ANO BISSEXTO AFINANDO A VOZ Nós, ao escrevermos, podemos não saber as respostas, a questão está em saber fazer as perguntas. Todas elas têm de partir daquilo que tomamos por certo, o que é decerto, de longe, o aspecto mais difícil. As certezas são crenças, se não as podemos medir e atribuir-lhe uma unidade, são experiência metafísica. Essas são as que formam, criam, exigem, dão como dom – a Fé; fazem parte do mistério humano: saber o que somos. O único animal capaz de se caracterizar por coisas intangíveis, onde designa desejos, nomes e crenças. Acho que estou no bom caminho, não chega. O caminho dá uma direcção, não garante sequer o sentido certo. Fazer a pergunta certa não é querer saber onde fica o ponto de chegada, para que lado está em relação ao ponto onde estamos vem primeiro. A geografia por onde orientamos as ideias é muito curiosa, vai da mística à idiotia, da transcendência à coisa. Exacto, enquanto acto, é um desiderato onde não precisamos desidratar. Embora esteja a fazer algum esforço, a calma é a alma (de tudo e coisa nenhuma). Isto para dizer enquanto escrevo como quero ler o que escrevi, ao mesmo tempo é outro tempo e o mesmo.
Enquanto a mudança não se torna definitiva, quero antes de publicar escrever sobre o que escrevi. Conseguindo ao fazê-lo
qualquer
coisa
muito
semelhante
ao
que
conseguirei depois de publicar, imagino tudo como leitura. O que publico já não é só meu, é nosso. Um osso duro de roer, o esqueleto feito com ideias sobrando das palavras. Uma ideia que tenho sempre presente é a de que a ficção existe na medida em que se pode tornar realidade, o que nos leva dos personagens às pessoas e nos descobrimos actores. Quanto ao circo onde ontem me sentava, é hoje um palco do teatro onde a representação se apresenta hoje e sempre. Tendo como pano de fundo a fala, basta pensar. Quando não dizemos nada e mesmo assim escrevemos, é como se "eu" fosse o ectoplasma dum fantasma a desfazer-se num ataque de asma. Escrevi frases, histórias, contos breves, com a ideia de poder no conjunto dos dias acabar por apresentar, primeiro uma personagem, depois mais para o fim personagens para, com tudo isso, imaginar ter escrito um romance. Quem gostou, ouvindo a música certa, a imaginação tocando o silêncio, avance, dance, lendo lentamente ou correndo ao encontro dum prazer, sem prazo. Registando dias do ano, horas do dia, minutos na Hora! Ana ("eu" em árabe)
Primeira Parte (AGENDA DE 2012)
1 (domingo) NO PRAZO DO ANO Começo um ano com a perspectiva de realizar algo de diferente, não deixará de ser uma tentativa para a qual tenho objectivo detalhado: preencher os dias! (di)versão Começar um ano com a perspectiva de nele realizar algo de diferente, só pode ser inova(do)r. Não deixará de ser uma tentativa, tenho por objectivo manter a cronologia.
I (primeira semana) 2 BEBENDO DA CONCHA Agrada-me deixar feita qualquer coisa ainda por começar, disto fazendo mais um conto quando feito. Contanto o gozo de qualquer começo, temendo o trágico que é um fim. Enfim, uma história à moda da Mina, directamente da mina: igual a meter a mão na água, bebendo da concha. 3 LEITURA A noite, a leitura e a vida. Estas três coisas parecem conciliar-se duma forma própria, fazendo da última qualquer coisa de tão intemporal como a primeira, digna de servir a segunda. Esta surge de molde a verificar-se o ditado popular "no meio é que está a virtude". Está feita a leitura, a vida continua as noites com os dias. 1ª – a noite 2ª – a leitura 3ª – a vida
4 FILME MUDO O palhaço tinha um fato de Charlot com chapéu a condizer, mais a bola de plástico vermelho no nariz. A bola no nariz é que o tornava palhaço, o resto ficava bem num filme mudo com seu personagem silencioso. 5 TEO (DEUS) RIA uma teologia a_teia… A vida é ordem, mas o caos já é existência. Logo, a vida, nasce do caos. Saber como se forma a ordem, é conhecer a explicação da vida. Já… deter o caos é… como regressar à existência. No caos, sem vida própria, não há vida definida: só o nada, no tudo. Existe o geral, a gerar-se… indefinidamente. 6 SEM TRUNFO O trunfo dos copos é a alegria do bêbado a ficar ocupado, sem se sentir culpado! Culpado não tem trunfo, está bebido.
7 VAZ Vivo num vazio de ideias que se concretiza como as areias no deserto, formando dunas varridas pelo vento. Só o vento define a tua superfície, no interior és pedra erodida. Opinião erudita, dita-a um coração de pedra (merda)! 8 LOCALIDADE Vaz era o nome de família da minha mãe, sinto-me irmã do Luís Vaz de Camões. Camões deve ser uma localidade perdida em Portugal, onde o gato perdeu as botas. Má sorte, amor ardente?...
II 9 A SEDE Entre ser Mina a água da mina ou as suas paredes, procuro ser a sede que visita a realidade. Passo do nome para o sentido sem fazer ideia do sentido, até se formar uma ideia, é quando a sede aperta. Corro para a min(h)a e mato-a, a sede volta a ser palavra sem nome. Mina apenas, ser por ser, existência a pensar-se, sou…
10 PINTURA (flor soltando esporos) Enquanto me entretenho a pintar, tento pensar em tudo, sem fixar em nada. Desenho uma flor soltando os seus esporos no ar, esperando que a vida continue a partir das suas sementes. Em cada gesto semeio meus genes, deixando a vida ficar, passar, continuar. 11 A IMPORTÂNCIA DO PROJECTO (jogo e gozo) No tempo dos lilases gasto tinta tentando afinar a tinta, encontrado a cor capaz de reproduzir o real com a maior realidade possível. Acontece o mesmo quando escrevo, procurando a naturalidade. Na verdade, é algo complexo, capaz de me deixar perplexa. Aquilo que sinto, transposto para as palavras, é quase um exercício misto, místico, fascinante. Mistura-se o som, a forma, fundo e objecto, sem abordar ainda a importância do projecto: o gozo deste jogo. 12
CONSEQUÊNCIA (ordenha) Ordenhando a imaginação, enfiei a teta na boca para mamar mas, em vez de chupar soprei. Sem saber o motivo, faço-me na consequência. 13 RESSUREIÇÃO O saboroso gosto do prazer, como gosto dele! Discutam-se os
gostos
sem
discussão,
até
à
consumição
da
consumação. Gostando do gosto até esgotar, renovado sempre, até ao desmaio final ou quando Maio passa a Junho ou acordando do dia na noite ou na hipérbole da parábola, na geometria quântica dos quantas, quantos se queiram… crendo na ressurreição final (quando se dá título ao texto)! (abrindo os braços ao Céu!!) 14 LUGAR DE ENCONTRO O tema, o texto, a história, saber como se caldeia mistura e resulta
em
resultado,
pareceu-me
algo
onde
sou
espectadora. Escrevo, observo, leio, ou, imagino, espero,
escrevo. A escrita é um lugar de encontro hoje, para… lugar de encontro. 15 CROCHÉ Basta-me pegar na caneta, começo a pensar "Estou a pensar o que estou a pensar…" Oiço as palavras, escrever é como ouvir-me. Com a possibilidade de ouvir várias vozes, tento evitar. Fico nesta mansidão, deixando o discorrer correr, sem grande fôlego. Digo fazer um croché, em vez de agulha, uso caneta de tinta permanente.
III 16 EVIDÊNCIA Há quem escreva para se tornar escritor, procuro ser autora. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que quero ser autora. De que modo? Escrevendo. Então, vou ser escritora, uma cedência. Ponho a mão na consciência, não há como evitar. A(s) evidência(s), o meu tema. 17
CANTO À CAPELA Vivo a sofreguidão de forma tranquila, vivo-a sofrendo, sem guião. Ao certo detenho-me a pensar e não acerto, erro sem enredo. A falta de história, desta história, é a minha história. Quando me assusto comigo mesma, por perceber não perceber do que sofro, há um bocado de guião no eu que se revela. Canto à capela, no silêncio dos gestos. 18 ESQUINA Uma estatuária existente no meu desejo, o corpo do meu amor. Sempre evito falar de mim e não se pode evitar, o se impõe-se: a escrita nasce das nascentes do desejo, olhar a realidade e procurar tocá-la. É essa a música e a nossa voz, um canto, dividindo o Universo em dois, como uma esquina. 19 TRÊS ANÕEZINHOS ou LAMBER SABÃO Resolvi entrevistar os três anõezinhos, um chocho, outro cocho, o terceiro genial. Comecei pelo chocho, mandou-me para o cocho, dizendo ser mais rápido que ele nas ideias.
O cocho disse que o génio iria achar muito mais graça ser entrevistado,
enganou-se.
O
génio
não
me
deixou
confirmar nada, pois não respondeu à pergunta, mandoume “lamber sabão”. Como se, perguntar se era um génio, fosse uma asneira? Deu para a historinha de praxe. 20 A SÚMULA DAS COISAS No começo de coisa nenhuma o dia de hoje é agora, está a passar por aqui. Esta curiosidade para com o lugar, liga todas as coisas, é e transforma a realidade. Ligar o lugar a algo mais que um espaço, permite procurar a súmula das coisas que denunciam a existência deste lugar. Desde logo, a palavra. Há que pensá-la como uma coisa simples, um cacho. Colher o cacho, retirar as uvas, comê-las à colher, uva a uva e… obter "a súmula das coisas" (cacho). 21 OCUPAÇÃO Acordar ao Sábado levanta problema de diversa índole, natureza, o que quer que se… seja. Escrever é uma ocupação como outra qualquer, tem de diverso a variedade
da riqueza a diversidade, quando ela não é adversa e dá das coisas o que as coisas são de si: leitura. 22 CONTINUO SEMPRE Depois de começar, as coisas só continuam. Mesmo sabendo isso, sempre queremos recomeçar. Domino-me, tento continuar apenas, preencher mais uma página. Às vezes uso uma letra maior, chego mais depressa ao fim. No fim, dum modo ou de outro, continuo sempre.
IV 23 CHU-CHU DE ESTIMAÇÃO O chuchu de estimação, deste modo começo como se tudo estivesse dito, pensado e acabado. Puro engano, fal(t)a a fala da emoção, a história plantada na planta, a emoção vegetal da coisa. Deixada em água, dentro de casa, no inverno, desde logo criou raízes aquáticas. Lavado para a terra na primavera, vai dando chu-chus na trepadeira onde cresce e floresce. Bem como neste conto ou, conto com isso, ele não falha.
24 FAXINA O ratinho corria debaixo do sofá, entrava para dentro do forro, deixava da sua presença seus dejectos. Não chegou a fazer ninho, descoberta a sua predilecção e feita a faxina necessária, foi declarada guerra. Ainda nada mais que isto, o suficiente para registar o episódio da faxina. Fascina. 25 CIDADÃO E CIDADÃ Somos uma máquina viva e com vida, que se auto programa. Embora isto seja discutível, fazemos parte de um todo maior: a sociedade, a qual desenvolve e mantém a língua, fornecendo um número infindável de linguagens. Com as quais, cada ser humano, vai de cidadão ao caixão. É arquivado, está o caso encerrado. 26 CULPADA Ir a caminho de Meca e Meca ficar noutro sentido, nada altera a direcção, o rumo dos acontecimentos. O chamamento, é este o verdadeiro designo, a minha
profissão de fé numa profissão sem fé? Ser escritora, para uma autora, é uma circunstância sem atenuantes. Culpada! Só quero esta sentença: culpada. 27 PALAVRA A PALAVRA Vou continuar a ler, onde tinha ficado antes de adormecer. Ligando, parágrafo a parágrafo, a trama de um texto que se faz, frase a frase, palavra a palavra. 28 VIAGEM NO TEMPO O tempo não pára, uma semana depois, passou uma semana. No entanto, na verdade, tudo se passa numa só frase. Rápida, intensa, densa, escorre, expressa enquanto se pensa uma viagem no tempo. 29 NADA FICA Durante uma semana não falhei um único dia, deixando de todos os dias marcas, semelhantes a mais esta. Pequenas histórias, cheias de tudo e de nada, onde coisa nenhuma é
desprezada. Onde tudo e nada se desprendem, tudo passa e nada fica: tudo passou, nada não passa.
V 30 A RESPOSTA Se o nada não chega a acontecer, como fazer para o fazer? Eu estou a fazer nada, a nada fazer. Como faço? Interrogo-me. Sem respostas, faço perguntas. Se olhar para elas, o que vejo? São a minha resposta. Resposta sem resposta, pergunta? No fim, todas juntas, as perguntas hão-de ser “a resposta”? 31 EM BELEZA Vou ver se trabalho, estou farta de não fazer nada. É estranho escrever e achar que não se faz nada escrevendo, até a estranheza é estranha. Nesta altura é só beleza, é tudo beleza! A coisa é de tal modo que, não podendo duvidar do que vejo, duvido mesmo. Desço das minhas tamanquinhas,
descalço-me, ajoelho: oro. Não sei o que estou a fazer, coisa sem importância: duas orações, em beleza. 32 DESTINO Quase gosto de estar vazia, desinspirada, inútil para contar uma história. Isso obriga-me a fazer um pino olímpico, com qualidade para um desabamento desamparo no chão. O chão move-se, a perspectiva altera-se, a história começa a fazer o destino. Na posse do destino tento não o perder, [seguindo nele, indo à boleia da imaginação; Com ela procurei o destino, encontrei-o em maiúsculas] registo-o. 33 CELTA Sou Celta, é um estado de espírito, uma herança astral, amo as árvores! Relevando o facto, vou continuar a usar estas folhas, pelas quais morrem tantas árvores. 34 FIQUE(I)
Enquanto esperas que espere por ti, não fui, fiquei. Sendo esta mais uma história da minha rebeldia, não julgar eu sou quem pensam querer que seja. Até esta história poder ser, desejar ser, finalmente ser, uma invenção, uma invenção fica. Como termina é caso para dizer "Não sabemos"!, pois ninguém espera por quem nos espera, o que levanta uma dúvida, "Como sabemos?" 35 BATO PÃO Bato o pão no chão, ainda preparando a massa. Deixo-a a levedar, enquanto ela cresce. Preparando o momento de poder levar ao forno, onde irá cozer dando a forma final ao que está quase pronto. Falta só, acabares de ler, mais esta frase. 36 O BEIJO DADO A linha espiral da ideia move-se, o tempo muda de sentido, começo a contar uma nova história, é algo parecido com um diálogo mudo, entre o agora e o antes.
O antes não para de falar, o agora ignora. Chamada a arbitrar o que penso, toco o apito. Quando acabo, tenho nos lábios o beijo dado.
VI 37 PERCALÇO Antes, não depois, o final ficou pronto. Faltava o início, por ele começamos. Quando já vou lançada, a caminho do fim, um percalço: o percalço que desencadeou a história e acaba com ela, fim. 38 IMAGEM O salto dos sapatos, tão alto e fino, cravado na testa. Uma imagem impressionante, filmada com grande nitidez. No contexto do filme, surge algo excessiva. Agora que me lembro, o filme está reduzido, é só esta imagem. 39 PRIMEIRO PARÁGRAFO
Ser heroína do meu próprio romance, alimentando de memórias, procurando histórias esquecidas. Encontrando, através da memória escrita de acontecimentos, factos, actos e entreactos, cenas de vida. Deixando, sobre o cenário do quotidiano, a grande quota-parte de realidade ocupar o seu papel central. Garantindo este aspecto, a história ganha foros de História, ocasião propícia para falar de sonhos e dar azo à imaginação. Tanto quanto a realidade, o real bebe do imaginário. Sobre o real devemos ver o cenário ideal para a realidade, a palavra não é livre e liberta-se se se prende à exigência duma obrigação superior. Sim, estou a pensar na verdade Histórica, mas porque não? A minha história deve ser contada de modo a poder ser contada e, encantada, ser a heroína que não me imaginei em menina, gostando agora de a imaginar: voltar à infância e ser, a filha da minha mãe, a boneca do meu pai, a companheira de animais de estimação, porque não? Imaginar a minha história, aceitando ajuda para a recordar. 40 DAS HIENAS Ir pelo cano… perder-se. Já estou escrever mais – para quê? Para ir pelo cano a caminho do mar, conhecer o lar de
todos os peixinhos que desceram os rios. Rir, devagarinho, com esse jeitinho das hienas que sabem rir depois dos outros terem seu morrer ou, provavelmente, com grande probabilidade: ir pelo cano… 41 ENTRE A RAZÃO E AFECTO Pois é, o conto começa deste modo, continuando dum modo novo, diferente, desigual. Nada de inigualável acontece, apenas o normal, a inigualável leveza de ter a desigualdade por elo de ligação na equação destas histórias entre razão e afecto. 42 INEXORÁVEL DESTINO Sem ti a minha vida teria sido diferente, contigo continua igual. Eu sei, calculo pareça uma contradição, é-o. É o elo entre ele e eu sermos ambos o mesmo, na partilha do inexorável destino. 43 AQUI E AGORA
Fico feliz de não quereres ir embora, embora não tenhas feito por evitar este desfecho, um jogo onde, "pago para ver"! Veremos o que irá acontecer, não é? Pois é, o conto começa deste modo, não anda nem desanda, fica-se… por ter começado.
VII 44 CHAMO A ATENÇÃO Imagina-me de pernas à mostra, a sentir-me quente. Sente, imagina como me sinto assim mostrando-me. Mulher pega, ave atraída pelas coisas brilhantes, tentando apanhar o brilho das estrelas em teu olhar. Mulher pega (pegada) pelo desejo de dar, de ter, de me ter contigo. Pego-me a sonhar, a escrever coisas estranhas a um ideário prático, onde pratico a fantasia tentando não fantasiar. Pelo que… chamo a atenção/ a mim própria. 45 FAZENDO NOTÍCIA Enquanto ele olha para mim, faço este número arriscado, escrevo transformando-me na escritora. Aquela que faz
história, pois claro. Quem me manda a mim ter dito “tudo pode dar uma boa história”, por certo (esta é uma crença, daquelas que não dá para fundar nenhuma religião) citando alguém, um jornalista? 46 +ÍNTIMA‒ A camisa-de-vénus rasgou, ela inchou de causas naturais, até lhe rebentarem as águas. Teve a criança, foi mãe. Ao nono mês, sem surpresas. Quando lhe pegou ao colo estava deitada, ficou impressionada com a leveza. Era um bebé
pequeno,
cansaço,
saudável,
ainda
tranquilo.
explorando
Adormeceu
adjectivos.
A
de
primeira
impressão, quando acordou, foi de ter sonhado. Nunca esqueci este sonho, fui mãe. 47 PERFEITA LIGAÇÃO Só me dou cinco minutos, o que tem de ser bem aproveitado.
Coisa
dificílima,
onde
tudo
pode
ser
questionado. Sorte a minha não ser insatisfeita, procurando ser satisfeita pelo que me faz. Aplicando-me a fazer o que faço. Procurar a perfeita ligação, aquela onde se
transforma em igualdade: “o que me faz” = “o que faço”. Safa! Livra!... A coincidência mais ambiciosa, ter por ambição
apenas
o
ambicionado.
Tendo
por
coisa
ambicionada, o nada com os seus tudo(s), qualquer coisa. 48 NESTE MUNDO I - crença Ontem, de manhã, escrevias, escreveste. Hoje escrevo de volta, respondo. Escrevo para ti, para mim, para quem quiser ler. No caso de passar a "romance" a tua presença, no que ela comporta de incentivo para uma história como, creio, nem os romances contam. II – desafio A levar avante este romance, ele será um desafio de rigor e paixão, pela escrita, rigor e paixão. Não sei se conseguirei, o que o transforma num desafio imenso, digno da palavra digno e da dignidade. Enquanto digno é um adjectivo e, enquanto tal, é característica que se pode conferir a uma acção. Dignidade
é a qualidade de ser digno, é substantivo. Conseguirei dar substância ao que for escrevendo, escrevendo-te. III – fio… Amo as palavras enquanto matéria, elas são onde a matéria se transforma em espirito, onde este encarna, ganha corpo, na matéria. 49 NA ROTA DO SOL Seguir o movimento do Astro Rei fazendo o seu périplo pelo dia… já está. O Sol bateu numa rocha, o movimento parou, estou prestes a dar à luz. Tenho nos meus braços a criança, não sei o que fazer. Vou ter com o padre: - É o teu filho! Não te abençoo! A tensão é tremenda, filho-da-puta… 50 DEUS Deus não existe, caso contrário, eu saberia. Sei tudo dos casos contrários, eu sou a outra de todos os homens. Sim, o desdobramento de todas as mulheres. Chego quando a procura é tanta que a oferta é forçosa, forçada, fortuna dos
instalados. Deus fica lá para trás, porque não, Deus é lá da frente: Só não vale apontar, para não lhe enfiar o dedo no Olho.
VIII 51 OLHO Olho e vejo que finalmente tudo está na mesma, respiro como antes, devo ter deixando de respirar. Lentamente volto a pensar e empurro as palavras, até cair de bruços e ficar estendida. Pronta para me deixar estar, o olho roda dentro da órbita duma pálpebra fechada e de olho fechado e olho aberto, experimento imitar um camaleão para sentir “o que é bom para a tosse”. 52 O ESPELHO Procuro dentro de mim e regresso agora, não sei onde. Traga uma memória, talvez de amanhã. É como ter viajado no tempo, sem saber para onde. Sem fazer mais ondas, procuro o espelho. Sereno as palavras para nelas me
poder olhar, como um olhar sobre elas vendo delas, a visão dada. 53 ADORMECER DEPRESSA Pensar nas consequências de medo e ansiedade, o filme de terror. Vou fechar os olhos imaginando gritar, em silêncio para adormecer depressa. 54 A MINHA LITERATURA As influências literárias contam, não sei é para quê. O que quer
dizer,
tenho
dúvidas
sobre
se
contam
verdadeiramente. Ia deixar de ler o que escrevo? Sim, tenho alguma influência sobre mim. Podemos excluir do campo da literatura a minha produção palavral? Se fizesse isso à minha literatura, ia ficar paupérrima. 55 PELA HORA DA MORTE Os meus cinco minutos de leitura diária tenho-os dedicado à escrita, ando aflita de sono. O trabalho, as canseiras,
todas as asneiras acumuladas, ando a pensar ir à bruxa. Só encontro médiuns nos jornais e, bruxas, já ninguém acredita nelas? Gostaria de saber por onde andam, quer dizer, a magia está pela hora da morte. 56 AS PALAVRAS QUE TE ESCREVO São estes e não outras, as palavras que te escrevo. Saem assim, despreparadas. São estas, não outras. Como se, em vez de serem minhas, eu fosse delas. Tomam-se de assalto, um salto, um sobressalto. Ou, será apenas um modo de falar? 57 O FIM DA HISTÓRIA (a pérola fora da concha) Acredito mergulho de olhos fechados e consigo encontrar os sonhos, mesmo sem precisar de me deixar dar conta. Gostava de me recordar, vou tentar inventar. Falta a memória, faço sem ela o fim da história.
IX
58 ECO (a pérola na concha) Uso a cabeça, mesmo antes de pentear os cabelos. Sem saber bem para quê, estou sem ideias. Sinto-me no centro da história, sou a minha personagem. Evito ir a algum lugar, sou a pérola na concha. Um quisto, uma inquinada presença na vida. Penso agora, como a pérola, engole-me o nada. Sou-o, assumo-me, até se perder o eco. 59 PASSOU O DIA Entre a manhã e a noite, passou o dia. 60 NADA FALTA As minhas histórias estão cada vez mais exactas: SE/se, nada lhes falta. 61 ANTECIPO AÇÃO
Antes de fechar os olhos antecipo essa acção, tento imaginar fazê-la, pensando-a. Fecho as pálpebras muito lentamente, já no escuro, sem ver nada. Sinto a cabeça sobre a almofada e, ainda mesmo antes de acabar de encerrar o movimento descendente da pálpebra superior… Dou por mim a pensar, haverá uma pálpebra inferior? Adormeço com este pensamento, acordarei com a resposta. Pelo menos… quando abrir a pestana. 62 ADORO Adoro, é o que posso dizer. Adoro, é o que posso repetir a partir daqui, oro. As orações foram inventadas nestas situações limite, adoro orar. São momentos em que sou freira e vou à feira dos pedidos, onde a minha mãe me estendia os braços dando o seu colo para chorar as maiores desilusões, sentindo o meu beicinho a chamar. Era tão triste, tão belo, tão bom… o tão, o meu Tao. 63 RELVADO NATURAL Escrever por escrever, sonhar por sonhar, como se faz. Estou na Índia, não sei porque cargas d’água deram-me
um enorme saco de dinheiro a aguardar, devia ser pesado, no sonho passa desapercebido. Esqueci também com quem estou, fui/fomos ver futebol, relvado natural na beira dum rio. 64 VIAGEM AO SONO Navego numa dor de cabeça, sem grandes ondas, vou ver se durmo. O que já aconteceu e faço de cronista, em viagem no sono. É um sonho pensar deste modo, deixo para trás todas as preocupações. Não chego ao fim, isso será, quando acabar.
X 65 CONCLUSÃO No rodapé deste momento escreveria uma nota dizendo nada, onde me deixaria penetrar pela inutilidade de respirar para viver. Consciente da minha inconsciência, deixo as palavras ocuparem o lugar onde teria um corpo, se o pudesse abandonar nas palavras, irresponsavelmente.
Fique registado, não me comprometo com nenhuma conclusão. 66 BELEZA DO DIVINO Fico sem palavras quando falo para Vós, Eco do Universo, criação divina da minha humanidade. Amém? Ou, assim seja! A beleza do divino é a celebração dum bom copo de vinho, do pão, da água, uma peça de fruta. 67 ACABOU Deslocava-se junto ao muro, parecia esconder-se. Parecia estranho, não se percebia. Ia sem olhar para trás, nem para o lado. Ia ao lado das paredes, sem necessidade. Podia ser para fugir ao Sol, mas era noite. É noite e faz-se tarde, acabou. 68 DESISTO
Há histórias com piada, outras nem isso. Onde nos deixa uma frase destas? À procura duma história com piada, teria piada, desisto. 69 UM CANTO DE ÁGUA A ideia surgiu de um gato caindo na água a nadar, apesar do medo. A medo, comecei a história. Como devia ser breve, uma xerófita impossível, não me devia assustar. O gato saiu da água, a fita daria uma história. Em sentido figurado, claro está. Fica muito bem, o sentido figurado, nesta história. Fala da sobrevivência das histórias, afinal, da própria vida, um gato a sobreviver nas águas, talvez nuns vãos de plástico, uma ideia. 70 DIGA-SE DE PASSAGEM As histórias curtas são, em si mesmas, uma invenção notável. Por esta razão, para cá e para lá de todas as outras, dão boas sementes. Apetecíveis para muitas e variadas leituras, só uma opinião, diga-se de passagem. 71
SELO No desenho o se não precisa ser sublinhado, a sua personalidade própria, toda a linha escrevê-lo, envolve-lo, sê-lo como selo, para o seu destino: Um verso.
XI 72 LO Se o DO é “caminho” em caracteres chineses, o LO, seja o que for, será o que seja, seja lá o que for… 73 CHÁ DE ANANÁS Vou levantar e comer uma tosta, bebendo um chá de ananás. 74 O TEMPO A PASSAR
Escrevi quando acordei, volto a fazê-lo ao deitar. Entre a manhã e a noite, passou o dia. Todos os dias é isto, o tempo a passar. 75 BOA OCASIÃO É uma boa ocasião para dormir, disse-lhe o homem. Fica por dizer quando terá dito, o que é dito ter dito. O escrever isto, transforma a ignorância em história. Decidida a ir dormir, acho ser esta a boa ocasião. Disposta a ignorar a ignorância, não quero saber. 76 MÁ HISTÓRIA Brincas contando histórias da tua vida, sem sorte e desaventurada. Fica-se e fixa-se, a certeza de teres o que mereces. Tens o que atraís, ao ler-te, sou merecedora desta Má História. 77 A DIFERENÇA
A diferença entre um recado, requerimento, remetente em missiva, endereço, corpo da carta e esta ideia da escrever histórias contando um momento sem futuro antes de enfrentar o presente, com um passado onde se dão as reacções físico-químicas, materiais-mentais de escrever-se sem pressa de fazer sentido, sentindo… a diferença: a liberdade de ser livre. 78 DÁ-SE CONTA Adormeci sem conseguir acabar a história, caindo de sono. O que dá esta, para acordar. Ah, “a diferença”. Um nome, está acabada. A vida, o tudo e o nada, dá-se conta, quando não passa despercebida. “Dá-se conta” das contas que fazemos, para se chegar ao resultado.
XII 79 DALI Mais perto dali que daqui, ambiciono o surrealismo: Sou Dali!
80 APROVEITO Não há certezas sobre as certezas que tenho, Deus nunca foi uma delas. As sinalefas, as regras, quanto desperdício simbólico desaproveitado. 81 GERAÇÃO ESPONTÂNEA O metabolismo simbiótico dos símbolos permite gerar frases de geração espontânea. 82 FATO MACACO A minha avó usava saias compridas, a minha mãe usou mini-saias, agora os “jeans” estão na moda. Quando tiro as calças, passando para o “fato macaco” do pijama, fico felpuda, quente, agasalhada. Imagino haja quem use longas camisas de dormir de flanela a cobrir as canelas. Cada uma escreve com o que tem, disse. 83
UM DESABAFO Eu por escrever, dou conta de me dar mais atenção agora do que antes. Mesmo quando, ainda logo ou amanhã, penteio os cabelos, vendo a minha imagem num espelho. São as minhas histórias, ao fazerem-me contar, sinto-me mais comigo. Fico à espera destes momentos, vivi-os com a alegria de quem consegue ter um desabafo. 84 SONHO COM ELA À minha mãe de vida já fechada dentro de parênteses gravado em pedra, dedico frase saída ao entrar na primeira oração. Nesta hora nocturna abro parênteses, para história de saudade sem regresso a um colo onde fui embalada ao peito. Preparo um pensamento, depois de fechar a luz, viver ideias outras, criando um ideal. Sonho com ela, a acordar sonhos até à infância. 85 (A)BRINDO A SEMENTE! Amo a tua carne, moldá-la em prazer. Saber dizer as palavras apropriadas, esse devia ser o nosso segredo. Os
palavrões que dizes, são canções de embalo em teu êmbolo. O amor é o motor onde a vida explode, abrindo as sementes, gerando vidas! Quero ser tua, a isso brindo!
XIII 86 SEM FAZER ONDAS Acredito que sei morrer sem fazer ondas, cair no vazio sem mover as águas do tempo. Sentir a beleza esmagar o silêncio, percorrendo-o, como sangue nas veias. Toda eu feita de ideias, até aos capilares de sinais e fonemas, morfemas, morfina para a dor de viver a sensibilidade a ferir-se em SE/se permanente_mente… 87 CONTEÚDO EMOTIVO A sensação do conteúdo e motivo das palavras, estar no seu sentido, faz do sentido uma sensação redundante, capaz de nos dar a sentir o que sentimos. Então, a minhas histórias, contam-me o que quero contar das descobrir, encontrando-as.
88 RESUMIR (00:46h – 00:53h) Quase tudo na vida se resume a datas, festividades, celebrações. A designação efemérides é bem vista, mostrando como tudo é efémero e se trava, em permanência, dum combate. A reposição da expectativa, todos os dias, de novos dias e datas a preservar. De que forma? Fazendo histórias, é uma forma. Esta será "resumir", repetir, ao final do dia, a importância de "sumir" deixando – marca de se ter passado por – este dia. 89 FANTASMA Entrámos
numa
casa
arrombada,
tinha
um
piano
esventrado, não havia música no ar. Era eu e ele, mais uma memória ausente. Sobre ela me detenho, escrevendo uma fantasia. Sombra sem deixar corpo paira, anda por aqui. Recorro ao exorcismo do texto, afasto o espírito, deixo a letra, paira um fantasma! 90
MAIOR VULTO Sou autora de contos curtos, escrever uma história de maior vulto só pode ser uma possibilidade de tocar o impossível, na esperança dele dar música como se tivesse recuperado o piano do conto "fantasma". 91 O GUARDA NOTURNO Na minha rua não existe guarda noturno, nem me lembro de alguma vez ter existido nas muitas ruas onde já morei. Pensar este simples facto, neste momento retira-me alguma alegria. Aquela que vou buscar à existência dum personagem para escrever, de forma curta e sucinta, uma memória que até agora não tinha história. Passa a ter? Claro, vai-se chamar, O Guarda Noturno. 92 I ACTO – O IMPROVISO 1 – Imagina que guardamos, palavra por palavra, gesto por gesto, as coisas que dizemos. Tentaremos reproduzir este improviso, o que acontece ao improviso? 2 – O improviso dá…
XIV 93 APRECIAR A ARTE Plantei-me à frente do quadro da Mona Lisa, uma reprodução que colei com fita cola à parede branca do quarto. Fica em frente dum sofá onde me sento para me descalçar, as vezes também ali leio. A maior parte das vezes, sento-me e fico a olhar a reprodução. Acho que consigo boiar no sorriso da personagem, esvaziar-me de pensamentos e imaginar-me a Apreciar a Arte. Claro, é uma história. Às vezes, penso que ela sorri a ver-me escrever. Quando não estou a escrever, também para mim, é um mistério. 94 OPORTUNIDADE Já não sei, já sei… Uma história ou a crónica ou crônica de uma, valem tanto quanto uma especulação. Uma especulação, por sua vez, cria a oportunidade. A oportunidade
é tudo quanto
devemos esperar duma história. Duma crónica, ou crônica,
é o mesmo. As palavras são importantes, mas não têm importância alguma, dependem da forma como são lidas. 95 ADIVINHO O QUERER Crer é poder ou querer e poder? Há dois tipos diferentes de poder, vamos a ver… O poder de quem crê é permanente, inato, divino, não depende da sorte, acredita na Morte. O poder de quem quer, acredita na Vida e faz por merecê-la. São contrapoderes ou apoiam-se um no outro? “Fia-te na Virgem e não corras”… Acredito nas virgens, já fui e fiquei muito feliz quando deixei de ser. 96 DESTAQUE Confrontar as duas histórias: APRECIAR A ARTE versus APRECIAR ARTE. Tentei, tento, estou tentando. Apreciar a arte é mais fácil que apreciar arte. Apreciar arte implica ter uma ideia do que arte seja, apreciar a arte qualquer um faz, basta que nos digam onde ela está. Geralmente à vista, em destaque. Isto tem de ser mesmo assim, a maioria das pessoas não consegue ver uma obra de arte se não
"esbarrar" com ela. Nascemos do barro… Uma metáfora fica sempre bem. 97 TENHO SONO Um sentimento de culpa antes de dormir, para tirar o sono! A ideia não me assusta, tenho sono, vou dormir. 98 ENTÃO O Anton é um francês, aportuguesando o nome daria Antão. Por causa dessa brincadeira do Antão, fiquei, Então. Então, o que quero fazer? Repondo sempre, com prazer. Não é um nome feminino. Então, o que se há de fazer? Até eu já me trato por Então, é assim. Ana Silva ou, Então! Ana Silva 99 VAZA O Ás não era de trunfo, caiu sobre a quadra no corte. Ao lado,
no
corte
de
ténis,
duas
mulheres
gemiam
intensamente. Duas em dois campos, quatro. Os quatro
maridos, jogando à bisca. Não se sabe na mão de qual foi a jogada inicial, também não se sabe quem chegará a uma bola de jogo. Ora bolas! Esta expressão de desagrado vale para a ignorância em geral, a sabedoria é o trunfo. Com ela, até consigo acabar o conto, marcar ponto, cortar mais uma vaza. Já está, joguei o Ás!
XV 100 HISTÓRIA Gosto de histórias curtas, excluem a possibilidade de se transformar em grandes dramas. Pode morrer, falhar, perder por completo a razão, em suma, perder. Como tudo é rápido, tudo é decisivo, nada é dramático. Vibra o golpe, incisivo, decisivo! A história? Passa à história… passo à história, podia começar agora, acabou. 101 PORÇÃO DA VERDADE Sento-me a escrever, esperado o tempo necessário para levar até ao fim da página: a bênção das palavras. Crente de ser abençoado pela sua presença, faço orações. O meu
terço inexiste, a minha crença idem. Uso o ritual da escrita na sua suficiência de ser necessidade. Gozo com a ideia que me conduz, duma preposição à porção de verdade capaz de lhe dar nome. 102 A SUBSTÂNCIA DO AMOR Procuro a substância do amor nas histórias que não sei contar, são as melhores. Deixam-me insatisfeita, desfeita, inconsolável. No seu insondável bojo encontro a baleia, da qual espero sair, como uma ideia de mim mesmo tida. Amamos o que amamos, somos o amor que damos e é só isso. Quando tiver ciúmes terei pesadelos, acordarei com a substância do amor. 103 DE ANTEMÃO Um dia, contando a história de alguém, contarei a minha história. Será semelhante a esta, já que esta sou eu. Sem tirar nem pôr, acabo a depor, a favor ou contra. O que conta é quem decide e eu só sei como tudo é igual, enquanto procuro a diferença. Isto é exatamente um sintoma de pensar, mesmo sabendo, de antemão, nada compensa a
ausência de um bom sonho. Sem hesitar sonho, nem preciso de histórias, deixo-a chegar como o sono, de antemão. Já o tenho, agora, vou dormir. 104 O PROBLEMA DA PERCEPÇÃO As pessoas tentam explicar, umas às outras, o que percebem. Perdem o seu tempo, tentando aprofundar, o significado das palavras. O significado de inconcebível, resulta da percepção do que não se consegue conceber. Inconcebível, tendo o mesmo significado, têm significados diferentes para pessoas diferentes. Isto explica-se, tudo se explica. Nada resolve o problema de percepção: o perceber, ser mais o que se sente e menos o que se pensa, raciocina, entende. Entende? 105 O QUE ESCREVI POR ESCREVER… (…) * Uma brincadeira inocente escrever versos? Creio que não, por isso, nunca os deveria escrever. Gosto de ser inocente, nunca escrever mais do que as palavras, sem deixar à forma uma intenção por demais evidente e grandiosa.
Coisa de quem ousa desafiar as limitações da prosa, dando-lhe o seu verso? Ah, seria tão bom, ambicionar a Rosa! Como "nada do que é humano me exclui", incluo versos procurando chegar a este reverso: * posso escrever beleza em pessoa sem nunca ser quem escrevo tentando escrever apenas e só o adjectivo do que tento ser nem sei se é mais a dúvida ou se apenas a certeza valeria para cumprir dos versos destino onde tento chegar ao ponto de… deixar as reticências tomar conta do que disse e deixei por dizer Mina 106 DÍNAMO/DINÂMICA As minhas histórias são contos? São contos em cantos, com elas escrevo um romance. Quando acabar, estou
pronta a começar de novo. Dum modo cíclico, igual aos dias, iguais e diferentes. Sempre diferentes, tirando aqueles que, como hoje, ainda não passaram. Não passam, duram, têm uma história associada. São iguais a pilhas, fornecem energia própria, até se descarregar a sua memória. Histórias são dínamos, hão de ter leituras, que lhe dêem leitura.
XXVI 177 APALPAÇÃO Acabou mais uma esferográfica. Se deixasse passar em claro, não me ocorreria estar agora… às escuras, apalpando da importância ao acontecido. Apalpação terminada, no terminal duma história mal começada. 178 ESPÉCIE DE VAZIO Agora pararia de ler, indo dormir. Ficou uma espécie de vazio, parecido com algo de sensaborão. Apetecia traduzir por “sem sabor”, dando tempo a ultrapassar esse algo. Instalara-se um diálogo de mudos, ele não cedia, a
mudança era muda; ele, teimava em tentá-la. Ela não o ouvia, até que desistiu de nada conseguir dizer. 179 QUASE ESPECIAL Ela era a mudança, estava muda, imóvel. Continuara a escrever, dava origem a novo conto: vazio especial. Tinha adquirido quase um personagem, o quase perturbara-a. Já estava a reocupar o seu lugar, deixar-se ficar nos seus textos, segurando o leme. 180 FAZ DE CONTA Suponhamos que encontro o meu personagem, o mais fácil seria imaginá-lo, o que faço em seguida. Imagino-o, como imaginamos o que pensa algum novo conhecido. Fico-me por estas tentativas, micro histórias onde, sem contar, conto contar-me sem conseguir decidir se conto ou não conto. Conta fazer de conta? Fiz de conta, acabei. 181
BELA ARTE Imagino tenhas conseguido mais tempo, estando agora disponível para ler e escrever. Procurando o prazer das Letras, as quais poderiam ser uma das Belas Artes. Reclamo o título, dando por mim a aplica-lo no singular a este… conto singular. 182 INDIGÊNCIA Enquanto volto a pensar: O que estou a pensar? Começo a convencer-me de minha indigência, apenas aceitando ser a fome de quem não tem apetite e apresenta náuseas e dores de estômago, testando em palavras o que não sente sem elas? Sem relutância, aceito com relutância. Reluto, como quem espera ficar de luto. Da luta, perdida e acabada,
humana,
envelhecida
e
aviltada,
real,
envelhecida, e evitada? 183 OBSERVAÇÃO Enquanto as horas passam e continuo a ler um livro que pareço desconhecer, sem haver influência capaz eliminar a
sensação. Dela faço uma observação, desenvolvendo o que poderia ser um comentário a uma situação, algo inopinado, surpreendente.
XXVII 184 NU ENGODO Compreendo que não possa ser lida como escrevo, por esse motivo escrevo para ler. Acontece muitas veze já saber o que vou escrever, mesmo assim, há todo este gozo delirante de sentir o perfume. Aspirar o perfume das palavras é o tema, o título, o tudo, o todo, nu engodo. 185 INFINITA INSPIRAÇÃO O poeta apaixonou-se pela ideia da Musa, eleita panaceia de toda a frustração e falta de ar, inspiração infinita. Pego na mão do poeta, coloco-a na minha e espero uma lágrima que queira rolar. Querer dar outro fim deste, uma loucura. Movo-me em círculos, para aqui ficar, para não afastar. 186
CARAS FUGAZES NA NOITE Olhando em movimentos os rostos que passam à noite, fico uma impressão curiosa. Da qual, tentando agora conseguir a descrição, encontro uma dificuldade insuspeita. Como se nunca tivesse pensado nessa dificuldade, descrever um rosto. Dou esboços de desenho? Ideia insuficiente para me distrair da importância da iluminação, o como os rostos parecem atrair a luz, acima do pescoço, emoldurados no cabelo. Caras, caras fugazes na noite… 187 O FOGO Os óculos apoiam-se sobre nariz, descansando as hastes nas orelhas, os olhos vêm, através das lentes. As palavras, ampliadas; crescem devagar, formando o conto. Quando nada mais houver a acrescentar, tiro os óculos e não quero ler o que escrevi. Perdido o foco da história, faço-me no Foco, sem precisar de reler, esta acabada. Atinjo a forma final. Ao nomear: O FOGO 188 COMPANHIA À NOITE
Faço companhia à noite, pode ter adormecido, não sei se isso é possível. Como não sei nada, resolvo esparvoar: há duas possibilidades a considerar, sobre o que reconheço ignorância para me distrair enquanto escrevo? Não sei se faço companhia à noite, julgo que me ignora; se a noite dorme, não ouço ressonar, não faço ideia, impossível saber. Mais uma vez, lá me meti a fazer mais um conto: companhia à noite. 189 OLVIDO Quando estava quase a acordar, pensei que estava a ter um sonho, acabei de acordar. Pegue no meu caderno, resolvida a tentar fazer histórias matinais. Na verdade tenho que confessar, nem um sonho insignificante, tudo no olvido. Bom, deixo esta palavra ao pé do ouvido, hoje, agora, de manha, a história é esta. 190 PASSADEIRA O sujeito atravessa a rua na passadeira. Não há carros à vista. Está distraído, para a meio da passagem, interrompea. Quando volta para trás, já um carro começa a aproximar-
se. Sai da estrada e volta pelo passeio, no sentido inverso à sua chegada à passadeira.
XXVIII 191 MOMENTO DE IMPASSE Antes, coisa de, nada quantificável, agora mesmo, julgo estar a ter uma premonição. Pensei passar por “um momento de impasse”. A folha está a acabar, vou no seu verso, quero acabar de o preencher: é um momento de impasse, no verso da folha. Só tenho a certeza de acabar, no momento em que ultrapasso o momento anterior, depois. 192 TEORIA Conto da noite. Tudo tem uma técnica, admitindo a ela corresponder o modo de fazer, em tudo que é feito. Pensar é mais elaborado que sentir? A técnica dos meus contos deveria questionar esta interrogação primordial, como são curtos a sua técnica não se prende a dar desenvolvimento a teorias, esta é a teoria.
193 FIO DA MEADA Gosto de ler a partir das palavras que escrevo, à noite posso estar com muito sono, mesmo assim, consigo ler. Nem preciso pensar se continuo a seguir o fio à meada, tenho essa estranha ideia de o fio da meada me seguir. Sou como uma gata, brincando com uma bola que se desenrola. Com sorte, ainda não tenho a má recordação dessa bola ser reclamada com desagrado, por eu a deixar meia desfeita. 194 CONTINUO A PENSAR Não haver duas maneiras diferentes de ver as coisas, por não haver duas iguais. Anular a diferença, com a diferença. Que diferença há em ser diferente, se tudo é diferente? Os pensamentos, enganam-nos, mas continuo a pensar, dãonos melhores histórias que os próprios sonhos. 195 INTERESSANTE DESEJO
Acredito que a imortalidade é o mais interessante desejo humano, forma mais transcendente da transcendência. Inventar a alma será divino para quem se engana com as crenças, difícil para não dizer impossível é, para quem sabe, serem as crenças baseadas em fés, alimentar pior engano. Nada as suporta, apenas um desejo infundado, fundado na irracionalidade. 196 UM FACTO Caminho atrás da sombra que fugia, dobrei a esquina, perdia-me. Não deixou rasto, é um facto. 197 CONTO SIMPLES Se nascesse uma de minhas histórias, nasceria debaixo de água. Viria à superfície para respirar, sem choro. Poderia, quando soubesse escrever, desenvolver contos: simples, com a respiração necessária para dar umas braçadas. Boa, boa!!
XXIX
198 MÓRULA O tempo começa em contagem decrescente, desde o primeiro vagido de alguém saído de… uma vagina. Envagino entrar de novo no casulo da metamorfose inicial, indo até à mórula. Paro e fico, deixo(-a). 199 TERCEIRA Isto de acordar e escrever uma história, é uma grande léria. Bem, levo a coisa à séria, não quero interromper a série… o bom, Bom mesmo, é nem me dar tempo para pensar. Passo onde chegue: Cheguei! E o eco, é oco silêncio. 200 SANDES Publico as minhas histórias com um dia de atraso, dou-me 24 horas de tolerância. É uma tolice, como outra qualquer. Quando corto a história, abrindo-a. Sirvo-a com o que tenho. Publico-a depois de ter feito a digestão, quando for passada.
201 ESTA… JÁ ESTÁ! O conto de ontem é curioso, muito curioso. Com não o esqueci, guardei-o… Levanta a questão de saber como consumimos as histórias, também com as fizemos. Está lá tudo! É como esta, vai surgindo, é esta… e pronto, num estalar de dedos: – Já esta! 202 RETICÊNCIAS Enquanto não te mando As Cartas, escreve-as, uma boa ideia. Mandar ou não mandar, eis o que se irá fazendo… Adoro este alongar do tempo, reticências. 203 A CARTA Reticências ou A Carta, se a última história foi… Reticências, seja esta: A Carta. Uma emocionante história de suspense, A Carta, fez parte de As Cartas, uma curtição. Contos curtos feitos com paixão. 204
ANTES DE DORMIR Começo a ler uma história, ao fim de meia dúzia de páginas ainda não consigo perceber que história é que vai ser contada. Nesta altura, decido contar eu qualquer coisa. Ler o que me vai na alma, o que é sempre bom. Vou fechar a luz e dormir, já abri o dia de hoje que será o dia de amanhã. Não tarda está aí a madrugada, espero-a a dormir, o que até é costume.
XXX 205 JORNAL DE PAREDE Penso na minha mão esquerda, a direita fica sem saber que escrever. Escreve de forma automática, desenvolvendo uma história onde os contornos mergulham na linguagem. À esquerda, à sinistra. Desta forma dizem em italiano, registo. Imaginando escrever num mural, jornal de parede, de forma anónima, incluo este comentário. Tentando a fábula, um cágado passa correndo cagando-se para a história. Na verdade sou eu, metaforicamente dita :)
206 AINDA HÁ POUCO Apeteceu-me pensar pintar as unhas, algo que não me apetece fazer de todo. De imediato estou perante a certeza de não ter de ir contra os meus desejos. Uma felicidade meio inconsciente me torna consciente desta felicidade simples, como as coisas simples. É o florir da ideia e… deixa-me rir, contei a história que queria. Bem certo, ainda há pouco, não a sabia. 207 SOMBRA APÓCRIFA Movia-se como uma sombra, sem nada que a projectasse, ideia apócrifa. 208 UMA FRASE Quando me deitei, passei o conto do dia, uma frase. 209 OUTRO CONTO Outra frase se sucedeu à primeira, outro conto.
210 CURTA As frases foram encurtando, curta(s). 211 POSSESSÕES Quando me deitei a escrever, já estava na cama. Espraiava as ideias, como se fossem poções, eram possessões.
XXXI 212 CRIADORA No momento crucial, tirei o momento e crucifiquei-me: criadora! 213 PERSEGUIÇÃO Tinha destas coisas, a ideia de sacrifício perseguia-me. 214
O VAZIO Quando pensei que ia cair no vazio, o vazio, como uma rede, segurou-me. 215 DESTINO INCERTO Começo a escrever esta carta, desejando vê-la como guião de coisa nenhuma. Um camião onde apanho boleia, dizendo desejar ir para um destino incerto. 216 PASSADO AO LADO Chegada ao destino, não o reconheci, pensei ter-lhe passado ao lado. 217 CÃO ABANDONADO Sem me convencer do meu falhanço, deixei que o falhanço me convencesse e disse não ser meu. Adorei a emancipação, abandonei-o. Quanto a ele, não se deve ter
sentido abandonado. Imagino-o à procura de dono, imaginando-se: cão abandonado. 218 NADA A FAZER Não havia nada a fazer ou apanhava chuva ou… decidi não apanhar chuva.
XXXII 219 NUM RÁPIDO Pronto, fiz a minha carta, num rápido. 220 A VER PASSAR O COMBOIO Sempre gostei de ler a andar de comboio, a ver passar os comboios é diferente? Vai passando este, deixo-me ir nele. 221 HISTÓRIA NADA INFANTIL
Noite, a palavra acesa. Acordo este desejo adormecido durante o dia, escrever. A andorinha conversa com o gato, recortados em cartolina. Colagem em fundo azul, gato preto, andorinha branca. Duma precisão nada infantil, a minha história de hoje. 222 APOSTAS? Aprendo a chegar ao verbo esperando que ele resolva a acção de acordo com a sua natureza, acordo e não é nada disto. Não sei porquê, acho que seria o certo, para contradizer. Um pouco do hábito humano de permitir as apostas, esta que resolvi fazer. 223 AS PALAVRAS À MÃO A dor meço, zero, sono: adormeço. Apenas um faz de conta, a história. O mesmo do costume, as palavras à mão. 224 CARA E COROA
Procuro a excepção que confirme a regra, roda a ideia não passa de um jogo de palavras. Primeiro bem a excepção, fica com regra. Como? Quando a regra a confirmar. Tudo coisas no ar, um jogo de cara e coroa, uma moeda jogada, antes de cair e parar, cara ou coroa? 225 PÔR DE SOL Acredito que nada sobrevive ao esquecimento, é isso o que sei. Hoje escrevi mais uma história, destas sem contar nada. São as mais recheadas de acaso, fazem dum caso a sua origem ocaso. Termino esta, começada para se imporse-sol.
XXXIII 226 DORMIR Dia de viagem, deslocação, mudança. Encontra a história, ensaiar a dança. À noite, ainda a noite é uma criança… falar do sono e procurar o sonho com a vontade de dormir para descansar.
227 HISTÓRIA DIÁRIA Presumivelmente, uma palavra entra na cabeça e fica por aí… escrevo a ver se passa, mas não passa. Fica à espera, enquanto escrevo a minha história diária. Uma linha, duas linhas, de preferência três linhas. Já está, é só nomear. Presumivelmente? 228 1 PACIÊNCIA Parei antes de terminar uma página, o que me faz retomar o que estava a escrever, até a acabar. Já estou a escrever como costumo fazer, divertindo-me sem pensar noutra coisa, seguindo a musicalidade das palavras e adentrando o jogo infinito dos sentidos, permitindo-me sentir o gozo deste jogo. Uma espécie de paciência onde jogas as cartas,
tendo
por
desafio
saber
se
te
consegues
desenvencilhar delas. Chegar ao fim e ter usado todas as cartas, todas as palavras… 229 2
EXPERIÊNCIA Ser pouco paciente, nem sempre é verdade. Vou ficar à espera
de
saber
se
amanhã
chego
aos
três,
desenvolvendo nessa ocasião o que possa escrever de novo. Será noutra página, a qual – poderemos tentar ver – como sendo o verso desta primeira. Vou terminar, para tanto faltam estas linhas, nas quais desenho, como se estivesse a traçar nervuras, segue-se o rebordo do limbo, até chegar ao pecíolo e fazer o pé da folha, sem traçar qualquer rodapé… Deixo para amanhã o que amanhã escrever, vamos ver ;) 230 3 EMINÊNCIA Na eminência… 231 ANTES DE APAGAR A LUZ Uma nota pessoal nas histórias dá-lhe uma luz muito própria, móvel, bruxuleante com a luz das lamparinas.
Procuro acender uma dessas velas de pavio curto, antes de fechar a luz. Pois essa é, esta história. 232 VIDENTE Uma mulher, um pouco mais que imprevisível, vidente. Daquelas que não sabe porque vê, nem abre os olhos, sente! Um arrepio rasga-me, nem um pio, dizer o quê? Partilhar certezas a procura de confirmação, vais acabar de escrever, já escreveste. Descrente, acrescento mais um ponto, antes de o fazer, parágrafo.
XXXIV 233 DESCANSO Virar a página é sinónimo de passar à frente, coincidente neste caso com recomeçar? Anotar, esta será a resposta à pergunta. Feita para encontrar uma história para este momento, registando-o. Escrevi sem esforço, para ir descansar; descanso. 234
PROCURANDO POISO Maria sentou-se para escrever, virou João. Perante a indefinição, pariu um cão e fez: au, au. No momento seguinte, agitando a calda, deu-se por feliz e foi caçar borboletas ou outras tretas, leves como ela, ou elas. As borboletas voaram, deixemo-las poisar. 235 ABRE PARÁGRAFO Agora fica a escuta, só que, agora, parece uma palavra gora. Igual ao um ovo goro, não vale a pena chocá-la. Continua a aquecer, quente, na febre do repente, esperando passe. Logo, logo passa, fico aqui. Cheguei no ponto final, vou fechar o parágrafo. 236 PARÊNTESES ABERTO Uns têm jeito para contar história, outros para se meter nelas, há quem as tente evitar, limito-me a considerar serem inevitáveis. O meu jeito, depois de as começar, é ter de acabá-las. Tenho predilecção pelas desprovidas de final, imagino sejam parenteses abertos. Neste momento achei
que este poderia ser singular; escreve-se na mesma parenteses, mesmo aberto e singular. 237 O ESTORVO Se pudesse escrever com duas palavras, evitaria escrever três. O supérfluo torna-se ambíguo, ao não acrescentar, retira. Se não retira e não acrescenta, é um tropeço, estorvo, o que se queira. O estorvo está lá e não se quer nada dele, resolvo dá-lo como dado adquirido. 238 DADO ADQUIRIDO Saber o nome dum conto pode ser um dado adquirido, pouco adianta? É tanto ou tão pouco que, em casos extremos, encontramos este nome em letras maiúsculas. Não foi o caso, nem em minúsculas o encontrei. Nestes casos, temos que procurar o nome com cuidado. Quando já pensamos nele, mesmo ainda não o tendo escrito, tudo se torna mais simples, é o caso deste. 239
FORMALIZAR Imagino-te a ler algo que ainda não escrevi, diverte-me estar a considerar pensar o que possas estar a pensar. Estás a ler a confissão de uma ignorância completa, junto a esta acabo por me introduzir uma consideração que me apresso a tentar formalizar. Em (re)alizar acerto na terminação, com a forma completa… é tudo.* *é tudo? Nunca é tudo, mesmo quando é tudo. Alizar uma forma, tem muito que se diga.
XXXV 240 (A)TEATRAL A mais completa das histórias está sempre incompleta, veja-se esta história. Quando estiver acabada, mesmo dada por incompleta, basta perguntar: - Para que serve? Como uma fala, chegamos ao teatro. Sempre nos fará sentir como, perante uma fala, sempre nos devemos interrogar sobre a importância da representação. O melhor, o mais seguro é evitar ser teatral.
241 PARA ACABAR A ACÇÃO Contar
histórias
obriga-nos
sempre
a
procurar
a
imaginação como uma aliada, quando nos engana é bastante inconveniente. Sabendo isso, convenientemente, tento não ser enganado. Apelo a lógica, tentando encontrar a acção igual e de sinal contrário a reacção. Adoro começar pelo fim, para - acabar a acção. 242 INSPIRAÇÃO: (A) MINA Meus contos sou eu, Cinderela de qualquer hora no momento do dia. Quando escrevo e descrevo, tornando escrito um tornado. Entro no vórtice e respiro, centrípeta, a centrífuga, a força de viver: a inspiração. 243 HISTÓRIA EM SI Já há muito que desisti de escrever romances, o único romance ao qual dedico atenção e dou corpo, escrevo-o com a vida. Ficando nesta área curiosa de ser curioso sobre a curiosidade, sem ao certo saber se isso sai pelo cu
ou pelo riso. Tudo parece pois passear-se no interior das palavras, procurando em um rio capaz de me levar ao mar. Trata-se apenas, numa imagem capaz duma geografia cuja satisfação com ou sem c, continuarei na mesma. Promessa incapaz de me levar a ganhar. Paraíso, muito menos a ganhar juízo. Desnecessário mostrar onde baseio a minha opinião sobre a inaptidão para romancear, a preocupação com as histórias transtorna a beleza das histórias que mais aprecio, só depende de si. 244 ATÉ ONDE QUERO Agrada-me na cama estendida a ler, o mais completo relaxe. Substituir a leitura pela escrita, apresenta evidentes motivos por mim considerados suficientes para me entreter a ler sem estar verdadeiramente atento no que está escrito. Avanço na história até onde ao que está escrito. Avanço na história até onde quero, quando quero. 245 IGNORANDO(-O)
Às vezes penso criar um personagem masculino, já experimentei. Uma facilidade desarmante, desarmou-me, para
onde
foi?
Venho
dum
encontro
com
esse
personagem, saiu sem tirar o chapéu. Comporto-me com uma mimada, ignorei a sua presença e pus-me a escrever. 246 TORPEDO Até os romancistas podem ser pessoas credíveis. Escrever ganhando simpatia e confiança, não há nada que não possam conseguir! Com isto conseguirei dizer achar ser a história contada a condicionar o leitor, mas não consigo decidir-me. “O romancista que há em mim”, qualquer frase, surgindo como uma fala, consegue torpedear-me.
XXXVI 247 SEM ME DETER Ler Torpedo só a seguir, Até Onde Quero, é uma ideia para lá da ideia em sim agrada-me pensar na disposição das coisas. Qual e a minha disposição? Estarei a respirar neste momento? Qual destas duas perguntas é mais fácil de
responder? Quando não quero escrever uma história, basta-me começar a fazer perguntas sem me deter. 248 LANCHANDO (Criar um público) Tenho de criar um público para aquilo que escrevo, vou plantar carolos de azeitona, são a coisa mais à mão. Só depois de lanchar as azeitonas, com queijo e vinho. 249 SONHO GASOSO Na manhã seguinte, depois de acordar, estranhou estar vivo, toda a noite sonhara ter morrido ao adormecer, tudo de forma a não ter qualquer dúvida. Quando começou a rever as certezas, evaporam-se. 250 SONHO MANHOSO Começa por dizer ter assistido a um assassino, sendo ele o morto. Continuaram a ouvir, em perguntas, nem mostrando surpresa. Contava com o prazer de quem sabe muita coisa,
dos
pormenores
às
maiores
considerações
sobre
resultados, motivos e fados. Começou a desafinar nos fados, a guitarra parou, a vida calou-se. Sem música, caleime também. 251 CHICLETE Desinteresso do que escrevo, é tudo mais do mesmo. Só não devo dizer a ninguém, pois caso contrário, vão perceber o mesmo. Faço, não resisto a fazê-lo. Enquanto esperam uma explicação, sempre vou pensando nalguma coisa. Se não for um balde de plástico, pode ser uma bicicleta. 252 FÁBULA MODERNISTA Espero a mosca poisar a ideia, tento senti-la sobre o corpo. Avanço a mão para a matar, para escrever. A mosca fala: Olá! Surpreendida, respondo: - Olé! Para não entrar na fábula tão modernista, fico-me pelo cumprimento, não se pensa mais no assunto. 253
CALEIDOSCÓPIO Especular sobre o artigo definido do singular de forma a conhecer a formação do Ser, a individualidade. Onde ela se faz devida, da vida vivida. Ungida das palavras, percorrida de ideias, rica de imagens, caleidoscópio de emoções.
XXXVII 254 ENCONTRO Se_ria… se ria se quiser, eu sei tanto de história ao escrever como você sabe de sua vida ao viver. Neste momento estamos no meu sonho, esta é a sua história, logo: é o osso, o esqueleto, interior da realidade, real, mecanismo de sonho, identidade e alteridade, encontro. 255 A TAL POSSIBILIDADE Estava ali e tinha uma função, as pessoas chegavam e não estranhavam a minha presença, nem que olhasse para elas. Por esse motivo, continuo convencido de ter ido para lá tomar conta do espaço. Não tenho a certeza, se continuar a contar vai-se perceber com maior facilidade.
É a tal possibilidade. 256 ACABOU Todas as histórias são normais e continuam, enquanto não as estranhamos. Quando isso acontece, somos presos por elas ou a tendência, é libertarmo-nos. Vou pela tendência… 257 FIM Vou fazer outra coisa qualquer, a história continuará. Já outra, logo veremos, sei lá, uma coisa destas. 258 NA BEIRA DA PISCINA Apetece-me bater à tua porta e entrar, levando o penteado do costume, as calças de jeans, uma camisa a condizer, deste modo entrando. Ir para a sala, falar como aluada. Tu tudo aceitando, como quem descobre estar a ser visitado pelo Espírito Santo, tendo talvez uma experiência mística. O livro aberto na página certa para receber a tua disposição para ler coisas com um nexo circunflexo como
aquele usado em reflexo que não tem o acento, temos de procurar em âncora. Ancorada agora, um pouco mais e atraco a bóia na beira da piscina. 259 O MOMENTO PRESENTE Fica claro e evidente que nenhuma vidente me dá a ver sequer o momento presente, bem me esforço para te dar as minhas mãos enfiando as suas linhas à frente de teus olhos, até a esquizofrenia poder ser detectada e me sentir mais à vontade, reconhecida por ser conhecida nessa disfunção que funciona tão bem que não quero outra. Digo a toda a gente que sou o Camões antes de cegar dum olho, todos se dão a cagar para a minha informação, vingome a falar mal e pronto: escrevo cagar com todas as letras, deixando-as cair uma a uma a c a g a r aos bocadinhos, como uma cabra… 260 A REINA PREGUIÇA Experimentem escrever enquanto esperam o pequenoalmoço de domingo, está tudo dito, é bonito! São histórias
de embalar o estomago que acabam por chegar aos pés, enquanto não, a preguiça reina.
XXXVIII 261 SATISFAÇÃO Quando o final é igual ao que desejamos, chega como uma satisfação. 262 DESARGUMENTO O Espírito Santo na sua versão feminina é uma menina a pensar como seria Ela se fosse Ele, a trocar-se todas nas Três Pessoas, sem nem sequer saber se as devia escrever apenas "três pessoas" anónimas, enfadadas, chateadas com o rumo que está a tomar o mundo, onde três em cada três pessoas já descobriram que a luz ao fundo do túnel, a existir, é dum comboio filmado dentro do túnel e saindo a toda a velocidade em direcção a Passárgada que fica muito longe, não tendo provavelmente linha de comboio. Informação sem qualquer interesse ou validade para o meu desargumento… argumento eu.
263 FAZ PARTE
Satisfação o desejo, dêem-lhe de comer, adormeçam-no acalentando-o. Terão menos preocupações, engordaram. Se não engordarem é um bom sinal, o amor faz parte dos vossos desejos e não está esquecido. 264 MIM MESMA Procurando nos livros o que se deve escrever para agradar aos leitores, encontrei bons tradutores e tradutoras. Pensei “Se traduzir bem, serei alguém” e deste modo comecei a escrever para mim mesma. 265 SOU DELE Tornei-me mulher do autor que mais me atraí e é meu amor, ele escreve, eu traduzo-me. Transformamo-nos nos personagens um do outro: Sou dele e ele é de mim. 266
PURO ACASO Assim andam os dias até que, um dia, acabam. Hoje é dia e regressar. Vou viajar. 267 ANTES DO AMANHÃ Antes do escuro engolir a luz acesa, antecedido do breve clique no interruptor, aproveito para voltar às letras. Sem esquecer ter procurado um fim, para os dias anteriores, estou agora um crepúsculo onde a delimitação dos dias nos leva para o amanhã.
XXXIX 268 DOMINGO PASSADO Amanha-me com estas histórias, desenhadas a letras. Um domingo passado, com duas saídas. E cada uma um passeio. Na primeira três: por um jardim, incluindo o até o jardim, depois do jardim breve passeio e compras, o regresso delas a casa; novo passeio para ver o mar, um estar partilhado e gozado, dando uso ao gozo, prazer ao
corpo, corpo ao prazer, mais uma volta e regresso. Comer bem e beber bem, um dia bem passado e passeado. 269 VISÃO FECHADA Sempre me agrada ser cronista, sem nunca saber de quê. Descobrir motivos para a vida, uma paternidade meio obtusa, um ângulo superior ao reto, algo mais interessante que uma visão fechada. 270 VISÃO ABERTA Naufrago dos dias, imaginemos uma carta a dar a uma garrafa vazia e rolhada, pronta a por a navegar. 271 PELOS CABELOS Com dois dedos pegou num cabelo, levou-o para a luz, só então reparou, nada segurara. Voltou a olhar para o cabelo, continuava onde estava. Não acontece o mesmo nesta história, entre dedos, seguro uma esferográfica. Para não falhar, agarro o título: um cabelo.
272 CHOQUE TRAMÁTICO Um choque traumático criar uma trama a partir do nada: chegar às palavras! Ah, respirar fundo! Poder inspirar... As coisas, todas as coisas, o mundo. As funções mais inspiradas...
Descobrir
veios
nos
devaneios,
seguir
nascentes dos sonhos, fazer... minhas histórias. 273 O OBJECTO INTACTO Hoje era o dia em que ia começar o meu romance, esta seria a grande frase de abertura. A história, uma vez começada, empolgar-me-ia de tal maneira que, nem precisaria dum plano, projecto, nada: o objecto intacto, concreto, belo, adjectivo, objectivo. 274 DIÁRIA HISTORINHA (na origem de "objecto intacto") Hoje era o dia em que ia começar um romance, esta seria a grande frase de abertura. A história, uma vez começada, empolgar-me-ia de tal maneira que, nem precisaria dum
plano, projecto, nada: o objecto intacto, concreto, belo, adjectivo, objectivo... Com medo de tão portentoso projecto, errei imediatamente no tempo, ficou Passado. Eu, muito mais descansada, escrevi a minha historinha diária e… já está! Na minha diária já se instalou esta ementa, alimento espiritual para uma ateia. Tento construir uma teia, com o fio simples de me deixar conduzir, dia a dia, pela fantasia de histórias surgindo na realidade… de as procurar.
XL 275 MINA Meu nome é Mina, Diante do interesse que pode ter para quem se interesse, vou dizer um mínimo sobre a autora das histórias que venho escrevendo. Faz de conta que comecei hoje a escrever, em boa verdade, é verdade. Eu tento escrever como se tivesse aprendido, apreendendo a escrita, da própria prática da escrita, agora mesmo. A unidade básica dos meus escritos, não é a palavra, são as letras: não é a pedra… são as areias. Idealmente criaria a partir dos átomos, só se consegue desde as moléculas.
Por brincadeira sigo uma expressão ouvida, algo perdido na memória, expressão popular… "Escrevo o que me dá na molécula!" 276 A ESPADA DO ANJO Monto
as
palavras
como
quem
desbasta
cavalos
selvagens, fazendo-os dar vazão fúria, até acalmarem. Ficamos bons amigos, eu e os cavalos. Não sou uma mulher, sou uma amazona guerreira, uma valquíria! O que me vale é o Anjo Miguel a emprestar-me a sua espada… posso escrever, dá para escrever. Acaricio a espada com as mãos, escrevendo. 277 PERMANENTE CONSTRUÇÃO A realidade ultrapassa em muito a imaginação, porque ela é mais imprevisível que o sonho: depois de acontecer, ainda está a acontecer. 278 O CONTRAPONTO
Minha vida não é uma historia, são histórias, fragmentos. Frases abruptas, erguidas, recortadas, fendidas penedias. Lenta erupção, criação vinda à superfície, vida na terra. Terra dura, pura e dura rocha. Ou o contraponto, leves nuvens passando no ar, recortando letras sobre o fundo da pele, envolvendo os ossos, circulando nas veias. 279 PENSO SEM SONO A realidade não carece de imaginação, ela é, em sim mesma, imaginação. Em mim mesma, eu sou a minha realidade. Na realidade, só sozinhos podemos ser nós. Nós somos nós da realidade em rede onde apanhamos a nossa realidade porque, também acabamos sendo quem pensa que somos. 280 POR ISSO ISTO Quando penso com sono e mergulho em sonhos, adormeço. Meço a alegria de sonhar, acordando sonhos! A alegria de sonhar nem chega a ser história, continua se nela, é a fazer da história: por isso escrevo por isto.
281 SER PENSANTE Há o Ser Humano e o ser humano, o primeiro é sempre visto de fora mesmo nas análises físicas ou químicas, o segundo é sempre visto de dentro. A situação não tem solução, é sempre problemática: uma espécie de pátria de onde o Homem se reclama, ser pensante.
XLI 282 MEUS SINAIS Enrosco-me como uma gata, distendo-me e chego ao prato de leite. Branco e cremoso, com nata. Bebo a sua substância e dou-a ao que faço, transformo-me numa metáfora da escrita. Absorvo a folha em branco, deixando os meus sinais. 283 QUAL QUÊ Não vejo como, nem porque, escapar à evidência, a escrita a excretamos. Uma imensa e sublime realidade do nosso
espírito, ascendendo à compreensão, numa manifestação racional. Qual quê? Até num requerimento dirigido a Vossa Excelência, humildemente aplicando, eu estou… 284 UM MEU COSTUME Enquanto arranjo as unhas, costumo pensar escrever, o que faço sem me distrair. Uso uma tesoura herdada da minha mãe, de suas mãos passou para as minhas. Quando chego ao momento de escrever, desta feita não trazia a mais pequena ideia, tive de deitar mão de descrever um meu costume. 285 ALGUM LAZER Os meus costumes não são permanente iguais a si mesmos, fazem de mim alguém que gosta de variar. Inovar porém não é uma ambição, variar será muito mais ajustado se tentar ser justa referindo hábitos e costumes onde habito o meu ser com algum lugar. Gosto de descansar da obrigação de ser de forma rotineira, seja o que for. 286
FASE TERMINAL «Uma vez concluída, a conclusão? Como encontra-la» Uma frase, semelhante a um despojo, despejada - de uma ideia incompleta – uma frase acabada. Acabada – como se diz de alguém ou alguma coisa – em fase terminal. 287 + UMA A ideia de dar um titulo, encontrar um nome para esta frase ou frases onde decerto, disserto sobre alguma coisa. Alguma coisa que, neste momento, não é outra coisa: a minha. 288 NO SÍTIO DA ALMA Fantasma duma assombração! Move-se debaixo dum lençol, sem olhos, bocas ou rosto, não deixa rasto. De frente, de costas, de lado? Os ombros decaem, olho e não vejo, penso e não alcanço, imagino e não sinto. Posto o fantasma toca-me a alma, nem assim, não sei onde o sinto.
XLII 289 MEU FALAR Encontro o hemisfério Sul ida de Norte, sou a corrente magnética, atravessando o núcleo do planeta, orbito em traslação ao Sol, faço da rotação destino, de pião veloz, assobiando à velocidade audível dum som, capaz de cantar, contar e nada dizer, transformando a fala em meu falar. 290 BUDA Ri, não reclama, não aclama, é Buda sentado em posição de lótus, plantado no seu sorriso, enraizado como planta, dando flor em seus olhos e boca. 291 CARÍCIA Gostava de viciar neste hábito, ao qual teria de imaginar, para o vício, corresponder algo de mal. Capaz de modificar, adoecer. Porém, nada de errado se doa ao ser, nada me
dói dador de dor. Antes reconheço uma alegria infundada, superficial e fátua, pro e densa, delícia se pensa, carícia se passa. 292 TEATRO ÍNTIMO A biografia sou eu, depois de ser amada, toda cremosa, recheada, uma tarte e luxúria, enrolada, aspirando ser espiral infinita do movimento, enterrado no gozo do veio, num vai-e-vem em exploração espacial, sempre especial, tesão! A biografia, esparramada, espalhada, depois do acto: Teatro Íntimo. 293 CONCEBIDO O texto, uma vez concebido, tem se ser parido. A par de ido, ele será vindo. Indo e vindo, entre a concepção e a procrastinação. 294 ANA & MARIANA
Vou escrever um conto sobre um romance, crente de poder servir de guião, pára. Fica para um romance partilhado por Ana e Mariana, filhas de Maria, com uma avó Ana e outra Maria. O marido de Maria tem Mãe e Maria, a mulher. Na família não há confusão de Marias, já Ana e Mariana podem ser confundidas, são gémeas verdadeiras, até de feitio parecidas. Têm a particularidade de não se importarem de ser confundidas uma com a outra, desse hábito resultou responderam indiferentes por Ana ou Mariana. A ideia é, se não me importar do que me peçam, não me importo de fazer; Suponho a minha irmã poder estar a fazer outra coisa que me tivesse cabido. Os pais distinguem Ana e Mariana, quando podem ver uma cicatriz na Ana, uma marca de nascença na Mariana. Uma e outra não são visíveis, raramente são usadas para tirateimas. Da maneira de ser das raparigas, chegadas à puberdade
geraram-se
situações
caricatas,
todas
ultrapassadas quando começaram a namorar Manuel e o António,
irmãos,
muito
parecidos,
disponíveis
para
confundirem as respectivas namoradas. Em vez de dois casais, formaram uma quadrilha. Terminados os cursos, cada casal seguiu seu curso. Encontram-se e ficamos sem certezas sobre com gerem a sua vida, em termos de partilha da identidade de cada uma das personagens centrais na nossa História.
Levantada a dúvida deixemos que fuja como uma lebre, ficando os caçadores sem presa na pessoa da lebre. A lebre acabaria a história dizendo ter chegado ao fim de sua fábula e passando a fábula à irmã. Como? Enviando e assinando Ana ou Mariana, dependendo do computador de onde escrevem. Deste modo, antes deste conto, só Manuel e António sabiam do seu hábito de trocarem de portátil para ler contos. Ausente da pressa de chegar, já cá estou. Pronta a acrescentar uma realidade literal, completa e que só falta acabar. Escrito, ainda não colo um papel branco nas janelas, deixo apenas esta ideia devoluta; Retiro a roupa ao texto, senta-se numa sala de desenho, aí o deixo a servir de modelo a principiantes. O texto é a minha personagem, junta-lhe uma personagem tua, caso queiras fazer Ana & Mariana. Ana Hoje estou como ficou a história, adorava se me retractasses. 295 PAIXÃO INCENDIÁRIA Ana estava a desenhar o seu texto, vestindo-lhe a roupagem duma caligrafia inventada pela imaginação dele
“testo”, como ela imaginava. Ela era a personagem dele, mas foi-o despindo, até não conseguir continuar uma história de amor que, sem saber como, crescia como uma paixão incendiária.
XLIII 296 ÚLTIMO MOTIVO A história fica como me deixaste, empolgada na tentativa de te retractar. Pensamento, quiçá, quiçá, quiçá… estar a retractar-me. Mariana Como fica a nossa ideia de registar um micro conto cada dia do ano? O meu, uma paixão… Hoje daria destaque à ideia de integrar um dueto, acrescentando
a
cada
micro
conto
uma
frase
de
apresentação. Já só falta a “frase de apresentação”, uma despedida sem deixar marcas emotivas ou sentimentos, se possível, um último motivo. Curioso
acrescentar
um
companhia dum pós escrito. Ana
comentário,
dando-lhe
a
Escreve só amanhã, sabes como gosto de pensar estar a “Responder na Hora”. 297 MANUEL & ANTÓNIO IMPRESSÕES Comentam os micro contos de Ana & Mariana, Manuel comenta Ana, António Mariana. Imagino sejam leitores privilegiados de uma e outra, sem emails? Imprimindo e registando… As impressões colhidas!? Compadre, espero gostes da polissemia dada pelo Gato de Botas, aquele que fala e não mia, sabe tocar piano e falar francês. António As manas estão cada vez mais criativas, gostei da quadrilha, de quem terá sido a ideia: da Mina… 298 PERSONAGEM E INTÉRPRETE Estou em crer ir “Escrever na Hora”, sem dar conhecimento à minha personagem e interprete? Bom, já fabriquei o meu título, aguardo e deixo seja original e exclusivo dela: Escrever na Hora.
Já sabe, seremos os pendurados à boleia da ideia, nada a desprezar. Manuel Imagina-me a fazer um auto-retrato deixando-a pensar estar a fazer um retrato. 299 PÉRIPLO Um autor é um outro, de todos os outros que para si foram autores. Ser autor, autora… Autoriza a fecundação da escrita. Deste modo, aos poucos, vou pensando em Mim. Pensando em mim, admirando Assim & Mim. Ontem dei por mim a fazer um estranho périplo por outros, hoje escrevo-o voltando a Mina onde garimpo. 300 PALAVRAS PESSOAIS Palavras Pessoais, são palavras, palavras pessoais encontradas em périplo. A dúvida se elas voltariam de novo, já não é uma dúvida. Certeza, com certeza, está a ser: a doce ideia de fazer do sonho pensamentos, ou das ideias, palavras: palavras pessoais, pensadas no final de
périplo, onde as subtraí, ficando com a ideia de as usar, Palavras Pessoais. 301 O BIÓGRAFO O biógrafo, voltando ao passado, faz da minha vida o que ela foi. Junta o que é com o que já não é e, obtém o que nunca foi, projectando-me na ficção. Gosto e me ver num espelho de palavras onde me projecto, olho e vejo o biógrafo a piscar um olho… 302 37 LINHAS Devia escrever “36 linhas”, se a história começasse só, depois do título. Faz parte da história, mesmo porque… Gosto deste bordão onde é possível apoiar o peso da razão, uma explicação. O porque é o porquê, vou dar uma para este conto. Ele abre, começa um novo caderno. Deste modo… Abandono o uso de bordões, ponho a tónica na materialidade. Olho a realidade fonética da língua, da sua acentuação, passo à realidade plástica, volto ao suporte físico. Sem dar tempo a deixar derrapar a observação,
deixo-me atrair pela tabuada dos 7: 7X1 = 7, 7X2 = 14, 7X3 = 21, 7X4 = 28, 7X5 = 35, 7X6 = 42 e já ultrapassei as 36 linhas, deixando-me orientar por parágrafos de 7 linhas. Qual a utilização a dar à última linha? Surge depois de uma mão cheia de parágrafos, todos os que quero para esta história. O que me dá a entender ter, para a última linha, duas hipóteses mais evidentes a destacar: usar a última linha para escrever, Fim; dar uma autoria ao texto, assinando-os. Deixar uma interrogação, alguma coisa surgida do Além? Se a história começasse só depois do título, a qualquer momento, de forma inopinada, a história não teria título. Se virmos bem, essa realidade assenta perfeitamente no nosso caso. Um caso. Um uso referencial, permite isolar o título e tirar-lhe toda a importância. Esforço-me em conseguir dar essa leitura, no desejo de transformar o último parágrafo num momento completo e decisivo. Sou quem sou e quem me desafio a ser, não me imagino fazendo parte duma quadrilha. Apenas por não me ver como Fora da Lei, nem dançado danças folclóricas. Ana ou Mariana? Namoro um nome, para poder deixar assinatura. Um nome, dando uma dimensão tão física como aquela que é determinada pela folha. Por fim… Ana
XLIV 303 DE MÃO DADA Completar o que escreveste, preenchendo o verso da folha, é algo com duas possibilidades diferentes: completar ou preencher o verso, sem preocupar em completar nada onde se veja um reflexo de 37 linhas. 37 é um número primo, só divisível pela unidade e por si mesmo. Deixo de fora a ideia da quadrilha, sou tentada por quadras derramadas em prosa, onde tentarei chegar a versos, explorando a Poesia Popular. Desce este momento, tenho meia dúzia de parágrafos, até escrever quatro versos em oitavas. Tendo por tema: U ma qua dri lha de ver sos, digo, os ver sos de uma qua dri lha. Em rima rica, teria de rimar com ilha; cilha, quilha… Pensar Poesia é uma ocupação que implica uma técnica capaz de auxiliar a Prosa? A resposta, subjectivamente, vou-a dando assumindo positivamente um rigor onde se espelham preocupações de reflectir (o) objecto. os versos de uma quadrilha dançando despreocupada ao compasso do mar na ilha sobre a praia ocupada
Despreocupada/ ocupada, gostaria que tivessem o mesmo motivo, alguém por exemplo. Despreocupada, pertence à quadrilha; ocupada, praia. Ultrapassar este dificuldade, começo a encher de suspense a história. Qual dos versos irei mudar, é bom resolver o impasse: ro dan do to dos de mão da da. Mexi no último verso, e fica um imagem poderosa, um grupo dançando ao som das vagas, com uma alegria em cenário puro. Reflectir (o) Objecto; Reflectir Objectivo, Cenário Puro, procuro um terceiro título, para me decidir por qualquer um deles; apontando no último, depois de reler a quadra, talvez conseguindo encontrar uma leitura para ela. 304 RODANDO DE MÃO DADA os versos de uma quadrilha dançando despreocupada, ao começo do mar, a ilha, ro da em vol ta de mão da da 1 2
3
4
5 6 7
8
Gosto desse versos limpos, sem marcas de pontuação, nem um começo de frase. Erradicar a prosa dos versos, é uma boa ideia. António
Ainda estou a dançar sozinho, como um Dervixe tentando alcançar o êxtase! Manuel 305 ABÓBORA Quando
me
deito,
quase
sempre,
recosto-me
nas
almofadas. Às vezes ponho-me a ler, leio. Outras vezes estou distraída, escrevo. Nesta forma de leitura, procuro histórias. Se encontro uma, conto um conto. Às vezes não contam, não sei o que sejam. Não desisto, penso “Que nome dar a isto?” Acontece acabar por ter sem pensar: a Lua em forma de abóbora, é abóbora! 306 BALÃO Vontade de dormir, apenas isso. Uma primeira ideia e logo estamos a usar palavras, o que permite escrever. Viajar no tempo e espaço, uma história. O acontecer das ideias, sem fazer esforço. Procurando-as na sua forma gasosa, para encher balões, um balão. Imaginemos um balão de banda desenhada – Boa Noite!
307 O MEU FADO O importante é a mala, não esquecer a bagagem. Amá-la como se nela transportasse todas as minhas memórias, uma vida inteira. Levando-a vazia, com um dvd cheio de filmes por fazer, com músicas e letras. Tudo devidamente separado: o meu fado, cheia de ironia ;) 308 IRONIA A ironia por conta da Mina, uma personagem que não assina. É sina, parece que tudo tem de se inventar, até os personagens! As pessoas são assim, Assim pelo menos é. Só escreve, não diz nada que se ouça? A fala reduzida à expressão escrita, é impossível! Como a teimosia das mulheres… Chamem-lhes mulas, os insultos não valem uma boa chibatada! Mina 309 A MALA
Mina, a contraditória, uma contadora de histórias sem história. O tempo e o espaço, antes do BIG-BANG: onde o Big era pequeno e o Bang sem som. Sou o que sou, a que sou, a que soa? Nada, ainda não oiço nada, nada ouve ou houve? Ouço o oiço, é o que oiço… Ou ouço? Um BigBang em forma de ouriço-cacheiro explode, atirando espinhos em todas as direcções. Apenas um dos espinhos, a alguns anos-luz, chega ao final da viagem. Na verdade a viagem não tem fim, a mala… o melhor é amá-la, leva memórias.
XLV 310 O OPOSTO Tudo acontece, depois de acontecer, aconteceu. Começa com a primeira palavra, segue-se uma frase inteira. Pode tardar, muito ao pouco, acontecerá o mesmo ao texto. É preciso esperar? Uma consideração a considerar, poderá sofrer o oposto, desconsideremos. 311 A IMPORTÂNCIA DO MOMENTO
Começo por pensar a minha idade, logo a que tive ano anterior. Para fazer a conferência dos números, penso na distância entre o ano actual e do nascimento. De seguida virá observar o mês actual e o de nascimento, até chegar ao momento que antecede a hora do nascimento. Dum momento para o outro, terei mais um ano. Anoto, no decurso da vida já mudei de milénio. 312 UM PLENONASMO Peguei no caderno, mas tinha o PC ligado, acabei poisando o caderno, escrevi no PC. Entretenho-me agora a escrever uma frase, dizendo o que peguei, o que larguei? Encho o papel, o que, de súbito, dá um agrado agradável, um pleonasmo de pasmo pela satisfação obtida. 313 ESTADO DE ALMA Alguma dúvida deveria associar e associo ao meu estado de alma, dando-me certeza da enorme vantagem de partir duma associação, do estado, duma vantagem. Até ela se anular, a vantagem desaparecer, o estado, mergulhado na
associação, a dúvida. Ela traz-me de novo ao “estado de alma”, paz lhe seja. 314 AUTOR RETRACTO Uma alegria desconhecida, oco. Meio atordoado com o vigor, subo os óculos para a cabeça e fico a pensar de olhos deslumbrados. Esta possibilidade perfeita de ouvir os pensamentos, é ela a culpada duma certeza nova, capaz de me fazer dizer as coisas inesperadas que finalmente só estou à espera de contar para te sentares imaginando os óculos entre os dedos a saírem dos rabiscos do meu primeiro conto a sério. Um auto retracto, num autorretracto. António O meu antónimo é o António virado do contrário, o avesso onde sou travesso, a criança traquina. 315 CARETA
Todo o dia em frente do espelho, começo o dia procurando na minha expressão, novas expressões. Caretas? Não, não sei. A minha cara, olhando para mim, olhando para ela, às vezes parece fazer-me caretas. Procuro a singularidade, mais uma história. 316 A AUDIÇÃO As minhas histórias seriam romances, bastaria dilatar no tempo o espaço ocupado pelas frases. Porque é disso que se trata, levar a acção a ocupar tempo e espaço, desenvolvendo um enredo e chegamos lá. Está longe do meu desejo dizer como se pode e devem ouvir os concertos para piano de Mozart, a emoção deste conto, é só essa: a audição…
XLVI 317 INTUIÇÃO Sempre me interessaram as pessoas que interrogam as músicas, tentando compreende-las sabendo o que elas lhes dizem. Enquanto escrevo, vou pensando "Será
possível saber o que uma música me diz sem a interrogar?" Este tipo de momentos libertam a minha intuição, faz de conta… é essa a história. Também, uma vez entrada nas interrogações, cada uma tem a sua música? Um Sim ou Não, não. 318 SOBRE MANEIRA (paro… em silêncio) Agradar-me-ia
sobre
maneira
ter
um
amigo
como
correspondente, coisa que não tenho. Com as mulheres a escrita torna-se mais fácil, tem a sedução de induzir o discurso na seda. Uma se(n)da de variações de natureza musical, onde me procuro intérprete da minha natureza na Natureza. Estranha desculpa para… Paro, imagino que a leitura possa continuar por momentos, em silêncio. António 319 MATÉRIA PARA ORAÇÕES Tempo de fazer “A MALA”.
Noite, e um eco feito de tempo cheio de si, percorrendo em silêncio, o silêncio. Matéria para as orações, de mais um período, neste espaço onde congemino uma história, juntando os elementos onde geminando, faço germinar a semente do silêncio engravidando o tempo, dando: matéria para as orações. 320 DONA DESNUDA Acho que não me habituaria a escrever um antónimo, nem sendo António. Escrito o facto, é como tivesse despido a roupa, ficando nua, pronta para um retracto de corpo inteiro: “dona desnuda”. Diria uma frase, tentando obter informação sobre a pose a observar. Apenas um sorriso, um pedido capaz de me fazer sorrir sem esforço, dele deixando: o esboço. 321 INFLUÊNCIA DA LUA Espero, ao ler este livro deixar frases de todos os seus capítulos. Ser-me-ia interessante conseguir deixar uma resenha, falando de uma obra que gostaria de ter escrito escrevendo historinhas por mim escritas como Mina. Mina,
a nascente que gostaria de chegar a amar ou ao mar. Chegar às ondas, à emoção na sua ondulação perpétua, entregue às marés, por influência da Lua, do Sol, de todos os planetas. Lendo este livro aproximar-me-ia duma capacidade de criar personagens, onde ainda não cheguei. Enquanto isso não acontece, apetece dormir e acordar e comer e… vou dormir. Pus demasiadas expectativas na leitura, dificultei-a. Ana 322 SEM SAIR DO SÍTIO Porque hoje é sábado, vou ler um pouco e dormir de novo. Levando uma história para o sono. Mergulho nos sonhos a dormir, quando acordo, trago as coisas que esqueci. Engulo-as tragando-as a faustos tragos, imaginando uma glote de velhote subindo e descendo na garganta, sem sair do sítio. 323 FERIDA INEXISTENTE
Gosto de me deixar surpreender, é que um vício. Não faz mal à saúde, por isso não será um vício, é mais um hábito. Dizer em que consiste não se obtém dizendo o significado da palavra surpreender, surpresa, seus derivados ou significados. Trata-se de outra coisa, é como querer curar uma ferida que não existe.
XLVII 324 PENSAR Apetecia rodar a mão em risco e rabiscos, ficar com a filha preenchida. Angustia disso poder não ser viver a vida, faz ficar a pensar, fazendo gestos numa outra coisa. Uma ideia dessa outra coisa de fazer as coisas, não fazer nada, pensar. 325 VISÃO DO MUNDO A Ana nasce do Nada na junção do Fogo e da Água, evapora-se: canção! Palavra de som, sou a paranóia duma paródia!! Colocando bandarilhas na besta, dum basta!!! Fogosa e espavorida ou remansosa, como a água dum
lago onde, sem um remo, ramo, nem dando braçada, afunda e vai para o fundo toda uma imensa, enorme… Visão do Mundo! Tudo isto é Ana, se, a minha imaginação, não se engana. Ana 326 ÁGUA E SABÃO Quando levantou voo, era água e sabão, cheia de ar quente. Voo até rebentar no ar, ardendo o colorido do arcoíris das cores do seu corpo esférico, mostrando a forma a desfazer-se transformando-se. Vou tomar banho. 327 SEM REQUERIMENTO O que é bom não requer sentimento, já o bem exige uma moral. Todo o bem tem uma crença, o bom é imediato e livre, pode ser anárquico. Uma batata frita bem tostada, quanto no ponto, é anarquia conquistando lugar no mundo, utopia. 328
NA ESTAÇÃO DO ANO A data diz uma data de coisas, entre uma e outra data, a informação perde-se, corre à solta. Imagino seja um brinquedo
estragado,
extra
gado.
Brinco
com
algo
animado, a imaginação. Foge e fica, vai e volta, enreda-se num enredo cujo dia da semana se perde na época do mês, na estação do ano. Estaciono. 329 A LUZ APAGADA Se hoje não escrever o dia terá passado sem deixar memória, é o que lhe peço: a memória. Vem a menina e fica, com seu tempo de sonhadora. Fazendo das ideias um reino separado da realidade, como as imagens dum filme, no filme projectado. O filme agrada-me como projecto, a menina senta-se no escuro. Imagino a luz apagada, entro depois da história (com um h pequenos). 330 INFORMAÇÕES BÁSICAS Querem saber quem sou? Sou alguém que não tem por hábito assinar o que escreve. Publico de forma virtual, por
virtude de o fazer na Internet. Sou admiradora da Poesia como Céu ou o que se queira, de poetas e poetisa nas suas pessoas? Não, na sua poesia! Vou ao Céu, sem sair da Terra. Com isto, parece-me ter esgotado as informações básicas com que me quero dar a conhecer. Nem será um conhecimento sobre a rama, algo ainda mais pobre, sobre o pó… ainda em pedra ou terra.
XLVIII 331 INÊS Tinha um número mágico 366, de 3 algarismos, 6 meias dúzias a passar em muito, 6 outras coisas imponderáveis como as histórias feitas para serem resultado dos dias. Posta assim a história, já só falta completar a postura e temos ovo. Um novo dia, uma nova novidade com a idade do novo: cujo número não sabemos ao certo. Assim o fim é, inesperado. Inês. 332 COM DEDICATÓRIA à Maria
Inês ainda estava nas cascas quando decidiu sair, quebrando tudo! Bicou, bicou, bicou e ficou arfando, respirando o ar ao Ar. O grande milagre de nascer tinha acontecido e a pita, se não se viesse a revelar um galo, seria a galinha da menina Maria. Pronto, está feita a história, com dedicatória à Maria, devedora da sua ideia de querer ter um pintainho que venha a dar ovos. 333 O QUE É UM SUCESSO? Maria, depois de ter um pintinho, também quis ter um conto. Só tinha de o escrever, disse eu. Escreve tu, disse ela. Aprende a escrever. Quero o conto pronto! Não saímos do impasse, crescer leva o seu tempo, começámos pelo nome. Uma vez aprovada a ideia, falta provar que seja boa. A cada frase revela-se, um sucesso! O que é um sucesso? 334 VALIA DUVIDOSA "Um sucesso é um reconhecimento público que alguém recebe", foi dada a definição e logo se revelou ser duma valia duvidosa. Quem é o público? Quanto público? Que público?
Público!?
Maria
ia
endoidar
com
o
reconhecimento, dei uma receita: a menina fixa «Inês ainda estava nas cascas…», se gostarem da história, vai ter reconhecimento. O público, esse, é quem conseguir conquistar. 335 ERA UMA VEZ… Que dor de cabeça! Maria acrescenta sempre um ponto ao conto e sempre quer o conto original, obriga-me a ler de novo. Vamos reler… já estou farta de reconhecimento público, Maria não pára. Com as mil variantes de Maria a gente faria uma Inês nova, com galinhas brancas, pretas e pedrês. Finalmente, a história é voltar ao início: Era uma vez… 336 MANIFESTAÇÃO DIVINA Se largasse os seus contos curtos, talvez conseguisse começar a escrever um romance. Para já, acava que as partes não existem sem se considerar a existência de um todo. Sendo essa, para si, a explicação da existência de deus e deuses. Havia pois um romance unindo todos os
deus contos. Ao acabar com eles, esperava, tinha esperança na Manifestação Divina. 337 LELO A sua curiosidade residia agora em algo de inapreensível, algo escapando à compreensão, com tudo, contudo… sensível. Sentia pulsar em si a presença da sua personagem, ela emocionava-se, Ele poderia senti-la? Como era fácil crê-lo e, lê-lo não transformava Deus num Lelo. Não, não queria um Deus. Queria um deus, um deus próximo, porque não? Um Lelo!
XLIX 338 IN VINO VERITAS Quanto mais se embrenhava na especulação sobre a sua natureza divina, mais lhe apetece beber um copo de vinho: “in vino veritas” no vinho está a verdade. Ele solta a língua, usando a língua… Sim, procurava-a, ela era a sua verdadeira divindade. Pensava dentro dela, pulsava nela, vivia nela, era Ela o Verbo!
339 OS DEUSES VIVEM Qual Ele, qual o quê? Ela! Deus no feminino, ela, eu, uma manifestação divina. Sim, podia pensar escrever noutra língua, noutras línguas. Isso, isto, tudo isso, tudo isto, dá razão à Mitologia Grega e Romana, mais próxima de nós. A nossa voz interior, ou não, fala pela boca, na presença de todas as línguas, os deuses vivem e multiplicam-se. 340 CIGANO ERRANTE Finalmente as suas histórias eram uma só e ela mesma uma História só, o seu romance transformara-a numa historiadora do Humano. Pois, devia reclamar para si: o poder da revelação! Ela era, na nossa Era de descrença e convulsão, um novo elo com Ele, o seu Lelo. Deus, um cigano errante, gosta de tocar violino e beber. 341 COISA FÍSICA
Como aspirante adventícia duma nova crença, uma Fé sem fezada, enfezada, medíocre, pessoal e íntima. Mesmo se reveladora de si, do seu melhor, da sua fé nos homens, nas coisas, na língua que tudo enumera. Transformando em números a sua história, a História sua. A sua história sua e soa, ressoa e transpira, esta “coisa física”. 342 REALEJO Sempre quis ter um realejo, poder dar corda à música, ter música dentro de uma caixa, libertá-la dando à manivela. Algo de física, sem qualquer arte, fazer a distracção. Mostrando como a arte é tão valorizada, como se revela desprezível. A sua arte: dar à manivela, tocar o realejo. 343 DISSE (QUALQUERCOISA) O dia passou num instante, depressa, isso… O isso é o isto, subtraído de não sei o quê, talvez somando de qualquer coisa. Ocorre sem correr, corre em sentindo figurado?... Para acabar o dia, nada como uma dúvida, pronta a dissolver-se na noite? Pronta a dissolver-se na noite.
344 A PECADORA Hoje estive com o António, sinto-me uma pecadora. Gostaria de o escandalizar, dando-lhe a ler Pecadora. Seria uma história sem ironia duma heroína a rir de si mesma, louca como uma artista de teatro a pôr montes de laca no cabelo tentando deixar, sobre a testa, uma grande e vasta polpa. Não poupa na laca, nem assim o cabelo se segura. Fica louca, grita! Chamo-a à razão, ameaço chamar o António :) Ana
L 345 ANO BISSEXTO 01.01.16 -- > … Para oferecer ao António no dia de anos, a 1 ou a ---/---/---. Nome -------, data ---/---/---. Neste ponto, imagina este próximo paragrafo um conto. Nele, eu conto, escrevi, como exemplo PECADORA. Pecadora segue a minha saga, entra no seu “número de
ordem”. NÚMERO DE ORDEM passa a ser esta história, seria esta história. Porém, uma outra história acontece aqui…. 346 URSINHO Nunca gostei de brincar às bonecas, cheguei a levar um urso para a cama. Quanto insistirem para saber o nome do urso, era muito criança, respondi que se chamava “boneco”. Ficou a servir de enfeite, também não brincava com ele. Já não me lembro como lhe terei chamado boneco, quer dizer que nunca lhe dei um nome? Assim sendo, o nome do conto, vai ser: Ursinho. 347 NAMORAR O meu primeiro namorado pediu-me namoro com uma explicação incluída, “Não ando a namorar ninguém, querer namorar comigo?”, respondi, “Pode ser”. Podia ser, mas não pôde, desisti. No dia seguinte disse-lhe, “Pensei melhor no teu pedido, não me apetece”. Ele ficou ofendido, amuou, penso eu… Respondeu, “Está bem”. Nunca mais
aceitei pedidos, nem os fiz. Namorar, acho seja uma coisa que se aceita e deixa acontecer. 348 AS FLORES As flores são uma manifestação de amor que já foi mais perfumada, hoje já nem as rosas tem perfume. Isto é valido para as de compra, criadas em estufas? Tudo o que é criado à pressão, perde expressão. Sim, não? Continuo a levar flores, mesmo sem cheiro, à minha mãe. As que gosta mais são as que consigo apanhar, então acostumei-me a dizer ou confessar… São sempre um bom tema. 349 TESTE & FACTO Detesto detestar mas, vamos lá… detesto! Feito o teste, detestei. Não gosto de histórias compridas, fácil serem um romancear dos factos. Gosto de pensar estar a escrever uma história, sem me preocupar em dar-lhe um facto, basta, de facto, deixá-la acontecer. 350
PROCESSO/PROFESSO Mesmo não gostando de título e do resultado onde ele foi aplicado, custa-me rejeitar uma história. Pois imagino, cada uma delas, um filho. O resultado de algo essencial, simultaneamente; transcendente, normal, vital, resultado dum processo que, sendo rejeitado, seria com produzir um aborto. 351 ANO ou DESSE MODO 1)
Só
uma
vez
consegui
escrever
um
romance
simplificando a escrita, começando com uma imitação do José Saramago, ao eliminar a pontuação o mais possível. Gostaria de, desse modo, obter frases como esta: «Eu devo ter-lhe dito para não bater muito e ela respondeu-me certamente com os idiotas é o único meio» p.81 de “Alguém” de Robert Início
LI 352
Pinget, Prémio Fémina 1965, Ed.
MAIS QUE ISSO 2) Vou voltar à frase citada para reler e sentir a ginástica da pele das palavras protegendo a carne, os ossos, os músculos, as cartilagens, tudo que seja possível encontrar num corpo. Desta vez vou tentar imitar um tema, uma temática, mais propriamente a problemática de pensar o romance como uma narrativa capaz de desafiar os factos a não
acontecerem
de
facto,
ficando
por
conta
da
imaginação do narrador, sem este se por conta da imaginação do narrador, sem este se outorgar mais do que isso. 353 DISSE 3) Isso de ser narrador ou isto de ser autor, ambas as coisas diferem, procuro a sua unidade: o autor narrador. Procuro o meu “alguém” enquanto leio “Alguém”. Fica dito, disse? O disse sempre me surge como uma afirmação cheia de carácter, uma convicção cuja natureza é drástica e revela uma eficácia admirável. Quando se segue de mais nada. Disse. 354
ALGUÉM 4) Querendo ser alguém, assumo desde já identificar-me como ninguém. Sendo alguém, sou eu, alguém que escreve recorre à ferramenta da escrita desenvolvendo-a apenas como um meio de criação de parágrafos em número e forma variáveis. Com eles me entrego a uma ocupação desocupada: encher as páginas de um caderno, até dar forma ao meu Alguém. 355 O HOMEM DA ANA 5) O que espero com isto? Ganhar um prémio! Ser reconhecido como um autor dum ninguém que é alguém cuja evidência se vai tornando cada vez mais evidente, até concluir 1001 parágrafos de dar a história por acabada, disse. António Tirando o Toni, fico [An(tóni)o] Ano: o homem da Ana.!. 356 6 A)
Numa página fiz uma mão cheia de parágrafos, noutra farei um só. Sem saltar linhas, não me interromperei. Escreverei sobre a importância de tomar responsabilidade, como estou a fazer. Assumindo o compromisso de não dar saltos, nem interromper o fluxo narrativo. Fazendo isto, desejar um narrar activo procurando a capacidade das palavras dizerem o que com elas queremos dizer e fazer. 357 6 B) Conseguindo
estabelecer
metas,
traçar
objectivos,
desenvolver os processos físicos e mantais capazes de determinar a exequibilidade dos desejos. Para tanto bastando mantê-los no domínio do razoável, o qual suponho seja definido pela razão tendo atenção aos quesitos elaborados duma forma prévia, por anterior ao momento seguinte aquele onde me vou precipitar para cair como uma águia sobre a sua presa. 358 6 C) Enterrando as garras na carne e usando o bico para cortar e engolir aos bocados a presa, sem pressa, até ficar
saciada, abandonando os restos sem cuidar esconder a carcaça da vítima sendo e permanecendo caçador ocupado em viver a vida movido pela necessidade de obter alimento com o qual se alimenta até, saciado, poder fazer do descanso um voo planado percorrendo os ares, gozando a capacidade de voar.
LII 359 6 D) Sem cair na tentação de cair em raciocínios capazes de conduzir a mente a gerar ideias e pensamentos onde a razão descobre ardis, enganos, indecisões que tornariam o animal fraco, refém de leis inexistentes para quem do instinto molda todos os instantes só os tendo de esperar pela ocasião propícia para poisar num ramo agitado pelo vento, a sensação de oscilar, sua ocupação inteira, completa, de procurar o equilíbrio, sem sentir enjoo. 360 6 E)
A menos que o vento se eternize o vento e, sem querer andar no ar a bater asas, fique desconfortável agarrado de garras a agarrar o poleiro onde se empoleirou até tomar outra decisão, voar de novo. 361 NU GUME A única coisa que verdadeiramente me move, é o silêncio. Uma abstracção vivendo na raiz da palavra: mente, verdadeira, é sufixo. Fixo em palavras esta verdade, procurando a mente, o silêncio. Um regresso às origens, onde intersecto o pensamento com a sensação auditiva mais aguda: nu gume. O desejo do corte sem esforço, da faca quente na manteiga, barrando o pão da manhã, nada mais que uma história. 362 DECISÃO DE PONTA Tomo uma decisão, para a ver tomar-me de ponta, deixando-me
desapontada.
Apontamento
feito
na
brincadeira, para imaginar a decisão a tomar vida própria e eu não ter de fazer nada. Imaginar-me apenas um peixinho vermelho a rodar o sentido anti-horário, dentro de um
aquário redondo, transparente e infinito, no percurso de uma caminhada feita à barbatana. Uma vez concluída a conclusão? Como encontrá-la? 363 A CABEÇA NA AREIA Depois de meter a cabeça na areia, ajeito as asas como uma avestruz, tentando sentir se as sinto. Coisa que me intriga, por insuceder. Imaginando faz sentido sentir as asas. Devo ser uma avestruz com alguma noção do ridículo. Só pode! 364 À DERIVA Voando de novo daria continuidade ao dia de ontem, soubesse eu para onde ia. Não sabendo, talvez possa, talvez não possa, nossa! Aterro como um pato, imagino um mergulho. Fico a boiar, fazendo de bóia. Uma bóia de plástico, daquelas amarelas com um pescoço e cabeça de pato. Flutuando, fico à deriva. 365
JOGO PELO SEGURO Invento um jogo de damas sem damas, jogando os olhos sobre o quadricular da colcha. Perco o juízo e o mesmo acontece ao jogo, se ganhar, ganho juízo. Duma maneira ou outra, tenho o conto assegurado. Fico com tentação de reclamar o seguro, queixando-me de estar prestes a perder o jogo? Já sei a reposta óbvia que me seria dada, “jogue outro”, deixo para amanhã. 366 (segunda-feira) SEM OLHAR Chego àquela hora do dia “fatal como o destino”, apago a luz e fico às escuras. Para adiar esse desenlace, concentro-me. Estou concentrada, o centro está por aqui… Começo a descentrar-me, procurando a periferia. Entro na geografia do perímetro onde, idealmente, se fecha o círculo. Saio, sem olhar.
Segunda Parte
Resumo de "Ano Bissexto": Numa agenda de 2012, ano bissexto, Mina começa a escrever "Ano Bissexto". Depois de concluído, o livro é dado a ler como se se tratasse dum romance ou novela: apresenta a falta de 10 semanas. Esse mistério – surge como fazendo parte do desafio que se faz, na leitura do livro – será leitura? Dez a fio… faltam as semanas de XV (exclusiva) a XXV (inclusiva). Tendo em conta que um livro não se escreve apenas quando é escrito, sobra imenso para um trabalho de revisão, até chegar à publicação, quando… se lá chega! Ao verificar ter o livro 122968 caracteres (incluindo espaços) tentei reduzi-lo para menos de 100000 caracteres, incluindo espaços, registei os números da operação: Apagando a semana XVI XVII XVIII XIX XX XXI XXII XXIII XXIV XXV Retirando informação final
– 120575 – 117908 – 115089 – 118713 – 110018 – 107654 – 106751 – 104931 – 102838 – 100353 – 99956
XVI 107 ALGO Quero chamar algo que comece pelo teu nome, uma frase, creio. Uma frase álgida, fria, lisa como limos agarrados ao fundo da forma, formando um conjunto de beleza estranha. Como se a frase revela-se um encontro com um ET – Estranho é_Ter – com a arte a dar-se. 108 PARABÉNS Escrevi, mais uma "folha solta". Agora, a folha solta, voa, transformando-se, é uma outra coisa: materializa-se, o material da escrita é a realidade. 109 DANÇA DAS LETRAS Quero admitir interessarem histórias capazes de fazer da imaginação uma linguagem de sonhos. Se possível, imagens correndo, dedos sobre corpos em movimento, uma dança. Interpretando música fantástica de baleias a
cantar, os maiores mamíferos mundo, a cantar, a cantar… a cantar… como eu. 110 NA TEIA Esquece as letras, ouve as ideias, teias suspensas, prontas a embalar com uma rede suspensa nos trópicos, nem um mosquito a chatear, a temperatura à temperatura da pele. Sem pressa, uma ave marinha, um voo lento. Segue-a, até voares como ela, aprendendo o movimento das asas. O corpo, constrói-o com as mais belas penas, leve como o texto de (u)ter… algo uterino. 111 QUINTO CONTO (a mão à mão) Ainda tenho as mãos quentes, de ter estado com elas a mexer na paixão. Escrita, a libertação exotérica! Mesmo sem esoterismos, sempre: o Mistério das Letras. É mais um conto, este nem conta. Imagina que o não leste, vou dar quatro nomes: escolhes ALGO, PARABÉNS, DANÇA EM LETRAS, NA TEIA… temos de encontrar um quinto nome, A MÃO À MÃO, quinto conto.
112 FIM À meia dúzia é mais barato, a dúzia é dado. A minha ambição é o dado, as coisas são caras, raramente chegamos à ambição. AMBIÇÃO é uma história ambiciosa, chega onde quer, sem ir a lado nenhum. Vai buscar a beleza onde ela acasala com o acaso e tudo acontece e passa quando se fecha a cortina e, mesmo sem ser dito, todos sabemos…. 113 EMIGRO As minhas cartas, vou as deixar voar, sem lhe impor o limite de uma folha. Farei, com a data de ontem, sem data, todas sem data: (u) dia 3. Não tem piada, seria como uma pierrota… passar de uma página a outra, indiferentes? Criamos problemas onde queremos, onde cremos. Eu creio que as páginas são importantes. Depois… muda na formatação, o mundo move-se, a Terra gira no Espaço! Tudo está vivo e tem vida, mas, a nossa intenção é criar. Pois é.
Falta um pequeno parágrafo, emigro para outra coisa qualquer.
XVII 114 DE OLHOS ABERTOS Hoje os meus dedos dos pés fizeram declarações de amor um pianista famoso de quem as longas mãos hipnotizaram os meus olhos, ouvindo os sons, tentando ligá-los e dandome a imaginar, bem de olhos aberto, aquelas mãos, aquela música e os meus pés inundados de Sol, transpirando de calor. Até ter, de reconhecer, poder ser erótico, o meu prazer. 115 SEM DÚVIDA Ontem a onda passou, sem depositar vasa na praia. Não deixou ficar pequenos búzios, nem pedrinhas. Hoje começo o dia trazendo esta onda, com algas vivas, realizando a fotossíntese, neste texto. Tento captar toda a luz possível, mas não há Sol. A estrela capaz de estrelar este planeta
passa despercebida? Não, ela é a vida: - Um Grande Osíris! E bom ter crenças, ninguém duvida. 116 DESASSOSSEGO Adormeci
fechado
os
olhos,
acordo
abrindo-os
arregaladamente, pequeno-almoço na cama. O meu outro eu, eu sendo eu é ele, resolveu servir-me. Como, sem deixar arrefecer a tosta, atentando. Será que a experiência se poderá repetir? Creio não, o meu perfil psicológico, visto de frente não engana. Nenhum eu servirá outro, nem na cama. - Então, o que aconteceu? – Ando a ler Pessoa, o desassossegado. 117 PROTEÇÃO DOS CALOS Fica por minha conta fazer contas de cabeça sem números, nem operações. Fazer de conta ser possível, fazer contas sem números. Situação possível, se usarmos as medidas de forma geométrica. A Terra e as suas medidas, poleares, pés, cabeças, corpos ganhando corridas. Aqui sossegada,
ganhando calo no dedo médio? Não escrevo o suficiente, é para me proteger dos calos. 118 O COSTUME O meu costume, é o costume. Armo a primeira palavra, uma ideia, pode ser a primeira frase. Se estou a andar, às vezes memorio a história. Quando a escrevo, ou à procura de procurar o que pensei. Fica-me sempre a sensação com a qual escrevo, tento levá-la até o motivo se tornar emotivo, um motivo para o mote. Hoje, a emoção é, o costume. 119 PEDRA BASILAR A estratégia basilar de um treinador deveria ser passar a sugestão da preparação, por ele pedida, assentar numa ideia. A pedra basilar dessa ideia até pode ser dada numa frase, apenas devendo ser lida de forma interiorizada, procurando para ela um pensamento. Cada um se treine até conseguir pensar a frase, sem precisar da ler e, está feita a história. 120
TEMPO DE JOGO "O importante é prepararmo-nos para poder perder, até pode ser a vida, sem temer fazer um mau juízo da entrega e
do
esforço
desprendido". Acrescento
"Apenas
é
importante o esforço não ser semelhante ao de alguém que se afoga a transformar-se vitoriosos
no
empenho
em afogado, temos de ser e
entrega,
mostrando
uma
estratégia que possa ter sucesso dentro do tempo de jogo".
XVIII 121 PERFORMANCE O tempo de jogo é o próprio jogo, começa na preparação, nunca se sabe quando acaba. Vencer pode ser um jogo, um campeonato, toda a vocação duma vida. As histórias são sempre melhores quando contém em si um elemento fácil de decorar, capa de permitir a evocação. O jogo, ao mais alto nível, deve atingir a performance da arte. A evocação pretendida, pode e deve ser, a vocação dada pela entrega conseguida. {Com ela, devemos ter uma ideia da performance alcançada.}
122 !O! CONCEITO Só me falta transmitir um conceito, é pura nitroglicerina na sua forma mais instável. Se aquecemos em demasia a ideia expressa por ele, a nossa cabeça pode explodir! A superação e sempre necessária: isto não é uma ideia, radica e reside num desejo, pode e deve ser entendido como uma fé. Daquelas que só se obtém através da revelação, capaz de fundar religiões e pedir seja registada com maiúscula: Fé! 123 A INCANDÊSCENCIA Todos os dias aprendo coisas inusitadas, vou à sua procura. Escrever sobre elas, é saltar sobre elas. Deitar-me e pensar as palavras*, essa é a alegria do fogo quando apresenta chamas, movendo-se. A incandescência não me é o suficiente, posso-a deixar isolada, só me satisfaz se a possuo. Deixo-a aqui, tendo-a tido, uma ideia perdida. *lençol; anzol, sem isco… já vazio. 124
BATENDO ASAS Quero um enredo diferente do Credo das ladainhas, para ser dito comendo uvas, passeando nas vinhas. Quando os cachos estão maduros e seu sumo é como o som das palavras saboreadas, percorrendo as ideias de as ter – a correr nas veias! Soltando-as como foguetes, em dia de festa, estrelejando no ar em manifestação pirotécnica duma alegria ateada e solta- como pomba ganhando o ar, batendo as asas. 125 MODO FELIZ A pior coisa que seria capaz de conceber, deveria ser aquela
que
menos
desejaria…
conceber.
Nada
concebendo de mau ou pior, deveria ser feliz. Foi deste modo, dei por mim, feliz. Concebi este conceito e, levado a preceito, nada falhava. Até que um dia… essa há é outra história. 126 MODO INFELIZ
Comecei a ter medo da sombra, andava pela sombra. Assombrada pelo medo, o medo andava sempre comigo. Um dia tropecei, cai. Foi como se o medo me tomasse nos braços, acabando por me possuir e violentar. Acabei por gostar, hoje sou escrava do medo. Assusta-me, mete-me medo, mas gosto. Digo ser um modo infeliz de viver, é este modo. 127 2013 (13º ano do 3º milénio) A 3 do 3 de 2013, perante inopinada ideia, decidi opinar sobre o ano. É domingo e o gosto de escrever ainda não me abandonou, desde que deixou de ser obrigação. Coisa que não vem de sempre, pois não comecei a gostar de escrever quando era criança. Sem querer desviar-me do tema, temo ser obrigatório escrever algo de pessoal sobre este ano, Caso contrário ficaria a escrever uma crónica ou crônica (dependente da latitude onde este português seja lido).
XIX 128
VAZIO DA VAZIA (“filé mignon”) Não sei como dizer o que sinto, não sinto. Sinto muito, desisti de sentir. A toda a hora sinto, esta incapacidade, impossibilidade de sentir. É um sentir tão impossível, anula qualquer outro. Já quase desisti de lutar contra ele, aceitoo. Resisti, persiste uma esperança, quando já não tiver esperança, ficarei com o que tenho: este vazio. 129 ASSIM ASSIM Um dia mudo para melhor, penso. A ideia agrada-me, fazme viver melhor, assim assim. Já se vê, não é uma coisa perfeita, dá para o gasto. Só não ma atrevo a imaginar-me feliz, tenho medo de que poderia acontecer. Quase de certeza,
arrependia-me.
Com
esta
certeza,
vivo
arrependida de ter certezas. Tenho esta, o arrependimento, se for demais, até mata! 130 DUMA VEZ Quando estou quase a acabar o ar que tenho nos pulmões, expiro deitando fora. Sôfrega, desejosa do inspirar de novo!
Com alguma violência, desta forma rápida e concentrada: como se quisesse fazer logo, duma vez, esta história. 131 AQUILATANDO (a colectânea) Antes de começar uma história, a primeira coisa que penso é aquilatar de qual o tamanho que deverá ter, em função disso tenho ideia do tempo que necessitarei para a escrever. Ponho-me na óptica de quem a irá escrever, sem esquecer outra perspectiva não menos importante: quem a irá ler? Esta história dedico-a as – pensar e aclarar – ideias sobre a realidade de poder participar duma publicação colectiva, uma colectânea de contos. 132 SUGESTÃO PARA FAZER UM LIVRO a) Um livro sem alma, é um objecto vazio. Homem que se atribua alma e não a dê aos astros, às forças da natureza, aos seres vivos e inanimados… dirá que tem uma coisa, a alma, e que mais nada atem. *
Condenado a não reconhecer a alma em nada, nem nele a reconhecerá, pois de que estará a falar? Terá de criar um deus improvável, a atribuição duma quimera, meras palavras cuja representação em vez de sonhos dará pesadelos. Um livro existe, mesmo sem palavras, é uma ideia materializada. Basta dar-lhe alma, atribuir-lhe sonhos! Em vez de livros, escrevo contos. Conto este conto, já escrevi (a) “sugestão para fazer um livro”. Um deus (provável como um cão ou um gato, o Sol ou a Lua) dá-me a sua bênção: Ámen! b) Bem, escrevi: "uma”… c) Cada hipótese – um hipopótamo cor-de-rosa acabado de nascer. * Atem-se (prende-se) ao improvável, ninguém se atem a tal. Ou, ate-se, uma nova hipótese pode ser uma coisa linda. 133
UM DIA LUMINOSO Agora escrevo outro conto, tentando saber como se vai, daqui ali. Um percurso no labirinto, onde voltamos ao centro, sempre crentes de estar num labirinto e haver saída. Caso contrário, o labirinto viraria prisão… Imagina uma história com um final melhor que este: acordei, terminava o meu sonho, saía do labirinto, um dia luminoso. 134 QUASE ESCURO O crepúsculo acontece todos os dias? Dias há que acabou sem sequer dar conta, continuando a ler, à luz de lâmpada acesa. Na esperança de o fazer na véspera de ficar de vista cansada, não vejo o dia a entrar na noite e perco as “duas luzes” da tradução à letra na expressão anglosaxónica two light.. está quase escuro, quasescuro. As letras comem o texto, este fica na barriga daquelas. É daquelas coisas que, por acontecerem sempre, podemos nem dar conta. O crepúsculo, deu-se…
XX 135
A EXPERIÊNCIA Às vezes penso ser absurda, com a atenção dada ao absurdo. Procuro, mais uma vez, não ser surda. Escuto as ideias, o que em nada me ajuda. As ideias surgem como uma possibilidade, sem a verificar com sucesso. O problema deve estar na experiência, conclusão resulta ser esta: o absurdo nunca está no absurdo, no absurdo limitase a existir, não se encontra. 136 A VIDA POR UM CAFÉ Sobre as pessoas, suas manifestações, onde elas se emocionam: vão do riso ao choro, da alegria à tristeza. Manifestam sentimentos ou são epidérmicas, escrevo de forma superficial, à pele. Faz parte das surpresas da vida, encontrar
a
profundidade
dos
pequenos
estímulos;
podemos morrer por uma ninharia: “Dava a vida por um café”. Neste momento, já estou a tomar o café. 137 DEDO MINDINHO
Não me dou muito ao trabalho de procurar personagens, viajo mais nas ideias, em falas com as coisas ou dela. O dedo mindinho, arqueado, na concha da mão, resolve dizer qualquer coisa. Fico curiosa, quase gulosa por ter uma guleima, mas, teima em deixar-me expectante. Quando fala, saindo da pose de quem esteve a pensar, diz: - Gostei do título! 138 UM SONHO Cada coisa demorava mais tempo que o tempo que tinha, não sabia o que estava a fazer. Tanto lhe foi crescendo a dúvida, o mistério… teve de acordar, para ter a certeza, de estar a ter, um sonho 139 PROCURANDO A BORBOLETA Estrava sempre uma borboleta nos seus sonhos. Pensando na borboleta do último sonho, pensou reconhecer uma memória de infância. Foi para a infância, procurando a borboleta. 140
OLHANDO As frases falavam com ela, nada dizendo. Era como ela a olhar o rosto da sua mãe, quando a mãe dormia. Ficava a vê-la, a vê-la dormir, olhando… 141 AQUELE DIA Surpreender o que cada uma das pedrinhas da sua colecção
significava
para
ela,
era
uma
ocupação
emocionante. Naquele dia, as pedrinhas, todas, foram-lhe tiradas.
XXI 142 JOGO PESSOAL: VIAJAR Quando olho para a folha de papel nunca sinto qualquer bloqueio, procuro o desafio. Fica correcto chamar, a este jogo pessoal, encontro. Encontro de mim comigo mesma, ou
com
a
ficção.
Esta
é
quase
sempre
alegre,
surpreendente, imagino-me a ir até ao aeroporto apanhar um avião, o primeiro, sem saber para onde: viajar.
143 DENTRO DO CONTEXTO Na hora de dormir as minhas orações seguem o seu fluxo, recebendo a pausa da vírgula, até encontrarem seu ponto final. Isto se prolonga pelas linhas onde vou escrevendo, de forma pensada, cadenciada, melódica. Há tudo o que se pode imaginar numa composição, tendo começado pelo título da mesma. Para o pôr em destaque, orienta-me no sentido de o pôr em evidência, a ela volto pondo em evidência dentro do contexto. 144 CURTO UM CURTO Não era a pressa que o fazia correr, correr até lhe tirava pressa, chegava a tempo com maior facilidade. Um problema existia, vinha correndo... acabar a história começada, de modo a sentir que lhe dava um conto. Contei, já posso escrever: Fim. 145
PARA SEMPRE O personagem escritor vivia tão obcecado pelas suas personagens que acordava pensando qual seria a história que iria ser contada quando começasse a escrever, mesmo sem saber ainda quem seria que lhe viria contar a história que ele havia de descrever. Naquele dia era mesmo ele, o personagem autor, quem estava sentado a digitar um texto, quando a começou a sentir viver na ponta dos dedos. Achou a ideia tão bonita que não resistiu a cristalizá-la, para sempre, num conto. Título do conto, Para Sempre. 146 ASSINATURA No dia seguinte, resolveu dar uma informação extra ao leitor. Ele todos os dias fazia contos, fazendo conta de, como leitor, encontrar a imagem certa para os contos. Até que um dia, escreveu no seu conto: qual a foto para ilustrar este conto? Releu o conto que tinha escrito, deixando "assinatura". 147 NA “CASINHA”
Quando entrou na “casinha” levava um livro consigo para poder ficar entretida, lendo. Ainda não tinha começado a ler veio-lhe uma dor de barriga, e não precisou de ler. Foi exatamente isto, acabei de escrever. 148 A FLOR (A flor das palavras) Neste caso é diferente, a dúvida habita uma certa esperança, ainda não desesperou. Quando estava para desistir de escrever, eis que lhe surge a ideia para um desenho. Das suas mãos nasce a corola duma flor, já não sentiu a falta das palavras.
XXII 149 MERGULHO DA RÃ Na superfície das palavras boiava um nenúfar, sobre ele uma rã coaxava. As águas muito calmas, uma brisa apenas. O poeta saltou, fizera mergulhar a rã. 150
ERIGINDO Havia na beleza daquela mulher, um quadro que nunca fora pintado. Ele olhava para ela, tentando captar qual seria a sua expressão, ao fazer amor. Quando deu conta, tinha a esferográfica, numa erecção de escrita, da escrita. 151 VOO Eis, agindo, a bola de sabão, nos teus sonhos. As cores são fantásticas, até a bola rebentar. Quando acordas, ainda sentes o seu voo. 152 IDEIA A saia tocou no chão, para se apagarem os seus passos na areia. Vou atrás dela, como quem segue uma ideia. 153 CENA Um cão ladra, fazendo barulho, parece que endoidou de vez. Um gato, de cima do muro, olha a cena.
154 SOL A menina, a sorrir, parece um Sol. 155 O PÉ O chinelo, caído do pé, assenta no chão. No quadro, não se vê o pé, apenas o chinelo ficou.
XXIII 156 TAMBÉM EU Já tarde da noite, quando a madrugada não tarda, não verei. Presto-me a fechar a luz, pronta para adormecer. Acordo uma história, volta-me as costas. Pronto, também eu, vou dormir. 157 À JANELA
Quando chego à janela levo comigo o caderno, o que escrevo? Algo relacionado com a ideia primeira, levar o caderno. Só a seguir posso olhar e ver ainda estar a olhar para dentro detendo a ideia associada ao caderno. Nesta altura, já o parágrafo está quase escrito e, com ele, ficou feito: o parágrafo – à janela. 158 VIAGEM LUNAR O facto e tudo ser uma invenção ainda estabelece um postulado indemonstrável, como dizer ser este conto a experiência da minha primeira viagem lunar, não altera o tempo dilatado para mover o corpo. A gravidade diferente altera a dinâmica, só se mantém o “eu”, esta experiência de me dizer, mesmo na Lua. 159 INSTRUMENTALIZO-ME Crio uma música onde substituo as notas musicais pela abstracção, basta distrair-me ignorando a ausência duns instrumentos. Ao tocar com as mãos nos pés, apenas escrevendo as palavras, aproximo os significados dos signos e toco a repinique os sinos.
160 π O significado da letra π não é um número, será o que esse número representa. Sendo porém um número infinito de dízima não periódica, sem ter fim nem regularidade, o seu significado não deveria ser determinado com base na indeterminação material da sua forma infinita? Sem arredondamento, prolonga-se: indefinidamente infinito. 161 IDEIAS POR ESCREVER Escrevo com se repetisse ideias ainda por escrever, tendoas das ideias para esta palavras, crente de, a todo momento, voltar a escrever uma ideia anterior, interior, intimamente esdrúxula como – o é – acentuar isto que “escrevo como se repetisse”… 162 MICRO CONTO Um dia, como hoje, acordo tarde e é domingo. Mais tarde, escrevo um micro conto, é esta história.
XXIV 163 FALA MUDA Era uma vez…. A noite, em mais um dia que se foi. Fica, pelo hábito e pela palavra, a lavra da fala muda, a escrita. 164 UMA IMAGEM DIFUSA Recordo-me de coisas que não sei se aconteceram ou se as estou a imaginar, uma é uma fotografia, outra a pessoa da foto. Encontrámo-nos, tirei a foto, queria registar o momento. Não perdi tempo, foi o meu engano. Sem perder tempo, a conhecer uma pessoa, não chegamos a certeza nenhuma. Esta história é o meu auto-retracto, liguei o temporizador e deixei o que escrevi. Não me reconheço na foto, acho ver nos olhos uma pressa da qual fujo. Ainda continua por revelar o contexto, todo o texto surge como uma montagem, a imagem só pode ser como ficou. 165 A BEM DA VERDADE
Ser ele é como ser eu, uma coisa ou outra não sou a mesma coisa mas, a bem da verdade, é a mesma coisa. Eu volto e ele já não está, vou e ele volta. Algo como uma imaginação, um diálogo para ser feito articulando palavras, apenas na escrita. 166 TODO O TEMPO DO MUNDO Fala, muda! Faço-me nova, não mudo. Sou macaca, sou mula, sou o que me apetecer. Apetece-me ter das palavras o tempo, “todo o tempo do mundo”. 167 PARADA Este vai ser o último parágrafo, parei. 168 POSSIBILIDADE INCORRETA Já não sei em que altura começou o dia e hoje, como tomei consciência o mesmo. Interrogo-me sobre qual o primeiro registo, sem me lembrar da reposta, sendo certo não existir a pergunta, soubesse eu a resposta. Para ter reposta, só
devo fazer perguntas onde as conheça? Sim, seria a possibilidade certa. 169 SOBRE VIVER A ideia de que a poesia pode nascer nas tuas mãos, agrada-me até fazer uma ideia do pensamento envolvido para chegar a uma fala onde, o foco, são as histórias sem personagens. Onde, parece, aparece sempre o mesmo personagem, o eu. Focada neste personagem, esta personagem, escreve-se e esquece-se das mãos, de quem pode fazer nascer a poesia e, por fim, no finalmente, onde a mente é demente, demite a ideia. A poesia aguenta tudo, sobrevive, é a sobrevivência do humano no corpo singular, dum homem ou desta mulher a quem o eu já não dói. Sobrevêm a sobrevivência, sobrevive.
XXV 170 (CONJUNTO VAZIO) PRIMEIRO MOMENTO Ao ler um conto, para dizer qual seja a sua história, deparome sempre com a história que há no conto. Preciso dum
conto, para a contar. Se, tal como o conto, uma história quiser contar. No conto lido li uma palavra, a palavra grupo, e logo ela me chamou a atenção pois, deixava por descrever - no primeiro momento - qual o grupo por ela representado. Também ao descrever, deixo essa informação para poder ser uma conclusão incluída, à espera de ser acabada. Como a minha história é bem diferente daquela que li, nesta o grupo reduz-se a um conjunto vazio, o que quero contar para ter um conjunto vazio (ao qual daria esta história, cheia de mistério). 171 SEGUNDO MOMENTO Um conjunto vazio, por definição é aquele que não possui nenhum elemento. Sem passar de definição, acabo de ter começado, cansada, sem chegar ao fim. O que nos descansa é dar um final à história, não vou esperar o suficiente por esse momento. Precipito, precipitome. Quando esperamos o tempo suficiente, até poder lembrar “o que não tem remédio, remediado está”, acabamos por ter, senão “o” fim, um final.
Um fim é algo para se ter logo no início, desde o primeiro momento. 172 ÚLTIMO MOMENTO Um, dois, três. É bom acabar a contagem, dando por concluído o que contamos. Contamos ter acabado, como resultado dum passe de magia. Vou contar porque, da forma mais verdadeira, acho não levar contar os três: dois e meio… 173 (A)POSSIBILIDADE Tento apanhar palavra que me foge da mão e deixo-a ir de propósito, assim alimento a possibilidade de ela voltar? 174 CAUSA E EFEITO Como se se tratasse de uma obrigação, deixo a leitura, venho escrever. Entre uma coisa e outra procuro agora uma relação de causa e efeito, não a encontro. Deve existir, imagino um efeito duma causa esquecida. Vai além
do difícil, nem com dificuldade encontro. Mas tenho este encontro quase pronto, achei “causa e efeito”. 175 PASSAGEM DE TEXTO Agora é altura de voltar à leitura, para dela registar uma passagem. Sempre gostei desta designação dum extracto: passagem de texto. Este conto, agrada-me imaginá-lo, parte de algo maior. O momento de o transformar em acontecido
tempo:
momentos,
passado
no
texto,
acontecimento!... 176 A ADIVINHA Olho para o que estou a escrever, como se quisesse adivinhar um pensamento, sem dar tempo a ter uma resposta. A adivinha ainda não tem enunciado, falta o mesmo: "Quem alto está, alto mora, quanto mais alto está, melhor se lhe chega?" A água num poço.
«A ordem para os dias da semana mais utilizada mundialmente tem sua origem em astros e deuses quando do sistema geocêntrico e também em orientação litúrgica cristã. Esta semana é representada começando-se pela segunda-feira e terminando no domingo, sendo domingo o dia de descanso para a maioria dos povos, e o sábado e domingo o que se chama de fim de semana.»
http://pt.wikipedia.org/wiki/Semana