ainda que, durante aquele período, sucessivas epidemias de cólera atingiram grandes cidades da Europa e das Américas. Para demonstrar a gravidade do flagelo, a autora cita o fato ocorrido no período de junho a outubro de 1832, na cidade de Nova York, quando 3.500 habitantes perderam suas vidas vítimas da cólera, enquanto que outros 100 mil habitantes, metade da população nova-iorquina da época, sairam da cidade. O espectro das epidemias transmitidas pela água assombrou muitas cidades e só foi reduzido no restante do século passado pelo tratamento dos esgotos e drenagem urbana. A cólera e a febre tifoide se alastraram pelas populações vizinhas dos rios e habitantes das várzeas. (SPIRN, 1984) No Brasil, o primeiro caso de cólera foi registrado na cidade de Belém do Pará, em maio de 1855 e, rapidamente, o flagelo se espalhou pelos principais portos do país. Em Salvador, o registro inicial foi em julho do mesmo ano. (SANTOS, 1994) Além da cólera, outras epidemias assolavam a capital baiana, tais como febre amarela, peste oriental e varíola. A constatação da relação entre as péssimas condições de higiene e esses males, principalmente a febre amarela que dizimou fração considerável da população soteropolitana em 1850, é descrita pela historiadora Consuelo Novais Sampaio (2005) como o grande impulso para ações sanitaristas na cidade da Bahia. Em Salvador, as fontes eram, até a metade do século XIX, a principal forma de acesso à água. Porém, o abastecimento até as edificações, ou seja, a ligação entre as fontes e o consumidor final era tarefa realizada quase que exclusivamente pelos escravos, que ficavam encarregados pelo transporte d’água, entre outras inúmeras funções que exerciam para o funcionamento da cidade (PINHEIRO, 2011). Essa afirmação auxilia na compreensão do papel imprescindível da mão de obra escrava no saneamento da cidade, pois além de


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prover o abastecimento, também encarregava-se do descarte dos dejetos. Vale ressaltar ainda que as fontes eram também importantes para a atividade portuária, sendo Salvador um dos portos mais movimentados do país até meados do século XIX, abastecendo, dessa forma, as embarcações que iriam atravessar o oceano e saciando as sedentas tripulações que chegavam após desgastante navegação transatlântica. No entanto, com o crescimento da cidade, o abastecimento baseado nas fontes se tornou insuficiente para suprir a nova demanda. As críticas da população eram constantes quanto à salubridade das águas e ao difícil acesso às fontes estruturalmente mais adequadas, que em maioria localizava-se na base da falha geológica. O péssimo estado físico e estrutural dessas fontes também colaborava para a depreciação do sistema. Os reservatórios eram mal construídos, com infiltrações, uso inadequado por parte dos donos de animais, enfim, todos esses problemas acirravam os ânimos dos que as utilizavam, ocorrendo, frequentemente desentendimentos por vezes fatais. (SAMPAIO, C. 2005) A criação, em 1852, da Companhia de Águas do Queimado foi importante reverberação dessa crescente preocupação com higiene em Salvador (figuras 09, 10, 11 e 12). A companhia tinha o objetivo de elaborar estudos, implantar e distribuir água potável em um sistema de tubulações, ligando o reservatório, situado na nascente do rio Queimados (afluente do rio Camarajipe), a 22 chafarizes distribuídos pela cidade. Entretanto, esse sistema já nasceu defasado e, rapidamente, alcançou seu limite (SAMPAIO, C. 2005).


Fig. 09 iMEDiAÇÕEs DA CiA. DE qUEiMADOs, 1959 (FONTE: CONDER/iNFORMEs)

Fig. 10 EVOlUÇÃO URBANA NO ENTORNO DA CiA. qUEiMADOs, ATUAlMENTE MUsEU ARqUEOlógiCO E PARqUE HisTóRiCO, AMBOs ADMiNisTRADOs PElA EMBAsA (FONTE: 2014, gOOglE EARTH)

11

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Fig. 11 FONTE DE qUEiMADOs EXisTENTE ANTEs DA iNsTAlAÇÃO DA COMPANHiA, REsisTE ATé Os DiAs ATUAis. (FONTE: FAlCÃO EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO) Fig. 12 VisTA gERAl DA CiA. DE qUEiMADOs (FONTE: gUilHERME gAENslY EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO)


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Algo semelhante ocorreu com a cidade de Boston, nos Estados Unidos, que na primeira metade do século XIX já sofria com a saturação dos seus poços, tendo que recorrer a um lago fora dos limites da cidade para obtenção de água. Essa obra foi inaugurada com grande entusiasmo que, ironicamente, argumenta Spirn (1984), 20 anos depois, se apresentava obsoleta para a demanda da cidade. Em Salvador, a situação era similar a outras cidades do mundo, pois as intervenções apenas minimizavam o problema de abastecimento, que há algum tempo dificultava a vida dos soteropolitanos, inclusive os mais abastados. O reservatório da Cruz do Cosme09, construído alguns anos após o início da operação da Companhia do Queimado, vinha substituir o sistema, já insuficiente, de captação e tratamento. Essa intervenção na época da sua conclusão era orgulho dos dirigentes da companhia, por ser considerado o primeiro reservatório de alvenaria do país. Todavia, se tornaria obsoleto e insuficiente em poucas décadas, necessitando a construção, no início do século XX, da barragem de Mata Escura, represando o rio Camarajipe. No entanto, a cidade continuou com deficiências no tocante ao abastecimento de água até a metade do século XX. (SAMPAIO, 2005) Com relação ao rio Camarajipe, as intervenções nos seus afluentes contribuíram para a alteração no processo hidrológico da bacia. Assim, é correto afirmar que o reservatório da Companhia de Queimados, em 1852, pode ser considerado a primeira mudança significativa na estrutura hídrica da bacia do Camarajipe, pois ali há uma interferência direta em uma das suas nascentes, com o propósito de suprir o abastecimento da cidade. Porém, a primeira alteração

[09] “O primeiro reservatório de água em alvenaria do país foi construído no início do século passado em Cruz do Cosme, atual bairro da Caixa D’Água. Sob a responsabilidade da Companhia do Queimado, criada em 1852, o reservatório de Cruz do Cosme fornecia a melhor água de Salvador...” (PMS-FGM, 2014)


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estrutural no leito do rio Camarajipe foi a construção da barragem da Mata Escura (figura 13, 14 e 15), em 1880, que tinha sua água direcionada para o reservatório do Retiro e, finalmente, bombeada até a estação de Queimados. O aumento da população em Salvador, assim como nas principais cidades do mundo no século XIX, resultou em um novo panorama para a demanda por recursos hídricos, com a finalidade de suprir as necessidades crescentes por abastecimento. Consequentemente, a crescente urbanização instalou um novo meio ambiente hidrológico, e sobre essas transformações causadas pela aceleração e consolidação dos processos de urbanização e a demanda pelo abastecimento de água domiciliar nas cidades do século XIX, Tundisi afirma: A urbanização avançou sobre os mananciais e deteriorou as fontes de suprimentos superficiais e subterrâneas. Os custos do tratamento de água para a produção

de

água

potável

atingem

altos

valores,

especialmente se os mananciais estão desprotegidos de florestas ripárias e cobertura vegetal suficiente nas bacias hidrográficas e se as águas subterrâneas estão contaminadas (TUNDISI, 2003, p.11).

Transtornos com a higiene se intensificaram com crescimento da população nas grandes cidades do século XIX, decorrentes das mudanças na estrutura agrária e industrial, que, além de aumentar os problemas sanitários urbanos, acelerou o processo de degradação ambiental, tanto nas cidades como no campo. Sublinhar esse aspecto é relevante no caso da temática abordada neste capítulo, visto que, ao justapor os problemas de abastecimento e saneamento, tem-se um panorama das intervenções no traçado urbano e das questões sociais decorrentes de tais cenários.


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Fig. 13 ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 14 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 15 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)


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Sampaio, C. (2005) afirma que a cidade de Salvador até o século XIX dependia do trabalho escravo para o descarte de águas usadas, bem como para o abastecimento de água. Como as edificações não possuíam fossas, a coleta era realizada por meio de barris transportados à noite por escravos, despejados nos rios, terrenos baldios e no mar, prática também recorrente nos outros núcleos urbanos da colônia. A autora ressalta ainda que, além de realizar essa atividade sanitária, os escravos eram duramente castigados pelo descarte dos dejetos em locais inapropriados e, constantemente, responsabilizados injustamente pelas péssimas condições de higiene da cidade. O acúmulo de lixo nas ruas era mais um fator que se somava aos problemas de abastecimento. Para tentar remediar essa situação, a Câmara Municipal, em 1831, mandou publicar nos jornais um código de “posturas”, ou seja, normas de conduta para o cidadão no que se referia ao descarte de lixo. No entanto, elas tinham pouca reverberação na sociedade baiana, pois a grande maioria dos habitantes era constituída de analfabetos. Nesse código são relevantes as questões de higiene pessoal e doméstica, conforme descreve Simas Filho (1977 apud Pinheiro, 2011): Todos são obrigados a ter sempre varrida a testada de sua casa, limpa, derramada a sua roça; Ninguém lançará de suas casas para as ruas águas de serviços delas ou quaisquer corpos que possam enxovalhar os viandantes; Todo despejo imundo das casas que não tiverem cloacas será levado ao mar, em vasilhas cobertas, somente depois das 9 horas da noite. Todos são obrigados a vacinar seus filhos ou dar remédios antes da idade de 2 meses (Simas Filho, 1977, p. 190-110 apud PINHEIRO, 2011, p.203).


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É relevante mencionar que o Plano de Asseio de 1864, que determinava diretrizes para a coleta de lixo, foi um dos reflexos desse período de insalubridade na cidade. Esse plano, que ordenou o trabalho de recolhimento do lixo, determinava também que o mesmo deveria ser realizado por carroceiros contratados pela Câmara Municipal. Contudo, os conflitos de interesses entre a população, carroceiros e poder público eram intensificados por: dificuldade de coleta pelo relevo acidentado da cidade, ruas com calçamento irregular ou até mesmo sem nenhum calçamento, descarte do lixo em locais inapropriados pelos moradores e pelos carroceiros, mas, sobretudo, a ingerência do poder público (SAMPAIO, 2005). Essas normas, condutas e leis que surgiam nas cidades brasileiras do século XIX eram tentativas de solucionar os problemas de insalubridade do ambiente urbano. Tais iniciativas seguiam o modelo das leis que estavam sendo criadas na Europa para combater problemas similares. No entanto, a interferência do Estado criou um paradoxo entre a livre iniciativa capitaneada pelas ideias liberais de Adam Smith10 e as medidas sanitárias adotadas pelo setor público. As primeiras leis sanitárias no mundo foram aprovadas, primeiro na Inglaterra, em 1848, e posteriormente na França em 1850, segundo Benevolo (2011), esses instrumentos legais podem ser entendidos como as respostas do estado às epidemias que afligiam as cidades europeias daquele tempo. Contudo, leis dessa natureza provocaram alterações que foram além da busca por um ambiente mais salubre. O grande embate, na realidade, era também a maneira como esse “ambiente” era concebido. Sobre esse conflito, o autor acrescenta:

[10] As ideias de Adam Smith (1723-1790), economista escocês, influenciaram e são as bases para o desenvolvimento do capitalismo nos séculos XIX e XX, afirmando em seu livro “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776, que o liberalismo econômico era a emancipação da economia das forças reguladoras do Estado. Segundo ele, a prosperidade econômica e a acumulação de riquezas não são concebidas através da atividade rural ou comercial, mas sim através do trabalho livre como valor de mercadoria, sem nenhum agente regulador ou interventor.


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[...] nas grandes cidades se desenvolvem as epidemias, que obrigam os governantes a corrigir pelo menos os defeitos higiênicos, isto é, a se chocar com o princípio de liberdade de iniciativa, proclamado na teoria e defendido obstinadamente na prática, na primeira metade do século (BENEVOLO, 2011, p. 567).

Questões gerais sobre as iniciativas legais higiênistas empreendidas pelo estado no século XIX, como à exposta por Benevolo, exemplifica a condição conflituosa entre a construção de um novo modelo de cidade, mais salubre, e os ideias de livre iniciativa/propriedade privada. No contexto de Salvador, na segunda metade do século XIX, as insuficientes obras para abastecimento, não alcançavam tal nível de conflito, no que se refere à interferência da esfera pública no cotidiano e na propriedade dos habitantes. Assim, o abastecimento continuou com graves deficiências na capital baiana e se prolongou até meados do século seguinte. Vale salientar, que conflitos como o apresentado, gerados pelas iniciativas higienistas capitaneadas pelo estado, era mais evidente em Salvador na área da limpeza pública, com desacordos entre a sociedade, as empresas e a Câmara Municipal. As ações para suprir as necessidades quanto ao consumo de água continuaram buscando alternativas nos manaciais existentes na cidade, ainda que de maneira insuficiente. Para esclarecer a contínua busca por novos mananciais Hough (1998) explica que a implantação dos sistemas de abastecimento canalizado somada à “standartização” do banheiro unifamiliar, fez o consumo de água per capita aumentar mais de 10 vezes. Cabe salientar que as mudanças nos hábitos de higiene tinham a finalidade de prevenir doenças e epidemias, mas também de exercer


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um controle social sobre a população. Nesse sentido, é importante considerar a busca de soluções técnicas com vistas a solucionar os problemas existentes, mas também que pudessem “remodelar e modernizar” a cidade. Como afirma Pinheiro: Uma cidade civilizada e moderna tem de ser limpa e higiênica. Os engenheiros e os médicos estão à frente das transformações que se produzem na área urbana, para mudar as condições de salubridade de Salvador, incompatíveis com os ideais de uma sociedade civilizada. Mudar o aspecto de higiene da capital é um dos passos para atingir a modernidade (PINHEIRO, 2011, p.204).

Nesse período, outras cidades do mundo evoluíram seus sistemas de captação de águas usadas nas edificações. Nas primeiras décadas do século XX, algumas cidades já se preocupavam com a poluição dos rios. Destino final do esgoto captado pelo sistema, essa rede aumentava acompanhando o crescimento da cidade, intensificando, dessa forma, o processo de poluição no destino final. O tratamento da água antes da sua reinserção no ciclo hidrológico natural era uma preocupação recorrente no início do século XX nos grandes centros urbanos. Os problemas que acometiam os soteropolitanos, acerca da falta de saneamento e tratamento das águas usadas, também ocorriam em outros centros urbanos, até em maior intensidade. Entretanto, esse obstáculo entre o crescimento urbano e a deterioração dos cursos d’água continuou a ser enfrentado em diversas cidades. Um exemplo marcante do processo de degradação de um rio e posterior reabilitação ocorreu com o rio Tâmisa, na cidade de Londres(HOUGH, 1995). Segundo o autor em 1900 foi possível restaurar certa qualidade da água, mas que gradativamente foi se


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deteriorando durante a primeira metade do século, devido ao aumento de descargas dos afluentes, tanto pelos dejetos domésticos como, principalmente, pelos industriais. Essa degradação começou a chamar a atenção da população, principalmente pelo odor incômodo, tão comum aos cursos d`água poluídos, ou seja, o elevado estado de deterioração culminava em condições anaeróbicas, formando o sulfeto de hidrogênio que tem o odor similar ao de ovos podres. novas iniciativas e diretrizes foram propostas para o trabalho de reabilitação do rio, que foi concluído em 1974. O desafio de mitigar a degradação dos corpos d’água em outras cidades segue, em linhas gerais, a dinâmica sofrida pela cidade de Londres. No entanto, no caso de Salvador, não foi um rio que despertou a sociedade para a poluição das águas, mas uma lagoa - o Dique do Tororó11 (figura 16). A morfologia natural da cidade, constituída de vales estreitos e de uma grande rede de riachos e córregos que desembocam em pequenos charcos, brejos e lagoas de retenção temporária, colaborou para a aceleração da deterioração desses corpos d’água. A avaliação da qualidade das águas do Dique, realizada em 1899, constatou a sua contaminação, causando a proibição da utilização das suas águas pela população (NOGUEIRA, 1997). Vale ressaltar a grande representatividade do Dique do Tororó e das lagoas no imaginário social, religioso e cultural da cidade. Ligação entre bairros do Tororó, Engenho Velho de Brotas e [11] De acordo com a publicação O Caminho das águas em Salvador (2010): “...Dique do Tororó, outrora um lago natural que recebia as águas de pequenos rios e contribuía para originar o rio Lucaia. Alguns historiadores afirmam que o lago original ocupava uma área muito maior, sendo, porém, aterrado em vários trechos. Durante muitos anos, o Dique do Tororó recebeu esgotos sanitários “in natura”, provenientes dos bairros circunvizinhos.” [...]“Atualmente o lago ocupa uma área de 110.000m2 e suas margens e seu entorno foram objeto de reforma urbanística e de intervenções de esgotamento sanitário, eliminando todos os pontos de lançamento de esgotos domésticos. O Dique do Tororó é um lugar de culto do candomblé, morada de Oxum, o orixá da água doce.” [...]“O bairro do Tororó tem um nome de origem tupi que, para Mauro Carreira, autor do livro Bahia de Todos os Nomes, significa “rumor de água corrente, rio rumoroso”. Consuelo Pondé de Sena, presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, afirma tratar-se de um “vocábulo onomatopaico que refere-se ao barulho produzido pela água”. Segundo Frederico Edelweiss, este bairro “tem sua história marcada por uma lagoa natural e secular que chegou a ter seis quilômetros de extensão: o Dique do Tororó”. Diz-se que o primeiro grande aterro do Dique foi em 1810, quando foi construída a ligação – chamada de Galés – do bairro de Nazaré com o bairro de Brotas. (Santos et al, 2010,p.41 e 48)


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Centro da cidade, o dique sempre foi local dos cultos da religião de matriz africana. Nesse sentido, o Dique do Tororó, abastecia de água e lendas os soteropolitanos. Foi tombado em 1986 pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e reformado em 1998, com áreas de lazer e instalação das esculturas que representam os 12 orixás do candomblé, obra escultórica do artista plático Tati Moreno. Segundo Oliveira (1997 apud Dourado, 2009), originalmente as águas do dique corriam até o rios das Tripas, um dos afluentes do rio Camarajipe. No entanto, a expansão urbana reduziu sua extensão nas décadas de 1950 e 60, pois grande parte foi aterrada para dar lugar ao estádio da Fonte Nova (antigo Estádio Octávio Mangabeira atual Arena Itaipava12 Fonte Nova) e as vias de acesso no seu entorno. O contexto da modernização urbana, as melhorias sanitárias e início da sistematização do abastecimento de água imprimiram intervenções drásticas nas margens dos rios, assim como na sua composição física e biológica. No início do século XX, essas mudanças intensificaram-se em Salvador, tanto no abastecimento como no descarte de águas usadas. Protagonista dessas mudanças, o engenheiro Theodoro Sampaio ficou responsável por iniciar esse novo ciclo no saneamento da cidade e foi encarregado de elaborar o projeto e executar as obras, no prazo de quatro anos, para ampliação da rede de abastecimento e implantação do sistema de esgoto, depois de ganhar a concorrência pública no ano de 1904 (NOGUEIRA, 1997). Os trabalhos elaborados pelo engenheiro Theodoro Sampaio em Salvador, de certa forma, previam o crescimento que a cidade iria sofrer nos anos 1940, e influenciaram de maneira direta a atual

[12] Concessão do uso do nome do estádio cedido à marca de bebida do Grupo Petrópolis (cervejas Itaipava)


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Fig. 16 dique do tororó desprovido de grande intervenções urbanas, mais próximo ao seu estado original. (foto: Adolpho Moreira de Oliveira, Dique do Tororó - 1928. fonte: http://maisdesalvador.blogspot.com.br/2011/08/dique-do-tororo.html)

estrutura urbana e, principalmente, “moldaram a face” do saneamento moderno de Salvador. Apesar dos embates que o engenheiro teve com o poder público local, por conta da pouca abrangência do plano, que atingia apenas 20% dos 250 mil habitantes em 1905, os avanços foram notáveis e colaboraram para a modernização da cidade. (SAMPAIO, T. 1919 apud NOGUEIRA,1997) Sob o legado de Theodoro Sampaio no que diz respeito ao tratamento sanitário de Salvador, o Relatório Preliminar para o Planejamento do Sistema de Esgoto Sanitário da Cidade de Salvador, elaborado pela Sudene no ano de 1968, descreve que a cidade possuía no início dessa mesma década uma rede de 30 quilômetros de tubulações de esgoto (mapa 06), sendo que 27 quilômetros foram executados por Theodoro Sampaio. Dessa maneira, dá para expressar a dimensão e importância do trabalho do engenheiro no saneamento da cidade de Salvador (SUDENE, 1968).


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O plano inicial proposto por Theodoro Sampaio era a construção de uma estação de tratamento na confluência do rio das Tripas (escoamento natural da drenagem e esgoto do bairro Centro Histórico de Salvador) e o rio Camarajipe (figura 17, 18, 19 e 20) , que serviria de vazamento até o oceano. Vale ressaltar que as águas do rio das Tripas já estavam comprometidas no início do século XX, com alto grau de degradação. Como explica Milton Santos: É a cidade média na designação de Aroldo Azevedo (1952), por posição à Cidade Alta e à Cidade Baixa. Zona de concentração de drenagem é isso que explica as suas sucessivas utilizações: 1. Defesa da cidade contra ataques eventuais do interior, nos primeiros séculos (XVI e XVII) quando toda a cidade se limitava à primeira linha de colinas, rodeadas de muros: era o fosso.

MAPA 06. Planta identificando A REDE DE ESGOTO EXISTENTE na década de 1960, no total de 30 quilômetros dos quais 27 foram construídos pelo Eng. Theodoro Sampaio, que teria projetado mais de uma centena de quilômetros. (fonte: sudene, 1968)


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2. Esgoto de águas usadas, como o atesta o nome que recebeu depois o riacho que corre nesse vale: o rio das Tripas. Servia para escoar, com auxílio da corrente, os restos do gado que era abatido mais em cima no antigo matadouro do bairro de São Bento. 3. A denominação de “rua das Hortas”, dada ao seu trecho inicial, é por si mesma eloquente: era aí que a cidade em grande parte se abastecia de frutas e legumes. Essa função, presente sobre quase toda a extensão da rua durante vários séculos, há somente dez anos que desapareceu completamente. 4. O sítio, periodicamente inundável, mesmo depois do desaparecimento das preocupações de defesa, continua a impedir uma utilização residencial, até que os trabalhos de drenagem fossem realizados. Daí o nome que teve a rua, a partir dessas obras: rua da Vala. (SANTOS, 1952, p.175-176)

Em 1906, Theodoro Sampaio descreve em relatório que Salvador possuía sim um sistema de esgoto, porém precário, diminuto e que utilizava para escoamento os drenos destinados às águas da chuva ou pequenos cursos d’ água. Ainda em seu relatório, o engenheiro comentava sobre a situação do rio das Tripas, afluente do Camarajipe, que recebia dejetos de quatro freguesias da cidade, sendo essas as mais “populares”. (SAMPAIO, T. 1910 apud NOGUEIRA, 1997). No momento em que as obras projetadas pelo engenheiro Theodoro Sampaio estavam ganhando forma, outras importantes intervenções urbanas estavam sendo planejadas pelo governador J.J. Seabra13, com o objetivo de “modernizar” a cidade, intensifican[13] “Ao tomar posse do Governo do Estado da Bahia, em 1912, José Joaquim Seabra reúne o desejo de mudança da cidade à sua força política, às condições econômicas favoráveis e aos seus conhecimentos sobre intervenção em estruturas urbanas já consolidadas [..]As obras realizam-se em todas as partes. Renova-se o Distrito da Sé, orienta-se o crescimento da cidade em direção sul, com a abertura de uma grande avenida. Remodela-se e amplia-se o porto e alargam-se ruas da Cidade Baixa, uma nova avenida liga essa parte da cidade à península de Itapagipe. Conquista-se o litoral, constroem-se novos edifícios e incentiva-se a construção de casas para os operários. São tempos de mudança, tempos de novidades.” (PINHEIRO, 2011, p. 216 - 218)


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Fig. 17 CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 18 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)


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Fig. 19 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1992 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 20 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)


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do a construção de obras públicas justificadas pelo estandarte sanitarista, seguindo, assim como outros gestores do Brasil e também do mundo, a reorganização da cidade de cunho formal e informal. Como a maioria das cidades do mundo ocidental, a Reforma Passos14 no Rio de Janeiro seguiu o modelo haussmanniano de intervenção na estrutura urbana, adaptado à realidade brasileira da época. Por sua vez, as iniciativas de “melhoramento” da cidade de Salvador no início do século, capitaneadas pelo governador Seabra, eram diretamente influenciadas pelas transformações na capital federal (PINHEIRO, 2011). Com o propósito de contextualizar de maneira geral as transformações que ocorreram nas cidades brasileiras no início do século XX, assim como tornar compreensível a solução para o embate descrito anteriormente, no qual o espírito da livre iniciativa entrava em conflito com as leis e normas que partiam da esfera pública em busca de um ambiente urbano mais salubre, é pertinente esclarecer que esse paradoxo não durou muito, pois os interessados em maior flexibilidade das decisões urbanas direcionaram suas atenções para o setor imobiliário e a propriedade privada, criando mecanismos de desenvolvimento que aliavam o ímpeto modernizador dos gestores públicos com as atividades imobiliárias lucrativas do setor privado.(BENEVOLO, 2011) Ainda segundo Benevolo (2011), apesar desse modelo de grandes intervenções nas cidades não estar enclausurado em um período determinado da história, ele pode ser vinculado à escala demográfica, ocorrendo até os dias atuais nos países em desenvolvimento. As reformas urbanas nas capitais brasileiras no final do século XIX e início do XX, que interferiam em paisagens fluviais, foram e ainda são obras quase que exclusivamente associadas ao saneamento básico e ao embelezamento paisagístico. [14] Denomina-se Reforma Passos o conjunto de intervenções urbanas na cidade do Rio de Janeiro, capitaneada pelo prefeito Francisco Pereira Passos, que segundo Mauricio de A. Abreu(1987), no breve período de quatro anos, entre 1904 a 1908, liderou a maior transformação do ambiente urbano carioca até então. É indiscutível a inspiração de Passos no modelo das grandes reformas parisienses planejadas e executadas por Haussmann. Em relação ao tema dessa dissertação, vale ressaltar que é nesse período a canalização dos rios mais representativos da cidade, como rio Carioca, Maracanã, entre outros, com a finalidade de promover o saneamento da cidade.


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nesse sentido, é importante assinalar um aspecto relevante com relação à temática desta pesquisa no que diz respeito à morfologia da cidade (mapa 07) e ao panorama dos problemas sanitários. Como argumenta o geógrafo baiano Milton santos (1958), a escolha de implantar o sítio inicial na parte superior da encosta, tendo a falha geográfica como fortificação natural, cumpria os objetivos iniciais de proteção, mas se apresentava hostil quando novas funções se agregavam a essa primeira. Como em salvador, em outras cidades brasileiras, até a década de 1930, a proteção dos recursos hídricos tinha um caráter de preservação dos mananciais. Porém, com a expansão da área urbana e o esvaziamento de investimentos em infraestrutura, os rios passaram a ser o local de descarga dos esgotos, contribuindo para a degradação do ambiente natural e prejuízo para a cidade, com constantes enchentes e desvalorização do seu entorno (BriTTo, 2006).

MAPA 07. sÍTiO DE sAlVADOR ATENÇÃO PARA O RElEVO COMPlEXO PREsENTE NA CiDADE, MORROs E COliNAs sEPARADOs POR EsTREiTOs VAlEs. iNTERVENÇÃO EM COREs FEiTA PElO AUTOR DEssA DissERTAÇÃO PARA DEMONsTRAR O TRAÇADO ORigiNAl (EM VERMElHO) DO RiO CAMARAjiPE E sEUs PRiNCiPAis AFlUENTEs E REsERVATóRiOs DE CONTRiBUiÇÃO (EM AZUl). (FONTE: sANTOs, M. 1959 P.59)


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Avenidas, bulevares, a cidade na velocidade do automóvel Com relação à bacia do Camarajipe, a intervenção na rua da Vala15, ainda no século XIX, foi, de alguma forma, uma alteração na estrutura hídrica da bacia, atingindo a jusante o rio Camarajipe e colaborando para o aumento da vazão. A rua da Vala foi construída sobre parte do leito do rio das Tripas, principal afluente do Camarajipe. Portanto, a interferência estrutural naquele rio teve reflexo direto sobre a vazão na bacia e, consequentemente, nos processos naturais do Camarajipe. Para melhor entendimento dessa intervenção descrita acima, Pinheiro comenta que: Dentre as mudanças realizadas na estrutura viária, a canalização do Rio das Tripas, com a abertura da Rua da Vala, e a construção da Ladeira da Montanha são as duas obras urbanísticas mais importantes do século XIX. A Rua da Vala representa não só a canalização de um dos rios mais infectos que cruzam a cidade, como a utilização, pela primeira vez, de um vale como forma de união entre os distintos núcleos existentes sobre as colinas que formam o espaço construído. Ao utilizar o macadame para a sua pavimentação, a Rua da Vala transforma-se numa das principais artérias, por onde transitam pesados veículos sobre rodas, como os de carga, que não conseguem passar pelas estreitas ruas da capital, e os bondes com tração animal, depois a vapor e, mais tarde, elétricos. [...] a Rua da Vala é um dos vetores mais importantes, responsável pela expansão da cidade e pela conquista de novos espaços. (PINHEIRO, 2011, p.208)

A canalização do rio das Tripas e surgimento da rua da Vala (av. J.J. Seabra), foi de extrema importância na época, no que se refere as melhorias sanitárias e a expansão urbana. Seu caráter essencial era proporcional aos desafios impostos para a sua execução, tal dificuldade causada pelo terreno pantanoso, consequentemente insalubre, causando elevado número de trabalhadores mortos por febre amarela e cólera, tornando-se uma obra custosa e lenta (SAMPAIO, 2005). No seu livro, 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX, a autora relata que a obra só foi concluída na década de 1870, aproximadamente 20 anos após o início dos trabalhos. [15] Atual avenida J.J. Seabra, popularmente chamada por Baixa dos Sapateiros.


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Contudo, por questões geoclimáticas, problemas decorrentes das enchentes são comuns em algumas cidades brasileiras, inclusive em Salvador. E até os dias atuais, continuam acometendo perdas materiais, causando também danos à saúde da população atingida. De certa forma, as enchentes são, em muitos casos, potencializadas pela ocupação do leito maior, processo bastante comum na proximidade de pequenos riachos e córregos, na cidade de Salvador. Em grande parte, essas regiões são vulneráveis socialmente, desprovidas dos serviços básicos de infraestrutura. Essa ausência agrava a nocividade das inundações, pois o esgoto e dejetos que são lançados diretamente nesses cursos d’água contribuem para a degradação dos processos naturais. Diversos fatores colaboram para o aumento da recorrência das enchentes nas cidades em períodos cada vez mais curtos. A ocupação habitacional próximas aos leitos dos rios podem ser consideradas preponderantes nesse quadro, ou seja, o volume das águas que anteriormente era absorvido e retido pelas várzeas, precisa ser rapidamente escoado. Isso se deve, em muitas circunstâncias, ao processo de ocupação desordenada nas grandes metrópoles brasileira, onde as áreas desabitadas ou vazias disponíveis mais perto do centro da cidade são ocupadas, independentemente de vulnerabilidades morfológica, como ambiental. Em Salvador, essas condições ficam mais evidenciadas nas áreas próximas aos fundos dos vales, que a princípio são “desprezadas”, mas que acabam sendo ocupadas pela população menos favorecida, enquanto nas partes altas, portanto livres das enchentes, os terrenos passam a ter seu preço cada vez mais elevado no mercado de habitação (imagem 21). A respeito desse aspecto da ocupação na cidade, Moura(1997) acrescenta:


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A própria topografia forneceu as bases de um projeto de ocupação e administração social do espaço. Os mais ricos ocupavam a cumeeira das colinas e o centro elevado; os mais pobres, o fundo dos vales e as encostas da falha geológica. [...] O que se verifica nos últimos 30 anos é um processo perverso de disposição da população soteropolitana entre extremos de vales, colinas e buracos, “áreas de preservação” e charcos, avenidas com todas as condições infra-estruturais e aglomerações imundas (MOURA,1997, p. 227-228-229).

As frequentes inundações que atingiam os soteropolitanos no início do século XX acompanhavam o processo cada vez mais intenso de ocupação das várzeas e terrenos próximos aos fundos do vale. Contudo, alguns planos foram elaborados na tentativa de minimizar o problema. Conforme discutido anteriormente, as propostas do engenheiro Theodoro Sampaio já contemplavam diretrizes para o sistema de drenagem, mas por questões financeiras foi

Fig. 21 exemplo de OCUPAÇÃO do solo em salvador NA BACIA DO CAMARAJIPE, os menos favorecidos ocupando as encostas (autor, 2014)


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apenas iniciado e pouco tempo depois interrompido. Colaborando com esse raciocínio, Fernandes afirma: Já em 1905, Theodoro Sampaio, em um relatório elaborado sobre a necessidade de infraestrutura da cidade, no capítulo que intitula “As Ruas”, desenvolve o esquema de uma proposta de plano para Salvador, onde ressalta que as três características essenciais da cidade moderna são o saneamento, o embelezamento e a comunicação, deixando entrever claramente a necessidade de um plano (FERNANDES et al., 1995, p.756).

Em 1926, o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito propõe um novo projeto para aumentar a rede, acrescentando novos direcionamentos ao projeto de Theodoro Sampaio para o sistema de abastecimento e rede de esgoto de Salvador. Segundo Pinheiro (2011), Saturnino de Brito recusou os dois primeiros convites para elaborar planos de desenvolvimento do saneamento, porque discordava que tais obras ficassem ao encargo de empresas privadas e por estar envolvido no projeto para Recife. Finalmente, em 1925, Saturnino de Brito aceita o convite das autoridades baianas para elaborar um plano para a capital. Diversos estudos elaborados por Saturnino de Brito com vistas a resolver o problema das enchentes indicavam o enxugamento de águas superficiais estagnadas, drenagem de valas e condutos subterrâneos, retificação dos cursos d’ água, dessecamento de pântanos, esgotos pluviais e sanitários, calçamento, iluminação artificial, incineração de lixo, habitações salubres, jardins e arborização de solos, suprimento de água potável (BRITO, 1928). Apesar do detalhado esforço de Saturnino para o abastecimento e a ampliação da rede de esgoto e sistema de drenagem superficial e subterrânea, o plano não chegou a ser executado.


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Contudo, o maior legado do seu trabalho para Salvador foi subsidiar conceitualmente o planejamento da cidade na perspectiva do seu crescimento. Os planos de Saturnino de Brito vão influenciar as discussões da “I Semana de Urbanismo de 1935” 16 e, consequentemente, as ações de planejamentos delineadas pelo EPUCS17. Sem dúvida, a minuciosa análise do meio físico, das características particulares do sítio e a relação do relevo com o sistema de drenagem foram uma importante contribuição para o entendimento da forma urbana e a relação com o processo de desenvolvimento. Segundo o arquiteto e urbanista Antônio Heliodório Sampaio (1999), Saturnino de Brito de certa forma anteviu as chamadas “avenidas de vale”, quando propôs um sistema de drenagem e captação das águas articulado em canais de fundos de vales, agregando o sistema de circulação de veículos e um tratamento paisagístico para essas zonas de vales. Esse modelo viário foi posteriormente divulgado e enaltecido na Semana de 1935 e, em seguida, planejado de fato pelo EPUCS. As avenidas foram sendo executadas ao longo da segunda metade do século XX, vindo a formar a maior parte da malha viária atual, ligando os bairros da cidade. Para efeito de esclarecimento, os conceitos sobre as avenidas drenantes formulados pelo engenheiro Saturnino de Brito, tornaram-se referência nos estudos de saneamento de cidades, incorporando soluções urbanísticas que articulavam circulação viária com saneamento e [16] A semana de urbanismo de 35, que aconteceu de 20 a 27 de outubro de 1935, foi organizada pela Comissão do plano da cidade de Salvador. Foi uma série de fóruns e palestras sobre a cidade, seus problemas e possíveis soluções. Antônio Heliodoro L. Sampaio(1999) afirma sobre esse período: “O certo é que a I Semana de Urbanismo, de 1935, fecha e abre um novo ciclo, demarcando a passagem para um outro ideário, não mais centrado naquela visão parcelar ou setorial da cidade, aqui nominado de “urbanismo tópico”, de viés sanitarista e estético-viário, introduzindo outras questões, que vão provocar uma crítica às práticas de então.”(SAMPAIO, H. 1999, p.174) [17] O Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS), iniciou suas atividades na primeira metade da década de 1940, exercendo protagonismo no planejamento urbano da cidade e a ajudou a solidificar as bases da arquitetura moderna na Bahia.


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drenagem. As aplicações postas em prática na cidade de Salvador, como em outras cidades brasileiras, dos conceitos das avenidas de fundo de vale, não se alinhavam com as ideias de Saturnino, pois as questões acerca do saneamento e drenagem eram colocadas em segundo plano, em detrimento dos aspectos viários. Um exemplo nacionalmente conhecido desse desequilíbrio conceitual foram as obras de retificação do rio Tiête, que estavam incorporadas aos Planos das Avenidas, elaborado por Francisco Prestes Maia. Entretanto, é importante salientar a diferença entre o modelo executado por Prestes Maia e os conceitos de Saturnino de Brito (figura 22). Expondo de forma simplificada, o plano proposto por Saturnino se aprofundava nas questões hídricas, respeitando as planícies de inundação e, de alguma maneira, os meandros tão característicos dos rios paulistas.

Fig. 22 Plano elaborado pelo engenheiro saturnino de Brito para melhoramentos do Tietê, 1925 (fonte: http://usp.br/fau/docentes/ depprojeto/c_deak/CD/5bd/1rmsp/plans/h1saturn/index.html)


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Semana de 35, epucs e os planos fusionais Como visto nos tópicos precedentes, uma série de medidas foram tomadas na tentativa de solucionar os problemas urbanos de Salvador, como intervenções urbanas tópicas e a criação de mecanismos de controle higiênico. Segundo Fernandes et al (1995), a constituição do urbanismo na cidade é configurada por duas vertentes: técnica, essencialmente na busca por salubridade, e estética, na perspectiva de uma nova cidade. Esse era também o cenário que marcava os planos e projetos para as cidades europeias e americanas. No Brasil, em algumas cidades, a atuação do urbanismo como disciplina iniciava-se como protagonista no planejamento das cidades, materializando-se em ações concretas. Sobre esse novo momento na abordagem do estudo e desenvolvimento das cidades, Secchi comenta: [...] Nunca, como no século vinte, o fenômeno urbano foi tão extensamente estudado. Como um desvio sensível em relação ao século dezoito e dezenove , quando quem se ocupava das cidades eram principalmente os médicos, higienistas, engenheiros ou estudiosos das denominadas ciências de polícia, novas disciplinas, destacando-se de um tronco principal, com uma divisão e especialização do trabalho, o assumem como próprio e específico objeto de pesquisa, cada uma se subdividindo em áreas mais específicas como, por exemplo, a geografia urbana, a história urbana, a sociologia urbana, a economia urbana e as ciências regionais (SECCHI, 2009, p.41).

Pode-se dizer que a primeira “experiência” urbanística moderna em Salvador tem seu foco em três grandes intervenções: a modernização do Porto (1906-1921), a remodelação e ampliação do centro de negócios (Cidade Baixa)e a abertura da avenida Sete de Setembro (Cidade Alta). Todas essas obras são da primeira gestão do


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governador J.J. Seabra (1912-1916). O projeto de remodelação da cidade ficou a cargo do engenheiro Alencar Lima, e “implicou a destruição (total ou parcial) de inúmeros prédios antigos, incluindo a demolição da Igreja Matriz de São Pedro” (FERNANDES, 1995). A derrubada da Sé Primacial do Brasil, em 1933, significou um ponto de inflexão preponderante nos conceitos que visavam a modernização da cidade. No bojo das discussões sobre o acontecimento, como apresentado anteriormente, instala-se a Semana de Urbanismo, em 1935, com a finalidade de “elaborar o plano de remodelação, embelezamento e expansão da cidade do Salvador”. A realização tinha à frente a Comissão do Plano da Cidade do Salvador. Três pontos fundamentais se identificam nas propostas da semana: 1º) um plano para regular o crescimento da cidade; 2º) a definição de um zoneamento como instrumento do urbanismo; 3º) a preocupação com o patrimônio histórico e com as suas instituições, este último o reflexo direto das preocupações oriundas da demolição da catedral da Sé (FERNANDES et al,1995). Para o plano urbanístico, a proposta credenciada é a apresentada pelo engenheiro Mario Leal Ferreira, em 1944, dando início à constituição do EPUCS, em 1946. Segundo Fernandes (1995), a atuação pode ser sintetizada por: intervenção urbanística com conhecimento prévio global da cidade, de acordo com os fatores constituintes (físicos, sociais e econômicos); uma metodologia interdisciplinar e multidisciplinar – com influência do “comprehensive planning” (americano) e “town planning” (inglês) –, trazendo as marcas das zonas concêntricas de Burgess, radiocêntrica de Hénard, articuladas às teorias de Patrick Geddes. Nesse sentido, como já comentado, as vias de fundo de vale (figuras 23 e 24) e de cumeadas tinham suas articulações ligadas aos fluxos de movimento centro-bairro e bairro-bairro. As experiências


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Fig. 23 AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, REgiÃO DA TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). iMPlANTAÇÃO DAs AVENiDAs DE VAlEs EM sAlVADOR, PROPOsTAs PElO EPUCs. PRiMEiRO PlANO(TRACEjADO) O lOCAl DE DEsViO DO DO RiO CAMARAjiPE, POssÍVElMENTE DéCADA DE 1960 ( FONTE: ACERVO FgM/PMs, sEM DATA)

rot. abacaxi

av. bonôco

rio camarajipe novo canal t. rodoviário

antigo leito

shop. iguatemi

Fig. 24 EVOlUÇÃO URBANA DA REgiÃO DA AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, sUPREssÃO DAs VÁRZEAs MAjORiTARiAMENTE OCORRiDA PElA iMPlANTAÇÃO DO sisTEMA ViÁRiO DE AlTA CAPACiDADE ( FONTE: gOOglE EARTH, 2012)


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levadas a cabo pelo EPUCS não foram concluídas em todas as etapas propostas, entretanto marcaram as bases e as linhas norteadoras para as pesquisas, planos e futuras intervenções na cidade. Apesar do empenho de Mario Leal Ferreira e, posteriormente, do arquiteto Diógenes Rebouças na direção do EPUCS, no sentido de uma iniciativa de planejamento inédita na cidade, isso não foi suficiente para dar respostas imediatas ou acompanhar o inchaço populacional em Salvador no período de atividade do escritório. Sobre a pressão migratória e a relação com a habitação na cidade, a arquiteta Angela Gordilho Souza afirma: Em relação aos movimentos sociais por moradia em Salvador, no ínicio da década de 1940, com forte crise habitacional que se estabeleceu na cidade, surgiram as primeiras invasões, promovidas por movimentos de ocupação coletiva das massas migratórias, observando-se que, apesar de intervenções repressivas do Estado, desde o surgimento do fenômeno até os dias atuais, na sua maioria se consolidaram, fortalecendo os chamados movimentos sociais urbanos (GORDILHO,1990 apud GORDILHO,1997).

Enquanto as ideias e planos eram elaborados pelo EPUCS a industrialização no país ganhava forma em escala nacional, somando-se à desmobilização da antiga estrutura agrária, culminando numa pressão migratória sobre as cidades, pois as indústrias eram implantadas também próximas aos grandes portos que invariavelmente estavam no núcleo central das grandes cidades costeiras. O processo de industrialização vai se firmar a partir de 1930, saindo do foco a agricultura cafeeira e se preparando para a industrialização em uma nova etapa, com a instalação da indústria automobilística, entre as décadas de 1950 e 60 (MARICATO, 2000). Salvador sofreu o impacto da industrialização com a instalação na região metropolitana do Centro Industrial de Aratu, Petrobrás e principalmente o Polo Petroquímico de Camaçari em 1978, que


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provocaram fluxos migratórios vindos do interior e que passaram a ocupar regiões carentes de infraestrutura para atender a essa nova demanda. Nesse sentido, a ocupação territorial em áreas menos nobres e, principalmente, nas margens dos rios (figura 25) e fundos dos vales ou, como se diz popularmente, perto do valão, acarretou grandes problemas sociais e ambientais.

Fig. 25 exemplo de ocupação informal no fundo dos vales, bairro de Bom juá. ( fonte: acervo fgm/pms, 1981)

De acordo com a citação de Gordilho (1997) sobre o crescimento da cidade entre 1940 e 1950, Sampaio H. (1999) relata que nesse período a cidade teve um incremento de 127 mil pessoas, saltando de 290 mil habitantes em 1940 para 417 mil no final da década (SAMPAIO, H. 1999). Entre as décadas de 1940 e 1980, o exôdo rural definiu o perfil da sociedade brasileira de rural para urbana. Para Rolnik (2008), tal movimento socioterritorial resultava de um modelo de desenvolvimento urbano no qual as faixas de menor renda eram desassistidas de condições básicas de urbanidade e de inserção efetiva na cidade.


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As avenidas de vale passaram a ser importantes referências de espaço para a implantação do sistema viário urbano. Segundo Oseki e Estevam (2006): A implantação das avenidas de fundo de vale representava importante mudança nas referências espaciais da cidade, unindo loteamentos antes separados por córregos e trazendo uma grande quantidade de pessoas e mercadorias circulando por estas modernas vias.[...] Posteriormente, isto ainda foi associado a programas de relocação habitacional de populações invasoras das margens de rios, o que possibilitava à administração pública marcar presença, “saneando”, ambientalmente e socialmente, vários setores da cidade com consequente dividendos políticos” (OSEKI et al, 2006, p.83).

Esse amplo programa de ampliação da rede viária que teve início na década de 50, e se estende os dias de hoje (2014), representa o grande marco das ações de engenharia para canalização e retificação dos cursos de água (figura 26), da abertura das avenidas de vale, mas também do encapsulamento dos córregos, da supressão das várzeas, do

Fig. 26  exemplo de supressão de várzea em salvador, retificação do rio camarajipe na avenida Antônio carlos magalhães (fonte: acervo fgm/pms)


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aumento das enchentes, do comprometimento da relação entre a sociedade e a natureza e, consequentemente, da quase ausência ou até distanciamento do rio na paisagem urbana.

O desvio do rio e o surgimento do canal Em relação ao objeto de estudo, sem dúvida o estabelecimento de uma nova foz para o Camarajipe foi a mais drástica interferência da estrutura urbana em cursos d’água em Salvador, marcando profundamente e definindo a atual composição hídrica da cidade. Durante o desenvolvimento desse trabalho, algumas intervenções já foram descritas e contextualizadas em relação à cidade, como também no que diz respeito aos conceitos urbanísticos vigentes que influenciaram essas ações. Porém, a relevância das transformações na estrutura urbana, impostas pelo desenvolvimento da região onde rio sofreu o desvio, merece maiores esclarecimentos. A área em questão compreende o epicentro do vetor norte de expansão, mais especificamente a região do Iguatemi. No PDDU18 de 2012 é descrita como CMC 19(mapa 08), contudo anteriormente era considerado como o sub-centro do Camarajipe (PLANDURB, 1978). Essa região já estava sob posse das empresas do setor da construção civil, que se “adiantaram” em antever o futuro vetor de crescimento da cidade, captando assim grande porcentagem do direito de uso do solo dessa nova área a ser desbravada, defendendo, com os mais diversos argumentos e instrumentos, a rentabilidade do investimento e o crescimento no sentido vetor norte. Dessa forma, delineando o futuro da estrutura urbana de acordo com os interesses econômicos dessas corporações. Esse empenho em salvaguardar a área pode ser identificado em alguns documentos institucionais, como o relatório de Planejamento Geral [18] Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. [19] CMC - Centro Municipal Camaragibe, No plano diretor considera-se que a cidade possui três centros urbanos. (PDDU, 2004)


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SÃO TOMÉ DE PARIPE

REPRESA IPITANGA II PARIPE

CEASA FAZENDA COUTOS

LAGOA DA PAIXÃO

COUTOS

BICO DOCE PERIPERI

PALESTINA

VALÉRIA

PARQUE SÃO PAULO PRAIA GRANDE

PARQUE DE PIRAJÁ

ESCADA

REPRESA DO COBRE

ALTO DA STA.TEREZINHA ITACARANHA

BAÍA DE TODOS OS SANTOS

JD DAS MARGARIDAS

DOM AVELAR

CASTELO BRANCO VILA CANÁRIA

RIBEIRA

LOBATO

IPITANGA

PARQUE DE EXPOSIÇÕES

FLAMENGO

SUSSUARANA CALABETÃO

FAZENDA GRANDE

NOVA SUSSUARANA

BEIRU / TANCREDO NEVES ENGOMADEIRA

SANTA MÔNICA IAPI

RESGATE

PARQUE DO ABAETÉ PIATÃ

CAB

CABULA VI

CX. D'ÁGUA PAU MIÚDO

STELLA MARIS

NOVA BRASÍLIA COSTA VERDE

CONJ. ACM

LIBERDADE

ÁGUA DE MENINOS

AEROPORTO

CANABRAVA

MATA ESCURA

CALÇADA

SÃO CRISTOVÃO MUSSURUNGA

SÃO MARCOS

SÃO CAETANO

MARES

JARDIM NOVA ESPERANÇA NOVA BRASÍLIA

CAPELINHA

URUGUAI

BOA VIAGEM

PARQUE SÃO CRISTOVÃO

SETE DE ABRIL

MARECHAL RONDON

BONFIM MASSARANDUBA

IPITANGA I

PIRAJÁ

PAU DA LIMA

MONTE SERRAT

BOCA DA MATA

CAJAZEIRA

PARQUE SÃO BARTOLOMEU

PLATAFORMA

ITAPAGIPE

LAURO DE FREITAS

ÁGUAS CLARAS

PLACAFORD

ITAPUÃ

PATAMARES PARQUE DE PITUAÇU

SABOEIRO

CIDADE NOVA COMÉRCIO

BARBALHO

IMBUÍ VILA LAURA

NAZARÉ

SÃO PEDRO BARRIS CAMPO GRANDE

COSME DE FARIAS

DIQUE DO TORORÓ ENG. VELHO DE BROTAS

IGUATEMI CAMINHO DAS ÁRVORES

ITAIGARA

GRAÇA FEDERAÇÃO

ENGENHO VELHO DA FEDERAÇÃO

BARRA

BOCA DO RIO STIEP ARMAÇÃO

BROTAS

GARCIA

VITÓRIA

PITUAÇU

PERNAMBUÉS

PARQUE DA CIDADE

COSTA AZUL PITUBA

ALTO DA SANTA CRUZ

PRAIA ARMAÇÃO

OCEANO ATLÂNTICO

NORDESTE

ONDINA

0

AMARALINA

PRAIA DA PACIÊNCIA

RIO VERMELHO

1.400m

LEGENDA REDE VIÁRIA ESTRUTURAL Vias Expressas existentes Vias a serem duplicadas Vias existentes Vias a serem construídas Metrô MAPA 08. lOCAliZAÇÃO NA CiDADE DO CMC (CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE ) sisTEMA ViÁRiO EXisTENTE, lOCAl DO DEsViO NO CAMARAjiPE E O NOVO CANAl E O ANTigO lEiTO (FONTE: PDDU 2012. ElABORADO PElO AUTOR)

CENTROS MUNICIPAIS Centro Municipal Tradicional - CMT Centro Municipal Camaragibe - CMC

HIDROGRÁFIA Rio Camarajipe Novo canal Antigo leito Malha hídrica Zonas de inundação que foram sanadas com o desvio Ponto da Intervenção curso do rio


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do sistema de esgoto sanitário da Cidade de salvador(PGsesCs) de 1968, contratado pela sUdene, que registra a suposta e inesperada valorização imobiliária dessa região, relatando os problemas da implantação de um emissário submarino e, consequentemente, a construção de uma estação de tratamento na região em questão. descreve-se assim no relatório: Há que considerar, também, a valorização dos terrenos vizinhos à foz do rio, no Chega Negro. A construção do Colégio Militar na Pituba e a implantação do Jóquei Clube, próximo ao povoado de Pernambués, trouxe uma súbita e forte valorização de toda a área. Hoje, desde o ponto da bifurcação do rio até o Chega Negro, os terrenos custam, em média NCr$ 30,00 por metro quadrado, tornando quase que proibitiva a reserva da área requerida para uma estação de tratamento completo. Além disso, a presença de tal estação, nas imediações de uma zona residencial, traria prejuízos consideraveis aos proprietários atuais, pela desvalorização de seus terrenos (SUDENE, 1968, PGSESCS, Volume 02).

observando a indicação do relatório, pode-se afirmar que, invariavelmente, muitas decisões de cunho urbanístico foram direcionadas por questões econômicas/especulativas, sobrepondo-se aos argumentos técnicos. a exemplo de como as grandes corporações influenciaram a forma urbana, temos o documento da empresa odebrecht, que, de forma “gentil”, disponibiliza para a Prefeitura de salvador o estudo para a urbanização desse trecho do novo centro. Tal documento exemplifica as intenções sobre esse novo centro em consolidação, em detrimento do centro tradicional, visto nesse momento como local “ultrapassado” e inadequado às novas demandas. seguem fragmentos do documento original (figura 27), pesquisado na FMlF. a criação e ocupação desse novo centro foram determinantes no retrato atual da metrópole, mas, para que houvesse viabilidade econômica e urbanística dessa área, alguns entraves precisaram ser solucionados. os principais obstáculos a serem superados na conquista desse território foram os problemas relacionados ao saneamento e à vulnerabilidade a enchentes. esse último impedimento era causado pelo vetor de circulação e expansão e muitas glebas ocuparem a planície de inundação


Fig. 27 documento elaborado pela odebrecht para a prefeitura de salvador contendo estudo de urbanização de trecho no entorno do camarajipe, região do CMC (fonte: FMLF, 1978)


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do rio Camarajipe, sendo necessário sanear a região para prevenir futuros transtornos que o rio poderia causar com as enchentes. Vale ressaltar que essa situação não atinge o ponto de calamidade se os ciclos hidrológicos forem respeitados, compreendendo, assim, as zonas suscetíveis às inundações naturais e fazendo uso compatível com essa pré-condição. Além disso, outras áreas, como o bairro do Rio Vermelho, a jusante pré-desvio, já vinham sofrendo com os efeitos danosos da ocupação das várzeas. Para vencer esse entrave sanitário e hídrico, foi proposta e executada uma das mais drásticas mudanças na estrutura do rio Camarajipe, alterando profundamente a composição das bacias hidrográficas do município. Pode-se afirmar que essa intervenção teve um alto grau de desestruturação do rio Camarajipe, pois, além de transferir o local da sua desembocadura, inverteu-se a direção de um afluente, via dragagem, com o objetivo de re-direcionar o seu fluxo para uma outra direção, utilizando o leito desse afluente conjugando-o ao rio Chega Negro, pertencente a outra bacia hidrográfica. O rio passou a ter dois pontos de desague: o natural, representado no mapa 09, cartografia do ano de 1952, que confirma o curso original e desague próximo ao largo da Mariquita (Praia de Paciência) no bairro do Rio Vermelho e o novo, na praia homônima ao rio Chega Negro20. Atualmente, o desague é feito exclusivamente através desse último. Compreendendo que a partir do ponto de desvio (figuras 28 a 31) as águas seguem pelo canal do Camarajipe e o antigo leito do rio, por possuir fluxo proveniente de afluentes a jusante do desvio, ainda é chamado de Camarajipe e ainda desagua na antiga foz. O resultado dessa intervenção, isto é, a estrutura urbana em desenvolvimento prevalecendo sobre o ambiente natural, acarretando uma nova composição das bacias hidrográficas do município(mapas 10 e 11): A do rio Camarajipe, que se conjugou à bacia do Chega-Negro, e o surgimento da bacia do rio Lucaia, intervenção que influiu diretamente na estrutura hídrica da cidade. [20] Praia do Chega-Negro no bairro Costa Azul, conhecida atualmente como praia de Armação


MAPA 09. CARTOgRAFiA DE 1952, O TRAjETO DO RiO CAMARAjiPE é REPREsENTADO ANTERiOR AO REDiRECiONAMENTO, PORéM NEssE ANO O RiO PROVAVElMENTE jÁ TiNHA sOFRiDO O DEsViO.(FONTE: HTTP://www.CiDADE-sAlVADOR. COM/sECUlO20/MAPA-1952.HTM, CiRCUlO AMARElO iNTERVENÇÃO DO AUTOR iDENTiFiCANDO O lOCAl DO DEsViO)

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MAPA 10. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs ANTEs DO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)

2

4km

MAPA 11. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs APós AO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)

2

Bacia hid. Camarajipe

Local do redirecionamento

Bacia hid. do rio Chega Negro

Centro histórico

Atual bacia hid. rio Lucaia

trecho redirecionado sentido do fluxo d’água

4km


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Fig. 28 ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1959, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE. A iMAgEM DEMONsTRA qUE, APEsAR DO AlTO gRAU DE CONsERVAÇÃO DOs PROCEssOs NATURAis E A NÃO OCUPAÇÃO PElA EsTRUTURA URBANA, AlgUMAs iNTERVENÇÕEs URBANÍsTiCAs jÁ EsTÃO EM CURsO iNTERFERiNDO NOs PROCEssOs NATURAis, EM EsPECiAl Os AsPECTOs HÍDRiCOs. O RiO NEssE MOMENTO jÁ ENCONTRAVA-sE RETiFiCADO E REDiRECiONADO (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1959)

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Fig. 29 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1976, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE. iNTENsA iNTERVENÇÃO EM CURsO, PARA ADEqUAR A ÁREA COM O OBjETiVO DE FORMAR NOVO CENTRO DE ATiViDADEs DE COMERCiO, sERViÇO E EMPREsARiAl. TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi (sHOPPiNg igUATEMi) iNsTAlADOs. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1976)


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Fig. 30 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1992, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). ÁREA COM AlTO gRAU DE CONsOliDAÇÃO DA EsTRUTURA URBANA, CANAl COM sUAs CAlHAs REVERTiDAs DE ARgAMAssA ARMADA. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1992)

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Fig. 31 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 2014, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi).CONsOliDAÇÃO DA OCUPAÇÃO E iNTERVENÇÕEs ViARiAs. (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)


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Não se sabe ao certo a data dessa intervenção, a publicação O Caminho das Águas de Salvador (SANTOS, H, et al,2010) considera que essa obra foi feita na década de 1970 pelo extinto DNOS. Entretanto, e de acordo com a aerofotografia do ano de 1959 cedidas pelo INFORMS/ CONDER (figura 28), é correto afirmar que essa intervenção foi anterior a essa data, pois é possível identificar nessa imagem o redirecionamento do seu curso. Além disso, o Plano de Saneamento de 1968 informa que: Mais para jusante, na altura do povoado de Pernambués, o Camorogibe foi dragado e desviado para o vale do riacho Chega Negro, ficando assim, com duas desembocaduras. Esse desvio processou-se inicialmente pelo vale do riacho Pernambués e venceu, com pequena escavação, o divisor de águas desse riacho com o Chega Negro. É por ai que escoa hoje a maior parte da descarga do Camorogibe (SUDENE, 1968, PGSESCS, Volume 02).

Ao longo dessa pesquisa o questionamento sobre a época dessa intervenção ficou sem uma resposta aceitável, o que dificultou a elaboração do panorama das ações de planejamento sobre o rio e sua bacia, principalmente por se tratar de uma intervenção de grande magnitude, não só no processo natural do rio Camarajipe como em boa parte da estrutura hídrica da cidade. Por bem, no decorrer da elaboração deste trabalho, em meio a inúmeras pesquisas sobre o rio e a bacia hidrográfica, ficou claro que algumas informações deveriam conter a forma da grafia antiga ou diferente da adotada nesse estudo. Numa pesquisa com a grafia utilizada no Plano de Saneamento citado acima, foi encontrada uma reportagem do jornal carioca o Correio da Manhã do ano de 1948, contendo uma pequena nota sobre a contratação de máquinas para a dragagem do leito do rio Camarajipe (figuras 32). Esse fragmento ajudou a suscitar a questão sobre a data da obra de transferência de desembocadura sofrida no curso do Camarajipe. Portanto, para este estudo, aceita-se que a intervenção urbanística que alterou o curso natural do rio foi executada entre o final da década de


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1940 e os primeiros anos da década de 1950. Já que a manchete da reportagem é bem direta: “Um novo canal substituirá o leito do rio.” Afirma-se na nota que: “…sua dragagem tem a dupla finalidade de urbanizar e sanear um dos mais aprazíveis bairros da cidade do Salvador. Virá depois a expansão, a valorização e loteamento de suas terras.” Este trecho vem reiterar a afirmação colocada anteriormente sobre direcionamento dos interesses econômicos nas prioridades urbanísticas com finalidade de valorizar o patrimônio dos interessados, reiterando que, as questões econômicas sobrepõem-se

Fig. 32 recortes do periódico correio da manhã de 13 de outubro de 1948 comunicando a liberação dos serviços para dragagem do rio camarajipe (fonte: acervo da fundação biblioteca nacional em biblioteca nacional digital brasil, hemeroteca digital brasileira http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_05&PagFis=43822)


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em detrimento de argumentos técnicos. Observando grafia do nome do rio, é possível compreender essa confusão quando, nesta nota da edição de 13 de outubro de 1948, o Correio da Manhã apresenta três formas diferentes o nome do rio, “Camorejipe”, “Camorogibe” e “Camorogipe”. Para efeito de esclarecimento, o trecho do antigo leito do Camarajipe ainda permanece com fluxo, porém não recebe contribuição de volume a montante do ponto de desvio, mas de afluentes ativos a jusante desse ponto. Dessa forma, esse trecho não pode ser considerado como um “braço morto” do Camarajipe, mas deve ser tratado como um outro rio, como demonstrado nos mapas 10 e 11, que ilustram as transformações na composição das bacias hidrográficas, assim como nos rios e córregos. A partir da década de 1990, esse quadro tem outro revés com a instalação da estação de captação em tempo seco no local do desvio. Essa captação teve o proposito de direcionar o volume de estiagem para a estação de condicionamento prévio Parque Paulo Jackson no Lucaia, bairro do Rio Vermelho. Refazendo o caminho natural do rio por meio de tubulações.

Entre a encosta e o riacho: a aplicação tardia de ideias urbanas superadas As grandes concentrações urbanas, e o impacto da industrialização provocaram mudanças no perfil da sociedade da área rural para urbana. Em decorrência do desenvolvimento tecnológico, ocorreu uma grande concentração de problemas: aglomerados urbanos, pobreza, violência, criminalidade, situações de riscos e degradação ambiental, deficiência de serviços e infraestrutura, de saneamento e de habitação. A história das cidades nada mais é que uma sucessão


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de “camadas temporais”, resultado do acúmulo de percepções, sentidos sociais, econômicos e ambientais construídos. Ainda segundo Maricato (2000), as assim chamadas “décadas perdidas”, os anos 1980 e 90, são definidas pela marcante concentração da pobreza na área urbana. A autora declara ainda que é justamente nesse período que estão as origens da tragédia urbana brasileira: enchentes, desmoronamentos, poluição dos recursos hídricos, poluição do ar, impermeabilização da superfície do solo, desmatamento, congestionamento habitacional, retorno de epidemias, violência etc. O Brasil também, ainda nos dias atuais, não difere do cenário observado no que tange aos rios urbanos. A explosão demográfica, os processos migratórios internos e externos, transformaram as pequenas vilas em núcleos urbanos intensamente adensados devido ao incremento dos pólos industriais. Essas considerações podem ser vistas como uma amostra dos debates e controvérsias que, de forma reincidente, evocam as preocupações quanto ao processo de urbanização, com cidades “tentaculares”, “difusas”, megacidades onde emergem temas-problemas que merecem atenção no contexto urbano. Acerca do processo de intensificação das grandes intervenções na cidade de Salvador na segunda metade do século XX, formando o aspecto da cidade “moderna”, Muñoz comenta: O processo de modernização e expansão urbana que se inicia nos anos 60 em Salvador, caracteriza-se pela emergência de novos bairros, adaptação de infra-estrutura existente, substituição de volume edilício e implementação de um novo sistema viário. [...] as grandes transformações urbanas da década de ’60. A construção do sistema de avenidas proposto pelo EPUCS (Escritório do Plano Urbano da Cidade do Salvador), implementação tardia do Plano Urbano dos anos `40, determinou alterações no tecido existente, modificações nos padrões de uso do solo, reformulação das linhas de transporte e, a partir destas, a criação de novos valores locacionais. (HERNÁNDEZ MUÑOZ,1999)


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Esse processo de transfromação urbana seguindo modelos ultrapassados, não é exclusivo de Salvador. De forma geral, é possível observar que se a cidade altera dinamicamente a sua forma, sua ocupação é resultado de constantes mudanças induzidas por condições econômicas, sociais, políticas e demográficas - a decadência dos bairros centrais, a ocupação difusa pelos arredores invadindo a antiga área rural e velhos edifícios substituindo os novos (HOUGH, 1998, SARGOLINI, 2013). Embora a questão da ocupação do solo urbano contenha os debates já conhecidos, na medida em que articula com superfícies impermeáveis, o sistema de drenagem que leva os excessos de água da chuva para fora da superfície urbana, e principalmente a evidência de que o ciclo hidrológico natural foi interrompido, resulta frequentemente em inundações instantâneas e erosões. Desse modo, Hough afirma que: As inundações são causadas por grandes áreas de pavimentação impermeáveis e pela concentração de correntes de água em pontos específicos. Quanto maior a corrente que provoca a tormenta, maior é o crescimento dos rios e a magnitude da inundação. Ao contrário, quanto maior é o volume de água que corre, menos passa para as águas subterrâneas e para os riachos (HOUGH, 1998, p.39-41,).

Como bem assinala Mumford (1961), “o que caracteriza a cidade é a sua complexidade social de propósitos”. O ambiente urbano tem se reconfigurado e as mudanças surgem não só na paisagem física, mas também na percepção das pessoas que ali habitam. O distanciamento dos aspectos ambientais, a imersão na tecnologia cujos fins são econômicos desnaturalizam a relação do ser humano com o meio ambiente. O ocultamento da paisagem natural afasta o habitante das cidades dos processos naturais. É essencial, portanto, entender a cidade como uma forma derivada em primeiro lugar, da evolução geológica e biológica, que existe como uma soma de processos naturais e que tem sido adaptada pelo homem, e em segundo lugar, também é necessário perceber o desenvolvimento histórico da cidade como uma sucessão de adaptações culturais, que se


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refletem no plano da cidade e nos edifícios. Nesse sentido, algumas adaptações são boas e permanecem, outras não. Aquelas que perduram fazem parte do inventário de valores, outras vão sucumbir como adaptações desafortunadas (MCHARG, 2000). Para finalizar a primeira parte, no que se refere as transformações, optou-se por expor uma linha do tempo (figura 33), localizando os momentos principais tratados, que de maneira direta ou indireta influenciaram o panorama atual da bacia hidrográfica e, consequentemente, o rio Camarajipe (itens em vermelho).

1800 1852 • IMPLANTAÇÃO DA CIA. DE QUEIMADOS 1852 • INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DO RESERVATÓRIO DA CRUZ DO COSME, REPRESANDO O RIO QUEIMADOS AFLUENTE DO CAMARAJIPE 1853 • CRIAÇÃO DA JUNTA DE HIGIENE 1855 • INÍCIO DO SURTO CÓLERA

1864 • PLANO DE ASSEIO DA CIDADE, DIRETRIZES PARA DESCARTE E COLETA DE RESÍDUOS

1810 1820

DO DIQUE DO TORORÓ, CONSTATAÇÃO ATRAVÉS DE EXAMES E PESQUISA

1905 • CONTRATAÇÃO DO ENG. THEODORO SAMPAIO PARA AMPLIAÇÃO DE REDE DE ABASTECIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTO

TRANSMITIR CONCEITOS DE HIGIENIZAÇÃO

1830 1840

1850 1860 1870 1880

1899 • PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO D’ÁGUA

1831 • PUBLICAÇÃO DO CÓDIGO DE POSTURAS,

1890

1850*/1870* • INTERVENÇÃO NA RUA DA VALA, CANALIZAÇÃO DO RIO DAS TRIPAS PRINCIPAL AFLUENTE DO RIO CAMARAJIPE

1880* • LIGAÇÃO DA REPRESA DE MATA ESCURA AO SISTEMA DE ABASTECIMENTO. REPRESAMENTO DO RIO CAMARAJIPE. AMPLIAÇÕES ATÉ 1900*

1900 1910

1925 • ENG. SATURNINO DE BRITO PROJETA A EXPANSÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO

1920

DE ÁGUA E REDE DE ESGOTO

1930

1933 • DEMOLIÇÃO DA IGREJA DA SÉ 1935 • SEMANA DE URBANISMO

1940 1943 • INSTALAÇÃO DO EPUCS

1950 1960

DÉCADA 1980 • REPRESA DE MATA ESCURA DESATIVADA PARA ABASTECIMENTO PÚBLICO DE ÁGUA, COMPROMETIMENTO DA

1970

1950** • INÍCIO DAS OBRAS DE REDIRECIONAMENTO DO RIO CAMARAJIPE, INVERSÃO DE UM AFLUENTE E SURGIMENTO DO CANAL CAMARAJIPE SOBRE ANTIGO LEITO DO CÓRREGO CHEGA NEGRO

1980

QUALIDADE DE SUA ÁGUA

1990 * INÍCIO DA DÉCADA

2000

1992 • IMPLANTAÇÃO DA ESTAÇÃO DE CAPTAÇÃO EM TEMPO SECO

**FINAL DA DÉCADA DE 1940 E INÍCIO DA DÉCADA 1950 Fig. 33 LINHA DO TEMPO DELIMITANDO OS MOMENTOS QUE FORMARAM O PANORAMA ATUAL DA BACIA HIDROGRÁFICA E O RIO CAMARAJIPE


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PARTE 2 [LIMITE] “Como as cidades habitam os rios?” - Conceitos e processos de restauração de um rio urbano A questão colocada no primeiro capítulo da publicação Rios e paisagens urbanas, organizada por Lucia Costa (2006, p. 10), acerca dos conflitos entre os processos fluviais e os de urbanização, é o eixo conceitual utilizado nesta parte do presente capítulo. Abordando como a cidade de Salvador tem habitado o seu rio mais significativo - o rio Camarajipe, que delimita os espaços entre a antiga ocupação urbana e os novos tecidos. Para entender as alterações no seu traçado, foi necessário compreender como as ideias que vinham de outras experiências de rios urbanos influenciaram essas intervenções e qual a relação dessas com o crescimento da ocupação urbana. O descompasso entre as ações de planejamento e o acelerado processo de urbanização das cidades resultaram, em muitos casos, em um elevado comprometimento ambiental dos territórios ocupados, como demonstrado na imagem 34.

Fig. 34 tipologia de ocupação no leito do Camarajipe, bairro do retiro (fonte: acervo do autor, 2013)


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O rio que desagua no mar, na praia de Armação, que a população já nem sabe mais se é mesmo um rio ou um canal de esgoto, tal o seu nível de degradação, - cheiro fétido, inexpressividade como elemento estruturador da paisagem, - só é protagonista nas manchetes dos jornais na estação chuvosa, quando suas águas transbordam e inundam as vias públicas, por vezes impedindo a circulação de veículos e pedestres. Contudo essa situação não é exclusividade de Salvador, pode ser considerada como regra nas metrópoles brasileiras. Como pondera Costa (2006), “ a relação de intimidade entre rios e cidades brasileiras, entretanto, não tem se dado sem conflitos”, pois o que se vê são suas margens tomadas por habitações informais, transformadas em recipientes de lixo e esgoto doméstico e industrial. As enchentes periódicas têm sido a reação ao descaso, ao aprisionamento, ocultamento e, principalmente, a ocupação das várzeas. Esse cenário transcende fronteiras e nacionalidade, estando vinculado ao padrão de desenvolvimento urbano conjuntamente ao nível de desenvolvimento social. Em todo mundo modelos e projetos para reaproximação dos rios com as cidades, nas quais representam elementos estruturadores da paisagem, têm sido propostos e alguns são efetivamente realizados. No entanto, nas cidade brasileiras, em sua maioria, persiste o descaso. Se o rio Camarajipe foi relegado a um curso d´água inexpressivo e sem identidade na paisagem próximo da sua foz, esse cenário é diverso se o considerarmos em toda a sua extensão, pois próximo à nascente, ainda é possível observar meandros, densa vegetação riparia, edificações unifamiliar margeando o estreito córrego e, em algumas áreas, conjuntos significativos de vegetação de grande porte que servem de sombra para pessoas que se utilizam para o ócio ou lazer.


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Talvez nesses lugares seja possível pensar em restauração de um rio urbano e permitir que a cidade possa habitá-lo! Para alcançar um dos objetivos específicos, que é direcionar o planejamento para a restauração de um rio urbano, é preciso considerar as noções e ideias que permeiam o conceito ou termo “restauração”. Alguns termos têm sido adotados para designar as ações em rios urbanos. Cabe ressaltar que, na literatura sobre o assunto encontram-se vários termos para designar o processo de tornar os cursos d´água mais saudáveis, promovendo quase sempre, ainda que de forma parcial, sua integração à paisagem urbana.

Os termos reabilitação, recuperação, revitalização e restauração, advindos seja do próprio urbanismo, ou de outras áreas do conhecimento, são unânimes em identificar a inclusão do tempo no espaço. Isto é, tentar recuperar ou reaver o estado original, recuperando, por meio de documentos e registros fotográficos, o traçado primevo e de tecnologias à despoluição de suas águas. Essas terminologias oriundas das diversas cartas (de Atenas, de Veneza, de Lisboa, do Rio) orientavam as ações para intervir no espaço construído, combinando-se aos conceitos que ”foram transportados de um campo de conhecimento para outro” (VASCONCELLOS e MELLO, 2006). Quando as intervenções nos rios urbanos surgem, também há essa mistura de conceitos, mas o que está sendo considerado é a restauração com o objetivo de tornar o ambiente alterado próximo das condições originais.


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Portanto, a apropriação do termo e do conceito aqui utilizados está sendo o definido por A. Riley, na publicação “Restoring streams in cities: A guide for planners, policymakers, and citizens” (1998). Para a autora, o uso da palavra restauração, no que tange aos rios urbanos, é de forma simplificada : “a alteração de sua largura, profundidade ou meandro para ajudar a restaurar o equilíbrio entre a carga de sedimentos que o rio carrega e a velocidade que seu fluxo precisa para transportar através do sistema” (RILEY, 1998, p.29). A autora afirma que a restauração tambem é “a construção de pequenas estruturas para escoadouro na parte superior da bacia hidrográfica para controlar a erosão instável a montante. Além de continuar declarando o que é e o que não é restauração”(idem), Riley indica alguns “ganchos” ou motivos que podem ser usados para envolver as comunidades nos projetos de restauração de um rio, tais como: revegetação, construção de trilhas ou projetos de uso do solo, ou parques de recreação. Como visto no início do presente capítulo, os projetos de engenharia ou buscavam alternativas para “corrigir” o traçado dos rios com a finalidade de proteger a população do entorno das constantes inundações, ou eram projetos que, por meio de intervenções, ganhavam espaço às margens dos rios para o alargamento de vias para dar vazão ao fluxo de tráfego de veículos. Desse modo, as antigas concepções de planejamento que viam nos rios apenas corredores de saneamento foram paulatinamente sendo substituídas por projetos com vistas a uma maior valorização ambiental e social dos rios urbanos (BRITTO; COSTA,2006). Os planos ordenadores que buscavam minimizar os danos sofridos pela população com as enchentes e epidemias com obras


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de engenharia, cuja finalidade era retificar e canalizar, faziam com que o “desaparecimento” de alguns desses rios se transformasse em sistema de drenagem subterrâneo (BRITTO, 2006, RILEY, 1998). Spirn (1984) revela que a existência dos riachos, ribeirões e rios que foram “banidos do mapa das cidades contemporâneas, sepultados e esquecidos, velhos rios” ainda percorrem a cidade nos canais subterrâneos, mas que “seu murmúrio abafado” vem à tona nos dias chuvosos. “eles são invisíveis, mas seu poder se manifesta em plena tempestade”, quando transbordam em intensidade e afloram à superfície. Essa descrição feita por Spirn ocorre em inúmeras cidades pelo mundo, podendo ser verificada na bacia hidrográfica em estudo, no caso do rio Campinas um dos afluentes do Camarajipe (figuras 35, 36 e 37). Os autores são unânimes em apontar os seguintes fatores que causam danos aos rios: o desaparecimento de espécies da flora e da Fig. 35 Retificação do rio Campinas, um dos principais afluentes do rio Camarajipe. Obras de construção da Av. Mario Leal Ferreira e melhorias sanitárias para sanar problemas como enchentes (fonte: acervo pms/fgm)


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Fig. 36 Encapsulamento do rio Campinas para corredor expresso de ônibus em 1988 (Fonte: Fotógrafo Lázaro Torres, acervo PMS/FGM)

Fig. 37 Estado atual do rio Campinas, encapsulado e sobre a cobertura que cobre o leito área destinada a lazer. Estruturas de suporte da linha do metrô acompanha todo o seu curso.(Fonte: Portal da copa. Site do Governo Brasileiro para Copa do Mundo FIFA de 2014.)


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fauna, a contaminação, o ocultamento da paisagem natural, a alteração do canal original que o danifica ecologicamente, a drenagem de áreas alagadas, que elimina o componente chave dos ecossistemas aquáticos, o desmatamento do solo que inibe a recarga natural dos aquíferos, a introdução de espécies exóticas, que elimina as nativas e altera os ciclos de nutrientes e os ciclos biológicos com a perda da biodiversidade natural e estoques genéticos (HOUGH, 1998; TUNDISI, 2003). No entanto, é preciso lembrar ainda que, dentre esses danos, o que precariza a vitalidade dos cursos d’água e dos ecossistemas fluviais urbanos são as condições da ocupação desordenada, muitas vezes rápida e intensa. A falta de abastecimento de água, de serviços sanitários e de limpeza pública que ocorreu nas cidades, ocasionou várias epidemias, como febre tifoide, cólera, febre amarela, varíola, entre outras. As obras e soluções de engenharia para controlar os riscos de inundações e erosões, aplicadas desde 1930, consistiam basicamente em retificar o rio, abolindo os meandros, canalizando e colocando-o em galerias, desobstruindo a vegetação das margens. Esse conjunto de ações direcionadas aos rios foi objeto de protestos na década de 1960, no entanto, esses conflitos ainda permanecem (RILEY, 1998). A partir da década de 1960, começou a surgir, em cidades da Europa e dos Estados Unidos, uma preocupação crescente com a poluição dos rios. A degradação dos cursos d’água no meio urbano ocasionou impactos ambientais, tais como enchentes, epidemias, comprometimento dos mananciais adequados para prover a população nas cidades, acrescentando a todos esses elementos de risco, o empobrecimento da paisagem fluvial (GORSKI, 2010).


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Fig. 38 Típica solução de engenharia para conter inundações, como também propiciar “equilíbrio” para a ocupação urbana subsequente. Intervenção no rio Camararajipe para retificação e construção de pontes. (fonte: acervo DN/FGM, av. Antônio Carlos Magalhães - ponte do DETRAN. 24/04/1975)

O modelo de ocupação urbana, o crescimento das metrópoles, a visão dos rios como “corredores de saneamento”, vias de drenagem (figura 38), ações de caráter imediatista para conter as enchentes, eliminação dos meandros e comprometimento da qualidade das águas, têm ocasionado um cenário conflituoso entre a cidade e os rios. Como argumenta Hough (1998) sobre o projeto de recuperação do rio Don, no Canadá: [...] a água de chuva está acompanhada por extremos de inundação e baixo fluxo. As velocidades de descarga são também mais altas que em condições normais. [...] As soluções tomadas rio abaixo, para problemas causados rio acima, são cada vez mais difíceis e custosas (grandes esgotos/alvenarias, proteção das planícies urbanizadas de inundação, e o alisamento e estabilização das margens da corrente) (HOUGH, 1998, p.39-41).

A recuperação de rios como o Sena, o Tâmisa e o Don são casos de estudos nos quais se revela a importância dessa reaproximação. Esses rios eram vistos antes como natureza enclausurada,


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retificada, canalizada, desprovida de seu habitat natural, de sua dinâmica, dos meandros, das plantas que margeiam e retem sedimentos, rios quase mortos.

Situações e motivações para restauração de um rio urbano As práticas de restauração para com os rios urbanos são apresentadas a partir de determinados motivos e situações específicas, tais como controle de enchentes não debeladas pelas intervenções de retificação e canalização, recuperação de várzeas, enquanto áreas de descarga das cheias pluviométricas; qualidade das águas; restauração do ecossistema; recomposição paisagística e recreacional. Como comentado na introdução, os conceitos de Ann L. Riley sobre restauro de cursos d’água em cidades serviram como referência para esse estudo, no que se refere, ao procedimento adequado para resgate de uma paisagem fluvial em meio urbano. Compreendendo o posicionamento extremo de Riley sobre o que é restauro de um rio, conforme o estudo e publicação: Restoring Streams in Cities (1998), esse conceito peremptório refere-se ao restabelecimento integral das características físicas originais do curso d’água sujeito ao restauro. A utilização do seu guia (21), tornou nítida a impossibilidade de desassociar o rio de sua bacia hidrográfica, seja como objeto de planejamento, bem como para estudo e pesquisa. Riley (1998) aponta três situações que podem tornar um rio “saudável” do ponto de vista ambiental: regulação do uso do solo para prevenir erosão, conciliando o rio com a estrutura existente; uso


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de tecnologias apropriadas para proteger o rio; remover os revestimentos que comprometem o fluxo das águas e despoluição. Para tal, a autora reitera que é importante a interação com profissionais de diversas áreas, com diferentes perspectivas e práticas: planejadores, engenheiros hidraulicos, biólogos, geólogos, entre outros. Contudo, Riley afirma que o conceito de restauração de cursos d’água, diferente do que muitos pensam, não está relacionado com a despoluição das águas. Apesar da qualidade da água ser de extrema importância na vitalidade do rio, ela relaciona a restauração de rios com “trazer de volta” os atributos físicos para um estado original do curso d`água, ou mais próximo disso. Ela sustenta que, se os atributos forem restaurados, ou seja, desenterrar os que se encontram encapsulados no subsolo, remover as retificações, calhas de concreto, devolver seus meandros, restituir sua vegetação de borda, é provável que a qualidade das águas melhorem. O Manual de Técnicas de Restauração de Rios (2012), publicado pelo Centro de Recuperação de Rios, da Inglaterra, aponta os seguintes benefícios ambientais e sociais para o espaço urbano, entre eles: espaços verdes, parques, promover a capacidade de escoamento das cheias nas várzeas para reduzir os riscos de enchentes, recomposição da biodiversidade; locais de transporte alternativo nas margens: ciclovia e passeios para pedestres; melhoria da qualidade da água; revigorar a área para atrair investimentos etc. Para Riley (1998), é necessário conhecer a dinâmica do rio a ser restaurado e só então aplicar as informações da melhor forma. Ela acrescenta ainda que o princípio básico usado inicialmente é :


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Determinar a margem ideal do canal com relação à largura e profundidade; Determinar o declive da várzea e o grau de declividade do canal do rio; Determinar se o rio está no início, médio ou fim do ciclo de maior ajustamento da urbanização; Selecionar os trechos de aferição (realizado no trabalho de campo); Recolher os dados do rio nas áreas urbanizadas e que aparentam ser possível restabelecer condições de equilíbrio (RILEY,1998,p.154).

Com base nas indicações da autora, a prática da restauração requer considerações que indiquem o processo “histórico” das intervenções no rio, a formação natural, a ocupação humana e, fundamentalmente, antes de propor um projeto de restauração de um rio, é fundamental “familiarizar-se” com os problemas físicos da bacia hidrográfica. Sobre esse levantamento “histórico” da bacia e do rio, ela aconselha: Mapas topográficos e fotografias aéreas são ferramentas essenciais para projetos de restauração de cursos d’água urbanos. Mapas históricos de topografias assim como fotografias históricas, desenhos de mapas antigos, podem fornecer informações importantes de como a bacia hidrográfica e os cursos d’água eram antes dos impactos da urbanização. Estes mapas históricos podem mostrar, por exemplo, que o que agora é um leito era na verdade uma baixada com um brejo alagado, possuindo ao mesmo tempo um fluxo. […] Apesar desses mapas representarem momentos passados cujos fluxos geralmente não podem ser reproduzidos em áreas urbanas do presente, eles podem nos fornecer um caminho para os objetivos da restauração (RILEY,1998,p.119).


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A bacia hidrografica urbana na perspectiva da restauração de um rio [...] não podemos diagnosticar o curso d’ água para prescrever um antídoto, sem compreender quais partes da bacia hidrográfica estão contribuindo para o problema (RILEY,1998,p.117).

Riley (1998) destaca que a bacia hidrográfica deve ser definida como uma unidade de planejamento que inclui rio acima e abaixo, várzea, terrenos altos e baixos, platôs, vales, pântanos, rios, afluentes, meio ambiente ripário, entre outros. A relação entre as características ecológicas e geomorfológicas que permitirá uma avaliação para o desenvolvimento de um plano de gestão desses recursos naturais. A instabilidade do traçado urbano em expansão e a heterogeneidade das características dos rios urbanos necessitam de rearranjos constantes para estabelecer os processos urbanos e naturais. Nessa direção, uma base ecológica para a estrutura urbana deve reafirmar a importância da bacia hidrográfica mediante o conhecimento da função do ciclo hidrológico para a alcançar resposta para os problemas de restauração dos cursos d’água, além revelar a paisagem cultural da cidade. As bacias apresentam diferentes problemas e soluções, tais como poluição, redução de riscos de inundação, erosão, restauração ecológica, recuperação e proteção da flora e da fauna. Conjuntamente, um plano abrangente para a bacia hidrográfica deve responder às necessidades econômicas e socias da comunidade associadas a uma abordagem ecológica, principalmente quando se trata de bacias em áreas urbanas. Segundo Riley (1998), os projetos de restauração de rios estão diretamente associados com a gestão das bacias hidrográficas (proteção, controle de erosão, plantio de árvores, controle hídrico, monitoramento de todos cursos d’água entre outros). Isto é, deve haver um conhecimento prévio da história da bacia, como proceder na preservação do seus recursos naturais, o entendimento da ocupação urbana, assim como a compreensão da rede de drenagem e do sistema de esgotamento sanitário. Conhecendo, interagindo e propondo ações para mitigar os danos, é possível integrar o rio na paisagem urbana.


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Os impactos sobre os ciclos hidrológicos acarretam a elevação dos investimento a cada ano, ocasionado principalmente pelo incremento do consumo, e consequentemente, o aumento da distância dos mananciais de água “limpa” capaz de suprir o acréscimo na demanda. Outra questão é sobre o comprometimento da qualidade das águas. Se a bacia hidrográfica está quase completamente urbanizada, como é o caso da bacia hidrográfica do Camarajipe, o principal rio e seus afluentes estão sujeitos a diversas fontes de contaminação. Vale ressaltar que na bacia em questão encontram-se 27% dos domícilios da cidade de Salvador (SANTOS et al, 2010) (figura 39). Com base nesses aspectos, McHarg foi pioneiro na aplicação do conceito de planejamento ambiental com vistas à bacia hidrográfica. Utilizando o método de planejamento ecológico na bacia hidrográfica do rio Potomac, em Maryland, Estados Unidos, ele formulou um amplo exemplo com princípios e objetivos. Seguindo as etapas básicas, ele inventariou: geologia; fisiografia; hidrologia; solo; flora e fauna; recursos culturais, minerais, hídricos e uso do solo. O escopo do seu método permitiu analisar quais recursos poderiam ajudar a determinar ou eliminar diferentes usos do solo, a incompatibilidade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas consequências. Somente a partir da década de 1960 é que os urbanistas vão intensificar soluções abordando a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, considerando a relação dos processos naturais com a dinâmica urbana. Sobre as enchentes que ocorrem nas cidades brasileiras, o que se observa é: As enchentes ampliadas pela urbanização, em geral, ocorrem em bacias de pequeno porte, de alguns quilômetros quadrados. Nas grandes bacias, existe o efeito da combinação da drenagem dos vários canais de macrodrenagem, que são influenciados pela distribuição temporal e espacial das precipitações máximas. A tendência da urbanização é de ocorrer no sentido de jusante para montante, na macrodrenagem urbana, devido às características de relevo. Quando um loteamento é projetado, os municípios exigem apenas que o projeto de esgotos pluviais seja eficiente no sentido de drenar a água do loteamento. Quando o poder público não controla essa urbanização ou não amplia a capacidade da macrodrenagem, a ocorrência das enchentes aumenta, com perdas sociais e econômicas. Normalmente, o impacto do aumento da vazão máxima sobre o restante da bacia não é avaliado pelo projetista ou


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Fig. 39 alto índice de urbanização na bacia hidrográfica e nas margens do rio camarajipe(Fonte: Esta fotografia foi produzida pelo Portal da copa. Site do Governo Brasileiro para Copa do Mundo FIFA de 2014)

exigido pelo município. A combinação do impacto dos diferentes loteamentos produz aumento da ocorrência de enchentes a jusante. Esse processo ocorre através da sobrecarga da drenagem secundária (condutos) sobre a macrodrenagem (riachos e canais) que atravessa as cidades. As áreas mais afetadas, devido à construção das novas habitações a montante, são as mais antigas, localizadas a jusante. As consequências dessa falta de planejamento e regulamentação são sentidas em, praticamente, todas as cidades de médio e grande porte do país. Depois que o espaço está todo ocupado, as soluções disponíveis são extremamente caras, tais como canalizações, diques com bombeamentos, reversões e barragens, entre outras. (TUCCI,1995,p.16-36)

Existe uma tendência evidente do desenvolvimento urbano de contaminar a rede de escoamento superficial com despejos de esgotos cloacais e pluviais, de forma a inviabilizar o manancial, exigindo novos projetos de captação em áreas mais distantes, não contaminadas, ou o uso de tratamento de água e esgoto mais intensivo, o que envolve custos maiores (TUCCI, 1993). No entanto, o processo crescente de urbanização nas cidades levou a uma série de estratégias inovadoras para controlar os riscos e danos causados pelas inundações.


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A proposta de criar parques nas margens dos rios tem servido a múltiplos propósitos e estratégias endereçadas à restauração ambiental, à recuperação dos valores sociais dos rios e ao fornecimento da infraestrutura urbana considerando os recursos sociais e ambientais (COSTA,2010). A ideia é manter sempre as várzeas livres para possíveis inundações sazonais, onde o solo poderia absorver a água sem causar maiores danos. Considerando que o rio e as várzeas são uma unidade, as áreas baixas a serem alagadas permitirão ao rio mover-se, adaptando-se aos meandros e depositando os sedimentos (SPIRN,1984). Em uma abordagem convergente entre projetos de restauração de rios, o conhecimento e gestão da bacia hidrográfica impulsiona uma aproximação estratégica para o desenvolvimento de uma proposta de planejamento com o propósito de reestruturar os processos e valores ambientais na paisagem urbana. O conceito de bacia hidrográfica como unidade de planejamento teve mais reverberação entre os envolvidos nas questões urbanas no Brasil a partir de década de 1990 (Cunha e Coelho,2003 apud Costa,2010) A lei federal 9433/97 que dispõe sobre o gerenciamento de Recursos Hidrícos elege, entre outros itens, a bacia hidrográfica como unidade de gestão e institui os comitês de bacias hidrográficas. As dificuldades de reconciliação da cidades com seus rios encontra obstáculos na múltipla gama de interesses presentes na complexidade do sistema de bacias hidrográficas urbanas. Esses interesses não envolvem apenas as questões relativas à restauração das características físicas rios, mas também dos sistemas de drenagem, conservação das nascentes, períodicidade e volume das enchentes, nível de poluição das águas, uso do solo nas proximidades dos cursos d’água, recuperação da


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vegetação e, essencialmente, reaproximação dos processos naturais aos habitantes com a finalidade de melhorar a qualidade de vida nas cidades. Muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje são de tal complexidade que exige a máxima dedicação e esforço para reunir os dados necessários, analisarmos para então fornecer soluções. Felizmente, existem outros problemas nos quais um mínimo de percepção pode produzir resultados surpreendentes. Se aceitarmos a máxima de que a natureza é o cenário das nossas vidas sendo indispensável o mínimo conhecimento dos seus processos para sobreviver, ou até mais, para existir, gozar de boa saúde e desfrutar disso, ficaríamos surpreso ao descobrir que muitos problemas aparentemente complicados têm soluções simples (McHARG, 2000, p.07).

A carência de um ambiente fluvial adequado nas metrópoles brasileiras nesse início do século XXI é um fato observável. Entretanto, também é perceptível, nesse aspecto de escassez, uma situação de limite, no que concerne a fragilidade da condição urbana, tanto nos aspectos climáticos, como os relacionados a saúde física e mental de parcela considerável dos habitantes. Nesse panorama a adequação da estrutura urbana, no sentido de equalizar, a relação entre processos naturais e urbanos se faz necessária. A valorização dos aspectos hídricos nos grandes centros, além de acrescer mais amenidades ambientais, também é capaz de favorecer o fortalecimento de características resilientes em meio urbano.


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Capítulo 02 MÉTODO ECOLÓGICO

Tamponamento do rio Campinas na Av. Mario Leal Ferreira, Bonocô (Fonte: acervo FGM/PMS, data 09/09/1988, fotógrafo: Lázaro Torres)


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Em Design With Nature, McHarg escreveu um dos manifestos mais sutis sobre como a cultura e natureza poderiam coexistir (Rem Koolhaas, 2014, p. 62).

O presente capítulo busca delinear as bases do método aplicado ao planejamento ecológico desenvolvido pelo arquiteto escocês Ian McHarg, professor do Departamento de Arquitetura da Paisagem, na Universidade da Pensilvânia, Estados unidos. Na década de 1960, os conceitos adotados pelo autor de Design With Nature, publicado em 1969, foram temas das aulas e, portanto, formataram as bases teóricas do seu método, bem como os projetos desenvolvidos pelo seu escritório de arquitetura Wallace, McHarg, Roberts e Todd (WMRT) 21 que era onde ele aplicava suas ideias no âmbito do planejamento ecológico regional. Inicialmente, apresentam-se os conceitos que resultaram na articulação entre ecologia e urbanismo, possibilitando a noção de um planejamento ecológico de determinado território. E na sequência, uma justificativa para a escolha do método a ser aplicado em uma bacia hidrográfica urbana, buscando o entendimento dos conceitos e categorias de análise do lugar: processos e valores sociais e ambientais considerados pelo autor. Além disso, foram confrontados outros autores que utilizaram o método proposto por McHarg em projetos, bem como o legado, as críticas e limitações. A partir das considerações, com ressalvas e esclarecimentos, foram destacadas as possibilidades de se usar o método em uma bacia hidrográfica urbana. Também foram eleitas algumas ações

[21] Escritório formado no ano de 1963 por quatro membros do corpo docente da Universidade da Pensilvânia, foram incentivados a usar parte do tempo com consultoria afim de ensinar os estudantes a partir de experiências praticas. (Roberts, W et al, The founding four and our multidisciplinary roots. em: http://www.wrtdesign.com/offsite/117, acessado em 07/08/2014)


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apropriadas para a sua aplicação e que perpassam a metodologia desta dissertação. Dito de outro modo, pretendeu-se considerar o que na Introdução é explicitado como requisitos metodológicos, a fim de analisar, adequar e validar o método ecológico aplicado ao objeto dessa pesquisa.

Contexto histórico e conceito teórico As ideias que nortearam o delineamento do método ecológico abordado neste capítulo resultaram de estudos que evidenciavam a convergência dos pontos de vista de especialistas de todas as ciências e humanidades para a integração do homem com a natureza. Um conjunto de publicações da década de sessenta apresentava conceitos e definições sobre os desequilíbrios e transtornos causados pelo ser humano na paisagem, e muitos desses trabalhos investigativos buscavam a aplicabilidade para a resolução de problemas ambientais. A confluência dessas visões sobre o ambiente natural mostrava as múltiplas compreensões e interpretações sobre a biogeografia, com ênfase no estudo da sociedade humana. Cabe sublinhar que as emergentes das críticas ambientalistas eram direcionadas ao modelo capitalista de desenvolvimento, o qual se assentava no paradigma do crescimento econômico ilimitado e no progresso tecnológico. O título desse capitulo considera o termo método ecológico como sendo a metodologia de análise aplicada ao planejamento, definida e conceitualizada pelo arquiteto Ian McHarg no seu livro Design With Nature, publicado em 1969. Nesse livro, o autor buscava evidenciar a conflituosa relação entre o homem e a natureza, e como a paisagem natural poderia indicar as diretrizes para o planejamento no qual os valores sociais e ambientais estivessem integrados.


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O reconhecimento de que os recursos naturais e o espaço vital do ambiente são questões interrelacionadas representou uma “postura revolucionária” histórica na primeira metade do século XX, no qual o dilema população e poluição não poderia ser solucionado somente pela tecnologia. Acrescente-se o impacto causado pela industrialização no século XIX, pela crise econômica de 2922, pelo uso da tecnologia para fins bélicos e as modificações geopolíticas que ocorreram depois da Segunda Guerra Mundial. A emergência dessas preocupações, além do uso indiscriminado dos recursos naturais, a aplicação das tecnologias com pouco conhecimento dos prejuízos futuros e a ameaça de destruição do ambiente natural provocada pelo ser humano, resultaram em estudos e publicações. Dentre elas: Silent Spring( 1962), de Rachel Carson que denunciou o uso do DDT como responsável pela extinção dos pássaros em Cape Cod/USA, a publicação do A Sand County Almanac, de Aldo Leopold(1949), considerado pioneiro das ideias conservacionistas, entre outras, e, vale ressaltar ainda, o Appalachian Trail: a Project in Regional Planning, de Benton Mackey, em 1925 (LUCCARELLI,1997). Nesse sentido, a abordagem ecológica passou a ser um modelo para entender o impacto do homem na paisagem e uma proposição de possíveis diretrizes para os efeitos problemáticos da industrialização, do esvaziamento do mundo rural e da expansão das cidades. Vale salientar que a denominação método ecológico já estava sendo adotada por Eugene Odum, na sua publicação Fundamentos da Ecologia (1953), para abordar as disciplinas que buscavam entender a ecologia humana aplicada.

[22] Quebra da bolsa de Nova York em 1929, primeira grande crise do sistema capitalista. Início do período chamado pelos americanos de a “grande depressão”.


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Tais publicações e estudos refletiam e representavam o ideário dos novos movimentos sociais no final das décadas de 60 e 70, que culminaram com o surgimento de uma consciência ecológica e ambiental, cujo foco era a proteção e conservação dos espaços e recursos naturais. Esses movimentos não deixam de ser relacionados e por trás deles existiam certas ideias em comum, como o crescimento das metrópoles, a migração do campo, o estudo social das regiões, as mudanças sociais e políticas ocasionadas pela economia de mercado, a degradação do meio ambiente, a necessidade de restabelecer o equilíbrio entre a natureza e o ser humano. A heterogeneidade desses questionamentos e possíveis interpretações apontam particularmente para o esgotamento de um modelo social vigente que trazia questões múltiplas, mas também buscavam respostas pragmáticas para as condições da modernidade. A contribuição efetiva da escola de sociologia urbana de Chicago e as teorias de Lewis Mumford, ambas influenciadas pelas ideias de Patrick Geddes, vão se constituir no arcabouço do movimento para repensar a complexidade tanto do ambiente urbano quanto rural. Segundo Turner(1996), L. Mumford era influenciado e seguia os conceitos tratados por Patrick Geddes e identificava no livro de McHarg, desdobramentos das ideias de Geddes expostas na publicação Cities in Evolution(1915). Mumford como autor do prefácio do livro de McHarg elogia os “fundamentos empíricos do método ecológico” presente em Design With Nature(1969). Assim, nos estudos do sociólogo e jornalista Lewis Mumford estão as bases dos conceitos de regionalismo ecológico que também vão influenciar McHarg sobre o entendimento da paisagem enquanto sistema ecológico, no qual geologia, topografia, aquíferos, uso do solo, vegetação, vida selvagem e clima são decisivos para o planejamento. Mumford introduz uma nova maneira de olhar o


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ambiente, integrando conceitos de conservação ambiental, sociologia, paisagismo, urbanização e economia. Para o autor, o regionalismo é um princípio que une três ideias: a adaptação das novas tecnologias para a proposta de restaurar o ambiente natural; o organicismo, que seria restaurar a influência da natureza na cultura, através da literatura, arquitetura e ambiente construído; e a comunidade - isto é, a recuperação em escala humana disposta em uma ordem social (LUCCARELLI,1977). Influenciado pela visão do planejamento regional de Patrick Geddes, Mumford define o conceito de regionalismo ecológico como a estrutura social e política atrelada aos fatores ambientais e culturais de uma determinada região, como forma de preservar os valores sociais com a aplicação de novas tecnologias-neotécnicas para recuperar o ambiente natural. Essas foram as diretrizes específicas que nortearam o projeto de McHarg para a Bacia Hidrográfica do Rio Potomac, em Maryland, nos Estados Unidos (LUCARELLI,1977). No âmbito científico, os conceitos tratados pelo biólogo e geógrafo escocês Patrick Geddes, no seu livro Cidades em evolução (Cities in Evolution), publicado em 1915, foram fundamentais para ampliar e conceber a unidade da cidade e da região como princípio básico para o planejamento. Precursor do planejamento regional, ele propunha uma maior integração das pessoas, comércio e uso da terra com base no equilíbrio ecológico. Para ele, a expansão desordenada das áreas urbanas – conurbação (termo criado por Geddes) poderia desequilibrar a vida nas áreas rurais. Apesar da diversidade das ideias em seu aspecto inovador para a época, a noção de regionalismo de Geddes vai influenciar as ideias de Lewis Mumford e, consequentemente, de Ian McHarg.


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Geddes propõe um “Levantamento das Cidades”, isto é, a identificação de diversos aspectos: geográfico, econômico, antropológico, histórico, demográfico e eugênico - “a cidade como um todo”. Seus conceitos foram apresentados na Mostra de Planejamento Urbano de 1911 -que incluía a Mostra de Edimburgo de 1910- Cities and Town-Planning Exhibition (GEDDES, 1994, HALL, 2011). Serão essas abordagens “ecológicas” que irão caracterizar o inventário ecológico proposto por McHarg para o planejamento regional. O que se buscava, como propõe Mumford (1961) no que concerne ao regionalismo ecológico, era uma visão orgânica que pudesse avivar a cultura contra “as soluções tecnológicas que abafam a complexidade tanto do espaço urbano quanto rural” (MUMFORD, 1961). Em 1923, Mumford com um grupo de arquitetos americanos, entre os quais se destacam Stein e Benton MacKaye, criaram a RPAA (Regional Planning Association of America) com a finalidade de propor um plano nacional com vistas ao desenvolvimento de regiões delimitadas com base em entidades geográficas naturais. Essas regiões apresentavam problemas com a fixação da população e as propostas apresentadas consideravam estratégias para o desenvolvimento de estratégias econômicas que minimizassem o êxodo rural. Além disso, Mumford declarava que só o planejamento regional poderia evitar o crescimento desordenado das metrópoles que as transformava em “cidades dinossauros” (HALL, 2011). Em 1938, Mumford publica The Culture of Cities, no qual expõe suas ideias sobre o adensamento das cidades e o esvaziamento das zonas rurais como tópicos a serem repensados no contexto do planejamento regional. A publicação editada no período entre as duas grandes guerras mundiais apresenta a preocupação com as “forças destruidoras da civilização” e a crescente possibilidade de ganharem espaço e força onde certamente a cultura urbana seria


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atingida. Sua proposição aponta para o planejamento regional no sentido de integrar o campo e a cidade, adensada pela recente industrialização e pelo esvaziamento das zonas rurais, a partir de um cenário contínuo, respeitando a infinita variedade da natureza e dos valores humanos, preservando ao máximo possível de recursos naturais colocados à disposição com escalas de distinções e utilidade com vistas ao equilíbrio humano em tais regiões (MUMFORD,1961). Foram, portanto, diversas críticas feitas ao modelo de desenvolvimento da sociedade ocidental vigente, como também emergiram estudos e proposições para um futuro viável integrando crescimento econômico e proteção do ambiente. Secchi (2009) argumenta que, na década de 1950 e 1960, emerge uma postura mais reflexiva em relação ao futuro, e que a ideia de uma separação entre natureza e arquitetura e urbanismo, vigente no movimento moderno, preocupado apenas com problemas de habitação e equipamentos públicos, não procede, pois o século XX buscou uma reaproximação entre a natureza e a cidade ainda que de forma diversa e até construindo “uma rede ecológica capaz de dar forma e estrutura a uma cidade que se dilatava cada vez mais” (SECCHI, 2009, p.194-195). A partir das décadas de 1960 e 1970, são realizados diversos encontros mundiais com o propósito de discutir a problemática ecológica-ambiental. Dentre elas, Mumford, no prefácio do livro de McHarg cita a Conference The Conservation Foundation - Future Environments of North America, em 1965, da qual participou Ian McHarg, entre ecólogos, planejadores regionais, economistas, juristas e conservacionistas. Todos esses encontros, posteriormente culminaram com a I Conferência sobre o Meio Ambiente Humano,


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em Estocolmo, em 1972, influenciando no Brasil a constituição de uma Política Nacional de Meio Ambiente, em 1981. Cabe salientar que no campo dos estudos em paisagismo e ecológicos no Brasil, o livro Design With Nature, de Ian McHarg representa as bases para uma postura projetual a partir da consideração dos processos naturais (FARAH et al, 2010). Com base nesses apontamentos iniciais, o presente capítulo concentra-se na decisão de aplicar o método (ou metodologia adotada para o planejamento ecológico por McHarg) numa bacia hidrográfica urbana com possibilidade de indicar direcionamentos para um planejamento ecológico. Nesse sentido, cabe destacar as motivações que levaram à escolha do método e suas características essenciais, evidenciando a relação entre a cidade e o rio, a partir da aplicação na bacia hidrográfica.

A escolha do método A escolha do método ecológico desenvolvido por McHarg nesta pesquisa reside não apenas quanto ao aspecto técnico, mas principalmente pelos conceitos ecológicos e a abordagem no tocante à adoção dos valores ambientais de uma bacia hidrográfica. A base conceitual que suscitou a escolha do método foi, sem dúvida, a possibilidade de visualizar um cenário no campo do planejamento capaz de minimizar o conflito existente entre os processos fluviais e a urbanização que, por meio das estruturas da cidade, interferem na dinamica hídrica e na estrutura ambiental do Rio Camarajipe. Mas, fundamentalmente, a possibilidade da consolidação do aspecto ecológico com vistas a uma melhoria da condição ambiental na bacia hidrográfica e consequentemente no seu


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principal rio, enlaçando a elevação qualitativa de uma paisagem urbana e a vida dos habitantes. Ainda que os aspectos técnicos sejam relevantes para a compreensão do método e para aplicação no presente estudo (elaboração e sobreposição dos mapas/camadas temáticas) é necessário o entendimento dos elementos que representam valores sociais que vão influenciar diretamente no direcionamento do planejamento ecológico para a bacia do Camarajipe. Em relação ao contexto do planejamento da paisagem, uma abordagem diferente das convencionais utilizadas em diversos planos é fundamental para a análise e eleboração dos planos regionais de intervenção e direcionamento com ênfase nas questões ecológicas. Acerca desses aspectos, as teorias desenvolvidas por McHarg apresentavam as seguintes inovações: uma nova relação entre a natureza, a ciência e o planejamento da paisagem, um método cartográfico, uma abordagem diversa e distante do zoneamento convencional e diretrizes específicas para operacionalizar o processo de planejamento. No seu tempo, essas ideias inovadoras atraíram cientistas de diferentes áreas do conhecimento com o objetivo de pensar a interação do ser humano com a natureza, com foco específico no planejamento ecológico da paisagem a partir da valoração dos processos ambientais e socioculturais (SPIRN,2000; HERRINGTON,2010). A importância dos conceitos tratados na obra Design With Nature, como ressalta Lewis Munford na introdução da primeira edição, se apresenta não só como uma chamada para ação, mas oferece um redirecionamento para cooperação entre o homem e os elementos biológicos. Ao incorporar a natureza em sua totalidade, indica para formação do planejamento e renovação de um mundo “dominado pelas máquinas, desumanizado, ameaçado por


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explosões.[...] que está desintegrando e desaparecendo diante de nossos olhos” (MCHARG, 1969). Reiterando o aspecto referencial do método desenvolvido pelo arquiteto Ian McHarg, Pellegrino et al (2006, p. 62) declaram que: [...]infelizmente, ainda muitas vezes desconsiderado [o método ecológico] pelos planejadores, urbanistas e arquitetos que acabam por utilizar apenas critérios sócioeconomicos, desconsiderando a base natural e as relações ecológicas que as novas estruturas projetadas passam a definir com ela.

Nesse sentido, o método proposto objetiva a interação entre a natureza e a ocupação territorial, considerando a complexidade dos fatores naturais, tais como o clima, água, a vegetação, os animais e etc, os quais vão se constituir em valores determinantes para as ações humanas integradas à natureza. Como se pode compreender a partir da citação acima de Pellegrino e das considerações de McHarg (1969), se um determinado lugar ou território é a soma de processos naturais e se os processos são constituídos por valores sociais, pode-se concluir que o uso que se pretende dar ao lugar, tem a finalidade de assegurar a integridade dos valores sociais positivos. Os princípios tomados da ciência ecológica e aplicados em processos e projetos da arquitetura da paisagem, como as ideias de processos e valores, fisiográficos, sociais e ambientais, presentes no método de McHarg, são considerados radicais por alguns planejadores. Entretanto, a utilização desses princípios são práticas contemporâneas, ainda que essas concepções, por outro lado, também encontrem resistência daqueles que vêem a arquitetura da paisagem como poética e expressão estática (SPIRN, 1998).


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Através do enfoque ecológico, que permitia a combinação e sobreposição de camadas para identificar os lugares mais adequados a um objetivo especifico para o planejamento, criando transparências, nas quais as zonas mais escuras seriam mais propícias e as mais claras mais restritivas. Assim, é possível afirmar que o método depende da indentificação correta e precisa dos processos e fatores para responder adequadamente e fornecer alternativas para o planejamento ambientais. Herrington(2010) auxilia a compreensão acerca dos nuances técnicos do método quando explica: O método de sobreposição de mapas era a chave do método ecológico de McHarg. Este processo espacialmente referenciado inventariava os dados que sistematizados tinham uma importância proporcional para a análise. Originalmente, o sistema de sobreposição de mapas envolvia camadas de películas transparentes sobre o mapa base. Outros tipos de materiais transparentes, e eventualmente o computador, recolocou as películas em camadas. Cada uma delas era dedicada a um fator inventariado, tais como a topografia ou lugares históricos, nos quais eram avaliados os valores segundo altos ou baixos. Os tons com gradação mais escuras representavam as área com alto valor e os tons mais claros indicavam as áreas com mínimo valor significativo. Todos os mapas das camadas eram então sobrepostos para criar um mapa síntese o que nas palavras de McHarg poderia ser visto como um “complexo raio X fotográfico com tons escuros e claros” (HERRINGTON, 2010, p.5).

Diversos trabalhos realizados por planejadores e pesquisadores que utilizaram o método, revisaram e adaptaram para situações diversas. O avanço da tecnologia no campo da computação gráfica reduziu o tempo despendido no processo de aplicação do método, minimizando ou até corrigindo possíveis incoerências. Conforme comenta o autor:


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Existem certos problemas técnicos inerentes ao método. O primeiro é a garantia da igualdade dos fatores. Os resultados se misturam se os fatores têm muita importância. Também existem limites na resolução fotográfica de muitos fatores [...] O problema de transformar os tons cinzas em uma cor do do mesmo valor é difícil, o mesmo acontece com a combinação de tons. Pode ser que os computadores resolvam este problema ainda que nesse momento não se atingiu o nível de perfeição (McHARG,2000 p.115).

o uso e aplicação do método ecológico na Bacia Hidrográfica do Camaragipe justifica-se pela possibilidade de decomposição do território em camadas, compreendendo os processos naturais e sociais como um processo interativo e dinâmico, de forma a interpretar como um sistema de valores, combinando com o uso mais ou menos adequado do uso do solo e com indicações e direcionamentos para a qualidade ambiental da Bacia e possível restauração do rio. a utilização método como uma ferramenta que conecta a bacia e o rio permite detectar tanto as tensões entre a expansão urbana e fragilidades ambientais (figura 40).

Fig. 40 EXEMPlO DE siTUAÇÃO DE FRAgiliDADE, REsPOsTA DAs TENsÕEs PROVOCADAs PElA EXPANsÃO URBANA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)


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A necessidade de uma abordagem ecológica para a análise da bacia hidrogáfica urbana Os fatores: físicos, biológicos e culturais fazem parte de um mesmo sistema, segundo McHarg, as intervenções sem considerar as questões ecológicas são fragmentadas e tendem a sofrer alterações que vão se sobrepor às outras intervenções, uma vez que não se inventariou os processos, os valores, os benefícios e os custos econômicos e sociais. [...] o processo natural, cujo caráter é unitário, deve ser considerado como tal no processo de planejamento; isto é, as mudanças realizadas em partes do sistema afetam necessariamente o sistema inteiro, pois os processos naturais representam valores e esses valores deverão ser considerados mediante um sistema único (MCHARG, 2000, p.65).

A intenção, portanto, de se escolher essa abordagem é observar o rio Camarajipe e a bacia hidrográfica como um processo interativo, interpretando seus aspectos a partir de um sistema de valores de forma a indicar um uso mais adequado para sua restauração e reinserção na paisagem. A adoção do método ecológico tem como ponto central e objetivo inicial colocar em evidência o rio como elemento estruturador da ocupação urbana, com respectivos destaques para os processos naturais e valores onde a natureza estaria a serviço do homem (McHarg, 2000). Para alcançar os objetivos propostos, a abordagem gráfica introduzida pelo método orienta no sentido de organizar as informações e apresentá-las segundo uma distribuição espacial, utilizando o método que o autor denominava “adequação da análise” (suitability analysis), que se estruturava em mapas sobrepostos (layer cake ou overlay mapping) (figura 41) para representar a área de estudo. Desse modo, a representação em camadas (relevo, hidrologia, vegetação, uso do solo entre outras) resulta no modelo ou síntese descritiva dos aspectos biofísicos, para identificação das áreas mais propícias ou restritivas para uma determinada intenção (McHarg, 2000).


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camada 01

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camada 06

camada 07

mapa síntese

Fig. 41 EXEMPlO DA sOBREPOsiÇÃO DE CAMADAs REsUlTANDO NO MAPA sÍNTEsE, As CAMADAs DEMONsTRADAs NEssE DiAgRAMA sÃO REFERENTEs à APliCAÇÃO DO MéTODO NO PREsENTE EsTUDO (ElABORADO PElO AUTOR)

o método ecológico pode ser caracterizado como o entendimento dos processos e valores que configuram as paisagens e a utilização desses como fundamento das análises e premissas conceituais para o planejamento. nesse sentido, o planejamento ecológico analisa os sistemas biofísicos e socioculturais do lugar para apresentar onde e como devem se estabelecer os usos específicos.


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Assim, a aplicação do método tem como foco fornecer um conjunto de alternativas para um planejamento rural ou urbano. Considera, desde sua utilização até sua conclusão, os processos naturais como um sistema dinâmico e mutável, interconectado aos processos físicos e vitais da terra - clima, água, as plantas, a fauna como valores determinantes para a vida, além de representar valores cênicos e sociais dos elementos da paisagem (HOUGH, 2004). No método a avaliação dos processos naturais não fica restrito à representação de um guia para a gestão dos recursos naturais; também tem influência nos direcionamento envolvendo questões econômicas, culturais e principalmente sociais. Os processos naturais: relevo e geologia do subsolo; águas superficiais e subterrâneas; planícies de inundação; solos (impermeabilidade e permeabilidade); zonas arborizadas são mapeados em escala de valores, com camadas justapostas que resultam em um mapa síntese, revelando as áreas de maior e menor valor social . Após um inventário do ecossistema e seus processos naturais - geologia, hidrologia, edafologia, ecologia vegetal e fauna, uso do solo, serviços, acessibilidade -, se estabelece um elenco de valores de cada recurso intrínseco (figura 42). Vale ressaltar que as zonas ou lugares, edifícios ou espaços apreciados pela comunidade podem ser incorporados ao sistema de valores (McHarg, 2000). Ainda segundo o autor, o método ecológico para planejar a paisagem necessita de uma normativa para que a própria sociedade aprenda a proteger os valores da natureza e, consequentemente, a si própria. Desse modo, os espaços, lugares ou


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Fig. 42 CONjUNTO DE CAMADAs REPREsENTANDO VAlOREs DAs CATEgORiAs DE FATOREs NATURAis E sOCiAis. (FONTE: MCHARg, 2000, P.111)

territórios caracterizados pelos valores e/ou restrições indicam os melhores lugares que a cidade precisa para promover o encontro do ser humano com a natureza. o reconhecimento da atual situação de fragilidade dos ecossistemas em diversas cidades brasileiras mostra o quão atuais são as ideias de McHarg e a pertinência da aplicação do método. Contudo, é importante a atenção nas características do local no qual ele será adaptado, e em especial com que finalidade ele será aplicado. é relevante observar que o uso estendido do inventário da paisagem acontece no processo de mapeamento, sendo que o mapa em camadas é a chave para o entendimento do método ecológico. as etapas básicas para o desenvolvimento do plano ou modelo ecológico são constituídas de um inventário das


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características e recursos naturais. Essa etapa permite distinguir as áreas sujeitas a riscos naturais, tais como: desmoronamento, erosão, inundação entre outros. O sistema foi posteriormente aprimorado e popularizado através do desenvolvimento do programa de computador GIS - Geographic Information Systems. Entretanto, é válido afirmar novamente que, apesar da relevância das questões práticas, isto é, a sistematização das camadas, a grande virtude das ideias de McHarg é a consideração dos processos naturais e fatores fisiográficos no planejamento. É significativo, para não dizer emblemático para esse estudo, como o uso do método ecológico foi fundamental no planejamento de uma bacia hidrográfica, a do rio Potomac, em Maryland, USA. Seguindo as etapas básicas, McHarg inventariou a geologia, fisiografia, hidrologia, solo, flora e fauna, recursos culturais, minerais, hídricos e uso do solo. O escopo do seu método permitiu analisar quais recursos poderiam ajudar a determinar ou eliminar diferentes usos do solo, a incompatibilidade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas consequências. Em relação às questões ligadas ao curso d’água, Riley(1998) comenta que, no caso do projeto para a bacia do rio Potomac, a gestão das águas competia e até conflituava com outros recursos que não eram o ponto focal do projeto. Os processos reorganizados como valores indicam as zonas aptas para cada um dos fatores escolhidos como fundamentais ao projeto. Os valores utilizados colocam em evidência as zonas mais adequadas para proteção ao meio ambiente e podem ser um exemplo de aplicação do método.


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Legado e crítica Há quase quarenta anos, Ian McHarg propôs uma teoria ousada e um conjunto de métodos de planejamento ecologicamente conexos em Design With Nature (1969). Embora a dimensão prática proposta por ele tenha sido incluída em projetos e práticas de planejamento subsequentes, as implicações teóricas ainda não foram completamente realizadas. Formas atualizadas do modelo incluem o almálgama “urbanismo paisagístico”, com seu foco em infraestrutura e ecologia urbana, uma disciplina híbrida que se deve indiscutivelmente a McHarg, embora dele se distinga pela maneira como evita os efeitos mais ousados de sua proposta”. (Fredrick R. Steiner, “The Ghost of Ian McHarg”, Log, 2009 apud Rem Koolhaas, 2014, p.62)

As ideias que representavam o arcabouço do método ecológico de McHarg se reproduziram até, pode-se dizer, de forma extraordinária através de seus alunos da Penn University-USA e de outros arquitetos e urbanistas. É surpreendente que a relação de suas teorias, que tentavam articular planejamento e ecologia, tenham sido criticadas e, muitas vezes, rejeitadas, ainda que seu método tenha sido o esboço teórico inicial para que o projeto da paisagem possa se constituir a partir dos processos naturais. No entanto, algumas críticas solicitavam um aprofundamento e uma abertura para possíveis questões não resolvidas tanto por suas ideias quanto em seus projetos, tais como: como reconciliar valores ambientais e necessidades humanas; como materializar processos e valores ecológicos; como conceber as ações locais no contexto regional (Franklin,1997;Olin,1995 apud SPIRN, 2000). A teoria de Mcharg começou a ser utilizada a partir do final da década de 1960 e início dos anos setenta. Desde então, podemos observar duas principais vertentes: como conceito e como prática.


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A técnica de sobreposição de mapas, a qual McHarg reivindicava como sua criação (SPIRN,2010) motivou os estudos de Steinitz et al (1976), que culminaram no artigo Hand-Drawn Overlays: Their History and Prospective Uses. Neste, demonstram que essa técnica, havia sido usada inicialmente em 1912 por W. Manning e F. Olmsted, como também por J.Tyrwhitt, em 1950, na publicação Town and Country Planning Textbook - a primeira descrição do processo de sobreposição de mapas no planejamento; seguido por P. Lewis, que, em 1962, usou mapas compostos com os diferentes elementos para avaliar os recursos naturais no estado de Wisconsin-USA. Steinitz et al (1976), no entanto, consideram que o processo de combinar o conjunto de camadas e “fotografias”(as transparências em claro e escuro dos valores), desenvolvido por McHarg, representa o mais bem elaborado exemplo de análise de sobreposição de mapas- suitabily maps - que servem a uma ampla gama de classificação, seja para áreas de conservação, urbanização ou recreação. Quanto aos conceitos de planejamento ecológico, o autor tem sido questionado por alguns críticos do método que alegam uma concepção positivista para elaboração dos planos ou até “uma tirania”, como assinala Corner( apud Herrington, 2010), pois o método implica um determinismo ecológico, ou seja, para o autor de Recovering Landscape e do artigo The Agency Mapping, Terra Fluxus, os processos naturais são dinâmicos. Seguidores de McHarg, como ex-alunos e colaboradores, Ann Spirn e Michael Hough, foram expressivos representantes do legado de McHarg, ainda que tenham introduzido novos modos de aplicar os conceitos do método ecológico. Escapando da esteira do mestre em ecologia da paisagem e do seu determinismo ecológico, de visão idílica da sociedade pré-industrial, esses seus discípulos trouxeram


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contribuições significativas para a interação entre ecologia e o urbanismo. Michael Hough, arquiteto, urbanista e paisagista canadense foi um dos que utilizaram a teoria de McHarg em suas pesquisas e em atividades profissionais, avançando em relação aos conceitos, principalmente na relação entre cidade e natureza. Ele destaca o livro Design With Nature como um uma obra essencial de influência determinante no planejamento ambiental moderno (HOUGH, 1998) Segundo Gorski(2010), Hough é um dos principais seguidores que vêm fortalecendo a relação do método de análise do lugar com o projeto. No prefácio do livro de Michel Hough, Cities and Natural Process(1995), Grady Clay declara que o autor vem seguindo os passos de seu mestre, aprofundando assim suas ideias e contribuindo para “reinventar as formas vernaculares e práticas rurais” que passam a definir um novo modo de ver e pensar a cidade. Seguindo a tradição de Geddes(1915), Hough observa que a interdependência entre a paisagem e a forma construída como elementos dão identidade ao tecido urbano. Nesse sentido, para Hough (1998), uma nova visão ecológica deve abranger tanto a paisagem urbana como também as pessoas que nela habitam. Essa nova perspectiva deve incluir os espaços sociais desestruturados, assentamentos irregulares. Quanto aos cursos d´água, declara ainda que “temos que tirar a máscara atual da paisagem alterada do rio - as mudanças estruturais que foram impostas sobre sua forma original - para revelar seus processos e padrões originais.” A dependência de um sistema de vida com outro, o desenvolvimento interconectado dos processos físicos e vitais da terra, o clima, a água, as plantas e os animais, a contínua transformação e reciclagem dos materiais vivos e não vivos, são os elementos


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da auto suficiência da biosfera que permitem a vida na terra e que dão lugar à paisagem física (HOUGH, p. 5, 1998). Tendo como foco de seu trabalho a cidade, Hough (1998, p.31) declara que “ nossa primeira preocupação é como conseguir que a cidade seja, tanto ambientalmente como socialmente, mais saudável; como transformá-la em um lugar para viver.” O autor canadense propõe alguns princípios baseados na ecologia urbana como uma linguagem alternativa de projetos, entre eles destacam-se: os conceitos de processo e mudança; a economia dos meios através do mínimo esforço e energia; a diversidade ambiental; as conexões que permitem e reconhecem a interdependência entre a vida humana e não humana; a visibilidade dos processos que mantêm a vida; a educação ambiental do local para o global; e a integração do ser humano com os processos naturais - e, essencialmente, uma: linguagem que restabeleça o conceito de paisagens multifuncionais, produtivas e operativas que integrem a ecologia, as pessoas e a economia (HOUGH,1998, p.31).

Vale salientar ainda os estudos e projetos de Hough para o Rio Don, no Canadá, seguindo e acrescentando contribuições advindas das teorias de McHarg. Anne W. Spirn aluna e posteriormente indicada por McHarg para substituí-lo no departamento de planejamento e arquitetura da paisagem na Universidade da Pennsylvania-USA, no período de 1986 a 2000, deu continuidade às suas ideias acrescidas de uma visão da cidade enquanto elemento da paisagem. Na década de 70 trabalhou no escritório de arquitetura Wallace,McHarg Roberts and Todd (WMRT) em diversos projetos para a região e parques urbanos, e desde 2000 está no MIT-Massachusetts Institute of Technology.


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Spirn (2000) comenta que, por 18 anos, o conflito existente entre as teorias desenvolvidas no Departamento de Arquitetura da Penn University, o qual McHarg criou o Departamento de Arquitetura da Paisagem e a atividade prática do escritório de arquitetura de McHarg (WMRT), induziu inovações no método e o que parecia ser um caminho inovador atualmente tornou-se uma prática usual. No seu ensaio Ian McHarg, Landscape Architeture, and Enviromentalism: Ideas and Methods in Context, Spirn (2000, p. 97) argumenta que o conflito remanescente dos conceitos de McHarg são de alguma forma inerente à atividade profissional, ou seja, “as tensões entre preservação e gestão, natureza e cultura, tradição e invenção, teoria e prática.” Ainda segundo Spirn (2000), a posição de McHarg no departamento da Penn Univ. permitiu desenvolver suas ideias sobre o ambientalismo e arquitetura da paisagem, além de convidar palestrantes sobre diversos temas, tais como: Jack Fogg, botânico; Gordon Cullen, L.Mumford, Aldo Van Eick, Margaret Mead, René Dubos, entre outros. Além das contribuições interdisciplinares, McHarg foi convidado pela rede televisiva CBS, da Philadelphia para a série (baseada no seu curso) “The House We Live In”, no período de 60-61. Dois grandes projetos são emblemáticos para o método ecológico de McHarg, o primeiro deles, proposto em 1962, era o “Plan for the Valleys”, que abrangia uma área de 70 milhas quadradas do vale no norte de Baltimore, em Maryland. Com base na análise dos recursos naturais da região, e organizando os aspectos fisiográficos, segundo o termo mcharguiano “determinismo fisiográfico”, recomendava um novo desenvolvimento no planalto aberto e encostas arborizadas, onde os vales seriam preservados. Segundo McHarg, “ a área é bonita e vulnerável, o desenvolvimento é inevitável e deve ser planejado” (McHARG,1969 apud SPIRN,2010).


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o outro projeto de grandes dimensões no qual ele utilizou seu método com aperfeiçoamento das camadas foi para o Potomac River Basin Study, sendo o primeiro projeto no qual integram a região fisiográfica e a bacia hidrográfica, sumarizando modelos de topografia, geologia, solo, hidrologia, vegetação, uso do solo e uso potencial para futuras instalações. Tal projeto possui algumas perspectivas (figura 43) que auxiliam no entendimento da vocação das diferentes áreas e que se assemelha muito à seção do vale de Geddes (1915) (figura 44), conforme assinalado no início do capítulo. esse projeto, desenvolvido no período de 1965-66, apresentava “500 mapas e quilos de relatório” (mapa 12), segundo um exaustivo inventário que, para o autor, representava o pré- requisito para uma intervenção e adaptação para a área do projeto (sPirn,2010).

Fig. 43 PERsPECTiVA DA sEÇÃO DO gRANDE VAlE NO EsTUDO PARA A BACiA DO RiO POTOMAC (FONTE: MCHARg, 2000, P.148)

Fig. 44 sEÇÃO DE UMA REgiÃO DE VAlE NA EUROPA, PARA EXPOsiÇÃO CiTiEs AND TOwN-PlANNiNg 1911. (FONTE: gEDDEs, 1994, P.198-199


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MAPA 12.  AVAliAÇÃO DOs FlUXOs E CONTAMiNAÇÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO POTOMAC, UM DOs MUiTOs MAPAs DO EXAUsTiVO iNVENTÁRiO CiTADO POR sPiRN (FONTE: MCHARg, 2000, P.136)

spirn e Hough trouxeram para suas atividades profissionais as ideias de McHarg, sem contudo pactuar com seu pessimismo com relação às cidades, incorporando a dimensão social, pois para ambos na cidade residem os maiores desafios para o estabelecimento do equilíbrio entre o construído e o natural. spirn apresenta suas ideias no livro The Granite Garden: Urban Nature and Human Design (1984) - para a autora, os edifícios e toda a cidade constituem a paisagem. enfatizando os conceitos de saúde, segurança e bem-estar, a publicação causou polêmica por afastar a visão estética, ou seja, o embate entre aqueles que viam paisagem enquanto arte e aqueles cuja enfase estava na importância do método ecológico. (entrevista spirn, 2001 para o architeture Boston review).


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Vale salientar o caráter referêncial para a presente dissertação da proposta para o córrego Mill ( Restoring Mill Creek: Landscape Literacy, Environmental Justice and City Planning and Design, 2005), conduzida por A. W. Spirn junto com seus alunos da Penn Univ. e a vizinhança do West Philadelphia23. Segundo a autora uma área adensada e com constantes problemas de enchentes. No entanto, algumas divergências ou até polêmicas como relação ao método ecológico aplicado ao planejamento mostraram-se positivas e outras não, entre elas o argumento de que a arquitetura da paisagem pode ser uma forma de arte,outros consideram que os mapas, exibindo ou ocultando aspectos, servem para legitimar o poder; ou que os dados utilizados para elaboração de mapas podem ter sido inexatos (WELLER, 2006, HARELEY, 1989, MONMONIER, 1996 apud HERRINGTON, 2010).

Um dos aspectos críticos do método é apontado por Turner (1996), que observa existir uma contradição no método mcharguiano quanto ao significado de “natureza”. Pois, se o ser humano é parte dessa natureza, é uma contrasenso declarar que esse ser é capaz de danificá-la em seu próprio interesse. Então “suas teorias estão em oposição à vida humana”, sendo difícil esperar que esse ser seja capaz de construir um lugar para habitar equilibrado com essa mesma natureza. Outro enfoque proposto por Turner (1996) é digno de consideração. Referente à técnica do inventário/análise/planejamento (survey-analysis/design-SAD) (figura 45) – esse método tem características funcionalistas, utilizado no planejamento proposto no método ecológico mcharguiano. O resultado desse processo é denominado pelo próprio McHarg como “determinismo ecológico”. Isto é, se o método tem como base a natureza e seus processos, por dedução, qualquer profissional que inventariar todos os fatores [23] Mais detalhes sobre as proposições dos estudantes para Restoring Mill Creek em: http://www. wplp.net/courses/waterdesign.php


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propositivos e restritivos deve alcançar sempre as mesmas conclusões e resultados (MCHARG, 1971 apud TURNER, 1996). Portanto, o aspecto dedutivo do método é reconsiderado por alguns planejadores, que afirmam que, se o planejamento da paisagem é uma arte, então não é recomendável usar uma metodologia determinista (TURNER, 1996). Ao abandonar o método SAD, por conta da sua abordagem determinista, alguns planejadores optam pelo método metafórico, ainda que esse tenha um aspecto subjetivo quanto ao seu uso. Nesse método, aspectos como, a dinâmica da paisagem e, principalmente, a singularidade do lugar são imprescindíveis. Considerando a importância das reflexões sobre o determinismo e a rigi-

Fig. 45 exemplificação do método de planejamento (s.a.d) survey-analysis-design [levantamento/análise/concepção] (fonte: turner, 1996, p.146)

dez que esse fato acarreta aos resultados alcançados e, portanto, com base nessa constatação, é possível, através da seleção das camadas a serem inventariadas, elaborar uma pré-triagem, levando em consideração os aspectos particulares de cada região e a dinâmica da paisagem. Segundo Lyall (1998), o trabalho de McHarg sobre a paisagem em larga escala e planejamento ambiental trouxe o conceito de que o paisagismo é bem mais que uma coleção de plantas arranjadas e topografia. O que ele realmente introduziu foi a noção de ética ambiental. Como toda a ciência social que emergia naquele período


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havia a necessidade de estabelecer credibilidade. Desse modo, os conceitos de McHarg buscavam algo análogo à ciência, suscetível de estabelecer objetivos, análise e síntese como as disciplinas acadêmicas. Isto naturalmente implicava uma visão utilitária (e modernista), portanto se a paisagem trabalha com um sistema ecológico ela necessariamente trabalha com um sistema estético. Igualmente questionável era a posição da Penn School que considerava a própria natureza o único possível modelo de design de paisagem. Numa era de pluralismo, essa posição se apresentava, um tanto quanto, incoerente com o contexto daquela época. No Brasil, a vertente ambientalista, no sentido da preservação do meio ambiente, tem como principal expoente Roberto Burle Marx. Em conferências proferidas entre 1976 e 1983, ele chamava a atenção para a busca de soluções de intervenção no espaço sem agredir o meio ambiente. Nesse período, surgem diversos projetos com foco na questão ambiental, envolvendo arquitetos paisagistas. Também ocorrem nesse período as primeiras iniciativas no sentido de criação das APAS (áreas de proteção ambiental) (FARAH, 2010). Um dos projetos no qual foi aplicada a metodologia de Ian McHarg foi da paisagista Rosa Kliass, em 1977, para a cidade de Salvador que tinha como foco um estudo dos sistemas de espaços livres, além de “levantar o potencial paisagístico do município e indicar os critérios a serem adotados na ocupação do sítio e uso do solo.” (Fiaschi, 1986, apud FARAH,2010).

Em outro projeto de paisagismo com relação à aplicabilidade técnica do método de planejamento ecológico, a proposta do Plano da Paisagem Urbana para a cidade de São Luis do Maranhão (figura 46), a arquiteta e paisagista brasileira Rosa G. Kliass utiliza o método de sobreposição de camadas cartográficas predominantes para elaboração do mapa síntese, resultado da sobreposição. O ponto de partida


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do projeto paisagístico foi a “montagem de um quadro de situação/ inventário, seguida de análise e diagnóstico da problemática e do potencial paisagístico”. no caso de são luis, a autora propõe o desenvolvimento do projeto em cinco etapas: i. inventário; ii. análise, iii. diagnóstico, iv. propostas e v.diretrizes para planos e projetos específicos (Kliass, 2006). Também Fernando Chacel, utilizou da metodologia de análise de ian McHarg, “realizando inventários de solo, de vegetação e do restante da parte biótica, numa primeira experiência que viria a repetir-se em outros projetos similares”, (FaraH,2010, p.109). Por

Fig. 46 CONjUNTO DE MAPAs DAAPliCAÇÃO DO MéTODO ECOlógiCO PARA O DEsENVOlViMENTO DO PlANO PARA PAisAgEM URBANA DE sÃO lUÍs, MA (FONTE: kliAss, 2006, P.48-49)


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exemplo, o método, foi aplicado no loteamento Veleiros de Ibiúna, em São Paulo, buscando manter as características topográficas e cobertura vegetal de valor ecológico. Para a aplicação do método ecológico, Ian McHarg considera necessário três etapas fundamentais: o inventário, a análise e o diagnóstico. Considerando a aplicação do método no presente estudo, buscou-se sobrepor o método e metodologia, isto é, a consideração das etapas do metodo, como o convencional e divisão do inventário em levantamento e inventário. Essa etapa acrescentada foi relativa ao recolhimento e organização de dados da bacia hidrográfica, para posterior se constituir o inventário (como proposto pelo no método ecológico) para a restauração do rio Camarajipe. LEVANTAMENTO - Observando as etapas do método, verifica-se a importância da pesquisa e levantamento dos dados na identificação dos processos e suas respectivas valorações na representação dos mapas. Possíveis equívocos ou até mesmo omissões ocasionais vão refletir diretamente no etapa final do processo, ou seja os mapas sínteses vão conter distorções, prejudicando interpretação e aplicação no desenvolvimento do projeto. No prefácio, o autor reitera que é fundamental um processo inter e multidisciplinar para o levantamento de dados. INVENTÁRIO - Após a etapa do levantamento, a catalogação dos processos naturais relevantes ao local ou região deverão ser classificados segundo uma escala de valores. Segundo McHarg(2000), a capacidade de constituir um inventário ecológico consiste em avaliar e colocar em hierarquia a


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importância dos valores naturais, estéticos e sociais. Desse modo, serão elaborados os mapas temáticos que sobrepostos resultam nos mapas sínteses - produto final do inventário. ANÁLISE - Essa etapa não necessariamente é posterior ao inventário. Em certo sentido, elas são complementares e justapostas, pois, quando na etapa anterior há uma valoração, pressume-se que está sendo feita uma análise. Contudo, a finalidade é desenvolver o diagnóstico. DIAGNÓSTICO - Outro ponto fundamental na teoria presente em Design With Nature é o papel do diagnóstico prévio à intervenção projetual. Isso não significa que essas etapas não façam parte do planejamento, pois são etapas iniciais do planejamento que precede o projeto especifico. O diagnóstico no campo do urbanismo foi difundido por Patrick Geddes na sua obra City in evolution de 1915, na qual ele descreve um paralelo ao diagnóstico realizado na medicina para demonstrar a sua importância, afirmando que o direcionamento do tratamento e posologia só acontecerá após um diagnóstico prévio. Salientando a importância do diagnóstico defendida por Geddes, Spirn(2000) afirma, sobre a teoria de McHarg, “que o inventário ecológico é a sistemática compreensão e a relação de diferentes aspectos do ambiente, que aplicado corretamente é como uso do diagnóstico em medicina […] o inventário é também uma ferramenta e uma lista de sistemas interrelacionados.”


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Nas etapas iniciais dessa pesquisa, constatou-se que a relevância das teorias de Mcharg e a difusão dos conceitos e dos critérios de análise regional poderiam servir de parâmetro para o presente estudo. A ênfase ecológica apresentada no livro Design With Nature mostra um embasamento teórico-prático do planejamento e projeto da paisagem, considerando os processos e recursos naturais, elementos capazes de indicar uma opção para análise da bacia hidrográfica e do rio Camarajipe. Nesse sentido, a escolha por aplicar o método ecológico, adaptando aos aspectos fisiograficos, sociaisculturais, estéticos da bacia hidrográfica e do rio apresenta-se como um caminho para compreender, diagnosticar e direcionar ações de planejamento com a finalidade de restaurar valores já perdidos, reforçando seu potencial como elemento estruturador da ocupação no seu entorno, além de valorizar seu traçado na paisagem soteropolitana.


capÍtulo 03 BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE

(aplicando o método ecológico na bacia do Camarajipe)

Avenida Antônio Carlos Magalhães, ACM. Rio Camarajipe canalizado (Fonte: acervo FGM/PMS, data 10/06/1988, fotógrafo: Agilberto Lima)


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Em relação ao contexto hídrico, Salvador está inserida na Região hidrográfica do Atlântico Leste, mais especificamente na Região de Planejamento e Gestão das Águas do Recôncavo Norte e Inhambupe. A água que abastece a capital vem da Barragem de Pedra do Cavalo, no Rio Paraguaçu, e dos rios Joanes e Ipitanga, esses dois últimos localizados na Região Metropolitana de Salvador. Ou seja, a cidade não consome nenhuma gota de água dos rios do próprio município. A cidade de Salvador é constituída por diversas bacias de drenagem pluvial e bacias hidrográfica. Essas últimas são: SeixosBarra/Centenário, Camaragipe, Cobre, Ipitanga, Jaguaribe, Lucaia, Ondina, Paraguari, Passa Vaca, Pedras/Pituaçu, Ilha de Maré e Ilha dos Frades (SANTOS, 2010). Localizada no miolo da cidade de Salvador, a Bacia do Rio Camarajipe possui uma área de 35,877km 2 (o que corresponde a 11,62%do território municipal de Salvador), sendo a terceira maior bacia em extensão do Município. Encontra-se limitada ao Norte pela Bacia do Cobre, a Leste pela Bacia Pedras/Pituaçu, a Oeste pela Península de Itapagipe e ao Sul pela Bacia do Lucaia. Com uma população de 668.871 habitantes, que corresponde a 27,3% da população de Salvador e densidade populacional de 18.643,37hab./km2 (IBGE, 2010), é a mais populosa bacia do Município, embora apresente um ritmo de crescimento relativamente pequeno, em virtude da consolidação do seu processo de ocupação. Possui 180.074 unidades habitacionais, que correspondem a 27,3% dos domicílios de Salvador (SANTOS, 2010). O principal curso d’água da bacia, o rio Camarajipe, nasce no bairro Alto do Cabrito. Em relação ao contexto metropolitano,


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a região da nascente está localizada entre a Enseada dos Tanheiro, a rodovia BR-324 e o parque São Bartolomeu no subúrbio Ferroviário de Salvador. As águas da bacia do Camarajipe foram os principais mananciais de abastecimento da cidade, do final do século XIX até meados do século século XX. O Rio Camarajipe tem o seu nome associado à existência, em suas margens, de uma planta chamada Camará, Lantana camara, Lantana aculeata ou ainda Lantana brasiliensis, (figura 47) arbusto de folhas aromáticas e frutos vermelhos, que eram abundantes nas imediações desse rio (SANTOS, 2010). O “caminho natural” do Camarajipe desembocava no Largo da Mariquita, no bairro do Rio Vermelho, tendo como seu último afluente o Rio Lucaia, proveniente do Dique do Tororó, pela Av. Vasco da Gama, que o

Fig. 47  Lantana camara, segundo Santos et al. é a planta que dá origem ao nome do rio camarajipe (fonte: http://goo.gl/17d4xY)

margeia (SANTOS, 2010). Porém como visto nesse estudo, o Camarajipe foi redirecionado nas imediações do Shopping Iguatemi, desaguando atualmente no bairro do Costa Azul. Ao longo do seu trajeto, fica evidente o grande comprometimento da qualidade das suas águas provocado por décadas de lançamento de esgotos sanitários in natura, além da presença de diversos outros processos antrópicos, da ausência de controle e


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gestão dos recursos hídricos em grande parte da bacia, tanto em seu leito, quanto em suas margens. na década de 1980, foram desativadas para fins de abastecimento público de água, as represas do Prata e da Mata escura, em virtude da degradação da qualidade de suas águas devido ao recebimento de esgotos sanitários e efluentes provindos de pequenas indústrias. vale ressaltar que, nas imediações da represa do Prata, ainda existe uma mancha quase contínua de remanescentes de florestas em estágio médio e avançado de regeneração, com área de, aproximadamente, 84ha. segundo relatos de residentes mais antigos da região e da cidade, nas águas do rio Camarajipe havia peixes e crustáceos (pitús) até o início do século XX. Hoje, em péssimo estado de conservação (figura 48), seu ecossistema encontra-se totalmente degradado, sobretudo em seu trecho final. observa-se a olho nu que a qualidade de suas águas é ruim, com baixa transparência, odores desagradáveis, presença de lodo escuro e resíduos sólidos flutuantes.

Fig. 48 O ATUAl(2014) EsTADO DEgRADAÇÃO AMBiENTAl DO RiO CAMARAjiPE, PERDA DE qUAliDADE DA ÁgUA E COMPROMETiMENTO DA EsTRUTURA FÍsiCA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)


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MODERNiDADE: CiDADE

X

RiOs

a situação dos rios urbanos é extremamente delicada, sendo que a maior parte das bacias hidrográficas urbanas sofrem severas interferências no tocante aos seus processos naturais pela contìnua evolução da estrutura urbanização. a ausência ou ineficiência do saneamento básico, carências e inadequação das infraestruturas, intensa especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte e periferização da parcela da população socialmente vulnerável,a soma desses fatores, acarretam a degradação dos processos sociais, e consequentemente dos fatores ambientais pertinentes aos rios e às bacias hidrográficas. essa situação é exemplificada na análise da situação da qualidade das águas dos rios soteropolitanos que são, em sua maioria, condutores de esgoto. Conforme monitoramento em estudo da UFBa (CiaGs, 2010), nenhum dos 12 principais rios da cidade apresentou índice de Qualidade ambiental (iQa) ótimo. somente os rios Cobre e o ipitanga atingiram o índice regular e bom. a sobrecarga populacional na infraestrutura existente no meio do século na capital baiana contribuiu para desgaste e degradação do meio ambiente na cidade. exemplo dessa degradação são assentamentos irregulares ou aglomerados subnormais (invasões ou favelas) em áreas de encostas e fundos de vales. o crescimento da cidade ao longo da segunda metade do século XX não foi acompanhado de melhorias na infraestrutura urbana e, menos ainda, na diminuição do déficit habitacional, colaborando assim para degeneração do meio ambiente e de seus processos. ainda mais significativa para a rápida transformação da forma urbana é a construção de inúmeros edifícios residenciais, organizados muitas vezes em condomínios ou conjuntos de lotes


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que acompanham características dos diversos núcleos residenciais das classes alta/média que surgem todos os dias nas grandes cidades brasileiras. Esses novos empreendimentos estão ocupando de forma arbitrária as poucas áreas verdes da cidade de Salvador, sendo a maior concentração ao longo do vetor de crescimento sentido norte da cidade (MENDES, 2006). Essas modificações urbanas são claramente potencializadas por alterações “obscuras” nas leis do uso do solo24 e o confuso comércio de títulos, conhecido como TRANSCON25 (transferência do direito de construir), saciando a curto prazo o apetite interminável por novos empreendimentos por parte das grandes corporações imobiliárias. Portanto, a pressão imobiliária sobre o solo soteropolitano atualmente é quem define, em grande parte, a forma urbana e a [24] Lei n. 8.167/2012 Dispõe sobre a Lei de Ordenamento do uso e da ocupação do solo do município de Salvador e dá outras providências. Câmara - Para dar seu voto em favor da concessão da medida cautelar, o desembargador-relator do processo,José Edivaldo Rocha Rotondano, evocou principalmente a ausência de participação da sociedade civil na discussão da LOUOS, antes de ser votada pela Câmara de Vereadores de Salvador, o que se configura inconstitucionalidade. Também “os danos irreversíveis (ambientais,urbanísticos, financeiros) que ainda podem ocorrer com a lei em vigência”. A Louos foi aprovada em 29/11/2011 sem ter passado por audiências públicas ou comissões técnicas da Casa legislativa. Rotondano citou, ainda, que a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) o procurou como “amigo da corte” – denominação jurídica que se dá a quem quer contribuir com informações e ou documentos para processos. Reportagem do jornal Atarde, TJ SUSPENDE EFEITO DA LOUOS EM CARÁTER LIMINAR Regina Bochicchio, quarta , 27/06/2012 [25] TRANSCON significa Transferência do Direito de Construir e foi instituída em Chicago em 1973 com o nome de “espaço flutuante” (space adrift). Era um instrumento de planejamento urbano que se destinava a transferir o potencial de construção de áreas com perspectiva de grave adensamento para zonas onde havia infraestrutura subutilizada. Servia também para transformar baldios em praças e parques urbanos sem desembolso municipal e compensar proprietários de edifícios tombados situados em meio a zonas verticalizadas podendo usá-los ou vende-los para aumentar o potencial de construção em zonas que se queria desenvolver, tudo regulado pelo Plano Diretor local. Quando se tratava de baldios ou áreas verdes estas passavam automaticamente para o patrimônio municipal.Este instrumento foi introduzido no país, no inicio da década de 80, em Curitiba, cidade totalmente planejada, e “macaqueada em Salvador”, comunidade como se diz hoje, sem planejamento nem infraestrutura ociosa pela Lei 3885/87, con_rmada pela Lei Orgânica do Município, de 1990.O Estatuto da Cidade, Lei 10.257 de 2001, regulamentou a questão nos artigos 28, que trata da “outorga onerosa”, já descrita em artigo anterior neste jornal, e 35 que trata do TRANSCON. Os nossos TRANSCONS se devem a compensações milionárias pagas pela Prefeitura a proprietários que supostamente tiveram suas terras invadidas. (AZEVEDO, Paulo Ormindo, IAB, 2013) – Boletim IAB e Jornal A Tarde-seção: Opinião. 20/01/2013. Os prédios que utilizaram Transferência do Direito de Construir (Transcon) na orla marítima de Salvador correm risco de demolição, caso o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) seja aplicado com rigor. Essa é a avaliação do diretor da Faculdade de Direito da Ufba e doutor em direito público, Celso Castro.Reportagem do jornal A tarde,UTILIZAÇÃO DE TRANSCON NA ORLA É ILEGAL, AFIRMA JURISTA Vítor Rocha, seg , 23/08/2010


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estrutura da cidade do amanhã, distanciando cada vez mais o letárgico poder público e os órgãos relacionados da fiscalização do uso do solo, relegados ao papel de coadjuvantes a esse modelo de crescimento urbano. Em paralelo a essas transformações de caráter privado, houve uma intensificação de obras públicas, mesmo que em ritmo mais lento ao da iniciativa privada, porém extremamente decisivas para consolidação da estrutura urbana futura. No entanto, esses esforços das diferentes esferas governamentais qualitativamente são questionáveis. Entre eles destacam-se, primordialmente, empreendimentos viários, protagonizado pelo complexo viário Bahia de Todos os Santos (Via Portuária, figura 49), o qual o governo estadual, através da Secretaria de Comunicação, intitula: “a maior obra viária dos últimos 30 anos em Salvador”. Na contramão de algumas cidades do mundo que estão retirando suas estruturas viárias elevadas, Salvador no período de 2002 a 2012 viu ser materializada a maioria das presentes estruturas elevadas existentes no tecido urbano. Exemplos disso são a já citada Via Expressa, que em parte é elevada, possuindo 14 viadutos e, principalmente, o metrô, que em seu maior trecho é elevado, entrecortando um tecido urbano com alta densidade habitacional, em sua grande maioria socialmente vulnerável, contribuindo assim para a degradação do ambiente urbano. Essa intervenção, assim como outras, é a comprovação que as ações de planejamento ainda estão impregnadas da matriz rodoviárista para resolver os problemas de mobilidade presente na cidade. É possível afirmar que esse paradigma está distante de ser superado, tanto nos setores governamentais que determinam o planejamento da cidade, como na base conceitual e nos métodos utilizados por esses atores responsáveis pelo futuro das cidades brasileiras.


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Fig. 49 A OBRA DA VIA EXPRESSA INTERFERIU DIRETAMENTE NA TOPOGRAFIA DE UMA EXTENSA REGIÃO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CAMARAJIPE, CONSEQUENTEMENTE, TAMBÉM INTERFERIU NA DINÂMICA DE ESCOAMENTO DAS ÁGUA PLUVIAIS. ASSIM COMO, A INTERVENÇÃO NA ESTRUTURA NO LEITO DO RIO DAS TRIPAS, PRINCIPAL AFLUENTE DO CAMARAJIPE. A CONSTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA, COMO TODA GRANDE INTERVENÇÃO VIÁRIA, INTERFERE NA ESTRUTURA HÍDRICA ADJACENTE, RESULTANDO NO ACRÉSCIMO DO FLUXO EM DIAS DE CHUVA EM RESPOSTA A MAIOR ÁREA DE IMPERMEABILIZAÇÃO. ASSIM COMO MODIFICAÇÕES NO DESEMPENHO DO ESCOAMENTO DEVIDO AO AMPLO CONJUNTO DAS 10 FAIXAS DA VIA ESTÁ IMPLANTADO, EM PARTE, NOS FUNDOS DE VALES. MOSAICO DE IMAGENS DA VIA EXPRESSA BAÍA DE TODOS OS SANTOS. PEÇAS PUBLICITÁRIAS DE DIVULGAÇÃO DA OBRA (FIG. 01 E 02), IMAGENS DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO (FIG. 03, 05 E 06) E FIGURA 04 ACERVO PESSOAL DO AUTOR.


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Esse cenário de grandes transformações na estrutura urbana é o pano de fundo para situar e contextualizar esse trabalho, pois, tal como o sistema viário, também os rios, elementos da estrutura urbana, foram objeto de transformações agudas no período de 2002 a 2012. Exemplo nítido dessa mudança é o estabelecimento de uma nova relação com o tecido urbano adjacente que está se delineando, e uma grande parcela dessa relação tende a ser desequilibrada e, em alguns casos, culminam com a “morte” e o “sepultamento” (tamponamento) de seus rios, córregos, riachos dentro da paisagem urbana. O resultado dessas transformações é a formação de um novo ambiente que tem como características a falta de variação topográfica, tornando as antigas margens um local essencialmente plano, com um repertório paisagístico limitado, rarefeito e, por vezes, inadequado ao tipo de solo presente. A descaracterização é de tal forma que restam poucos indícios de que naqueles locais já existiu um curso d’água. Tais ações entram em conflito com o conceito de visibilidade defendido por Hough(1995), onde os processos naturais e humanos que sustentam a vida devem estar visíveis por questões de ordem econômica, educacional e ambiental, enriquecendo sensorialmente a paisagem. Observa-se que a lógica da aplicação de grandes esforços priorizando o sistema viário, em particular o veículo individual, com o objetivo de minimizar os problemas de mobilidade que os grandes centros urbanos enfrentam, ainda é imperativo na concepção do planejamento urbano. Assim, é possível compreender, como já foi dito, que o paradigma rodoviarista está arraigado nas ações de planejamento envolvendo os vales da cidade, e consequentemente, os cursos d’água, estando longe de ser superado na realidade das principais cidades brasileiras, no que se refere às intervenções urbanas próximas aos cursos d’água.


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O “ DESAPARECIMENTO” dos rios soteropolitanos Levando em consideração a “intensidade” das intervenções em rios e canais na cidade de Salvador e o modelo em que essas se conjugam, e estão sendo concebidas e executadas, o principal ponto para o aprofundamento do estudo se constituiu na relação entre a cidade e seus rios. Esse modelo de intervenção envolvendo cursos d’água intensificou-se a partir da primeira década do século XXI e se estende até o momento em que este estudo está sendo elaborado, período de 2012 a 2014. No que concerne ao enfoque adotado pelos projetos, é pertinente salientar que os mesmos têm provocado significativo grau de alteração físico-ambiental dos rios, modificações que priorizam a drenagem urbana, melhoramento paisagístico e aproveitamento da projeção horizontal do leito para, sobre novas estruturas, servirem para diferentes usos. Porém, em nenhum desses projetos foi priorizado o resgate de valores pertinentes aos processos naturais dos rios. Esses rios apresentam importância histórica e cultural relevante para a identidade da Cidade do Salvador, como é o caso do Rio dos Seixos, mais conhecido como Canal da Avenida Centenário, que foi totalmente encapsulado para sobre suas lajes de concreto para abrigar um parque urbano. Como comentado sobre o não suplantar do paradigma rodoviarista, nesse caso do rio do Seixos é legítimo concluir que intervenções com viés sanitarista, após quase 2 séculos da expansão do modelo Haussmanniano26, ainda permanece como matriz conceitual na elaboração dos planos e projetos envolvendo rios urbanos. Para esse estudo, foi imprescindível a reflexão crítica sobre as ideias que influenciaram conceitualmente estas intervenções nos rios soteropolitanos. Compreendendo de que maneira, obras de tamponamentos/encapsulamento contribuiram para a reconfiguração ou, até mesmo, ruptura entre a cidade e seus rios. Tais intervenções transformaram os antigos leitos em galerias fechadas de águas fluviais, esgoto e escoamento pluvial, criando sobre a área vedada de seu leito, parques lineares, área de esporte, área de lazer e, até mesmo, alargamento de vias existentes.

[26] Pinheiro, Eloísa Petti. “Europa, Francia and Bahía: diffusion and adaptation of urban european models.”


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O presente estudo baseia-se na afirmação de que, através de uma abordagem do planejamento urbano, em consonância com valores ambientais e respeito aos processos naturais dos rios, é possível direcionar o planejamento urbano com vistas ao restauro de uma paisagem fluvial que possa reconciliar o rio e a cidade.

Panorama atual do rio Camarajipe Desde análises feitas em 1986, o CRA já afirmava que o rio Camarajipe não possuía condições nem vazão suficiente para a autodepuração da carga orgânica lançada sem prejuízo ou comprometimento da qualidade de suas águas. Essa situação foi, e ainda é, agravada pelo crescimento urbano desordenado na área da sua bacia de drenagem. As obras do Programa de Saneamento Ambiental Bahia Azul foram insuficientes para a redução da carga orgânica. O Camarajipe na década de 1990, sofreu intervenção, como comentado anteriormente foi instalado uma estação de interceptação em tempo seco nas imediações de onde houve o redirecionamento na década de 1950. Assim, o seu fluxo, em tempo seco, é encaminhado para a Estação de Condicionamento Prévio, localizada no rio Lucaia, operada pela Embasa. Após esse ponto o rio segue para o mar pelo emissário submarino do Rio Vermelho (ROSSI et al, 2012). Em outras palavras, o rio, no periodo de estiagem voltou a percorrer no sentido original, entretanto com uma pequena elevação do seu nível o fluxo volta para o canal Camarajipe. O Rio Camarajipe está estrategicamente posicionado, entrecortando os principais bairros que possuem alta densidade habitacional e margeia equipamentos de interesse público e privados. A região em questão representa a principal nova centralidade da cidade como indica Mendes: [...] Salvador é apresentada como uma cidade polinucleada, descentralizando em alguns subcentros mais dinâmicos, sobretudo o de Camurugipe (Região do Iguatemi), as suas atividades econômicas distribuindo-as pelo porte e pelos tipos de comércios e serviços. (MENDES, 2006, 172).

No vetor que se estende da avenida ACM, na altura do DETRAN, passando pela avenida Tancredo Neves e vai até a avenida Magalhães


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neto, é possível inferir que o rio Camarajipe, devido a sua posição geográfica estratégica na cidade, estará na pauta das futuras intervenções, seguindo o modelo já adotado no rio do seixos (2008) (figura 50), rios das Pedras(2010) e rio lucaia (2012): tamponamento devido ao seu elevado estado de eutrofização e pela localização ao longo de vias já saturadas pelo tráfego de veículos particulares e de transporte coletivo.

Fig. 50 RiO DOs sEiXOs NA AV. CENTENÁRiO iMAgENs (01 E 02) ANTEs DE sER TAMPONADO E (03, 04 E 05) iMPlANTAÇÃO DE PARqUE liNEAR sOBRE A lAjE qUE O RECOBRE. (FONTE: iMAgEM 01: HTTP://s45.PHOTOBUCkET.COM/UsER/gABViANA2/ MEDiA/DsC04293.jPg.HTMl. iMAgEM 02: HTTP://AVENiDACENTENARiO.BlOgsPOT.COM.BR/2010_06_01_ARCHiVE.HTMl. iMAgEM 03, 01 E 05: HTTP://www.BRAZAO.ARq.BR/174318/1800600/PROjETOs/PROjETO-AV-CENTENARiO )


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Um dos pontos relevantes que justificou o presente estudo é, sem dúvida, a vulnerabilidade de equipamentos urbanos importantes para cidade que margeiam o rio. destaca-se a estação acesso norte, principal estação do metrô de salvador. outros equipamentos urbanos relevantes e também vulneráveis são a estação de transbordo do iguatemi, juntamente com a estação de ônibus intermunicipal, assim como as avenidas que recebem o maior fluxo de veículos da cidade (av. Tancredo neves e av. aCM), além de centros comerciais de grande fluxo de pessoas presentes na área adjacente ao rio. a vulnerabilidade acima citada é decorrente de dois fatores: o natural, no que se refere ao extravasamento das águas do rio decorrente de intensas e duradoras precipitações coincidindo com marés altas que formam uma barreira física para escoamento do excedente. e o fator humano, promovido pela crescente ocupação de espaços livres que possuíam cobertura vegetal, a exemplo de dois grandes loteamentos de edifícios(Horto Bela vista e vila Privillege) somados a um grande centro comercial (shopping Bela vista) (figuras 51 e 52). o

Fig. 51 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMRAjiPE (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)


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Fig. 52 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: ÁlBUM DE FOTOs DO gOVERNO DA BAHiA, HTTP://gOO.gl/qOUXgi, 2011)

aspecto negativo desse fator não é relativo ao uso do espaço livre urbano, mas sim ao modelo de implantação desses projetos que visam o máximo aproveitamento da superfície do terreno, transformando a área que outrora apresentava cobertura vegetal significativa, em locais com quase nenhuma permeabilidade e com baixo valor paisagístico. os empreendimentos citados estão situados na bacia hidrográfica em questão. o corolário da substituição da superfície de absorção da água da chuva e da vegetação, que exerce o papel de elemento mitigador dos efeitos das chuvas pelas superfícies impermeabilizadas desses novos loteamentos, certamente, atuará na elevação do volume a ser escoado pelo rio no período de intensa precipitação, acentuando, desse modo, situações de desastres ao longo da bacia hidrográfica, transformando cada vez mais o rio numa ameaça à cidade. Portanto, a necessidade de revisão na abordagem projetual para com os rios urbanos e bacias hidrográficas apresenta-se relevante, buscando restaurar a paisagem, qualidade de vida e a interação entre ambientes urbanos e natureza.


É importante esclarecer que antes da aplicação do método dois aspectos devem ser considerados. O primeiro se refere à delimitação dos bairros que compõem a bacia para dar suporte ao entendimento da localização dos mesmos para a explicitação das camadas de valoração. Quanto a esse aspecto se adotou a tipologia do estudo O Caminho das Águas de Salvador ( SANTOS et al, 2010). O outro a ser considerado foi a situação topográfica da bacia, que serviu de base para esclarecimento de toda ordem, tais como: escoamento, inclinação da declividade, várzeas, localização dos cursos d’ água, entre outros, demonstrados no mapa de relevo.


MAPA 13. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR A


MAPA 14. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR B


MAPA 15.窶コELEVO DA BACIA DO CAMARAJIPE - SETOR A


MAPA 16.窶コELEVO DA BACIA DO CAMARAJIPE - SETOR B


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MÉTODO ECOLÓGICO NA BACIA HIDROGÁFICA DO CAMARAJIPE Valores hídricos A definição dos valores dos elementos fluviais tem como objetivo fundamental destacar os principais cursos d’água e suas nascentes, independente do seu aspecto estrutural. Ou seja, não foi levado em conta se o rio ou córrego está tamponado, canalizado ou ainda possui suas margens preservadas, mas apontar os componentes essenciais da malha hídrica. Esse procedimento é justificado por entender que o rio Camarajipe compõe e delimita a bacia hidrográfica, com o conjunto dos afluentes e seus diversos elementos, como por exemplo, os brejos, lagoas e áreas úmidas. Assim, fica evidente a compreensão da natureza como um sistema único e interativo, que a ação em um dos componentes se reflete em todo o conjunto (MCHARG, 2000; HOUGH, 1995; SPIRN, 1994). O desafio na definição dos elementos de maior e menor valor foi, sem dúvida, a identificação dos leitos dos pequenos córregos e os locais próximos as suas nascentes, principalmente onde existe elevado grau de ocupação e interferência da estrutura urbana. Esse processo de definição foi descrito no final do capítulo 02. Após a etapa de reconhecimento da malha hidrográfica básica, definindo essa como o maior valor dentre todos na camada dos processos hídricos, foram determinados os dois outros critérios de valor.


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A importância da planície de inundação, como já foi visto nesse trabalho, foi a diretriz para a definição da segunda escala de valor. A atenção para essas áreas é justificada pelo papel que exercem no equilíbrio da dinâmica fluvial, além de estarem diretamente conectadas com o sistema de drenagem urbano. O terceiro valor, inferior aos dois primeiros, se refere especificamente às zonas de escoamento de drenagem, “o caminho” que as águas das chuvas percorrem entre as cumeadas e os vales, alimentando os cursos d’água. Portanto, os critérios de valoração foram: • ALTO - grau alto de influência hídrica.

• MÉDIO/ALTO - influência hídrica de grau médio para alto.

• REGULAR - influência hídrica de grau regular para irrelevante


MAPA 17. VALORAÇÃO ASPECTOS HÍDRICOS - SETOR A


MAPA 18. VALORAÇÃO ASPECTOS HÍDRICOS - SETOR B


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Valores acerca da estrutura física dos rios Como já verificado nesse estudo, uma das definições de Riley(1998) para restauração de um rio urbano é promover o restabelecimento de um estado anterior próximo ou igual ao original, no que se refere às características físicas do rio. Com base nessa definição, foi ajustado o critério de valoração dos aspectos físicos dos cursos d´água, compreendendo que a situação mais próxima a um estado original ou que não foi descaracterizado por ações de toda a sorte, representaria o caminho para salvaguardar a integridade ambiental do elemento fluvial e ponto de partida para iniciativas de restauro. Os córregos, riachos, rios, brejos e as zonas alagáveis que não sofreram intervenções ou que sofreram alguma, mas resguardam ainda algum traço de um estado nativo(original), foram classificadas como trechos mais aptos ao restauro, sendo considerados de alto valor (figura 53). Também é relevante a proximidade das

Fig. 53 trecho do rio camarajipe com alta valoração referente a estrutura física (fonte: acervo pessoal do autor, 2014)


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nascentes, em especial os afluentes adjacentes ao trecho inicial do rio Camarajipe. Aqueles cursos d’água ou elementos fluviais que estão retificados e canalizados, contudo visíveis, ou seja, interagem de alguma maneira com a estrutura urbana, foram classificados como de valor MÉDIO/ALTO. Essa escala de valor teve por base o princìpio de visibilidade definido por Hough (1998), que afirma a sua importância diante dos processos naturais em detrimento dos que permanecem ocultos. O critério com valoração inferior (regular) foi definido para aqueles cursos d’água ou trechos deles que estão com extensões consideráveis de canalizações ou encapsulados. Esses últimos se encontram “invisíveis” em períodos de estiagem, porém podem “despertar” e emergir de forma dramática, se fazendo visíveis em ocasião de índices pluviométricos acima das médias históricas. Contudo, nem todos foram classificados nesse critério, mas sim os que possuem algum tipo de representatividade, devido a sua importância hídrica na bacia quanto ao aspecto geofísico. A exemplo daqueles presentes nos grandes vales ou os que estão adjacentes, a montante e a jusante, de trechos de valoração mais elevada. Assim, os níveis de valores acerca da estrutura física dos rios foram legendados como: • ALTO - estrutura do curso d’água próxima ao original.

• MÉDIO/ALTO - interferências urbanísticas relevantes na estrutura do curso.

• REGULAR - rio com representatividade, porém com alto grau de desestruturação (em grande parte oculto em galerias).


MAPA 19. VALORAÇÃO DA ESTRUTURA DOS RIOS - SETOR A


MAPA 20. VALORAÇÃO DA ESTRUTURA DOS RIOS - SETOR b


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Valores referentes à água subterrânea O propósito da camada de valoração da água subterrânea foi a representação do potencial de recarga e vazão nos diferentes locais da bacia. Sobre essa questão, relacionada à capacidade de fluxo do aquífero em Salvador, o geólogo Sérgio A. de Morais (2010) comenta: O Sistema Aquífero da parte alta da cidade de Salvador não é homogêneo, visto que apresenta características hidrogeológicas diferentes entre as coberturas intergranulares e o embasamento cristalino embora esteja intrinsecamente interligado do ponto de vista hidráulico. Geomorfologicamente é constituído por quatro blocos topográficos bem distintos que formam o planalto costeiro dissecado e a região de mares de morros, limitados pelas falhas geológicas de Salvador, do Iguatemi e do Jardim de Allah, respectivamente, com direções variando de N15° a N30° e pelo fraturamento transversal leste-oeste que passa pelo vale do Terminal Rodoviário de Salvador. O bloco situado à NW apresenta a maior altitude, sendo responsável pelas nascentes dos maiores rios que drenam Salvador, destacando-se o Camarujipe, o Pituaçu e o Jaguaripe. Nesse bloco encontram-se os mais altos valores potenciométricos da água subterrânea cujo fluxo segue para leste e sul em direção ao Oceano Atlântico e para norte, em direção à bacia do rio Ipitanga (MORAIS, 2010, p. 145).

A região próxima à nascente do rio Camarajipe possui o mais alto valor no que se refere às águas subterrâneas, uma vez que o local é como um “divisor de águas” (mapa 21), onde se encontram as cabeceiras dos principais rios do município. Portanto, a região com maior capacidade de fluxo será a com maior valoração. Os demais critérios acompanharam a lógica de ser mais apto ou não para a recarga e vazão do aquífero. Os elevados índices de pluviosidade conjugados aos altos volumes de contribuição dos


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MAPA 21. potenciometria e fluxo da água subterrânea no alto cristalino em salvador -BA (fonte: tese de doutorado: DIAGNÓSTICO HIDROGEOLÓGICO, HIDROQUÍMICO E DA QUALIDADE DA ÁGUA DO AQUÍFERO FREÁTICO DO ALTO CRISTALINO DE SALVADOR - BAHIA, SÉRGIO AUGUSTO DE MORAIS NASCIMENTO, 2008, p. 62) (LINHA VERDE, INTERFERÊNCIA SOBRE O MAPA INDICANDO A BACIA DO RIO CAMARAJIPE, ÁREA MAIS CLARA CIRCUNSCRITA)

dejetos domésticos e as perdas nas redes de abastecimento são fatores que corroboram para a condição de constante recarga do aquífero (MORAIS, 2010). Sobre o embasamento cristalino, local onde se encontra a nascente do rio Camarujipe, o pesquisador afirma: [...] o alto do embasamento cristalino com menor magnitude é verificado no trecho que vai do bairro da Graça ao Centro Histórico da cidade. Nesse alto, nascem alguns rios de pequeno porte, destacando-se entre eles o Lucaia, cuja nascente está localizada na região do vale dos Barris próximo à Estação da Lapa. Alguns afluentes da margem direita do rio Camarujipe, como é o caso dos riachos Campinas e das Tripas também nascem a partir desse alto do embasamento cristalino (MORAIS, 2008, p.61).


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Na legenda do mapa as escalas de valoração foram assim definidas: • ALTO - valor elevado para a recarga e vazão do aquífero.

• MÉDIO/ALTO - valor de alto para regular, para a recarga e vazão do aquífero.

• REGULAR - valor de regular para baixo, para a recarga e vazão do aquífero. É imperativo o monitoramento e proteção das regiões com mais potencial de recarga e vazão portanto, mais sensíveis no que se referem às águas subterrâneas, uma vez que a: [...] reserva reguladora ou renovável é o volume hídrico acumulado no aqüífero em decorrência da porosidade efetiva e do coeficiente de armazenamento, que varia anualmente em decorrência de aportes sazonais de chuvas (MORAIS, 2008, p. 96)

Sobre a relação da urbanização com a degradação das água McHarg acrescenta: A contaminação das águas subterrâneas pode afetar as águas superficiais e inversamente; a urbanização afeta a taxa de escoamento, de erosão e sedimentação, torna turva a água, diminui os organismo aquáticos reduzindo assim a depuração natural. Tudo isso resultara em custos para dragagem do canal, como também na potabilização das águas e, possivelmente, terá rebatimento no regime de secas e inundações. (MCHARG, 2000, p.56)



MAPA 22. VALORAÇÃO DA acerca da localização e fluxo da água subterrânea na bacia - SETOR a


MAPA 23. VALORAÇÃO DA acerca da localização e fluxo da água subterrânea na bacia - SETOR b


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Valores de flora e fauna A camada que representa os valores de flora e fauna teve como principal suporte para sua elaboração os espaços livres sem ação antrópica ou com intervenção reduzida. As ferramentas utilizadas para identificação desses espaços foram visitas ao local e a utilização das imagens de satélite atualizadas (2013/2014). O critério para a valoração mais elevada considerou aqueles espaços livres sequenciais que possuíssem vegetação formando um conjunto considerável entre ambientes aquáticos e flora e, consequentemente, a fauna. Assim, os locais contíguos ao leito dos rios que apresentam cobertura vegetal menos alterada, contribuindo para os atributos positivos do processo hídrico, foram aqueles melhor valorados. A região denominada como “miolo de Salvador” 27 apresenta importante extensão de cobertura vegetal preservada. Dentre esses vales se destacam aqueles que integram parte da bacia hidrográfica do rio Camarajipe. Certamente, entre os conjuntos de vegetação nessa área, que atendem aos requisitos de maior valoração dentro da bacia, destacam-se três grandes conjuntos. O primeiro é a área das antigas represas do Prata e Mata Escura (figura 54), localizada entre os bairros homônimos a essa

[27] O Miolo de Salvador é assim denominado desde os estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano para a Cidade de Salvador (PLANDURB) da década de 1970. Este nome se deve ao fato da região situar-se, em termos geográficos, na parte central do município de Salvador, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 115 km, ele está entre a BR 324 e a Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como avenida Paralela, estendendo-se desde o bairro da Saramandaia até o limite norte do Município. A região vem sendo aceleradamente ocupada por população de baixa renda, tanto através de programas governamentais como pela ocupação espontânea. É também objeto de grandes investimentos dos setores secundário e terciário da economia. Contudo, apesar de sua expressividade e importância, não é muito conhecido pela maioria da população soteropolitana (FERNANDES, R.,2004).


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segunda, e o Cabula, local de importantes nascentes de afluentes do lado direito do rio Camarajipe. esse conjunto é intrínseco estoque biológico e essencial para o equilíbrio de um futuro corredor biológico formado pela restauração do Camarajipe. sobre essa região, o PddU de 2002 destaca: Os conjuntos vegetais, nos seus diferentes estágios de regeneração, bem como a vegetação antropizada, contribuem para a qualidade urbano-ambiental, na medida em que aumentam a permeabilidade do solo com reflexos para a recarga de aqüíferos e para a redução das inundações. Propiciam a contenção das encostas, amenizam as condições mesoclimáticas, filtram o ar, reduzindo o monóxido de carbono e proporcionam conforto visual em áreas ocupadas. A vegetação modifica as características dos ventos, intercepta a radiação solar, reduz a incidência da precipitação sobre o solo e altera a concentração da umidade na atmosfera e nas superfícies adjacentes (PDDU, 2002, apud MORAIS, 2008, p. 56).

Fig. 54 ÁREA COM VAlOR ElEVADO DE COBERTURA VEgETAl (sEMiNATURAl E NATURAl) NAs iMEDiAÇÕEs DA ANTigA REPREsA DE MATA EsCURA E PRATA (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)


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Fig. 55 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA CONsiDERÁVEl, ÁREA DO 19º BC, AV. lUÍs EDUARDO MAgAlHÃEs ADjACENTE A UM AFlUENTE DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014.)

o segundo (figura 55) e não menos importante, é o conjunto de vegetação que margeia a avenida luís eduardo Magalhães e avenida luiz vianna Filho (avenida Paralela). esse está em área de domínio do 19º Batalhão de Caçadores(exército). apesar da maior parte dessa região não estar inserida na bacia ela é de extrema importância pelo alto grau de conservação (porém já antropizado) e extensão como conjunto de vegetação significante. é um excelente repositório biológico e fundamental para formação de corredor biológico, além de ser nascente de cursos d’água tributários da bacia. a flora e fauna têm alta valoração nessa região, como relata a reportagem do jornal a Tarde, de julho de 2012: Militares já testemunharam na área pertencente ao 19º BC: tamanduás, tatus, antas, araras-azuis pequenas, gaviões e muitos outros. Além disso, é possível avistar palmeiras, begônias, jacarandás, figueiras e uma série de espécies nativas da mata atlântica. “Um patrimônio genético que pode, posteriormente, ser usado em pesquisas diversas”,alertou o professor de ecologia e


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Fig. 56 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA NA CABECEiRA DO RiO CAMARAjiPE. POssÍVEl OBsERVAR iNTERVENÇÃO ViÁRiA, EXPREssANDO O CARÁTER DE FRAgiliDADE (gOOglE EARTH, 2014)

pesquisador da Unijorge, Edinaldo Luz das Nevez. (CORREIA, 2012)

o último conjunto e o mais sensível é a região próxima a nascente do rio Camarajipe (figura 56). essa fragilidade é decorrente de pressão habitacional e vulnerabilidade física e social da ocupação. esse espaço é potencialmente relevante para iniciar o processo de restauro do rio Camarajipe. a respeito da interrelação entre flora e fauna e a importância das zonas ripárias nos processos hídricos riley(1998) declara: [...]Zonas ripárias com água corrente, solos úmidos, ricos em nutrientes possuem produtividade relativamente elevada de vegetação, sendo verdadeiros corredores para migração e transporte ecológico, tal complexidade

estrutural

contribui

para

a

diversidade

paisagística dessas regiões.[...] As características dos diversos habitat mudam drasticamente com apenas pequenas variações topográficas, como o gradiente do


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canal de água corrente no curso d’água com densa floresta no leito; a duração e época das enchentes pode ser fundamental para os tipos de espécies e densidades. Tais mudanças nessa dinâmicas devem ser permitidas afetar essas comunidades vegetais e animais, ou vamos perdê-las. Importante para a produtividade biológica dos rios e planícies de inundação essa dinâmica foi denominado o pulso de inundação. As planícies aluviais não são apenas uma características físicas do rio, é Imprescindível para a diversidade biológica, mas também tem relação com o calendário e a frequência sazonais da cheias ao longo das margens, aonde os fluxos e inundações das várzeas podem afetar profundamente o sistema ecológico. Quando tais pulsos naturais de água são alterados por canalização, drenagem, barragens ou outras influências, foram encontradas mudanças nas comunidades de plantas e diferentes composições de espécies (RILEY,1998,p.96-97).

O segundo critério de valoração se refere às áreas de cobertura vegetal reduzida e com vegetação não uniforme, abrangendo as “bordas” ou contornos das zonas com maior valoração. Compreende-se que essa “borda” é fundamental para formar uma espécie de gradiente com as zonas de baixo e alto valor. O critério subsequente é relativo às áreas com potencial para beneficiar os processos hídricos. Nelas foram incorporadas regiões de conexão entre as zonas com maior valoração. Áreas das cumeadas também se destacam nesse critério, pois nesses espaços a vegetação tem o potencial de maior permeabilidade e penetração das águas no solo, retardando, desse modo, o escoamento das partes mais altas para as baixas. Além disso os talvegues nas proximidades dos cursos d’água fazem o escoamento das partes mais


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altas. É importante enfatizar que essa última escala de valoração é referência enquanto potencialidade e não uma condição existente. Descrição da escala de valores na legenda: • ALTO - área de flora/fauna em extensão considerável próxima a cursos d’água.

• MÉDIO/ALTO - área de flora/fauna de menor extensão, com valor médio para os processos hídricos.

• REGULAR - área com potencial para flora/fauna com vistas a melhoria dos processos fluviais.


MAPA 24. VALORAÇÃO DA flora e fauna - SETOR a


MAPA 25. VALORAÇÃO DA flora e fauna - SETOR b


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Valores uso e ocupação do solo Quase em toda a extensão, o rio Camarajipe possui sua planície de inundação ocupada e o uso solo apresenta variações de três principais tipos: sistema viário, ocupação de grandes lotes para fins comerciais e serviços e institucional. Na cabeceira do rio é possível verificar um padrão habitacional de regular para baixo no que se refere à vulnerabilidade social e ausência de infra-estrutura urbana. Entre esses tipos, podemos destacar uma zona pela nocividade que causa ao rio Camarajipe, sendo, consequentemente, um local imprescindível para uma abordagem no que tange à restauração. Na região do bairro Retiro, o uso do solo é predominantemente de serviço e comércio (figura 57). A especificidade do tipo de uso não é compatível com os processos hídricos, principalmente por intensificar a degradação das águas do Camarajipe. A deterioração ambiental ocorre por estarem instaladas naquele local as empresas de ônibus do transporte coletivo da cidade, além de outras relacionadas às atividades do setor automotivo. Esse uso é caracterizado como nocivo pela proximidade do leito do rio. Assim, a drenagem desses pátios, bem como as áreas de oficinas de manutenção e locais para lavagem, escoam para rio, além de algumas empresas não terem implantado um sistema de ligação à rede de esgoto urbana, desaguando os dejetos diretamente no curso d’água. No entanto, nesse espaço onde se apresenta uma situação ambientalmente desfavorável pode-se perceber áreas com excelentes

Fig. 57 padrão de uso ocupação no bairro do retiro, predominantemente, galpões e armazéns [em vermelho]. (fonte: intervenção do autor sobre google earth, 2014)


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Fig. 58 PADRÃO DE UsO OCUPAÇÃO NO BAiRRO DO RETiRO, COTA DE ElEVAÇÃO DOs lOTEs PRóXiMA à liNHA D’ÁgUA (FOTO DO AUTOR, 2013)

oportunidades no que se refere à requalificação do tipo de uso do solo ao longo do rio, com vistas ao restauro da paisagem fluvial. o potencial dessa área é justificado pela cota de elevação dos lotes que está próxima à linha d’água com pouca variação topográfica (figura 58) e, principalmente, por extensão de aproximadamente 700.000m2. a maior parte é ocupada por edificações de comércio e serviço, com grandes galpões e armazéns, com lotes e edificações de grande volume e baixa densidade construída, sendo potencialmente relevante no caso de relocação e remodelação do terreno visando à restauração da planície de inundação e do próprio leito do rio. além da ocupação dessa área que, de certa forma, potencializa a degradação das águas, outros espaços possuem valoração alta do uso do solo em relação ao potencial para restauração de rio urbano. essas zonas acompanham o critério de valoração que exprime possibilidades de restauro da paisagem fluvial, ou aquelas que dependeriam de menor esforço para a visíbilidade dos processos fluviais, beneficiando assim os processos hídricos na estrutura urbana.


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Os critérios de médio, alto e regular seguem essa lógica. Portanto, essas escalas são gradações de uso do solo referentes à potencialidade para o restauro do rio Camarajipe e revitalização hídrica da bacia. O exemplo de critério adotado para definição das zonas médio/alta foi a identificação dos espaços livres e menos ocupados que, apesar de não serem tão extensos se comparados com os de maior valoração, possuem relação indireta com a dinâmica fluvial. É possível reconhecer nesses espaços de médio/alto valor a possibilidade de requalificação do uso do solo, porém não como os de maior valoração, Outra característica de algumas das áreas médias/altas é a proximidade, isto é, áreas no contorno das zonas de maior valoração. A escala de menor valoração, ou com potencial menos elevado em comparação com as outras áreas aqui comentadas, são as identificadas como regular. Esses espaços foram valorados dessa maneira pela interferência regular na dinâmica fluvial dos cursos d’água na bacia hidrográfica, a exemplo das áreas com habitações que margeiam o rio, com construções ou os “fundos”, isto é as paredes externas descem até o leito do curso d’água ou até mesmo sobre o leito, obstruindo-o. Os espaços entendidos como conexão entre os de valoração superior também foram incorporado nessa escala. A legenda das pranchas de uso e ocupação do solo foi assim definida: • ALTO - espaços livres ou com potencial elevado para desapropriação, próximos aos cursos d’água e propícios para o restauro e valorização dos elementos hídricos.

• MÉDIO/ALTO - pequenos espaços livres ou com potencial mediano para desapropriação, próximos aos cursos d’água e propícios para o restauro e valorização dos elementos hídricos.


• REGULAR - zonas de conexão entre as de valores alto e médio-alto e com interferência regular na dinâmica fluvial. Observando todo o prisma no qual se insere o uso e ocupação, é pertinente como consideração final sobre esse tema, a requalificação do uso do solo em alguns pontos chave na bacia se apresenta como instrumento imprescindível para as potencialidades de restauro do rio Camarajipe.


MAPA 26. VALORAÇÃO referente ao uso e ocupação do solo - SETOR a


MAPA 27. VALORAÇÃO referente ao uso e ocupação do solo - SETOR b


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Valores recreativos e cênicos É inegável que a cidade de Salvador tem no oceano o cerne da sua identidade simbólica hídrica. Dessa forma, a influência das duas frentes marítimas, a orla atlântica, “desbravada” com mais intensidade a partir do século XIX e, principalmente, a Baía de Todos os Santos, mais antiga, sítio inicial e âmago do crescimento mononucleado que perdurou até meados do século XX. Essa frente, em particular, detém proeminente valor histórico nacional. Assim, questões relacionadas à recreação, lazer, esportes, ócio contemplativo, fundos cênicos, entre outros, estão diretamente ligadas às regiões à beira mar ou locais de atrativo visual de paisagem com elementos marítimos ou o próprio mar. Porém, outros elementos hídricos possuem representatividade para a população soteropolitana, a exemplo das lagoas e as diversas fontes d’água. Esse destaque imagético dos outros elementos hídricos advém em grande parte dos cultos religiosos da matriz africana e da forte ligação que se estabelece com a natureza. Não seria prudente descrever a relação entre os cultos religiosos afro-brasileiros e os elementos da natureza, em especial as águas, por ser esse um tema bastante complexo e que exigiria um maior aprofundamento. Compartilha-se da opinião de Hough (1995) acerca da simbologia do elemento água sobre o qual ele afirma: [...] que a água, talvez mais do que qualquer outro elemento da paisagem, tem um significado espiritual e simbólico profundamente enraizado, ao qual o planejamento deve responder. Como um elemento de grande poder sensorial, a água tem sido historicamente manejada e moldada para criar lugares agradáveis e belos; também tem sido reflexos das atitudes culturais em relação à natureza (HOUGH, 1995, p.81).


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A utilização dos elementos hídricos como lagoas, brejos, cursos d’água e as áreas adjacentes a esses, para lazer, recreação, atividades esportivas diversas, afirmação cultural através de cultos e rituais religiosos e valorização do potencial cênico na cidade foi o objetivo principal na elaboração dessa camada. Os potenciais descritos acima possuem uma dupla função. Além de favorecerem a qualidade de vida dos habitantes e valorização de zonas socialmente vulneráveis, esses atrativos e atributos foram considerados fundamentais para a restauração do rio, compreendendo que essa dupla função pode ser harmoniosa e complementar ao objetivo de melhoria ambiental e restauração dos rios urbanos. Compreendendo o protagonismo das frentes marítimas em relação ao tema da camada em questão e o potencial para o lazer, recreação e oportunidades cênicas dos espaços próximos aos cursos d’água, é importante esclarecer dois pontos sobre esses espaços e essa valoração na bacia: •• o primeiro é sobre o aspecto da ocupação da região do “miolo” de Salvador como áreas adjacentes, no que se refere à localização geográfica na cidade desse conjunto de ocupação. São áreas densamente habitadas, distantes das frentes marítimas o que caracteriza a carência de espaços aprazíveis, atributos cênicos positivos, assim como há escassez de áreas destinadas ao lazer e recreação.

•• o outro é relativo às mesmas localidades citadas acima, porém referente ao padrão de ocupação, pois essa zonas possuem um elevado grau de vulnerabilidade social e desestruturação dos elementos urbanos e dispositivos sanitários. A fragilidade social, urbana e ambiental dessas localidades guarda também em si um potencial contido no que se refere à insuficiência de atributos de lazer e recreação.


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Não obstante, existem locais livres próximos a essa área com vulnerabilidade social e carência de espaços para lazer, fundos cênicos e recreação, que poderiam agregar tanto atividades relacionadas a essas necessidades, como a possibilidade de incrementar atributos visuais já existentes. O direcionamento do planejamento teria rebatimento imediato nos cursos d’água presentes nesses espaços, estabelecendo um conjunto de novos atributos relacionados ao lazer e a recreação, potencializando, desta forma, a restauração dos rios que integram a bacia. A valoração desses espaços livres tem como finalidade o incremento desses atributos comentados, assim como o fim da ociosidade dessas regiões, estabelecendo usos e salvaguardando os valores ambientais dessas áreas. Compreendendo a instabilidade com relação às pressões habitacionais (figura 59), em decorrência do déficit nesse setor em Salvador, essa insuficiência, no que diz respeito à moradia, tem reflexo direto nos espaços livres com atributos ambientais positivos, transformando rapidamente áreas “verdes” em assentamentos consolidados pelas “ invasões” (aglomerados habitacionais subnormais). Os critérios estabelecidos para os valores mais elevados das camadas foram determinados pelos espaços que apresentam atributos positivos para as atividades recreativas e de lazer, como também para afirmar uma composição cênica Fig. 59 exemplo de ocupação “espontânea”, formação de aglomeração habitacional subnormal, TRACEJADO VERDE. (fonte: google earth, 2005, 2007, 2008, 2012 e 2014)


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capaz de valorizar aspectos da natureza presentes nessas áreas, reforçando a identidade e consolidando valores culturais, ambientais e sociais da cidade. O critério médio/alto identificou os espaços que estão conjugados aos territórios com maior valoração e que detêm alguma possibilidade de reforçar a aproximação dos habitantes com zonas destinadas ao lazer, recreação e/ou fortalecendo também os espaços com atributos cênicos positivos, bem como os locais possíveis de estabelecer conexão entre os de maior valoração, de modo a servir como “ponte” entre as zonas com a escala mais alta. O último parâmetro estabelecido foi das zonas que não possuem atributos favoráveis, contudo apresentam potencial para valorização dos processos hídricos. A escala de valores referente à camada de recreação e atributos cênicos foi assim descrita na legenda: • ALTO - área com grau elevado para recreação e lazer conjugado aos cursos d’água. alto valor cênico intrínseco.

• MÉDIO/ALTO - área com valor passível para recreação e lazer. Valor cênico mediano, espaços estritamente de conexão entre as zonas com alto potencial.

• REGULAR - área com potencial cênico e/ou para recreação/ lazer com vistas à valorização dos processos fluviais.


MAPA 28. VALORAÇÃO das oportunidades recreativas e cênicas - SETOR a


MAPA 29. VALORAÇÃO das oportunidades recreativas e cênicas - SETOR b


202

Valores de risco e vulnerabilidades Indubitavelmente, a inserção dessa camada se fez necessária logo nos primeiros momentos ao definir e aplicar o método ecológico na bacia, por estar diretamente ligada às tragédias ocasionadas pelas enchentes recorrentes no período chuvoso, com grandes repercussões nas áreas do entorno ao rio e, por rebatimento, em outras áreas da cidade. A interação da natureza com os habitantes, na maioria das vezes, ocorre de forma não harmoniosa no ambiente urbano. Segundo Forman (2010), existem quatro formas de descrever essa interação, sendo as duas primeiras as pessoas interferindo na natureza de forma positiva e negativa e as outras duas, a natureza interferindo na vida das pessoas de forma negativa e positiva. Ainda segundo o autor, o impacto humano sobre a natureza tem poucas consequências positivas, que podem se mostrar úteis, sobretudo, quando a natureza foi ou está aviltada. O resultado da interação da natureza sobre as pessoas tem uma importância geral intermediaria, tanto para efeitos positivos quanto negativos. Contudo, algumas dessas consequências são bastante consideráveis, tais como as catástrofes naturais (FORMAN, 2010) A gravidade das interações negativas da natureza com a vida humana, que resultam muitas vezes em perdas materiais, apontam para a importância dessa camada ao se aplicar o método ecológico. Sobre os efeitos negativos das enchentes na bacia hidrográfica do Camarajipe, Dias (2003) afirma: A maior incidência de inundações encontrou-se na área de Baixa do Camarajipe onde 26,3% dos domicílios eram inundados no período de fortes chuvas. Vale ressaltar que esta área possui na sua parte mais baixa uma considerável extensão do rio Camarajipe que sofreu assoreamento e alterações na sua configuração natural,


203

além de ser indevidamente utilizado como local de descarte dos resíduos sólidos gerados pela população local (DIAS, 2003).

Na elaboração da presente camada foram definidos como valores mais altos, aqueles locais em situação de vulnerabilidade e risco mais elevado no que se refere às enchentes. Para determinar as zonas mais vulneráveis foi considerado o arranjo entre os pontos de ocorrência das enchentes sobrepostos às zonas de influencia fluvial, isto é, locais com elevação adjacente às margens dos cursos d’água. Os pontos de ocorrência foram disponibilizados pela CODESAL, com o registro das inundações ocorridas no período de 2005 a 2013, esses locais foram mapeados (figura 60) e sobrepostos às zonas de influência dos cursos d’água. O critério de valoração relativo às áreas vulneráveis considerou a elevação do nível dos cursos d’água, diferente da valoração Fig. 60 Mapeamento dos pontos de inundações. Registros da codesal entre os anos de 2005 a 2013. (Fonte: mapeamento pelo autor das ocorrências disponibilizada pela codesal google earth, 2014)


204

mais elevada que considera os pontos que já foram atingidos por enchentes. Nesse sentido, o critério atual é determinado por aquelas regiões que podem sofrer com possíveis aumento do nível d’água, tanto pelas enchentes históricas como por ocasião da elevação das águas pelo ritmo das marés. As regiões que foram acolhidas nessa escala de valoração são, principalmente, aquelas que estão próximas às elevações topográficas nas margens dos cursos d’água, em outras palavras, ocupação das planícies de inundação. O último critério da escala de risco e vulnerabilidade refere-se à suscetibilidade ao deslizamento de encostas, uma vez que Salvador apresenta um histórico considerável de tragédias decorrentes da vulnerabilidade da ocupação desordenada nas encostas. Para a elaboração desse critério, tomou-se como base o mapa de riscos geológicos relacionados a encostas do PDE (2004) (mapa 30), reconhecendo e acolhendo os locais suscetíveis a MAPA 30. riscos geológicos relacionados a encostas, INTERFERÊNCIA DO AUTOR SOBRE O MAPA INDICANDO A BACIA DO RIO CAMARAJIPE, ÁREA MAIS CLARA CIRCUNSCRITA (fonte: plano diretor de esncostas, SECRETARIA MUNICIPAL DO SANEAMENTO E INFRA-ESTRUTURA URBANA 2004, p.45)


escorregamento de encostas. Essas áreas apresentam relação direta com os processos hídricos no que concerne à vulnerabilidade em momentos de alta precipitação, afetando os cursos d’água com o transporte de sedimentos, com reflexo no assoreamento dos leitos devido ao acúmulo de sedimentos provindos dos deslizamentos das encostas. A legenda do mapa representando a valoração das áreas de vulnerabilidade e risco foi assim definida: • ALTO - pontos de ocorrências de enchentes próximos aos cursos d’água. Alta vulnerabilidade

• MÉDIO/ALTO - cotas próximas aos rios (planícies de inundação) vulneráveis às cheias históricas e zonas suscetíveis aos deslizamentos das encostas próximas aos talvegues.

• REGULAR - áreas com risco de deslizamento de encostas.


MAPA 31. VALORAÇÃO dos riscos e vulnerabilidades - SETOR a


MAPA 32. VALORAÇÃO dos riscos e vulnerabilidades - SETOR a



A RESPOSTA DO MÉTODO ECOLÓGICO PARA A BACIA E O CAMARAJIPE Mapa síntese


MAPA 33. MAPA sÍNTEsE - sETOR A

0.5

1km

TEMA : MAPA SÍNTESE

SETOR A SETOR B

0

ZONAS RESTRITIVAS PARA O RESTAURO

ZONAS PROPÍCIAS PARA O RESTAURO

BASES: SICAR 1992 / PDDU-2012 / GOOGLE EARTH 2008-2014 / OPEN STREET MAPS

ESCALA 1/10.000

SETOR A

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE

LEGENDA


MAPA 34. MAPA sÍNTEsE - sETOR B

0.5

ZONAS RESTRITIVAS PARA O RESTAURO

ZONAS PROPÍCIAS PARA O RESTAURO

0

TEMA : MAPA SÍNTESE

LEGENDA

SETOR B

SETOR A

1km

BASES: SICAR 1992 / PDDU-2012 / GOOGLE EARTH 2008-2014 / OPEN STREET MAPS

ESCALA 1/10.000(A1) • gráfica(A4)

SETOR B

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE


212

sobre a SÍNTESE

Após a definição das escalas de valoração das 07 camadas, o passo seguinte foi a sobreposição com a finalidade de estabelecer um mapa síntese, ou seja, a imagem que emerge das vantagens ecológicas e sociais. Segundo a aplicação do método ecológico de McHarg, para essa etapa foi estabelecido que as camadas apresentassem um mesmo tom (em escala de cinza) e a opacidade relativa ao resultado da soma das camadas, ou seja, os valores mais altos quando sobrepostos alcançariam a tonalidade mais escura. Assim, quando valores mais elevados coincidem em todas as camadas numa mesma área, o resultado seria o mais escuro. Inicialmente, tal representação da síntese pode parecer confusa e sem um sentido definido, uma vez que se diferencia das representações convencionais de zonas bem delimitadas. Sobre essa questão, McHarg(1969) argumenta: A aparência anárquica se deve por estarmos acostumados a monótona regularidade do zoneamento, pois não estamos habituados a perceber a verdadeira diversidade do meio natural, nem a responder com os nossos planos a esta diversidade (MCHARG, 2000, p.115).

Para a análise do mapa síntese, foram consideradas as manchas mais escuras que possuem dimensão considerável. Desse modo, mesmo que uma área seja identificada com o tom mais escuro na escala de tons de cinza, isto é, as zonas mais propícias, não necessariamente vão ser avalizadas, pois a extensão da área também foi considerada como critério para as zonas mais bem avaliadas.


213

O resultado da sobreposição ou mapa síntese forneceu duas condições fundamentais para o direcionamento acerca do planejamento da bacia hidrográfica do rio Camarajipe: •• o primeiro se refere à bacia hidrográfica e à capacidade de valorização ambiental, indicando áreas propícias para a revitalização, valorização e preservação dos processos hídricos, a fim de colaborar com o restauro do principal curso d’água da bacia, o rio Camarajipe. ZONAS DE SUPORTE definem as áreas identificadas na síntese com a capacidade de fornecer o amparo ecológico e hídrico estando aptas a estabelecer conexão entre o rio e as diversas zonas de suporte.

•• o outro sentido se refere ao rio, em particular sua várzea e os elementos da paisagem fluvial do Camarajipe, identificando áreas mais propicias ou idôneas para o restauro, compreendendo o restauro como a ação de retornar a um estado anterior ou a re-naturalização do rio. TRECHOS DE RESTAURO são aqueles mais favoráveis ao restauro, com vocação para deixar de ser um local degradado, com baixo valor ambiental, nocivo no que se refere à insalubridade sanitária. Como também foco de desastres devido às enchentes, para se tornar um cenário onde o rio se integra a paisagem, no que concerne a visibilidade, catalisador e semeador educacional para uma reformulada abordagem para com os cursos d’água. Reaproximando o rio Camarajipe ao ambiente urbano, com o intuito de fomentar melhorias ambientais em Salvador. Assim, as respostas que o mapa Síntese apresenta nesse estudo correspondem à valorização ambiental na bacia, identificando as possíveis zonas de suporte hídrico e biológico para o rio Camarajipe, buscando a formação de um corredor gênico interligando as zonas de maior valor ambiental. Para viabilizar esse corredor ecológico, é necessário que o percurso (rio) ofereça condições


214

ambientais favoráveis para esse objetivo. Dessa maneira, o restauro do curso d’água e suas margens é imperativo. Consequentemente, a utilização da síntese auxiliou na identificação dos trechos do rio com requisitos positivos para o restauro. O mapa (resumo de avaliação) exposto a seguir é tão somente a interpretação e simplificação da síntese, porém representado sem a distinção entre as zonas de suporte e os trechos de restauro. A definição de apresentar o mapa sem divisão teve como propósito a exposição do panorama geral, isto é, a composição resultante desses dois tipos de vertentes, entendendo essas como um conjunto interdependente, representando o mais elevado potencial ambiental na bacia hidrográfica do rio Camarajipe.


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MAPA 35.窶ビesumo de avaliaテァテ」o


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Zonas de suporte

As zonas de suporte identificadas no mapa com o mesmo nome foram destacadas para definir as áreas com potencial de valorização ambiental para estruturar e melhorar biologicamente os processos fluviais que envolvem o rio Camarajipe. O mapa síntese revelou regiões mais relevantes. O critério para o destaque dessas zonas é a concentração das manchas mais escuras, ou seja, pequenas manchas isoladas não foram consideradas nessas etapa. Contudo é notória a importância ambiental dessas pequenas ilhas. Nessa análise foram consideradas as manchas conectadas e de grandes proporções com relação à escala urbana. Com vistas ao “reequilíbrio” ambiental e hídrico da bacia, as zonas de suporte estão diretamente ligadas à capacidade do rio Camarajipe responder às ações de restauro, acelerando, intensificando e garantindo o reequilíbrio enunciado, visando a recuperação da dinâmica biológica e hídrica de outrora. Outros aspectos pertinentes a maior parcela dessas zonas de suporte, dizem respeito à fragilidade ambiental frente às mudanças impostas pelos constantes avanços e transformações da estrutura urbana sobre essas áreas. A emergência do planejamento ecológico direcionando a aplicabilidade do uso dessas zonas de suporte, compreendendo o potencial ambiental pertinentes a elas, se faz categórica. A urgência é justificada quando a intensidade da fruição urbana compromete a integridade dessas zonas, já tão rarefeitas, na bacia hidrográfica. A instabilidade das áreas de suporte, exemplificadas nas (figuras 61 a 62), confirma a fragilidade sob constante pressão da estrutura urbana sobre os locais seminaturais. Esse processo se apresenta como uma constante nas cidades brasileiras. A


1959

2008

2005

2014

Fig. 61 MOsAiCO EXEMPliFiCANDO FRAgiliDADE DAs ZONAs DE sUPORTE DEViDO OCUPAÇÃO iNFORMAl E EVOlUÇÃO DA iNFRAEsTRUTURA ViÁRiA, ÁREA ADjACENTE AO RiO CAMARAjiPE(AZUl/BRANCO), PERÍMETRO TRACEjADO EM VERMElHO sÃO PERDAs DE COBERTURA VEgETAl (FONTEs: 1959, iNFORMEs/CONDER. 2008, 2005 E 2014 iNTERVENÇÃO DO AUTOR sOBRE iMAgENs DO gOOglE EARTH)

Fig. 62 OCUPAÇÃO “lEgAl E FORMAl” DEsCONFigURANDO ÁREAs COM COBERTURA VEgETAl RElEVANTE E ZONAs úMiDAs (PEqUENO BREjO). COMPROMETiMENTO DE UMA DAs NAsCENTE DO CAMARAjiPE, iNTERFERÊNCiA NA DiNâMiCA HiDRiCA. (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014


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descrição de Pellegrino(2006) é pertinente para se entender o modelo vigente: Sabe-se que os processos de desmatamento com a retirada de vegetação original, o reafeiçoamento topográfico para implantação de vias e edificações, a impermeabilização do solo e a implantação de obras de drenagem convencionais modificam hidrologicamente uma bacia hidrográfica aumentando a velocidade de escoamento das águas para o seu curso principal, contribuindo para o agravamento das inundações e a poluição difusa das águas. Contudo, reduções significativas da cobertura vegetal são intrínsecas ao estabelecimento das áreas urbanas, proporcionalmente à ampliação dos processos de impermeabilização do solo (PELLEGRINO et al, 2006 p.58).

essas zonas, em sua maioria, estão localizadas na adjacêcia das regiões da cidade com médio a baixo padrão habitacional e de estrutura, formada principalmente por aglomerados habitacionais sub normais com nítida vulnerabilidade social (figura 63). nesses locais é inegável o potencial que as zonas de suporte resguardam, pois nelas observam-se duas necessidades: a urgência para preservação das poucas áreas semi naturais e naturais que ainda restam na bacia e a escassez das áreas de amenidade, para as atividades recreativas, lazer e reaproximação dos habitantes com a natureza.

Fig. 63 AglOMERADOs sUBNORMAis ADjACENTEs As ZONAs DE sUPORTE, REgiÕEs VUlNERÁVEis AMBiENTAlMENTE, PORéM COM POTENCiAl PARA CONjUNÇÃO ENTRE RECREAÇÃO E PREsERVAÇÃO.(FOTO DO AUTOR, 2013)


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MAPA 36.窶ホonas de suporte


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Trechos de restauro

Como mencionado no capitulo 01, o distanciamento entre as cidades e seus rios não é exclusividade de Salvador, e sim uma constante nas grandes cidades brasileiras. Após aceitar essa realidade, é necessária a compreensão do grau de distanciamento que as diversas regiões da cidade ao longo do Camarajipe se encontram. Assim, o entendimento do fato que, mesmo estando a bacia hidrográfica ambientalmente fragilizada e seu principal rio deteriorado, quase ocultos, sem qualquer valor simbólico, ambiental ou mesmo paisagístico, é pertinente a investigação com objetivo propositivo para o direcionamento do planejamento considerando os valores ecológicos. O procedimento para identificar os trechos mais propícios para o restauro foi conduzido de maneira similar aos das zonas de suporte. Desta forma, é possível afirmar que, mesmo tendo alcançado valorações elevadas, graficamente evidenciadas pelos tons mais escuros, ao longo de todo o seu curso, optou-se aqui por destacar as áreas com extensão significativas no contexto da bacia. Essa relevância é relativa às áreas com tonalidades mais escuras adjacente às margens, compreendendo assim que os trechos de restauro se apresentariam mais relevantes próximos ou conjugados às zonas de suporte. O “diálogo” entre os trechos de restauro e as zonas de suporte é categórico no que se refere ao possível êxito de qualquer ação advinda de plano e diretrizes especificas objetivando o restauro do rio. A união dessas duas condições conceituais (trechos de restauro e zonas de suporte), aqui determinadas como linha condutora da análise e direcionamento da síntese, fortaleceria ambas. Isso porque


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a natureza, seus processos e suas interações, podem ser considerados como um sistema único. assim, intervenções para a valorização ambiental e de restauro de curso d’água influenciariam positivamente de maneira mútua (MCHarG, 2000; HoUGH, 1995; sPirn, 1994). outro aspecto que se apresenta similar ao encontrado nas áreas de suporte é a emergência, no que tange à fragilidade estrutural, ambiental e, principalmente, hídrica. apenas dois dos seis trechos de restauro destacados não estão localizados próximos a regiões de maior concentração habitacional subnormal (mapa 37), ou seja, socialmente vulneráveis. são áreas com pouca ou até desprovidas de infraestrutura básica, além de diminutos espaços ou equipamentos para lazer e recreação. Portanto, a vulnerabilidade relativa aos espaços ao longo do rio que alcançaram as maiores valorações torna eminente uma abordagem ecológica para o planejamento dessas.

MAPA 37.  OCUPAÇÃO URBANA E CONDiÇÃO DE HABiTABiliDADE EM sAlVADOR(FONTE: gORDilHOsOUZA, ANgElA, liMiTEs DO HABiTAR, 2008. EM RElATóRiO DO DiAgNósTiCO DOs sERViÇOs DE DRENAgEM PlUViAl URBANA DE sAlVADOR, 2010)


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a suscetibilidade à degradação, pertinente a trechos de margens e algumas áreas da planície de inundação, é decorrente do fato que esses lugares conservam ainda características próximas ao do seu estado original. entretanto, a qualidade da suas águas e o potencial de auto-depuração não acompanha esse quadro, estando excessivamente comprometido, independente dos estado das margens. essa situação é análoga às zonas de suporte: degradação social e ambiental, escassez de área destinada à recreação e pouca relação do ambiente urbano com elementos da natureza (figura 64). outra preocupação enfrentada desde o início desse estudo foi a compreensão da bacia do rio Camarajipe e qual seria o procedimento adequado para minimizar impactos de enchentes, tanto nas regiões adensadas com baixo padrão habitacional e nos equipamentos da infra-estrutura vitais para o funcionamento da cidade. vale salientar que próximo ao leito do Camarajipe margeiam as avenidas com maiores fluxos da metrópole, além do principal acesso rodoviário a salvador e de importantes instalações de mobilidade intra e interurbana, a exemplo do terminal rodoviário. devido a esses fatores foi verificada a possibilidade de confrontar a restauração do rio e compreender como essa poderia ter efeito na mitigação dos impactos das enchentes. apropriando-se dessas variáveis provindas dos impactos negativos da interação da natureza sobre a cidade, lembrando que esses impactos também são uma espécie de resposta para as ações agressivas e contínuas Fig. 64 PANORAMA DA OCUPAÇÃO URBANA, PRiMEiRO PlANO gAlPÕEs NO BAiRRO DO RETiRO, sEgUNDO PlANO REgiÃO DO BAiRRO DO PAU MiúDO (ACERVO DO AUTOR, 2014)


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da estrutura urbana sobre a natureza, foi estabelecido que, além do restauro questões acerca da capacidade da cidade resistir a esses impactos deveriam ser consideras nas ações de planejamento. A figura 65 ajuda a visualizar a real possibilidade de elevação no números de inundações, representando assim um risco real para as regiões contíguas aos cursos d’água.

Fig. 65 Número de registros de desastres. (Fonte: Como Construir Cidades Mais Resilientes. Um Guia para Gestores Públicos Locais, The United Nations Office for a Disaster Risk Reduction EMDATCRED, Bruxelas. Novembre de 2012.)

Para responder essas considerações, foi verificada na síntese a possibilidade de conjugar o restauro a outras soluções, tais como, o uso de espaços de armazenamento temporário do volumes pluviométricos acima da capacidade de escoamento do rio Camarajipe. Ao longo da aplicação do método e de visitas in loco foi verificado que algumas zonas já exerciam, de certo modo, a atribuição de espaços inundáveis, funcionando como uma espécie de reservatório regulador de fluxo. Nesse sentido, a apropriação desses espaços, adequando e potencializando sua capacidade, se apresenta como uma possibilidade de articulação para o restauro. Após a aplicação do método e a interpretação do mapa síntese, a expressão “determinismo fisiográfico”, descrita por McHarg, se tornou mais inteligível, pois as mesmas áreas que apresentaram as características descritas anteriormente coincidiram com as manchas de valoração mais elevada na síntese, em particular o


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conjunto entre T02(trecho de restauro) + Z08(zonas de suporte), além da T01+(Z02+Z04+Z05+Z06) e a Z09. Estes conjuntos seriam positivos para redução de danos nas regiões predominantemente habitacionais. Já o conjunto do T04+T03, imediações do bairro do Retiro, foi compreendido como a região com o maior potencial para mitigar inundações prevenindo danos para a infraestrutura e equipamentos urbanos. Entretanto, diferentente daquelas zonas acima citadas, não exerce a função de armazenamento temporário, apesar de possuir predicados para essa função. Por apresentar uso do solo incompatível para essa atribuição, isto é, atualmente as inundações nessa localidades são danosas aos que ali estão estabelecidos, é necessária uma requalificação fundiária através de relocações. O mosaico da figura 64 ratifica a situação de vulnerabilidade no que diz respeito à suscetibilidade a danos causados por enchentes aos equipamento urbanos, como mostram os registros fotográficos, onde se vê a perigosa aproximação entre a estação intermodal Acesso Norte (metrô e ônibus) e o leito do rio Camarajipe. Nas imagens também é possível visualizar o já referido T04(trecho de restauro 04). Nesse trecho fica evidente que a junção das caracteristicas relativas aos lotes, isto é, lotes de grandes proporções com a presença de tipologias de edificações exclusivamente compostas por galpões, somando-se ao padrão de uso do solo, predominantemente, comercial e de serviços, indica a intenção defendida nesse estudo para com a requalificação fundiária urbana com vista o restauro do rio Camarajipe. Doravante a valorização e aproveitamento paisagístico do local propiciará um reencontro da cidade com seus rios, no caso, o Camarajipe.


Fig. 66 Mosaico de fotos sobre a situação de vulnerabilidade de equipamento urbano de grande fluxo: Proximidade entre o leito do rio Camarajipe e a estação intermodal acesso norte de metrô e ônibus (fontes: 01 acervo do autor, 02 a 04 álbum de fotos do governo da Bahia, http://goo.gl/QOuxGi, 2011)


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O potencial de utilização desse trecho para atividades recreativas e de lazer(figura 64), restaurando valores ambientais das paisagens fluviais, vem se somar à importância da utilização desse local como exemplo, ou passo inicial, para acrescentar a Salvador características de uma cidade resiliente. Sobre o restauro do rio Camarajipe e a relevância de se estabelecer um diálogo com os atores diretamente envolvidos, Riley(1998) propõe alguns ganchos para o imprescindível envolvimento da comunidade no processo de elaboração das estratégias para o restauro. Por exemplo: o controle da erosão e redução dos danos causados por inundações, melhoria dos bairros envolvidos e recriação do senso de comunidade, preservação e valorização histórica e cultural, surgimento e acréscimo das atividades esportivas e recreativas envolvendo as imediações de cursos d’ água, oportunidades educacionais, implantação de trilhas e “greenways” (corredores verdes urbanos), mudanças no uso do solo para mitigar, recuperar, restaurar valores ecológicos no tocante a qualidade das águas. Fig. 67 Trecho de restauro (t04), potencial para atividades recreativas e de lazer conjuntamente a ações de restauro. (acervo do autor, 2014)


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MAPA 38.窶サRECHOS DE RESTAURO


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conexão entre Valoração e restauro As ações de planejamento tendem a enfrentar os fatores ambientais e as questões ecológicas como obstáculos para o desenvolvimento da cidade e estabelecimento da estrutura urbana sobre o ambiente natural. Com o objetivo de mensurar esses “obstáculos” os atores envolvidos nas ações de planejamento tendem a utilizar parâmetros oriundos do monitoramento de séries históricas, tais como; recorrências periódicas, médias anuais e valores máximos e mínimos. Como por exemplos: as médias pluviométricas dos meses, divisão entre períodos de estiagem e chuvas, como também a relação da frequência de inundações, que descrevem a recorrência dos maiores índices, e elevações de “X” em “X” anos. Esses dados não devem ser desconsiderados ou menosprezados nas ações de planejamento, porém, é imprescindível uma reflexão sobre a utilização desses parâmetros e até que momento eles serão eficazes e confiáveis. Questões referentes aos ciclos de medições que, de qualquer modo, representam uma parcela pequena de tempo consideram a dinâmica dos ecossistemas e as respostas que esses dão após a interferência humana. É fundamental uma transformação dos fundamentos básicos do planejamento para a utilização da ecologia como veículo conceitual nos planos, ações e intervenções nas cidades.(HOUGH, 1995) Nesse sentido, é necessário considerar possíveis oscilações no panorama urbano influenciados pelas mudanças climáticas, pela elevação dos níveis dos oceanos, alterações no regime das chuvas, elasticidade dos períodos de recorrências de inundações, assim como também alterações dos limites máximos e mínimos que mensuram os diversos fatores naturais. A transformação dos fundamentos citados acima perpassa um novo olhar sobre o ambiente urbano e a compreensão de que a


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natureza não existe ou “desapareceu” da cidade. Na visão do autor deste estudo, a abordagem mais adequada para com os processos naturais, no contexto da bacia do Camarajipe, é a compreensão de um estado de latência da natureza em detrimento da supremacia do ambiente edificado ou artificial. A evolução da estrutura urbana na bacia hidrográfica objeto do presente estudo acarretou no isolamento de áreas naturais ou seminaturais, essa dinâmica foi influenciada por diversos motivos. Desses destacam-se uma característica que, até certo ponto, salvaguarda essas áreas é a suscetibilidade a risco de desastres naturais que essas regiões representam, ou seja, essas “ilhas” de ecossistema preservados, ainda que isoladas dos aglomerados são importantes ecologicamente. No entanto, Pellegrino(2006) chama a atenção para esses espaços fragmentados, pois a quebra de continuidade dos ecossistemas naturais podem resultar em pequenas áreas sem conectividade. Os fluxos biológicos entre os aglomerados de zonas de suporte (d.06)29 podem sugerir que os sistemas de espaços livres – infra estrutura verde – indiquem funções mais apropriadas, tais como circulação e acessibilidade, locais de recreação ou mera contemplação da paisagem. A conexão entre os aglomerados por intermédio do rio (d.05 e d.06) permite a proximidade (percolação) entre as manchas ou fragmentos de ecossistemas naturais. (Pellegrino et al, 2006). Os corredores ou rede de vias lineares conectando ainda diferente dos espaços próximos podem conectar fragmentos e zonas anteriormente unidas. Nas áreas urbanas adensadas as áreas naturais e seminaturais conectadas pelos corredores verdes, além de via de acesso para [29] O prefixo “d.” refere-se a etapa do diagrama (d.), representado na figura 68


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moradores, e recomposição da fauna e flora(espécies de animais e plantas) e da água (córregos, canais ou rios), melhorando as condições inerentes à dinâmica hídrica(d.07 e d.08), potencializam o restauro e a qualidade das águas próximas. Interessa também ressaltar o conceito da rede esmeralda (ou Emerald Necklace-colar de esmeradas), as nascentes (pérolas) ou zonas de suporte (d.02) isoladas, mesmo não formando aglomerados (d.03) elas potencializam o ecossistema. Segundo Forman(2014), “os corredores incluem faixas verde-azuis (rios e córregos), faixas verdes e fios verdes(trilhas), os quais se tornam ainda mais profícuos quando conectam pequenas áreas verdes (perolas)” Ainda segundo Forman(2014) três componentes da rede esmeralda possibilitam resistir a ação humana nos sistemas naturais, pela urbanização contínua: (1) grandes áreas naturais (por seu tamanho e integridade); (2) corredores fluviais (a maior parte dos rios é forte demais para ser coberto ou desviado permanentemente, e as grandes infraestruturas geralmente são paralelas aos rios); e (3) um cordão de pérolas (um trajeto bem utilizado, conectando parques locais, e que recebe apoio político). (FORMAN, 2014, p.317)

Cabe então salientar que as ações de planejamento urbano voltadas para uma economia verde, ou aplicação de um método ecológico com vistas à mitigação de impactos ambientais, na perspectiva do estudo em questão, indica que as zonas de suporte e os trechos de restauro devem compor uma rede multifuncional de fragmentos permeáveis e vegetados para restabelecer a dinâmica hídrica, a interligação de parques- corredores verdes, recomposição das matas ciliares para deter as águas de chuvas, com objetivo de restaurar o rio e sua paisagem.


Fig. 68  DiAgRAMA DE CONEXÃO ENTRE VAlORiZAÇÃO E REsTAURO

d.05 • conexão entre os aglomerados por intermédio do rio

d.01 • zonas de suporte

Z22

Z19

os aglomerados de zonas de suporte e rio

d.06 • fluxo biológico entre

d.02 • conexões entre as zonas de suporte

Z23

Z08

Z09

Z05

Z15

Z01

d.07 • melhorias na dinâmica hídrica potencialização do restauro recuperação da qualidade das águas

d.03 • aglomerados ecológicos

d.08 • elevação da capacidade de retenção do volume pluviométrico nos aglomerados, liberação do fluxo d’água mais constante e menos abrupto

trechos de restauro

d.04 • conexão entre os



CONSIDERAÇÕES FINAIS

foto Vicente Sampaio


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Ao longo da realização das análises empreendidas no presente estudo, alguns elementos precisam ser retomados com o propósito de expor considerações sobre o uso do método ecológico em uma bacia hidrográfica urbana bastante adensada, com o propósito de indicar possibilidades de restauração de um rio urbano. A intenção dos planos e projetos que alteraram o curso do rio Camarajipe tiveram quase sempre como pano de fundo objetivos que estavam distantes de considerar o rio um sistema vivo, ou sequer pensar o rio como parte de algo maior, a bacia hidrográfica. Nesse sentido, a busca por constituir uma visão, ainda que provisória, dos aspectos ambientais para indicar o restauro de um rio urbano, cujo traçado percorre uma zona adensada e com estratos sociais diversos, apresentou-se como um desafio, mas que continha a possibilidade de inaugurar uma percepção diferente do rio Camarajipe. A pretensão inicial desse estudo, ao considerar o rio uma artéria viva apontou para a abordagem do planejamento com vistas à natureza desenvolvida por Ian McHarg, no seu livro Design With Nature (1969). Para McHarg, o modelo da natureza não era uma sugestão, mas um imperativo, uma ordem a seguir. Essa proposta determinista deve ser entendida no contexto dos anos 1960, quando a ciência era entendida como a panacéia global. Sua interpretação de “oportunidade” ecológica para um bom planejamento significava que a leitura correta da paisagem deveria necessariamente estabelecer um desenho apropriado, onde forma e função são indissociáveis. (LISTER,2006)(tradução livre do autor) Dessa forma, é preciso demarcar a importância do método mcharguiano como ferramenta de trabalho no sentido de aprender e compreender os processos físicos e biológicos como etapas


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indispensáveis para uma proposição de mudanças no planejamento urbano com viés ecológico. No entanto, a aplicabilidade do método ao “urbanismo contemporâneo exige uma perspectiva multifocal, que abarque as noções de forma, função espaço e fluxos através de camadas dinâmicas” (LISTER, 2014,p.538). Entretanto, conforme o delineamento da pesquisa que tinha sido empreendido, algumas questões emergiram, tais com o impasse entre a visão do método de McHarg(1969) e as situações apontadas por Riley(1998) para restauração de um rio urbano. Segundo Riley, as mutipropostas constitutivas do planejamento ecológico de McHarg perpassam outros objetivos e articulam diferentes abordagens, e diferentes agentes que requisitam e financiam o planejamento. Especificamente no que diz respeito à restauração de um curso d´água, a autora enfatiza a importância do envolvimento da comunidade adjacente ao rio a ser restaurado e de se estabelecer junto com as pessoas qual o objetivo e a finalidade da ação. Segundo Riley(1998), é importante inventariar, mapear, mas, mais ainda, “capturar a imaginação das pessoas”, no sentido de que a restauração de um rio é também um resgate da identidade cultural da comunidade do entorno. Então, a questão colocada a partir da visão macro e determinista de McHarg e a visão micro de restauração de rios e córregos de Riley, o que esse estudo permitiu concluir ou considerar? No capítulo que trata dos rios urbanos pretendeu-se recolher ou inventariar o “processo histórico” das intervenções no rio Camarajipe, conforme Riley aponta como etapa fundamental para compreender a dinâmica do rio a ser restaurado com a finalidade de


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indicar as condições de equilíbrio que antecediam as mudanças no seu percurso. A solução conciliatória para articular a abordagem teórica de McHarg e as ações operativas de restauro de Riley, a partir das análises e da revisão bibliográfica, tornou evidente a necessidade de aplicar o método ecológico na bacia hidrográfica. No sistemático trabalho de mapeamento dos processos naturais é possível indicar nas manchas ações de restauro do rio. Portanto, o estudo aqui desenvolvido buscou analisar e adequar a compreensão do método ecológico de McHarg com vistas a constituir uma escala passível de valoração ambiental da bacia hidrográfica para possibilitar ações futuras de restauro do rio Camarajipe, considerando o rio como elemento estruturador do seu entorno e garantir a sua sobrevivência, a partir de sua importância e sua relação com a cidade. Há, no entanto, uma questão eminente que é o estado de degradação atual do rio, mesmo nos trechos ambientalmente sensíveis, o que indica o estado de negligenciamento e comprometimento ambiental e visual, em detrimento da ocupação urbana e da expansão do sistema viário. Se, ao longo dos anos, seu curso foi alterado, reconduzido para uma nova foz, sua sobrevivência atual como sistema vivo encontra-se comprometida frente ao modelo de intervenção que vem se sucedendo nos últimos anos na cidade do Salvador, como por exemplo, retificações, canalizações e principalmente encapsulamento, ou seja, o desaparecimento total dos rios e córregos da paisagem urbana.


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A proposição do presente estudo é que as considerações possam abrir novas perspectivas, colaborando nesse momento (2015), em que a crise hídrica ganha contornos preocupantes, para as reflexões sobre o convívio das cidades com suas águas. Bem como, as questões aqui discutidas e analisadas, mesmo aquelas que não foram respondidas, possam demarcar a intenção e sentido no tocante à importância da visibilidade do rio nas paisagens urbanas brasileiras. Abordando o restauro como possibilidade de reequilíbrio ambiental, com o propósito central de intensificar a reaproximação entre as cidades e seus rios.


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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB


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