Discurso de saudação à Franssinete, por Walbert Monteiro

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Senhoras e senhores:

Não poderia furtar-me, antes do encerramento desta memorável sessão solene na qual foi recepcionada a jornalista Franssinete Florenzano como ocupante da Cadeira número 13, a fazer breves referências ao significado deste ato, bem como a algumas circunstâncias do contexto nacional. Reforço o que já foi afirmado, sobre a honra que esta Academia tem em recebê-la no seu quadro de membros efetivos e sobre suas qualidades profissionais e postura compromissada com a nossa região, especialmente, o extraordinário Baixo Amazonas que lhe serviu de berço. Para muitos, infelizmente, o ingresso nas hostes acadêmicas transmite o indesejável efeito letárgico de acomodação. Ou um item a mais a enriquecer currículos. Estou convicto, no entanto, alicerçando tal certeza nos fundamentos de sua trajetória como pessoa altamente engajada em comissões institucionais que lutam pelos direitos humanos, pela justiça e pela paz, pela dignificação do trabalho infantil e tantas outras entidades comprometidas com os valores morais e éticos da sociedade humana, que Franssinete trará uma extraordinária contribuição a este Silogeu, ajudando-nos a desenvolver ações que venham ao alcance de suas reais finalidades. Deveria a Academia ser um fórum ativo de intensos debates, produção de textos e outras atividades disseminadoras da boa informação, no cumprimento de suas finalidades estatutárias, onde sobressai o princípio primordial de sua existência, qual seja “contribuir para a valorização da atividade jornalística, buscando o seu aprimoramento intelectual e ético. ”

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Entre os objetivos que deveríamos perseguir, estão: incentivar e realizar cursos, palestras e debates de caráter técnico, científico e artístico sempre no interesse do crescimento profissional de seus membros, assim como no propósito de esclarecer a opinião pública nos assuntos pertinentes ao bom desempenho da atividade jornalística; promover atividades de congraçamento que possam contribuir para a união da classe jornalística em geral e, em especial, a de seus membros, independentemente de posicionamentos partidários, religiosos ou ideológicos. O uso do futuro do pretérito tem sua razão de ser. Mesmo não sendo o momento adequado, há que ser feito um “mea culpa”, meu e dos demais confrades, por estarmos permitindo a existência de uma enorme lacuna em meio a tantos temas desafiadores que o mundo contemporâneo e as realidades brasileira e amazônica nos propõem. Mesmo vivendo em uma era de espantosos avanços no universo das comunicações, responsáveis pelo estabelecimento do que se convencionou chamar de “aldeia global” e desfrutando da maravilhosa e assustadora performance da “comunicação instantânea”, não sabemos fazer o uso adequado dos instrumentos postos à nossa disposição e abrimos mão do recurso eloquente e insubstituível do debate presencial e enriquecedor, sem as maquiagens do ferramental tecnológico. Em maior ou menor escala, desde o controle dos grandes meios de comunicação regidos pelos interesses econômicos ou ideológicos a nível planetário até às mesquinhas disputas políticas ou familiares de grupos tupiniquins, continuamos, como nos primórdios da imprensa, sujeitos a tomar conhecimento dos fatos pelas versões que lhes são convenientes, usurpados muitas vezes das informações reais, e condicionados pelos perfis

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que interessam notícia.

aos

detentores

dos

monopólios

da

Como jornalistas, temos que assumir, em caráter permanente, o compromisso ético com a verdade. Lamentavelmente, os condicionamentos econômicos e as necessidades de lutar pela sobrevivência, em um país com mais de 11 milhões de desempregados, imerso em estupefaciente crise econômica e moral, sem maiores horizontes, forçam grande parte dos nossos profissionais a abdicar de uma impossível postura independente. Ética e verdade, princípios dos quais é indigente esta Nação! Falta ética na política, no governo, nas instituições republicanas, na iniciativa privada, na vida quotidiana das pessoas! Por isso, a política perde a essência de ser “ciência do bem comum” para tornar-se sinônimo de corrupção, de disputa cínica do poder, em que os interesses do povo simplesmente não contam, ou são usados como mero pretexto. Essa a causa do descrédito nos governos. O que conduz boa parte da população ao perigoso desinteresse pelas eleições que, em última análise, representam a legitimação democrática dos que aspiram ao Poder. Vimos, em episódio recentíssimo, a queda de um governo pela decretação do impeachment da Presidência da República, pela primeira vez exercida por uma mulher. Condenada pelos crimes apontados no relatório, que acabaram sendo agravados pelo que se convencionou chamar “conjunto da obra”, seu afastamento ocorreu em meio a uma nunca vista avalanche de inquéritos, denúncias e condenações que estão desmanchando a maior rede de corrupção que se implantou no país e da qual fez parte um considerável número de partidos políticos.

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Não pretendo tecer outros comentários sobre essa lamentável circunstância que denigre o nosso presente como Nação civilizada. Mas desejo me ater ao que chamarei de “periferia dos acontecimentos” e que envolve a postura de muitas pessoas, algumas, a maioria aliás, dos que se consideram “formadores de opinião”. A “verdade” que fora defendida no passado, passou a ser a “mentira” do presente e vice-versa. O que era legítimo, transmudou-se em imoral e o que era espúrio revestiu-se de santidade. Admito que se mude de opinião, que se reveja conceitos, pela presença de argumentos consistentes que provoquem a revisão daquilo que julgávamos correto. É burrice insistir-se em posicionamentos que não resistem ao confronto com a verdade. Louvável quem tem a humildade de reconhecer os erros. Mas é absolutamente inaceitável que tenhamos conduta que varie ao sabor das circunstâncias e das conveniências e que nos leve a definir “valores”, “princípios” ou “regramentos” sob o arbítrio dos condicionamentos que favorecem ou não as teses que defendemos. Como admitir que alguém se jacte de democrata e recuse ao adversário o direito de expor suas convicções com liberdade e respeito? Será aceitável uma ideologia que se baste a si mesma e negue o confronto sadio com outros princípios? De que forma posso defender uma igualdade de todos perante a lei, quando vejo que, na realidade, essa igualdade não existe, a partir da própria lei?

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Como acreditar nas instituições que defendem os direitos humanos, quando a defesa desses direitos atua contra a expressiva maioria dos cidadãos? Temos sido reféns da mais cruel violência que impôs às pessoas de bem viverem seus medos trancadas em seus domicílios, sem uma manifestação sequer junto a quem de direito, na defesa constitucional do direito que todos temos de ir e vir em segurança. Bandidos que ceifam vidas inocentes recebem a imediata proteção desses defensores, condenando as famílias das vítimas a viverem apenas do luto e da saudade. Gostaria de aplaudir as instituições que, constitucionalmente, tem por dever de zelar pelos interesses essencialmente coletivos, no momento em que viessem a se preocupar efetivamente com a multidão de párias que, sem lar, sem emprego, sem dignidade humana, vegetam abandonados nas marquises e calçadas desta cidade. Nunca testemunhei uma autoridade ou instituição erguer sua voz ou protocolizar ações junto ao Poder Público exigindo uma política de amparo e de resgate a esses nossos irmãos órfãos da sorte e produto de uma sociedade egoísta e mesquinha. Nem mesmo os que defendem humanos direitos...... Respeito, como não poderia deixar de ser, o livre exercício de qualquer crença e, particularmente, professo a religião católica e, como tal, busco, em meio às minhas notórias imperfeições, que me tornam um pecador confesso, a conversão. Escandaliza-me, no entanto, ver segmentos da minha Igreja – na contramão dos ensinamentos de Jesus Cristo e em desacordo com sua doutrina – alinharem-se com os que pregam a luta de classes, incentivando a prática de crimes e a conquista de uma pseudo “justiça social” na base do ódio e da revolução armada. É perceptível esse posicionamento de alguns membros do clero que, em vez de evangelizar no amor ao próximo, ajudam a incendiar os conflitos fundiários que infernizam a paz no campo.

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Nosso Estado vive secularmente entre o sonho de ser depositário de riquezas incalculáveis e detentor das mais extraordinárias condições para o desenvolvimento e a realidade de ser saqueada, exaurida de seus minérios, sem qualquer contrapartida efetiva e consistente. Exportamos energia e não a temos, confiável e barata. Sequer usufruímos dos benefícios do ICMS, recolhido no destino. Notícias mais recentes, advindas da visita do novo governo à China, dão conta que o vizinho Estado do Maranhão, por onde já escoam os nossos minérios em razão de divergências políticas no passado, será o beneficiário de uma siderúrgica que industrializará o ferro que produzimos. Os contratos por lá assinados, assinalam bilhões de dólares em investimentos no Brasil e nem um centavo para esta terra cabana.... Perdoem, inclusive nossa amiga Franssinete Florenzano, trazer essas reflexões à sua festa de posse. Mas, este ambiente, onde a história se faz presente e nos remonta aos primórdios desta cidade que comemora seus 400 anos sem que lhes tenham sido dados o esplendor e a importância merecidos, provoca inexoravelmente um sentimento autocrítico das nossas imperdoáveis omissões. A nós incumbe estar na linha de frente de tantos debates, postulando eventos que nos permitam trazer luzes e contribuições a tão nebulosos momentos, que nos pontuam com infindáveis incertezas e questionamentos. Aproveito, pois, sua chegada, com o espírito inovador e a pena sempre colocada a serviço das boas causas, para lhe instigar a sacudir a poeira de nossas clâmides e nos retirar da acomodação. Somos pessoas de “paz inquieta”, dispostos a romper com silêncios que podem nos tornar cúmplices de tudo aquilo que condenamos. D. Helder Câmara, nos idos

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de 1967, patrono de nossa turma de bacharéis em Direito pela Universidade Federal do Pará, conclamava-nos a “superar nossos egoísmos”. De fato, é o egoísmo que preside nossa tendência de sufocar a indignação e nos deixar quietos. Há muito o que fazer, discutir, reformar, propor, questionar, lutar. O Brasil “pós-impeachment” pergunta pelo futuro que queremos. Eu convoco a Academia a contribuir com sua humilde resposta, conclamando-os desde já a participar de um fórum de debates com esse tema, logo depois das eleições municipais. Renovo minhas desculpas aos distintos convidados e às Excelentíssimas Autoridades presentes, por ter me excedido no tempo e, quiçá, quebrado o protocolo. Agradeço a todos, pela presença e paciência. Boa noite!

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